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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

INSTITUTO DE FILOSOFIA ARTES E CULTURA


DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

FILOSOFIA DA RELIGIÃO
(FIL 707)

SOBRE A IMPORTÂNCIA E A
VIRTUDE DA FÉ

SÉRGIO LUIS CLEM


PROF. DESIDÉRIO MURCHO

SOBRE A IMPORTÂNCIA E A
VIRTUDE DA FÉ

OURO PRETO
2009
Introdução

O meu objetivo neste ensaio é analisar se um Deus com as


propriedades do Deus teísta- omnisciência, omnipotência e
suma bondade- aprovaria a fé.
Minha tese é que a fé não é uma atitude necessária para a
nossa salvação, ou para estarmos em unidos a Deus ou
recebermos a recompensa divina1. Pretendo partir do
pressuposto de que a fé só será uma condição necessária para
nossa salvação se for uma virtude. Essa noção me parece óbvia.
Não creio que haja razões para se julgar uma propriedade como
necessária para a salvação de um indivíduo qualquer senão por
ser uma virtude. É importante notar que a fé será tratada neste
ensaio apenas no sentido de crença religiosa. Daí, serei guiado,
principalmente, por duas questões:

1. Se Deus existe, ele considera a fé uma atitude necessária


para a salvação do agente em questão?
2. Se Deus considera a fé uma atitude necessária, então ela
tem de ser uma virtude. Que tipo de virtude é a fé?

Nas próximas páginas veremos em quê Tomás de Aquino


pode nos ajudar com a sua perspectiva do que é fé e da sua
necessidade para estarmos em contato com Deus.

Tomás de Aquino, A Importância da Fé

Tomás de Aquino tem uma perspectiva de que a fé é uma


condição necessária para estarmos unidos a Deus. Tomas de
Aquino defende que a nossa união com Deus se dá de três

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Esses termos: “salvação da alma”, “união com Deus” e “recompensa
divina” levantam notáveis discussões filosóficas, pretendo tomar o cuidado
de não me comprometer com essa idéia permitindo que o leitor em
qualquer momento do texto substitua os termos citados acima por
aprovação de Deus.
Esse último termo parece ser imune a críticas do tipo: como um Deus
sumamente bom pode castigar um agente qualquer ou privá-lo de sua
recompensa?

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formas. Primeiro, pela fé; segundo por obedecer aos
mandamentos de Deus; e, terceiro, dedicação à vida religiosa.
Aquino afirma que a união do homem com Deus tem de
pressupor pelo menos a primeira condição: a fé. Ou seja, se um
indivíduo está comprometido com as duas últimas condições e
não possui fé, de nada adianta. Esse indivíduo não estará ligado
a Deus. Porém, se tiver fé e não se dedicar a uma vida moral e
religiosa estará em união com Deus de alguma forma.
Obviamente, se Tomás de Aquino estiver certo, então a fé
realmente é uma virtude. É certo que qualquer atitude que nos
aproxime de Deus é uma atitude virtuosa. Porém, devemos
saber por quais motivos temos de pensar que a fé nos une a
Deus; e se for realmente uma forma de nos unirmos a Deus, por
que Deus fez com que fosse assim. Quero dizer, por que Deus
exige que tenhamos fé para estarmos unidos a ele?
Temos de investigar que tipo de virtude é a fé para que
seja de tal importância para nós. Essa questão da virtude da fé
será abordada mais em breve. Nesse momento, vou me
empenhar em ir contra a noção de Tomás de Aquino
apresentada anteriormente. Vou mostrar um exemplo para
defender que mesmo que a fé seja uma virtude necessária para
estarmos unidos a Deus, ela não é suficiente para tal. Além da
fé temos de possuir uma dedicação a uma vida moral.
Gabriel é um fanático religioso. Por ter sido criado nos
moldes da igreja cristã, possui uma fé que é indubitável. O
grande problema de Gabriel, porém, é que possui um grave
desvio moral. É um assassino. Satisfaz suas vontades em
homicídios que comete periodicamente. No entanto, pela
concepção de Tomás de Aquino, Gabriel estaria unido a Deus.
Imaginemos agora outro indivíduo, Lucas. Por ter sido criado
num meio cultural que não lhe permitia, não chegou a conhecer
os ideais de igreja nenhuma. Resultado disso: foi desde sempre
ateu. A diferença entre Gabriel e Lucas é que o último possui
uma moral incorruptível, diria até exemplar. A ponto de
participar de eventos beneficentes e dar aulas para crianças
carentes nos fins de semana. Sabemos que Lucas não tem fé. É
indiferente à questão da existência de Deus. Concordamos que
a união com Deus é um bem. Então, se Tomás de Aquino estiver
certo, Deus terá dado um grande bem ao Gabriel, o assassino; e
terá privado Lucas de estar em união com ele.

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Esse exemplo não soaria tão contra-intuitivo se tanto
Gabriel como Lucas fossem dedicados a uma vida moral e só um
deles recebesse estivesse unido a Deus. É justamente por isso
que proponho que, mesmo que a fé seja uma virtude necessária
para nossa união com Deus, não parece que é suficiente. Além
da fé, o indivíduo deve possuir, necessariamente, virtude moral.
Nas próximas páginas vou me dedicar a investigar as
posições de William James e William Clifford. Os ensaios
apresentados pelos dois podem nos ajudar a compreender o
valor moral da fé.

Clifford e James, Se a Fé é Uma Virtude Moral

Em seu ensaio, “A ética da crença”, Clifford defende uma


posição que é interessante para nós. O que ele vai defender é
que a atitude de adesão a uma crença qualquer é imoral quando
não há indícios suficientes para a mesma. Vamos ver um
exemplo que serve para ilustrar o pensamento de Clifford:
Um motorista de uma ambulância carrega em sua viatura
um paciente que necessita de cuidados urgentes. O dia está
chuvoso e o trânsito lento. Num certo trecho da estrada o
motorista se depara com uma bifurcação. Um dos caminhos
levará ao hospital em pouco tempo, nesse caminho o trânsito é
mais livre e a distância é menor. O outro caminho, além de mais
longo, é muito mais lento por causa do trânsito. O motorista
sabe que se andar cuidadosamente e sem contratempos,
qualquer dos caminhos deixará a salvo o paciente. Porém, o
caminho mais curto sempre fica interditado quando chove. O
motorista pensa que pelo fato de ter começado a chover há
pouco tempo, o caminho mais curto talvez não esteja bloqueado
ainda. Manteve este pensamento firme e decidiu ir pelo caminho
mais rápido. Demorou 20 minutos para chegar onde a passagem
estava interditada. E na volta, por causa de seu atraso de 40
minutos, o paciente faleceu na porta do hospital.
Clifford julga o ato do motorista como imoral. Esse ato se
deu por uma adesão à uma crença sem que houvesse indícios
suficientes a favor da mesma. Mas não foi exatamente o valor
de verdade da crença do motorista que fez com que ele
cometesse um ato imoral. O que tornou sua atitude imoral foi a
forma com que deu adesão a tal crença. Mesmo que o caminho

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não estivesse interditado e o motorista tivesse levado a
ambulância a tempo, ele não tinha o direito de colocar em risco
a vida do paciente. Ou seja, aderir a uma crença sem indícios
suficientes, num caso semelhante a esse, é um ato imoral.
O pensamento de Clifford, porém, enfrenta um problema.
Como vimos, esse exemplo mostra um agente que aceita uma
crença que o leva a cometer um ato imoral. Mas se pensarmos
na fé, ela não parece nos conduzir a um ato imoral como é o
caso do motorista. Existem crenças que não parecem nos
conduzir a agir imoralmente de forma alguma, como “fui à praia
pela primeira vez aos 8 anos”. Mesmo quando se trata de
crenças desse tipo, Clifford mantém seu julgamento. Justifica
dizendo que essa atitude de dar adesão sem indícios suficientes
prejudica o nosso hábito de investigar. Hábito esse que
lentamente nos tirou da era da superstição e selvageria.
Portanto, se o pensamento de Clifford estiver certo,
poderemos dizer que adotar uma crença qualquer com base na
fé constitui um ato imoral. Já que a adoção de crenças pela fé se
dá quando não indícios suficientes para a mesma.
Devemos relembrar o que afirmei no início desse ensaio:
que Deus só poderá exigir a fé de um agente qualquer se a
mesma for uma virtude. Agora não parece que Deus exigiria a fé
de alguém, dado que se trata de uma atitude imoral. Nesse
caso, nem sequer seria uma atitude que teria a aprovação de
Deus.
Contra o julgamento que Clifford faz à fé vamos usar o
ensaio de William James. Intitulado “A vontade de acreditar”.
James concorda com Clifford que é imoral adotar uma crença
quando há indícios contrários a ela, porém discorda que é imoral
adotar uma crença sem indícios suficientes em qualquer
circunstância. Nesse seu ensaio, James vai defender que
existem situações nas quais aderir a uma crença sem indícios
suficientes não é um ato imoral.
Antes de mostrar as razões que ele tem para defender sua
posição, vou clarear alguns conceitos que ele usa no ensaio. Os
primeiros conceitos que veremos são: opção viva, opção
momentosa e opção forçosa.
Opção viva: é a opção entre duas hipóteses que são vivas
para nós. Ou seja, quando as duas hipóteses nos atraem e
parecem possibilidades reais para nós. Para ilustrar esse

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conceito imaginemos uma opção entre “crer nos Deuses dos
gregos ou crer no Deus Maia”, certamente trata-se de uma
opção morta para nós. Porém, crer no Deus teísta ou ser ateu é
uma opção viva para nos. Já que nenhuma das duas hipóteses é
de impossível adesão para nós.
Uma opção é momentosa quando temos de escolher entre
duas hipóteses e que a escolha de uma das duas provavelmente
anulará qualquer oportunidade futura de escolher a hipótese
contrária. Vejamos um exemplo:
Um vendedor ambulante indiano oferece a Jaqueline uma
caneca que é produzida com um material e técnica encontrada
apenas na índia. O vendedor vai voltar para seu país nesse
mesmo dia. Se Jaqueline escolher não comprar a caneca,
dificilmente se verá na oportunidade de adquirir artefato
semelhante. Nesse sentido, a decisão de Jaqueline é
momentosa.
Uma opção pode ser forçosa ou evitável. Uma opção é
forçosa quando as conseqüências de não escolher entre uma
das hipóteses equivale a escolher efetivamente a uma delas. Por
exemplo, recebo a proposta de ir para Rio de Janeiro de carona.
Porém, tenho de decidir entre ir ou não em até 2 horas, que é o
momento em que o carro vai sair. Se não decido nesse tempo,
então ao fim de 2 horas as conseqüências são as mesmas de ter
escolhido não ir.
Por fim, se uma opção é simultaneamente viva, momentosa
e forçosa, poderemos chamá-la de opção genuína. Tendo em
vista esses conceitos, William James defende que quando
estamos diante de uma questão que é intelectualmente
indecidível e é uma opção genuína, podemos dar adesão a uma
das hipóteses de acordo com os nossos desejos. Sem estar,
assim, agindo imoralmente.
A meu ver, James enfrenta sérios problemas com a sua
perspectiva. O primeiro deles é que temos de estar atentos se o
agente que crê pela fé realmente considera sua crença
intelectualmente indecidível. É importante destacar essa
questão, pois segundo James só não é imoral adotar uma crença
sem indícios suficientes quando a mesma é intelectualmente
indecidível. Portanto, imaginemos um indivíduo qualquer que
crê que a questão acerca de Deus é intelectualmente decidível.
Crê que o argumento do mal dá uma base racional para se

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adotar a crença ateísta. Esse mesmo indivíduo não pode adotar
a crença em Deus pela fé. Ou estaria agindo imoralmente. Pois,
sabe de indícios para a crença ateísta, mas adota a crença teísta
por medo de não receber a recompensa divina ou outro
sentimento qualquer. Esse agente em específico não poderá ter
uma fé que lhe seja útil para alcançar a salvação. Pois, se tiver
fé, ela não se tratará de uma virtude epistêmica. Dado que o
agente adota uma crença que é contrária a uma parte do seu
corpo de crenças; também não parece ser uma virtude moral,
pois o ato de adotar essa mesma crença é, em si, uma atitude
imoral.
Outro problema que James deve responder se refere ao
problema da fé ser ou não uma opção forçosa. Sabemos que
uma opção só é forçosa quando as conseqüências de não
escolher entre uma das duas hipóteses equivale a escolher
efetivamente a uma delas. No caso da fé, a opção só será uma
opção forçosa se for o caso de Deus existir. Pois, se Deus existir,
então as conseqüências de crer que Deus não existe e não crer
que Deus exista são as mesmas. Ou seja, as conseqüências de
ser ateu ou agnóstico são as mesmas se Deus existir. Nenhum
de ambos receberá a recompensa divina. Porém, se Deus não
existir, então nem sequer haverá conseqüências relativas a
adotar a crença que Deus existe, ou adotar a crença que Deus
não existe ou ficar alheio a questão.
O que quero de fato é demonstrar que quando um indivíduo
se depara com a questão de ter ou não fé, só vai interpretar a
questão como forçosa se já tiver antecipadamente a crença em
Deus. Pois, só vai desejar uma recompensa divina se acreditar
que há uma divindade. E se o indivíduo crê previamente em
Deus, então devemos saber de onde veio esta crença e como foi
adquirida. Não é problema ter fé quando se crê em Deus, o
problema é saber se a crença em Deus é virtuosa ou não
quando não temos indícios suficientes para adotá-la.
Mesmo que William James esteja certo sobre não ser imoral
adotar uma crença pela fé quando se trata de uma questão
intelectualmente indecidível e uma opção genuína, mesmo que
ele acerte nisso, a única coisa que consegue provar é que não é
imoral adotar uma crença pela fé em algumas circunstâncias.
Deus não julgaria a fé como uma atitude necessária para a
recompensa divina só pelo fato de não ser um ato imoral. Assim

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como andar de bicicleta não é imoral e acredito que não seja
também uma atitude necessária para receber a recompensa
divina.

Chapell, Sensibilidade à Verdade e à Esperança Prática

No artigo “Why is Faith a Virtue?”, Tim Chapell vai


defender que a fé é uma virtude. Sua defesa baseia-se na idéia
que virtude é uma disposição de caráter que promove em nós
sensibilidade a um ou mais bens básicos. A noção que Chapell
tem de bem básico é a idéia de um bem intrínseco, irredutível a
outros bens. Ou seja, se algo é um bem apenas por que serve de
ferramenta para um bem maior, então esse algo não é um bem
básico. Um bem básico é, por si só, um bem. Chapell quer
assim, que a fé seja uma virtude. Pois, promove sensibilidade a
dois bens básicos, nomeadamente, a esperança prática e à
verdade.
Ter esperança prática é crer que nossos projetos têm boas
chances de serem concretizados. Por exemplo, quando penso
em tirar carteira, a minha esperança prática permite que eu
acredite que, se eu estudar e me dedicar, vou ser bem sucedido.
Para não me prolongar neste ponto, vou conceder à Chapell que
tanto a verdade quanto a esperança prática são bens básicos.
Ainda assim, a tese de Chapell tem um problema óbvio, e
ele mesmo o antecipa. Uma pessoa pode ter sensibilidade a
verdade e a esperança prática sem ter fé. Sua resposta a esse
problema é que esse indivíduo terá sensibilidade a esses dois
bens sim, mas em duas disposições de caráter diferentes. Uma
disposição de caráter para a verdade e outra para a esperança
prática. O que não acontece com quem tem fé. Essa é, para ele,
a vantagem que o teísta tem sobre o ateu. E justamente por
esse motivo, a inexistência de Deus não tira o valor de virtude
da fé. Afirma ainda, que em algumas circunstâncias, esses dois
bens básicos estarão em conflito para aquele que não tem fé.
Um ateu em seu leito de morte exemplifica bem essa
circunstância. Ele não poderá ter sensibilidade à esperança
prática e a verdade ao mesmo tempo. Pois, se tivesse esperança
prática em relação ao seu futuro estaria contrariando sua
sensibilidade com a verdade, que lhe diz que não haverá vida
após sua morte.

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Tim Chapell vai ainda mais além. Diz que, mesmo que o
ateu tenha uma esperança prática relativa à sua vida pós-
túmulo, ele não verá a possibilidade grandiosa que o teísta vê
na mesma situação.
Um trabalho importante que Chapell deveria de ter feito
em seu artigo é estabelecer uma relação mais nítida que a fé
tem com a sensibilidade à verdade. Já que depende dessa
proposição, deveria tê-la tornado mais plausível. Mas não
consegue fazer tal correlação da fé com a verdade sem a
pressuposição da existência de Deus.
A crítica que vou fazer ao pensamento de Chapell, talvez
responda às duas vantagens que ele diz que os teístas têm
sobre os ateus. A disposição de caráter que promove no ateu a
sensibilidade à verdade e à esperança prática, ao contrário do
que pensa Chapell, é uma só. Essa disposição de caráter é a
razão. Sempre que nos dispomos a executar um projeto
qualquer, teremos uma esperança prática que será julgada pela
nossa razão. Vejamos como isso funciona no exemplo da
carteira de motorista. Se eu tiver algum problema grave e
incorrigível de visão e, além disso, tiver problemas de
coordenação motora, a minha razão me dirá até que ponto eu
posso ter esperança prática. Se é que devo ter alguma. Se eu
julgar devidamente que não devo ter esperança prática numa
situação qualquer, por exemplo, na situação da carteira de
motorista, então a esperança prática não será um bem, mas
acabará me conduzindo para uma desagradável desilusão.
Sua situação é ainda pior se recorrermos à noção abordada
anteriormente. Que é imoral aceitar uma hipótese qualquer na
presença de indícios contrários à nossa crença. Certamente é
bom que as possibilidades acerca do nosso futuro sejam boas.
Assim como é irrazoável crer que as possibilidades acerca do
nosso futuro serão boas quando não temos indícios para crer em
tal. É irrazoável crer que teremos uma boa “vida” pós-túmulo
quando não há bons indícios para crer em tal proposição,
mesmo que crer nisso nos deixe mais felizes.
Não creio que uma tentativa de dar o valor de virtude à fé
funcione se formos por esse caminho. Essa perspectiva de
Chapell parece dar uma valoração maior à esperança prática do
que à verdade ou confunde a sensibilidade à verdade com
algum tipo de convicção. Se interpretarmos a questão na

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perspectiva de Chapell, então chegaremos à conclusão de que a
fé é realmente uma virtude. Porém, pagamos um preço alto
demais. O de nos deixarmos acreditar, e ter convicção, numa
crença qualquer apenas por sua conveniência.

Conclusão

Como vimos nas páginas antecedentes, as defesas mais


plausíveis da fé como virtude parecem sempre depender da
pressuposição que Deus existe. Porém, parece-me claro que não
podemos ignorar os argumentos contra a existência do Deus
teísta, conseqüentemente, não podemos tomar a existência de
Deus como certa. Basta recorrermos ao argumento (indiciário ou
lógico) do mal ou aos argumentos baseados na inconsistência
entre as propriedades essenciais de Deus, para podermos
afirmar que, atualmente, não possuímos uma base racional para
afirmar que Deus existe.
Dado que não temos essa base racional, a fé não parece
ser uma virtude. Se, porém, tivermos indícios mais seguros da
existência de Deus, então poderemos ter fé em todas as
proposições que soubermos provir dele. Todas as proposições
que vierem de Deus, de uma forma qualquer, serão objetos de
fé. E crer nessas proposições por fé será, finalmente, uma
atitude virtuosa.
A minha posição a respeito da virtude da fé é uma posição
contextualista. Nesse sentido, podemos afirmar que Tomás de
Aquino agiu virtuosamente ao ter fé em algumas verdades
acerca de Deus. Pois, estava confiante que seus indícios a favor
da existência de Deus eram conclusivos, e com os mesmos
achava ter uma base racional firme para adotar a crença em
Deus. Além disso, estava confiante que as verdades acerca de
Deus, às quais ele deu adesão pela fé, eram provenientes da
divindade. O problema é que não podemos afirmar que temos
uma base racional para a questão da existência de Deus hoje.
Dado que os argumentos a favor da inexistência de Deus
levantam pelo menos uma dúvida razoável sobre a questão.
Voltemos a nossa questão principal: se Deus exigiria a fé
de um agente qualquer. Deus, por ser omnisciente, sabe da
nossa situação. Sabe que não temos indícios seguros de sua
existência. Conseqüentemente, sabe que a fé, hoje, não é uma

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atitude virtuosa. Ou seja, a fé será virtuosa em algumas
circunstâncias, como no caso de Aquino; porém haverá
circunstâncias em que a fé não poderá, de forma alguma, ser
uma virtude. Por essa razão Deus não poderia considerar a fé
como uma atitude importante para nossa salvação.

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Referências Bibliográficas

1. Aquino, Tomás de. “Suma Teológica. II-II, 12, 1.”

2. Chapell, Tim. “Why is Faith a Virtue?” In: Philosophy of Religion: An


Anthology, editado por Paul J. Griffiths e Charles Taliaferro, pp. 546-551.
2003.

3. Clifford, William. “A Ética da Crença.” In: Fé, Epistemologia e Virtude,


org. Desidério Murcho, pp. 177‐178. 2009.

4. James, William. “A Vontade de Acreditar.” In: Fé, Epistemologia e


Virtude, org. Desidério Murcho, pp. 88–109. 2009.

5. Rowe, William L. Introdução à Filosofia da Religião. Trad. Vítor Guerreiro.


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