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RALOUIN

Estávamos num treinamento técnico em um lugarejo da Floresta Negra. Os organizadores do


evento, como sói acontecer, propiciaram alguns passeios. A tão famosa floresta estava nevada e
o Natal se aproximava, constituindo uma paisagem inesquecível. A despeito da beleza e da
atmosfera alemã de que tudo está no seu devido lugar, ficamos sabendo que a chuva ácida
levava alguns pinheiros à morte e que as árvores condenadas acusavam o golpe mesmo a um
olhar nada treinado. Bastava observar a ponta das mesmas: se estivesse queimada, nada
salvaria a árvore. Era a morte anunciada.

Os nascidos em meados do século XX testemunharam a decadência da nacionalidade brasileira,


invadida pelo cinema norte-americano e pela música de língua inglesa. Este fenômeno não foi
exclusividade do Brasil, mas nossa fragilidade e baixa autoestima multiplicaram os efeitos,
aceleraram o processo. Das revistas em quadrinhos chegamos na fantasia de cumprimentar
bonecos na Disney. Crianças exultam e adultos choram, premiando o esforço de levar os
pimpolhos ao matadouro das identidades em prol de símbolos alheios. Não, não se trata de
chauvinismo, mas de sobrevivência.

Seríamos também bombardeados de outras formas. Datas nacionais e religiosas foram


perdendo o fôlego, a ponto de um 7 de Setembro transformar-se num simples feriado. Uma
forma de destruir um culto é prover um sucedâneo. O Natal foi sendo abocanhado pelo patético
papai noel e a Páscoa virou chocolate em ovos. Não somos vítimas isoladas. A celebração de
“Thanksgiving” nos Estados Unidos passou a ser a data máxima, acima talvez até do Natal. Um
encontro formal da família, mas sem raízes propriamente cristãs. Este é o ponto fundamental:
devagar e sempre o Ocidente segue se afastando de suas raízes. Convenhamos que subjugar
uma gente desenraizada é muito mais fácil que derrubar uma árvore com raízes rasas.

Eucaliptos são árvores de raízes pouco profundas e por isto são muito perigosas perto de
residências. Já cometi o erro de tê-los perto de casa. Até que um temporal com ventos intensos
tombou um deles e só não derrubou um muro porque este fora alicerçado com micro estacas.
Pinheiros, ao contrário, têm raízes tão profundas quanto sua altura e por isto a morte de um
deles consterna ainda mais.

Não faz muito estive na região de Boston, exatamente no dia em que crianças e marmanjos se
fantasiam de caveiras, duendes, bruxas, vampiros, fantasmas e outras delicadezas do espírito ...
Um desfile macabro pelas ruas e centros comerciais. Também sobejam os vilões e assassinos
das telas, como Freddy Krüger e Jason. Como se costuma dizer, cada um, cada um mas, pra
mim, um festival de mau gosto.

Hospedado numa cidade pequena da grande Boston, andei por bairros residenciais e o que vi
foram casas decoradas com imagens lúgubres e muitas lápides em gramados. Qual a graça
disto? Cartas para a redação.

Seja como for, o dano é duplo. Uma tradição que não era nossa começa a invadir o Brasil,
valendo-se da nossa proverbial capacidade de imitar qualquer coisa que tenha origem em
sociedades que tristemente invejamos. Se pelo menos fosse algo bom ...

Em segundo lugar, e mais importante, é o propósito de esvaziar o sentido do Dia de Todos os


Santos, festa dedicada à memória de santos e mártires, celebrada tanto pela Igreja Católica
quanto pelos ortodoxos e anglicanos. Por falar em ortodoxos, recebi um vídeo em que Putin
afirma que a Rússia não aderiu ao movimento que destrói valores e apodrece o Ocidente. Ora,
Putin não é nada confiável, mas sua crítica deveria constranger. Talvez isto se desse, mas a
mídia não repercute coisas como esta. Sua manifestação me fez lembrar da crença de
Dostoievski de que a pátria eslava um dia redimiria o cristianismo. Será?

Os absurdos e bizarrices que aterrissaram em nossa sociedade e a perseguição a qualquer


manifestação contrária - logo denominada como preconceito, fanatismo ou tipificada como crime
de opinião,- levantam uma indagação: será que a ponta do pinheiro ocidental está queimada?

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