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Aos Estudantes

S.S Pio XII

Aos estudantes dos cursos secundários de Roma, 24 de março de 1957.

1) Estudai a verdade

Vossas inteligências juvenis desabrocham para a vida, ansiosas por conhecer, e


a natureza está aberta diante de vós com suas maravilhas e seus mistérios; os
problemas da existência, os atos humanos, vossas aspirações, a fim de ser
alcançado, os caminhos a percorrer, os meios a serem usados: tudo é uma
interrogação; tudo exige clareza luminosa e precisão na resposta. Estudai,
portanto. Aplicai-vos, custe o esforço que custar, e não descuideis de coisa
alguma proposta pelos programas ou pelos mestres.

Ser indolente e preguiçoso significaria atraiçoar-vos a vós mesmos e renunciar


ao desenvolvimento completo e harmonioso de vossa pessoa. Frustraríeis ainda
as esperanças de vossos pais, que, para manter-vos nos estudos, fizeram, quem
sabe, pesados sacrifícios e arrostaram renúncias; privaríeis a pátria e o mundo
do número necessário de homens capazes, homens de ciência, cultores das
artes, técnicos da política, da economia, do direito.

2) Estudai seriamente

a) Para este fim, antes de tudo, evitai avaliar a importância do estudo pelo
critério da utilidade imediata. O que a vida vos reserva, não o sabeis ainda; nem
sabeis bem para onde se dirigirá efetivamente vossa carreira.

É bem sabido ser prescrita aos futuros capitães de mar a aos oficiais das naves
de guerra a manobra de navios a vela. Ninguém imaginaria, à primeira vista,
que isso pudesse ser necessário à solução dos complicados problemas técnicos
concernentes à rota de um transatlântico e o tiro de um couraçado. Perguntai,
porém, aos peritos porque, então, os futuros navegantes devem aprender a
manobra das velas e nela aperfeiçoar-se, e responderão que assim mais
facilmente os marinheiros adquirem aquele sexto sentido chamado "senso
marítimo".

A aplicação ao vosso caso parece-Nos natural e fácil. Cada vez que pegardes
num livro, principiardes uma aula, prestardes um exame, não deveis perguntar-
vos: Para que me serve isto? Nunca digais: Eu serei engenheiro; para que me
serve a Filosofia? Eu serei advogado; para que me serve a Física? Eu serei
médico; para que me serve o estudo da Arte? A verdade é que algumas noções e
conhecimentos, certos hábitos cognoscitivos e uma certa ordem mental, o senso
da medida e da harmonia intelectual; em suma, a maior vastidão e
profundidade das bases ajudam sempre na vida e muitas vezes auxiliam de
modo imprevisto e inesperado: isto vale geralmente para duas matérias, o Latim
e a História.

b) Para estudar seriamente é preciso não pensar ser o número dos


conhecimentos o elemento fundamental para construir o edifício de vossa
cultura. Não temos necessidade de muitas coisas, mas todo o necessário e
conveniente, bem apreendido, compreendido com justeza, intensamente
aprofundado. Deve-se, pois, evitar obrigar-vos a um esforço quase sobre-
humano e a percorrer afanosamente tudo o que o saber acumulou sobre as
cátedras e tenta levar até aos bancos dos alunos. Isto é ainda mais verdade se se
trata de estudos excessivos puramente mnemônicos - bem diversos do estudo
sério e jubiloso da verdadeira e profunda formação cultural - e pelos quais a
escola se arrisca a transformar-se em um drama que entristece os pais e irrita os
alunos.

c) Contudo há ainda um terceiro defeito, contra o qual é preciso que os alunos se


acautelem com o auxílio dos mestres conscienciosos e a ajuda daqueles que se
encarregam de preparar os programas.

Quem conhece os problemas da escola sabe que nada é tão nocivo quanto um
acervo de noções acumuladas confusa e desordenadamente, que não se
harmonizam nem se integram, mas, ao contrário, várias vezes se chocam ou
mesmo se anulam reciprocamente. Acontece não raro que o ensino e o estudo
das matérias científicas se desenvolvem, abstraindo inteiramente a consideração
da necessidade de uma completa formação da inteligência. Esta deve alcançar
uma capacidade sempre maior de síntese e a profundeza da pesquisa por meio
de sério estudo filosófico. Ciência e Filosofia, portanto, devem integrar-se
mutuamente, encontrando-se ali onde o estudo trata das mais íntimas e
profundas estruturas da matéria e onde deve originar-se ou descobrir-se a mais
ampla e elevada harmonia.

Acontece, além disso, que o ensino e o estudo da Religião sejam descuidados por
alguns alunos ou considerados com suspeita e desconfiança por certos
professores de outras matérias, que talvez não poupem zombarias e insinuações.
E como outrora se recorria às certezas e às luzes da Ciência para ridicularizar as
dúvidas e as sombras da Filosofia, agora se compara a "racionabilidade" de
certas noções filosóficas com o "caráter insustentável" dos mistérios. Todos
podem imaginar o caos decorrente de semelhante método de ensino e de estudo.
Sabem-no em demasia vossas mentes jovens, frágeis e mal preparadas.

Resultados bem diferentes seriam obtidos se o ensino de todas as matérias fosse


perfeitamente ordenado e orgânico. De fato, o "corpus doctrinae" obedece, de
modo semelhante, às leis de qualquer corpo vivo. Ele cresce pelo efeito do
desenvolvimento interior de seus membros, que, por sua vez, encontram no
todo o alimento para a própria vida. O empobrecimento interior de alguns
membros ou seu crescimento desordenado provocam no resto do "corpus"
perda de vitalidade, debilidade, e, como consequência, ineficácia de ação. Outro
tanto sucede com os ramos do saber humano. Um crescimento desordenado não
seria de vantagem para o conjunto cultural, assim como também seria
prejudicial a falta de distinção entre o fundamental ou principal e o acessório.

Conseguir-se-á a desejada unidade orgânica da cultura quando até o "corpus


doctrinae" tiver como cabeça Cristo. "Eu sou... a Verdade", exclamou Ele um dia
(Jó 14, 6). Quando estudardes a natureza, lembrai-vos de que "tudo foi feito por
Ele, e sem Ele nada se fez do que existe" (Jó 1, 3).

Quando aprenderdes História, não vos esqueçais de que não é simples relação
de fatos mais ou menos sanguinolentos ou edificantes, porque nela, facilmente
visível, há uma arquitetura que merece ser estudada e aprofundada à luz da
universal providência divina e da inegável liberdade de ação humana. Em
particular notai com que olhos bem diferentes consideraríeis os acontecimentos
dos dois milênios, se partindo daqueles que foram os primeiros albores da
Igreja, demorando-vos nas grandes e insuperadas sínteses antigas e medievais,
refletindo sobre dolorosas apostasias, mas sobretudo sobre as grandes
conquistas modernas, e prestando atenção, cheios de confiança, nos muitos
sinais de renascimento e de ressurgimento.

3) Mas para que esta cultura orgânica seja possível, é necessário que vosso
estudo seja completo

a) Primeiro na ordem do imediato apresenta-se a vós o mundo natural que


impressiona vossos sentidos e move vossa curiosidade. É necessário que a
natureza com suas belezas e seu fascínio atraia ainda poderosamente a
juventude da geração moderna. Estendei vosso olhar até às secretas
profundezas das nebulosas e a enorme quantidade das estrelas dispersas no
universo imenso; parai a contemplar as maravilhas do vosso planeta, palácio
real do homem; penetrai até às estruturas mais profundas do átomo e de seu
núcleo. Para ler este livro estupendo, tomai por intérprete a ciência,
apaixonando-vos por seus problemas, suas soluções, suas hipóteses, seus
mistérios próprios. Enquanto os pequenos presunçosos ficam satisfeitos com as
poucas noções aprendidas, percebereis que irá sempre aumentando a
desproporção entre o que sabeis e o que desejais conhecer. Se vossos mestres
souberem dirigir-vos nesta leitura, neste estudo, ficareis pasmados com a
facilidade com que se descobre em cada criatura o Criador, que por este
conhecimento é glorificado e retribuir-vos-á enchendo vosso coração de
felicidade.
b) Das ciências experimentais passai para a verdade da Filosofia, fundamento de
todo saber. Bem sabemos que muitas vezes, vezes demais, este estudo tão nobre
e necessário se reduz a um relatório opressivo de erros provenientes de espíritos
perturbados e de corações desordenados. Tal estudo é certamente nocivo aos
alunos, como prova a queixa cada vez mais forte e aflita da parte de pais
justamente preocupados com a doutrina dos filhos. Por que se deve chamar
"mestre" a quem semeia névoas de ceticismo nas mentes indefesas dos jovens?
Nós não o sabemos compreender. A liberdade do intelecto consiste na
possibilidade de penetrar sempre mais profundamente esta ou aquela verdade,
de considerar um aspecto em lugar de outro, de formar sínteses e deduções de
maior ou menos amplidão. É, portanto, uma liberdade totalmente positiva e
tanto maio quanto mais iluminada e protegida contra o erro.

Será necessário, também, é claro, conhecer a história do pensamento filosófico,


mas a insistência deverá ser maior sobre o estudo da realidade em todos os seus
elementos e em todos os seus aspectos. Cada um deverá ser capaz de responder
com precisão e clareza às perguntas que inevitavelmente vos fareis a vós
mesmos ou que outros possam fazer-vos: que é, geralmente falando, a
realidade? que é, em particular, o mundo? Que valor tem o conhecimento
humano? Existe Deus? Qual a Sua natureza, e quais os Seus atributos? Que
relações existem entre Ele e os homens? Qual é o sentido da vida? e da morte?
Qual a natureza da alegria e a função do prazer? Que critérios devem reger as
sociedades humanas, a familiar e a civil?

Para adequada resposta a tais perguntas, necessário se faz recorrer à Filosofia


Perene, que, no curso dos séculos, extraordinários espíritos elaboraram e nada
perdeu de seu valor objetivo e de sua eficácia didática; tanto mais quanto os
desenvolvimentos dos conhecimentos científicos não se acham em oposição às
teses certas desta filosofia.

c) Da Filosofia passai para a Ciência cujos conhecimentos derivam das doutrinas


da Fé, dadas por divina revelação. Todos os cristãos, porém mais especialmente
os que se dedicam ao estudo, deveriam possuir, tanto quanto possível, uma
instrução religiosa profunda e orgânica. Seria, com efeito, perigoso desenvolver
todos os outros conhecimentos e deixar o patrimônio religioso sem nada mudar,
como nos tempos da mais tenra infância. Necessariamente incompleto e
superficial, este se veria sufocado ou talvez destruído pela cultura arreligiosa e
pelas experiências da vida adulta, como o atesta tanto a fé naufragada pelas
dúvidas conservadas na sombra, por problemas que ficaram sem solução. Assim
como é preciso que seja racional o fundamento da vossa fé, assim se torna
indispensável um estudo suficiente da Apologética; e depois devereis saborear
as belezas do Dogma e as harmonias da Moral; por fim, bem podereis lançar
vosso olhar para além dos caminhos da Ascese cristã, mais alto, mais alto, até às
alturas da Mística. Oh! se o cristianismo aparecesse diante de vós em toda a sua
grandeza e em todo o seu esplendor!
Fazei com que a verdade, conhecida e possuída, se torne norma de vida e de
ação. Por ela, libertai-vos das paixões e preconceitos. Por ela, crescei no
Cristo.Veritatem... facientes in caritate, crescamus in illo por omnia qui est
caput, Christus (Ef 4, 15).

Corre pelo mundo uma voz de renascimento, um grito de despertar: será o


despertar cristão. Vós quereis uma construção nova sobre as ruínas acumuladas
por aqueles que preferem o erro à verdade. O mundo deverá ser re-construído
em Jesus.

Quem se opõe a imaginar insubsistentes decadências e a prever impossíveis


ocasos para a Igreja, olhe para trás, para a história; reflita sobre o presente e
preveja - porque não é impossível - o futuro. Lembre-se do que aconteceu a
quem tentou destruir a Esposa de Cristo, veja o que está acontecendo a quem se
obstina no insensato intento. Quem se levanta contra a Igreja quebrar-se-á
sobre a pedra na qual Cristo, seu divino Fundador, quis edificá-la.

Jovens! quereis cooperar no gigantesco empreendimento da reconstrução? A


vitória será de Cristo. Quereis combater com Ele? Sofrer com Ele? Não sejais
então juventude mole e fraca. Sede, ao contrário, juventude inflamada,
juventude ardente. Acendei e propagai o fogo que Jesus veio trazer ao mundo!

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