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A História do Inferno: Introdução

Recentemente a revista Christian History publicou uma pequena


edição intitulado “A História do Inferno – Um breve panorama e guia de
recursos”, recurso recomendado por alguns pastores, comoMark
Driscoll. Cremos que este conteúdo complementará com a perspectiva
histórica sobre essa doutrina, por isso o estamos traduzindo (com
permissão da própria revista).

Serão, provavelmente, 12 postagens ao total. Esta com uma pequena


introdução sobre os três pontos de vista sobre o assunto; mais 10
apresentando grandes nomes da história e o que defendiam sobre o
assunto (do ano 30 até 1900) e, por fim, o ebook completo com alguns
recursos de posições modernas. Tentaremos incluir o máximo de
referências e livros disponíveis em português.
Há vários motivos porque postamos sobre a doutrina do inferno. A
principal é porque amamos a Jesus. Outro motivo é o descaso (ou, às
vezes, abuso) que há em nossos tempos. Se você se pergunta “por que
a crença no inferno é fundamental?” sugerimos que você leia este artigo
de John Piper. Por último, gostaria de ressaltar que não será
apresentado embasamento bíblico sobre o assunto. Será um panorama
histórico. Se você deseja ver uma abordagem teológica e pastoral
sugiro que você veja os materiais disponíveis em: nosso arquivo (VE),
no iPródigo e no Monergismo.

Boa leitura

O INFERNO: TRÊS PONTOS DE


VISTA
TRADICIONAL

Alguns (talvez mesmo a maior parte da espécie humana) não serão


salvos. • Cada pessoa é julgada de uma vez por todas na morte e herda
ou a vida eterna, ou a condenação eterna. • O inferno é um lugar de
punição consciente e interminável em decorrência do pecado. Essa
punição é interpretada ora de modo literal (tormento físico), ora de modo
metafórico (um estado do ser, sofrimento espiritual, separação em
relação a Deus). • Uma vez no inferno, a pessoa não tem mais como
escapar. • Algumas vertentes desse ponto de vista defendem que há
diferentes graus de punição, dependendo da gravidade dos pecados
cometidos. • Algumas correntes (como a calvinista) enfatizam a
soberania de Deus na punição daqueles a quem ele escolhe punir, ao
passo que outras linhas ressaltam a liberdade da escolha humana. • A
posição católica romana estabelece uma distinção entre inferno e
purgatório — local temporário de purificação para os destinados ao céu.

IMORTALIDADE CONDICIONAL OU ANIQUILACIONISMO

Alguns não serão salvos. • A alma humana não é imortal por natureza.
A existência eterna é um dom que Deus dá aos remidos. • Os
impenitentes serão punidos, mas esse período de punição consciente
terá fim. • Na última ressurreição, os impenitentes serão destruídos e
deixarão de existir. O “fogo” do inferno de que fala a Escritura é
consumidor, não atormentador. • Alguns condicionalistas creem que
após a morte a pessoa receberá uma segunda oportunidade de aceitar
ou rejeitar a Deus.

RESTAURACIONISMO OU UNIVERSALISMO

Todos no fim serão salvos, e Deus restaurará a criação à perfeita


harmonia. • A punição eterna contradiz o amor de Deus, uma vez que
Deus deseja a salvação de todos e tem o poder de vencer o pecado e
o mal. O amor de Deus é mais forte que a resistência humana. • Se
existe inferno, não é por toda a eternidade. A punição é transitória e
corretiva, levando o pecador ao arrependimento e à união com Deus. •
Mesmo o Diabo pode no final de tudo se arrepender e ser salvo. •
Alguns teólogos ao longo da história defenderam uma posição mais
cautelosa de “universalismo esperançoso”, ou seja, não podiam afirmar
dogmaticamente que todos serão salvos, mas tampouco podiam negar
essa possibilidade.

Índice
 Anos 30-200 d.C.: cristãos primitivos, Justino Mártir, Clemente de Alexandria e Ireneu
de Lião
 Anos 200-400 d.C.: Orígenes, Atanásio, Gregório de Nazianzo, Gregório de Nissa e
João Crisóstomo
 Anos 400-1000 d.C.: Jerônimo, Agostinho, Máximo, o Confessor e o pensamento da
Idade Média
 Anos 1000-1400 d.C.: Anselmo da Cantuária, os cátaros, Tomás de Aquino e Dante
Alighieri
 Anos 1400-1500 d.C.: Desidério Erasmo, Ulrico Zuínglio e Martinho Lutero
 Anos 1500-1700 d.C.: João Denck, João Calvino, John Milton e John Locke
 Anos 1700 d.C.: Isaac Watts, William Law e Jonathan Edwards
 Anos 1700 e 1800 d.C.: John e Charles Wesley, o Unitarianismo, Thomas Erskine e
Frederick Denison Maurice
 Anos 1800 d.C.: John Stuart Mill, Thomas Rawson Birks, J. W. Colenso, F. W.
Robertson, Edward White e James Baldwin Brown
 Anos 1800 e 1900 d.C.: George MacDonald, “Ensaios e Resenhas” vs. a Declaração de
Oxford, F.W. Farrar vs. E.B. Pusey e os Adventistas do Sétimo Dia
© 2011 Christian History. christianhistorymagazine.org | Usado com
permissão.

Tradução:voltemosaoevangelho.com
Permissões: Você está autorizado e incentivado a reproduzir e
distribuir este material em qualquer formato, desde que adicione as
informações supracitadas, não altere o conteúdo original e não o utilize
para fins comerciais.
A História do Inferno: de 30 a 200
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O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da


história?

Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno,


apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam
sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)

Textos cristãos primitivos


A Didaquê, ou Ensino dos doze apóstolos, é um texto anônimo que data
do fim do primeiro século ou início do segundo, o que o torna um dos
mais antigos textos cristãos não-canônicos. Um de seus temas centrais
é a instrução moral, organizada em “dois caminhos”: o “caminho da
vida” e o “caminho da morte”. Cada “caminho” consiste em uma lista de
ações que caracterizam os que o trilham.

O mesmo tema se acha na Epístola de Barnabé, outro texto não-


canônico da igreja primitiva. Esses escritos cristãos primitivos
confirmam um vínculo estreito entre comportamento moral e destino
eterno, mas mostram pouco interesse em detalhar a punição eterna
sobre a qual advertem.

Outros textos, com o Apocalipse de Pedro, vão ainda mais longe,


fornecendo descrições sensacionalistas de punições correspondentes
a determinados pecados. Esta citação, por exemplo, mostra como
seriam punidos os adúlteros: “E havia também mulheres, penduradas
pelos cabelos acima de um lodo em ebulição; eram aquelas que se
haviam ataviado para o adultério. E os homens que as acompanhavam
na corrupção do adultério eram pendurados pelos pés, com a cabeça
enfiada no lodo, dizendo: ‘Jamais cremos que chegaríamos a este
lugar’”. Esse tema ressurgiria com frequência nas concepções
medievais acerca do inferno (dentre as quais a de Dante), mas também
encontrou eco surpreendente nos manuscritos de Cunrã.

Justino Mártir (c. 103-165)

Justino Mártir se converteu da filosofia pagã ao


cristianismo, e sua contribuição teológica mais marcante foi a
formulação de que o Logos eterno, a Palavra de Deus, estava ativa em
forma “seminal” em todas as pessoas. Isso permitiu a Justino defender
a crença de que os cristãos podem se apossar de tudo o que for bem
expresso pelos pagãos: “Tudo o que foi bem expresso entre todos os
homens pertence a nós, cristãos […] Pois todos os escritores
conseguiram enxergar realidades obscuramente, por meio da palavra
que tinha sido neles semeada e implantada. Pois uma coisa é a
semente e a imitação compartilhada levando em conta a capacidade,
mas outra bem diferente é a coisa em si, cuja participação e imitação
dependem da graça que procede dele”.

Embora Justino tivesse reservas quanto às implicações desse


entendimento para o destino eterno dos pagãos, suas crenças sobre o
Logos inspiraram a especulação cristã em torno dos “pagãos virtuosos”,
os quais poderiam obter acesso à verdade de Cristo de alguma
maneira, independentemente dos meios convencionais ― o que fez de
Justino o pai da tradição inclusivista dentro do cristianismo.

Clemente de Alexandria (c. 150-


215)
Clemente de Alexandria foi talvez o primeiro escritor cristão a falar
da apocatástase, o retorno a Deus de todos os seres criados. Foi ele
também quem propôs que as chamas do juízo são de purificação e não
de destruição. No entanto, não desenvolveu suas convicções de forma
sistemática.

Ireneu (fim do segundo século)

Ireneu, bispo de Lião, é largamente conhecido por


sua refutação do gnosticismo. Os gnósticos usavam o texto de
1Coríntios 15.50 — “Carne e sangue não podem herdar o reino de
Deus” ―, fora de contexto, para assim rejeitar a ressurreição do corpo.
Ireneu contra-argumentava, afirmando que Jesus assumiu a natureza
humana justamente para remir todos os aspectos da humanidade,
mesmo nosso corpo. Ireneu descrevia a Queda como o engano, nas
mãos de Satanás, de um Adão e de uma Eva inocentes e pueris.
Embora Ireneu cresse na punição eterna, ressaltava a redenção da
humanidade como um todo por meio de Jesus, crendo na condenação
como destino somente aos que escolhessem rejeitar a redenção.

Tertuliano (c. 160-220 d.C.)


Tertuliano, o veemente apologista cristão do norte da
África, representava de modo eloquente os aspectos mais rigorosos do
pensamento cristão primitivo. Cria que os pecados graves cometidos
após o batismo não podiam ser perdoados, e com base nessa crença
rejeitava o batismo infantil. Em seus escritos contra o paganismo, frisou
que as chamas eternas avivadas pelas virgens vestais (sacerdotisas
aristocráticas da religião romana tradicional) eram o símbolo perfeito do
destino que as aguardava após a morte.
A História do Inferno: de 200 a 400
d.C.
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O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da


história?

Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno,


apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam
sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)

Orígenes (c. 185-254)

Orígenes talvez tenha sido o escritor cristão primitivo


mais controvertido na área da escatologia (além de outras doutrinas).
Profundamente moldado pelas tradições do médio platonismo, corrente
filosófica presente na Alexandria do segundo século, bem como pelas
obras de Clemente, para Orígenes o drama da história da salvação foi
uma iniciativa divina para levar as “mentes” criadas de volta à união
intelectual extática com Deus na qual tinham sido originariamente
criadas. Todo o mundo físico, na teologia de Orígenes, era uma
disciplina purgativa criada por Deus a fim de dar às mentes decaídas o
estímulo necessário para abandonarem seu estado de apatia. O inferno
era simplesmente a forma extrema dessa disciplina purgante, e os
textos das Escrituras que tratam da punição eterna são enganos
benevolentes de Deus com o propósito de nos chocar e assim nos
conduzir ao arrependimento. Embora Satanás e os demônios estejam
em desvantagem pelo fato de não terem um corpo, Orígenes
manifestou a esperança de que eles retornariam a Deus
naapocatástase, a restauração final de toda a criação. A apocatástase
foi condenada como herética no Segundo Concílio de Constantinopla,
em 553, três séculos após a morte de Orígenes.

Atanásio (c. 296-373)


Atanásio, patriarca de Alexandria e defensor ferrenho da plena
divindade de Jesus, descrevia a salvação sobretudo como um retorno
à união com a vida divina. Por termos sido criados do nada, cria
Atanásio, temos a tendência de retroceder a um estado de nulidade
quando separados da vida divina em razão do pecado. Isso é não
apenas o resultado natural do pecado, mas também uma justa punição
imposta por Deus. Todos os aspectos da fraqueza e da “corrupção”
humana resultam, portanto, de nossa separação em relação à vida
divina. Assim como Ireneu, Atanásio cria que Jesus havia remido a
humanidade como um todo ao levar sobre si a justa punição de nossos
pecados em sua morte (derrotando assim a morte e pondo termo a suas
exigências legais sobre nós) e ao restaurar o vínculo que havia entre a
natureza humana e a vida de Deus. O entendimento que Atanásio tinha
a respeito da “corrupção” parecia insinuar que os perversos no fim
seriam aniquilados, mas não se pode dizer que ele de fato tenha
chegado a essa conclusão. O que talvez tenha defendido, em vez disso,
foi a crença de que a condenação representava um deslize infindável
rumo à nulidade sem nunca de fato alcançá-la ― crença mais tarde
esposada por C. S. Lewis.
Gregório de Nazianzo (c. 325-389)
Sendo um dos teólogos “capadócios” que contribuíram para a
formulação da doutrina da Trindade, Gregório de Nazianzo debateu o
conceito da apocatástase defendido por Orígenes e se recusou a
assumir uma postura conclusiva a respeito, quer contrária, quer
favorável, preferindo deixar a questão nas mãos de Deus.

Gregório de Nissa (c. 335-394)

Gregório de Nissa, outro capadócio, baseou-se


extensamente na obra de Orígenes e até mesmo na doutrina
da apocatástase. Gregório gostava da imagem do fogo purificador, que
elimina as impurezas do metal. Embora tenha por vezes mencionado a
punição eterna, parecia entendê-la meramente como uma punição
purgativa de longa duração e que no fim resultaria em salvação. A
corrupção do corpo humano, como queria Gregório, é expurgada pela
morte física, ao passo que a corrupção da alma é eliminada pelas
punições pós-morte.

Gregório foi um dos mais destacados defensores da “teoria do resgate”,


segundo a qual Jesus se ofereceu a Satanás em resgate pelas almas
da humanidade pecaminosa. Quando Satanás morde a “isca”, acaba
preso pelo anzol da divindade de Cristo, e assim a humanidade de
Jesus conquista sua liberdade. Mas Gregório também afirma que essa
derrota de Satanás é não apenas para o nosso bem, mas também para
o bem do próprio Satanás, uma vez que ele também por fim será
restaurado à união com Deus.

João Crisóstomo (c. 347-407)


João Crisóstomo foi acusado de “origenismo” como parte de uma
caçada a heresias empreendida por motivações políticas, mas não
parece que tenha defendido as opiniões de Orígenes sobre
a apocatástase. Não raro, em seus sermões, ele fazia advertências
acera da punição eterna. Em suas homilias contra os judaizantes, expôs
o que percebia ser um “evangelho da prosperidade” proclamado pelos
judeus, contrapondo-o ao ensino cristão mais modesto (e, portanto,
mais genuíno): “Em nossas igrejas, ouvimos inúmeros discursos sobre
as punições eternas, sobre o fogo que nunca se extingue, sobre o
verme que nunca morre, sobre as cadeias que não se podem romper,
sobre as trevas exteriores”.
A História do Inferno: de 400 a
1000 d.C.
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O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da


história?

Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno,


apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam
sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)

Jerônimo (c. 347-420)

Jerônimo foi influenciado por Orígenes em seus primeiros escritos e


supostamente defendia a posição de que todos os batizados no fim
seriam salvos, e que somente seriam condenados por toda a eternidade
os demônios e os não-cristãos. Essa crença foi rejeitada por Agostinho,
e o próprio Jerônimo, em seus últimos anos, voltou-se severamente
contra as posições de Orígenes.

Agostinho de Hipona (354-430)


Agostinho, sem dúvida alguma o teólogo mais
influente da igreja ocidental, defendia a doutrina da punição eterna,
contrapondo-se aos seguidores de Orígenes e a outros que abraçavam
uma compreensão mais “purgativa” do inferno. (Agostinho cria também
em alguma forma de purgatório, mas para ele se tratava de algo
fundamentalmente distinto do inferno.) De maior relevância, talvez, foi
sua doutrina acerca do pecado original e a crença resultante de que os
seres humanos decaídos constituem uma massa damnata, sendo todos
condenados pelo pecado de Adão e de Eva, o qual lhes foi transmitido
na forma de uma corrupção da vontade. Deus em sua graça escolhe
alguns seres humanos dentre esse “todo” condenado, os quais por sua
vez partilham da salvação que foi conquistada por Cristo no momento
em que ele resgatou a humanidade das mãos do Diabo.

Máximo, o Confessor (c. 580-662)

Máximo é amplamente conhecido por defender a doutrina segundo a


qual Jesus tem uma vontade humana diferente de sua vontade divina,
além do entendimento de que a humanidade de Jesus tem implicações
salvíficas para a redenção dos seres humanos. A teologia de Máximo
foi profundamente moldada pela teologia dos Pais Capadócios, dentre
os quais Gregório de Nissa, e consequentemente também por
Orígenes. Máximo usou o termo apocatástase, mas também fez suas
ressalvas, afirmando que os seres humanos podem rejeitar a graça de
Deus e experimentar “mal-estar” no lugar de “bem-estar”. Parecia crer
que toda a criação retornará ao conhecimento primevo acerca de Deus,
mas para os que escolheram rejeitá-lo, esse conhecimento será fonte
não de alegria, mas de tristeza. Ainda assim, as implicações cósmicas
de sua cristologia são tais que, no fim, todos retornarão a Deus. Esse
processo de retorno requer purificação, e o “mal-estar” e a tristeza no
fim se transformarão em “bem-estar” e alegria.
Idade Média (c. 500-1500 d.C.)

A Era Medieval presenciou uma mudança de ênfase.


O realce da igreja primitiva nas “últimas coisas” apresentadas pelas
Escrituras — a segunda vinda de Cristo,a ressurreição geral e o juízo
final — cedeu espaço para uma nova concentração, agora na vida após
a morte. Até os anos 400 e mesmo depois, a volta de Jesus era ainda
esperada como algo iminente. Assim, em geral se entendia que os que
morriam nessas gerações intermediárias estavam dormindo ou
aguardando a ressurreição. Não havia muita coisa escrita nesse
período inicial a respeito do destino imediato dos que morressem antes
da volta de Cristo.

Todavia, à medida que a segunda vinda começava a parecer mais


remota, os cristãos foram se concentrando cada vez mais na doutrina
do juízo imediato de cada alma após a morte. O livro de Apocalipse em
especial começou a servir de guia para o imaginário cristão acerca do
destino das pessoas após a morte. Esse realce no pós-morte resultou
em um novo gênero literário, grotesco e sempre com um excesso de
ilustrações: eram as visões da viagem rumo ao outro mundo. A Divina
comédia de Dante representou o ápice do gênero. Nessas viagens,
muito mais tempo se gastava, de forma geral, descrevendo o inferno
que o purgatório ou mesmo o céu ― e dentre as figuras mais comuns
estavam o fogo que ardia eternamente, as cobras, os caldeirões
ferventes, os campos de gelo eterno, os rios sulfúreos em ebulição e as
torturas infligidas por demônios.

Não raro essas jornadas imaginárias tinham por objetivo mostrar o


inferno aos leitores do ponto de vista de alguém que tinha morrido (fazia
pouco tempo), tinha visitado o reino dos mortos e depois tinha
retornado para relatar o que vira. O objetivo dessas histórias era quase
sempre exortar o leitor ou ouvinte a levar uma vida moralmente boa na
terra, evitando os pecados que poderiam condená-los para sempre.
A História do Inferno: de 1000 a
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O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da


história?

Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno,


apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam
sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)

Anselmo da Cantuária (1033–1108)

No desenvolvimento da doutrina cristã do inferno, o teólogo Anselmo da


Cantuária, dos primórdios do escolasticismo, é amplamente conhecido
por defender o caráter eterno da punição no inferno ao se valer de uma
analogia do direito feudal. No feudalismo, a severidade da punição por
algum crime praticado era determinada mais pela relativa dignidade da
vítima que pela natureza do crime. Roubar de um rei resultava em
punição muito mais rigorosa que roubar de um escravo, por exemplo.
Com base nisso, Anselmo concluiu que o crime contra a honra infinita
de Deus merece punição também infinita. No entanto, como os seres
humanos são finitos, podemos pagar a pena por nossos pecados
somente se sofrermos por tempo infinito.

Nisso vemos o escolástico Anselmo tentando


esclarecer uma doutrina em que os cristãos já criam, aplicando-lhe a
razão (seu lema era “a fé que busca entendimento”). Mas, no
encerramento de sua Meditação para despertar temor, ele mostra seu
lado pastoral (era arcebispo e ex-abade). Nessa obra, após retratar os
tormentos do inferno, trata da pergunta: “Quem poderia libertar alguém
desse destino?”. Sua resposta: “Só ele mesmo; ele mesmo, Jesus, o
qual é meu Juiz e em cujas mãos estremeço. Ânimo, pecador, não te
desesperes! Deposita a esperança naquele a quem temes, corre para
aquele de quem fugiste […]. Jesus, Jesus, por amor de teu nome, lida
comigo de acordo com teu nome […]. Tem misericórdia, Jesus,
enquanto durar o tempo da misericórdia, para que no tempo do juízo
não me venhas a condenar”.

Os cátaros (séculos XI e XII)

Os cátaros, seita cristã surgida na França e em outras partes da Europa,


eram dualistas. Criam que a existência terrena, incluindo-se o corpo
humano, era má em sua natureza, criada não pelo Deus cristão, mas
por um deus mau. O Deus a quem adoravam era um ser de espírito
puro que jamais se teria rebaixado tanto a ponto de assumir a carne
perversa. Assim, negavam que Jesus pudesse se encarnar e continuar
sendo o Filho de Deus. Negavam também o entendimento cristão de
que a crucificação e a cruz eram instrumentos salvíficos. Para a Igreja
Católica, os cátaros eram hereges perigosos, e assim ela os perseguiu
impiedosamente, até mesmo desferindo contra eles uma sangrenta
cruzada (a “Cruzada Albigense”).
Não é de surpreender que os cátaros também rejeitassem a tradicional
doutrina cristã do inferno. Para eles, este mundo era o único inferno (e
o era de forma mais que suficiente, dada a perseguição que sofreram).
Nada havia para temer após a morte, a não ser, talvez, uma espécie de
reencarnação ensinada por alguns membros da seita. O objetivo deles
era escapar do ciclo de reencarnação, conquistar o direito de seguir
para o céu e evitar outro período de aprisionamento aqui no inferno
sobre a terra.

Tomás de Aquino (1224-1274)

O grande teólogo escolástico Tomás de Aquino é


conhecido por vários ensinos relacionados ao inferno. Em primeiro
lugar, defendia que a punição eterna consciente era apropriada a
alguém que aqui na terra rejeitasse a Deus a favor de bens temporais,
uma vez que tal pessoa de fato mostrava preferir esses bens
passageiros até mesmo à vida eterna com Deus. Deus é justo,
arrazoava ele, em punir essa pessoa da mesma maneira que a teria
punido se tivesse pecado eternamente, ou seja, com a punição eterna
― afinal de contas, como diz a Bíblia, essa pessoa, ao ganhar “o mundo
inteiro”, perde “a vida”.

Tomás igualmente tratou da acusação, comum também entre críticos


de nosso tempo, de que Deus de algum modo se teria limitado em
onipotência caso tivesse de mandar qualquer pessoa para o inferno
(assim frustrando seu plano divino de criar a humanidade com o
propósito de partilhar com ele das bênçãos divinas). Ele reconheceu
que a bondade de Deus exige que todos sejam salvos (1Tm 2.4). Mas
também defendeu que a manifestação da ira divina (ou seu ódio pelo
pecado) requer que ao menos alguns pequem para quem sejam
justamente punidos. Desse modo, a vontade de Deus de salvar a todos
é atenuada pelas demandas de sua justiça, gerando assim um meio-
termo: ele salvará os eleitos, manifestando dessa forma sua
misericórdia, e condenará os réprobos, manifestando assim sua justiça.

Capaz de ofender gravemente as susceptibilidades modernas é a


defesa que Tomás de Aquino faz da tradicional doutrina segundo a qual,
para que os santos no céu “desfrutassem mais plenamente de sua bem-
aventurança e mais copiosamente rendessem graças”, haveriam de
receber o direito de assistir à punição dos condenados. Como no caso
de outras doutrinas tradicionais, essa também se baseava nas
Escrituras: Apocalipse 14.9-11 mostra os perversos sendo
atormentados com fogo e enxofre na presença dos anjos e do Cordeiro.
Na história do rico e de Lázaro, em Lucas 16, o rico pôde ver Lázaro
“de longe”, e assim parece razoável que Lázaro pudesse divisar o rico.
Além disso, Isaías 66.22-24 promete que os adoradores do Senhor
“sairão e verão os cadáveres dos que transgrediram contra mim, porque
o seu verme nunca morrerá, nem o seu fogo se apagará; e eles serão
um horror para toda a humanidade”.

Tomás de Aquino também contribuiu com a ideia do “limbo”, no qual


recém-nascidos não-batizados evitariam as mais atrozes penas do
inferno. O limbo, além de tudo, fazia parte do inferno, pelo fato de que
os recém-nascidos ainda eram manchados pelo pecado original, mas
tinham a permissão de sofrer somente a ausência de Deus e não o
tormento físico vividamente retratado em tantos escritos e obras de arte
da Idade Média.

Dante Alighieri (1265-1321)

Nenhum tratamento medieval do inferno nos ocorre hoje com mais


facilidade que o Inferno, de Dante ― o primeiro dos três volumes de
sua Divina comédia. De acordo com o poema, certo dia, em 1300, Dante
se viu vagando em uma floresta sombria. Depois de encontrar com três
feras famintas e vorazes, foi alcançado pelo poeta latino Virgílio, o qual
prometeu conduzi-lo pelo inferno e pelo purgatório. Na noite de Sexta-
Feita Santa, dia 8 de abril, eles adentraram os portões do inferno (no
qual se acha a inscrição: “Perdei as esperanças, vós todos que por aqui
entrais”) e começaram a viajar percorrendo seus círculos sucessivos.
Na visão imaginativa de Dante, o inferno é um cone emborcado no
interior da terra, com seu vértice localizado no centro do globo. O círculo
superior é o dos Campos Elíseos, onde habitam os nobres pagãos. A
cada nível mais profundo, os viajantes contemplam as punições de
pecados cada vez mais hediondos, até chegarem a um lago congelado
em que o próprio Lúcifer pune os piores de todos os pecadores: os
traidores.

Em harmonia com o propósito didático desses contos


medievais, a viagem de Dante ao outro mundo o reconduz, pouco a
pouco, das trevas e do pecado de volta para a presença jubilante e
fulgurosa de Deus. Ao fim do terceiro livro do poema, Dante vislumbra
os santos bem-aventurados nos céus, a desfrutar de Deus.

O Inferno é propositalmente repulsivo na forma em que retrata o inferno


cristão. Mesmo Geoffrey Nuttal, um leitor solidário, afirmou: “Se
o Inferno fosse todo o poema, dificilmente se podia evitar concluir que
Dante era dono de uma mente doentia, obcecada por perversões
sádicas ou outras aberações sexuais”. Mas os habitantes do inferno de
Dante em certo nível desejam estar onde estão. O amor deles se tornou
tão desorientado, que acabaram por chegar ao inferno da própria
vontade deles.

Dante concordava com a antiga opinião de Arisóteles segundo a qual


a alma “dá forma” ao corpo: as expressões faciais, o gestual e a
linguagem corporal das pessoas dão testemunho daquilo que se acha
no coração. Assim, o pecado inveterado nos transtorna a aparência
(como nossos pais sempre nos disseram: “Não faça essa careta, que
ela não sairá mais”). Assim, Dante fez que seus pecadores
do Infernoreencenassem para sempre no próprio corpo os exatos
pecados que tinham o hábito de praticar na terra. O leitor familiarizado
com As crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis (amante de Dante), há de
lembrar-se de Eustáquio, que se torna um dragão em Nárnia porque
costumava ter pensamos avarentos, dragontinos. Era essa exatamente
a mensagem que Dante queria passar.

É claro que, assim como na Meditação para despertar temor, de


Anselmo, e na tradição medieval de viagens ao inferno, Dante mostrou
o inferno a seus leitores justamente com o objetivo de que se voltassem
para o Deus de terno amor que não deseja que ninguém pereça.
A História do Inferno: de 1400 a
1500 d.C.
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O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da


história?

Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno,


apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam
sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)

Desidério Erasmo (c. 1466-1536)

Erasmo foi um pioneiro da escolástica bíblica, patrística e clássica na


virada do século XVI. Referia-se ao âmago da fé cristã como a phi-
losophia christiana (filosofia cristã) e cria que essa mesma filosofia
cristã tinha muito em comum com os ensinos éticos dos grandes
filósofos pagãos. Em seu colóquio O banquete religioso, a personagem
Eusébio elogia as declarações feitas no leito de morte por antigos
pagãos, considerando-as sinais de que eles haviam vivido de maneira
virtuosa e estavam assim preparados para morrer, em contraposição a
muitos cristãos que se fiavam em cerimônias supersticiosas.

“Às vezes”, dizia Eusébio, “encontro declarações


proferidas ou escritas pelos antigos, bem… mesmo por pagãos […] tão
divinas, que não posso senão me convencer de que, quando as
escreveram, eles foram divinamente inspirados, que o espírito de Cristo
se difunde para mais além do que imaginamos… e que existem muitos
outros santos além daqueles que temos arrolados”. Aludindo
especificamente à humildade do discurso de Sócrates pouco antes de
sua morte, discurso esse que foi registrado em um dos diálogos de
Platão, a saber, Críton, Eusébio faz o seguinte comentário: “Mal posso
me conter ao ler os escritos desses homens, e preciso exclamar: ‘Santo
Sócrates, rogai por nós!’”.

Ulrico Zuínglio (1484-1531)

Zuínglio seguiu Erasmo na esperança de que pagãos virtuosos


tivessem sido salvos. Ele fundamentou sua posição inclusivista na
doutrina da predestinação. A fé era a resposta inevitável do eleito diante
da proclamação do evangelho, mas os recém-nascidos e aqueles que
jamais haviam ouvido do evangelho poderiam ser salvos sem a fé,
simplesmente por terem sido eleitos por Deus. Se crescessem, viveriam
virtuosamente e, se ouvissem o evangelho, creriam, mas a salvação
dependia de nada senão da escolha soberana de Deus.

Martinho Lutero (1483-1546)


Lutero entendia o inferno sobretudo como separação em relação a
Deus, uma separação resultante do vão esforço humano por ser
justificado pelas próprias obras. Em seus primeiros escritos, como as
preleções em Romanos, Lutero sustentava que o purgatório na verdade
não se distingue do inferno, e que uma pessoa que se acha
verdadeiramente na graça de Deus aceitará essa inegável condenação
como justa punição de seus pecados. Nessa altura, o purgatório terá
cumprido seu papel e o pecador arrependido experimentará a presença
de Deus. O esforço por escapar da condenação (entendida como
tormento horrendo após a morte) ou mesmo do purgatório (geralmente
entendido na época de Lutero como um estado temporário de tormento,
ainda que igualmente horrível) é espiritualmente prejudicial e de fato
resultará em condenação. Somente ao se lançarem na misericórdia de
Deus e abandonarem os esforços da autojustificação, os seres
humanos podem escapar ao juízo divino. Nas preleções sobre
Romanos, Lutero também defende a posição de Erasmo, segundo a
qual os pagãos virtuosos podiam ser salvos.

Mais tarde, Lutero rejeitou completamente o purgatório e insistiu na


importância de realmente ouvir a Palavra proclamada (diferentemente
de Erasmo, Zuínglio ou Denck). Não obstante, continuou a ressaltar a
condenação como um afastamento em relação a Deus, resultante da
autojustiça e não um estado de miserável tormento.
A História do Inferno: de 1500 a
1700 d.C.
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O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da


história?

Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno,


apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam
sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)

João Denck (c. 1500–1527)

Denck foi tido em sua breve vida como um dos principais representantes
do pensamento anabatista, ainda que imediatamente antes de sua
morte tenha abjurado da ideia de que o batismo deve ser um sinal da
prévia existência da fé, e tenha assim se reconciliado com o
protestantimo clássico. Denck entendia que a “Palavra de Deus” era
uma palavra interior que fala ao coração de todo ser humano. Isso
possibilitaria que aqueles que não ouviram o evangelho fossem salvos.
Denck foi acusado de universalismo, e seus ensinos sobre a salvação
parecem apontar nessa direção, embora não esteja claro se de fato
afirmava que todos serão salvos.

João Calvino (1509-1564)

Calvino posicionou-se ao lado de Lutero contra


Zuínglio sobre a total indispensabilidade de ouvir a Palavra de Deus
para sermos salvos. Para Calvino, a doutrina da predestinação
explicava por que era justo que somente os que ouvissem o evangelho
fossem salvos. (Ao ratificar o pecado original conforme definido por
Agostinho, o qual Zuínglio havia questionado, Calvino obtém um
alicerce para sustentar a condenação mesmo daqueles que pareciam
jamais ter tido oportunidade de salvação.) Ainda assim, à semelhança
de Lutero, Calvino se focou no aspecto existencial da condenação, na
qualidade de separação em relação a Deus, e não nos tormentos físicos
do inferno descritos em boa parte da pregação e dos escritos visionários
da Idade Média. Por essa razão, na descrição de Calvino, Jesus sofreu
os tormentos do inferno no Getsêmani e na cruz quando foi abandonado
por Deus por causa de nossos pecados.

John Milton (1608-1674)

A influência de Milton em concepções posteriores


sobre o inferno foi possível em grande medida por meio de sua obra
prima da poesia, O Paraíso perdido, obra em que se retrata um Satanás
humanizado em oposição às tradições que descreviam o Diabo como
grotesco e monstruoso. Satanás, como ficou bem conhecido, descreveu
sua sina mais em termos psicológicos que físicos: “Só o Inferno essa
fuga me depara:/ Eu sou Inferno pior! o outro, cavando/ No fundo
abismo, abismo inda mais fundo,/ E ameaçando engolir-me em tais
horrores,/ Para mim fora um céu se o comparasse/ Com
este Inferno que em mim mesmo sofro!” (tradução de António José de
Lima Leitão, Rio: W. M. Jackson, 1956). Muitos autores do romantismo,
com sua inclinação para os heróis proscritos e angustiados, acharam
nesse retrato algo com que se identificar e consideraram Satanás o
verdadeiro herói do poema.

A descrição física do inferno feita por Milton ― um lugar grande, escuro,


quente, doloroso, infindo e centrado em torno de um lago de fogo ― é
a visão tradicional, mas tem força particularmente vívida a reforçar
todos esses traços: “Mas luz nenhuma dessas flamas se ergue;/ Vertem
somente escuridão visível/ Que baste a pôr patente o hórrido quadro/
Destas regiões de dor, medonhas trevas/ Onde o repouso e a paz morar
não podem,/ Onde a esperança, que preside a tudo,/ Nem sequer se
lobriga: os desgraçados/Interminável aflição lacera” (tradução de
António José de Lima Leitão).

John Locke (1632-1704)

Locke é bem conhecido como um escritor que


favoreceu a tolerância religiosa e defendeu o cristianismo como uma
religião razoavelmente adequada para intelectuais iluministas crerem.
Em pelo menos alguns de seus escritos, ele endossou o
aniquilacionismo – a visão de que enquanto os salvos aproveitarão a
vida eterna com Cristo, os condenados serão simplesmente aniquilados
imediatamente ou após um período definido de punição, em vez de
sofrer tormentos por toda eternidade. (Em relação ao “fogo
inextinguível” citado em várias partes da Bíblia, ele comentou que isso
não significa “que os corpos que eram nele queimados nunca eram
consumidos, mas só que os vermes que roíam e o fogo que queimava
eram constantes e não cessariam até que as pessoas fossem
destruídas.”)

Como John Milton, Locke é frequentemente citado em sites unicistas


universalistas, mas, assim como em relação a Milton, isto acontece
mais por causa de suas crenças heterodoxas sobre a Trindade e sua
defesa de um cristianismo tolerante (dentro de limites – ele se recusou
a tolerar tanto católicos quanto ateus) do que em qualquer
universalismo em seus escritos.
A História do Inferno: 1700 d.C.
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O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da


história?

Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno,


apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam
sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)

Isaac Watts (1674-1748)

Watts, o escritor de hinos, sustentava a tradicional


visão do inferno como um lugar eterno de tormento para o pecador, e
retratou tal visão com freqüência em sua poesia. Watts escreveu muitos
hinos que focavam em Deus como soberano e majestoso, inclusive em
sua justa condenação dos pecadores, uma condenação para a qual os
salvos olham do céu com alegria:

Tua mão há de sobre rebeldes reis

Uma tempestade de fogo espalhar,

Enquanto nós, debaixo de Tuas asas protetoras

Havemos de Tua justa vingança adorar.

As suas Canções divinas e morais para crianças constituem um dos


primeiros hinários escritos especificamente com crianças em mente
(entre elas consta um dos seus mais famosos hinos acerca da
soberania de Deus, Eu canto a força onipotente de Deus), e muitos dos
hinos ali encontrados lembram àquelas crianças do seu potencial para
a condenação.

Assim como Edwards, Watts frequentemente usava o temor do inferno


como um fator de motivação para encorajar os seus ouvintes a se
arrependerem. Em um de seus mais conhecidos hinos das Canções
divinas e morais, acham-se os seguintes versos:

Existe além do firmamento

Um céu de alegria e amor;

E crianças santas, quando morrem,

Vão para aquele mundo superior.

Existe um inferno terrível,

E dores que não têm fim:

Lá, os pecadores habitam com demônios

Em escuridão, fogo e cadeias.

Pode um miserável como eu

Escapar desse maldito destino?


E posso esperar que, ao morrer,

Eu hei de ascender ao céu?

Então, eu irei ler e orar,

Enquanto tiver vida e fôlego,

A fim de que eu não seja arrancado hoje

E enviado para a morte eterna.

Outros hinos apontavam a ameaça do inferno como a recompensa por


amaldiçoar e blasfemar contra Deus, ofender outros, deixar-se
influenciar por “crianças pecadoras”, mentir, tornar-se obstinado em
pecar, e conformar-se a “modas de ímpios” ao invés de permanecer
firme pela verdade.

William Law (1686-1761)

Law é principalmente conhecido por sua obra Um sério chamado a uma


vida devota e santa, um chamado para uma vida moral e focada
inteiramente em Deus. A obra exerceu grande influência sobre os
líderes religiosos e culturais de seu tempo, de John Wesley a William
Wilberforce, a Samuel Johnson e a Edward Gibbon (a cujos filhos Law
serviu por dez anos como professor. Gibbon tinha aversão à religião,
mas respeitava Law). Embora seu foco sempre fosse a “religião do
coração”, seus últimos escritos, sob a influência do místico Jacob
Boehme, tornaram-se mais místicos e especulativos à medida que ele
procurava explicar as idéias de Boehme a uma audiência leiga.

Law era um universalista que via a punição e o amor de Deus como dois
lados de uma mesma moeda, ambos direcionados ao propósito final de
eliminar do mundo o pecado e a morte: “E, se longas e longas eras de
dor ardente e tormentosa escuridão serão dadas como a porção de
muitos, ou a maioria das criaturas apóstatas de Deus, essas eras só
durarão até que o grande fogo de Deus tenha derretido toda arrogância
em humildade, e tudo o que é do Eu tenha morrido nas longas agonias
e no suor ensangüentado de um Deus perdido, que é aquela todo-
salvadora cruz de Cristo, a qual nunca perderá o seu poder redentor,
até que o pecado e os pecadores não mais tenham um nome entre as
criaturas de Deus”.

Jonathan Edwards (1703-1758)

Parte da visão de Edwards acerca do inferno


encontra-se gravada na mente de todo estudante de ensino médio ou
superior que tenha alguma vez lido o seu sermãoPecadores nas mãos
de um Deus irado (“O Deus que segura você sobre a cova do inferno,
assim como alguém que segura uma aranha ou outro inseto asqueroso
sobre o fogo, abomina você e está terrivelmente afrontado…”).
Certamente, Edwards sustentava as doutrinas tradicionais
concernentes à existência do inferno, os seus tormentos e a sua
duração infinita. Ele também cria que o nosso destino eterno é decidido
nesta vida; mudança e crescimento podem ocorrer nos céus, mas o
inferno é um lugar de punição, não de purificação ou purgação.

As suas vívidas visões, porém, eram pregadas em um contexto mais


amplo, no qual ele inculcava em seus ouvintes as glórias do céu, a
majestade de Deus e de sua justiça, e a necessidade de escapar dos
tormentos do inferno:

“E agora você tem uma oportunidade extraordinária, um dia no qual


Cristo tem mantido a porta da misericórdia bem aberta, e permanece
chamando e clamando em alta voz para que venham os pobres
pecadores; um dia no qual muitos estão sendo ajuntados em Seu
rebanho, e recrutados no reino de Deus. Muitos estão diariamente vindo
do leste, oeste, norte e sul; muitos, que estiveram por muito tempo na
mesma condição miserável em que você se encontra, estão agora em
um feliz estado, com seus corações cheios de amor por Aquele que os
amou e os lavou de seus pecados em seu próprio sangue, e se
regozijando na esperança da glória de Deus.
Que coisa terrível é ser deixado para trás num dia como este! Ver tantos
outros se banqueteando, enquanto você está preso e perecendo! Ver
tantos se regozijando e cantando com alegria de coração, enquanto
você tem motivo para lamentar com tristeza de coração, e urrar com
agonia de espírito! Como você pode descansar um minuto sequer em
tal condição? Não é a sua alma tão preciosa quanto as almas do povo
de Suffield, onde pessoas estão dia a dia se ajuntando a Cristo?”
A História do Inferno: 1700 e 1800
d.C.
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O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da


história?

Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno,


apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam
sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)

John Wesley (1703-1791) e Charles Wesley (1707-1788)


Os sermões de John Wesley deixam claro que ele
acreditava no inferno como um lugar de eternal punição, com o foco
principal sendo a perda da comunhão com os amigos e com Deus, bem
como os sofrimentos físicos do fogo eterno suportado pelos
condenados (Acerca de quaisquer outros tormentos, ele escreveu:
“Permaneçamos com o que diz a palavra escrita. Já é tormento
suficiente habitar no meio de chamas eternas”). Como alguém que cria
na expiação ilimitada, Wesley pensava que a salvação do pecado, da
morte e do inferno estava disponível a todos mediante a graça de Deus,
embora ele não pensasse que todos a escolheriam.

Charles Wesley escreveu uns poucos hinos acerca dos tormentos do


inferno, porém a imensa maioria dos seus hinos focavam na oferta da
livre graça e nos poderes que Deus nos concede para derrotarmos o
mal:

Eis! Para a visão iluminada da fé,

Toda a montanha brilha de luz;

O inferno está perto, mas Deus está mais perto,

Circundando-nos com legiões de fogo.

Unitarianismo

O unitarianismo, cujas doutrinas centrais eram a crença na unidade (e


não na Trindade) de Deus e a negação da divindade de Cristo, floresceu
no final do século XVIII e início do século XIX e influenciou muitos
cristãos de outras denominações. A maioria dos unitários negava a
imortalidade natural da alma e a punição eterna, enfatizando, ao invés,
a futura ressurreição física e o progresso rumo a um paraíso restaurado.
Alguns sugeriam a existência de um estado intermediário após a morte,
quando os ímpios seriam purificados do mal. A afirmação do ministro
unitário Henry Giles, em 1839, expressava o sentimento de muitos
outros na segunda metade do século: “Não há espaço, no mesmo
universo, para um Deus bom e um inferno eterno”.

Thomas Erskine (1788-1870)

Erskine foi um conhecido e admirado pensador escocês o qual


acreditava que a essência do pecado é a adoração de si mesmo e que
o inferno é um estado do ser – uma condição de miséria solipsista. O
ódio de Deus pelo pecado, e consequentemente o seu propósito de
destruí-lo, é o único fundamento para a esperança de um pecador. A
única punição que enfrentamos são o arrependimento e a negação de
si mesmo, os quais nos elevam acima de nosso pecado e nos põem na
bem-aventurança de amar a Deus: “A salvação não consiste em ter a
punição removida, mas em aceitá-la de boa vontade, ao morrermos
para nós mesmos e vivermos para Deus”. Se alguém está no inferno, é
porque pôs a si mesmo lá ao recusar-se a entrar no céu: “Portanto,
enquanto um homem escolhe permanecer no pecado, enquanto ele se
recusa a permitir que o amor perdoador de Deus entre em seu
coração… se ele continua nesse estado por toda a eternidade, ele deve
por toda a eternidade ser um filho da ira, habitando em trevas
exteriores”. Todavia, em outro lugar, Erskine asseverou que, uma vez
que a criatura não possui qualquer existência à parte de seu Criador, “é
impossível que eu seja separado Dele sem que cesse de existir”.

Frederick Denison Maurice (1805–1872)

Considerado um dos mais importantes teólogos da


Inglaterra do século XIX, Maurice foi demitido do seu posto de professor
no King’s College de Londres, em 1853, depois de criar um escândalo
com os seus Ensaios teológicos. No último ensaio, Sobre a vida eterna
e a morte eterna, ele defendeu que a palavra “eterno” no Novo
Testamento significa “fora do tempo”. Vida eterna e punição eterna se
referem a um estado do ser, ou, mais precisamente, a uma qualidade
do relacionamento com Deus, ao invés de uma duração eterna. A
condição de ser alienado de Deus é a sua própria punição. A morte
eterna é, assim, uma realidade presente para todos os que se
encontram em um estado de pecado, do qual Cristo os liberta para uma
experiência contínua de nova vida divina. É o ego pecaminoso no centro
da existência que se constitui na pior tortura para a alma condenada,
pior do que qualquer penalidade legal exterior.

Maurice não podia acreditar que Deus condenaria à morte eterna


aqueles que não tiveram conhecimento do Jesus terreno, ou que a
resistência humana pudesse de alguma maneira ser mais forte do que
o amor universal de Deus. Ele se recusou a simplesmente negar a
possibilidade de um inferno eterno, mas sugeriu que o amor infinito de
Deus deveria ser maior e mais profundo do que a corrupção humana
(abraçando um tipo de “universalismo esperançoso”): “Eu sou obrigado
a crer em um abismo de amor que é mais profundo do que o abismo de
morte: eu não ousarei perder a fé nesse amor. Eu afundaria na morte,
na morte eterna, se eu o fizesse. Eu devo sentir que esse amor abarca
todo o universo. Mais do que isso eu não posso saber. Mas Deus sabe.
Eu entrego a mim mesmo e tudo o mais a Ele”.
A História do Inferno: 1800 d.C.
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O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da


história?

Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno,


apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam
sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)

John Stuart Mill (1806-1873)

O filósofo inglês considerava moralmente contraditório


crer em um Deus amoroso “que”, ainda assim, “pudesse criar um
inferno; e que pudesse criar gerações incontáveis de seres humanos
com a infalível presciência de que Ele os estava criando para aquele
destino. Haveria alguma atrocidade moral que não pudesse ser
justificada pela imitação de tal Deidade?” Ele retrucava: “Eu não
chamarei um ser de ‘bom’ se, com isso, eu não puder significar o mesmo
que quando aplico aquele epíteto às demais criaturas; e, se tal ser pode
sentenciar-me para o inferno por não chamá-lo assim, para o inferno eu
irei”.

Thomas Rawson Birks (1810-1883)

Thomas Rawson Birks, um influente evangélico inglês e um calvinista


moderado, defendia que aqueles que estão no inferno, embora
removidos da presença direta de Deus, ainda assim teriam a
oportunidade de passivamente observar e desfrutar da bondade de
Deus. Ele também rejeitava a doutrina calvinista da expiação limitada e
alargava o escopo da salvação para incluir aqueles que estão fora da
igreja.

J. W. Colenso (1814-1883)

O movimento missionário abriu os olhos da Europa para a diversidade


de culturas e religiões no mundo e, para alguns, tornou a pregação do
fogo do inferno não apenas moralmente questionável, mas irrealista e
ineficaz. Em seu comentário A Epístola de São Paulo aos Romanos, J.
W. Colenso, bispo de Natal, na África do Sul, propôs um apoio paulino
para a idéia de salvação post-mortem: “Eu nutro a ‘esperança oculta’ de
que há processos corretivos, quando esta vida termina, a respeito dos
quais nada sabemos no presente, mas os quais o Senhor, o Justo Juiz,
há de administrar, e veremos que Ele é bom em sua Sabedoria.”.

As idéias de Colenso refletem a influência que o darwinismo estava


exercendo sobre a teologia cristã naquele momento. Ele acreditava não
apenas que haveria gradações de punição após a morte, mas também
que essas punições seriam corretivas em sua função e efetuariam um
crescimento ou progresso na direção da iluminação espiritual. Sua
reação contra a punição eterna baseava-se, em parte, na sua aversão
à hipocrisia de cristãos os quais, asseverando que os pagãos iriam
queimar eternamente no inferno, viviam de maneira complacente e feliz,
sem levantarem um dedo para remover o fardo da perdição eterna
daqueles a quem condenavam.
F. W. Robertson (1816-1853)

Assim como F. D. Maurice, F. W. Robertson, ministro da Trinity Chapel


em Brighton, via a vida ou a morte eterna em termos de qualidade de
existência, e não duração temporal. O seu catecismo para a classe de
“confirmação” incluía a seguinte pergunta e sua respectiva resposta:

“P. Por que uma fé adequada é necessária à salvação?”

“R. Porque aquilo em que cremos torna-se o nosso caráter, forma parte
de nós, e o caráter é salvação ou condenação; aquilo que nós somos,
isso é o nosso céu ou o nosso inferno. Todo pecado carrega consigo a
sua própria punição.”

Edward White (1819-1898)

Um ministro congregacional inglês, White foi um dos principais


proponentes da “imortalidade condicional”, um esforço para encontrar
uma terceira via entre a punição eterna e o universalismo, ambas as
quais assumiam a imortalidade natural da alma humana. Os
condicionalistas sustentavam que a alma é mortal e que a imortalidade
é um dom de Cristo aos redimidos. Portanto, os ímpios serão, no final,
aniquilados.

Uma das publicações mais importantes que expunham essa visão foi o
livro de White Vida em Cristo. White rejeitava o termo “aniquilacionismo”
e, diferentemente de outros condicionalistas, sugeria haver um estado
intermediário da alma entre a morte física e a “segunda morte” no Juízo
Final, quando as almas dos ímpios cessariam de existir. Atraído pela
teoria darwinista, ele descrevia o dom da imortalidade como um tipo de
“seleção natural moral”: “O Novo Testamento não ensina a
sobrevivência dos mais fortes, e sim a sobrevivência dos mais aptos” –
isto é, aqueles que possuem fé no amor redentivo de Deus.

Em um tempo no qual o destino espiritual daqueles que pertenciam a


outras culturas era muito debatido, White rejeitou a doutrina da punição
eterna como o ímpeto para as missões. “Não existe nada menos do que
uma DIFERENÇA MORAL INFINITA entre o caráter de um Ser que IRÁ
torturar um… homem ou mulher… por uma eternidade sem fim e o
caráter de um ser que NÃO o fará.”
O condicionalismo, ele acreditava, evitava o problema moral de um
Deus amoroso que pune eternamente os homens, e, ao mesmo tempo,
continuava a prover uma motivação urgente para o evangelismo.

James Baldwin Brown (1820-1884)

Brown foi muito influenciado pelas idéias evolucionistas populares em


seu tempo e considerava a Queda não uma fratura ou interrupção da
criação, mas um passo no desenvolvimento da criação em direção a um
estado superior de existência. Ele acreditava que a punição pelo pecado
origina-se do próprio estado de pecaminosidade – definido
primariamente como auto-idolatria e auto-interesse. O abismo do
inferno é “a sepultura de uma alma viva” sufocada em seu próprio
pecado e atormentada pelo conhecimento de si mesma. O verdadeiro
arrependimento emerge não da tristeza por ter violado a lei ou pelo
temor de ser punido, mas pelo amor ao divino Pai.
A História do Inferno: 1800 e 1900
d.C.
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O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da


história?

Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno,


apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam
sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)

George MacDonald (1824-1905)

Pastor, novelista, escritor de fantasias e discípulo de


F.D. Maurice, George MacDonald é mais bem conhecido hoje por sua
profunda influência sobre C.S. Lewis e outros escritores cristãos do
século XX.

O ponto inicial da teologia de MacDonald era o amor universal de Deus,


o qual “está sempre fazendo o seu melhor por todos os homens”,
fazendo com que todas as coisas cooperem para a salvação de cada
um de seus filhos. Citando Hebreus 12.29, MacDonald sustentava que
o “fogo consumidor” de Deus é, na verdade, a inexorável pureza do seu
amor, o qual extingue todas as impurezas nos amados, destruindo
aquilo que não é amável: “Deus os ama de tal maneira, que os purificará
no fogo”. Toda punição existe tendo em vista o arrependimento.

Para MacDonald, o inferno é um estado mental do ser que começa na


terra para muitas pessoas, e pode continuar após a morte de uma
maneira muito mais intensa. O indivíduo no inferno é um objeto do amor
de Deus tanto quanto o mais santo dos santos, mas esse indivíduo, ao
resistir a Deus, experimenta aquele amor como ira. O inferno não é um
lugar de tormentos sem fim, mas uma condição temporária de
sofrimento purgatorial. “Eu creio que a justiça e a misericórdia são
simplesmente uma e a mesma coisa… Eu creio que o inferno existe
para servir a justa misericórdia de Deus em redimir os seus filhos.”

Para MacDonald, mesmo o abismo mais sombrio do inferno existe para


um propósito: para trazer os pródigos aos pés de seu Pai, de boa
vontade e com um novo amor. “Deus, na escuridão, pode fazer um
homem sedento pela luz, aquele homem que na luz não busca outra
coisa, senão a escuridão”. No final, MacDonald concluía, mesmo o
diabo iria arrepender-se e voltar-se para o seu Mestre, e o próprio
inferno seria destruído. Finalmente, o amor do Pai seria vitorioso.

“Ensaios e Resenhas” vs. a Declaração de Oxford

O altamente controverso volume Ensaios e Resenhas (1860) trouxe as


questões relativas à inspiração da Escritura e à punição eterna para o
debate público. O pensador liberal Henry Bristow Wilson sustentava
que, em um tempo no qual os cristãos ocidentais descobriam mais e
mais acerca do mundo não-cristão, fazia-se necessário reconsiderar os
dogmas tradicionais relacionados à punição eterna. Ele sugeria como
alternativa a possibilidade de um desenvolvimento espiritual adicional
após a morte, uma espécie de “segunda chance” escatológica.
Em resposta à controvérsia dos Ensaios e Resenhas, 11.000 clérigos
da Igreja da Inglaterra assinaram a Declaração de Oxford, em 1864,
afirmando a sua crença “de que a ‘punição’ dos ‘ímpios’,
semelhantemente à ‘vida’ dos ‘justos’, é ‘eterna’.

F.W. Farrar (1831-1903) vs. E.B. Pusey (1800-1882)

No final dos anos 1870 e 1880, um conhecido debate


acerca da tradicional doutrina da punição eterna se deu entre F.W.
Farrar, cônego de Westminster, e E.B. Pusey, líder do Movimento
Oxford na Igreja da Inglaterra. Farrar pregou uma série de sermões que
posteriormente foram publicados no livro Esperança Eterna. Na obra,
ele defendeu aquilo que acreditava ser o âmago da visão bíblica do
inferno: “Que há uma terrível retribuição ao pecado impenitente, tanto
nesta vida quanto após ela; que sem santidade nenhum homem pode
ver o Senhor; que o pecado não pode ser perdoado até que o indivíduo
se arrependa dele e o abandone; que a sentença que advém em razão
do pecado é tanto misericordiosa quanto justa.”

Ele rejeitava, todavia, as ideias de que o inferno é um lugar de tormento


corporal e eterno e que a maioria dos seres humanos acabarão lá. Ele
desejava manter aberta a possibilidade de arrependimento após a
morte. Muitas pessoas interpretaram o livro como se ele ensinasse o
universalismo, apesar do fato de Farrar insistir que ele rejeitava tanto o
universalismo como o condicionalismo.

Em refutação, Pusey publicou uma defesa acadêmica do ensino


tradicional da igreja, com o título O que a fé ensina acerca da punição
eterna?. Pusey sustentava que a doutrina ortodoxa não exigia que
crêssemos que a punição será física, tampouco ela prediz quantos
serão salvos ou condenados. Nós talvez nunca saibamos quantas
pessoas estão em um estado de graça ou se arrependem em seus leitos
de morte. Acerca daqueles que nunca ouviram o evangelho, ele insistia
que “cada alma será julgada por ter respondido ou não à medida de luz
que Ele lhe concedeu”. Contra Farrar, ele asseverou que o inferno é
eterno e que o destino de cada indivíduo é determinado no momento da
morte.

Adventistas do Sétimo Dia (formalmente estabelecidos em 1863)

A Igreja Adventista do Sétimo Dia brotou a partir do movimento millerista


ocorrido nos Estados Unidos durante o século XIX (William Miller previu
a segunda vinda de Cristo entre 1843 e 1844). O seu nome reflete a sua
observância do sábado (o sétimo dia) como o dia do descanso
(shabbat) e a sua ênfase no retorno iminente e premilenista de Cristo.

Uma das crenças distintivas dos adventistas é a imortalidade


condicional ou aniquilacionismo: o ser humano é uma unidade
indivisível e não possui uma alma imortal que existe após a morte.
Apenas Deus é imortal e assegura a vida eterna aos redimidos na
ressurreição, quando Cristo retornar. Aqueles que morrem entram em
um estado inconsciente até lá, e os não redimidos ressuscitarão no final
do Milênio, quando o fogo de Deus os destruirá.

REFERÊNCIAS: Introdução a história do Inferno. Disponível em:

http://voltemosaoevangelho.com/blog/2011/08/a-historia-do-inferno-
introducao/?fb_ref=Default%2C%40Total

Acesso dia: 28/05/2016 às 12:35h

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