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MAURIZIO CATTELAN

ROSÂNGELA RENNÓ
ANA MARIA TAVARES
SÉRVULO ESMERALDO
MISSÃO FRANCESA
FRIEZE WEEK LONDON
DIRETORA
Liege Gonzalez Jung
CONSELHO
EDITORIAL
Agnaldo Farias
Artur Lescher
Guilherme Bueno
Marcelo Campos
Vanda Klabin
Capa: Maurizio Cattelan,
PRODUÇÃO Novecento, 1997 (Suspenso)
André Fabro e Sans titre, 2007. Foto: Zeno
Zotti. Vista da exposição no
PUBLICIDADE Monnaie de Paris.
publicidade@dasartes.com
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Doe ou patrocine Contracapa: Maurizio
pelas leis de incentivo Cattelan, Sans titre, 2001.
Rouanet, ISS ou ICMS/RJ Photo : Zeno Zotti.

Maurizio Cattelan, Sans titre, 2001. Foto: Zeno Zotti.


ANA MARIA
TAVARES
14

ROSÂNGELA
RENNÓ
24

08 De arte a z
MAURIZIO
62 Livros CATTELAN 32
64 Resenhas
66 Garimpo
70 Coluna do
meio
SÉRVULO
ESMERALDO 42
72 Alto-falante

FRIEZE WEEK 48
LONDON

MISSÃO
FRANCESA
54
DE ARTE A Z
Notas do circuito de arte

COLEÇÃO DE TOMMY
HILFIGER EM LEILÃO
Obras da coleção privada do icônico
estilista americano Tommy Hilfiger,
estarão no leilão Evening Sale na 20th
Century & Contemporary Art a ser
conduzido pela Phillips em Nova York
dia 16/11. Entre elas, estão pinturas de
Jean -Michel Basquiat, Andy Warhol,
Jean Dubuffet, Keith Haring e Damien
Hirst (foto) com a obra "Disintegration -
The crown of life" de 2006 avaliada em
1,5 milhão de dólares.

GIORGIO OLAFUR
VASARI ESCULTURA ELIASSON
RESTAURADO SUSTENTÁVEL EM SEUL
Em Florença Prêmio para Marcos Amaro Individual na Ásia
Cinqüenta anos após a A obra “There’s Always a O Leeum, Samsung
inundação em Florença, a Way Out” (2016), de Museum of Art em Seul
obra-prima recém- Marcos Amaro, feita com inaugurou individual com
restaurada de Giorgio fuselagem aeronáutica, 22 obras do dinamarquês-
Vasari retorna ao Museu ganha prêmio de Escultura islandês Olafur Eliasson.
de Opera de Santa Croce. Sustentável na 2ª Bienal Obras famosas incluem
A pintura “A última ceia”, de Salerno. O Prêmio de "Parede de musgo", criada
de 1546, que foi destruída Escultura Ecosustentável usando musgo da Islândia,
no dilúvio de 1966, foi entregue em uma e a escultura "Seu
recebeu a contribuição da cerimônia durante o caminho imprevisível"
Prada, Fundação Getty e evento, que acontece até (foto), feita de vidro com
Protezione Civile para sua 20/11 no Fruscione mais de 1000 esferas. Até
restauração. Palazzo. 26/2/2017.

8
EDIÇÕES SESC GIRO NA CENA
GANHAM 30º
PRÊMIO DE DESIGN
No Museu da Casa Brasileira

Duas publicações das Edições Sesc São


Paulo são ganhadoras do 30º Prêmio
Design Museu da Casa Brasileira em 1º
lugar na categoria Trabalhos Escritos:
“Geraldo de Barros: Isso”, de Fabiana de
Carlos Zilio 40
Barros, e “Michel Arnoult, design e anos depois
utopia”, organizado por Ethel Leon. Ou-
tra publicação, “Cenograficamente: da No próximo dia 3/12 o MAM Rio
inaugura a histórica exposição
cenografia ao figurino”, de José de
“Atensão”, de Carlos Zilio, no
Anchieta, foi selecionada para participar
mesmo espaço que ocupou em 1976.
da Mostra 30º MCB, que será aberta no A instalação é formada por materiais
dia da cerimônia de premiação, em 24/11. de construção, como madeira, tijolos
O Prêmio Design MCB é realizado desde e pedras, articulados em equilíbrio
1986 pelo Museu da Casa Brasileira, precário e com o som incessante de
instituição da Secretaria da Cultura do um metrônomo, e remete o
Estado de São Paulo. espectador a uma relação com
a tensão.

Para ver

“Eu pretendo aprofundar 20ª Edição


o meu compromisso em Paris Photo
falar amplamente e De 10 a 13/11, acontece no Grand
orgulhosamente sobre os Palais na França, a 20ª edição da
Paris Photo. Com uma expectativa
erros que eu vejo de 60mil visitantes, o evento conta
culturalmente. Vamos com mais de 180 expositores de
todo o mundo. Do Brasil, participa
mudar o Congresso." a Livraria Madalena de São Paulo,
especializada em fotolivros. Na
imagem, capa do livro de Penna
Artista Zoe Leonard sobre sua Prearo, “Jornada do alumbramento
instalação “Eu quero um presidente” de Apolo”, lançado em Setembro
na High Line de Nova York deste ano.
GIRO NA CENA FESTIVAL DE PERFORMANCES
PERFOR CHEGA A 7ª EDIÇÃO
Perfor7 [como?] é o tema da sétima edição
do festival Perfor, organizado pelo grupo
Brasil Performance. O evento acontecerá
nos dias 14 e 15/11 nas cidades de São Paulo
e Santo Amaro da Purificação, no
Recôncavo Baiano. Entre os temas
abordados nesta edição estarão a
Artissima performance como linguagem, como
23ª Edição escritura e publicação e como novas
paisagens para as existências.
Com um total de 193
expositores convidados, a 23ª
edição da Artissima aconteceu
nos últimos dias 3 a 6/11 em
Turim na Itália.
Das galerias brasileiras,
estiveram presentes, Mendes
Wood DM e Baró Galeria de São
Paulo e Luciana Caravello Arte
Contemporânea do Rio de
Janeiro, com obras do artista
Lucas Simões (foto).

Funarte e o
Cerrado
Obras de nove artistas, atuantes na
região Centro-Oeste e familiarizados
com a vegetação do Cerrado, foram
selecionadas por uma curadoria
formada pela Fundação Nacional de
Artes – Funarte/MinC para integrar
VISTO Mais de 100 pinturas de
o projeto Natureza Viva Artes
Visuais/Ambiente Cerrado. As obras POR AÍ Jackson Pollock na
exposição “O figurativo
em formato de bancos, foram criadas
pelos artistas Bené Fonteles, Carlos Pollock” no
Lin, Cecília Bona, Felipe Cavalcante Kunstmuseum Basel na
& Pedro Ivo Verçosa, Ligia de
Medeiros, Lourenço de Bem, Nina Suiça. Até 22/1/2017.
Coimbra e Yana Tamayo.

10 DE ARTE A Z
Outras NOTAS

Arte na Fábrika

POR PHILIPE F. AUGUSTO

Reunindo mais de 50 artistas, o Arte na Na astronomia, o termo


Fábrika acontece em uma antiga fábrica
que manteve suas características “paralaxe” significa a
arquitetônicas e hoje reúne diversas
atividades criativas e educacionais em
diferença aparente na
Curitiba. O evento, que pretende ativar distância dos astros
outros espaços na cidade com
exposições de arte contemporânea,
entre observadores em
também surgiu com o desejo de formar locais distintos.
novos colecionadores na cidade. Entre
as três exposições simultâneas, o projeto
curatorial PARALAXE apresenta obras
de 11 artistas contemporâneos com a
intenção de levar artistas de fora para a
capital do Paraná.
Na astronomia, o termo “paralaxe”
significa a diferença aparente na
distância dos astros entre observadores
12 OUTRAS NOTAS
em locais distintos. Esse deslocamento é
motivado pela observação de mais de um
ponto de vista e, desse modo, a percepção
das distâncias ganha maior clareza. Nesse
sentido, o projeto teve como intenção a
criação de uma poética para esse termo que,
na exposição, dividida em três ambientes,
apresenta uma seleção abrangente de obras
que lidam com questões como
deslocamentos, espaço, instabilidade,
distância e cosmologias – ou ideias de início
e de fim.
No primeiro espaço, trabalhos como o de
Mayana Redin, que reinventa o céu sobre
cidades com o projeto “Edifício Cosmos”.
Laercio Redondo, em conversa com Félix
Gonzalez-Torres, propõe um deslocamento
até Havana com a ideia de um tempo e de
um lugar específico. Tiago Tebet exibe
pinturas de constelações específicas em
medidas que parecem revelar uma suposta
exploração científica do universo. Em
seguida, a exposição apresenta fotografias e
pinturas do artista Hugo Frasa, articulando
distâncias e deslocamentos territoriais
contidos também na utopia de paisagens
permanentes das esculturas de Lucas Simões.
Em um último momento, o espectador
adentra um ambiente de atmosfera
cosmológica, onde Albano Afonso reinventa
as estrelas de Van Gogh por meio da
representação de si em autorretratos em luz
e que na verdade não existem. Nazareno
surge com uma série de desenhos em que
constrói linhas delicadas que ganham forma,
volume e força, fazendo surgir um horizonte
infinito que o menino em escultura de Flávio
Cerqueira convoca à percepção. Arte na Fabrika • Espaço
Com mais de vinte obras expostas, o Cultural A Fabrika • Curitiba •
visitante se depara também com trabalhos
20/10 a 12/11
dos artistas Daniel Duda, João Gonçalves e
Thiago Antonio. Investigações que se
atravessam de alguma forma, fazendo Philipe F. Augusto é curador
independente, pesquisador
presente a mais íntima potência do ato de e produtor. Foi estudante
criação, a imaginação que não cessa na arte, da Escola de Artes Visuais
talvez como algo de cosmológico – ou como do Parque Lage e
os gregos em um primeiro momento atualmente é diretor da
puderam produzir significados em torno Assemblage produtora.
desse dado real: a vida.

À esquerda: Obras de Nazareno e Flávio Cerqueira. Acima: Obras de Daniel Duda e Lucas Simões.
NO LUGAR MESMO:

ANA MARIA TAVARES,


UMA ANTOLOGIA

14 ALTO RELEVO
POR FERNANDA PITTA

A Pinacoteca de São Paulo apresenta uma


antologia da obra da artista Ana Maria
Tavares que ocupa sete salas do primeiro
andar do edifício Luz, assim como os
espaços do octógono, "lobby" e
corredores do mesmo piso. São mais de
160 trabalhos que rearticulam elementos
fundamentais da produção da artista de
1982 - data de sua primeira individual,
realizada na Pinacoteca - até o momento
presente. Organizada a partir de questões
que mobilizam essa produção, sem se
pautar pela cronologia, a mostra pode ser
entendida como uma orquestração de
trabalhos que lidam com a espacialidade
e a superfície, o ornamento e a
funcionalidade, a indústria e o artesanato,
a palavra e a imagem.
Guiando-se por conceitos-chave
presentes na produção de Ana Maria
Tavares - suspensão, mobilidade,
deslocamento, espelhamento, rotação e
labirinto - a mostra reflete sobre a forma
como seu trabalho se instala, aqui e agora,
nesse espaço específico. Rearticula assim,
ao mesmo tempo, o lugar e a história do
museu e da obra, em um movimento
retrospectivo que é de reelaboração e
reinvenção de ambas as trajetórias. A
exposição é também uma grande
intervenção da artista na arquitetura e
memória do museu. Nomeada "No lugar À esquerda: Instalação na Pinacoteca.,
2016. Sinfonia Tropical Para Loos”.
mesmo: des-domesticando trópicos" Acima: Escada e Container, 1990.
(2016), essa intervenção reestrutura "Parede Loos" conduz também à
fluxos e hierarquias desse espaço, entrada das sete salas climatizadas
rotacionando o eixo original do encontrando ali outra instalação,
edifício Luz, voltado para a avenida "Atlântica Moderna", releitura da
Tiradentes. O trabalho intitulado instalação "Atlântica Moderna: Purus
"Parede Loos" (2014), ativa os e Negros", realizada no Museu da Vale,
corredores que circundam o octógono em 2014. "Atlântica Moderna", na
(elemento geralmente marginal das versão da Pinacoteca, é composta de
arquiteturas) como uma espécie de fio vitrines em que se guardam vitórias-
de Ariádne. Ali o visitante é convidado régias feitas em crochê ("Vitórias-
a escolher seu próprio percurso, em régias para o rio Cocó", "Vitórias-régias
que vai encontrar os trabalhos da para Purus e Negros", séries realizadas
artista em novas articulações em 2013), uma videoinstalação
concebidas especialmente para essa ("Parede Loos com Paraíso" - da série
exposição."Parede Loos" conduz à Bunker - "O Homem Ilha", 2014), que
ocupação do "lobby" do museu pela contrasta paisagens construídas e
instalação "Terceira Natureza", naturais, questionando a vontade de
reelaboração de "Jardim para Burle- racionalização do natural empreendida
Marx (Sala Branca)" (2013), realizada pelo projeto moderno, e pela obra
para "Natural-Natural: Paisagem e "Máscaras de massagem para olhos
artifício", exposição feita no MAC- cariocas" (2008), que, como sentinelas
Dragão do Mar, em Fortaleza, em 2013. incapazes de vigiar, completa a
16 ANA MARIA TAVARES
Fachadas Insanas, 2013

Eden. Desviante Double_Dia Solo L da série Hieróglifos Sociais, 2011. Galeria Vermelho.
instalação provocando o visitante ao …por meio de uma
oferecer repouso à custa do seu
cegamento.
superfície reluzente
O percurso das salas subsequentes que verde-metálica, que
se abre a partir de "Atlântica Moderna"
tem sua linearidade quebrada pelo
atrai o olhar a
constante embaralhamento da mergulhar, mas que
cronologia dos trabalhos. Se o visitante
se voltar para a sala da esquerda (sala
nos é vedada pelo
3), vai se deparar com séries recentes, anteparo do corrimão,
como "Desviantes (Hieróglifos Sociais)”, obrigando a nos
que fazem uso das superfícies
espelhadas e das imagens em labirinto posicionarmos um
para explodir a malha modernista, ou passo atrás dessa
ainda "Sinfonia Tropical Para Loos"
(2014) e o projeto "Pavilhão para Burle- imersão.
Marx: Observatório das Águas. Ensaio
para o rio Guaíba" (2009), que trazem a
imagem da vitória-régia como elemento
de contaminação das estruturas
encapsuladas do moderno. Percorrendo
as salas à direita da instalação "Atlântica
Moderna", o público vai encontrar, na
sala 5, trabalhos e estudos dos anos
1980, organizados em torno da obra
"Tapetes pretos para paredes brancas"
(1982), feita para a primeira individual da
artista, na Pinacoteca. Neles, a questão
da contaminação já se faz presente pela
investigação das formas de distorção do

18 ALTO RELEVO
À esquerda: Mesa Curva, 1989 e Bico de Diamantes, 1990. Foto: Romulo Fialdini.
Acima: Vista da exposição no MuBE.

"grid" e pela figura do ornamento, nos gesto, pelo volume, pela cor, ou
estudos de composição feitos com simplesmente pelo vazio de sua
Amílcar de Castro, em Minas, nas interrupção, posteriormente se tran-
investigações das bolhas, escovas, substanciaria na tridimensionalidade
almofadas, "headphones" e sandálias. dos objetos "deformados" e
Os objetos estranhos que a artista foi "distorcidos" por sua ausência de
criando nessa década desafiavam as funcionalidade, apresentados na sala
noções do espaço ortogonal. Eles se 2 da exposição, dedicada a trabalhos
conectam aos desenhos apresentados icônicos como "Mesa Curva (1989),
na sala 2, feitos sobre deliciosas folhas "Pendurador" (1990), "Pergaminho"
pautadas em perspectiva do mesmo (1991) e "Dois Rosários" (1991). Neles, o
período que tencionavam e por vezes "ornamento", o "crime do excesso",
arrebentavam literalmente a malha do libertava-se da prisão do "grid", vindo
espaço abstrato e infinito modernista, povoar o espaço real de esculturas,
tal como o faz a obra "Chuveiro" (1987), quase-objetos, ao mesmo tempo
que ganha desenho realizado sedutoras e repulsivas.
especialmente para essa antologia, "Bico de Diamante" (1990", feita para a
além da instalação "Duas Noites sobre exposição no Paço das Artes, ocupa
o sol", obra de estreia da artista na 19a toda a sala 1 e arremata um possível
Bienal Internacional de São Paulo, percurso. Pertencente ao acervo da
documentada naquela mesma sala. Pinacoteca, obra que impulsiona a
Nos estudos da década de 1980, a realização dessa antologia, faz a
contaminação dessa malha, seja pelo síntese da pesquisa do potencial de
Instalações no Octógono da Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2016.
Acima: Fortuna, 2008. À direita: Vitrines III, 2009. Fotos: Cia de Fotos.

atratividade do ornamento levada a labirintos impossíveis do "Airshaft" da


cabo durante aqueles anos, por meio série "Tautorama" e da videoinstalação
de uma superfície reluzente verde- "Deviating Utopias" (from the Social
metálica, que atrai o olhar a mergulhar, Hieroglyphs series)", apresentada pela
mas que nos é vedada pelo anteparo primeira vez no Rolls-Royce Studio, em
do corrimão, obrigando a nos Berlim, em 2015.
posicionarmos um passo atrás dessa Toda exposição é pontuada por obras,
imersão. ou mais precisamente, "estruturas de
Em seus trabalhos mais recentes, como suporte para um corpo em trânsito",
"Cityscape" e as séries "Artifactual", como "Coluna Niemeyer com Catraca"
"Condomínios", "Mantras", "Caça- (1997); "Coluna Niemeyer com Sofá
Palavras", apresentados na sala 6, (Museum's Piece) (1997); "Alguns
palavras, protuberâncias, signos e Pássaros" (1991); "Coluna com Banco de
ideogramas fazem esse trabalho de Elevador" (1997); "Coluna com três
contaminação em superfícies alças" (1997) e "Coluna com Roleta"
espelhadas e reflexivas, seduzindo e (1997). Essas estruturas, surgidas no
desorientando, criando condições, processo de outras intervenções de
agora, sim, para um mergulho nos Ana Maria Tavares nas arquiteturas
22 ANA MARIA TAVARES
autorais de Oscar Niemeyer e Paulo
Mendes da Rocha ("Porto Pampulha" (1997)
e "Relax'o'visions" (1998)) também se dão na
Pinacoteca como "'site-specific' deslocado",
denominação da artista para a operação em
que uma instalação é deslocada para outra
arquitetura, articulando e tensionando uma
nova espacialidade. Tais obras sugerem
momentos de pausa em que o visitante é
convidado a se abrigar ou se deter. De
aspecto utilitário, dilatam o seu tempo de
visita, ou criam ainda camadas de
experiência virtual, como em "Hipótese
Espacial com Poltrona Super-soft e Parede
DOT" (2004). Funcionando ainda como
"próteses de espaço", intervenções na
arquitetura do museu e nos códigos do
espaço expositivo, embaralham as
hierarquias entre obra e público, como faz No lugar mesmo: uma antologia de
"Coluna com Retrovisor" (1997), outra peça Ana Maria Tavares • Pinacoteca do
síntese do jogo proposto por Ana Maria
Estado de São Paulo
Tavares na Pinacoteca, que se conclui com
a dissolução do Octógono em "Paisagem 19/11 a 10/4/2017.
para Exit III com Parede Niemeyer (Estação
Luz)" (2016), produzida especialmente para
o museu, em um gesto provocador da
Fernanda Pitta é curadora
centralidade e monumentalidade daquele na Pinacoteca de São
espaço, que traz a cidade fragmentada, Paulo, doutora em história
"distópica", que nos habita e na qual da arte pela ECA-USP.
estamos definitivamente encapsulados.
ROSANGELA
RENNÓ
A ARTISTA ULTRAPASSA OS LIMITES DA FOTOGRAFIA EM
EXPOSIÇÃO NO OI FUTURO

POR EVANGELINA SEILER mundo concreto e o espiritual, na


fotografia que se afasta da realidade
Rosângela Rennó é uma artista para tocar a memória desgastada pelo
consumada, inteira, completa. Ela é a tempo, na fumaça que transita entre o
arte em si, mais o discurso refinado em mundo material e o espiritual,
torno. Pensadora e artífice em uma só avançando sobre o vazio e
pessoa, manuseia a teoria e a prática impregnando o espírito como acontece
em um só movimento, deixando ainda na obra "per fumum", que se expande
assim um imenso espaço para a através ou "pela fumaça", emanando
sutileza, para a transição, nos seu perfume, conforme a etimologia da
intervalos de seu discurso. palavra.
A arte de Rosângela Rennó se instala Na Sala I da presente exposição,
e ocupa espaço nos meandros entre o podem ser vistas as fotografias

26 DESTAQUE
"Lanterna mágica" (2012), realizadas em Pensadora e artífice
laboratório fotográfico, em papel à
base de sais de prata e gelatina. Elas em uma só pessoa,
são acompanhadas por oito "lanternas
mágicas" - projetores antigos do século
manuseia a teoria e
19 e do início do século 20. No a prática em um só
laboratório, durante o processamento,
as fotografias foram expostas a uma luz
movimento, deixando
muito intensa e pontual, afetando a ainda assim um
reprodução correta do negativo, como
se uma mancha consumisse a paisagem imenso espaço para
representada, tal qual um buraco, a sutileza.
negro e inescapável. Originalmente,
cada negativo em preto e branco
usado no laboratório gerou quatro

À esquerda: Mi mo, kokoro mo, 2012. Série Turista Transcendental, 2006-2016. Acima: Lanterna
Mágica e Per Fumum Aceso.
imagens distintas, de acordo com a As lanternas mágicas,
intensidade e o tamanho do buraco
negro produzido sobre a superfície do por sua vez, revelam, por
papel fotográfico durante sua meio da projeção
exposição à luz.
As lanternas mágicas, por sua vez, luminosa, detalhes
revelam, por meio da projeção daquelas mesmas
luminosa, detalhes daquelas mesmas
paisagens consumidas pela luz do
paisagens consumidas
laboratório fotográfico. O projeto se pela luz do laboratório
apresenta como um exercício no qual
dois tipos de emissão de luz
fotográfico.
interferem e produzem imagens de
características opostas a partir das
mesmas matrizes. Na contramão da
documentação de base digital, esse
exercício visual abre caminho para a
discussão sobre a ontologia da imagem
fotográfica original e sua relação
filosófica com um possível capítulo da
história da humanidade, eclipsado,
hoje em dia, por um excesso de
racionalismo, que inclusive esquece seu
relacionamento antigo com o mistério e a
fantasmagoria.
Em "As horas viajantes", frascos de
perfume são colocados dentro das vitrines
já existentes, na passagem entre dois
andares, compartilhando o espaço com os
aparelhos de telecomunicação já
existentes no local. Os vidros das vitrines
aparecem cobertos por uma película
semileitosa e alguns cortes circulares nela
nos deixam ver apenas os frascos, vazios
ou com um pouco de perfume. Os objetos
originais ficam distantes do olhar. Nos
letreiros luminosos que acompanham esse
pequeno museu vertical, Rosângela
registra o nome dos perfumes expostos,
formando um poema visual cheio de
assonâncias e referências.
O perfume que evoca a memória. Ademais,
remete a um tempo muitas vezes passado
que é trazido ao presente de uma epifania.
Ele também é intensamente proustiano e
se soma ao discurso concreto da arte de
Rosângela Rennó, podendo, inclusive, ser
mais nítido do que sua fotografia evasiva,
no anacronismo aparente que também
distingue as obras da artista.
Na Sala II, do chamado "Turista
transcendental", um alter ego criado por
Rosângela Rennó documenta suas viagens
de maneira bastante peculiar, em imagens
e textos. Ele é um tipo de turista muito
especial, que viaja, absorve a cultura dos
outros e embaralha imagens, tradições,
cultos e memórias. Dez projetores e
monitores exibem vídeos feitos em lugares
como a ilha da Reunião, no oceano Índico;
a ilha Gomera, do arquipélago das
Canárias; o Salar do Uyuni, na Bolívia; o
estreito de Bósforo e cidades místicas da
Índia. Todos, mas cada um à sua maneira,
parecem mostrar as transições e as
transações entre o material e o imaterial, a
partir da documentação em vídeo de
lugares pouco conhecidos e paisagens

À esquerda: Bouk Ringloup, 2006. Série Turista Transcendental, 2006-2016. Acima: Círculo Mágico.
peculiares, manipulada posteriormente, o sarcástico, não deixando de adentrar
durante a edição. Viagens ao mesmo livremente o religioso e o místico. A
tempo físicas e metafísicas. cor envolve toda essa energia como
Na Sala III, Rosângela Rennó apresenta um manto, e se Carlos Fuentes fala em
dois espaços, o "Círculo mágico" e o sua novela "Aura" que o verde se
"Realismo fantástico". "Realismo relaciona ao chacra do coração, isso
fantástico" exibe espectros de luz que ajuda a explicar sua presença etérea e
se projetam na parede, ocupando a sala ao mesmo concreta na obra de
em eterno movimento. O vídeo Rosângela Rennó.
intitulado "Círculo mágico" mostra A exposição de Rosângela Rennó
objetos que falam sobre sua própria promove um turbilhão de conexões e
existência para um provável coerências, uma voragem de
espectador, consolidando o projeto da recorrências que adentram todos os
ocupação promovida pela artista na âmbitos da arte e do mundo concreto
Fundação Eva Klabin. Esses objetos de e inclusive abstrato. Os sentidos são
coleção, às vezes bem antigos e de evocados: a visão primordial e central;
formas ancestrais, parecem a audição, via os diversos sons do
movimentar suas sólidas bocas em mundo, e o olfato, aparentemente
fulgores de luz, que tocam o humor, até distante da obra de arte usual. Tudo
remete a tudo: ambiente, iluminação,
imagem, som, perfume em um
intercâmbio geral. Até mesmo o
mobiliário da sala de leitura e a vitrine
são usados escultoricamente como
suporte. Esse movimento circular, de Rosângela Rennó • O espírito
transição intensa entre o mágico e o
lógico, entre o misterioso e o preciso, de tudo • Oi Futuro Flamengo
entre o esotérico e o realista já começa 21/11 a 29/1/2017
nos títulos cheio de movimento de suas
obras. Até neles tudo remete a tudo,
porque na obra de Rosângela Rennó
não há fraturas, a não ser aquelas que Evangelina Seiler é curadora e
se prestam a costurar melhor a sua consultora de arte. De 2009 a
2014 foi diretora da Casa
própria capacidade narrativa. Tudo França-Brasil.
tem o espírito de tudo.

À esquerda: Círculo Mágico, Sapatos. Acima: Realismo Fantástico.


MAURIZIO
CATTELAN
E SEU PÓS-RÉQUIEM
Acima: Sans titre, 2007. Cortesia Galerie Perrotin. Abaixo: All, 2007. Todas as Imagens: Vista da exposição no Monnaie de Paris. Fotos: Zeno Zotti.
DURANTE RETROSPECTIVA NO GUGGENHEIM DE NOVA YORK,
EM 2011, O ARTISTA SURPREENDEU O MUNDO ANUNCIANDO
SUA APOSENTADORIA, MAS A POLÊMICA SOBRA SUA OBRA
NUNCA MORREU. AGORA, CATTELAN VOLTA À CENA EM UMA
MOSTRA NA MONNAIE DE PARIS. DASARTES TRAZ UMA
ENTREVISTA PELA CURADORA DA EXPOSIÇÃO.

POR CHIARA PARISI Você tem um segredo sobre você que


nunca dividiu com alguém?
Como você definiria seu trabalho?
Com quais adjetivos? Assim que entro em um cômodo, olho
discretamente ao redor para encontrar
Não gosto muito de categorias, acho o meio mais rápido de escapar: estou
que as palavras são terrivelmente sempre pronto a desaparecer de cena
perigosas; elas parecem tão definitivas a qualquer momento, assim que as
quanto lápides. Isso explica porque luzes se acendem. Devo confessar que
minhas obras são frequentemente melhorei com a idade: atualmente, em
"sem título": é como escrever uma raros casos, consigo até mesmo olhar
piada em meu próprio túmulo. as pessoas nos olhos.
Você é tímido ou apenas não gosta de
falar de seu trabalho?

Pouco importa o que digam de mim,


acho que sou a pessoa mais tediosa
que já conheci... Poderia dormir
falando de mim e do meu trabalho.

Você guarda algumas de suas obras?

Cada obra é uma parte de mim que


abandonei no caminho porque Cada obra é uma
terminei por conhecê-la bem demais...
Uma vez que uma obra está terminada,
parte de mim que
não há mais razão para mantê-la por abandonei no
perto, ela me faria apenas lembrar que
poderia ter feito melhor. Prefiro caminho porque
conviver com as partes de mim mesmo terminei por conhecê-
que ainda restem a ser descobertas, é
verdadeiramente mais interessante! la bem demais...

À esquerda: Charlie don’t surf, 1997. Acima: Sans titre (Gérard), 1999.
La Nona Ora, 1999.
O que o faz feliz? Você trabalhou como jardineiro e em
um necrotério. Como isso se traduz
Creio firmemente que a insatisfação é em seu trabalho?
necessária para progredir, e isso é
válido tanto para o indivíduo quanto 1. As flores e as obras de arte têm em
para o conjunto da humanidade. A comum o fato de precisarem de um
felicidade não está na acumulação, ambiente adaptado para florescer
trata-se mais de se livrar das zonas de naturalmente; 2. As coisas vulneráveis
sombra que acumulamos. Cada peça são bem mais interessantes que as
que criei é uma parte de mim da qual imutáveis; 3. Tudo tem um fim e não
me livrei ao criá-la. podemos fazer nada sobre isso.
Others, 2011.

Você já declarou que não se considera mim mesmo e sobre tudo o que faço;
um artista conceitual, que não você isso me ajuda a não me levar tão a
não reflete. É uma piada? sério. De tempos em tempos, faço um
papel diferente atrás de uma máscara
Com o tempo, cheguei à conclusão de nova: é uma questão de personagem.
que posso usar todas as etiquetas Minha interpretação do papel do
porque eu mudo e me questiono todos artista só faz sentido quando eu
os dias. Eu finjo ser alguém que consigo ir além, quando meu trabalho
gostaria de ser até que finalmente me tem um impacto que perturba, que
torno essa pessoa. Ou é esta pessoa permite ver as coisas de outra forma
que toma meu lugar. Eu me coloco ou que faz perceber a vida cotidiana
permanentemente em dúvida sobre de um modo diferente.
Acima: Vista da exposição “All, Solomon” no Guggenheim Museum, 2011-2012. Foto: David Heald.
À direita: America, 2016. Foto: Kris McKay © Solomon R. Guggenheim Foundation.
Por que você se retirou oficialmente
do mundo artístico em 2011?

Às vezes, escolher não fazer nada é


mais importante do que fazer algo.
Naquele momento, eu estava à deriva,
flutuava na superfície de uma rotina
cotidiana, indiferente a tudo à minha
volta. Percebi que precisava me
arriscar: uma situação drástica exige
medidas drásticas. Precisei fazer uma
pausa, esquecer o que tinha aprendido
e redescobrir como fazer as coisas; até
o momento em que escolher fazer algo
se torna mais importante do que
escolher se abster.

Sobre a exposição no Guggenheim, Esse pendurar massivo


você queria que seu trabalho foi um ato de violência
refletisse suas visões mais íntimas?
necessário para romper
Preparar essa retrospectiva foi como com minhas obras e
escrever minha autobiografia: no meu
ponto de vista, esse pendurar massivo vê-las sob um prisma
foi um ato de violência necessário para menos sentimental.
romper com minhas obras e vê-las sob
um prisma menos sentimental.

Inevitavelmente, após uma


retrospectiva desse porte,
perguntamo-nos: o que ainda é
possível fazer?

Não penso que exposições tratam


apenas dos artistas, elas são também
as obras que apresentam e os diálogos
que nascem entre elas. Enquanto
houver um público que escute o que
elas têm a dizer, minhas obras e a de
outros artistas continuarão a ser
expostas. Um espetáculo de grande Not Afraid of Love • Maurizio
qualidade é um coquetel entre boas Cattelan • Monnaie de Paris •
obras e um curador elucidado. O
artista é apenas a "cereja do bolo". 21/10 a 8/1/2017
SÉRVULO
ESMERALDO
POR ELE MESMO

“Parti de um estudo de uma mesma família de discos de aço de diâmetros diferentes.


Uma progressão. Encurvados, eles adquiriram formas orgânicas analisáveis. Cada
elemento tem o mesmo dínamo, seja na
sua aparência côncava ou
convexa. Isso permite ao
conjunto diversas e
distintas formas de
agrupamentos. Liguei Cada elemento tem o mesmo
imediatamente a
poética deste
dínamo, seja na sua aparência
trabalho "à la chanson côncava ou convexa. Isso
de Prèvert", "Les permite ao conjunto diversas e
Feuilles Mortes": "...
Les feuilles mortes se distintas formas de
ramassent à la pelle.../ agrupamentos.
C'est une chanson qui
nous ressemble./Toi, tu
m'aimais et je t'aimais
Et nous vivions tous les deux
ensemble,/Toi qui m'aimais, moi qui
t'aimais./Mais la vie sépare ceux qui s'aiment,/Tout doucement, sans faire de bruit/Et
la mer efface sur le sable/Les pas des amants desunis...".”

42 REFLEXO
“Ao acompanhar a montagem destas três pirâmides, transportei-me no tempo e me vi
criança no Crato, queimando pestanas nos compêndios "Tesouros da Juventude", nas
intermináveis pesquisas sobre o Egito e seus faraós. Eu, naquela época, um "construtor" de
sarcófagos (feitos com madeira e material inventado), estava longe de pensar que um dia
poderia projetar pirâmides. É verdade: durante muito tempo da minha infância e
adolescência, eu só pensava no Egito (talvez outras crianças do mundo pensassem o
mesmo; o entre guerras nos levava ao mundo antigo e
misterioso). Vendo agora o trabalho dos
operários no encaixe das peças, enquanto
oriento a situação de cada pirâmide
em relação ao espaço, veio-me à
mente aquela fixação do menino,
e me dei conta de que
passamos a vida inteira a
realizar coisas que sempre
estiveram no nosso
pensamento. Uma doidice.
Vou doar esta obra para a
cidade do Crato. Um presente
meu para a juventude de hoje.”
durante muito tempo da minha infância e
adolescência, eu só pensava no Egito (talvez outras
crianças do mundo pensassem o mesmo; o entre
guerras nos levava ao mundo antigo e misterioso).
As pinturas descrevem o processo de
produção das peças em madeira: a árvore era
cortada, a madeira era derrubada,
transportada…

Sérvulo Esmeraldo: A Linha, A Luz, O Crato

URCA – Universidade Regional do Cariri. 10/9 a 8/10.

46 SÉRVULO ESMERALDO
“Convidado em 1994, a construir
uma escultura na Ponte dos
Ingleses, na Praia de Iracema, em
Fortaleza, chegando ao local, fui
tomado por uma lembrança e de
imediato vi o que eu faria ali.
Participando da exposição "Les
Coordonnée Nouvelles" (1971), no Musée
de Nantes, a convite de Jacques Castex
fomos a Saint-Nazaire, onde ele vivera na
infância. A decepção do colega no reencontro
com a cidade, destruída pela Segunda Guerra,
levou-nos até o porto, cujo cenário era também
desanimador, até que um pequeno vapor surgisse no horizonte.
Um Castex entusiasmado disse-me: "Um barco". Ao que refutei: "Não, não é um
barco, é uma 'Femme Bateau', veja a sua cabeleira". Apontei ao amigo o chumaço
de fumaça deixado pelo barco. Com esse pensamento, "La Femme Bateau" foi
construída e fincada sobre um dos esteios da antiga ponte. Impulsionada por um
rolamento, ela "navega" ao sabor dos ventos. Nesta serigrafia, transposta para o
papel, ela continua como miragem, uma visão inesperada.”
FRIEZE WEEK
LONDON

48 DO MUNDO
POR SYLVIA CAROLINNE Tarefa difícil para iniciantes é saber o
Visitar Londres em outubro significa que escolher após a visita obrigatória
não escapar de ver arte por onde quer às feiras principais. É mais uma grande
que se passe. Apesar de ser sempre oportunidade, no circuito
uma cidade culturalmente internacional de arte, de ver de perto
borbulhante, particularmente nesta o trabalho de artistas reconhecidos,
época, a Frieze Week - semana em que ter aulas de história da arte, conhecer
acontecem a Frieze London e a Frieze a nova leva de artistas emergentes,
Masters - é responsável por alavancar deparar-se com antigos mestres,
eventos que invadem a cidade, como descobrir nomes consagrados ao qual
feiras, aberturas, palestras, festas e nunca tivemos acesso e colher dados
outros, muito acima da capacidade de para pesquisas futuras. Dentre alguns
assimilação de qualquer um de nós. destes atuais destaques, podemos
Independentemente de interesses citar Philippe Parreno e Bhupen
particulares, consumir arte se torna Khakar, na Tate Modern; Opavivará,
quase equivalente a respirar, já que, no n'A Gentil Carioca; Lygia Pape, na
período, é impossível não se deparar Hauser & Wirth; Willys de Castro, na
com alguma novidade ou cumprir Cecilia Brunson Projets; Montez
algum tipo de agenda. Magno no stand da Galeria Pilar;
À direita: Móvel com 48 relevos em cera de Caspar Benhard Hardy, 1795 na Kunstkammer Georg
Laue de Munique. Acima: Prem Sahib na Galeria Lorcan O’Neill de Roma. Fotos: Sylvia Carolinne.
Guerrilla Girls, na Whitechapel Gallery; e Vermelho, na seleção de Marta
e Paula Rego, na Marlborough Gallery e Ramos-Ysquierdo na Crossroads Art.
na Galeria Sala Branca. No caso da Vermelho, a galeria acabou
Destacando a participação brasileira na por participar de duas feiras com
Frieze London, tivemos as galerias diferentes propostas.
Fortes Vilaça, Mendes Wood DM, Luisa A Crossroads Art Show, primeira
Strina, Vermelho, Jaqueline Martins e A edição da antiga Pinta London, trouxe
Gentil Carioca (que marcou ponto com para esta semana projetos curatoriais
mostra do Opavivará em sua proposta com grande presença brasileira. Vimos
"portátil" do universo do coletivo). Na a seleção de cinco galerias, sendo duas
Frieze Masters, nossa participação paulistanas, sob curadoria de Marta
diminuiu e apenas DAN Galeria e Ramos-Yzquierdo: Àngels (Barcelona),
Marilia Razuk se mantiveram. Para além Vermelho e Galeria Pilar (ambas de
das participações nos stands, é São Paulo), Galleria Macca (Cagliari) e
interessante ressaltar o fato de que Isla Flotante (Buenos Aires).
algumas galerias brasileiras foram Completando a representatividade do
selecionadas para projetos curatoriais time nacional, tivemos a Baró, o Espaço
das feiras londrinas: Jaqueline Martins Alê e a Ybakatu na área das galerias, e
na seção LIVE, na Frieze London; Pilar a participação do VideoBrasil na

Acima: Montez Magno, Galeria Pilar na CrossRoads. Foto: Gil Riquelme. À direita: Estande da
Simon Lee Gallery.
Consumir arte se
torna quase
equivalente a respirar,
já que, no período, é
impossível não se
deparar com alguma
novidade ou cumprir
algum tipo de
agenda.

seleção vídeos de instituições Exposições ao ar livre, vídeos, filmes e


internacionais independentes. A palestras continuam sendo uma
Crossroads, que a partir desta edição importante plataforma de suporte
passou a exibir arte da América Latina, para que, junto com tanta vibração por
Espanha e Portugal, apresentou em um ver e ser visto, possamos também
de seus stands o projeto 5+5, da galeria capturar o que está acontecendo em
portuguesa Sala Branca, com 10 outras partes do mundo, misturando
grandes mestres portugueses e de várias linguagens e garimpando um
outras partes do mundo, mostrando pouco o material globalizado. E será
um breve panorama de artistas como que, em meio a tanta efervescência,
Julião Sarmento, Gerhard Richter e sou capaz de destacar uma peça
Paula Rego, que também contava com internacional preferida? Sim! Pink
uma individual no stand da galeria Project, de Portia Munson, no stand
Marlborough, na Frieze Masters. Com P.P.O.W, de Nova Iorque. Projeto em
esses nomes, a Crossroads Art Show rosa de acúmulo de objetos
mostrou que não apenas nas maiores descartados. Por que? Resume em
feiras era possível apreciar obras de apenas uma peça as feiras de arte da
grandes mestres. atualidade: o marketing da sedução e

51
À esquerda: Portia Muson, Galeria PPOW para o Pink Project e à direita Seventeen Project.
(Frieze Art Fair). Fotos: Sylvia Carolinne.

do consumo disfarçados na cor e


espetacularização; e muitas publicações
nas redes sociais.
Mas o que faz desta semana diferente de
todas as outras que acontecem ao redor
do globo é a tradição em feiras. Ao longo
de toda a cidade, acontecem não apenas
feiras de arte antiga, moderna e
contemporânea, mas de todo tipo que
Frieze New York 2017 • Nova
possa se imaginar: gastronomia,
colecionismo, antiguidades, roupas, livros, York • 4/5 a 7/5/2017.
música. Pense num tema, e lá estará uma Frieze London e Frieze
feira. Em eventos como esse, o tempo Masters 2017 • Novas datas
sempre é menor do que desejamos. Mas,
em Londres, essa sensação toma uma
proporção ainda maior, e é preciso muita Sylvia Carolinne é artista
disciplina e desapego para não sucumbir visual e graduada em
engenharia civil e moda. Atua
à sensação de perda que paira no ar
como gerente de projetos da
quando nos dirigimos ao aeroporto de Simon Arts e correspondente
volta para casa. internacional da Dasartes.

52 FRIEZE WEEK LONDON


A MISSÃO ARTÍSTICA
FRANCESA
200 anos depois
Nicolas-Antonie Taunay (1755-1830). Sacrifice de l'Agneau Chér.
POR MAX PERLINGEIRO Histórico e Geográfico", em 1911 -
revisado e reeditado em 1956 pelo
Ao pensar em homenagear o Serviço do Patrimônio Histórico e
bicentenário da chegada da Missão Artístico Nacional. Segundo Afonso
Artística Francesa ao Rio de Janeiro, Taunay, a iniciativa teria sido de dom
considerei relevante evidenciar a João VI e de seu conselheiro, o ministro
polêmica sobre sua existência. António de Araújo e Azevedo (1754-
Existiu, realmente, uma "Missão 1817), o conde da Barca, objetivando a
Artística Francesa"? criação de uma escola de Belas-Artes no
A primeira versão sobre sua realização Rio de Janeiro.
foi escrita pelo historiador Afonso A versão de Mário Pedrosa (1901-1981),
d'Escragnolle Taunay (1876-1958), no crítico de arte, historiador e jornalista,
livro "A Missão Artística Francesa de apresenta outra visão. Por meio de uma
1816", editado pela "Revista do Instituto pesquisa fundamentada, que resultou
Nicolas Poussin (1594-1665), Himeneu travestido durante um sacrifício a Príapo, circa 1634-1638. Foto: Alexandre Cruz Leão.

na tese para concurso (nunca bandeira norte-americana, na data de


defendida) "Da Missão Francesa - Seus 20 de março de 1816. Segundo o crítico
obstáculos políticos", de 1955, a "Missão de arte e historiador Quirino
Francesa" nunca teve caráter oficial. Ou Campofiorito (1902-1993) "O 'Calpe',
seja, resultou de um convite formal da com seus ilustres passageiros, deixou o
Corte Portuguesa , que vieram para o porto de Havre com o canal da Mancha
Brasil por iniciativa própria e foram agitado por seus costumeiros
muito bem recebidos pelo príncipe temporais".
regente, dom João VI. A exposição "A Missão Artística
O fato é que a "Missão Francesa" - o Francesa no Brasil e seus discípulos" e a
grupo de artistas e artífices reunidos por publicação homônima, com textos de
seu líder Joachim Lebreton (1760-1819) - Maria Eduarda Marques e Jacques
chegou ao Rio de Janeiro a bordo do Leenhardt, enfocam os artistas
brigue de três mastros "Calpe", de franceses e seus discípulos, a instituição
da Academia Imperial de Belas Artes em
1826 e a pintura brasileira no século 19.
A coleção disposta em cinco ambientes
apresenta os principais protagonistas da
Missão: os pintores Nicolas-Antoine
Taunay (1755-1830) e Jean Baptiste
Debret (1768-1848), o gravador Charles-
Simon Pradier (1783-1847), os escultores
Marc Ferrez (1843-1923) e Zéphyrin
Ferrez (1797-1851), que, apesar de terem
chegado em 1817, se juntam aos seus
compatriotas. Por fim, o arquiteto
Auguste Grandjean de Montigny (1776-
O objetivo dessa 1850), que deixa a sua grande
exposição é apresentar contribuição, o portal da Academia
um acervo pouco visitado Imperial das Belas Artes, hoje no Jardim
Botânico.
da rica produção desses
A exposição compreende também
artistas, a partir do qual se
algumas obras produzidas por artistas
possam tecer alguns fios que compuseram a primeira geração dos
que aduzam ao processo artistas acadêmicos, alunos da Academia
de enraizamento do e discípulos dos mestres franceses, em
neoclássico entre nós… especial de Debret, que exerceu
atividade didática e deixou uma marca
indelével em seus discípulos. Manuel de
Araújo Porto-Alegre (1806-1879)
destacou-se como pintor, caricaturista,
historiador, crítico de arte, poeta e
intelectual. Para essa exposição, foram
reunidos alguns desenhos aquarelados,
cujo tema prevalecente é a paisagem
luxuriante da floresta brasileira. O
conjunto, que apresenta uma dimensão
romântica, pertence ao Instituto Moreira
Salles.
Do pintor Simplício Rodrigues de Sá
(1785-1839), outro aluno de Debret, ativo
no Rio de Janeiro até 1839, foi
selecionada a pintura "Alegoria de Nossa
Senhora com D. Pedro II", do Instituto
São Fernando, e o retrato a óleo de
Francisco Gomes da Silva, dito "O
Chalaça", do Museu Histórico Nacional.
Acima: Jean-Baptiste Debret, Castigo imposto aos negros, 1826. Coleção Genevieve e Jean Boghici. À esquerda:
Simplício Rodrigues de Sá, Alegoria - Nossa Senhora com Dom Pedro II. Acervo Instituto São Fernando.

De Félix-Émile Taunay (1795-1881), índios brasileiros, guardado na


"Cascatinha da Tijuca", "circa" 1840, Academia de Ciências de São
evoca a paisagem idílica onde residiu a Petersburgo.
família Taunay, também retratada na O objetivo dessa exposição é
pintura homônima de Nicolas, seu pai, apresentar um acervo pouco visitado da
realizada anteriormente "circa" 1818, na rica produção desses artistas, a partir
qual o artista se apresenta em meio à do qual se possam tecer alguns fios que
floresta. Adrien Aimé Taunay (1803-1828) aduzam ao processo de enraizamento
e Thomas Marie Hippolyte Taunay (1793- do neoclássico entre nós, as
1864) estudaram com o pai no Rio de aproximações e os desvios dessa matriz
Janeiro e foram seus únicos alunos. estética, quando em contato com o
Adrien, o filho mais novo, embora tenha ambiente ecológico e social do novo
falecido aos 25 anos afogado nas águas mundo. Embora a missão não tenha
do rio Guaporé, no Mato Grosso, deixou inaugurado o neoclassicismo entre nós -
um rico acervo de imagens relativas aos a exemplo do Mestre Valentim ("circa"
Félix-Émile Taunay, Retrato de Gabriela Herminia de Robert d'Escragnolle. Coleção Martha e Erico Stickel.
Acervo Instituto Moreira Salles e Nicolas-Antonie Taunay, Banhistas, 1799. Acervo Fundação Edson Queiroz.

1745-1813) no Rio de Janeiro e de


Antonio Giuseppe Landi no Pará (1713-
1791) na segunda metade do século 18 -
ela ainda representa um marco no
processo de afirmação dessa estética.
Um dos grandes destaques é a pintura
monumental de Nicolas Poussin (1594-
1665), "Himeneu travestido assistindo a
uma dança em honra a Príapo", 1634-
1638, da coleção do MASP, quadro de
um dos mestres da pintura francesa. O
painel de grandes dimensões está
exposto pela primeira vez no Rio de
Janeiro, após uma minuciosa Missão Artística Francesa no
restauração realizada em 2009.
Considerado fundador do classicismo Brasil e seus discipulos •
francês, influenciou todo o classicismo Pinakotheke Cultural • Rio de
europeu, em especial a arte de Jacques-
Louis David (1748-1825), que adotou o
Janeiro • 22/9 a 28/11
rigor formal de suas composições. Os
artistas franceses que integraram a
chamada "Missão Artística" de 1816, Max Perlingeiro é editor e
formados nos cânones do neoclássico e empresário no setor cultural,
criador da primeira editora
contemporâneos de David, eram filiados especializada em livros sobre
à arte de Poussin, que lhes serviu de arte brasileira no país –
referência estética. Edições Pinakotheke.
LIVROS lançamentos

Arquitetura para pessoas


Ruy Ohtake
Editora MAS - 250 p. - R$ 100,00
O volume procura enfatizar a função social presente
no trabalho de Ruy Ohtake – aspecto até então pouco
explorado nas análises realizadas sobre a produção do
arquiteto. O próprio título da publicação – “arquitetura
para pessoas” – funciona de antemão como uma
evidência desta abordagem. O caráter original da
proposta, no entanto, reside na forma como se
apresenta ao público, no decorrer das páginas do livro,
um olhar aprofundado sobre o caráter social de
determinados projetos do arquiteto, dentre os quais
se destacam suas ações na comunidade de Heliópolis,
em São Paulo: os conjuntos residenciais, o polo
educativo e cultural e a nova biblioteca. São a estes
projetos que se dedica a maior parte da publicação.

Fotografias de uma amadora


Glória Ferreira
NAU Editora e Linha Projetos Culturais- 236 p. - R$ 100,00
Engajada na luta contra a ditadura militar nos anos
1970, Glória Ferreira foi exilada no Chile, Suécia e
Paris. Foi no exílio que desenvolveu e amadureceu o
interesse pela arte em geral e pela fotografia em
particular. A publicação, que terá capa dura e será
bilíngue (português/inglês), destacará dez séries
fotográficas da artista. Junto com as fotografias,
estarão textos críticos escritos por Paulo Sergio
Duarte, Ligia Canongia, Ernesto Soto, Tania Rivera,
entre outros, que ao longo dos anos acompanharam a
produção fotográfica da artista.
Lançamento dia 7/12 na Livraria Argumento, Leblon,
Rio de Janeiro.
Arte e Natureza. Museus a céu aberto
Serena Ucelli. Texto: Waldick Jatobá
Luste Editores - 276 p. - R$ 90, 00
A edição destaca lugares surpreendentes, remotos e com
obras de arte intensas que chamam a atenção pela
exuberância entre arte e natureza. Com fotos de 27
parques escultura ao redor do mundo. O primeiro a ser
destacado na publicação é o Instituto Inhotim, em Minas
Gerais, que apresenta uma verdadeira relação espacial
entre arte e arquitetura, inserido em uma área de reserva
florestal que faz parte do Bioma Mata Atlântica. Em mais
de 270 páginas, o conceito da publicação é a de mostrar
como parques e artistas, de renome internacional,
pensaram suas obras de arte em total harmonia com
espaços da natureza.

Niura Bellavinha
Texto: Paulo Herkenhoff
Editora Cobogó - 280 p. - R$ 132,00
Com organização do curador Paulo Herkenhoff,
publicação reúne uma seleção de obras realizadas ao
longo de 25 anos de carreira da artista plástica.
Pintura, desenho, fotografia e filmes são algumas das
ferramentas utilizadas por Bellavinha e que são retratadas
no livro por meio de imagens e textos críticos do autor.
Ao abrir o livro, o leitor pode entrar e conhecer um pouco
mais o universo de Niura, suas influências barrocas e
contemporâneas. “O projeto mostra as minhas influências,
minha ligação com os fluídos, com a natureza, o fascínio
que tenho pela constituição da vida e o quanto essa
poética me conduz”, diz a artista.
RESENHAS exposições

Claudia Jaguaribe: A visão e o


sentido
Galeria Celma Albuquerque •
Belo Horizonte • Set a Out/2016
POR MICHELLE BETE PETRY
"Você sabe que está em São Paulo quando
não sabe onde está". Ao citar Glauco
Alexander no livro "Sobre São Paulo", a interior de um espaço, quanto o de cima
artista Claudia Jaguaribe oferece um dos prédios para o ambiente exterior ou o
indício interpretativo a respeito da do alto de um helicóptero para o horizonte.
exposição "A visão e o sentido", acolhida Há, ainda, outro elemento no espaço
na Galeria Celma Albuquerque, entre expositivo que opera como chave de leitura
setembro e outubro de 2016, em Belo das obras: a instalação de plantas no centro
Horizonte, Minas Gerais. da galeria. Se, por um lado, ela dialoga com
Reunindo obras das séries Bienal, Sobre o jardim de jabuticabeiras e costelas-de-
São Paulo, Na Laje e Entre Vistas, a adão, por outro, procura romper com as
exposição apresenta fotografias em construções da rua em frente. No limiar
metacrilato, "backlight", "fine art" em entre a paisagem urbana e a natural, a
acrílico e algodão, além de fotoesculturas exposição e as obras da artista remetem à
em alumínio. Tendo em comum a indissolúvel tensão entre o construído e o
fotografia como linguagem estética e a natural, na expressão de Venâncio Filho. A
cidade de São Paulo como motivo central, referência é, sem dúvida, retomada para
as obras possuem, no entanto, formas pensar a poética de trabalho da artista, já
distintas de composição: a intervenção nas presente em projetos anteriores.
fotografias por meio do tratamento de cor Expressão disso, "Quando eu vi" (2009) e
e montagem, a criação de esculturas a "Entre Morros" (2012) reúnem fotografias
partir das fotografias e a intervenção nas de paisagens naturais nas quais a
fotografias com as fotografias das intervenção do urbano está colocada.
fotoesculturas. Tal sobreposição de Na medida em que trata da natureza da
camadas imagéticas implica, também, a fotografia, do olhar e da paisagem, Claudia
constituição de várias camadas de Jaguaribe instiga, portanto, a pensar sobre
visibilidade do olhar. as diversas formas de perceber a cidade.
Se a visão está para o olho, assim como a
fotografia, no sentido benjaminiano, a
percepção sobre o objeto do olhar é Michele Bete Petry é historiadora,
construída sempre a partir de um ponto doutora em Educação pela UFSC
de vista. No caso de Claudia Jaguaribe, ele e realiza pesquisas na área de
artes visuais.
é tanto o da altura do seu olhar para o
LUCAS DUPIN
POR ELISA MAIA estranhamento. A maior feira a céu
Paratextos (2016) é uma videoinstalação aberto da América Latina, com suas
do mineiro Lucas Dupin, que tem como 2.400 barracas e seu "caos organizado",
tema central a tradicional Feira Hippie deu a Lucas essa oportunidade.
de Belo Horizonte, que acontece Quando começou a frequentar o
invariavelmente todos os domingos na evento, notou que o foco do seu
cidade. O trabalho faz parte de uma interesse se deslocava da feira em si
pesquisa ainda em andamento iniciada para o que estava em seu entorno, nos
durante a residência artística do 6° seus arredores, para o seu "paratexto"
Bolsa Pampulha. Para Lucas, que já - "eu fui alterando meu projeto para
havia participado de várias residências trabalhar com tudo aquilo que não era
artísticas em outros lugares, trabalhar a feira, na verdade", conta. Lucas
com a própria cidade foi desafiador. O passou a acompanhar os processos de
deslocamento e a chegada a um lugar montagem e desmontagem das
novo impõem um olhar mais apto e barracas, os processos de ocupação da
aberto, mas, quando nos confrontamos via, que acontecem de madrugada, e os
com um espaço tão habitual quanto a de desocupação posterior, que
própria cidade, é preciso de alguma começam a acontecer ainda durante o
forma desnaturalizar o olhar evento, e decidiu trabalhar apenas com
costumeiro, provocar algum esses dois momentos - "foi como se eu
pegasse um livro, retirasse dele a obra e
ficasse a capa e a contracapa". A relação
com as pessoas envolvidas na
construção do evento é crucial para seu
processo e remete a outras propostas
que Lucas vem desenvolvendo como
artista - "tenho percebido cada vez mais
A relação com as
a arte sobretudo como uma forma de pessoas envolvidas na
escuta e diálogo". Como resultado da
relação estabelecida ao longo de quatro
construção do evento
meses com diversos montadores e é crucial para seu
guardadores, que se dispuseram a
colaborar com o projeto partilhando processo e remete a
histórias, saberes ou lonas antigas,
Lucas construiu uma barraca composta
outras propostas que
de retalhos de lonas de todos os Lucas vem
setores da feira - "que, por sua vez, são
retalhos de conversas, de diálogos, de
desenvolvendo como
relacionamentos que eu estabeleci ao artista.
longo desses quatro meses". A barraca
foi levada para dentro do Museu de
Arte da Pampulha e seu interior exibe
um vídeo com duração de 12 minutos,
feito em parceria com Pedro Veneroso,
no qual Lucas explora de forma poética
não só a heterogeneidade e a
complexidade do espaço, mas também
a circularidade do tempo, enfatizada
pelos processos semanais de
construção e desconstrução da feira.
Para saber mais, acesse
lucasdupin.com.br.

Elisa Maia é formada em direito


e letras e mestre em literatura,
cultura e contemporaneidade.
Interessa-se especialmente
pelas relações entre literatura e
artes visuais.
NOTAS DO MERCADO
Fatos, valores, curiosidades e tendências

ARTREVIEW POWER 100


A lista dos 100 mais poderosos do mundo da arte de 2016,
publicada pela revista britânica "ArtReview", traz novamente Hans
Ulrich Obrist no topo. O diretor da Serpentine Gallery já ocupou
a primeira posição em 2009 e, desde então, não parou, criando
grandes mostras nas mais diversas linhas curatoriais ao redor do
mundo. São poucos os países relevantes no circuito de arte onde
Obrist não tenha executado um projeto e cativado o público com
suas ideias simpaticamente pragmáticas e humanas sobre arte.
Nos brasileiros da lista, apenas uma mudança em relação a 2015:
a saída de Adriano Pedrosa. Permanecem como únicos representantes Luisa Strina
e o trio da galeria Mendes Wood.

NOVO ÍNDICE DA SOTHEBY'S


Mei Moses é um índice de valorização do mercado de arte, que mede a variação de
preços de obras que passaram pelos grandes leilões mais de uma vez a partir de
1875. Sua evidente correlação com o índice S&P500, que mede a flutuação dos
valores de ações das 500 empresas mais negociadas em bolsa no mundo, já foi tema
da Dasartes em 2009. Agora, o Mei Moses volta à mídia depois de ter sido adquirido
pela Sotheby's. O mercado especula o motivo dessa compra sem uma resposta clara,
já que se questiona a validade de índices que consideram apenas resultados de
leilões em um mercado onde eles representam menos da metade das vendas e nos
quais é impossível incluir obras que não acham comprador, ainda que esse fato diga
muito sobre sua valorização. Uma coisa é certa: até recentemente, o índice mostrava
arte como um ativo de maior valorização e estabilidade que ações, uma ideia cuja
manutenção interessa à Sotheby's.

BASQUIAT
O nome de Jean-Michel Basquiat vem aparecendo
cada vez com mais frequência nas notícias do mercado
de arte. No Brasil, obras do artista causaram alvoroço
nos estandes da Almeida e Dale na SP-Arte e
Colecionador na ArtRio, rapidamente negociadas. Nos
leilões internacionais, os preços escalam e boas obras
não param de aparecer. No leilão da Christie's em
Londres, em outubro, uma tela estimada em US$ 4,4
milhões foi arrematada por US$ 13,1 milhões. Em
novembro, as expectativas são altas para as obras de
Basquiat provenientes das coleções de David Bowie e Tommy Hilfiger. Outros artistas
que se mantêm no topo são Peter Doig e Gerhard Richter, este último tendo
afugentado especulações de desaquecimento da demanda com duas vendas muito
acima das estimativas altas nesse mesmo leilão.

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COLUNA DO MEIO
Quem e onde no meio da arte
Fotos: Lucas Malkut

Diana Motta, Carla Chaim, Nino Cais, Fernanda Pavao, Rosana Boaventura,
Mano Penalva e Marcelo Amorim Mano Penalva e Leda Catunda

Mano Penalva
Galeria Central
São Paulo
Eduardo Oliveira, Cesar Fraga Mike Simko, Mano Penalva e
eMarco Maria Zanin e Tchelo
Gina Elimelek Fernanda Pavao

Raphael Escobar, Pedro Gallego,


Clara G. Benfatti e Mari Nagem Simone Fontana e Daniel De Lavor
Fotos: Lucas Malkut

Pricyla Gomes, Eduardo Berliner e


Camila Soato e Talita Trizoli Felipe Kaizer

Eduardo Berliner
Casa Triângulo
São Paulo

Luis Carlos e Tiago Santos Ricardo Trevisan e Agnaldo Farias

Rogerio Barbosa e Elisio Yamada Silene Zepter, Andre Mello e Monica Piloni
Fotos: Geraldo Valadares
Ira Etz, Maria Vasco e Chico Caruso Maria Cortez e Tania Caldas

Maria Vasco
H.Rocha Galeria
Rio de Janeiro
Eduardo Oliveira, Cesar Fraga
Moraes Moreira
e Gina Elimelek Ziraldo e Marcia Martins

Jose Antonio Macdowell, Bia Sampaio


e Chico Caruso Denise Rocha, Bia Sampaio e Renata Mattos

Fotos: Sonia Balady

Jack Luna e Mirtis Moraes Luiz Marcon e José Carlos Marçall

Mirtis Moraes
Museu de Arte Sacra
São Paulo
José Oswaldo de Paula Santos e
José Henrique Fabre Rolim Ricardo von Brusky

Noboru Kusumoto, Maria Cecilia Costo


Mirtis Moraes e Beatriz Vicente de Azevedo e Sergio Augusto de Oliveira
ALTO FALANTE
Por Guy Amado

Alta Performance
Das muitas linguagens que integram e conformam o repertório cada vez mais plural e híbrido da arte
contemporânea, chama atenção a notoriedade que vem sendo conferida à "performance art" nos últimos
anos. Tal fato se destaca, sobretudo, por se tratar de uma categoria historicamente relegada a segundo
plano em relação a modalidades mais canônicas, como pintura, escultura, fotografia, videoarte ou instalação
- desde sua difusão massiva a partir de meados de 1960 (principalmente por meio de proposições do Fluxus,
na Europa, e movimentações correlatas nos EUA). Marcada em suas origens por propostas pautadas em
uma radicalização da ideia do corpo como suporte e pela sua tendência a resistir à cooptação pelo mercado,
não é difícil entender essa posição, vá lá, secundária da performance. O motivo central, naturalmente,
estaria na inadequação ou na falta de vocação mercadológica que as premissas de seu formato impõem -
há que se ter em mente a natureza fugaz e eminentemente imaterial da performance. O sistema, contudo,
viria, como sempre, desenvolver estratégias de assimilação e incorporação (leia-se "mercantilização") dessa
modalidade, para aflição de alguns de seus praticantes. Isso se dá, sobretudo, a partir de meados de 1979,
momento em que ações performáticas passaram a ser registradas - quando não mesmo já concebidas de
saída com essa orientação -, e a instância da documentação permite uma revisão de seu estatuto enquanto
obra de arte, fazendo com que seja absorvida em termos mais convencionais. Sua efemeridade é
amortecida por uma nova qualidade de permanência, tornando, portanto, uma peça de performance
passível de ser consumida/comprada; uma movimentação que viria a gerar o que mais adiante será visto
como uma "institucionalização da performance", quando as questões "Como comprar uma performance?",
e "Como o museu lida com a performance?" passam a ser debatidas mais seriamente no "art world".
De uns anos para cá (últimos dez anos), no entanto, houve uma guinada sensível, e a performance passou a
ser um gênero altamente valorizado no sistema da Grande Arte (leia-se o circuito internacional da arte
contemporânea e o mercado que o estrutura). A consolidação de tal tendência pôde ser observada quando
o grande prêmio da Bienal de Veneza de 2013 - o cobiçado Leão de Ouro - foi para o britânico Tino Sehgal,
um dos expoentes máximos da linguagem na atualidade. Seu trabalho compreendia um grupo de pessoas
que, sentadas ou deitadas no chão, faziam sons e música improvisada com suas próprias vozes. Havia algum
movimento, por vezes quase dançante; após alguma observação, a organização temporal, musical e
suavemente coreográfica da peça sugeria uma estrutura prévia mais complexa do que se poderia imaginar
à primeira vista. Como em tantas peças de Sehgal, o trabalho é quase invisível de saída, assim como não é
clara a lógica ou regra - se é que há alguma - que rege os acontecimentos que ali se desenrolam. A decana
Marina Abramovi? já havia também ganhado um Leão de Ouro na Bienalle de 1997, com sua peça "Balkan
Baroque", uma performance que durava cerca de quatro dias; mas o contexto era outro, e aquele prêmio
para a artista sérvia, já consagrada à época, soava mais como o justo reconhecimento e tributo a uma
extensa e influente trajetória (ainda não maculada pelas "egotrips" superlativas mais recentes da artista).
No caso de Sehgal - cujo trabalho muitas vezes parece não se ajustar bem à terminologia "performance",
sendo a expressão "live piece" mais adequada para muitas de suas proposições singulares -, o que parecia
estar em jogo era diferente. Qualidade artística à parte, o prêmio para uma performance no mais tradicional
e prestigioso evento de arte do mundo parece, na verdade, ser também uma forma de o "art system"
sinalizar ou oficializar a assimilação do novo estatuto da performance. Uma espécie de legitimação
maiúscula para uma modalidade que, de modo geral, corria à sombra de outras práticas artísticas. E não só,
e talvez o mais importante: a premiação para Sehgal se configura também em um poderoso indicador de
uma movimentação do Mercado em direção a esse segmento artístico, agora ainda mais legitimado e
portanto valorizado - mesmo que se trate, como nas peças de Sehgal, de trabalhos que levam ao extremo
postulados de base da performance, como a imaterialidade e a impermanência.
De uns anos para cá (últimos dez anos), no entanto, houve uma
guinada sensível, e a performance passou a ser um gênero
altamente valorizado no sistema da Grande Arte

No âmbito desse "boom" da performance, percebe-se também uma curiosa tendência: a dos "re-
enactements", ou performances reencenadas. Na mesma edição da Biennalle em que Sehgal foi premiado
(2013), os artistas romenos Alexandra Pirici e Manuel Pelmu? apresentaram "An Immaterial Retrospective
of the Venice Biennale", espécie de performance contínua em que, como o título revela, cinco "performers"
"encenavam" trabalhos presentes em edições passadas do evento. No amplo pavilhão branco que abrigava
a peça, só havia a presença dos, digamos, atores e do público; para cada um dos trabalhos históricos, um
performer anunciava o título, o autor da peça e a data de criação e exibição da obra e então se procedia à
reencenação. Alguns anos antes, a mesma Abramovi? já havia incursionado pelo terreno dos "re-
enactements", quando protagonizou, em 2005, no Guggenheim de Nova Iorque, o ambicioso evento "Seven
easy pieces", em que reencenava pessoalmente cinco peças seminais da arte performática dos anos 1960 e
1970 (de Vito Acconci, Valie Export, Gina Pane, Bruce Nauman e Beuys) além de duas de sua própria lavra
(como não podia deixar de ser), uma delas inédita. E aqui não há como não lembrar, algo maldosamente,
que se trata da mesma artista que, no início de sua carreira, postulou de modo famoso as regras que
definiriam sua ideia de performance: "no reherseal, no repetition, no predicted end", "sem ensaio, sem
repetição, sem final previsto". É possível que o interesse da artista por atribuir uma "nova interpretação" às
peças ajude a explicar tal flexibilização de seu código ético, mas fica também a dúvida: para além da pulsão
experimental, seria este projeto um reflexo da já citada movimentação mercadológica desencadeada em
torno da performance?
Em 2007, em uma abordagem mais provocativa do mote da reencenação e citando diretamente essa
iniciativa de Abramovi?, o subversivo duo composto pelos artistas italianos Eva e Franco Mattes (um casal
anteriormente conhecido como o coletivo 0100101110101101.org, autores de uma das mais fascinantes farsas
já perpetradas no circuito da arte contemporânea, com o projecto "Darko Maver") tem um dos projetos
mais radicais e interessantes a esse respeito: em suas "Synthetic performances - Reenactements", acenavam
para uma experiência de suspensão e suspensão da experiência. Nessa proposta [2007-2010], algumas
peças marcantes de artistas seminais da performance - como Chris Burden, Vito Acconci, Valie Export e
Abramovi? - eram reencenadas no âmbito da plataforma virtual "Second Life". Elementos-chave na
constituição dessa linguagem como corpo, espaço e temporalidade são inevitavelmente repensados
quando transpostos para a experiência-limite desse mundo digital, à medida em que avatares da dupla de
propositores reinterpretam alguns trabalhos canônicos dessa modalidade, como "Shoot" , de Burden,
"Seedbed", de Acconci ou "Imponderabilia", de Abramovi? e Ulay. A ação decorre em um registro ambíguo
que oscila entre a homenagem e a paródia, promovendo o tensionamento de aspectos tradicionalmente
caros à definição da performance como gênero ou modalidade artística desde seus primórdios, como
originalidade e repetição, efemeridade e permanência, realismo e simulação, a [não] representação e o
registo da presença, o papel e o grau de participação da audiência e a problemática em torno da
documentação das ações. E, em última instância, se quisermos, evoca-se ainda a própria condição de
inefabilidade que permeia seu estatuto enquanto linguagem autônoma no contexto da arte
contemporânea. Uma reflexão pertinente, com se vê, em torno de um gênero que vem se reinventando e
se readaptando à nova dinâmica. Seja como for, constata-se ao fim que a performance artística na
atualidade segue a todo vapor, reinventando-se e apresentando índices de alta performance.

Guy Amado é curador e crítico de


arte independente. Atualmente,
mora em Portugal e colabora
com o Instituto de Investigação
em Design, Media e Cultura.
Lançada em 2008, a Dasartes é a
primeira revista de artes visuais do
Brasil desde os anos 1990. Em 2015,
passou a ser digital, disponível
mensalmente em seu aplicativo para
tablets e celulares e no site
dasartes.com.br, o portal de artes
visuais mais visitado do Brasil.

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