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Resende – RJ
2019
DIEGO DE OLIVEIRA PEREIRA
Resende – RJ
2019
AGRADECIMENTOS
Dedico este trabalho a Deus, autor e consumador da minha fé. Quem tem me
mantido em pé e todos os dias têm demonstrado o Seu amor a mim.
Dedico à minha querida mãe, exemplo de persistência e grande responsável pelo
meu amor aos estudos e pela minha formação moral.
Dedico à minha esposa, mulher que Deus, em mais uma demonstração do Seu
cuidado para comigo, me abençoou e tem sido minha companheira de caminhada,
apoiando-me em todos os meus projetos.
Dedico às minhas filhas, respostas de orações e que deixaram o nosso mundo mais
feliz.
Dedico ao meu orientador, Pr Acyr de Gerone Junior, o senhor marcou minha vida
com tamanha ajuda.
Dedico a todos os professores do Seminário Teológico Batistas das Agulhas Negras,
que direta ou indiretamente fazem parte deste projeto.
Dedico aos meus irmãos seminaristas, saímos juntos, chegamos juntos.
“Não basta ter luz na mente, é preciso ter fogo no
coração”.
Hernandes Dias Lopes
RESUMO
Vaux (2003) também menciona que o sacerdócio não pode ser visto como uma
vocação, e sim como uma função. Assim, a terminologia de sacerdócio pode ser
entendida como a investidura do Sacerdote no cargo, ou seja, o exercício
propriamente dito da função sacerdotal. Andrade (1996) define como a investidura
sacrea amparada pela designação divina, que capacita um homem a interceder,
diante de Deus, pelos demais.
Logo, o entendimento que se tem é o de que a partir do momento em que a
figura do Sacerdote recebe, de forma explícita, uma responsabilidade divina, surge o
sacerdócio.
Com a explanação do conceito de sacerdócio, dois pontos devem ser descritos
para a continuidade da construção do raciocínio sobre o assunto. O primeiro é a figura
de Melquisedeque que, segundo a história narrada em Gênesis, foi um Sacerdote do
Deus altíssimo, exercendo um tipo sacerdócio distinto, ou seja, não se confundindo
com os Sacerdotes patriarcas, mas também ocupando uma posição que ainda não
tinha sido estabelecida para o povo de Israel (Gn 14:14-21 e Hb 7:11). Por mais que
existam diversas opiniões sobre essa passagem misteriosa, a certeza é que o escritor
de Gênesis narra Melquisedeque como sendo um Sacerdote oriundo de Deus, e o
escritor de Hebreus ratifica tal entendimento, inclusive demonstrando que este
sacerdócio era uma tipologia que aponta para o sacerdócio de Cristo.
O outro fator a ser considerado é o ponto de partida para o sacerdócio entre os
hebreus. Se antes os Sacerdotes estavam inseridos no sistema patriarcal e de
primogenitura, após Moisés receber as leis do Senhor, com as instruções de como
deveria ser a vida e o culto religioso de Israel, o cenário mudou. Para alguns
estudiosos, este evento marca o início do próprio sacerdócio, uma vez que o povo, ao
se deparar com o evento estrondoso ocorrido no monte, suplica a Moisés para que
ele seja o mediador entre eles e Deus. O mesmo entendimento tem o pastor Isaltino,
como se vê:
A função do Sacerdote foi pedida pelo próprio povo. Lemos em Êxodo 20.18-
19: “Vendo-se o povo diante dos trovões e relâmpagos, e do som da trombeta
e do monte fumegando, todos tremeram assustados. Ficaram à distância e
disseram a Moisés: “fala tu conosco, e ouviremos, Mas que Deus não fale
conosco, para que não morramos”. O povo reconheceu a necessidade de um
intermediário da comunicação entre o divino e o humano. O sacerdotalismo
em Israel pode ser datado a partir daqui (ISALTINO, 2019, p.1).
No entanto, há uma fala divina digna de ser analisada, que se encontra no livro
de Êxodo 19:5-6. Nesse texto, é possível perceber uma antecipação daquilo que, a
partir de Cristo, seria conhecido como: a doutrina do sacerdócio universal de todos
aqueles que creem. De forma explícita, Deus convida seu povo a uma vida de
obediência irrestrita à sua Lei. O cumprimento de tal mandamento não só traria
bênçãos para eles, como também faria deles homens e mulheres que abençoariam
outros povos, caracterizando, assim, uma nação sacerdotal, onde todos os privilégios
e responsabilidades da função seriam inerentes a todo o povo hebreu. Todos fariam
a mediação entre os povos pagãos e o Deus de Israel.
Sobre o tema, Carriker comenta:
Se Deus é o agente e a origem da missão, ele não trabalha sozinho. Seu
instrumento é um povo específico. A missão também é a tarefa da igreja que,
por sua vez, é derivada então da missão de Deus. Deus escolhe um povo
específico como instrumento da sua missão. Elegeu um povo, Israel, no Velho
Testamento e com este fez uma aliança peculiar a fim de que este fosse a
sua testemunha no meio das nações (Gênesis 12.3; Êxodo 19.5-6; Efésios
3.10; 1 Pedro 2.9-10). A eleição de Israel, antes de denotar qualquer
favoritismo exclusivista de Deus, teve um propósito inclusivo de serviço
missionário para as nações. Quando não cumpria este propósito, Israel era
julgado através das mesmas nações para as quais ela deveria ter dado
testemunho e deveria ter sido uma benção (CARRIKER, 1992).
Uma vez que a palavra holocausto pode ser definida como sendo um sacrifício
feito a Deus de forma que o sacrificante estava se dedicando completamente e, dentre
as atribuições do Sacerdote estavam o oferecer holocaustos e o se consagrar ao
Senhor, pode-se assim destacar em Noé a atitude de uma posição sacerdotal.
Outro a desempenhar um papel idêntico, e com mais semelhança à figura do
Sacerdote, foi Jó:
Os filhos dele iam às casas uns dos outros e faziam banquetes, cada um por
sua vez, e mandavam convidar as suas três irmãs a comerem e beberem com
eles. Quando se encerrava um ciclo de banquetes, Jó chamava os seus filhos
e os santificava; levantava-se de madrugada e oferecia holocaustos segundo
o número de todos eles. Pois Jó pensava assim: “talvez os meus filhos
tenham pecado e blasfemado contra Deus em seu coração”. Jó fazia isso
continuamente (JÓ 1:4-5 – NAA)
Mais uma vez é visto um líder da família fazendo a mediação entre os membros
da casa com o próprio Deus. Ainda, em semelhança à história de Noé, outro ponto
está relacionado ao holocausto oferecido. Como se percebe, aqui há o detalhe do
texto sagrado ressaltar explicitamente que a preocupação do patriarca era a de
santificar os seus filhos, considerando a hipótese de que eles tivessem transgredido
algum mandamento de Deus. Não se pode esquecer que ambos os personagens
estavam inseridos em um contexto distante do das leis de Moisés. Schultz (1977, p.39)
tem o mesmo entendimento, ao dizer que “antes dos tempos mosaicos, as oferendas
usualmente eram apresentadas pelo chefe de uma família, que oficialmente
representava seus familiares no reconhecimento e adoração a Deus!.
Não há muitos detalhes sobre esse tipo de sacerdócio e nem mesmo é
apropriado o uso dessa expressão neste período da história, já que a instituição do
sacerdócio, propriamente dita, será em eventos posteriores, que serão analisados
mais à frente. Portanto, reitera-se que o uso do termo, dentro deste contexto, é
anacrônico. Contudo, ainda assim, é bem evidente que o conceito já estava inserido
no âmago do povo que fora escolhido por Deus.
3.2. Um Tipo de Cristo e o sacerdócio Universal - Melquisedeque
Após estas referências à figura sacerdotal, a Bíblia ainda menciona o
aparecimento de Melquisedeque (Gn 14), onde há a expressa menção que o mesmo
era Sacerdote do Deus altíssimo, mesmo sem fazer parte da história do povo hebreu
– que tem início em Abrão. Essa figura misteriosa dá o indício de um novo tipo de
sacerdócio que se revelaria com o passar do tempo, sendo certo que ele era um
arquétipo daquilo que se revelaria em Cristo, conforme é ensinado pelo escritor aos
hebreus (Hb 7). O livro de Gênesis 14.18-24 detalha o encontro entre Melquisedeque
e Abrão:
Porque este Melquisedeque, que era rei de Salém, Sacerdote do Deus
Altíssimo, e que saiu ao encontro de Abraão quando ele regressava da
matança dos reis, e o abençoou. A quem também Abraão deu o dízimo de
tudo, e primeiramente é, por interpretação, rei de justiça, e depois também rei
de Salém, que é rei de paz; sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo
princípio de dias nem fim de vida, mas sendo feito semelhante ao Filho de
Deus, permanece Sacerdote para sempre. Considerai, pois, quão grande era
este, a quem até o patriarca Abraão deu os dízimos dos despojos. E os que
dentre os filhos de Levi recebem o sacerdócio têm ordem, segundo a lei, de
tomar o dízimo do povo, isto é, de seus irmãos, ainda que tenham saído dos
lombos de Abraão. Mas aquele, cuja genealogia não é contada entre eles,
tomou dízimos de Abraão, e abençoou o que tinha as promessas (HEBREUS
7:1-6 – ACF, grifo nosso).
De um lado está Abrão, homem escolhido por Deus, para que através dele
todos os povos da Terra fossem abençoados, representando até o presente momento
o sacerdócio patriarcal e, do outro lado, um rei Sacerdote, sem genealogia, que nada
se tem sobre sua origem, não pertencente ao povo hebreu, mas, o que a Bíblia diz de
forma bem clara é que ele era Sacerdote do Deus Altíssimo, abençoando a Abrão por
meio de uma mediação entre este e Deus. O entendimento de Milt Rodriguez (2015,
paginação irregular) reforça tal ideia ao afirmar que:
O sacerdócio segundo Melquisedeque é eterno e cumpre o pensamento de
Deus para o Seu propósito. Somente um sacerdócio eterno poderia fazer
isso. Já que o propósito do Pai é encher todas as coisas de Cristo, Ele
precisaria de um sacerdócio que fosse baseado na vida de Seu Filho amado.
Arão é chamado para ser Sumo Sacerdote e seus filhos são chamados para o
auxiliarem como Sacerdotes (dando início a uma clara hierarquia entre os cargos),
pois desta forma haveria uma adoração ordenada de acordo com os padrões de Deus,
mesmo estando os israelitas no deserto. Esta escolha era para ensinar ao povo como
seria a aproximação a Deus, sendo a santidade essencial para a comunhão com o
mesmo. Os pecados do povo deveriam ser expiados por sangue, através do sistema
de sacrifícios; sistema este que só poderia ser exercido pelos Sumos Sacerdotes, ou
seja, Arão e seus descendentes.
Packer, Merrill e Tenney (1988, p.106) dizem a respeito que:
A esta altura, na história de Israel, passou a existir um sacerdócio ordenado.
De acordo com a ordem de Deus (Êx 28:1), Moisés consagrou seu irmão Arão
e aos filhos deste como Sacerdotes. Estes homens vinham da tribo de Levi.
Deste ponto até aos tempos intertestamentários, o sacerdócio oficial
pertenceu aos levitas. Moisés estabeleceu distinção entre Arão e seus filhos,
pois ele ungiu Arão como “Sumo Sacerdote entre seus irmãos” (Levítico
21:10). Ele distinguiu o ofício de Arão dando lhe vestes especiais (Êxodo
28:4, 6,39; Levítico 8:7-9). Com a morte de Arão, as vestes e o ofício
passaram para Eleazar, seu irmão mais velho (Números 20:25-28).
O que cabe ressaltar sobre o sacerdócio de Arão, é que além dos variados
deveres, os de maior destaque estavam relacionados à entrada no santíssimo lugar,
só permitido ao Sumo Sacerdote, à instrução da lei de Deus e ao ministério sacrificial.
Através dele, o povo e os próprios Sacerdotes, começariam a desenvolver uma
mentalidade de como deveria ser o relacionamento Deus-homem-pecado; onde havia
a necessidade do sangue para a purificação (Hb 9:22). Como descreve as Escrituras,
este sangue deveria ser de um inocente, no caso um animal. A este respeito, diz
Habershon (1957, p.60):
O sangue dos sacrifícios — primeiramente do boi, e depois do bode — era
aspergido nela no dia da expiação. Os querubins olhavam para aquele
sangue, e o olhar de Deus repousava sobre ele; e, por causa do sangue,
podia aceitar o povo. Era uma expiação, ou tampa de cobertura; pois o próprio
Deus não olha através do sangue precioso. E um a tampa totalmente
suficiente para o nosso pecado, de modo que lemos; “Naquele dia o
Sacerdote fará expiação por vocês, a fim de purificá-los, a fim de estejam
puros dos seus pecados diante do Senhor”. Pode ser dito a respeito deste
tipo, o que foi dito na páscoa: “Quando eu vir o sangue, passarei por cima de
vocês”. Em cada caso, o sangue era para ser visto por Deus somente; pois
ninguém podia entrar no Lugar Santíssimo senão o Sumo Sacerdote, e
mesmo ele, somente nessa única ocasião.
Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de
propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamar as virtudes daquele que
os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1 PEDRO 2:9 – NAA).
Essa é uma mudança crucial. Afinal, a partir de agora, a mediação não é mais
humana. Cristo é o mediador e agora, qualquer crente em Jesus, pode ter acesso ao
Pai. Além disso, Pedro ressalta que estes Sacerdotes são de propriedade exclusiva
de Deus, sendo preservados por Ele e tendo como função anunciar ao mundo as
maravilhas feitas por Deus, tal qual foi o objetivo inicial para Israel; ou seja, ser benção
para todas as nações.
A este respeito, diz Shedd (1993, p.45-46):
Esses filhos do Rei não devem viver ociosamente nem exultar com a glória
de sua honra. Antes, são vocacionados para o ministério pontificial (do latim,
ponte, “mediador”). A missão sacerdotal de Israel na velha aliança que Deus
constituiu como nação foi a de servir de ponte entre o Todo-Poderoso e as
nações do mundo (Êx 19.6). Hoje, todos os que participam do sacerdócio em
virtude de sua adoção na família real de Deus devem servir mediante a
intercessão (a ponte da oração), mediante a evangelização (a ponte da
comunicação), mediante o serviço (a ponte da realização) e mediante
demonstração do amor de Deus na prática.
Para Lutero, portanto, a ênfase está na premissa de que todos os cristãos são
Sacerdotes, todos tem os mesmos privilégios e direitos e todos tem livre acesso a
Deus. A distinção se dá apenas no ofício de cada um, afinal, cada pessoa é chamada
de alguma forma, para algum propósito específico. Alguns no ministério da Palavra,
outros em sua própria vocação. Contudo, todos igualmente Sacerdotes de e em
Cristo, em serviço a Deus e ao povo de Deus.
Alguns tratados foram escritos por Lutero durante a guerra que se instalou entre
ele e o papa, representante maior da Igreja romana. E no terceiro destes, em defesa
de suas fortes convicções teológicas, o monge agostiniano escreveu o livreto intitulado
“Da Liberdade Cristã”, de poucas páginas, mas tido como um dos melhores escritos
do reformador.
Nele, Lutero não defendia uma liberdade cristã que conduzisse ao ócio, mas
sim uma liberdade bíblica, atrelada à pessoa de Cristo.
Lessa (2017, paginação irregular) diz:
A ideia principal do opúsculo consiste no princípio de que o cristão é senhor
de todas as coisas, tudo lhe está sujeito e, em virtude da fé, a ninguém se
submete. Por outro lado, em virtude do amor, é servo de todos e sujeito de
cada um. As duas virtudes constituem a vida do cristão, uma o prende a Deus,
a outra ao próximo. É a doutrina de São Paulo. Imitar a Cristo deve ser o ideal
do cristão.
Com estas palavras, é nítido ver o compromisso que Lutero tinha com as
Escrituras, e o papel que o sacerdócio de todos os cristãos teve na cosmovisão do
reformador. Assim como eram os Sacerdotes dos tempos da antiga aliança, os
cristãos, em Cristo, estão em uma posição de privilégio, onde podem se achegar a
Deus para servi-Lo, e também tendo por obrigação levarem outros a esta posição de
graça. Lutero deu seguimento a uma grande guerra doutrinária ao se opor de forma
contundente às práticas antibíblicas, tidas como normais na sociedade da Idade
Média.
O que se percebe no contexto em que o reformador viveu, é que de um lado
existiam homens sedentos por poder e lugar de destaque, e estes encontraram na
religião e nos conceitos caducados do sacerdócio uma oportunidade para exercerem
o domínio sobre os demais.
No entanto, por outro lado, encontravam-se pessoas totalmente dispersas das
mais nobres doutrinas bíblicas.
Da mesma forma como o povo hebreu clamou para que Moisés fosse o
mediador entre eles e Deus, ao que parece, esta prática ainda se encontrava
arraigada nos corações daqueles que, em Cristo, foram postos em outro nível de
relacionamento com Deus. O que se sabe é que Lutero foi aquele que desferiu duros
golpes; contudo, outros ainda tiveram que percorrer o mesmo caminho na tentativa de
consolidar uma doutrina que foi se tornando turva com o passar dos anos na história
da igreja cristã.
4.2. Calvino: Nas Pegadas de Lutero; nas Pegadas de Jesus
Outro importante nome do período da Reforma foi João Calvino (1509-1564).
Um pouco posterior a Lutero, pode-se dizer que ele deu segmento à visão que estava
sendo estabelecida pelo alemão no contexto religioso da época, sendo Calvino,
considerado pelos estudiosos, um reformador da segunda geração.
Apesar de nunca terem tido contato pessoal, alguns historiadores afirmam que
Calvino foi um dos maiores discípulos de Lutero, como se vê nas palavras de Pelikan
(1968, p.79), citado por George (1994, p.166):
Os dois reformadores nunca se encontraram pessoalmente. Ainda assim,
Lutero elogiou alguns dos primeiros escritos de Calvino que lhe haviam sido
enviados. Calvino, por sua vez, chamou Lutero de seu “pai muito respeitável”
e posteriormente declarou: “Nós o consideramos um extraordinário apóstolo
de Calvino, por meio de cujo trabalho e ministério, acima de tudo, a pureza
do evangelho foi restaurada em nossa época”. Ao contrário de Zuínglio,
Calvino nunca declarou ser teologicamente independente de Lutero. Mesmo
assim, não foi um simples imitador de Lutero.
Assim como Lutero, João Calvino teve uma límpida compreensão sobre o
sacerdócio universal dos cristãos. E este entendimento se deu pela alta compreensão
que teve de Cristo.
A este respeito, George (1994, p.215) comenta:
Pois Cristo sozinho faz todas as outras coisas subitamente desaparecerem.
Portanto, não há nada que Satanás mais tente fazer do que levantar névoas
para obscurecer Cristo; pois ele sabe que dessa forma o caminho está aberto
para todo tipo de falsidade. Assim, o único meio de manter e também
restaurar a doutrina pura é colocar Cristo diante de nossos olhos, exatamente
como ele é, com todas as suas bênçãos, para que seu poder possa ser
verdadeiramente percebido.
Diversos são os aspectos nos dias atuais que comprovam tal afirmação, tais
como: o sentimento de obrigatoriedade de se estar na igreja aos domingos, aos invés
de um desejo de se estar em comunhão com os irmãos para adorarem a Deus; a visão
de que o pastor, ou líder, é dotado de “mais unção” do que os demais membros da
igreja; a concepção de que se pode viver de forma isolada dos demais membros da
igreja, dentre outros tantos. Como se constata, o tema é amplo e abrangente. Diante
disso, resta claro que não é possível, no presente trabalho, abordar todas as
implicações inerentes a esta visão teológica obscurecida ou reducionista. Sendo
assim, será tratado, à luz do que já foi exposto, aqueles que são percebidos como
mais perniciosos para uma vida cristã sadia.
Dentro destas afirmações encontra-se uma das principais teses defendidas por
Lutero e que deve ser vivida por todos aqueles que entendem a doutrina do sacerdócio
universal: a salvação se dá somente pela fé em Jesus e esta dádiva restaura o
relacionamento entre o homem e Deus, uma vez que houve um rompimento deste no
Éden (Gn. 3). Aqueles que entendem estes conceitos expressam no caminhar cristão
a verdade relatada em Gálatas 4.7: “Assim, você já não é mais escravo, porém filho;
e, sendo filho, também é herdeiro por Deus.”
E como filho, todo homem tem a garantia de uma vida de intimidade com o seu
pai, não necessitando de rituais religiosos ou cerimônias externas para que esta
convivência possa ser expressa. Contudo, muitos são os cristãos que, ainda hoje,
acreditam na necessidade de rituais, de lugares santos e homens mediadores para
terem seus pecados perdoados, vivendo desta forma uma vida presa às correntes da
religião, e ainda assim, sem nunca terem desfrutado de uma vida real com Deus. Para
estas pessoas, Deus é apenas um Ser transcendente, negando, desta forma, por seus
estilos de vida totalmente discrepantes com o conceito da doutrina do sacerdócio
universal, a imanência Dele, o Deus conosco, o Emanuel (Mt 1:23). Este é o
entendimento de Kivitz (1995, p.60), quando trata em seu livro sobre a questão do
discipulado:
Discipular não consiste em fazer com que alguém se envolva com atividades
religiosas, como cultos, classes para estudos bíblicos e eventos diversos.
Discipular é compartilhar a vida, é envolver-se em um relacionamento
pessoal, à luz da palavra de Deus, para que o Espírito Santo encontre espaço
e recursos para transformar o estilo de vida completo dos discípulos. Cristãos
maduros, satisfeitos na alma em razão do seu relacionamento com Jesus é a
proposta do Novo Testamento a respeito da vida cristã. Veja que o apóstolo
Paulo salienta que "todas as coisas contribuem para o bem daqueles são
chamados segundo o seu propósito". Mas qual é este propósito? A resposta
está no versículo seguinte: " serem conformes a imagem do seu Filho" (Rm
8.28,29).
Certamente não é possível viver uma vida da forma que o autor apresentou, se
o conceito do sacerdócio universal não estiver bem enraizado nas mentes daqueles
que fazem parte da igreja. O cristão deve viver e ser cada dia mais orientado a
desfrutar de um estilo de vida de intimidade com Deus, que transcenda às expressões
externas religiosas. O louvor e a adoração a Deus não estão mais restritos a um lugar,
a um dia, a algumas pessoas. O sacerdócio a partir de Jesus libertou os cristãos para
terem uma vida completamente diferente disso tudo. E este princípio está diretamente
relacionado com uma função de grande importância na vida do Sacerdote, qual seja,
o louvor e a adoração a Deus.
O princípio é que toda igreja agora adora e canta a Deus diretamente; toda
congregação exalta a Deus, é o sacerdócio rela que adora a Deus. No VT a
adoração era através de alguém, mas agora é Cristo que nos leva a Deus
desfazendo a barreira. Quem está em Cristo tem acesso direto ao Pai.
Quanto mais perto de Cristo, menor a necessidade de sombras e tipos.
Quando Cristo chega as sombras são dissipadas.
Mas por que os pastores são tão importantes para a igreja? “Por acaso todos
não têm a oportunidade de ler as Escrituras por si mesmas?”, perguntava
Calvino. Sim, mas os pastores tinham de cinzelar ou dividir a Palavra, “como
um pai /repartindo o pão em pequenos pedaços para alimentar seus filhos”.
Os pastores devem ser completamente ensinados nas Escrituras, para que
possam instruir corretamente a congregação na doutrina celeste.
Por fim, mas não menos importante, está o dano na esfera do convívio em
comunidade, tanto com os de dentro da igreja como com os de fora dela. A primeira
análise recai sobre aqueles que são membros do corpo de Cristo. Como Lutero
defendeu, o sacerdócio só pode ser vivido em sua íntegra quando é feito para Deus e
para o próximo. Quando o cristão compreende o sacerdócio universal ao qual está
inserido, ele consequentemente vive uma vida madura em comunidade. Este
amadurecimento pode ser externado de várias formas, mas principalmente pelo
cuidado para com o próximo, uma vez que esta também era uma das funções
sacerdotais. Este cuidado é expresso na instrução da Palavra de Deus, nas
admoestações, na ajuda, dentre outros mais. Tais cuidados são evidenciados nos
inúmeros mandamentos de reciprocidade contidos no Novo Testamente. Por diversas
vezes as Escrituras ordenam o amor, o acolhimento, o suporte, o perdão, a
admoestação, a intercessão, o consolo etc. de forma recíproca.
O poder, a graça salvadora, conferidos por Deus aos que creem não pode
ser aprisionado ao âmbito do privado, nem ao individual, o que acarretaria,
no primeiro caso, dissociação de seu caráter comunitário e, no segundo,
usurpação e dominação. O ministério da Palavra é sempre público e, como
tal, comunitário. Trata-se, pois, de um pleno poder comum ao povo de Deus.
Nem mesmo os apóstolos enquanto líderes da igreja cristã da primeira hora
apresentaram-se como representantes do ministério cristão. Serviço à
Palavra constitui em ação exortativa compulsória, um ter de ser, cabendo a
todos os que com esta se encontram vinculados. [...]Na ocasião em que os
apóstolos Pedro e João foram levados diante das lideranças sacerdotais
judaicas a explicar suas ações e sua proclamação do evangelho de Jesus
Cristo, tendo respondido a estas que não podiam “deixar de falar das coisas
que vimos e ouvimos”, fica evidente em sua reação que não se encontravam
ancorados em sua própria autoridade, antes na daquele que o Novo
Testamento apresenta como sendo o Sumo Sacerdote (At 4.10-12).
Aquele que recebe ensino não consegue deixar de ensiná-la e, nisto que faz
será sempre um Sacerdote em serviço. Tal dinâmica, que não deve ser
cerceada por ninguém, ocorre na família, nas ruas, nos ambientes de trabalho
e nos lugares de reunião da igreja. Todos os que conhecem a mensagem do
evangelho de Cristo são interpelados pelo Espírito Santo a também anunciá-
la; trata-se de testemunho público, isto é, não feito à revelia e às escondidas
da comunidade em seu todo, mesmo que ocorra em espaços onde se
encontrem apenas poucas pessoas.
Os cristãos não foram chamados para viverem uma função sacerdotal que tem
fim em si mesma. “Deus amou o mundo,” alerta João em seus escritos, e este amor
deve ser demonstrado para todos aqueles que vivem como filhos pródigos, rejeitando
a Deus, vivendo suas vidas de forma inconsequente. Para isso, necessário se faz a
compreensão do estilo de vida que todo cristão foi chamado a viver, isto é, uma vida
sacerdotal, sacerdócio este vivido em Jesus, onde não há mais separação entre
lugares santos e profanos. Os cristãos precisam reavivar, com urgência, esta doutrina
tão importante para que tenham condições de anunciar as maravilhosas obras de
Deus, como Pedro admoestou em 1 Pedro capítulo dois, versículo nove.
6. CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
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