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ISSN: 2525-8761
DOI:10.34117/bjdv7n5-131
RESUMO
A Geografia Política do Brasil foi eregida com base em autores que imaginaram a
projeção continental do país. Está o Brasil inserido em uma geografia complexa
convivendo ao lado de vizinhos cujas línguas e culturas são distintas daquelas que são as
nossas. Há preocupação com o rompimento da paz sulamericana. A instabilidade no
continente sulamericano é óbice à concretização da projeção geopolítica do Brasil. Com
proporções colossais, nosso país fica vulnerável ao que acontece nos países vizinhos. A
segurança não pode dispensar o uso de recursos tecnológicos que ajudem a conhecer e
salvaguardar o território. O Coronel Travassos detectou, outrora, que o cerne da
instabilidade poderia vir da Bolívia. Ele concebeu o pivô mackinderiano projetado no
continente sulamericano: área de um triângulo cujos vértices são cidades bolivianas. Não
descartou que problemas oriundos do canto noroeste da América do Sul composto por
Equador, Colômbia e Venezuela pudessem igualmente deflagrar a instabilidade.
ABSTRACT
Brazilian Geopolitics was built taking into consideration a several paradigm authors.
They imagined the continental projection of the country. Brazil is inserted in a complex
geography living next to neighbors whose language and culture are distinct from those of
ours. There is concern about the breaking of the South American peace. Instability in the
South American continent is a hindrance to the realization of the geopolitical projection
of Brazil. With colossal proportions our country is vulnerable to what happens in
neighboring countries. Security cannot dispense with the use of technological resources
that help to know and safeguard the territory. Colonel Travassos once detected that the
crux of instability could come from Bolivia. He conceived the Mackinder´s geographic
pivot projected on the South American continent: area of a triangle whose vertices are
bolivian cities. Travassos did not exclude that problems from the northwest corner of
South America composed of Ecuador, Colombia and Venezuela could also trigger off
instability.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo aponta para duas áreas de instabilidade sulamericana imaginadas
pelo Coronel Mário Travassos. O autor se referiu à Bolívia; porém, não apenas a ela. Ele
atribuiu um peso significativo à instabilidade que esse país, em particular, seria capaz de
deflagrar. Caso isso ocorresse, a consequência teria efeito difuso sobre o resto do
continente sulamericano.
Enfatize-se que o Coronel Mário Travassos, na sua obra de 1935, não se refere
apenas à Bolívia. Ele aponta outros exemplos, como o caso uruguaio, o colombiano, o
venezuelano etc. Ocorre que a Geografia Política do Brasil, na sua vertente tradicional,
foi eregida com base em autores que imaginaram a projeção geopolítica do país. Tanto
assim, que essa obra de Travassos de 1935 foi intitulada Projeção Continental do Brasil,
o que vai justamente nesse sentido de entendimento.
Hoje, a preocupação quanto à instabilidade política na América do Sul
dificilmente ficará restrita a este ou àquele país, apenas. O que está em pauta é uma
combinação de fatores que leva em conta mais de um país, isto é, um arranjo de
circunstâncias que lida com diversos países, ao mesmo tempo.
Nossa fronteira terrestre corresponde a quase 17.000 quilômetros de extensão ao
longo de 11 estados nacionais fronteiriços a 10 países no sul do continente americano: só
não fazemos fronteira com o Equador e o Chile, na América do Sul.
A título de ilustração dessa colossal e ao mesmo tempo preocupante posição
brasileira no hemisfério sul, algumas imagens serão apresentadas. São imagens que foram
capturadas por satélites.
É a Bolívia o país sulamericano nosso vizinho cuja fronteira terrestre é a mais
significativa. A extensão da nossa fronteira vis-à-vis com a Bolívia tem uma dimensão de
3.423 quilômetros. É maior do que a extensão da fronteira dos Estados Unidos da América
com o México que é da ordem de 3.141 quilômetros.
A extensão fronteiriça foi um dos fatores a justificar a preocupação do Coronel
Mário Travassos em relação à vizinha Bolívia. Porém, havia outros fatores. Dentre todos
os países mencionados por Travassos, a situação da Bolívia era a que se apresentava como
a mais delicada e preocupante - um país vulnerável após a Guerra do Pacífico, sem saída
para o mar, vinculado sob o aspecto geológico à Cordilheira dos Andes, sob a influência
de países como a Argentina e o próprio Brasil.
Travassos escreveu a respeito dos potenciais centros de instabilidade na América
do Sul com destaque para o triângulo boliviano na primeira edição de Projeção
Continental do Brasil, datada de 1935. Hoje, o estopim que pode deflagrar a insegurança
na América do Sul e instaurar a crise de instabilidade não tem mais como epicentro
político a área boliviana; isso é assim ao menos na ocasião deste momento histórico no
qual vivemos. Diante dos fatos atuais, um polo atrativo de instabilidade surgiu e está
localizado no norte da América do Sul, mais precisamente no noroeste do continente
sulamericano.
Ocorre que uma composição de fatores deslocou a área de instabilidade. A
Venezuela caracteriza-se por uma crise política sofrida há algum tempo. O caso
venezuelano não tem enquadramento apenas na América Latina: trata-se de uma crise em
escala mundial. O petróleo, de matriz não renovável, sucumbe como opção energética; a
tendência é que seja desacelerada a sua exploração. O Equador vive igualmente uma crise
política deflagrada pela oscilação do preço do petróleo. Foi preciso que esse país se
manifestasse a respeito de sua posição de permanência como membro da Organização
dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP. A Colômbia, por seu turno, é percebida
pelo Coronel Mário Travassos como um país que causa preocupação devido à
instabilidade causada pela sua geografia: complexidade geográfica da extremidade
superior do continente sulamericano havida devido aos parâmetros geológicos bem como
aos de caráter topográfico. A isso, deve ser aliada a fragilidade política consumada pela
ausência de unidade territorial (TRAVASSOS, 1947, p. 84-87). Tomando-se os países
Equador, Colômbia e Venezuela, aí está a composição do que Travassos denominou de
‘o canto noroeste’ da América do Sul. Canto esse que por diversos motivos preocupava o
Coronel, visto estar concentrada - justamente naquele pedaço de nossas fronteiras
setentrionais – uma série de fatores que eram potenciais desencadeadores de instabilidade.
Por conta da chegada ao continente sulamericano do flagelo da COVID, dessa
ocasião em diante houve uma alteração política nos rumos da América do Sul, com
decisões de fechamento de fronteira e restrição de circulação de pessoas, fosse à escala
do MERCOSUL, fosse à escala em grau mais elevado que transcende a esse bloco
econômico. Por ora, escapam-nos elementos fáticos para que uma análise a respeito da
parte meridional do continente sulamericano seja feita com acuidade, principalmente
Terrestre comanda a Ilha Mundial: Quem domina a Ilha Mundial comanda o mundo” 1
1
Who rules East Europe commands the Heartland: Who rules the Hearthland commands the World-Island:
Who rules the World-Island commands the World.
Ele ainda comenta que entre os superestados que hão de surgir no futuro algum
haverá de ser, certamente, um país emergente, proveniente da América do Sul 2 (TAMBS,
1965, 33).
O triângulo representado pelas linhas que ligam as cidades de Sucre, Cochabamba,
Santa Cruz de La Sierra, elucidado na Figura 1, pode ser entendido como uma área.
Metaforicamente, essa área é uma base sobre a qual gira, pivota um pião.
Figurativamente, o pião é a América do Sul. Todo pião pivota em torno de um eixo: esse
eixo lhe dá o ponto de apoio para o movimento giratório. Sabe-se que a área sobre a qual
gira o pião é a base triangular. E para rodar, é necessário um ponto de apoio.
Em Travassos, por analogia, o eixo é o centro de poder. Qual seria então, o centro
de apoio? Algum lugar na base triangular que estivesse mais voltado para os lados de
Santa Cruz de la Sierra. Na seguinte passagem (com ortografia correta à época) Mário
Travassos imaginou a base triangular em forma de miniatura para aí assentar o apoio do
pião: “E na fiel expressão dessa miniatura, cumpre ressaltar Santa Cruz de la Sierra, justo
a região em que tendem a manifestar-se todas as fôrças dissociadoras da Bolívia
mediterrânea, região em que essas fôrças encontram seu verdadeiro ponto de aplicação”
(TRAVASSOS, 1947, p. 98).
Pois é justamente com referência no Coronel Mário Travassos, valendo-se da
terceira edição de Projeção Continental do Brasil, datada de 1938, que Tambs analisa,
por ele mesmo, Santa Cruz de la Sierra e a sua posição como epicentro político do
continente sulamericano. Assim, desenvolveu a seguinte assertiva para parafrasear
Mackinder: “Quem domina Santa Cruz comanda Charcas. Quem domina Charcas
comanda o ‘heartland’. Quem domina o ‘heartland’ comanda a América do Sul 3
2
New power blocs based on the great land masses of the world and revolving around their own continental
pivot areas are emerging. One of these superstates will be in South America (TAMBS, 1965, p. 33).
3
The axial Sucre-Cochamamba-Santa Cruz triangle around which pivots South America has closed on
Santa Cruz de La Sierra – the political epicentrum of the continent. To paraphrase Mackinder: Who rules
Santa Cruz commands Charcas. Who rules Charcas commands the heartland. Who rules the heartland
commands South America (TAMBS, 1965, 35-36).
4
ArcGIS on line. Disponível em: <https://www.arcgis.com/>. Acesso em: 07 set. 2019.
5
ArcGIS on line. Disponível em: <https://www.arcgis.com/>. Acesso em: 07 set. 2019.
Pode parecer excesso de zelo o fato de o Coronel Travassos ter refletido a respeito
do pequenino Equador, país não-confinante ao Brasil (juntamente com o Chile, são os
dois únicos não fronteiriços ao nosso país) como pertencente ao um trio de países que
teriam o potencial de deflagrar a instabilidade no continente sulamericano, com
consequências para o nosso país. Ocorre que em temática de fronteiras não se pode jamais
dar como consolidada, em caráter definitivo e estanque, a configuração dos limites
políticos dos países. Em outras palavras, vale dizer que as fronteiras são plásticas e não
perenes ao longo do tempo. O Equador já foi sim, outrora, vizinho ao Brasil em ocasião
na qual ele ainda não tinha por definitiva a resolução de suas pendências de limite com o
Peru.
selva, a floresta; e a geologia representada por relevo com altas elevações: a serra no
maciço das guianas.
O atravessar desde Santa Elena de Uairén, do lado da República Bolivariana da
Venezuela, para Pacaraima, no estado de Roraima, do lado brasileiro, é um ato simples
que pode ser feito a pé ou por carros: tem-se, aí, uma rodovia de duas faixas.
Uma vez situado em solo brasileiro, o venezuelano encontrará o empecilho
geográfico se quiser partir desde Pacairama para o interior do país: terá de enfrentar a
serra de Pacaraima, uma formação do relevo brasileiro localizada no planalto das guianas.
O Monte Roraima pertence a essa mesma formação geológica, com relevo de altitude. A
Figura 3 é o Parque Nacional do Monte Roraima. A imagem foi obtida na localização da
fronteira entre o Brasil e a Guiana.
6
PLANET TEAM. Planet Explorer; Planet Team: San Francisco, CA, USA, 2018. Disponível em: <https:
//www.planet.com/explorer>. Acesso em 10 jul. 2018.
prostituição etc. A Operação Acolhida promovida pelo Exército Brasileiro foi ajustando,
com o tempo, as arestas da situação incômoda surgida no primeiro momento.
7 CONCLUSÃO
A Venezuela da década de 1950 era detentora de significativas reservas de
petróleo, o que lhe valeu o título de PetroEstado; um país promissor, pólo atrativo de
movimento migratório oriundo de países como Portugal, Espanha, Itália etc.
Não há muito tempo o fluxo relativo ao atravessar da fronteira era feito menos
intensamente por parte dos venezuelanos e mais intensamente por iniciativa dos
brasileiros: estes últimos partiam desde o Brasil com destino à Venezuela para aí
desfrutarem tanto do comércio local quanto dos benefícios do turismo. Da Venezuela, os
brasileiros poderiam catapultar outras viagens com destinos diversos: ao Caribe, aos
Estados Unidos da América, à Europa. Tudo isso mudou.
Se antes o epicentro político e, por consequência, a área de instabilidade política
ameaçadora da paz para a América do Sul estava próximo a Santa Cruz de la Sierra, hoje
esse epicentro político está localizado próximo a Caracas. O pivô mackinderiano na
América do Sul deslocou-se da Bolívia para o canto noroeste. Além do mais, a
instabilidade não é ocasionada por um único país, como ocorria em relação à Bolívia.
Hoje três países - os países do canto noroeste - são os desestabilizadores. Na ordem de
importância e gravidade das crises, os países são a Venezuela, a Colômbia e o Equador.
Na atualidade, quem tem maior peso na análise geopolítica do canto noroeste é a
Venezuela.
Assim como se imagina que Mackinder teria ficado surpreso com o advento da
Revolução Russa de 1917 que enfraqueceria a Rússia e a desconfiguraria de ser o pivô
ameaçador da estabilidade no continente europeu (ou dito em outras palavras, Mackinder
errou porque o pivô geográfico da história não foi a Rússia); em analogia ao hemisfério
sul, no que concerne ao continente americano na sua porção meridional, imagina-se que
Mário Travassos supostamente teria ficado surpreso também com o surgimento de uma
forte crise política na Venezuela advinda das consequências da desvalorização do
petróleo (em dois momentos isso ficou bem latente: em 2009 e a partir de 2014, em
diante).
Quer-se, no entanto, enfatizar a motivação da suposta surpresa de Travassos: a
situação do petróleo. Quando escreveu o livro Projeção Continental do Brasil a
Venezuela estava passando por um período de bonança graças ao ouro negro. Acredita-
se que por esse viés (o econômico aliado ao desprestígio do petróleo como fonte de
recurso energético) Travassos não haveria de imaginar a quebra da estabilidade
venezuelana. No entanto, ele havia imaginado sim alguma instabilidade para a região, a
qual classificou como a instabilidade do canto noroeste, canto do qual a Venezuela faz
parte e representa a terceira maior extensão de fronteira terrestre com o Brasil.
Diante dos fatos atuais, ao analisar a presente conjuntura, tendo como apoio as
ideias de Travassos, entende-se que o pivô geográfico mackinderiano na América do Sul
deslocou-se da Bolívia para o canto noroeste. A América do Sul agora gira, pivota sobre
um eixo posicionado bem mais acima da Bolívia, vale dizer, bem ao norte da América do
Sul. Dito de uma maneira bem esclarecedora, a vulnerabilidade da América do Sul está
no fato de ela passar a girar sobre um eixo posicionado praticamente no hemisfério norte,
uma vez que o Equador, a Colômbia e a Venezuela estão bem próximos à linha do
Equador. Isso faz atrair para a setentrionalidade do continente sulamericano o “pivotar”,
um movimento giratório que antes era apoiado numa base plantada na meridionalidade.
Em outras palavras, a América do Sul está girando como um pião de maneira bem
inclinada à América do Norte. A Venezuela caracteriza-se por uma crise política e
econômica sofrida há tempos. A instabilidade política da Venezuela ameaça a paz no
continente sulamericano na medida em que o Estado bolivariano vem se mostrando
incapaz de prover a solução para a crise deflagrada. Dito de outra maneira, no jogo das
relações internacionais, outros atores políticos poderiam pretender se habilitar para dar
solução à crise venezuelana, como por exemplo, os Estados Unidos da América. Se isso
ocorresse, seria o estopim para deflagrar tantas outras reações em cadeia e em escala cada
vez maior, no âmbito internacional, e cujas consequências escapam-nos de análise neste
momento histórico. Pois o Brasil perdeu uma grande oportunidade de se aproximar da
Venezuela para ajudá-la a superar a crise. Se o Brasil tivesse articulado o Itamaraty para
ser interlocutor no diálogo com esse país vizinho, muito provavelmente não haveria
espaço aberto para ser colmatado por países estranhos à região. Ou seja, o nosso país
perdeu a oportunidade de exercer liderança local e se empenhar em benefício do país
vizinho que representa a terceira maior extensão de fronteira terrestre.
O caso venezuelano transcende a parte setentrional do continente sulamericano e
toma uma envergadura que ultrapassa a América do Sul como um todo: trata-se de uma
crise em escala mundial. O mais preocupante é o fato de haver uma forte presença da
Federação Russa na Venezuela concretizada nos equipamentos bélicos vendidos pela
Rússia aos venezuelanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MACKINDER, Halford John. Democratic Ideals and Reality. 3. ed., New York: Henry
Holt and Company, 1942.