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APOSTILA Teologia FIT 1810-C02

Curso: Direito - 2016/1

Conteúdo
CONCEITOS BÁSICOS ................................................................................................................................... 1
A JUSTIÇA DO HOMEM PEQUENO ............................................................................................................. 3
FENÔMENO RELIGIOSO ............................................................................................................................... 4
EXPERIÊNCIA RELIGIOSA ....................................................................................................................... 4
MITO, SÍMBOLO E RITO............................................................................................................................ 6
FENÔMENO RELIGIOSO: SEITAS E IGREJAS ....................................................................................... 7
OS JOVENS "SEM RELIGIÃO" .................................................................................................................... 10
RELIGIÃO: CAMINHO PELA HISTÓRIA ................................................................................................... 15
PAPEL SOCIAL DA RELIGIÃO NAS SOCIEDADES TRIBAIS ............................................................ 15
FUNÇÃO SOCIAL DA RELIGIÃO NO FEUDALISMO ......................................................................... 17
A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA NA (PÓS)MODERNIDADE ................................................................... 19
RELIGIÃO E CONSUMISMO: .................................................................................................................. 22
MARX E A RELIGIÃO .................................................................................................................................. 24
FREUD E A RELIGIÃO ................................................................................................................................. 25
ESTADO E RELIGIÃO: RELAÇÕES PERIGOSAS ..................................................................................... 26
RAÍZES e INFLUÊNICAS RELIGIOSAS ..................................................................................................... 31
A DOIS CLIQUES DE DEUS ......................................................................................................................... 32
FÉ CEGA, FACA AMOLADA ....................................................................................................................... 37

Profa. Sandra Chaves|


sandra.fit@pucgoias.edu.br

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CONCEITOS BÁSICOS
1. TEOLOGIA
Etimologia/histórico: A palavra é de origem grega (Teo = Deus; Logia = estudo): o estudo de Deus. Os filósofos
gregos utilizavam a palavra, mas restrita ao campo de articulação das idéias filosóficas.
Pode ser:
1.1. Olhar externo: É uma reflexão sistemática, organizada, metódica, que parte da fé e a ela pretende voltar.
Sob esse olhar a Teologia se propõe a estudar toda e qualquer expressão religiosa a partir do olhar do crente, ou seja,
não questiona ‘se’ tal fenômeno é possível ou não. Tal questionamento é dispensável. A partir do fenômeno
apresentado, a teologia utiliza instrumentos de investigação como a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia, a História e a
Antropologia da religião.
1.2. Olhar interno: Esse aspecto estuda os textos sagrados e suas inplicações/interpretações. Este estudo é realizado
pelo praticante da própria fé professada, ou seja, é o muçulmano estudando a Teologia do Corão, é o judeu estudando
a Teologia da Torá, etc. No Cristianismo é a reflexão sobre o ser humano, à luz do projeto de Jesus Cristo, para
orientar o crente a viver humanamente neste mundo em direção à plenitude da vida.

2. RELIGIÃO
Vem do latim ‘religar’, ‘atar’ o sagrado com o profano. A religião é um sistema qualquer de idéias que envolve fé e
cultos. Consiste em crenças e práticas organizadas, formando algum sistema privado ou coletivo, mediante o qual uma
pessoa ou um grupo de pessoas são influenciados.
Pode-se encontrar muitas crenças e filosofias diferentes. As diversas religiões do mundo são de fato muito
diferentes entre si. Porém ainda assim é possível estabelecer uma característica em comum entre todas elas. É fato que
toda religião possui um sistema de crenças no sobrenatural, geralmente envolvendo divindades ou deuses. As religiões
costumam também possuir relatos sobre a origem do ‘Universo’, da ‘Terra’ e do ‘Ser Humano’, e o que acontece após
a morte. A maior parte crê na vida após a morte.
A religião não é apenas um fenômeno individual, mas também um fenômeno social. Institucionalização da fé.

3. RELIGIOSIDADE
A ‘atitude particular’ de uma consciência transformada pela experiência do numinoso. Fé praticada por meio
daquele que acredita. É a crença propriamente dita, vivida no cotidiano.
Na forma confessional (em cada denominação religiosa), a experiência não é direta, mas mediada pelo sistema
simbólico de uma determinada religião, que fornece significados coletivos e relativamente fixos para a vivência do
numinoso; a mediação pressupõe a crença, ou fé, pois que se dá através do estabelecimento de dogmas.

O homem primitivo admite tanto as forças e atividades naturais como as sobrenaturais e procura usar ambas em seu
próprio benefício. Mas agarra-se à magia sempre que tem de reconhecer a impotência do seu conhecimento e da sua
técnica racional.

SAGRADO PROFANO
NO SENTIDO SOCIOLÓGICO
Domínio da magia/religião Domínio da ciência e vivência do cotidiano, da vida civil.
Reverência, temor, crença em forças Força da razão, rudimentos da ciência inventando técnicas da
sobrenaturais. caça, pesca, agricultura.

Relação religião e as ciências:


CIÊNCIA RELIGIÃO
Nasce da experiência É construída através da tradição
É norteada pela razão e corrigida pela observação Imune a ambas vive numa atmosfera de misticismo
Está aberta a todos É oculta
Assenta na concepção de forças naturais Desponta da idéia de um poder místico e impessoal.

REFERÊNCIAS
http://www.alternex.com.br/~pilar/col-celso.htm#Ini01 acesso em: 20 abr 2001.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o acesso em: 21 maio 2005.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
JUNG, C. G. Psicologia e religião. In Obras completas de C. G. Jung, (Vol. 11i). Petrópolis: Vozes, 1990.
MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, ciência e religião. Lisboa: Ed. 70, 1988.
OTTO, Rudolf. O Sagrado. São Bernardo Campo: Imprensa Metodista, 1985.

1
HOMBRE MODERNO DEL SIGLO XXI
Con el paso de los siglos el ser humano ha
incorporado nuevo valores que se ajustan a los
tiempos que corren.
A continuación Quino explica cuáles son los valores
que dominan al hombre moderno.

2
A JUSTIÇA DO HOMEM PEQUENO
Publicado: 07/08/2010 por Revista Espaço Acadêmico em colaborador(a) por JOSÉ DE SOUZA MARTINS*

http://espacoacademico.wordpress.com/ acesso em 08ago10

A enraizada prática do suborno entre nós só vem a lume com alguma intensidade
na repercussão de episódios graves, como este de agora, ocorrido no Rio de
Janeiro, relativo à compra da omissão de dois policiais militares em caso de
atropelamento fatal. Não fosse a vítima filho de atriz conhecida, é pouco provável
que o caso tivesse a repercussão que vem tendo e menos provável que os policiais
envolvidos tivessem sido presos tão prontamente, como foram.

Um dos nossos grandes equívocos, nessa matéria, é o de pensar que a corrupção é apenas um defeito pessoal
de caráter e uma exceção. Na verdade, a dificuldade para varrê-la de vez do cenário brasileiro está no fato de
que o suborno, a propina e a corrupção em geral são aqui componentes da estrutura da sociedade. São
mecanismos e artifícios para torná-la viável para os que consideram os rigores da lei um defeito social e
político. Ou que as leis são feitas para relevá-las no difundido comércio do seu descumprimento. O
vocabulário que designa os atos de cotidiana corrupção, que facilitam para os inescrupulosos o transcorrer
do dia a dia, já é indicativo de como a anomalia está presente na consciência social: “molhar a mão”,
“adoçar o bico”, “amaciar o motor”, “dar um jeito”, “esquecer”, “olhar para o outro lado”, “dar um agrado”.
Todas elas expressões do entendimento de que a honestidade e a correção, sobretudo do funcionário público,
é que são anômalas e injustas porque dificultam o arbítrio e a conveniência pessoais.

É essa consciência a do divórcio entre a sociedade e o Estado, expressão da insegurança social quanto à
eficácia do poder público e, sobretudo, quanto ao funcionamento e à distribuição da justiça. É a descrença
geral nas instituições que acaba sugerindo a cada um que se antecipe à aplicação da justiça para se inocentar
preventivamente. É esse temor que faz do próprio cidadão, como neste caso, o corruptor daquele funcionário
público de exceção que é incapaz de conceber-se como cumpridor impessoal da lei.

Os parâmetros pedagógicos dessa modalidade de delinqüência estão em toda a parte. Se os do mensalão


podem, e não lhes acontece nada, e seu prestígio até cresce, por que não pode agir do mesmo modo o
minúsculo funcionário, policial ou não? Se a lei da Ficha Limpa é diariamente flexibilizada em favor de
poderosos de ficha suja, por que não pode o meganha da esquina agir como tribunal de Justiça, recebendo
agrados para pré-interpretar a lei e fazê-la mais leve para os que se consideram mais iguais do que os
mortais comuns? Se o próprio eleitorado reelege e consagra corruptos e cassados da grande corrupção, que
mérito podem ter a honestidade e a correção do homem pequeno que em nome do Estado é o elo entre o
poder e o cidadão da rua?

* JOSÉ DE SOUZA MARTINS é Professor Emérito da Universidade de São Paulo. Dentre outros livros,
autor de A Sociabilidade do Homem Simples (Contexto, 2008), Sociologia da Fotografia e da Imagem
(Contexto, 2008), A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34, 2008), O Cativeiro da Terra (Contexto,
2010). Publicado em O Estado de S. Paulo [Caderno Aliás, A Semana Revista], domingo, 1º de agosto de
2010, p. J3.

3
FENÔMENO RELIGIOSO
EXPERIÊNCIA RELIGIOSA
O QUE É? COMO SE DÁ?

A experiência religiosa possibilita à pessoa identificar a hierofania (manifestação do


sagrado) e declarar um objeto, um lugar ou um tempo como sagrados. A experiência religiosa é a
própria relação da pessoa com o sagrado que ela identifica e/ou reconhece como tal. Segundo
Eliade "a essência de qualquer religião é a experiência de uma realidade outra, que se manifesta
na consciência do crente antes mesmo de ser incorporada nos ritos e nos mitos, e preservada por
um grupo de especialistas". Se aceitarmos esta idéia, necessitamos concluir que, para um evento
se tornar experiência religiosa, deve ocorrer a fusão entre a expressão cultural e o sagrado que a
ela se acrescenta.
Podemos ver, através de um exemplo, como as pessoas fazem este cruzamento. No caso
dos rituais de cura nos meios populares, o/a curandeiro/a conhece uma porção de chás que
podem curar muitas doenças. Esta parte seria a cultura. No entanto, as pessoas não a procuram
somente para fazer chás, mas também pelos rituais que ele/a realiza. Muitos/as curandeiros/as
afirmam ter aprendido seus conhecimentos religiosos diretamente de Deus. Este é o elemento
sagrado que, em fusão com a expressão cultural (conhecer os chás), faz com que suas práticas
sejam uma experiência religiosa. Neste caso, tanto o/a curandeiro/a como as pessoas que o/a
procuram estão realizando experiências religiosas: "A experiência religiosa se define, antes de
tudo, como uma relação interior com a realidade transcendente, isto é, a partir da experiência do
sagrado vivida interiormente...".
Este outro exemplo, observado em uma comunidade rural do interior do Paraná, ilustra o
processo em que se dá o cruzamento entre experiência religiosa e outras expressões culturais.
Trata-se do ritual usado para curar queimaduras. As palavras do ritual são as seguintes: "Santa
Sofia tinha três filhas: uma fiava, outra cozia e a outra caiu no fogo e se queimou. Santa Sofia
perguntou à Virgem Maria com que curaria. Virgem Maria respondeu: cuspa três vezes e reze três
ave-marias". Ao pronunciar estas palavras, a benzedeira o faz em tom de oração, utiliza um ramo
de chá molhado em água fresca e vai fazendo cruz com este ramo; e, ao terminar cada ave-
maria, cospe três vezes sobre a queimadura.
Esta história pode muito bem ter acontecido em qualquer família. A saliva, o ramo de chá e
a água são refrescantes e auxiliam na cura da queimadura. Isto pode ser aprendido em qualquer
espaço em que a medicina popular seja praticada. No entanto, acrescenta-se o elemento sagrado
à história e cria-se um rito. A família passa a ser a de Santa Sofia, a medicina natural passa a ser
ensinada pela Virgem Maria. Um procedimento de medicina natural passa a ser um ritual religioso
e é imputado ao sagrado a cura do mal.
É muito difícil descrever como se dá a experiência religiosa, uma vez que elementos
objetivos e subjetivos se fazem presentes no processo da mesma. Otto a descreve como a
relação com o sagrado, como um reconhecimento e apelo a seres superiores e transcendentes,
como a experiência de uma realidade outra que se manifesta na consciência do crente. Esta
experiência pode ser incorporada nos mitos e ritos e preservada por um grupo de especialistas
(igrejas).
Na experiência religiosa vivida, um poder estranho, totalmente diferente, insere-se na vida
da pessoa. Diante dela, a atitude da pessoa é primeiro de espanto, depois, de fé. A experiência
religiosa não consiste apenas de afirmações racionais e de princípios morais; há no divino um
aspecto inefável, percebido pelo sentimento como realidade sagrada, como mistério terrível e
fascinante: "eu tenho medo dele e ao mesmo tempo ardo por ele" (Sto. Agostinho). A relação com
o sagrado desperta no crente múltiplos sentimentos. Estes sentimentos não são produzidos pela
consciência, mas são o efeito subjetivo da presença, no eu, de uma realidade diferente do próprio
eu: o numinoso.
Segundo Otto, o numinoso é a absoluta potência e alteridade, o majestas, diante dele o
crente se sente pó e cinza; é um mistério escondido, extraordinário, percebido pelo sentimento
4
religioso, não pela razão; é um mistério tremendo: desperta sentimentos de temor e tremor, é a
ira ou indignação de Javé, é a base para o conceito de justiça divina; é um mistério em que se
manifesta uma absoluta energia, vitalidade, paixão; é um mistério fascinante, atrai porque é amor,
misericórdia, piedade, conforto. A manifestação do numinoso pode despertar sentimentos de
maravilha, estupor, surpresa, descontentamento, faz ficar sem palavras; é inquietante. O
numinoso é Augustum, impõe respeito racional.
A experiência religiosa é um encontro com este "numinoso", com o "mysterium
tremendum". Quando a alma se põe em contato com este, experiência um sentimento de ser
criatura. Sentimento este que é a sombra do sentimento de medo, pelo fato de o "numinoso" ser
um objeto que está fora da pessoa e dele emanar uma superioridade esmagadora de poder. O
"numinoso" é de tal natureza que cativa e emudece a alma humana que o experimenta.
Na experiência religiosa ocorre o seguinte processo: sentimento de terror, terror que a
manifestação do sagrado inspira, terror dos deuses: deus é um deus que castiga, vigia para ver
seu procedimento, pune; sentimento de devoção: desencadeia um comportamento moral e de
compromisso com o que a divindade espera do crente; adoração: o crente fica em êxtase diante
da divindade e, como resposta, coloca-se em relação de amor com todas as criaturas. As
pessoas, em suas experiências religiosas, podem se situar em qualquer uma destas fazes.
Muitas pessoas remetem as causas dos seus males, tais como: doenças ou qualquer
situação difícil a alguma entidade sagrada. Esta prática faz com que as pessoas se sintam
liberadas da necessidade de enfrentar suas próprias fragilidades. Se não são elas as
responsáveis pelas calamidades que atingem suas vidas, mas a origem do bem e do mal está no
sagrado, também será este sagrado que deverá solucionar seus problemas. O "Espírito mau"
pode ser a origem do mal, enquanto o "que é de Deus", o "Espírito bom", pode ser a origem do
bem e da solução do mal.
É na experiência do sagrado que se pode encontrar sentido para a vida, com seus males e
seus bens. Este fator faz com que as pessoas, ao não querer ou não poder enfrentar suas
fragilidades e responsabilizar-se para resolvê-Ias, possam também culpar o sagrado pelos seus
fracassos. Isto Ihes permite permanecer de cabeça erguida mesmo nas situações mais difíceis.
Através da experiência religiosa, o sagrado se incorpora nas coisas, nas pessoas ou nas
situações, tornando-as também sagradas. Uma vez que coisas, pessoas e situações pertencem
ao âmbito do sagrado, ninguém é responsável por elas, pois o sagrado foge ao controle e não se
deve interferir em seu curso normal. A partir desta concepção, a experiência religiosa pode
legitimar a manutenção de uma situação de opressão (é Deus quem quer assim). Mas pode
também legitimar a luta por mudanças sociais (esta situação não está conforme a vontade de
Deus, portanto deve ser mudada).

BIBLIOGRAFIA

ELlADE, Mircea. O sagrado e o profano, a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. São
Paulo: Martins Fontes, 1992.
MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna: entre a secularização e a
dessecularização. Trad. Euclides Martins Balancin. São Paulo: Paulinas, 1995.
OTTO, Rudolf. O sagrado. Trad. Prócoro Velasques Filho. São Bernardo do Campo: Imprensa
Metodista & Ciências da Religião, 1985.

5
MITO, SÍMBOLO E RITO
MITO: ALGO REAL OU PURA INVENÇÃO?
A concepção de sagrado muitas vezes é traduzida através de mitos; e a forma de relações
entre a pessoa e o sagrado normalmente é favorecida pelos diferentes ritos.
Segundo Eliade (1972, p.7-23), o mito conta uma história sagrada; ele relata um
acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do "princípio". Em outros termos, o
mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir,
seja uma realidade total, o cosmos, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um
comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma "criação": ele
relata de que modo algo foi produzido e começou a ser.
O mito fala apenas do que "realmente" ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os
personagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos, sobretudo pelo que
fizeram no tempo prestigioso dos primórdios.
Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade, ou
simplesmente a "sobrenaturalidade" de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e
algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado ou do sobrenatural no mundo. E mais, é em
razão da intervenção dos Entes Sobrenaturais que o ser humano é o que é hoje, um ser mortal,
sexuado e cultural.
O mito é considerado uma história sagrada e, portanto, uma "história verdadeira", porque
sempre se refere a realidades que estão sendo vivenciadas pelas pessoas. O mito cosmogônico
é verdadeiro, porque a existência do mundo aí está para comprová-Io; o mito da origem da morte
é igualmente verdadeiro, porque é provado pela mortalidade humana, e assim por diante.
Pelo fato de relatar as "gesta" dos Entes Sobrenaturais e a manifestação de seus poderes
sagrados, o mito se torna o modelo exemplar de todas as atividades humanas significativas.
Conhecendo o mito, conhecemos a origem das coisas, chegando-se conseqüentemente a
dominá-Ias e a manipulá-Ias à vontade; não se trata de um conhecimento exterior, abstrato, mas
de um conhecimento que é vivido ritualmente, seja narrando cerimonialmente o mito, seja
efetuando o ritual ao qual ele serve de justificação.
Viver os mitos implica, pois, uma experiência religiosa, pois ela se distingue da experiência
ordinária da vida quotidiana. Nessa experiência, deixa-se de existir no mundo de todos os dias e
penetra-se num mundo transfigurado, auroral, impregnado dos Entes Sobrenaturais. Os mitos
revelam que o mundo, as pessoas e a vida têm uma origem e uma história sobrenaturais, e que
essa história é significativa, preciosa e exemplar.
Outra definição interessante de mitos que encontramos é a de Malinowski (1984, p.224-
230). Este autor, ao tentar demonstrar a natureza e a função dos mitos nas sociedades primitivas,
afirma que o mito é uma narrativa que faz reviver uma realidade primeira, que satisfaz as
profundas necessidades religiosas, aspirações morais, as pressões e imperativos de ordem
social, e mesmo as exigências práticas.
Nas civilizações primitivas, o mito desempenha uma função indispensável: ele exprime,
enaltece e codifica a crença; salvaguarda e impõe os princípios morais; garante a eficácia do
ritual e oferece regras práticas para a orientação humana. Mito, portanto, é um ingrediente vital da
civilização humana. Longe de ser uma fabulação vã, ele é ao contrário, uma realidade viva, à qual
se recorre incessantemente; não é absolutamente uma teoria abstrata ou uma fantasia artística,
mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática.

BIBLIOGRAFIA
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. Trad. Joaquim Pereira Neto. S.P.: Paulinas, 1989.
ELlADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. S.P.: Martins Fontes,
1992.
MALlNOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico Ocidental. Trad. Anton P. Carr e Ligia Aparecida Cardieri
Mendonça. São Paulo: Abril Cultural, 38 ed., 1984.
O'DEA, Thomas F. Sociologia da religião. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira, 1969.
OTTO, Rudolf. O sagrado. Trad. Prócoro Velasquez Filho. São Bernardo do Campo, Imprensa Metodista, 1985.

6
COMPARAÇÃO ENTRE MITO – SÍMBOLO – RITO

mitos símbolos ritos

origem

realidade humana
realidade social

Há uma realidade humana e social cheias de interrogações, injustiças sofrimentos e


angústias; uma forma de dar sentido a elas é deixá-las em contato ou vinculá-las ao sagrado,
assim deixa-se de precisar procurar os ‘porques’. Sendo assim, cria-se uma estória relacionada
com a origem, ligada com uma entidade sagrada mitos. Estes são gerados por um lento e
amplo processo cultural e quando gestados são legitimados pelas questões colocadas pela
própria cultura (presente com valores, sentidos e questões que a sociedade quer para si, isso a
legitima). O mito é uma narração que por si só leva sua mensagem, se precisar dar explicações
sobre o conteúdo do mito ou ele não está mais explicitando a realidade da sociedade ou a
sociedade perdeu vínculo com ele. Quando se estuda os mitos, existem duas perguntas a serem
respondidas: ‘qual a realidade social humana presente?’ e ‘qual o recado/mensagem que ele
devolve para a sociedade?’

Símbolo vai invocar: Rito


- o significado do mito - através da ação, revive o conteúdo do mito;
- uma imagem - atualiza, faz acontecer novamente o evento;
- um sentimento - e junto com isso a realidade humana
- uma realidade humana e social ( atualização eficácia) e dá sentido a esta
- pode falar por ele mesmo, exemplo: o realidade
presépio evoca a história de Jesus

FENÔMENO RELIGIOSO: SEITAS E IGREJAS

As pessoas, nas diferentes comunidades, elegem um local privilegiado onde o sagrado se


concentra. Pode ser uma pessoa, um lugar, uma árvore, um rio, um objeto ou outro símbolo
qualquer que evoque uma experiência religiosa primordial, e onde as pessoas crêem que o
sagrado ali permanece. É nesses locais que o sagrado se manifesta, se revela, onde ocorre a
hierofania.
A hierofania pode ir desde a manifestação do sagrado num objeto qualquer, uma pedra ou
uma árvore, até a hierofania suprema para um cristão, que é a encarnação de Deus em Jesus
Cristo. As almas, os deuses e os demônios, isto é, os poderes sobrenaturais na maioria das
vezes são concebidos desta forma.
A regulação entre estes seres sobrenaturais e as pessoas humanas é que constitui o
domínio da ação religiosa, surgindo então o que denominamos como o fenômeno religioso. A
palavra fenômeno vem do grego "tà phainàmenon", significa "aquilo que aparece", "aquilo que se
mostra". Portanto, fenômeno religioso significa um sagrado que se mostra, que se revela.
7
Ao conjunto de concepções do sagrado, dos mitos que explicitam como se dá a presença
do sagrado no mundo e dos rituais criados para favorecer as relações das pessoas com o
sagrado é que se denomina "religião" Muitas pessoas: benzedeiras, pajés, curandeiros, pais e
mães de santo, pregadores populares, puxadores de rezas etc. acreditam ser eles próprios os
objetos da hierofania. A compreensão de que Deus se serve deles para se manifestar Ihes dá a
certeza de legitimidade e de exclusividade ao realizar sua missão.
Uma vez entendendo-se como objetos da hierofania, as pessoas passam a desenvolver
formas de conduzir outras pessoas a fazer parte de seu sistema de crenças. Para isto, criam uma
série de gestos, palavras e objetos sagrados, ou seja, criam ritos que possam favorecer a
experiência religiosa das outras pessoas e levá-Ias a alcançar as graças esperadas.
Muitas vezes estas pessoas que se acreditam como objetos da hierofania e criam ritos
para favorecer a experiência religiosa de outras pessoas acabam por criar novas religiões. Weber
denomina estas pessoas como carismáticas, ou seja, pessoa dotada de carisma. Segundo Weber
(1991, 158-167), carisma se refere a qualidade pessoal, considerada extracotidiana, em virtude
da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo
menos, poderes extracotidianos específicos, ou então se a toma como enviada de Deus, como
exemplar, portanto, como líder. O reconhecimento de uma pessoa como carismática pode resultar
em uma entrega crente e inteiramente pessoal, nascida do entusiasmo ou da miséria e esperança
da pessoa que o reconhece como tal.
Weber (1991, 158-167) afirma ainda que, em sua forma genuína, a relação entre a pessoa
carismática e seus seguidores é de caráter especificamente extracotidiano. É uma relação
estritamente pessoal, ligada à validade carismática de determinadas qualidades pessoais do
carismático e à prova destas. Quando esta relação assume o caráter de uma relação
permanente, formando uma comunidade de correligionários, é necessária uma modificação
substancial: institucionaliza-se o carisma.
A institucionalização do carisma se torna necessária, uma vez que há um interesse ideal e
material dos seguidores, em continuar a existência da relação. A continuidade do exercício do
carisma exige que este seja colocado sobre fundamentos cotidianos duradouros: organizado
juridicamente e economicamente.
Esta necessidade se torna mais nítida quando desaparece a pessoa portadora do carisma
e surge a necessidade da sucessão. O resultado da rotinização do carisma pode desembocar em
instituições de tipo igrejas. Ou seja, os discípulos do carismático institucionalizam o carisma:
criam um corpo doutrinal, práticas cultuais e uma organização sacerdotal, isto é, uma igreja.
A doutrina se distingue do mito por ser mais orgânica, argumentativa e racional, além de
estar voltada para a interpretação da realidade. A passagem de mito à doutrina segue vários
estágios: coletas dos mitos espalhados num único ciclo, formação de ciclos de mitos
homogêneos, consolidação de um verdadeiro e próprio corpo doutrinal: a teologia.
Este discurso racional sobre o divino, a teologia, é guardada em livros sagrados. Os
sacerdotes têm a função tanto de compor o discurso racional sobre a divindade como a de
guardiões da tradição teológica. Os textos sagrados passam por um processo de interpretação e
comentários, a fim de se tornarem mais compreensíveis mesmo nas mudanças de condições
históricas.
Este processo de interpretações e comentários dos textos sagrados é realizado por
diversas escolas teológicas, às vezes em forte conflito devido à preferência dada a uma ou outra
das três questões principais da teologia:
Deus, o mundo e o homem. Este fator muitas vezes gera rupturas e a formação de outras
igrejas.
Quanto as formas organizadas de ação na sociedade, as organizações religiosas se
compõem em: Igreja, seita e misticismo.
As igrejas se caracterizam mais por uma atitude de tolerância para com as estruturas do
mundo que são "conseqüências do pecado", por tentativas de remediá-Ias, sem, contudo, deixar
de rejeitá-Ias intimamente. As igrejas tendem à universalidade, isto é, ter a mesma extensão da
sociedade; acolhem todas as pessoas e Ihes distribui os meios da graça. Esta função integradora
das igrejas exige que estas mantenham um compromisso com as diversas formas de
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comportamento existentes numa dada sociedade e a aceitar os principais elementos presentes na
estrutura social existentes. As igrejas caracterizam-se ainda por uma estruturação hierárquica
interna.
As seitas apresentam-se como grupos que adotam atitudes de intransigências para com o
"mundo", isto é, rejeitam comportamentos e instituições das sociedades às quais pertencem,
julgando-os corruptos. Os membros das seitas se propõem à obediência literal dos textos
sagrados, desprezando as adaptações aceitas pelas igrejas. Por não aceitarem compromissos
com o mundo, chegam a se isolarem da sociedade, permanecendo na expectativa do iminente
reino de Deus. Os membros da seita visam à perfeição individual e ao ascetismo. A seita é hostil
ou indiferente ao Estado e contrária à ordem eclesiástica.
O Misticismo representa o polo da religiosidade de tipo individual; designa a procura de
uma experiência religiosa de tipo íntimo que acontece freqüentemente em grupos bem pequenos,
os quais se distanciam abertamente, bem mais que a seita, da tradição religiosa eclesial. O
misticismo é a tradição individual do protesto contra a redução da experiência religiosa a
formalismos nos ritos, a racionalismos nas doutrinas, a burocracias na organização eclesial.

BIBLIOGRAFIA
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Trad. Sergio Miceli et aI. São Paulo: Perspectiva, 1974.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. Trad. Joaquim Pereira Neto. São Paulo: Paulinas, 1989.
ELlADE, Mircea. O sagrado e o profano, a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna: entre a secularização e a dessecularização. Trad.
Euclides Martins Balancin. São Paulo: Paulinas, 1995.
O'DEA, Thomas F. Sociologia da religião. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira, 1969.
OTTO, Rudolf. O sagrado. Trad. Prócoro Velasques Filho. São Bernardo do Campo, Imprensa Metodista & Ciências
da Religião, 1985.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Trad. Regis Barbosa e Karen Barbosa. Brasilia: Universidade de Brasília,
1991.

9
Estudos Avançados/ Print ISSN 0103-4014
Estud. av. vol.18 no.52 São Paulo Dec. 2004/ doi: 10.1590/S0103-40142004000300020
OS JOVENS "SEM RELIGIÃO"
Regina Novaes
RESUMO
O NÚMERO de brasileiros "sem religião", sobretudo jovens de 15 a 24 anos, tem chamado a
atenção dos estudiosos. O artigo aponta para a conjugação e a convivência entre: ideário secularizante
(presente entre ateus e agnósticos); o "espírito do tempo" (presente entre aqueles que acreditam em
Deus mas rejeitam instituições religiosas ou transitam entre pertencimentos institucionais) e,
finalmente, as novas modalidades sincréticas (favorecidas pela perda de hegemonia do catolicismo e
pela globalização do campo religioso).

OS TRÊS PRINCIPAIS mudanças que caracterizam o campo religioso brasileiro hoje são, a
saber: a diminuição percentual de católicos (de 83,76% em 1991 para 73,77% em 2000), o
crescimento dos evangélicos (de 9,05% em 1991 para 15, 45% em 2000) e o aumento dos "sem
religião" (de 4,8% em 1991 para 7,4 % em 2000). Sobre os dois primeiros aspectos muito se tem
escrito, sobre o terceiro bem menos.
De fato, ainda pouco se sabe sobre quem são os brasileiros "sem religião" que adentram o
século XXI. Porém, algumas informações disponíveis permitem começar uma reflexão sobre o assunto.
Este é o objetivo das presentes notas, nas quais focalizaremos, particularmente, os jovens brasileiros
de quinze a 24 anos.

Por onde sopram os ventos secularizantes?


Relacionando religião e transferência intergeracional no Rio de Janeiro, o demógrafo René Decol
(2001) afirmou que o fluxo atitudinal de católicos para outros grupos ganhou proporções de "mudança
social" na medida em que está alterando significativamente e de forma definitiva o perfil religioso da
população. Segundo o autor, o processo tem um componente demográfico: à medida que os grupos
populacionais (coortes) se sucedem no tempo, menos adultos em idade de reprodução se declaram
católicos, resultando em número cada vez menor de crianças recebendo influência desta natureza. A
tendência é, portanto, um menor número de católicos no interior de cada coorte, fazendo com que a
percentagem de católicos no conjunto da população decline de forma cada vez mais acentuada.
Segundo o demógrafo, a estrutura social tradicional, onde valores e normas são transmitidos
verticalmente, de geração em geração, passa a ser afetada cada vez mais por processos culturais, que
atuam em planos horizontais, agindo sobre as coortes de forma diferenciada. Em sua análise, Decol
(2001) enfatiza os ventos secularizantes que têm soprado pela sociedade.
O Censo de 2000 confirma tais observações. Para uma pergunta única e aberta - "qual é sua
religião?" - em 2000, o IBGE recebeu 35 mil respostas diferentes, o que dá uma idéia da variedade
com que o brasileiro define sua fé. E a tendência de diminuição dos que se declaram católicos se
acentua entre os jovens, de quinze a 24 anos (que somam 73,6%). Em relação a outras faixas etárias,
segundo o Censo, o crescimento evangélico é um pouco menos acelerado entre os jovens (os jovens
evangélicos somam 14,2%, sendo 3,9% de denominações tradicionais e 10,2% de denominações
pentecostais). E, finalmente, é entre os que se declaram "sem religião" que os jovens (9,3%) se
destacam em relação ao conjunto da população (7,4%).
Três anos depois do Censo, os resultados de uma pesquisa nacional realizada pelo Projeto
Juventude/Instituto Cidadania1 confirmaram as mesmas tendências. Diferenciando-se do Censo, a
pesquisa não indagou sobre religião através de uma pergunta aberta, a pergunta oferecia opções
separadas como "agnósticos", "ateus" e quem "acredita em Deus mas não tem religião". Enquanto
65% dos jovens entrevistados nesta pesquisa em todo o país se declaram católicos, 20% se declaram
evangélicos (sendo 15% pentecostais e 5% não pentecostais)2. E foram 10% os jovens "sem religião",
sendo que 9% declararam "acreditar em Deus mas não ter religião" enquanto apenas 1%
identificaram-se como ateus e agnósticos.
Através dos resultados da pesquisa Perfil da juventude brasileira podemos apresentar algumas
características dos jovens que se definem como agnósticos e ateus. Eles somaram apenas 1% (entre
os quais 69% são homens e 31% são mulheres), no âmbito dos 3.500 entrevistados, entre os quais
41% se declararam brancos, 44% estão entre os que se declararam pretos ou pardos e 7% dos que se
declararam indígenas. Considerando o conjunto dos jovens entrevistados, em termos de renda familiar
declarada, os ateus e agnósticos não estão entre os mais pobres, estão lado a lado com os espíritas
kardecistas, seguidos por uma parcela de católicos, de evangélicos não pentecostais e de jovens das
"outras religiões". E estão, como era de se esperar, em termos de renda, mais distantes dos
pentecostais que - junto com os adeptos das religiões afro-brasileiras - estão entre os mais pobres.

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Os ateus e agnósticos, nesta mesma pesquisa, não estão predominantemente nem entre os
jovens mais jovens (catorze a dezessete anos), nem entre os jovens mais velhos (21 a 24 anos); 50%
deles estão na faixa etária intermediária (dezoito a vinte anos). O que pode indicar que este declarar-
se "ateu" ou "agnóstico" pode fazer parte do momento da vida que é importante a afirmação de
identidade independente em relação à família, como aconteceu com outras gerações. No entanto,
chama atenção o fato dos entrevistados que se declararam ateus ou agnósticos viverem mais no
interior do que nas regiões metropolitanas, contrariando um dos velhos cânones que relaciona ateísmo
com os ventos secularizantes da urbanização modernizadora.
Vejamos agora os outros jovens entrevistados que declararam "acreditar em Deus mas não ter
religião". Na pesquisa Perfil da juventude brasileira, eles somam 9% no conjunto dos entrevistados,
sendo 64% de homens e 36% de mulheres, distribuem-se por todos os grupos de idade e estão um
pouco mais entre os jovens mais velhos (21 a 24 anos). Em termos de educação formal, há uma
aproximação entre os que "acreditam em Deus mas não têm religião" e os pentecostais, que se
destacam pela pouca escolaridade. Em outras palavras, entre os jovens que ainda estão cursando o
ensino fundamental ou que pararam de estudar nestas séries, somente os jovens evangélicos
pentecostais entrevistados são em número um pouco maior do que os jovens que "acreditam em Deus,
mas não têm religião". Já no ensino médio e na universidade, os que "acreditam em Deus, mas não
têm religião" só são em maior número se comparados com os jovens adeptos da umbanda e do
candomblé. Quanto à experiência de trabalho, os jovens que "acreditam em Deus mas não têm
religião" são os que mais trabalham na cidade sem registro (45%); ficam em quarto lugar entre os que
trabalham na cidade com carteira assinada (19%); são 17% entre os que fazem bicos na cidade; são
2% entre os que trabalham na agricultura familiar e outros 2% entre os que trabalham como
assalariados no campo. Em resumo: seu perfil revela menos inclusão educacional e mais
vulnerabilidades sociais.
Em termos de distribuição regional, na mesma pesquisa acima citada, temos os seguintes
resultados: enquanto entre os jovens entrevistados o catolicismo predomina nas regiões Nordeste e
Sul, os jovens evangélicos estão mais presentes no Norte/Centro-Oeste e no Sudeste. No Sudeste,
também estão a maioria dos jovens espíritas kardecistas e os jovens adeptos das religiões afro-
brasileiras que responderam o questionário da pesquisa. Quanto aos ateus e àqueles que "acreditam
em Deus mas não têm religião" é interessante notar que mesmo havendo algum destaque para a
região Sudeste, eles se distribuem por todas as regiões do país.
A disseminação desta opção "acredita em Deus, mas não tem religião" pode ser um elemento
para explicar porque, em termos censitários, os "sem religião", que eram 0,2% em 1940, cresceram
52% na década de 1990. Porém, certamente, em 1940, os símbolos e significados presentes na
resposta "sem religião" eram bastante diferentes dos dias de hoje.
Hoje e ontem há jovens que se definem como "ateus" e "agnósticos", mas certamente em
nenhuma outra época houve tantos jovens se definindo como "sem religião" que poderiam também ser
classificados como "religiosos sem religião", isto é, adeptos de formas não institucionais de
espiritualidade que são normalmente classificadas como esotéricas, nova era, holísticas, de ecologia
profunda etc. Mas, ao mesmo tempo, também é significativo o número de jovens que se predispõe a
mudar de religião e que reafirma seu pertencimento às igrejas evangélicas, às novas religiões
japonesas, ao Budismo e, também, a grupos católicos ligados à Teologia da Libertação ou à Renovação
Carismática.
E quanto pesa o "espírito de época"?
Mas, como diria Bourdieu, a estatística é apenas uma das formas de representar a vida social. O
desafio da interpretação sociológica - mesmo quando a força da "evidência" dos números, das tabelas
e gráficos parece marcante - é atribuir-lhes sentido que nunca perdem seu caráter hipotético. Ou seja,
a explicação sociológica deve funcionar como "costura" produtora de inteligibilidade (Bourdieu, 1963,
p. 10). Frente a esta nova configuração, a "costura" exige - pelo menos - três cuidados.
O primeiro cuidado diz respeito aos sentidos das palavras "ateu", "agnóstico" e da expressão
"não ter religião". Nada nos assegura que seus usos sejam os mesmos nem em termos de passado e
presente, nem mesmo entre os jovens hoje entrevistados. Isto é, as autoclassificações dos jovens de
hoje têm de ser pensadas em suas inter-relações no interior do campo religioso em transformação.
Vejamos algumas respostas também retiradas da pesquisa Perfil da juventude brasileira que podem
indicar diferentes apropriações destes termos.
Indagados sobre os valores que seriam mais importantes em uma sociedade ideal, a maioria
(56%) dos jovens que afirmaram "ter fé, mas não ter religião" se dispersou entre muitos valores
propostos destacando "igualdade de oportunidades" (17%). O "temor a Deus" (13%) e a
"religiosidade" (4%) também foram incluídos em suas respostas. Vejamos agora as escolhas dos ateus
e agnósticos. Estes concentraram-se sobretudo no "respeito ao meio ambiente" (48%), mas quase
25% deles incorporaram a dimensão espiritual: 14% elegeram "temor a Deus", outros 14% deles
11
escolheram "religiosidade". Em resumo, os valores "temor a Deus" e "religiosidade" somaram 17% das
respostas daqueles que "acreditam em Deus, mas não têm religião" e 28% nas respostas dos
ateus/agnósticos entrevistados.
Já não se fazem ateus como antigamente? E, por outro lado, relacionar as respostas daqueles
que "acreditam em Deus, mas não têm religião" com a idéia corrente de que a ausência de fé favorece
a possibilidade de crítica social? Afinal, são os jovens que "acreditam em Deus, mas não têm religião"
que mais valorizaram a "igualdade de oportunidades", enquanto este aspecto foi muito pouco
valorizado pelos ateus. Nesta mesma linha de questionamento, também chama a atenção a ênfase no
"respeito ao meio ambiente" (48%)3 entre os jovens que se declararam ateus. Lembrando o fato de
que esta é uma geração que já recebeu como legado a "descoberta da ecologia", seria interessante
saber o que significa este "respeito". Por um lado, é verdade que o "respeito ao meio ambiente" pode
ser uma nova formulação para velhas e várias formas de valorização da natureza. Por exemplo, são
conhecidas as relações rituais das religiões afro-brasileiras com a flora, o "respeito ao meio ambiente"
pode ser a forma de reinterpretar e potencializar hoje práticas tradicionais. Mas, por outro lado, a
ênfase ao respeito à natureza pode indicar também que "ser ateu" nos dias atuais pode não ser
incongruente com a chamada "espiritualidade ecológica" e com novas possibilidades de (com)sagração
da natureza.
Enfim, no que diz respeito particularmente à fé e às crenças, é preciso desnaturalizar pares de
oposição consagrados que polarizam religião e participação política e/ou ciência e religião. Isto é, já
hoje nos faltam evidências empíricas para aproximar automaticamente ausência de religião - ateísmo
ou agnosticismo - ao progresso da política e da ciência.
O segundo cuidado diz respeito aos trânsitos já feitos e aos momentos de passagens entre
religiões. De fato, as pesquisas são fotografias instantâneas da experiência dos jovens entrevistados,
mas elas só permitem apreender percursos e processos nas trajetórias dos entrevistados quando se faz
mais de uma pergunta sobre o tema religião. Tanto no Censo Demográfico quanto na pesquisa Perfil da
juventude brasileira só havia uma pergunta sobre religião. Em outra pesquisa que desenvolvi no Rio de
Janeiro, em 2001, intitulada Jovens do Rio4, fizemos outras perguntas sobre religião que permitiram
identificar um contraditório tripé que se faz presente na experiência desta geração, a saber: a) forte
disposição para mudança de religião; b) ênfase na escolha individual gerando maior disponibilidade
para a reafirmação pessoal do pertencimento institucional; c) desenvolvimento de religiosidade sem
vínculos institucionais.
Os "sem religião" poderiam, portanto, expressar a terceira possibilidade (item c). Porém,
também a primeira possibilidade (item a) favorece a resposta "acredito em Deus, mas não tenho
religião". Isto porque a disposição para mudar de religião cria vários momentos de interregno entre
pertencimentos institucionais, isto é, momentos de busca entre os vários desenraizamentos que
caracterizam o "espírito de época".
Na pesquisa Jovens do Rio, chamou a atenção o fato de mais da metade dos entrevistados -
caracterizados como classe C - ter declarado já ter mudado de religião. Outro exemplo: na mesma
pesquisa, no extrato mais pobre, ali caracterizado como classe D, dois fenômenos se destacaram
simultaneamente: quase um terço dos jovens se declararam "sem religião" e mais jovens se
declararam evangélicos pentecostais do que católicos praticantes.
O terceiro cuidado diz respeito à necessidade de bem caracterizar as mudanças ocorridas na
sociedade brasileira que tornam recorrente o pluralismo religioso intrafamiliar. Os resultados da
pesquisa Jovens do Rio evidenciaram que o menor índice de transferência da religião dos pais para os
filhos não desemboca necessariamente em secularização da sociedade, pois parte dos jovens que não
seguem as religiões de seus pais católicos, buscam outras religiões. Os índices crescentes de
evangélicos entre os jovens apontam para esta direção. Em outras palavras, se é evidente que o
histórico catolicismo brasileiro perde com a diminuição da transferência intergeracional da religião,
também não há garantia da total "transferência intergeracional" do ateísmo ou do agnosticismo. Na
pesquisa Jovens do Rio, 50% dos entrevistados que declararam ter pais ateus ou agnósticos
declararam ter eles próprios uma religião. A mesma pesquisa revelou ainda que frente à diminuição da
influência da família na escolha religião, outras influências se revelam: para os entrevistados na
pesquisa Jovens do Rio, a influência da família na escolha da religião pesou apenas para cerca de 50%
dos entrevistados, para o restante, a escolha da religião passava por outras justificativas, tais como,
"motivos pessoais", "influência de amigos" e "influência de agentes religiosos".
Em resumo, partilhando um certo espírito de época, os jovens desta geração estão sendo
chamados a fazer suas escolhas em um campo religioso mais plural e competitivo. Os "sem religião"
podem ser pensados como expressões locais de um global "espírito da época" no qual se expande o
fenômeno de adesão simultânea a sistemas diversos de crenças, combinam-se práticas ocidentais e
orientais, não apenas no nível religioso, mas também terapêutico e medicinal. Não podemos esquecer
que, no mesmo Censo de 2000, o número de praticantes de religiões orientais cresceu, revelando mais

12
budistas (245 mil) do que adeptos da religião judaica (101 mil). Os seguidores da doutrina do profeta
Maomé (Islamismo) correspondem a 18,5 mil brasileiros. O Censo detalha também grupos que não
apareciam nas estatísticas, como os praticantes de religiões esotéricas (69,2 mil) e de tradições
indígenas (10,7 mil).
Ou seja, estamos vivendo uma inédita conjugação entre "ventos secularizantes" e "espírito de
época. Nos anos de 1980, o fim da guerra fria e a descrença na possibilidade de mudanças radicais já
haviam produzido mudanças de formas e de conteúdo no caráter dos movimentos sociais
contemporâneos. Os anos de 1990 evidenciaram crises de paradigmas que atingiram instituições
religiosas e políticas. No que diz respeito ao campo religioso, velhos e novos fundamentalismos
passaram a conviver com a emergência de um mundo religioso plural em que cresce a presença de
grupos e indivíduos cuja adesão religiosa permite rearranjos provisórios entre crenças e ritos sem
fidelidades institucionais.
Em um contexto de para "além das identidades institucionais", para os jovens de hoje se
oferecem igrejas e grupos de várias tradições religiosas. Para eles também existem possibilidades de
combinar elementos de diferentes espiritualidades em uma síntese "pessoal e intransferível" e assim se
abrem novas possibilidades sincréticas.

Velhos sincretismos e novas combinações?


No momento atual, surge também a possibilidade de, entre os "sem religião", estarem jovens
que se aproximam da umbanda, do candomblé ou do espiritismo.
Ao falar sobre as religiões mediúnicas, sempre se pergunta sobre seu futuro frente à escalada
pentecostal. De fato, a olho nu, parecia ser maior o número de umbandistas e candomblecistas que, na
última década, vinham assumindo publicamente suas identidades religiosas. Mas, apenas 1,4% de
espíritas kardecistas e 0,3% de umbandistas e candomblecistas aparecem no Censo de 2000. Embora
a pesquisa Perfil da juventude brasileira tenha chegado a número maiores (2% e 1%
respectivamente), a questão do futuro dessas tradições religiosas procede. Como explicar esses
pequenos números quando se fala em maior diversidade religiosa no Brasil?
Em primeiro lugar, não há como negar que o crescimento pentecostal disputa "nas bases" com
as religiões afro-brasileiras. Não é por acaso, diga-se de passagem, que a neopentecostal Igreja
Universal do Reino de Deus elege entidades e orixás como seus adversários mais poderosos. O
exorcismo - ali denominado de libertação - pressupõe a crença no poder do inimigo.
Em segundo lugar, é preciso não esquecer que, certamente, muitos jovens entrevistados -
como em gerações anteriores - continuam se definindo como católicos, sem deixar de ir a centros
espíritas e a terreiros. Este fenômeno, bem conhecido entre nós, revela estratégias de apresentação
social frente aos preconceitos e perseguições sofridas pelos adeptos das religiões afro-brasileiras ao
longo da história, mas revela também sentimentos de "duplo pertencimento" que fazem com que um
pai ou uma mãe de santo possam dizer, sem constrangimento: "sou católica e da umbanda" ou "sou
católica e do santo".
E, em terceiro lugar - para além da onda evangélica - neste momento em que "ser católico"
deixou de ser um requisito socialmente obrigatório, pode-se estar em vigor um novo expediente:
freqüentadores dos centros espíritas, da umbanda e do candomblé podem estar engrossando as fileiras
dos "sem religião". Esta hipótese está baseada em pesquisas que registram novas combinações entre
crenças e práticas mediúnicas com outras vindas do chamado universo "nova era". Esta mistura pode
ser observada tanto em lojas esotéricas que vendem produtos afro-brasileiros, como vice-e-versa.
Quanto aos espíritas kardecistas, deixando de ser socialmente induzidos a se incluir na maioria
católica, eles não teriam o menor problema em definir-se como "sem religião". Afinal, como filhos do
racionalismo francês, os espíritas sempre valorizaram o "caráter científico" da doutrina de Alan Kardec.
Enfim, de maneira geral, podemos dizer que as técnicas de comunicação e os avanços da
tecnologia de ponta foram incorporados e contribuíram para a chamada globalização do campo
religioso. Na televisão, nas lojas de produtos esotéricos, nas feiras, no rádio, já encontraram ofertas de
"orientalização" das crenças ocidentais convivendo com uma difusa negação do dualismo cristão. No
mundo globalizado, as crenças circulam, são apropriadas e reapropriadas. Na pesquisa Jovens do Rio
buscamos apreender as crenças dos entrevistados de diferentes religiões, dos que "acreditam em Deus
mas não têm religião" e também dos agnósticos e ateus. Entre os jovens entrevistados se fizeram
presentes afro-brasileiros que crêem tanto em Orixás como no Espírito Santo, assim como jovens
evangélicos pentecostais que afirmam acreditar em Orixás. Foram entrevistados católicos que
afirmaram acreditar na reencarnação, mas também católicos e espíritas afirmaram suas crenças em
orixás e energias esotéricas. E, o que mais interessa neste artigo, os jovens que se autoclassificaram
como "sem religião" afirmaram acreditar praticamente em todos os itens do elenco oferecido:
"energia", astrologia, orixás, duendes e gnomos...

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Nota final
Os jovens brasileiros, nascidos do final da década de 1970 para cá, já encontraram o mundo
mudado. Eles fazem parte de uma geração pós-industrial, pós-guerra fria e pós-descoberta da
ecologia. Vivem as tensões do avanço tecnológico, os mistérios do emprego, da violência urbana.
O que isto teria a ver com religião? Não me atrevo a afirmar que "o medo de sobrar", a
insegurança para planejar o futuro profissional e a experiência de vivenciar precocemente a morte de
amigos, primos e irmãos resultem, direta e necessariamente, em reforço de valores religiosos, busca
de fé ou na valorização da religião como locus de agregação social. Apenas lembro que, para minorias
militantes, as instituições religiosas continuam produzindo grupos e espaços para jovens onde são
construídos lugares de agregação social, identidades e formam grupos que podem ser contabilizados
na composição do cenário da sociedade civil. Fazendo parte destes grupos, motivados por valores e
pertencimentos religiosos, jovens têm atuado no espaço público e têm fornecido quadros militantes
para sindicatos, associações, movimentos e partidos políticos.
Mas, com o crescimento dos "sem religião", por que podemos dizer que para esta geração a fé
está em alta? Os jovens de hoje já encontram questionada a histórica equação: "brasileiro"="católico".
O declínio histórico do catolicismo no Brasil - relacionado com o crescimento evangélico e com o
aumento daqueles que se declaram "sem religião" - produz mudanças fundamentais nas estratégias de
apresentação social. É nesta geração que se generaliza a possibilidade de se declarar "sem religião",
sem abrir mão da fé. "Ser religioso sem religião" significa, sobretudo, um certo consumo de bens
religiosos sem as clássicas mediações institucionais como um estado provisório (entre adesões) ou
como uma alternativa de vida e de expressão cultural.
Não por acaso, a Bíblia é o maior best seller do nosso tempo. Para ter acesso à Bíblia, os jovens
brasileiros de hoje não precisam desconsiderar a autoridade dos padres ou pastores, nem precisam a
eles se submeter. A Bíblia pode ser comprada em qualquer esquina e seus versículos são cantados nas
letras de rap e aparecem escritos em outdoors no centro das cidades, nos muros das favelas e
periferias. Expressando vínculos institucionais ou apenas crenças mais difusas, nos últimos anos, a
linguagem religiosa se faz presente em muitas expressões juvenis na área de arte e cultura. Também
não é por acaso que o Prêmio Hutus, considerado o mais importante do Hip Hop da América Latina,
instituiu a categoria Hip Hop Gospel e também premia composições de "sem religião" que' - sem peias
institucionais - falam de Cristo, de Oxalá e citam salmos bíblicos.
Neste contexto, a religião torna-se um fator de escolha em uma sociedade que enfatiza
inúmeras possibilidades de escolhas, mas reduz acessos e oportunidades. Essas informações indicam a
necessidade de novas abordagens e técnicas de pesquisa para compreender melhor no que consiste a
singular (e internamente diferenciada) experiência religiosa desta geração.
Notas
1 A metodologia, os critérios da amostra e os principais resultados desta pesquisa podem ser encontrados em
www.projetojuventude.org.br
2 Na mesma pesquisa - Perfil da juventude brasileira - outros 1% dos jovens entrevistados indicaram igrejas
classificadas como neocristãs, tais como Testemunhas de Jeová, Mórmons, Legião da Boa Vontade. Os espíritas e os jovens que
se declaram adeptos das religiões afro-brasileiras somaram 3%. Somam 1% os jovens que fizeram referência a outras minorias
religiosas como judeus, islâmicos, budistas etc.
3 "Respeito ao meio ambiente" teve destaque também entre evangélicos históricos não pentecostais e adeptos da
umbanda e do candomblé (35%), e jovens de outras religiões (21%).
4 Ver Novaes e Mello 2002.

Bibliografia
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DECOL, René. "Imigração internacional e mudança religiosa no Brasil". Comunicação apresentada na
Conferência Geral sobre População, Salvador, 2001. [ Links ]
NOVAES, Regina. "Religião e política: sincretismos entre alunos de Ciências Sociais". Em A dança dos
sincretismos. Rio de Janeiro, Comunicações do Iser, n. 45, ano 13, 1994. [ Links ]
_______ . e MELLO, Cecília. Jovens do Rio. Rio de Janeiro, Comunicações do Iser, n. 57, ano 21, 2002.
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Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 1997. [ Links ]
TAVARES, M. F. e CAMURÇA, Marcelo. "Balanço dos estudos sobre juventude e religião". Universidade
Federal de Juiz de Fora. Artigo inédito, 2004. [ Links ]
Texto recebido e aceito para publicação em 18 de outubro de 2004.
Regina Novaes é antropóloga. Fez mestrado no Museu Nacional, UFRJ e doutorado na USP. É professora da Programa de pós-
graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da UFRJ. É editora da Revista Religião e
Sociedade. É autora de Os escolhidos de Deus (Marco Zero) e De corpo e Alma (Graphia). Tem vários artigos publicados sobre as
relações entre religião e política, e, nos últimos anos, tem se dedicado ao estudo de expressões culturais juvenis.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000300020&script=sci_arttext&tlng= Acesso em: 03 mar. 2008.
14
RELIGIÃO: CAMINHO PELA HISTÓRIA
PAPEL SOCIAL DA RELIGIÃO NAS SOCIEDADES TRIBAIS

Sociedades tribais: organização do trabalho (caça, pesca e coleta). Esta forma de


produção exige um rígido controle do equilíbrio entre a densidade demográfica e a extensão de
território disponível para extrair o alimento necessário à sobrevivência.
O principal meio de produção é a florestas, as águas e a terra. Tem como base um sistema
de trocas regulado pelas relações de parentesco.
Organização social em famílias ou aldeias e clãs. O clã representa o espaço social,
estruturado por um sistema de parentesco, que constitui a entidade social de referência à qual se
identificam os indivíduos ou grupos.
É no nível do clã que se situa a instância da autoridade, que gera o uso do principal meio
de produção (a terra), que resolve os conflitos importantes e ordena as atividades comuns ao
conjunto dos grupos familiares. É no seio dos clãs que se dão os intercâmbios de mulheres.
As extensas famílias que compõem o clã possuem grande autonomia em relação à
organização da vida material, de tal forma que se constituem em unidades auto-suficientes tanto
no plano da organização da produção como no plano da distribuição do produto social.
As sociedades tribais são os primeiros sistemas em que aparecem as conotações
religiosas como explicadoras e legitimadoras das relações sociais. As significações religiosas são
de dois tipos: as que se elaboram em torno dos fenômenos da natureza e as ligadas às
expressões sociais do grupo.
As representações religiosas elaboradas em torno das relações da pessoa humana com a
natureza apresentam uma analogia. As forças da natureza são personificadas nos seres,
tornando-os bons ou maus ou até mesmo ambivalentes.
Alguns clãs do sul da índia representavam as forças da natureza sob a forma de uma
multidão de espíritos organizados por um chefe e dotados de uma vontade e uma inteligência
superiores às das pessoas humanas.
Estes espíritos, ao seu bel-prazer, também eram eventualmente capazes de fazer o mal.
Tratava-se sempre de espíritos ambivalentes, que podiam ser bons ou maus. O bem não era o
contrário do mal, mas apenas sua ausência.
Desse modo a natureza apresentava-se como uma realidade boa em si mesma, que era
perturbada por esses gênios na intenção de fazer o mal, não somente aos humanos, mas
também aos animais e vegetais e a tudo aquilo que tem vida.
Por este motivo as pessoas procuravam se proteger de sua maldade, desenvolvendo
práticas que visavam agradar ou afastar os perturbadores. Algumas vezes ofereciam alimentos a
tais espíritos ou então, os criadores de gado imolavam uma vítima, na esperança de poupar
outras.
Quando se tratava de preservar vidas humanas (em casos de doenças) intervinha no ritual
um mediador capaz de entender e interpretar os sinais pelos quais a divindade (desta vez era a
divindade e não os espíritos) comunicava o tratamento a ser seguido.
As religiões dos povos tribalistas são de caráter animista. Não procuram desvendar a
relação entre causa e efeito que está na base da ordem das coisas.
Suas construções simbólicas têm a função de agir simplesmente ao nível dos efeitos.
Neste sentido, o animismo corresponde às necessidades de sobrevivência imediata dos
indivíduos e dos grupos. Trata-se de uma função de proteção desempenhada pela religião.
A vontade da pessoa humana pode influenciar as forças da natureza por meio de práticas
rituais de natureza mágica. O objetivo destas práticas é o de neutralizar as forças adversas
agindo direta e eficazmente sobre elas, o que geralmente exige a intervenção de um agente
religioso, o feiticeiro, como mediador.
Atribuindo um sentido à natureza, a construção religiosa reduz a contradição que o grupo
experimenta em sua vida cotidiana, dotando o próprio grupo de um meio para conjurar os efeitos
de fenômenos cujas causas objetivas ele não domina. Assim, a religião preenche a função social
de proteção e de reguladora das relações sociais de parentesco.
15
As representações religiosas ligadas às expressões sociais do grupo têm como base o
totem. O totem é um significante que remete a vários significados: representa o grupo enquanto
unidade social; e, sendo o lugar de residência do divino, torna-se o meio através do qual é
transmitida a vida cósmica ao grupo e a cada um de seus membros, na medida em que a ele se
associam.
Como o totem é um elemento natural (planta ou animal), também constitui o ponto de
encontro entre a ordem transcendental e a ordem da natureza: A vida (transcendental)
permanece inatingível, e é representada pelo deus sem nome, na Tanzânia, ou pela floresta,
pelos pigmeus. Mas encontrava em Cheyon (um totem) uma mediação eficaz, já que este se
encontrava na fonte da vida concreta. O medium na transmissão da vida era a árvore totem, pois
a divindade nela habitava.
Quando o clã é sedentário, o totem constitui também o lugar em que se articulam o
passado e o presente: a presença dos antepassados do clã é simbolizada em torno do totem. É à
unidade do clã que é concedido o sentido reproduzido em todas as linhagens pela mediação das
práticas religiosas.
O intercâmbio de mulheres, prática necessária à sobrevivência das tribos, criava situações
muito complicadas, uma vez que estes intercâmbios envolviam o acesso aos meios de produção
ou a divisão destes. A unidade do clã, mesmo com o intercâmbio de mulheres com outros clãs, é
indispensável para a sobrevivência do grupo.
É precisamente para superar as contradições criadas por ocasião dos intercâmbios de
mulheres que intervém a produção simbólica. Esta construção se dá através do conceito de vida.
No caso dos Kuravas, da índia, a construção simbólica fazia o divino aparecer como
catalisador da vida cósmica. Esta vida era transmitida pela mediação de um símbolo, o totem, que
era o ponto de encontro entre o cosmos, a ordem social e a natureza.
É o conjunto do clã que recebe a vida; cada grupo familiar ou cada indivíduo só participa
desse dom na medida em que pertença a essa totalidade.
Há, portanto, uma inter-relação entre a necessidade de sobrevivência dos clãs e a
necessidade de sobrevivência de cada família ou indivíduo. Se um deles perecer, os outros
também não sobreviverão.
Pode-se perceber, assim, a incidência do modo de organização social e a predominância
do sistema de parentesco sobre a produção simbólica. A organização simbólica, por sua vez,
também desempenha a função de acentuar o caráter harmonizador das relações sociais,
desenvolvendo nos grupos familiares e nos indivíduos o sentimento de pertença à totalidade do
clã.
Ela também expressa valores que correspondem à necessidade de sobrevivência do grupo
(fecundidade e solidariedade). O sistema de crenças ao mesmo tempo em que vem criar e
reforçar a unidade do grupo, também é reforçado por ela.

BIBLIOGRAFIA
HOUTART, François. Religião e modos de produção pré-capitalistas. Trad. Álvaro Cunha. São
Paulo: Paulinas, 1982.

16
FUNÇÃO SOCIAL DA RELIGIÃO NO FEUDALISMO

O feudalismo é semelhante ao modo de produção tributário. Isto porque é ainda o poder


político que organiza a economia e se apropria de um tributo em espécie e em serviço. Estas
taxas são fixadas sobre a produção dos grupos de base.
No entanto, diferencia-se também do sistema tributário. A diferença se dá pelo fato de que
a arrecadação do tributo apresenta-se como um direito, uma vez que os meios de produção
pertencem às instâncias de poder (rei ou senhor feudal) e não mais às bases produtoras
(camponeses).
O senhor é o proprietário do meio de produção (terra). O produtor possui os instrumentos
de trabalho e o direito de uso dos meios de produção, mas que deve prestar serviços ao senhor.
As relações trabalhistas não têm mais como centro as aldeias, mas os indivíduos:
senhor/camponês. No entanto, as aldeias continuam sendo quem organiza o trabalho,
constituindo grupos nos quais se forjam as solidariedades.
O poder político-econômico não é exercido diretamente do rei ou senhor feudal para seus
súditos. Existe uma hierarquia de delegação de poderes. O rei ou senhor feudal delega a função
de oferecer favores ou punir seus dependentes a uma escala de intermediários. Esta escala vai
desde o chefe do grande feudo, passa pelos chefes das federações de vilas, aos chefes de clãs,
etc.
No feudalismo existe uma contradição que não encontra sua justificação ao nível da
produção material do grupo; ou seja, uma vez que o grupo produz o necessário para sua
sobrevivência sem o auxílio do senhor feudal, nada justifica que tenha a obrigação de repassar
todo excedente para o dono do feudo.
Nas sociedades feudais, a cobrança do tributo não é justificada pela contrapartida de uma
proteção, como nas sociedades tributárias. Assim, é preciso uma poderosa produção ideológica
para que os servos o admitam como natural e necessário à sobrevivência da ordem social global.
Para conseguir justificativa para seu funcionamento, a sociedade feudal buscou a religião
como um de seus apoios ideológicos. Os dirigentes buscavam a explicação e legitimação de sua
própria excelência, enquanto os dominados encontravam razões para aceitar sua condição, na
esperança de uma compensação de natureza pós-histórica.
Uma das formas de legitimar religiosamente o sistema feudal foi criar a idéia de panteão de
deuses, organizados hierarquicamente. Neste sistema, a divindade principal normalmente tinha o
poder de conceder favores ou fornecer castigos a seus fiéis. Este poder da divindade principal
coincidia com os poderes que o rei ou o senhor feudal detinham sobre seus subordinados.
No caso de feudalismo Kandyano, do século XVII, no Sri Lanka, houve a formação de um
sincretismo entre as religiões budista e hinduísta. O panteão criado neste sincretismo
apresentava uma verdadeira pirâmide divina. No ápice da pirâmide estava Buda, considerado
como ser sobrenatural, do qual não se podia esperar favores espirituais e materiais; mas abaixo
de Buda podia-se encontrar as divindades.
Em primeiro lugar, Sakra, protetor do universo budista (a Sansana), que delega seus
poderes a Saman. Este, juntamente com Vichnu, Skandha, Nata e Pattini, fazem parte do Hatara
Varan Deiyo (panteão das divindades nacionais), encarregado de defender a fé e proteger o
reino. Estes são deuses no sentido convencional do termo: podem conceder favores e punir
pecados. Abaixo dessas divindades nacionais, encontram-se as divindades locais,
correspondentes aos Patus (grupos de aldeias) ou às aldeias (que são so Bandara Deiyo ou
deuses senhores) que protegem as comunidades locais.
No nível mais baixo da escala colocam-se os demônios, os pretas, espíritos maus dos
ancestrais pecadores, punidos por causa do seu mau Karma. Eles são as causas de todos os
males, considerados como punições não racionais. Entretanto, eles necessitam dos homens para
serem resgatados. Essa hierarquia celeste é homóloga à hierarquia existente ao nível sócio-
político, pois reproduz a estrutura do poder. As divindades do templo são representadas em uma
posição idêntica àquelas que os homens são obrigados a guardar nas cerimônias de juramento
aos reis ou aos senhores. O status da divindade corresponde ao seu nível moral, atingido pela
acumulação de bens espirituais (seus méritos, adquiridos no curso de cada vida temporal).
17
Se a divindade obtém seu status por seus méritos, subentende-se que os reis ou senhores
feudais também. Por este motivo, assim como as divindades merecem respeito, consideração e
oferendas, também os reis e senhores feudais merecem, pois fizeram o mesmo caminho que a
divindade.
Desta forma, o rei ou senhor feudal continua sendo um homem, mas um homem especial,
que depende diretamente das divindades protetoras: os reis são vistos como deuses e os deuses
são vistos como reis.
Esta escala "moral" inclui não apenas as divindades, mas também o conjunto dos homens.
Cada qual ocupa uma posição nesse espaço temporal-espiritual em função de seu Karma em
uma vida anterior.
Nos países europeus, a legitimação do sistema feudal se deu via cristianismo. A lógica
teológica criada no cristianismo não difere muito da fornecida pelo sincretismo budista e
hinduísta. No período feudal europeu foi estabelecido a hierarquia celeste cristã que conhecemos
até hoje.
Na hierarquia celeste cristã, acima de todos está o grande Deus, formado por três pessoas
distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Estas três pessoas compõem uma única divindade que
é, ao mesmo tempo, onipresente, onisciente e onipotente (tal como o rei ou o senhor feudal). Esta
divindade tem o poder tanto de conceder favores espirituais e materiais como de punir os
pecados da humanidade.
Embora não havendo divindades menores na teologia cristã, há no entanto, no âmbito do
sagrado, entidades menores (anjos e santos). Estas têm a função de proteger a humanidade e
interceder junto à divindade maior, visando obter seus favores ou acalmá-Ia para que não venha
a punir seus fiéis.
Além dessas entidades intermediárias, existem outras entidades muito mais próximas das
pessoas comuns, com as mesmas funções dos anjos e santos. Estas entidades próximas, por
sua vez, também organizam-se de forma hierárquica. São os diferentes representantes da
divindade aqui na terra, atuando concretamente na instituição Igreja: Papa, Cardeais, Arcebispos,
Bispos, Padres, Religiosos/as (monges, freiras).
Por último, nesta hierarquia, encontram-se os simples mortais, que dependem da
hierarquia divina para "ir bem" tanto nesta vida como em um tempo vindouro (pós-morte). Para
conseguir estas graças, devem servir a todos os outros que se colocam acima deles na hierarquia
divina.
Embora não haja no cristianismo a noção de Karma, há a noção de pecado/castigo. Se
estou em uma posição inferior na sociedade é porque cometi (ou alguém de minha família
cometeu) algum ato que desagradou a Deus, por isto estou sendo punido.
BIBLIOGRAFIA
HOUTART, François. Religião e modos de produção pré-capitalistas. São Paulo: Paulinas, 1982.

18
A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA NA (PÓS)MODERNIDADE
Escrito por Cláudia Sales de Alcântara[1]
[EXTRATO]

[...] III – A MODERNIDADE E A SECULARIZAÇÃO DA SOCIEDADE


A religião institucionalizada não conseguiu tornar a sociedade mais justa, livre e
igualitária e nem conseguiu responder às questões existenciais da humanidade, fazendo com que
o ser humano, insatisfeito com as imposições feitas pela igreja, buscasse encontrar explicações
concretas para o que antes era explicado de forma abstrata. O aumento do comércio e, por
conseguinte, o surgimento do capitalismo, o descobrimento de novos “mundos”, o aparecimento
da imprensa (século XV) e de novas tecnologias, abalaram de vez o sistema feudal. A
fragmentada sociedade feudal da Idade Média transforma-se então, em uma sociedade
dominada, progressivamente, por instituições políticas centralizadas, com uma economia urbana
e mercantil. Estas novas mudanças foram aos poucos modificando a mentalidade teocêntrica da
humanidade; a célebre frase de René Descartes, "Cogito, ergo sum" (Penso, logo existo),
resume o resultado dessas transformações.
O Renascimento (século XIV) e o Iluminismo (século XVIII), a Reforma Protestante
(século XVI) e a Revolução Industrial (século XVIII), consolidaram de vez o novo sistema que
substituiria o antigo regime feudal: o Capitalismo. No campo do pensamento, o mito e a religião
foram aos poucos substituídos pelo mito do progresso científico e tecnológico (positivismo de
Comte). A ascensão da burguesia e de sua ideologia (Iluminismo) levou a humanidade a utilizar-
se da razão não somente para descobrir o mundo, mas também, para entenderem a si mesmos
no contexto da sociedade; surgia uma cultura laica, ou seja, sem a interferência da igreja. O
homem agora voltaria a ser a medida de todas as coisas. Estas concepções, contudo, estavam
carregadas de esperança, com a responsabilidade de propor novas cosmovisões em substituição
as antigas representações religiosas.
A desmistificação dos dogmas pelo racionalismo, proporcionando a possibilidade de uma
interpretação pessoal dos textos sagrados, e a necessidade de uma nova moral religiosa que
atendesse aos interesses econômicos da burguesia em ascensão (já que a Igreja Católica
condenava a usura, a avareza, a cobiça, e defendia a doutrina do "justo preço", o que contrariava
o ideal burguês de obtenção do maior lucro possível), possibilitou a chamada Reforma
Protestante.
A ética protestante, ao contrário da católica, valorizava a competitividade e a busca do
lucro, ajustando-se, portanto, aos ideais burgueses daquele momento histórico em que se
desenvolvia o capitalismo, como afirma Max Weber:

"Mas o que era ainda mais importante: a avaliação religiosa do infatigável, constante e sistemático
labor vocacional secular, como o mais alto instrumento de ascese, e ao mesmo tempo, como o mais
seguro meio de preservação da redenção da fé e do homem, deve ter sido presumivelmente a mais
poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida que aqui apontamos como espírito do
capitalismo". (WEBER, 1989, p. 123).

Por este motivo, aos poucos, a Igreja Católica Romana precisou rever suas concepções e
adequar-se a essa nova estrutura social, política e econômica com uma nova mentalidade, cada
vez mais distante da medieval (Contra Reforma). Estas mudanças caracterizaram-se por um
movimento de reafirmação dos princípios da doutrina e da estrutura da Igreja, corrigindo, desde o
seio da Igreja, as fontes de descontentamento que alimentavam a Reforma Protestante.
As instituições religiosas, contudo, perdem o poder de dar “as cartas” no mundo moderno;
já não possuem a hegemonia da cultura, do Estado e das instâncias reguladoras do cotidiano.
Nesta nova realidade, não era mais a religião que dava sentido ordenador da realidade social,
com suas mediações, mas a própria interdependência de escolha racional centrada no ser
humano. Deus estava agora presente na natureza, portanto no próprio homem, que poderia agora
descobri-lo através da razão. Para encontrar Deus, bastaria levar uma vida piedosa e virtuosa
(moral kantiana); a Igreja torna-se dispensável.

19
IV – A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA EM MEIO À PÓS-MODERNIDADE
Mircea Eliade em seu livro, O sagrado e o Profano, a essência das religiões, afirma que
“seja qual for o grau de dessacralização que o mundo tenha chegado, o homem que optou por
uma vida profana não consegue abolir completamente o comportamento religioso” (Mircea Eliade,
2001, p. 27).
A moderna humanidade que passou por um grande processo de dessacralização e
secularização, não conseguiu proporcionar um mundo mais justo através da razão. O avanço
teológico e a ciência, em vez de proporcionarem a solução de todos os males da sociedade,
mostraram-se incapazes de superar as contradições da convivência social. O desenvolvimento do
capitalismo “selvagem”, as duas grandes guerras mundiais, a utilização da bomba atômica, os
riscos da industrialização para a ecologia, entre outros, mostrou a ineficácia da razão como
“salvadora da pátria”, fez-se então necessário um retorno aos antigos referenciais que tinham
sido ignorados na modernidade; é neste contexto que nasce o que chamamos de pós-
modernismo, como afirma Eduardo Subirats:
“Em torno de todo jargão do Pós-moderno desenvolvem-se atitudes culturais de signo regressivo.
Assim se passa com o nacionalismo que se ampara por detrás dos historicismos nostálgicos ou dos
diferentes regionalismos; assim, a busca de valores substanciais, de uma ordem ética ou estética
transcendente, através da reivindicação do tradicional, do retorno a formas de pensamento religioso e
da defesa de uma autonomia de princípios morais também de signo transcendente”. (SUBIRATS,
1991)
As igrejas tinham encastelado Deus a tal ponto que ele se tornou impotente diante das
necessidades do mundo. Este período é então caracterizado pelo aumento da insegurança (pois
todas as certezas em que estava embasada a sociedade “caíram por terra”), do relativismo de
qualquer conhecimento (negação de verdades universais da racionalidade), da globalização e da
retomada do interesse pelas concepções religiosas, como uma tentativa de “achar um sentido do
mundo acessível à compreensão humana” (Max Weber 1982, p. 625). O retorno da religião
(sentimento religioso) neste aspecto pode ser visto como um fenômeno periódico que se utiliza à
religião em função de exigências de natureza social, como afirma Franco Crespi:
“De fato, a religião se apresenta como uma forma de mediação especifica, que leva em conta o
caráter ilimitado do desejo humano e explica o mundo finito, colocando-o em relação com o horizonte
infinito de um além-mundo, que assim se torna parte constitutiva da própria vida terrena”. (CRESPI,
1999, p. 15).
Embora as instituições religiosas, neste momento, continuassem não possuindo poder de
regular o universo cultural, social e pessoal, os indivíduos continuaram a viver dimensões do
sagrado de formas bem particulares (subjetividade), podendo ser estas dimensões observadas
nas atitudes políticas, esportivas e culturais, ganhando assim uma nova dinâmica fora das Igrejas,
tornando-se mais presente do que nunca na sociedade contemporânea ( nas Ong’s,
manifestações culturais, associações comunitárias, no Greenpeace, nos clubes esportivos, etc.).
Esta dimensão do sagrado é fortemente caracterizada por um retorno ao sentimento religioso
(mostrado na primeira parte deste artigo), ou seja, um retorno às experiências emocionais,
mesmo que o individuo não seja consciente do fato, como podemos observar na colocação de
Mircea Eliade:
“Existem, por exemplo, locais privilegiados, qualitativamente diferente dos outros: a paisagem natal
ou sítios dos primeiros amores, ou certos lugares na primeira cidade estrangeira visitada na
juventude (...) são os “lugares sagrados” do seu universo privado (...)” (Mircea Eliade, 2001, p. 28).
Com o enfraquecimento da religião institucional, já pré-anunciada pelos teólogos da morte
de Deus, o ser humano sente-se agora livre para buscar, de forma autônoma, seu próprio
universo de significações em um mundo fragmentado (sincretismo). “Assim, o pluralismo religioso
torna-se, simultaneamente, fator e resultado da secularização” (PIERUCCI, 1997, p. 115), abrindo
caminho para a concorrência entre diversas instituições religiosas que se lançam em uma
competitividade, utilizando-se das mesmas operações da economia de mercado capitalista e
fazendo com que a religião, que no período medieval moldava o mundo, seja moldada pelo “gosto
do freguês”.
O que resta na sociedade pós-modernista é a presença simultânea de várias instituições
religiosas (cristãs ou não), convivendo entre si, não mais influenciando o todo social, pois os

20
seres humanos não se identificam mais com discursos universais, mas atuando de maneira
coadjuvante, influindo, ainda que em menor escala, os fundamentos da sociedade.
São nesses momentos de “morte” institucional que a experiência religiosa ganha novos
sabores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi dito, a religião continua a existir na pós-modernidade nos ritos, crenças e
atividades, grupos e projetos não explicitamente religiosos. As tradições continuam atuando
conforme a subjetividade de cada indivíduo. A religião passa a existir na intimidade, produto da
construção pessoal subjetiva e autônoma que não necessita prestar contas a uma instituição. É o
fim da religião totalizante da sociedade, contudo, não significa o fim da religião na particularidade
de cada indivíduo.

BIBLIOGRAFIA
CRESPI, Franco. A Experiência Religiosa na Pós-Modernidade. Bauru, SP: EDUSC, 1999.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. 5. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
PIERUCCI, Antônio Flávio. Reencantamento e dessecularização. A propósito do auto-engano em
sociologia da religião. In: Novos Estudos Cebrap, n. 49, nov., 1997.
SUBIRATS, Eduardo. Da Vanguarda ao Pós-Moderno. 4. ed. São Paulo: Nobel, 1991.
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1989.

NOTAS
[1] Arquiteta e urbanista, formada pela Universidade Federal do Ceará – UFC, teologa pelo Instituto Cristão de Estudos
Contemporâneos – ICEC/ Fortaleza e mestranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará.
[10] A secularização de uma sociedade, em seu sentido radical, pode ser entendida como um processo pelo qual a religião
deixa de ser a forma de integração da cultura, particularizando-se. Ela faz com que tal sociedade já não esteja mais
determinada pela religião, mas restrita a um âmbito particularíssimo do ser humano.
[11] René Descartes (1596 - 1650), também conhecido como Cartesius, foi um filósofo, um físico e matemático francês.
Notabilizou-se sobre tudo pelo seu trabalho revolucionário da Filosofia, tendo também sido famoso por ser o inventor do
sistema de coordenadas cartesiano, que influenciou o desenvolvimento do Cálculo moderno.
[12] A filosofia positiva de Comte nega que a explicação dos fenômenos naturais, assim como sociais, provenha de um só
princípio. A visão positiva dos factos abandona a consideração das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e torna-se
pesquisa de suas leis, vistas como relações abstratas e constantes entre fenômenos observáveis.
[13] Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798 - 1857) foi um filósofo francês e o pai da Sociologia.
[14] Ele foi, juntamente com Karl Marx e Emile Durkheim, um dos modernos fundadores da Sociologia. É conhecido,
sobretudo pelo seu trabalho sobre a Sociologia da religião. Escreveu a Ética protestante e o espírito do Capitalismo, nesse
seu trabalho ele tinha a intenção de examinar as implicações das orientações religiosas na conduta econômica dos
homens, procurando avaliar a contribuição da ética protestante, em especial o calvinismo, na promoção do moderno
sistema econômico.
[15] A dessacralização do mundo é uma característica fundamental da Modernidade, já que impulsiona o processo de
secularização.
[16] Nos anos 60 surgiu nos Estados Unidos uma formulação teológica conhecida exatamente como “teologia da morte de
Deus”. A frase “Deus está morto”, aponta para uma constatação, a saber, a morte de valores absolutos na sociedade.
[17] Sincretismo - Palavra originada do grego; significa sistema que consiste em conciliar os princípios de várias doutrinas
ou filosofias.

http://www.ftl.org.br/index.php?view=article&catid=35%3Aartigos-online&id=81%3Aa-instituicao-
religiosa-na-posmodernidade&option=com_content&Itemid=75#_ftn14 acessado em 16 set 2010

21
RELIGIÃO E CONSUMISMO:
OS DEUSES NA VITRINE DA PÓS-MODERNIDADE
http://www.eternoretorno.com/2008/10/14/religiao-e-consumismo-os-deuses-nas-vitrines-da-pos-modernidade/ acessado 16 set10
No livro “Mal-estar na pós-modernidade“, Zygmunt Bauman, sociólogo polonês contemporâneo, irá discorrer sobre
vários aspectos que marcam o período atual que vivemos, chamado por ele de “pós-
modernidade“. Vale lembrar que este termo não é um consenso para designar a
contemporaneidade, embora seja o mais usual. Como ponto de partida, Bauman faz uma
releitura da clássica obra de Freud, “O mal-estar na civilização“. Freud, analisando o
surgimento das primeiras civilizações, irá dizer que o homem trocou um quinhão de liberdade
por um quinhão de segurança; já Bauman, olhando para o homem pós-moderno irá dizer que
este trocou um quinhão da segurança por um quinhão de felicidade.
“Quinhão” aqui é uma forma de dizer, pois a busca pela felicidade não é quantificável, é uma profusa
característica marcante das pessoas nesse atual momento. Não que antes as pessoas não buscassem a felicidade, mas é
que a felicidade inventada pelo modernismo, isto é, uma espécie de panacéia, torna-se peremptoriamente uma
necessidade que deve ser buscada a qualquer custo por homens e mulheres pós-modernos. A dinâmica constante desse
movimento se dá pelo fato da felicidade não ter um ponto de chegada, pelo contrário, a chegada parece guarnecer o
cheiro do horror. Dessarte, o prazer é justamente a incessante e infrutífera busca: a ordem é obter as benesses da
felicidade, mas marcada com a eterna – pelo menos no plano terreno – sensação de insatisfação, um dos principais
espectros do pós-modernismo.

Consumismo e religião na pós-modernidade


Entre as várias faces da sociedade, analisadas por Bauman, que vêm passando por transformações, tais como a
arte, a política, a cultura, entre outras, que perpassam sobretudo as relações humanas, também encontramos a religião.
As novas organizações eclesiásticas também passam por reformulações, ou pelo menos a transformação de dogmas
em eufemismos. Seus “clientes”, agora, são norteados pela necessidade de felicidade que implica em uma constante
busca de “autos” realizações em vários dos aspectos “espirituais”, é possível verificar uma interessante semelhança
entre o consumismo e a religião nas análises de Bauman.
Homens e mulheres pós-modernos, marcados pela crise da identidade, não precisam mais das promessas
celestiais nem se importam com os castigos do fogo do inferno no mundo do além, estes já estão no plano concreto,
tangível pelas capacidades de consumo de cada um. Porém, a busca pela felicidade duelando com as crises de
identidade implicam em um rol de produtos de consumo para que os homens possam “curar suas personalidades”, de
modo a estarem altamente capazes de beliscar as promessas de encanto que o capital oferece. Bauman nos diz que:

“A pós-modernidade é a era dos especialistas em “identificar problemas”, dos restauradores da


personalidade, dos guias de casamento, dos autores dos livros de “auto-afirmação”: é a era do “surto de
aconselhamento”.
Nesse sentido, homens e mulheres pós-modernos não precisam mais de padres, pastores e sacerdotes
tradicionais que falam das fraquezas do homem, eles já estão fartos de suas fraquezas e precisam de “auto-afirmação”,
e mais do que isso, precisam de uma “receita” breve, rápida, curta e para o agora de como podem resolver seus males
e conseguir suas satisfações. (Nesse ponto quero fazer uma nota irresistível: a difusão dos blogs também se deve aos
escatológicos títulos que o internauta deve bem conhecer, tais como “Saiba como…”, “Tudo sobre…”, “Os 10
melhores/maiores…”, “Descubra aqui como…”, essas breves notas despontam acenando aos desesperados que
buscam consolo na leve virtualidade)
A efígie fluida do homem pós-moderno, isto é, a busca incessante pelo acúmulo de sensações de prazer, que se
produz na teia das incertezas onde o paraíso e o inferno se entrelaçam no cotidiano, cria condições para uma procura
crescente por “mestres”, “gurus”, “autoridades”, ou “deuses humanos” capazes de “vender” produtos que possam
intensificar as sensações de prazer. Isso não implica que as “casas divinas” fechem suas portas, mas em novas
diretrizes de adaptação a essa ordem do consumo para que não se tornem obsoletas. As instituições religiosas são,
antes de tudo, empresas que se confrontam com as leis – agora humanas – da economia liberal na difícil competição
do mercado, competem por almas potenciais que, em troca do “conselho” para se dar bem na trama social, oferecem o
que podem no momento.
A religião não desaparece do cenário, pelo contrário, intensifica-se em múltiplas religiões. Multiplicam-se os
sabores da experiência com algum plano espiritual que deixa de falar o tempo todo das fraquezas humanas e passa a
fomentar um indivíduo capaz de vencer os dissabores sociais. Os discursos da penitência e das autoflagelações estão
fora de moda, até o Vaticano tratou de escamotear seus discursos, e já apresenta em seu rol, alusões à juventude e à
diversidade de crenças e culturas. Os fiéis exigem líderes capazes de fornecer pequenos – e fáceis – conselhos.
Procuram antes de tudo um “guia espiritual” capaz de satisfazer questões que a vida cotidiana vai sufocando. O sujeito
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busca sua sobrevivência em um emprego, mantém uma rotina mais ou menos fixa: acordar, ir ao trabalho, voltar para
casa, bater continência a rede Globo e dormir, por vezes um pequeno lazer no fim de semana antes de iniciar a
repetição; só sobram então, questões que vão remoendo em angústias e, da mesma forma que se compra um
medicamento para cefaléia, homens e mulheres pós-modernos saem em busca de “consumir” especialistas espirituais
que tenham a oferecer, não mais um consolo espiritual, mas uma espécie de “produto” espiritual que possibilitará uma
visão mais clara e segura para que os frutos da felicidade sejam colhidos em seu melhor momento.

Percebe-se, dentro desse viés de Bauman, uma ordem do consumo norteando as religiões. As religiões perdem
aquela autoridade quanto a uma ordem fundamental que mais ou menos direcionavam a vida dos indivíduos como o
foi na Idade Média; céu e inferno não deixam de prevalecer enquanto dogmas, mas a necessidade é falar menos dos
horrores como forma de manutenção; devem-se exaltar, agora, as qualidades humanas, ou angariar elementos, mesmo
que sejam de “outro mundo”, que possibilitem a “performance” espiritual, como se fosse o “essencial” que falta para
dar o sentido de completude humana.

Por outro lado, aquelas “experiências máximas” que a religião tradicional prometia, isto é, a oferenda de uma
vida eterna paradisíaca além da possibilidade de superação das abjeções da vida terrena, sai de cena dos palcos
sagrados e vão desfilar nas alegorias privadas das empresas de todo e qualquer tipo de produto material. A
“experiência completa”, o êxtase intenso, é agora deslocado para o plano da mercadoria; um carro zero de luxo é o
suficiente para superar qualquer promessa obsoleta de vida eterna. A vida eterna permanece, é claro, nas
idiossincrasias de cada um, mas deixa de ser uma questão elementar quanto o é um bem material. Marx já alertava no
século XIX sobre a supremacia das mercadorias escravizando a vida dos homens, hoje elas destoam graciosamente
definindo as identidades pessoais.
Bauman nos diz que a cultura pós-moderna, ao alcance de todo indivíduo, desde que ele possua a moeda de
troca, exige uma vida devotada ao consumismo. Longe de discursar sobre as fraquezas humanas e seus pecados, as
mercadorias discursam sobre o aumento das potencialidades humanas em suas múltiplas formas e conteúdos.
Torna-se máxima das vitrines do paraíso na terra, atiçar a fragilidade dos homens e mulheres pós-modernos
através de mensagens como “Você pode fazer isso”, “Todo o mundo pode fazê-lo”, “Cabe somente a você decidir”,
“Se você deixa de fazê-lo, só tem de botar a culpa em você mesmo”. É fundamental no consumismo afastar qualquer
projeção que não seja a ubíqua felicidade felicitando na vida terrena. Os novos profetas, diz Bauman, são aqueles
recrutados da aristocracia do consumismo, que conseguiram transformar a vida numa obra de arte da acumulação e
intensificação das sensações, dos bens materiais, da riqueza na terra. É desnecessário apresentações desses profetas,
temos vários que estão no palco, em geral, com seus livros autobiográficos que mostram a trajetória da miséria à
luxúria.

Considerações finais
Aparentemente opostas, as intenções religiosas e consumistas se encontram e se abraçam num horizonte onde
os atores em busca da “experiência máxima” estão em constantes aventuras, espirituais e materiais, na eterna busca
daquilo que um dia irá preenchê-los em totalidade psicofísica.
Se a religião tradicional oferecia a “experiência máxima” à custa de uma vida de miséria e privação, a versão
pós-moderna da religião concilia os dogmas com a ordem liberal do consumo. Seus seguidores, embora não
abandonem os dogmas, sabem muito bem que as ofertas de algum paraíso ou de um submundo de trevas já não os
convencem mais a ponto de sacrificarem suas felicidades. São aceitáveis os elementos recrutados do mundo supra-
sensível, como Deus, Jesus Cristo, santos e outros personagens, desde que eles sirvam para aumentar os potenciais
psicológicos e físicos para conseguir acumular mais sensações de prazer oferecidas na vida terrena. Deuses e heróis
mágicos perderam seu poder de sedução frente às mercadorias e à “religião do consumo”, estas sim, únicas e
eficientes para promoverem a “experiência máxima” do prazer, mesmo que seja momentânea, a ponto do término de
abrir uma embalagem, verificar o conteúdo, sentir o perfume do “novo” e se embriagar novamente em busca da
próxima oferenda…
Assistir homens e mulheres pós-modernos em busca da felicidade é como assistir um burro correndo atrás de
um alimento que vai a sua frente, bamboleando, de acordo com o trotar que afeta o montador que, em sua perniciosa
astúcia, vai segurando o pedúnculo.

Referências:
BAUMAN, Z. O mal-estar na pós-modernidade. São Paulo: Jorge Zahar, 1998.
FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930). 1ª edição, Rio de Janeiro, Imago, 1974.

23
MARX E A RELIGIÃO CRITICA POLÍTICA CRITICA ECONÔMICA
CRITICA IDEOLÓGICA (relação indivíduo e Estado) (relação indivíduo –
(concepção da pessoa humana) modo de produção capitalista)

Onipresente representa
Estado Burguês
Mercadoria
Onipotente representante a felicidade
produzida
DEUS Onisciente
$
Bom
Estado abstrato -
Justo ....

religião política estado


Não existe uma igualdade real

religião da mercadoria
ALIENAÇÃO

ALIENAÇÃO
ALIENAÇÃO

religião confessa

Esta parte deveria dominar o mundo


na sociedade o
indivíduo tem A mercadoria de
uma diversidade valor prático
Bom hierarquizada Direitos e foi acrescido Trabalha e
Inteligente ⇒ Deveres de valor
produz a
conflito entre si simbólico
Forte ⇒ mercadoria
Criativo felicidade

24
FREUD E A RELIGIÃO
Em O futuro de uma ilusão e O mal-estar na cultura, Freud vai voltar o seu olhar para a religião e para a
cultura. Levando em conta que passara a vida ocupado em demolir ilusões, o que pergunta agora é: a que se deve o
forte pendor dos homens à ilusão religiosa? Resposta: deve-se à necessidade do pai.

Para o ser humano a vida é mesmo difícil de suportar: a natureza, diz Freud, é cruel, destrói o homem fria e
incansavelmente, e a debilidade do corpo não o ajuda a enfrentá-la. A cultura, através da qual o homem se defende da
natureza e dos outros homens, também lhe impõe privações.

Para tornar tolerável o seu desamparo, o homem tenta dar à vida um propósito mais elevado. A partir daí, tudo o
que acontece no mundo passa a ser visto como ‘expressão das intenções de uma inteligência superior’. Este Todo-
Poderoso (Pai), embora ‘escreva por linhas tortas’, ordenaria tudo – segundo a visão religiosa – para o melhor. “A
própria morte não é uma extinção, não constitui um retorno ao inanimado inorgânico, mas o começo de um novo tipo
de existência que se acha no caminho da evolução para algo mais elevado”. Ao final, todo o bem estaria
recompensado e todo o mal, punido, se não na realidade pelo menos em existências que iniciariam após a morte.
Assim todos os sofrimentos e as agruras da vida estariam destinados a se desfazer.

‘A religião é uma tentativa de obter domínio do mundo perceptível no qual nos situamos, através do mundo dos
desejos que desenvolvemos dentro de nós em conseqüência de necessidades biológicas e psicológicas. Mas a religião
não pode conseguir isso. Suas doutrinas conservam a marca dos tempos em que surgiram, dos tempos de ignorância da
infância da humanidade. Seu consolo não merece fé. A experiência nos ensina que o mundo não é um aposento de
criancinhas.’
QUESTÃO
- Por que a explicação da origem do universo faz parte de todos os sistemas religiosos? Porque esse deus-criador é
chamado de pai, o mesmo pai que, com toda a sua magnificência, aparecia para a criancinha. Freud completa: ‘O
homem religioso imagina a criação do universo assim como imagina sua própria origem’. E por isso se ilude.
Uma ilusão não é necessariamente um erro. É sim algo que deriva de fantasias de tal modo prementes que o
homem despreza a verificação e as relações com a realidade. Por exemplo: sabemos que a Terra tem a forma esférica,
resultado de um processo de pensamento baseado na observação, lógica e inferências. Porém, se alguém ainda assim
desejar passar pelo mesmo processo, o caminho para adquirir uma convicção pessoal permanece aberto.
É isto que não acontece com a religião. Quando indagamos em que ela se funda, as respostas são: devemos
acreditar por os antepassados já acreditava; possuímos provas que nos foram transmitidas desde os tempos primitivos;
é proibido questionar a autenticidade. É crer ou não crer. E pronto. Aqui entra a fé.

Freud sabia que a religião negava muito ao homem, acenando-lhe com satisfações futuras. A pulsão,
entretanto, deve alcançar alguma satisfação direta na vida.

Funções da Religião:
1. satisfazer a sede de conhecimento do homem;
2. garantir conforto na desventura;
3. estabelecer preceitos, proibições e restrições.
A religião estaria entre as medidas adotadas pelo homem para abolir o mal-estar na cultura.

Porém, não é de ilusão que o ser humano deve viver. Ninguém está livre de iludir-se, mas isso é o mesmo que
dizer que é de ilusão que se vive. Ao se contrapor às ilusões, que trazem sempre um conjunto de receitas para a
felicidade, Freud propõe que cada um possa encontrar a felicidade a seu modo. “Não existe uma regra de ouro que se
aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo”.
Os argumentos racionais que Freud propõe não têm o objetivo de domar as pulsões. São apenas para que o
homem possa enfrentar ‘a vida hostil’ entregue a seus próprios recursos. Que decida por si mesmo, sem as muletas e
os narcóticos da religião.
Ao se contrapor às ilusões religiosas, Freud está propondo uma nova concepção ética, baseada no valor que dá
ao desejo e na primazia da sexualidade para a vida humana. A posição de Freud é: se o homem não recusasse seus
desejos e suas pulsões, recalcando-os, poderia inclusive fazer uma escolha.
- Texto com referências tiradas dos livros:
O futuro de uma ilusão. Sigmund Freud.
O mal-estar na cultura. Sigmund Freud. ; e
Freud e a religião. Sérgio Nazar David. Rio de janeiro: Zahar, 2003.

25
8 de Fevereiro de 2010 - 0h15
ESTADO E RELIGIÃO: RELAÇÕES PERIGOSAS
Carlos Pompe *
No último dia 26, uma comissão parlamentar francesa recomendou o banimento da burca e do nicab, duas
vestes muçulmanas que ocultam o rosto ou o corpo das mulheres, nos serviços governamentais franceses
(edifícios e transporte). Caso as mulheres mantenham o rosto coberto, não poderão ser atendidas.
(foto: Francesas mulçumanas trajando nicab)

Mesmo direitista, o presidente Nicolas Sarkozy considerou: "A


burca não é bem-vinda em território francês", pois torna as
muçulmanas "prisioneiras por detrás de uma grade de tecido".
Desde 2004, uma outra lei proíbe o uso nas escolas públicas de
quaisquer símbolos religiosos – burcas, nicabs, solidéus ou
crucifixos.

A comissão parlamentar foi resultado de uma iniciativa do


membro do Partido Comunista e prefeito Andre Gerin, de
Venissieux, um subúrbio de Lyon. Em sua região vivem muitos muçulmanos do Norte da África. No final de
junho, ele deu início a uma moção, assinada por 57 outros legisladores, pedindo a instauração dessa
comissão. Justificou: "É hora de assumir uma posição a respeito dessa questão que envolve milhares de
cidadãos que estão preocupados ao ver mulheres totalmente cobertas com véu, aprisionadas".

Ainda em janeiro deste ano, em terras brasileiras, quando se discutiu o banimento de símbolos religiosos das
repartições públicas, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas
Lara Barbosa, indignou-se: "Daqui a pouco vamos ter que demolir a estátua do Cristo Redentor, no morro do
Corcovado, que ultrapassou a questão religiosa e virou símbolo de uma cidade. Impedir a presença desses
símbolos é uma intolerância muito grande. É desconhecer o espírito cristão e religioso da tradição brasileira.
Direitos humanos é ter liberdade religiosa."

Indignou-se e deixou-nos, a nós que defendemos a separação entre o Estado e as crenças, indignados. Uma
coisa é garantir que as repartições públicas não favoreçam nenhuma seita – católica, islâmica, judaica,
umbandista etc. Outra, que nos leva a desconfiar da boa-fé do dirigente da CNBB, é confundir isso com a
negação dos direitos humanos ou da liberdade religiosa.

Na verdade, o papista obra em causa própria: o que prevalece nas repartições públicas brasileiras é a
simbologia cristã e, ao defender a “liberdade religiosa”, o que ele pretende mesmo é manter crucifixos nas
sedes dos Três Poderes, nos hospitais, escolas públicas, penitenciárias etc. Uma agressão aos que professam
outras (ou nenhuma) crenças e aos que analisam a natureza e a sociedade com os pressupostos materialistas.

Muito se fala dos erros cometidos pelos Estados – mesmo os burgueses (a atual recomendação francesa vem
sendo acusada de agressão ao direito da mulher ser submissa aos preconceitos religiosos e ao domínio de
seus maridos machistas) – no tratamento da questão religiosa. Mas poucos analisam as atrocidades que os
Estados perpetram em nome da religião ou do acobertamento que os poderes públicos dão a criminosos,
quando estes integram alguma instituição religiosa. É de notar-se, por exemplo, como no Brasil os pedófilos
que trajam batina, em vez da punição pelo crime que comentem, no mais das vezes são simplesmente
transferidos pela sua instituição de uma região para outra, escapando dos tribunais.

* Jornalista e curioso do mundo.


http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=2902&id_coluna=2

26
ALGO DE NOVO NA RELIGIÃO?
O novo diretor da Administração Estatal para os Assuntos Religiosos da China, Wang Zuoan, anunciou, dia
14 de janeiro: “O Partido Comunista Chinês (PCC) começou a encarar a religião numa perspectiva mais
positiva”.
Disse que o país aprendeu com os erros da antiga União Soviética e dos países que
formavam o Pacto de Varsóvia. Não disse, ou o Global Times (jornal do grupo
Diário do Povo, órgão oficial do PCC), que divulgou sua entrevista, não informou
quais foram esses erros e nem o que mudou na religião para que seja encarada
mais positivamente.
Segundo Wang Zuoan, “a influência da cultura ocidental na China, incluindo o
cristianismo, aumentou muito” e “é normal que a religião se desenvolva durante o
processo de modernização”. A religião com mais adeptos naquele país é o budismo, seguida do islamismo
(juntas, 60 milhões de seguidores) e do cristianismo (cerca de 20 milhões, dos quais dois terços
protestantes).
As informações que nos chegaram são muito resumidas. O tratamento dado à religião pelos governos que se
propunham a construção do socialismo foi diferenciado e muito variado ao longo dos anos. A política dos
soviéticos para o setor não era a mesma dos albaneses, que não coincidia com a dos cubanos, com a dos
vietnamitas ou com a dos coreanos (a informação do Global Times não faz referências a Cuba, Vietnã ou
Coreia do Norte).
O dirigente chinês considera normal o desenvolvimento da religião “durante o processo de modernização”.
Não é esse o pensamento esposado pelos marxistas. Para Marx, Engels, Lenin e seus seguidores
materialistas dialéticos, a religião é uma forma histórica de consciência social que vai se tornando
desnecessária conforme evoluem os conhecimentos científicos e progride a civilização. Na sociedade
dividida em classes antagônicas, a religião é, no geral, utilizada como instrumento da classe opressora para a
defesa da mansidão das massas diante das injustiças sociais e de remetimento da solução de seus problemas,
sociais ou naturais (como um terremoto), para forças sobre-humanas. A existência de setores progressistas
organizados nas religiões institucionais e a atuação progressista e, mesmo, revolucionária de alguns
religiosos são impotentes para mudar as características essenciais da religião.
Do ponto de vista filosófico (Wang Zuoan é formado em filosofia), continuam válidas estas palavras
leninistas do Materialismo e empiriocriticismo: “Se existe uma verdade objetiva (como pensam os
materialistas), se as ciências da natureza, refletindo o mundo exterior na ‘experiência’ humana, são as únicas
capazes de nos dar a verdade objetiva, qualquer fideísmo é absolutamente refutado. Mas, se não há verdade
objetiva, se a verdade (incluindo a verdade científica) é apenas uma forma organizadora da experiência
humana, reconhece-se deste modo a premissa fundamental do clericalismo, abre-se-lhe a porta, arranja-se
lugar para as ‘formas organizadoras’ da experiência religiosa”.
Os dirigentes chineses encontraram alguma mudança significativa na relação da religião com a política?
Pelas notícias que a nós chegam, o dalai-lama continua, financiado pelo governo estadunidense, querendo
retomar o poder no Tibete e tirar a região da influência chinesa. Líderes religiosos islâmicos incentivam atos
assassinos de seus seguidores mais fanáticos. Sionistas mantêm a crença de ser um povo eleito, autorizado
por Javé a cometer as maiores atrocidades contra palestinos e demais góis. Seguidores do papa Bento XVI
são proibidos de recorrer ao aborto, usar contraceptivos (inclusive os protetores de doenças sexualmente
transmissíveis, como a camisinha), e de realizar pesquisas com células-tronco, dentre outras desumanidades.
Mal Wang Zuoan anunciou sua visão da religião com uma “perspectiva mais positiva”, ocorreram, no dia
16, enfrentamentos entre cristãos e mulçumanos na cidade nigeriana de Khos, resultando na morte de quase
30 pessoas e 300 feridos. Os confrontos seriam o resultado da revolta de cristãos devido à construção de
uma mesquita no bairro de Nassarawa Gwom. Parece que as palavras de Lucrécio, escritas no livro Da
Natureza, ainda antes de Cristo e de Maomé, continuam válidas: “Tão grandes males a religião persuadiu o
homem a cometer”.
Em Vitória da contrarrevolução em Viena, Karl Marx pontuou ser tarefa dos comunistas “extrair as lições
corretas das lutas passadas, expô-las perante o povo, em primeiro lugar perante os operários, e levá-las na
devida consideração nas lutas que estão por vir”. Seguido estas orientações o dirigente chinês talvez nos
elucidasse sobre quais as transformações positivas que as religiões experimentaram recentemente, o que nos
levaria a uma reavaliação da abordagem marxista do tema. Mas creio que isso ele não fará. Nem com reza
brava. http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=2861&id_coluna=2
27
Manifesto de Cristãos e cristãs evangélicos/as e católicos/as em favor da vida e da Vida em
Abundância! (antes eleição Dilma)
Somos homens e mulheres, ministros, ministras, agentes de pastoral, teólogos/as, padres, pastores e pastoras,
intelectuais e militantes sociais, membros de diferentes Igrejas cristãs, movidos/as pela fidelidade à verdade,
vimos a público declarar:
1. Nestes dias, circulam pela internet, pela imprensa e dentro de algumas de nossas igrejas, manifestações de
líderes cristãos que, em nome da fé, pedem ao povo que não vote em Dilma Rousseff sob o pretexto de que
ela seria favorável ao aborto, ao casamento gay e a outras medidas tidas como “contrárias à moral”.
A própria candidata negou a veracidade destas afirmações e, ao contrário, se reuniu com lideranças das
Igrejas em um diálogo positivo e aberto. Apesar disso, estes boatos e mentiras continuam sendo espalhados.
Diante destas posturas autoritárias e mentirosas, disfarçadas sob o uso da boa moral e da fé, nos sentimos
obrigados a atualizar a palavra de Jesus, afirmando, agora, diante de todo o Brasil: “se nos calarmos, até as
pedras gritarão!” (Lc 19, 40).
2. Não aceitamos que se use da fé para condenar alguma candidatura. Por isso, fazemos esta declaração
como cristãos, ligando nossa fé à vida concreta, a partir de uma análise social e política da realidade e não
apenas por motivos religiosos ou doutrinais. Em nome do nosso compromisso com o povo brasileiro,
declaramos publicamente o nosso voto em Dilma Rousseff e as razões que nos levam a tomar esta atitude:
3. Consideramos que, para o projeto de um Brasil justo e igualitário, a eleição de Dilma para presidente da
República representará um passo maior do que a eventualidade de uma vitória do Serra, que, segundo nossa
análise, nos levaria a recuar em várias conquistas populares e efetivos ganhos sócio-culturais e econômicos
que se destacam na melhoria de vida da população brasileira.
4. Consideramos que o direito à Vida seja a mais profunda e bela das manifestações das pessoas que
acreditam em Deus, pois somos à sua Imagem e Semelhança. Portanto, defender a vida é oferecer condições
de saúde, educação, moradia, terra, trabalho, lazer, cultura e dignidade para todas as pessoas,
particularmente as que mais precisam. Por isso, um governo justo oferece sua opção preferencial às pessoas
empobrecidas, injustiçadas, perseguidas e caluniadas, conforme a proclamação de Jesus na montanha (Cf.
Mt 5, 1- 12).
5. Acreditamos que o projeto divino para este mundo foi anunciado através das palavras e ações de Jesus
Cristo. Este projeto não se esgota em nenhum regime de governo e não se reduz apenas a uma melhor
organização social e política da sociedade. Entretanto, quando oramos “venha o teu reino”, cremos que ele
virá, não apenas de forma espiritualista e restrito aos corações, mas, principalmente na transformação das
estruturas sociais e políticas deste mundo.
6. Sabemos que as grandes transformações da sociedade se darão principalmente através das conquistas
sociais, políticas e ecológicas, feitas pelo povo organizado e não apenas pelo beneplácito de um governante
mais aberto/a ou mais sensível ao povo. Temos críticas a alguns aspectos e algumas políticas do governo
atual que Dilma promete continuar. Motivo do voto alternativo de muitos companheiros e companheiras
Entretanto, por experiência, constatamos: não é a mesma coisa ter no governo uma pessoa que respeite os
movimentos populares e dialogue com os segmentos mais pobres da sociedade, ou ter alguém que, diante de
uma manifestação popular, mande a polícia reprimir. Neste sentido, tanto no governo federal, como nos
estados, as gestões tucanas têm se caracterizado sempre pela arrogância do seu apego às políticas neoliberais
e pela insensibilidade para com as grandes questões sociais do povo mais empobrecido.
7. Sabemos de pessoas que se dizem religiosas, e que cometem atrocidades contra crianças, por isso, ter um
candidato religioso não é necessariamente parâmetro para se ter um governante justo, por isso, não nos
interessa se tal candidato/a é religioso ou não. Como Jesus, cremos que o importante não é tanto dizer
“Senhor, Senhor”, mas realizar a vontade de Deus, ou seja, o projeto divino. Esperamos que Dilma continue
a feliz política externa do presidente Lula, principalmente no projeto da nossa fundamental integração com
os países irmãos da América Latina e na solidariedade aos países africanos, com os quais o Brasil tem uma
grande dívida moral e uma longa história em comum. A integração com os movimentos populares
emergentes em vários países do continente nos levará a caminharmos para novos e decisivos passos de
justiça, igualdade social e cuidado com a natureza, em todas as suas dimensões. Entendemos que um país
com sustentabilidade e desenvolvimento humano – como Marina Silva defende – só pode ser construído
resgatando já a enorme dívida social com o seu povo mais empobrecido. No momento atual, Dilma Rousseff
representa este projeto que, mesmo com obstáculos, foi iniciado nos oito anos de mandato do presidente
Lula. É isto que está em jogo neste segundo turno das eleições de 2010. SIGNATÁRIOS (169 assinaturas)
28
Com esta esperança e a decisão de lutarmos por Irmã Pompeia Bernasconi, cônegas de Santo
isso, nos subscrevemos: Agostinho
Dom Thomas Balduino, bispo emérito de Goiás Cibele Maria Lima Rodrigues, Pesquisadora
velho, e presidente honorário da CPT nacional Pe. John Caruana, Rondônia
Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia Pe. Julio Gotardo, São Paulo
de São Feliz do Araguaia-MT Toninho Kalunga, São Paulo
Dom Demetrio Valentini, bispo de Jales-SP e Washingtonn Luiz Viana da Cruz, Campo Largo,
presidente da Cáritas nacional PR e membro do EPJ (Evangélicos Pela Justiça)
Dom Luiz Eccel – Bispo de Caçador-SC Ricardo Matense, Igreja Assembléia de Deus,
Dom Antonio Possamai, bispo emérito da Mata de São João/Bahia
Rondônia Silvania Costa
Dom Sebastião Lima Duarte, bispo de Viana- Mercedez Lopes,
Maranhão André Marmilicz
Dom Xavier Gilles, bispo emérito de Vina- Raimundo Cesar Barreto Jr, Pastor Batista, Doutor
Maranhão em ética social
Padre Paulo Gabriel, agente de pastoral da Pe. Arnildo Fritzen, Carazinho. RS
Prelazia de São Feliz do Araguaia /MT Darciolei Volpato, RS
Jether Ramalho, Rio de Janeiro Frei Ildo Perondi – Londrina PR
Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo Ir. Inês Weber, irmãs de Notre Dame.
Professor Candido Mendes, cientista político e Pe. Domingos Luiz Costa Curta, Coord. Dioc de
reitor Pastoral da Diocese de Chapecó/SC
Luiz Alberto Gómez de Souza, cientista político, Pe. Luis Sartorel,
professor Itacir Gasparin
Zé Vicente, cantador popular, Ceará Célio Piovesan, Canoas.RS
Chico César, Cantador popular, Paraíba/São Paulo Toninho Evangelista – Hortolândia/SP
Revdo Roberto Zwetch, igreja IELCB e professor Geter Borges de Sousa, Evangélicos Pela Justiça
de teologia em São Leopoldo (EPJ), Brasília
Pastora Nancy Cardoso, metodista, Vassouras / RJ Caio César Sousa Marçal – Missionário da Igreja
Antonio Marcos Santos, Igreja Evangélica de Cristo – Frecheirinha/CE
Assembléia de Deus – Juazeiro – Bahia Rodinei Balbinot, Rede Santa Paulina
Maria Victoria Benevides, professora, da USP Pe. Cleto João Stulp, diocese de Chapecó
Monge Joshin, Comunidade Zen Budista do Odja Barros Santos – Pastora batista
Brasil, São Paulo Ricardo Aléssio, cristão de tradição presbiteriana,
Antonio Cecchin, irmão marista, Porto Alegre professor universitário
Ivone Gebara, religiosa católica, teóloga e Maria Luíza Aléssio, professora universitária, ex-
assessora de movimentos populares. secretária de educação do Recife
Fr. Luiz Carlos Susin – Secretário Geral do Fórum Rosa Maria Gomes
Mundial de Teologia e Libertação Roberto Cartaxo Machado Rios
Frei Betto, escritor, dominicano Rute Maria Monteiro Machado Rios
Luiza E. Tomita – Sec. Executiva Antonio Souto, Caucaia, CE
EATWOT(Ecumenical Association of Third Olidio Mangolim – PR
World Theologians) Joselita Alves Sampaio – PR
Ir. Irio Luiz Conti, MSF. Presidente da Fian Kleber Jorge e silva, teologia – Passo Fundo – RS
Internacional Terezinha Albuquerque
Pe. João Pedro Baresi, pres. da Comissão Justiça e PR. Marco Aurélio Alves Vicente – EPJ –
Paz da CRB (Conferência dos religiosos do Evangélicos pela Justiça, pastor-auxiliar da Igreja
Brasil) SP Catedral da Família/Goiânia-GO
Frei José Fernandes Alves, OP. – Coord. da Padre Ferraro, Campinas.
Comissão Dominicana de Justiça e Paz Ir, Carmem Vedovatto
Pe. Oscar Beozzo, diocese de Lins Ir. Letícia Pontini, discípulas, Manaus
Pe. Inácio Neutzling – jesuíta, diretor do Instituto Padre Manoel, PR
Humanitas Unisinos Magali Nascimento Cunha, metodista
Pe. Ivo Pedro Oro, diocese de Chapecó/SC Stela Maris da Silva
Pe. Igor Damo, diocese de Chapecó-SC Ir. Neusa Luiz, abelardo luz- SC
29
Lucia Ribeiro, socióloga Pe. Maro Passerini – coordenador Past. Carcerária
Marcelo Timotheo da Costa, historiador – CE
Maria Helena Silva Timotheo da Costa Dora Seibel – Pedagoga, Caxias do Sul
Ianete Sampaio Mosara Barbosa de Melo
Ney Paiva Chavez, professora educação visual, Maria de Fátima Pimentel Lins
Rio de janeiro Prof. Renato Thiel, UCB-DF
Antonio Carlos Fester Alexandre Brasil Fonseca , Sociólogo, prof. da
Ana Lucia Alves, Brasília UFRJ, Ig. Presbiteriana e coordenador da Rede
Ivo Forotti, Cebs – Canoas – RS FALE)
Agnaldo da Silva Vieira – Pastor Batista. Igreja Daniela Sanches Frozi, (Nutricionista, profa. da
Batista da Esperança – Rio de Janeiro UERJ, Ig. Presbiteriana, conselheira do CONSEA
Irmã Claudia Paixão, Rio de Janeiro Nacional e vice-presidente da ABUB)
Marlene Ossami de Moura, antropóloga / Goiânia Marcelo Ayres Camurça – Professor do Programa
Ir. Maria Celina Correia Leite, Recife de Pós-Graduação em Ciência da Religião –
Pedro Henriques de Moraes Melo – UFC/ACEG Universidade Federal de Juiz de Fora
Fernanda Seibel, Caxias do Sul. Revd. Cônego Francisco de Assis da
Benedito Cunha, pesquisador popular, membro do Silva,Secretário Geral da IEAB e membro da
Centro Mandacaru – Fortaleza Coordenação do Fórum Ecumênico Brasil
Pe. Lino Allegri – Pastoral do Povo da Rua de Irene Maria G.F. da Silva Telles
Fortaleza, CE Manfredo Araújo de Oliveira
Juciano de Sousa Lacerda, Prof. Doutor de Agnaldo da Silva Vieira – Pedagogo e Pastor
Comunicação Social da UFRN Auxiliar da Igreja Batista da Esperança-Centro do
Pasqualino Toscan – Guaraciaba SC Rio de Janeiro
Francisco das Chagas de Morais, Natal – RN Pr. Marcos Dornel – Pastor Evangélico – Igreja
Elida Araújo Batista Nova Curuçá – SP
Maria do Socorro Furtado Veloso – Natal, RN Adriano Carvalho.
Maria Letícia Ligneul Cotrim, educadora Pe. Sérgio Campos, Fundação Redentorista de
Maria das Graças Pinto Coelho/ professora Comunicações Sociais – Paranaguá/PR
universitária/UFRN Eduardo Dutra Machado, pastor presbiteriano
Ismael de Souza Maciel membro do CEBI – Maria Gabriela Curubeto Godoy – médica
Centro de Estudos Bíbicos Recife psiquiatra – RS
Xavier Uytdenbroek, prof. aposentado da UFPE e Genoveva Prima de Freitas- Professora – Goiânia
membro da coordenação pastoral da UNICAP M. Candida R. Diaz Bordenave
Maria Mércia do Egito Souza agente da Pastoral Ismael de Souza Maciel membro do CEBI –
da Saúde Arquidiocese de Olinda e Recife Centro de Estudos Bíbicos Recife
Leonardo Fernando de Barros Autran Gonçalves Xavier Uytdenbroek prof. aposentado da UFPE e
Advogado e Analista do INSS membro da coordenação pastoral da UNICAP
Karla Juliana Souza Uytdenbroek Bacharel em Maria Mércia do Egito Souza agente da Pastoral
Direito da Saúde Arquidiocese de Olinda e Recife
Targelia de Souza Albuquerque Leonardo Fernando de Barros Autran Gonçalves
Maria Lúcia F de Barbosa, Professora UFPE Advogado e Analista do INSS
Débora Costa-Maciel, Profª. UPE Karla Juliana Souza Uytdenbroek Bacharel em
Maria Theresia Seewer Direito
Ida Vicenzia Dias Maciel Targelia de Souza Albuquerque
Marcelo Tibaes Maria Lúcia F de Barbosa (Professora – UFPE)
Sergio Bernardoni, diretor da CARAVIDEO- Paulo Teixeira, parlamentar, São Paulo
Goiânia – Goiás Alessandro Molon, parlamentar, Rio de Janeiro
Claudio de Oliveira Ribeiro. Sou pastor da Igreja Adjair Alves (Professor – UPE)
Metodista em Santo André, SP Luziano Pereira Mendes de Lima – UNEAL
Pe. Paulo Sérgio Vaillant – Presbítero da Cláudia Maria Afonso de Castro-psicóloga-
Arquidiocese de Vitória – ES trabalhadora da Saúde-SMS Suzano-SP
Roberto Fernandes de Souza. RG 08539697-6 IFP Fátima Tavares, Coordenadora do Programa de
RJ - Secretario do CEBI RJ Pos-Graduação em Antropologia FFCH/UFBA
Sílvia Pompéia.
30
RAÍZES e INFLUÊNICAS RELIGIOSAS
Edward Pimenta Jr. - Super Interessante n. 181-out 2002, p. 22-23.

Candomblé Umbanda
Origem africana no Início do séc. XX, é
Brasil (1700). O Orixá sincrético (Candomblé,
incorpora no pai ou mãe catolicismo, espiritismo
de santo. Cada entidade e ameríndios).
com suas Hare Krishna
cantigas/danças Desdobramento do hinduísmo
(1966). Baseado na devoção a
Pentecostais Vishnu e Krishna. Com
Surgem nos EUA, séc. XX. Poder mantras fim da ansiedade e
de cura do Espírito Santo (Cristã do desenv. cs e do amor a Deus.
Brasil, Assembléia de Deus,
Evangelhos Quadrangular, O Brasil
para Cristo, Deus é Amor...).
Presbiteriana
Surgiu na Europa (1546), Seicho-No-Ie
inspiração calvinista. Criada em 1930,
Influenciou na formação dos promove curas e graças.
EUA. Bom e ruim depende da
Protestantismo atitude mental
Rompe com a hierarquia de
Roma (1517). Luteranos,
Igreja Ortodoxa
calvinistas e anglicanos:
Rompe com cristãos
salvação pela graça de Deus, Rosa Cruz
de Roma (1054), fiel
mediante a fé. Fraternidade
à mensagem
Espiritismo mística, mais
primitiva. Valoriza a
Reencarnação e divulgada a partir
liturgia e preceitos
evolução espiritual. de 1909
morais
Catolicismo Allan Kardec 1857.
Sincretismos Afros Do núcleo fundado
As tribos africanas no Brasil por Pedro, posterior/e
se separaram e tradições dividido em
Cristianismo Budismo Neopanteístas
religiosas se misturaram. arquidioceses, Resgatam símbolos e
Crêem na existência dioceses, províncias Siddartha Gautama
Xangô, Tambor de Mina. de um Deus criador e (600 a.C.). Vidas mitos de diversas
eclesiásticas (150)
no caráter divino da passadas e presentes religiões (monista).
revelação de Jesus. interligadas Mais comum a partir
(54) do séc. XVIII

Islamismo
Maomé o último dos
Judaísmo profetas. (622). O Shintoísmo
Povo escolhido por Alcorão versa sobre Antepassados
Deus. A Torá e o Monoteísmos
vida familiar, política como deuses
Talmude são livros Último milênio a.C. Hinduísmo
e jurídica. tutelares. 700 a.C.
com livros sagrados, Baseado no livro
sagrados. Influências:
códigos de leis e do Vedas, abrange
Judaica/Cristã.
verdades absolutas. variações
monoteístas e
Religião Egípcia politeístas.
Deuses com
Religião Grega
atributos humanos
Deuses com
atributos Religiões Orientais
Revelação dos seres
humanos Religiões Panteístas iluminados, reencarnação
Mais antigas do mundo e a primeira e evolução por esforço ∆.
etapa da evolução do pensamento
Politeísmos religioso (antes de 4000 a.C.). Sem base
Deuses criadores e escrita. Deus está no sol, lua, vento,
destruidores. forças da natureza. Animismo,
xamanismo e totemismo: rituais ao ar
livre e culto aos antepassados.
31
A DOIS CLIQUES DE DEUS
Sites religiosos cedem espaço a páginas pessoais recheadas de recursos inovadores,
como jogos de perguntas e respostas, templos virtuais, confessionário on-line e pedidos de orações.
Revi. Das Religiões ed.15, nov.2004, p.42-47. Ed. Abril

Tanto a fé quanto a rede mundial de computadores podem ser definidas como meios de acessar
aquilo que se encontra além do mundo concreto. Mas o campo de interseção entre ambas extrapola os
estreitos limites dessa metáfora. Basta uma rápida pesquisa para constatar que religiões de toda espécie,
desde as menos influentes até as majoritárias, já assentaram praça na web. Oração da filosofia japonesa
Seicho-no-Ie para perdoar o próximo? Aconselhamentos com um pastor via e-mail? Download da Bíblia?
Jogos com temas cristãos? Lista de discussão sobre Espiritismo? Pense em qualquer um desses assuntos e
tenha a certeza de que o mesmo se encontra logo ali bem ao alcance do teclado do seu computador. Com
cerca de 600 milhões de máquinas interligadas no espaço virtual, as opções proliferaram. Só o buscador
Yahoo! registra mais de 10 mil sites brasileiros na categoria espiritualidade e religião. No Orkut, existem
mais de 5 mil grupos sobre o tema.

FÉ INTERATIVA
Houve época em que algumas correntes entre os evangélicos, hoje exímios na propagação de suas
mensagens pela mídia, condenavam a televisão. Para elas, o aparelho transmitia a “imagem da besta”. Sinal
dos tempos: um dos sites religiosos pioneiros no Brasil, em 1996, pertencia a uma doutrina evangélica, a
Igreja Presbiteriana.
De lá pra cá, uma grande mudança no perfil dos sites ocorreu silenciosamente. No princípio, os
endereços acolhiam representações autorizadas de fés específicas. Exemplos atuais desse tipo são os sites
www.cnbb.org.br, da Igreja Católica, e o www.mormon.org.br, da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias. Com o tempo, a relativa popularização dos computadores domésticos e dos programas para
construir sites fez com que uma avalanche de endereços pessoais suplantasse em muito os sites oficiais. Ou
seja, nem toda página autodenominada católica possui a aprovação do Vaticano – embora seu criador
professe o Catolicismo. O mesmo vale para as demais crenças. “A Igreja do Evangelho Quadrangular, da
qual faço parte, não nos tem notado no últimos sete anos e o mesmo vale para muitos de nossos líderes”,
queixa-se Edson de Almeida e Franzen, “webministro” da Igreja Virtual Evangélica
(www.nbz.com.br/igrejavirtual/index/htm, com média de 500 acessos diários).
Atualmente, a oposição das igrejas contemporâneas à Internet é ínfima. Atrativos não faltam. A Web
propicia pregações sob o formato de texto, áudio e imagem. Alcança um grau de interatividade bas-tante
acima dos meios de comunicação de massa que a precederam. O site do Ministério Cristo Vai Voltar
(www.cvvnet.org/cgi-bin/cvvnet, 6 mil visitas por dia em média), por exemplo, oferece versões em inglês e
espanhol de textos sagrados, Bíblia para download, serviços para celular, áudio com o sermão do dia, cartões
virtuais com música, canções gospel, jogos e 653 temas de estudos bíblicos. “Foi o modo que en-contrei de
utilizar meus talentos na área da computação para a glória de Deus”, diz Cleandro Valença Viana, membro
da Igreja Adventista do Sétimo Dia e criador do site. Em outras páginas, a tecnologia tem dado margem a
experiências ainda mais inovadoras, como as descritas nos boxes desta matéria–nenhuma delas reconhecida
oficialmente. Confessionário on-line, templo com personagens animados e velas vir-tualmente acesas
buscam simular,à la Matrix,as relações mantidas em ambientes sacrossantos de verdade.
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SEM FRONTEIRAS
Romper barreiras geográficas com a Internet representa uma dádiva para os adeptos cibernéticos.
“Ajudei a coordenar encontros nacionais na época em que telefone e correio eram as únicas formas de
contatar as pessoas”, diz Celso Rodrigues, do Universo Espírita (www.universoespirita.org.br, com média
de 4 mil visitas diárias). “Hoje fazemos reuniões on-line com gente de todo o Brasil. É muito mais fácil.” O
portal da Igreja Evangélica de Confissão Luterana (www.ieclb.org.br), por sua vez, centraliza dados sobre
trabalhos desenvolvidos em 18 sínodos – conjunto de comunidades e paróquias de uma região – para que
sejam lidos em todo o País. “O portal fornece uma amostra das demandas e reforça a união dos grupos de
Norte a Sul”, afirma a assessora Caroline Helena Strussmann.
Giridhari Das, editor do Guia de Hare Krishna na Internet (www.sobresites.com/harekrishna),
acredita que a rede mundial de computadores modifica a crença dos internautas. “Temos arquivados mais de
20 mil e-mails recebidos do início de 2000 até hoje, todos com perguntas profundas e sérias. É um poderoso
recurso para tirar as pessoas daquele tipo de religiosidade herdada, desinteressada.”
A troca de e-mails, as salas de bate-papo, os fóruns de debate, as listas de discussão e o recente
fenômeno Orkut constituem terreno fértil para o louvor. Mas é preciso controlar a empolgação. O alcance da
mídia virtual esbarra na forte desigualdade social brasileira. Segundo pesquisa do Ibope eRatings, que
mensalmente colhe dados da rede, menos de 10% da população brasileira tem acesso à Internet. O preço
elevado de um computador e o alto custo das ligações telefônicas fazem com que as igrejas, templos e afins
continuem sendo os caminhos mais fáceis de acesso à fé. Convém ressaltar ainda que nem toda iniciativa na
Internet é digna de veneração. “Algumas pessoas sabem usá-la de forma extremamente positiva. Mas
existem grupos que aproveitam os fóruns e listas de discussão para promover a intolerância e atacar outras
religiões”, afirma o budista Elton Melo, coordenador do Dharmanet (www.dharmanet.com.br, média de
1.500 visitas por dia).

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JOIO E TRIGO
A proliferação de sites mal-intencionados despertou a atenção de diversas entidades. Em 2002, o
Vaticano publicou um decreto manifestando preocupação com as páginas que instigam o ódio religioso e
étnico. Alguns deles estariam, segundo o documento, orientados contra a Igreja Católica. O sociólogo da
religião Antônio Flávio Pierucci, da USP, discorda. “As religiões transformaram a Internet num jogo de
cartas marcadas. Não existem sites contrários a nenhuma fé específica”, diz ele. “Para quem navega pela
rede, parece até que as Igrejas monitoram o mundo virtual e tiram do ar todos os opositores.”
Embora estimule a colonização da Web como mecanismo de evangelização e catequização, o
Vaticano faz ressalvas às leituras doutrinais excêntricas e práticas devocionais peculiares. As comunidades
de internautas inscritas no Orkut servem de exemplo. São 5.565 na categoria “religiões e crenças”. Um
grande número de internautas interessados em debater a sério o assunto? Não exatamente. Grupos virtuais
dedicados ao Espiritismo (6.560 membros), ao Budismo (1.960 membros) e à Juventude Cristã (1.294
membros) convivem com bobagens como “Era Jesus um X-Men?” (1.610 membros) e “Hakuna Matata”
(1.317 membros).
Aos sites inoportunos soma-se outra polêmica recorrente. Diz respeito à possibilidade de o
computador vir um dia a substituir os encontros coletivos. Sem essa intenção, a grande maioria das páginas
virtuais indica endereços físicos onde o interessado pode abraçar sua doutrina. “Temos elementos em
comum com outros sites cristãos, mas a ênfase está na divulgação da igreja local”, diz William Max da
Silva, administrador do site da Arquidiocese de Belo Horizonte (www.arquidiocese-bh.org.br, média de
1.340 acessos ao dia). Além disso, os sites ajudam quem não dispõe de um terreiro, Igreja ou templo ao seu
alcance e quer entrar em contato com alguma religião. “Várias pessoas me escrevem de lugares onde não
existem grupos Hare Krishna”, afirma o budista Elton.
Para o ministro da Igreja Presbiteriana e doutor em Ciências da Religião pela Universidade
Mackenzie, Carlos Caldas Filho, dificilmente o PC irá roubar os fiéis dos locais de culto. “Talvez em casos
extremos de misantropia ou timidez isso possa ocorrer. Mas, em condições normais, o espaço virtual não
consegue suprir o calor humano do contato pessoal.” O ex-padre Fernando Altemeyer Júnior, teólogo da
PUC de São Paulo, faz coro. “O presencial é condição sine qua non para a prática espiritual e, no caso
cristão, eucarística”, diz ele. “Sem o ‘ao vivo’ não existe religião vivida e celebrada.”

Por Gabriel Falcão


Revi. Das Religiões ed.15, nov.2004, p.42-47. Ed. Abril

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Revi. Das Religiões ed.15, nov.2004, p.42-47. Ed. Abril

TEMPLO ANIMADO NO COMPUTADOR


Você entra e olha ao redor. O lugar está repleto de fiéis. Eles se cumprimentam como velhos
conhecidos e conversam baixinho entre si. O inglês monopoliza os diálogos. Então, duas opções se
apresentam: permanecer isolado ou se enturmar. Você escolhe a segunda e é recebido com amabilidade por
um pequeno grupo. Pede licença e senta-se em um dos bancos. O sermão vai começar. Detalhe importante:
seu corpo físico não se encontra realmente lá. Suas mãos no teclado do computador limitam-se a controlar
um boneco animado em 3 dimensões.
Assim funcionou o primeiro templo cristão on-line, batizado de Church of Fools (ao pé da letra,
“igreja dos tolos”). No ar desde maio, o site inglês de inspiração metodista recebe gente dos mais diversos
credos. “Mais britânico, impossível. É um clara tentativa de reverter o esvaziamento e a descristianização
tão presentes na sociedade inglesa”, opina o teólogo e cientista da religião Carlos Caldas Filho, da
Universidade Mackenzie. Conectar-se ao www.shipoffools.com/church depois de atingida a lotação máxima
significa circular invisível, sem direito a um personagem. Entre as opções de figuras, há jovens, velhos,
homens, mulheres, negros e até um sujeito de suéter verde, bigode e óculos que lembra Ned Flamders – o
vizinho evangélico de desenho Os Simpsons. Os fiéis virtuais conseguem fazer o sinal-da-cruz, ajoelhar-se
em posição de prece, abençoar o próximo, erguer os braços e gritar “Aleluia!”. Quando o pastor inicia o
sermão, suas frases flutuam na tela, de baixo para cima. A certa altura, ele pergunta onde cada um vive. Os
participantes dizem, ou melhor, digitam: Berlim, Barcelona, Sydney, Nova York, Berkeley, Portland,
Estocolmo, São Paulo... É a deixa para o sacerdote pregar que a fé, com uma forcinha da Internet, transpõe
fronteiras. “Pode ser simpático e divertido, mas do ponto de vista teológico não dá para aceitar”, diz o
teólogo Fernando Altemeyer Júnior. “É um game, não um sacramento.”

VELAS VIRTUAIS
Já é possível acender uma vela ou fazer um pedido de oração na igreja sem precisar ir até ela. Os dois
recursos estão no site CatolicaNet, criado pro Silvia Bruno Securato, de 51 anos, que atualmente cursa
doutorado em Ciências da Religião na PUC de São Paulo. Na página Velas Virtuais
(www.catolicanet.com.br/interatividade/velas/index.asp), o visitante só precisa escolher o tamanho e o
formato da vela e enviar um e-mail com a intenção. Para fazer uma solicitação de reza basta entrar no link
Pedido de Orações (www.catolicanet.com.br/interatividade/oracao/index.asp) e enviar pelo correio
eletrônico.
Para que os pedidos não caiam no limbo da grande rede, Silvia se compromete a dar um destino a
cada um deles. “Tenho o hábito de copiar os pedidos e enviar via fax para a Fraternidade dos Discípulos de
Jesus e as Irmãs Carmelitas, nossos intercessores”, diz ela, que fundou o site em março de 2000. “Depois,
coloco-os nas intenções da missa e acendo velas de verdade na igreja.” No último dia 3 de setembro havia
392 velas virtuais acesas e 446 orações solicitadas. A partir das dúvidas e dos pedidos mais freqüentes que
aparecem no site, Silvia escreveu os livros da coleção Para Encontrar a Paz, já no quinto volume.

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SHOW DO MILHÃO BÍBLICO
Moisés tinha o poder de transformar a água do Rio Nilo em pedras, sangue, vinho, poeira ou lama?
Quem virou uma estátua de sal? A mulher de Jó? A mulher de Ló? A filha de Ló? Ou a mulher de Jacó? A
primeira pergunta faz parte do Jogo do Cristão, disponível em www.catolicanet.com.br/interatividade/jogo.
A questão sobre a metamorfose de uma mulher em cloreto de sódio vem de Quem quer um Ser um
milionário no Céu? – www.cvvnet.org/cgibin/cvvnet?Portuguese+GAMES+MIH – também conhecido
como Show do Milhão Bíblico. O CatolicaNet, que contém o primeiro jogo, professa o Catolicismo,
enquanto o site Cristo Vai Voltar é evangélico. Ambos utilizam perguntas e respostas para levar os
internautas a se interessar pela Bíblia. Não estão sós. O buscador Google responde com 20.500 ocorrências à
expressão “jogos bíblicos”. O jogo evangélico Quem quer um Ser um milionário no Céu? tem, no mesmo
site, variações intituladas Quadrinhos Bíblicos e Maratona Bíblica. No católico Jogo do Cristão, os fiéis
dispõem de 20 segundos para cada questão. O primeiro colocado no ranking geral acertou 1.060. O jogo é
muito bom e indica a preocupação em apresentar uma face moderna e em sintonia com o nosso tempo, opina
o cientista da religião Carlos Caldas Filho. Em tempo: sangue e a mulher de Ló são as respostas corretas.

UM SITE PARA CONFISSÕES


A iniciativa partiu da Premier Christian Radio, emissora de Londres cuja audiência gira em torno de
20 mil ouvintes. O cibernauta digita o endereço www.theconfessor.co.uk e vê surgir diante de si aquilo que
Peter Kerridge, diretor da rádio, define como um “confessionário on-line”. Trata-se de uma janela na qual se
contempla o desenho menos imaginativo possível para uma proposta dessa natureza: nuvens brancas num
céu azul. Em seguida, o usuário passeia por 12 telas que contêm citações da Bíblia. A combinação dos textos
varia a cada acesso, mas todos abordam o ato de declarar seus pecados ao Senhor. Ao chegar à sétima tela,
digitam-se as próprias faltas ou utiliza-se a confissão-padrão – o Salmo 51, que clama: “Cria em mim, ó
Deus, coração puro, e renova dentro em mim um espírito inabalável”.
Após fazer a confissão, o fiel internauta só não pode esperar a reposta de um sacerdote. Na verdade,
não há ninguém do outro lado. É inútil esperar por penitência ou absolvições via e-mail. Segundo Kerridge,
o simulacro de confessor não envia nem armazena informações. A expiação dos pecados simplesmente se
desmancha no espaço virtual. Para a psicóloga Dagmar Silva Pinto de Castro, da Universidade Metodista de
São Paulo, tal brincadeira pode até ajudar as pessoas. “O ato de expor seus problemas quase sempre exerce
uma função terapêutica”, diz ela. “Mas se a confissão on-line atende ou não às necessidades espirituais de
alguém é outra questão”.
Revista das Religiões ed.15, nov.2004, p.42-47. Ed. Abril

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FÉ CEGA, FACA AMOLADA
Ódio gera ódio e escolhe seus alvos a esmo.
Contra o radicalismo dos crimes cometidos em nome da religião,
a única arma deve ser um exercício radical de tolerância.
Por André Santoro. Revistas das Religiões, ed. 15, nov.2004, p.30-35.

INTOLERÂNCIA EM NOME DA PAZ


Na manhã do dia 20 de março de 1995, membros de uma seita japonesa espalharam o venenoso gás sarin dentro de vagões
superlotados do metrô de Tóquio. O ataque matou 12 pessoas, intoxicou milhares de passageiros e foi atribuído ao movimento de
cunho terrorista Aun Shinrikyo (A Verdade Suprema). O líder da seita, Shoko Asahara, apresentava-se como um messias e
prometia uma batalha do fim dos tempos que lhe proporcionaria o domínio do Japão e do mundo.
Além da matança indiscriminada, o que mais assustou foi o fato de a seita basear-se em princípios de várias doutrinas que
pregam a paz e a tolerância, como o Budismo japonês, o Budismo tibetano e o Hinduísmo. “O fato de o Japão ter dado as costas à
sua espiritualidade tradicional e ter adotado uma mentalidade francamente materialista, para não dizer hostil à religião, ajudou a
tornar a juventude japonesa extremamente vulnerável a esse tipo de movimento”, afirma o reverendo Ricardo Mário Gonçalves,
do Instituto Budista de Estudos Missionários, em São Paulo.
Na linha budista japonesa, os movimentos de retorno aos fundamentos da doutrina surgiram no século 19 – assim como
no Protestantismo norte-americano – como reação ao processo de modernização pelo qual passava a sociedade japonesa. “Existe
fundamentalismo no Budismo, como em todas as grandes religiões”, afirma o reverendo Ricardo. E suas principais características,
de acordo com ele, são a simplificação extrema da doutrina para a solução de problemas materiais imediatos, o uso de técnicas
agressivas de propaganda para massificar a religião e a adoção de posições políticas conservadoras, desencorajando atitudes
críticas frente aos problemas sociais.

ORIGENS DO TERROR ISLÂMICO


Desde os atentados de 11 de setembro de 2001, os muçulmanos passaram a ser vistos com desconfiança pelo mundo ocidental. O
simples fato de ostentar um nome árabe tirou o sossego de muitos viajantes que desejavam entrar em países cristãos,
especialmente nos Estado Unidos. Muito já se falou sobre as passagens belicosas do Corão. “Matai os idólatras, onde quer que os
acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os”, diz um trecho do livro sagrado do Islamismo. Por outro lado, várias passagens
pregam a alternativa da paz e do diálogo. Matar um inocente, com base nessa visão, seria o equivalente a matar a humanidade.
Mas, afinal, o Islã pode ser usado como justificativa para atos de terror? O historiador Bernard Lewis oferece uma possível
resposta a esta questão. A violência promovida atualmente por alguns grupos islâmicos, de acordo com o pesquisador, seria a
reedição de atos sangrentos praticados por uma seita de radicais surgida no Irã no século 10. A luta dos “Assassinos”, como eram
chamados, tinha como objetivo final a restauração da unidade do Islã, que havia sido abalada pela morte do profeta Muhammad.
Como muitos terroristas de hoje, eles também eram treinados para matar e morrer, na esperança de alcançar o Paraíso e todas as
suas benesses.
Apesar do valor histórico de sua pesquisa, o próprio Bernard Lewis faz uma advertência: os Assassinos tinham
características fundamentalistas e foram, talvez, o primeiro grande movimento de intolerância dentro do Islã. “Mas eles não
inventaram o assassinato, apenas emprestaram dele o nome. O homicídio, tal como é, é tão antigo quanto a raça humana”, afirma
o escritor em seu livro Os Assassinos: Os Primórdios do Terrorismo no Islã.

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Fanático, de acordo com o dicionário Aurélio, é aquele que: “1) se considera inspirado por uma divindade, pelo espírito
divino; iluminado; 2) tem zelo religioso cego, excessivo; intolerante; 3) adere cegamente a uma doutrina, a um partido; é
partidários exaltado; faccioso; 4) tem dedicação, admiração ou amor exaltado a alguém ou algo; entusiasmo, apaixonado”. No
português, a palavra geralmente é usada em tom negativo. Mas a raiz latina do vocábulo esconde um sentido mais amplo, que vem
do latim fanaticus, uma variação de fanum, que significa templo ou lugar consagrado. “O fanaticus era aquele que freqüentava o
fanum”, diz José Rodrigues Seabra Filho, especialista em Letras Clássicas da Universidade de São Paulo.
A etimologia joga um facho de luz sobre a palavra que é pronunciada à exaustão em nossos dias. Fanático não é só o
homem-bomba que, por algum motivo obscuro, abre mão da própria vida par ceifar outras tantas. Nem apenas o terrorista que, na
esperança de alcançar o Paraíso, joga um avião contra um prédio. De acordo com o psicanalista Raymundo de Lima, professor da
Universidade Estadual de Maringá, no Paraná, o fanático – não apenas o religioso – pode ser detectado com base em alguns
sintomas, como a certeza de ser portador de uma verdade inquestionável, a tentativa de imposição tirânica desta mesma verdade,
cuja importância ultrapassaria o instinto de preservação da própria vida, e isolamento do grupo.
Qualquer semelhança com uma crença que extrapola os limites da fé e descamba para a fúria cega contra o próximo não é
mera coincidência. As religiões, aliás, sempre estiveram associadas a algum grau de fanatismo, por um motivo simples: elas só se
mantêm graças à partilha dos mesmos valores por uma determinada comunidade. É claro que os métodos de persuasão variam
bastante, o que significa dizer que nem todos os religiosos são fanáticos, no sentido pejorativo da palavra. “Mas a sensação da
certeza proporcionada pelas religiões abre espaço para a violência, mesmo que seja em nome da paz”, afirma o filósofo Luiz
Felipe Ponde, da PUC de São Paulo.

MEDO DO NOVO
A violência é um elemento que não pode ser dissociado da natureza humana. Quando o homem começou a manifestar
suas crenças em sistemas mais ou menos organizados, essa agressividade visceral passou a ser aliviada por uma válvula de escape:
o ritual do sacrifício. A teoria acima, elaborada pelo antropólogo francês René Girard, é uma explicação possível para os atos de
crueldade promovidos por alguns indivíduos que se dizem iluminados. Os sacrifícios, que podem resultar no derramamento de
sangue de um animal ou de uma multidão de pessoas inocentes, aplacariam a ira divina e fariam girar a roda da fé.
O pensador justifica sua visão de que a violência, longe de ser um simples efeito colateral, pode ser uma necessidade
interna das religiões. E busca as possíveis origens desse instinto de destruição no Antigo Testamento. “Talvez seja este, entre
outros, o significado da história de Caim e Abel. Caim cultiva a terra e oferece a Deus os frutos de sua colheita. Abel é um pastor
e sacrifica os primogênitos de seu rebanho. Um dos irmãos mata o outro – justamente o que não dispõe deste artifício contra a
violência”, escreveu Girard em seu livro A Violência e O Sagrado.
Em geral, a prática religiosa é permeada por atitudes positivas: o exercício da caridade, a pregação do diálogo e do
respeito ao outro, a valorização da ética, a celebração da partilha, entre outras. No entanto, todo credo baseia-se em algum tipo de
restrição ideológica. “Um dos pilares da construção religiosa é a crença coletiva em certos valores”, diz o pesquisador César
Vinícius Ornelas, da PUC de São Paulo, que prepara uma tese de doutorado sobre fundamentalismo religioso. O pensamento, ao
extremo, é mais ou menos assim: se eu creio na verdade e este é o caminho correto, o outro – que não segue minha doutrina – só
pode estar errado.
É claro que, mesmo com a adesão do grupo a princípios comuns, a fé pode andar longe das atitudes radicais. “A
religiosidade pressupõe uma experiência existencial e a busca de um sentido ético para a vida. Mas o sagrado e o profano são os
dois lados necessários da vida. Quando tudo se concentra no templo, há o risco do fanatismo”, afirma o rabino Alexandre Leone,
da Congregação Israelita Paulista.

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VOLTA ÀS RAÍZES
A tentativa de compreender o mundo exclusivamente através do prisma da religião pode desencadear um processo de
limitação das liberdades individuais. E costuma surgir como resposta a alguma ameaça externa. Em meados do século 19, alguns
seguidores do Protestantismo norte-americano passaram a se sentir ameaçados pelo impulso de mudança que tomava conta da
sociedade. Em oposição aos protestante mais liberais, eles começaram a defender uma interpretação literal da Bíblia – ou, na visão
da época, um retorno aos fundamentos do Cristianismo. Em 1915, um grupo de professores de Teologia da universidade de
Princeton publicou uma coleção intitulada Fundamentals: A Testimony of the Truth (Fundamentos: Um Testemunho da Verdade,
inédito no Brasil). A partir de então, os seguidores desse novo Protestantismo passaram a se denominar fundamentalistas.
O termo que hoje rotula grupos extremistas islâmicos e seguidores de seitas apocalípticas, entre outros, nasceu como uma
reação à modernização. “Não só modernização tecnológica, mas modernização dos espíritos, do liberalismo, da liberdade das
opiniões, contrastando fundamentalmente com a seguridade que a fé cristã oferecia”, escreveu o teólogo Leonardo Boff em seu
livro Fundamentalismo: a Globalização e o Futuro da Humanidade. Ser fundamentalista de acordo com Boff, “é assumir a letra
das doutrinas e normas sem cuidar de seu espírito e de sua inserção no processo sempre cambiante da História, que obriga a
contínuas interpretações a atualizações, exatamente para manter sua verdade essencial”.
O próprio fundamentalismo religioso pode ser interpretado de forma positiva, desde que deixemos de lado as
conseqüências mais sangrentas da interpretação inflexível dos mandamentos religiosos. “Quanto mais vamos aos fundamentos do
Cristianismo, do Judaísmo e do Islamismo, mais encontramos a dimensão libertária, o cuidado para com os pobres, o respeito para
com todas as pessoas e a veneração para com a natureza”, afirma Leonardo Boff. Encarada desta forma, a busca pelas raízes das
religiões pode ter uma causa nobre e humanista. Nem todo comportamento fundamentalista, portanto, é baseado em mecanismos
de intolerância e intransigência. Um exemplo seria a Teologia da Libertação, que retoma as bases do Cristianismo para promover
atitudes humanistas e democráticas.
Apesar de representar uma interpretação rígida de alguma doutrina, o fundamentalismo não dever ser confundido com
ortodoxia. “Cada religião baseia-se em um cerne dogmático de crenças. Às vezes, existe uma autoridade, como a do papa ou da
Congregação Romana, que determina que interpretações desviam-se desse dogma e, portanto, da ortodoxia”, escreveu o filósofo
Jürgen Habermas no livro Filosofia em Tempo de Terror. O ortodoxo defende a preservação da doutrina, mas não é,
necessariamente, fechado ao diálogo. E, acima de tudo, goza de boa reputação entre seus pares, algo que não costuma acontecer
com grupos fanáticos. “A maioria dos seguidores do Islamismo, Cristianismo, Judaísmo, Budismo, Sikhismo e Hinduísmo
considera que os fundamentalistas são uma minoria irresponsável”, afirma o historiador Robert Scott Appleby em The
Ambivalency of the Sacred (A Ambivalência do Sagrado, sem tradução para o português).
Muito antes dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, seguidores de diferentes religiões já
experimentaram algum tipo de fundamentalismo. “Ele não se limita aos grandes monoteísmos. Ocorre também entre budistas,
hinduístas e até confucionistas quando rejeitam muitas da conquistas da cultura liberal, lutam e matam em nome da religião e se
empenham em inserir o sagrado no campo da política e da causa nacional”, escreveu a teóloga e ex-freira católica Karen
Armstrong na obra Em nome de Deus.
Apesar de ter surgido oficialmente no século 19, a busca pelos fundamentos religiosos é um fenômeno que ganhou força
nas últimas duas décadas, especialmente após a queda do Muro de Berlim. Os discursos ideológicos, que se apoiavam num
mundo polarizado entre duas grandes forças políticas, perderam terreno para as justificativas religiosas. Hoje, matar em nome de
um regime de governo tornou-se tão menos contuntende – e freqüente – quanto cometer crimes usando a fé como pretexto.

PERSPECTIVAS
Todos os dias somos bombardeados com notícias sobre novos atentados em tradicionais zonas de conflito. Repetindo o
eterno ciclo de violências que se arrasta desde as cruzadas, quando cristãos e muçulmanos digladiavam-se, facções religiosas
pregam o ódio mútuo – muitas vezes com a ajuda dos meios de coerção de seus próprios Estados – como forma de defender seus
dogmas. Em Israel, grupos judaicos fundamentalistas pleiteiam um Estado regido pelas leis da Tora em vez de um sistema de
governo laico. Segundo o rabino Alexandre Leone, por conta do apego desses grupos às próprias crenças, eles abominam qualquer
tipo de manifestação religiosa não judaica. A mesma lógica – de defesa dos fundamentos de sua fé – permeia os ataques de fiéis
evangélicos a cultos afros no Brasil. O argumento é de que esses fiéis se sentiriam ameaçados pelos rituais praticados no
Candomblé e na Umbanda, que, na visão deles, estariam associados a obras do demônio e iriam contra a vontade de Deus.
Talvez ainda sejamos obrigados a conviver com a rotina diária da religião a serviço do ódio – ou vice-versa –
durante um bom tempo. Há saída para o ciclo de intolerância dentro do qual a humanidade se encontra há vários milênios, mas o
caminho não é dos mais fáceis. “Ao terrorismo devemos responder com ações de justiça social em nível mundial, com relações
mais equânimes, com formas de inclusão e de diálogo com todas as culturas”, afirma Leonardo Boff. Utópico? Talvez. “A
pergunta que fica, dentre muitas outras, é se é possível resgatar o passado sem aniquilar o futuro. Podemos lidar com a tradição
sem violentar o presente?”, afirma César Ornelas. Cabe a nós encontrar as respostas. Sem demora.

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