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Franklin Ferreira
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Durante quase dois mil anos, os Salmos foram centrais para a devoção da
igreja cristã, ensinando os fiéis a orar, em resposta ao Deus que se revela,
uma confissão e glorificação ao Deus trino, criador, redentor e restaurador.
Deste modo, “quando abraçamos Salmos, juntamo-nos a um amplo grupo
de pessoas que por quase trinta séculos tem baseado seus louvores e
orações nessas palavras antigas. Reis e camponeses, profetas e
sacerdotes, apóstolos e mártires, monges e reformadores, executivos e
donas de casa, professores e cantores populares – para todos esses e para
uma multidão de outros, Salmos tem sido vida e respiração
espiritual”.1 Como Eugene Peterson escreve, “não existe outro lugar em que
se possa enxergar de forma tão detalhada e profunda a dimensão humana
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1. Os Salmos e a oração
A escola que Israel e a Igreja recorreram para aprender a orar foram os
Salmos, que, junto com Isaías, foi o livro mais citado por Jesus e os
apóstolos no Novo Testamento, inclusive como apoio de doutrinas centrais
da fé cristã. Para os primeiros cristãos, a ordem era: “Enchei-vos do Espírito,
falando entre vós com salmos” (Ef 5.18-19). Logo, estes, “como seus
antepassados judeus, ouviram a palavra de Deus nesses hinos, queixas e
instruções e fizeram deles o fundamento da vida e do culto”. 3
Hipona, que pregou todo o livro dos Salmos para sua congregação, chamou-
os de “escola”, “espelho” e “remédio”, “cantados no mundo inteiro”. Quando
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sua última doença o derrubou, ele pediu aos seus irmãos que fixassem nas
paredes de sua cela cópias em letras grandes dos salmos penitenciais
(Salmos 6, 32, 38, 51, 102, 130 e 143), para que ele os lesse continuamente.
No século XVI, Martinho Lutero afirmou que o livro dos Salmos “não coloca
diante de nós somente a palavra dos santos, (…) mas também nos desvenda
o seu coração e o tesouro íntimo de suas almas”, onde aprendemos a “falar
com seriedade em meio a todos os tipos de vendavais”, e que o saltério “faz
promessa tão clara acerca da morte e ressurreição de Cristo e prefigura o
seu Reino, condição e essência de toda a cristandade – e isso de tal modo
que bem poderia ser chamado de uma ‘pequena Bíblia’”. Ele também
afirmou: “É muito benéfico ter palavras prescritas pelo Espírito Santo, que
homens piedosos podem usar em suas aflições”. Em seu leito de morte, ele
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Tenho por costume denominar este livro – e creio não de forma incorreta –
de ‘Uma anatomia de todas as partes da alma’, pois não há sequer uma
emoção da qual alguém porventura tenha participado que não esteja aí
representada como num espelho. Ou melhor, o Espírito Santo, aqui, extirpa
da vida todas as tristezas, as dores, os temores, as dúvidas, as expectativas,
as preocupações, as perplexidades, enfim, todas as emoções perturbadas
com que a mente humana se agita. (…) A genuína e fervorosa oração
provém, antes de tudo, de um real senso de nossa necessidade, e, em
seguida, da fé nas promessas de Deus. É através de uma atenta leitura
dessas composições inspiradas que os homens serão mais eficazmente
despertados para a consciência de suas enfermidades, e, ao mesmo tempo,
instruídos a buscar o antídoto para sua cura. Numa palavra, tudo quanto nos
serve de encorajamento, ao nos pormos a buscar a Deus em oração, nos é
ensinado neste livro. 9
Bíblia também contém um livro de orações, isso nos ensina que a Palavra
de Deus não engloba apenas a palavra que Deus dirige a nós. Inclui também
a palavra que Deus quer ouvir de nós… (…) Que graça imensurável: Deus
nos diz como podemos falar e ter comunhão com Ele! E nós podemos fazê-
lo orando em nome de Jesus Cristo. Os Salmos nos foram dados para
aprendermos a orar em nome de Jesus Cristo”. 13
por meio do chamado profético, do qual Jonas procurou fugir. Mas este
personagem não é entregue a si mesmo. Na primeira parte da historia, Deus
deixa que o profeta chegue ao extremo de quase perder a própria vida,
somente para em seguida restaurá-lo à posição onde se encontrava antes
dele tentar evitar o chamado do Senhor.
No centro da narrativa bíblica está a oração que Jonas proferiu após ser
engolido por um grande peixe. Sua primeira reação ao se encontrar no
ventre do peixe foi fazer uma oração (cf. Jonas 2.2-9), o que não é
surpreendente, pois geralmente oramos quando estamos em situações
desesperadas. Mas existe algo surpreendente na oração de Jonas. Como
Peterson destaca, sua oração não é original ou espontânea: “Jonas
aprendeu a orar na escola, e orava como aprendera. Sua escola eram os
Salmos”. Como o mesmo autor demonstra, frase após frase a oração de
Jonas está repleta de citações dos Salmos:
Peterson prossegue: “Ter palavras prontas para a oração não é apenas uma
questão de vocabulário. Nos últimos cem anos, teólogos deram atenção
cuidadosa à forma particular que os salmos têm (crítica da forma) e os
dividiram em duas grandes categorias: lamentações e ações de graças. As
categorias correspondem às duas grandes condições em que nós nos
encontramos: angústia e bem-estar”. De acordo com as circunstâncias e em
como nos sentimos, lamentamos ou agradecemos. “Os salmos refletem
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REFERÊNCIAS
1
William S. LaSor, David A. Hubbard e Frederic W. Bush, Introdução ao
Antigo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 2009), p. 465.
2 Para um resumo desse processo, cf. Eugene Peterson, em Um pastor
segundo o coração de Deus (Rio de Janeiro: Textus, 2001), p. 21-40.
William S. LaSor, David A. Hubbard e Frederic W. Bush, Introdução ao
3
Antigo Testamento, p. 484. Para uma introdução ao estudo dos Salmos, cf.
Carl J. Bosma, “Discernindo as vozes nos Salmos: uma discussão de dois
problemas na interpretação do Saltério”, Fides Reformata IX, Nº 2 (2004), p.
75-118 e N. H. Ridderbos and P. C. Craigie, “Psalms”, em G. W. Bromiley
(ed.), The International Standard Bible Encyclopedia, v. 3 (Grand Rapids, MI:
Eerdman, 1986), p. 1030-1038.
William S. LaSor, David A. Hubbard e Frederic W. Bush, Introdução ao
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2. A regra da oração
Como Peterson enfatiza, o modelo básico de devoção é a oração diária
baseada nos Salmos, sequencialmente, uma vez por mês. Mas precisamos
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destacar que a oração diária dos salmos não é uma ação isolada. Ela
permanece entre outros dois fundamentos: a adoração junto com a igreja no
domingo e a oração diária, que são recordações às vezes intencionais,
outras vezes espontâneas, em resposta a Deus. Esses três fundamentos
formam o ambiente de oração que estimulará a devoção. No diagrama
sugerido por Peterson, esses fundamentos aparecem assim:
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nome e por meio da mediação de Jesus Cristo, nos unimos a ele, que vive
sempre para interceder por nós (Hb 7.25).
Portanto, Jesus Cristo é a chave que interpreta os Salmos e aquele que ora
os Salmos deve buscar a Cristo como revelado no saltério. Em vez de tratar
as promessas, súplicas, confissões e lamentos de forma analítica, na leitura
dos Salmos aquele que ora participa das promessas, súplicas, confissões e
lamentos do próprio Cristo. O foco de tal oração será, assim, alcançar uma
maior comunhão com Jesus Cristo. “Lutero não sabia nada de um
conhecimento da Bíblia puramente objetivo, desinteressado ou erudito. Tal
conhecimento, mesmo se possível, seria apenas a letra morta que mata. O
Espírito vivifica! Devemos, portanto, ‘sentir’ as palavras das Escrituras ‘no
coração’. A experiência é necessária para entender a Palavra. Não é
meramente para ser repetida ou conhecida, mas para ser vivida e
sentida”. Num sermão sobre a expressão “invoquei o Senhor” (Sl 118.5),
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Invocar é o que você precisa aprender. Você ouviu. Não fique aí apenas
sentado ou virado de lado, levantando a cabeça e balançando-a, e roendo
as suas unhas preocupado e buscando uma saída, com nada em sua mente
a não ser como você se sente mal, como você está ferido, que coitadovocê é.
Levante-se, seu tratante preguiçoso! Ajoelhe-se! Levante suas mãos e seus
olhos para o céu! Use um salmo ou o pai-nosso a fim de clamar sua angústia
ao Senhor. 21
REFERÊNCIAS
4. Colocando em prática
Podemos nos beneficiar do que Dietrich Bonhoeffer escreveu sobre o uso
dos Salmos: “Em muitas igrejas, cantam-se ou leem-se Salmos a cada
domingo ou até diariamente. Essas igrejas preservaram uma riqueza
imensurável, pois somente pelo uso diário penetraremos nesse livro divino
de oração. Para o leitor ocasional, suas orações são pujantes demais em
seus pensamentos e sua força, de modo que voltamos a procurar alimento
mais digerível. Quem, no entanto, começou a orar o Saltério com seriedade
e regularidade, logo dispensará as próprias orações superficiais e piedosas
dizendo: ‘Elas não têm o sabor, a força, a paixão e o fogo que encontro no
Saltério. São muito frias e rígidas’ (Lutero)”. Portanto, devemos incluir os
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Dia 1: Salmos 1 a 8
Dia 2: Salmos 9 a 14
Dia 3: Salmos 15 a 18
Dia 4: Salmos 19 a 23
Dia 5: Salmos 24 a 29
Dia 6: Salmos 30 a 34
Dia 7: Salmos 35 a 37
Dia 8: Salmos 38 a 43
Dia 9: Salmos 44 a 49
Dia 10: Salmos 50 a 55
Dia 11: Salmos 56 a 61
Dia 12: Salmos 62 a 67
Dia 13: Salmos 68 a 70
Dia 14: Salmos 71 a 74
Dia 15: Salmos 75 a 78
Dia 16: Salmos 79 a 85
Dia 17: Salmos 86 a 89
Dia 18: Salmos 90 a 94
Dia 19: Salmos 95 a 101
Dia 20: Salmos 102 a 104
Dia 21: Salmos 105 e 106
Dia 22: Salmos 107 a 109
Dia 23: Salmos 110 a 115
Dia 24: Salmos 116 a 119.32
Dia 25: Salmo 119.33 a 119.104
Dia 26: Salmo 119.105 a 119.176
Dia 27: Salmos 120 a 131
Dia 28: Salmos 132 a 138
Dia 29: Salmos 139 a 143
Dia 30: Salmos 144 a 150
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cuidado ao fixar um tempo designado para intercessão, para que esta não
se torne uma fuga daquilo que é mais importante, a busca pela salvação de
sua própria alma.
Iniciamos a meditação com uma oração pelo Espírito Santo. Que ele clareie
o nosso coração e prepare a nossa mente para a meditação e de todos
aqueles que estarão meditando também. Então, nos voltamos ao texto. Ao
término da meditação nós estaremos em posição de proferir uma oração de
ação de graças com um coração satisfeito. (…)
Bethge anexou esse texto a uma carta circular enviada de Finkenwalde para
os pastores da Igreja Confessante (Bekennende Kirche), em 22 de maio de
1936. O ensaio foi rapidamente compartilhado entre os colegas pastores
presos pelo governo nazista. Bethge contou depois em como a exigência de
Bonhoeffer de que os alunos do seminário de pregadores de Zingst deveriam
dedicar meia hora a cada manhã para meditação silenciosa de um texto
bíblico lhes causou grandes dificuldades. Eles não sabiam como usar este
tempo. Alguns iam dormir, outros preparavam sermões, outros nem sabiam
o que fazer ou reclamavam que o tempo dedicado à meditação era
excessivamente longo. Estas instruções tencionavam tornar claro aos
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que esse roteiro deve ser usado durante a meditação nos Salmos, na medida
em que estas orações inspiradas pelo Espírito Santo são incorporadas às
orações do povo de Deus:
A prática da lectio divina requer que você separe um tempo para estar a sós,
num local tranquilo, sem distrações. Selecione o texto que deseja ler (de
preferência, não muito longo).
Pensar: O que esse texto significa para você? Que versos ou palavras falam
mais à sua situação hoje? Como você tem vivido em relação a ele?
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Viver: Você pode ler, pensar e orar o dia todo, mas a menos que você
pratique a Palavra de Deus, não terá valido nada. É preciso colocar em
prática o que Deus falou com você durante esse tempo de leitura e reflexão.
Sua vida será o maior testemunho que você poderá dar.
Nos dois textos citados acima é sugerida a meditação a sós. Mas queremos
enfaticamente recomendar que o tempo de oração ao Deus Trino seja feita
em comunidade – quando dois ou mais irmãos se reúnem para juntos buscar
a Cristo em oração por meio da leitura dos Salmos. Pois não é natural que
o cristão esteja só – a igreja, o ajuntamento dos fieis, é o corpo de Cristo, o
templo de Deus, o santuário e habitação do Espírito Santo (1Co 3.16-17;
6.19; 10.16; 12.27; Ef 4.12) – e é em comunidade que o cristão irá não só
aprender a orar, mas permanecerá em oração: “Regozijai-vos sempre. Orai
sem cessar” (1Ts 5.16-17). 29
Conclusão
Durante sua longa trajetória, a igreja usou os Salmos para guiar a oração e
a devoção. Então, por que tantas pessoas não se dedicam à oração?
Porque, como nota Peterson, o poço é fundo e não temos nada para pegar
a água. “Precisamos de um vaso para colocar a água. (…) Os salmos são
esse vaso. Não são a oração em si, mas o vaso mais adequado (…) para a
oração que já foi criado. Recusar-se a usar esse vaso de Salmos, depois de
compreender sua função, é errar de propósito. Não é possível fazer um vaso
de outro formato que o substitua”. Certamente já houve várias tentativas para
substituir os Salmos como nosso guia da oração. Mas por que nos
contentarmos com tão pouco, quando temos esse vaso maravilhoso à nossa
disposição? Deste modo, que usemos os Salmos como o livro de orações
da aliança. As palavras de Martinho Lutero são apropriadas como conclusão:
“O nosso amado Senhor, que nos ensinou a orar o Saltério e o Pai Nosso e
presenteou-nos com eles, conceda-nos, também, o Espírito da oração e da
graça, para que oremos sem cessar, com disposição e seriedade de fé. Nós
precisamos disso. Ele o ordenou e, portanto, o requer de nós. A ele sejam
dados louvor, honra e gratidão. Amém”.
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REFERÊNCIAS
http://voltemosaoevangelho.com/blog/2012/12/franklin-ferreira-o-uso-
dos-salmos-na-devocao-crista-13/
http://voltemosaoevangelho.com/blog/2012/12/franklin-ferreira-o-uso-
dos-salmos-na-devocao-crista-23/
http://voltemosaoevangelho.com/blog/2012/12/franklin-ferreira-o-uso-
dos-salmos-na-devocao-crista-33/