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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PSICOPATOLOGIA I - PA

Grupo 09: Marina Carvalho, Mateus dos Santos, Miguel Tiberio, Nathália Lima, Nara Lares
Kludasch, Nikolas Almeida, Patricia Martins

RESENHA
Os autores buscam, neste capítulo, pontuar acerca da concepção da natureza do
sofrimento mental e quais os principais pontos destoantes entre psiquiatria e psicanálise. Para
isso, primeiro eles apresentam que a discussão é focada na causa da loucura, que pode ser
psíquica (mental) ou orgânica (físico-químico). Sendo as palavras do paciente na entrevista
psicopatológica objeto de estudo, é essencial dar importância à subjetividade do sujeito para
consequentemente elaborar o diagnóstico, prognóstico e tratamento.
Ferreira e Veras (2017) retomam a história da psiquiatria com Foucault, que toma
como marco do seu surgimento a libertação dos loucos de Bicêtre, por Pinel, no ano de 1793.
Foi interpretado por Foucault como marco de aprisionamento do louco pela razão, mas os
autores trazem a perspectiva de um momento revolucionário, já que a loucura passa a ser
vista não mais como uma doença do cérebro e sim como doença que desequilibra as
faculdades mentais, ou, nas palavras de Pinel, como “...um defeito de julgamento, um erro de
elaboração das ideias”, podendo então ter tratamento.
A princípio, a psiquiatria não tinha terapêutica própria, e por isso, num primeiro
momento, recebeu forte influência pineliana, assumindo como principal via de acesso a
história contada pelo paciente. Essa intervenção, conhecida como interrogatório, era uma
forma de receber informações para diagnóstico e tratamento, mas também uma intervenção
terapêutica, visto que confessar a loucura era considerado o primeiro passo para a melhora e
ainda, uma fonte e oportunidade de evolução do que se conhecia das doenças mentais.
Segundo Foucault, a estratégia contava com a realidade particular vivida e contada pelo
paciente, juntada ao conhecimento prévio do psiquiatra e à realidade daquele sujeito com
terceiros contada por estes, que combinadas possibilitava ao profissional contrapor, no nível
da linguagem, o pensamento delirante do indivíduo, para que ele enxergasse sua loucura a
partir da desestabilização de suas crenças e cedesse à verdade socialmente seguida. “Sim,
escuto vozes””; “Sim, tenho alucinações!”; “Sim, creio ser Napoleão!” E isso é minha
doença” (Foucault, 2006, p. 356).” (Psicopatologia Lacaniana, Volume 1, 2017, p. 57).
Seguindo a linha cronológica, na primeira metade do século XIX a subjetividade do
paciente já não era mais o interesse para o psiquiatra; a visão organicista se instaurou na
psiquiatria, reduzindo crises e delírios de doenças mentais à mero objeto de observação e
prova da existência da doença, visando descobrir seu locus. Ferreira e Veras (2017) chamam
a atenção para Griesinger - que mesmo conhecido como “o primeiro dos organicistas”
reconhecia a importância de entender as nuances da personalidade de cada paciente como
forma de conhecer a fundo a doença - e Falret, que compartilhava da mesma posição. Outros
grandes representantes da psiquiatria clássica reconhecidos pelo autor são Emil Kraepelin e
Gaetan Gatian de Clérambault, também crentes da organogênese da loucura, e céticos ao
tratamento desta, mesmo que muito interessados a ouvir as subjetividades de seus pacientes.
Entre o fim do século XIX e início do XX a psiquiatria, que já havia adquirido seus
próprios saberes sobre síndromes e doenças minuciosamente investigadas a partir dos casos,
caminhava para o fim das possibilidades descritivas do método clínico. Há, portanto, o
abandono da posição investigativa, o entendimento da loucura como doença mental limitada
ao observável e a objetividade em relação ao paciente, sendo importante para o psiquiatra
apenas ouvir os sintomas e encaixá-los aos saberes já estabelecidos. Concomitantemente há o
desenvolvimento das mais diversas abordagens teóricas, opostas entre si em muitos aspectos,
mas com a iminência da perspectiva fenomenológica como ponto em comum.
Ferreira e Veras (2017) aprofundam as convergências e divergências da entrevista
psiquiátrica nesse momento da história da psiquiatria. Começando pelos pontos em comum,
houve o abandono da psiquiatria clássica, do interrogatório e, consequentemente, do papel do
psiquiatra de confrontar o louco e quase o obrigar a se encaixar nas “regras” da sociedade em
que está inserido (isso não apaga o importante papel dos métodos inicialmente usados para as
bases do que hoje se pratica). Os autores recorrem a Jaspers (1987, p. 980) para salientar que
o primeiro e mais importante método de exame é a conversa com o doente, para que seja
possível coletar informações importantes sobre o funcionamento psíquico do paciente e seus
sintomas, utilizados na avaliação do caso, formulação de diagnóstico, prognóstico e
planejamento de um tratamento. Para isso, a avaliação se compõe de dois aspectos que,
seguindo a denominação usada por Mayer-Gross, Slater e Roth (1972), são conhecidos por
longitudinal e transversal.
O aspecto longitudinal é formado pela história de vida do paciente e não é tarefa fácil
conduzir o paciente a dizer aquilo que é realmente relevante para ajudá-lo. O psíquico não é
diretamente inteligível e requer, além da conversação, o olhar para os comportamentos do
paciente. Jaspers é citado para explicar pontos importantes para se fazer uma boa entrevista:
“dizer o menos possível, deixando que o paciente fale. Enquanto se conversa, dá-se atenção à
conduta e aos gestos do paciente: às muitas manifestações expressivas, ao tom de voz, a um
sorriso, a um olhar, a todo quanto, inconscientemente, vem a formar nossa impressão”
(Jaspers, 1987, p. 980). (Psicopatologia Lacaniana, Volume 1, 2017, p. 59).
Seguindo as referências à Jaspers, os autores pontuam que há uma segunda habilidade
requerida ao entrevistador, que é a capacidade da ambivalência, ou seja, de dar atenção à
individualidade do sujeito ouvido e, simultaneamente, poder fazer uma análise disso
baseando em definições psicopatológicas, filtrando o importante para avaliar o paciente e
sabendo quando e como introduzir questionamentos pertinentes que direcione a conversa
para que ela continue fluida, natural, mas que caminhe para a direção correta.
Em meio às diferenças teóricas, há pontos de consenso acerca da entrevista que são
destacados. O primeiro deles é em relação ao reconhecimento da entrevista como importante
instrumento do diagnóstico citada, segundo os autores, “desde Mayer-Gross, passando por
Jaspers, Alonso-Fernández, Henry Ey até Kaplan e outros autores contemporâneos, tais como
os brasileiros Dalgalarrondo e Cheniaux.” (Psicopatologia Lacaniana, Volume 1, 2017, p. 60).
O segundo elemento é sobre a importância terapêutica no sentido não apenas de
elaborar um diagnóstico e planejar intervenções, mas também porque é uma situação
repentina e única, sendo aquele o momento singular para se estabelecer uma forte base
terapêutica. Além disso, um terceiro aspecto é a adoção de uma estrutura básica, mas sem
roteiro definido ou fórmula a seguir para executar a entrevista, apenas para orientar o
entrevistador a seguir o caminho mais coerente e preciso para levantar pontos imprescindíveis
para a avaliação.
A perspectiva longitudinal faz com que o entrevistador busque informações além do
problema atual que o paciente apresenta, como a história, evolução, tratamentos da doença e
outras áreas de sua vida que não estejam aparentemente ligadas à doença. Para orientá-los,
Ferreira e Veras (2017) apresentam um esquema como guia para organizar a entrevista ou a
escrita do caso quando isso se fizer necessário - como sugerem Kaplan, Sadock e Grebb
(2007), já que os pacientes podem relatar fatos sem se atentarem à ordem cronológica dos
acontecimentos e o entrevistador se perder facilmente. Primeiro deve-se fazer a identificação,
abordar a queixa principal/motivo, a história da doença atual e impactos sobre as atividades
da vida. Em casos crônicos, pode ser difícil separar a história da doença com a história de
vida. A investigação continua pelas doenças passadas, que muitas vezes não possuem relação
direta ou aparente com o quadro atual mas sinalizam vulnerabilidades; passando pela história
pessoal desde a gravidez, parto, primeira infância e o desenvolvimento em geral do paciente,
período escolar de aprendizagem e interação, adolescência e seus interesses, idade adulta e os
relacionamentos de uma forma geral, responsabilidades, emprego, desempenho social,
concepções e práticas religiosas, hábitos de lazer, culturas, valores; história familiar e social
estrutura familiar e atitude destes diante da doença; e histórico de familiares com problemas
psiquiátricos.
O outro aspecto que integra a avaliação é o transversal, que visa apreender o estado
mental do paciente no momento da entrevista, ou seja, trata-se da atenção centrada no que
pode ser percebido pela observação, desde a postura até uma minuciosa análise da expressão
mímica e motora durante a fala, dos comportamentos e atitude frente ao entrevistador, que
deve se ater à forma e ao conteúdo, e às variações qualitativas e quantitativas. Os autores
afirmam que para apreender o funcionamento psíquico geral de um paciente, deve-se fazer a
leitura isolada de cada função, mas sabendo que as funções não se desintegram. Logo, é de
interesse as funções que apresentam alterações e também aquelas preservadas e que podem
vir a ser afetadas.
Este não é um exame uniforme, pois dependendo da abordagem, a ênfase pode ser
dada aos sintomas objetivos ou à vivência subjetiva do indivíduo em relação aos sintomas. A
partir do exame deve ser possível produzir uma súmula que conste informações sobre
“aparência, impressão física geral (apresentação, postura, autocuidado); atitude para com o
examinador. Consciência (nível e campo), atenção, orientação, memória e inteligência.
Humor e afeto, comportamento, vontade, psicomotricidade, sensopercepção. Consciência do
eu; linguagem, pensamento (curso e forma), juízo de realidade; crítica.” (Psicopatologia
Lacaniana, Volume 1, 2017, p. 63).
Entrevistar os familiares é uma boa estratégia para obter informações complementares
ou mesmo informações básicas caso o paciente esteja incapacitado de informar com precisão
seu real estado. É uma medida relevante para mostrar as diferenças entre a interpretação da
doença pela família e pelo doente, e ainda é uma oportunidade, no sentido terapêutico, de
intervenção com a família, a fim de entender a disposição dos mais próximos do paciente
para aprofundar o planejamento terapêutico e mantê-los cientes e orientados ao que e como
está acontecendo a intervenção psiquiátrica. Os autores citam Doyle para ressaltar a
importância de cuidadosos exames físicos para saber a respeito do estado geral de saúde do
paciente, e ainda uma investigação genética para ajudar a solucionar casos duvidosos, o que
pode ajudar a apurar fatores somáticos em risco e auxiliar na escolha terapêutica
medicamentosa mais adequada. “Jaspers (1987) salienta que também o material produzido
pelo próprio paciente, como cartas, autobiografias e outros produtos dos doentes, pode ser
uma valiosa base de informações.” (Psicopatologia Lacaniana, Volume 1, 2017, p. 64).
As divergências na prática da entrevista se dão, principalmente e inicialmente, no
interesse do que se interessa saber pela fala do paciente. Os autores afirmam que, no interior
da fenomenologia, a polêmica era sobre a atenção nos dados objetivos contra os subjetivos.
Os autores se debruçam nos jasperianos e em Alonso-Fernández para explicar o interesse no
"intra mundo psicótico”, e em Kaplan (2007) para citar aqueles que valorizavam o
“conhecimento exato dos fatos” considerando-os mais confiáveis do que o que era
interpretado pelo profissional ou as impressões do paciente. Acessar dados subjetivos requer
maior proximidade do entrevistador em relação ao paciente durante a entrevista, como um
contato interpessoal empático - considerado um erro para abordagens objetivas e, portanto,
distantes do sujeito.
As entrevistas podem ser estruturadas, semiestruturadas ou não estruturadas, que
variam em função do seu objetivo, e, portanto, da abordagem do psiquiatra, e ainda do tipo de
paciente e quadro que ele apresenta, com o único consenso de que roteiros engessados não
são proveitosos. Os autores citam novamente Jaspers (1987, p. 979) que afirma que “não se
deve abordar o doente com esquemas pré-fabricados de perguntas e, sim, saber, apenas, sobre
que particularidades caberá, de um modo ou doutro, esclarecer, que pontos de vista se hão de
considerar quando se faz o exame” e Doyle (1952, p. 277) que desaconselhava a observação
psiquiátrica às limitações do preenchimento formal de uma ficha sobre o paciente, pois os
questionários não incluem a realidade do sujeito.
A discussão perde sentido quando a psiquiatria se orienta a partir das evidências, e se
debruça sobre fenômenos quantificáveis e finitos, a fim de universalizar a psiquiatria como é
representada nos manuais de classificação dos DSMs e do CID 10, “e que se manifesta,
atualmente, nas práticas das neurociências, da psiquiatria biológica, da psicofarmacologia,
orientadas prioritariamente para a supressão dos sintomas.” (Psicopatologia Lacaniana,
Volume 1, 2017, p. 65-66). Ou seja, o psiquiatra abre mão da clínica e do paciente, se
atentando apenas à medicar o sintoma que fez com que o paciente procurasse ajuda. Os
autores afirmam que a psicanálise vai na contramão e insiste em dar a palavra ao sujeito e
reconhecem a importância das contribuições de Freud como transformadoras da história de
uma enfermidade na história de um doente (Alonso-Fernández, 1972, p. 927).
Freud escutava as pacientes histéricas e juntava essas informações à sua formação
médica neurológica a fim de corresponder manifestações psíquicas das pacientes a achados
orgânicos, voltando a dar espaço central da pesquisa à fala dos sujeitos. Os autores se
debruçam em Lacan para pensarem as convergências e divergências entre as práticas
psicanalíticas e psiquiátricas, isso porque ele teve seu ponto de partida na psiquiatria, e viveu
experiências distintas das de Freud no que tange ao exame do paciente. Baseando-se nele em
seu interesse pela fala do sujeito neurótico, Lacan, na psiquiatria, se interessava pela fala do
paciente psicótico.
Clérambault, professor de Lacan, manteve vivo o caráter investigativo da clínica
psiquiátrica e queria verificar qual a posição do sujeito no interior de sua própria crença, e
não se mostrava empático ou compreensivo, mas incapaz de entender por completo as falas
do paciente, e, juntando isso às técnicas que buscavam emocionar o paciente para ativar suas
emoções e fazendo com que ele revelasse, de forma inconsciente e por meio de sinais
discretos, o que era inconfessável. Posteriormente, Lacan desenvolve além dessa acuidade
clínica e busca, mais do que os fenômenos, a posição do doente e o “nó central do caso”
(Laurent, 1989, p.165) que era diferente em cada sujeito.
Em se tratando da condução da entrevista, Lacan seguiu um caminho diferente de
Clérambault - e de seus contemporâneos- por ser psicanalista e ter de intervir desse lugar com
o paciente, tratando de reconhecer o sujeito no doente, que pode ser alcançado através de sua
própria fala. Lacan critica ainda a compreensão empática como é orientado pela
fenomenologia jasperiana, afirmando que a intersubjetividade favorecia a operação
imaginária, porque se endereçava ao Eu e não ao sujeito do inconsciente. Lacan ocupava a
posição de não compreender, já que essa ignorância instiga o discurso do paciente e a
possibilidade de novas informações serem compartilhadas. Os autores dizem que a
compreensão faz com que o analista se acomode com a investigação e colabore com a
resistência do paciente. Para o analista, ao contrário, “o que se trata de compreender é
precisamente por que há alguma coisa que é dada [pelo paciente] para ser compreendida.”
(Lacan, [1955-1956] 1992. p. 60). O interesse de Lacan é voltado para o inconsciente, ou
seja, o interesse se desloca da preocupação pragmática em fazer um recorte da fala do
paciente para enquadrá-lo em alguma doença previamente estabelecida (com base nos
sintomas) para o desejo de acolher o indivíduo em sua integridade e fazer emergir o sujeito
enquanto ele mesmo. O foco é, portanto, como dizem os autores, tentar localizar a posição
subjetiva, os indícios da posição de gozo do sujeito em relação ao Outro; “tocar o sujeito no
doente”, que significa buscar o ponto impossível de suportar que fará com que o sujeito
coloque para fora.
Referência

Ferreira, C. M. R. & Veras, M. (2017). Entrevista psicopatológica: o que muda entre a


psiquiatria e a psicanálise? In A. Teixeira & H. Caldas (Orgs.), Psicopatologia lacaniana I:
semiologia (1ª edição; pp.49-65). Belo Horizonte: Autêntica.

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