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Aquilo que sou no tempo e no vento: quando encontrei

Ogum

Estava na porta de Ogum.

Atrás de mim tinha um rio. O rio corre e escorre nos

meus pés. Meus pés é o mar.

Meus pés É! o mar.

Na porta da morada de Ogum tem rocha. Rocha

esburacada. A porta de Ogum é a lua, as estrelas sua

morada.

Eu sentia medo. Não medo de Ogum, mas de seu

julgamento, porque o julgamento de Ogum anuncia

verdades...

Eu tinha medo do que Ogum pensava de mim. Ele sabia o

que meu lombo carregava e também da dor do carregar.


Por isso, ele também entendia que eu queria entrar em sua

morada para descarregar aquilo que pesava meu lombo:

minha história.

Ele estava lá quando bati na porta, e eu que via as portas

assim | °| não entendia que ela poderia ser assim, LUA.

Eu queria entrar.

Queria tirar meu peso.

As rochas eram muitas e eu só queria entrar.

Queria descansar, comer, rir e festejar na casa de Ogum.

Foi então, que a primeira coisa que Ogum me ensinou foi

que não se entra em lugar nenhum, na casa de ninguém,

não se senta, também não anda, nada disso, sem pedir

licença.

“Peça licença.
Retorne duas casas em seu tabuleiro e tenha educação

para com os demais”.

A segunda coisa que aprendi é que não se entra na lua

para chegar em morada de Ogum.

Se caminha por ela.

Mas caminhar pela lua é um sobe e desce morro sem

descanso. Pois é assim mesmo.

Tive que descer e subir rochas lunares de quase três

metros com o lombo cheio das cargas.

Uma das vezes, caí num buraco e fiquei duas horas lá.

Depois, levantei não sei como, porque nunca sei como me

levanto quando caio, só penso nisso depois.

Dei a volta na lua várias vezes até cansar.


Quando dormi, Ogum me viu. Ouviu, na verdade. Foi a

respiração devagar de quando eu durmo que chamou sua

atenção.

Quando Ogum viveu a guerra, acostumou os ouvidos aos

barulhos e ruídos muito brutos e ofegantes. Por isso, só

quando respirei bem devagar que ele percebeu que eu

estava ali, dormindo de barriga para baixo porque em

meu lombo tinha história.

Ogum, depois de me ver caminhar, dormir e respirar

lento, me acordou e perguntou o que que eu queria. Eu

entendi e disse:

“Agô, meu pai. Pisei nessa rocha lunar e andei sobre ela.

Peço licença para estar em sua presença, entrar em sua

morada, pois eu quero descansar. Tenho história em meu

lombo e eu... eu estou cansada”.


Ogum nessa hora me apontou sua espada e eu só tinha era

medo. Ele disse:

“Você não é suas histórias e minha casa não é depósito.

Não é paragem e nem estadia.

Eu moro nas estrelas, e as estrelas explodem, em cada

explosão eu vou com elas. Quem quiser entrar, saiba bem

aonde está pisando, pois, minha morada é a

impermanência derramada pelo tempo.

Meus braços não são teu berço e minha espada é a própria

guerra.

Se quer dormir, vá para seus pés que É o mar. Se quer

consolo, retorne nas águas de tuas lágrimas. O que eu

posso lhe dizer é que até pra chorar você deve pedir

licença, porque quando uma lágrima cai, está abrindo


caminho, está querendo passagem. E tu, menina, é

responsável pela água do seu olho, pela água dos seus

pés, porque seus pés É o mar.

O teu lombo carrega os frutos e dentro dos frutos, a

semente.

Abra, coma, pegue a semente.

Chupe e umedeça.

Depois chore bastante até que inunde seus pés, porque

seus pés É o mar.

A maré vai encher e quando tudo inundar chame os

peixes, mas antes de chamar, peça licença. Tenha

respeito.
Quando eles chegarem, diga que você é parte. Agora que

sabe que é parte, pode entender que não é tudo, mas que

até uma parte é um pouco do tudo de alguma coisa.

Os peixes vão estar lá sendo parte também.

Eles vão mastigar a semente, você também.

Depois, vocês vão olhar todas as sementes mastigadas.

As sementes também são partes.

Pegue, mas antes de pegar, peça licença e os peixes te

devolverão os mastigados.

Agora, coloque tudo dentro de você através de seu

umbigo.

Olhe de novo, sem descansar, até tudo ficar bem seco.


Tudo estará seco, menos seus pés, porque seus pés É o

mar.

Deite, mas não descanse. O que brotar é seu.

Quando for colher, peça licença, porque mesmo o que

nasce de seu umbigo, fruto e semente de sua história,

deve ter cuidado e licença para se colher.”

Nessa hora, Ogum se virou e eu logo de uma vez só,

comecei a chorar. Chorei, mas antes pedi licença e vi a

passagem das lágrimas virar rio, quando se encontraram

com meus pés que É o mar.

Quando mergulhei em mim, viramos tudo uma coisa só.

Nessa hora, me afundei num gelado que me lembrou a

dor do lombo que tava doce de tanta dor.

Peguei os frutos, mas antes, pedi licença.


Comi, foi de um gosto amargo e eu quase vomitei. Peguei

semente por semente. Contei.

Eram trezentos e oitenta e seis mil sementes. Chupei e

umedeci cada uma delas.

Voltei a chorar e chorei tanto que meus pés que é o mar

cobriu toda a lua numa água salgada.

Uma onda veio, veio muito forte, quem passou debaixo

da lua nessa hora se molhou.

Aproveitei tudo em água e pedi licença para chamar os

peixes, quando eles chegaram, eu disse: “EEEEEEI!!! Eu

sou parte...”

Sendo parte, entendi que não era tudo, mas parte de

alguma coisa.
Quando mastigamos a semente nossos dentes trabalharam

e eu entendi que éramos parte. Principalmente porque

depois ficamos lá, olhando praquelas sementes

mastigadas que eram parte também.

Não descansei.

Os peixes foram embora, mas antes pediram licença.

Tudo ficou seco menos os meus pés e isso você já sabe o

porquê. É porque meus pés é o mar...

Eu deitei sem descanso.

Coloquei toda a mistura no umbigo, olhei, deitei, atentei,

e por muito tempo nada brotou.

Se passaram muitos tempos.

Um dia abri meus olhos que não descansaram e vi que

dentro de meu umbigo nasceu uma lança pontuda.


Pedi licença e colhi.

Ogum veio e viu de relance o brilho de meu instrumento

recém-nascido. Quando o vi ainda senti medo, mas tive

coragem.

Foi então que fui lá e pedi licença:

“Agô, meu pai. Peço licença para estar ao seu lado”.

E ele disse:

“Agora, seja recebida em minha morada. Que não é

depósito, não é paragem e nem estadia: é a

impermanência derramada pelo tempo e o suor de cada

luta. Ninguém adentra a morada de Ogum sem uma lança,

flecha ou espada. Sem chorar e mergulhar no próprio rio,

sem sentir o gelo do próprio mar. Ninguém nunca está

pronto, o que se alcança, não é a prontidão, mas a


coragem de comer a própria história e fazer dela uma

arma.

Minha morada é a própria batalha. Entre, mas não venha

para vencer, venha para lutar. Estarei contigo, pois agora

Eu serei sua lança carregada em seu lombo.

Venha e pise no campo de batalha.

Pise com seus pés de mar que é teu escudo e cuida de

seus caminhos. Tenha medo, não perca o medo, mas dê

passagem para quando ele tiver de ir embora.

Agora que sou sua lança, pode vir, pode entrar.

Mas não se esqueça, que até na batalha, na luta e na

guerra é preciso pedir Agô.


Quando for embora, não olhe para trás, mas saiba sair,

termine o que começou, peça licença e recolha os frutos

da vitória, derrota ou trégua.

Ponha os seus em seu lombo e não pense em descansar

até que toda essa gente possa dormir e comer. Entenda

que a parte só descansa quando o todo pode descansar

também.

Você não irá salvar ninguém, talvez nem a si mesma, o

que vai é ser parte, mas sem esquecer da responsabilidade

que uma parte tem: batalhar pelo todo, mergulhar em suas

águas, mas sempre e para todo sempre, pedir licença.

Agô.

Pedir licença é rito de passagem, é código de abertura dos

caminhos. O cosmos é quem permite que as linhas e

fluxos de entrada escorram na borda do tempo e para que


se criem as estradas, encruzilhadas, caminhos, guianças e

passagens que se fecham na porteira do destino.

Quando a porteira fecha, deixa entreaberto: é fresta da

vida que fica entre o cadeado e a corrente. Só é capaz de

abrir, entrar, percorrer, caminhar, quem abaixar o Orí e

reconhecer sua pequeneza. Reconhecer a pequeneza é

adentrar nos mistérios de ser parte, porque ser parte é ser

mistério.

Quando o Orí reverencia o Cosmos, quando pede licença,

a fresta da vida vira sopro de vento e cria a chuva, a relva,

a selva e o mato. Também vira o tempo, de tal maneira

que o tempo passa a dar voltas deitado .

Pedir licença, é pedir permissão, e somente quando se

pede, agradece e segue, é que das chuvas, da relva, da

selva e do mato se brotam os frutos que serão comidos e


darão as novas sementes que estarão aqui comigo e

contigo germinando outros modos para se carregar novas

histórias no lombo, na boca e no umbigo.”

Assim, eu entrei na morada de Ogum e em suas batalhas,

sempre com ele em meu lombo em forma de lança.

Pedi Agô para entrar. Agora mesmo estou sendo a própria

batalha e vivendo a luta com pouco descanso. Pelo menos

agora posso me lembrar que até mesmo quando sou

batalha, sou somente parte dela.

Ogum em meu lombo tem caminhado para estar em meu

Orí. Um dia, é lá que ele irá morar também, porque ele

também será parte e eu também serei. Também.

Neste dia, que será num outro tempo, num outro giro,

seremos tudo e nada num esvaziamento das totalidades,


mas que tudo irá preencher. Enquanto isso, faço deste

tempo do agora um aguardo na luta.

Tenho respirado o pó das estrelas e quando aponto minha

lança ao céu, lembro de que estou nele, explodindo com

os astros que aos poucos tempos vão morrendo. Nessas

horas me sinto viva e passo a permanecer assim: na

impermanência do tempo que Ogum derrama em mim.


Prelúdio para fechar o corpo e abrir a alma

Abrir os braços em frente ao espelho e perceber que meu

corpo é uma encruzilhada

Subverter e entender a encruzilhada como aquilo que abre

os caminhos

Fazer do corpo a própria abertura

Fazer do corpo o próprio caminho

Corpo como terra-tório de passagem

Viver as entradas, fluxos, saídas da encruzilhada como

passagem, oferendando os afetos

Afetos em caminhamentos

em

corpo

em
cruza:

não linear, em abertura e multiplicação.

Ser passagem em consonância com a diferença

Os caminhos como necessariamente múltiplos

O corpo como necessariamente múltiplo

Exercitar o corpo em morada não colonial,

fazer de um corpo a encruzilhada para fechar o corpo e

abrir a alma.
O corpo é uma encruzilhada

Tenho escrito em tentativa de dar passagem.

Tem angústia querendo passar.

Lembrei muito do que me veio quando eu abri meus

braços e vi que meu corpo era uma encruzilhada.

O Orí de terra é o que aponta pro céu e meus braços ao

mar e às montanhas.

É esse o meu corpo: uma terratório de caminhos e

passagens.

Eu sou o meu caminho e moro na encruzilhada. Também

moro em outros lugares, mas é que o meu corpo é o que

abre os caminhos justamente por ser ele é a própria

encruzilhada de mim.
Sinto a manada passar.

É o barulho que faz desse bando que passa e que me

desperta para ver o tanto de coisas que estão passando por

mim e em mim de dentro pra fora.

São as palavras que como búfalos, pisoteiam meu corpo-

caminho e vão em busca de algum lugar.

Vão dar destino às minhas dores. E dão.

Não morrem em papel, pelo contrário, vivem no tempo e

no espaço, tomando outras formas que geram a cura em

mim.

Tenho encontrado nas palavras que saem de dentro,

possibilidade de cura. Mesmo uma cura efêmera, mas

indiscutivelmente cura.
Agora pensando, percebo e reavalio a efemeridade das

coisas. Tudo é efêmero? O que é tudo? Nada é tudo.

Porque as coisas são apenas parte. Ser parte é ser

mistério, e mistério é o vácuo do cosmos que tem me

rodeado, mas rodeia precisamente o centro da Terra do

meu coração.

O coração mora no meu corpo e isso é óbvio, o que fica

em aberto é em qual lugar dessa encruzilhada ele habita.

Ele habita parte, mas liga a parte ao todo.

Enquanto os búfalos passam, eu ouço a manada passar. É

o tambor atabaque que palpita em mim e que pulsa

enquanto a palavra percorre o caminho, o corpo, a

encruzilhada.
A cura vem, e só vem se houver passagem. É quase

como uma troca. Eu dou a palavra e em troca recebo a

cura.

Na verdade eu não recebo nada. O que o ocorre é que

cura, é o vento que passa depois da manada dar espaço e

seguir seu curso. É ele quem vem atrás, limpando os

rastros que ficam depois que as angústias carregadas em

palavras se vão.

Tenho vivido essa cura, tenho encontrado passagem. Se o

caminho está fechado, tenho feito de meu corpo o próprio

caminho em forma de abertura. Meu corpo é a

encruzilhada e é nas encruzilhadas que se oferendam os

pedidos, os agradecimentos.

Eu peço e agradeço.
Peço a cura, agradeço a cura.

Eu escrevo a cura, porque enquanto escrevo, percebo a

mim.

Vejo o tanto de entulho que coloco para fora e tenho de

me lembrar que meu corpo não é caçamba. Meu corpo é

caminho, é passagem, é fluxo, é encruzilhada, é encontro

com Exú.

Sigo me curando, sentindo o vento passar. Na verdade,

ainda não, porque ainda não terminei. Preciso de silêncio.

É só assim que consigo ouvir a palavra búfalo passando

em manada dando vazão.

Por muito tempo, duvidei dessa capacidade de escrever e

dar passagem. Agora percebo que só é possível curar e


dar passagem se tiver coragem para ver o que tem de

passar.

Tempo é uma coisa que tem chegado em incógnita e

pensamento e eu tenho pensado muito sobre o tempo

enquanto o tempo...passa.

No final das contas, percebo que a passagem, o caminho,

o fluxo, o movimento e o que mais eu puder entender

como aquilo que gira, é o que vai determinar o lugar das

coisas.

Troca não é dar e receber, troca é gira.

Determinar o lugar das coisas também é cura.

Muitas coisas vêm vindo como cura nesse meu aprender.

Percebo que tem coisinhas que se tornam cura e que eu

nem imagino...
Parece que a cura está em lugares reinventados que eu

tenho tentado redescobrir e perceber que os que vieram

antes de mim já tinham descoberto.

É o giro do tempo que não termina, mas passa. Quem é o

tempo? Quero saber.

Nessa relação de tempo-espaço, eu sou espaço, pois eu

sou o caminho. Eu sou a passagem do tempo, e o

caminho para a cura, para o vento, que é o que derrama e

limpa o que ficou em mim.

Meus dedos conseguem escrever e contar. Meus dedos

são a boca e o coração do caminho. São eles que tocam o

mar e a montanha, são neles que termina a encruzilhada.

São eles os capazes de me curar.


Agora percebo que a encruzilhada não termina. Nem nas

pontas dos meus dedos, nem no ponto em que termina

cada frase. Meus dedos são a extensão de meu corpo-

encruza porque tocam, escrevem e curam. Minhas mãos

são cura, porque tenho recriado o mundo com elas.

O dedo é a periferia do meu coração.

Peito é núcleo.

Tenho descoberto essas coisas a medidas que vou

escrevendo. A descoberta é preciosa, pois tenho me

descobertado e virado do avesso.

Olho para os ossos desse corpo-caminho.

Olho para esses ossos que são as raízes de minha

encruzilhada. Em meus ossos habitam as incertezas do

destino e são as incertezas que me dão sustentação.


Mesmo sendo caminho, mesmo sendo encruzilhada,

tenho que aprender a caminhar, a encruzilhar.

Encruzilhar é fazer sentir.

É fazer sentido.

Fazendo e sentindo no meio do caos.

E eu tenho encruzilhado bastante, mesmo em meio a

manada que já agora vem em seu fim.

A cura vem, eu sinto.

A cura vento vem passando e girando tudo e parte desse

lugar.

É tempo de mistério e isso não tem fim.


Não sei por quanto tempo permanecerei curada, mas isso,

já não me inquieta mais, porque a angústia agora mesmo

já passou.

Eu ouvi o palpitar de meu coração anunciando a

passagem da manada carregada em palavra.

Agora, descansarei meus dedos e meu peito latente.

Os caminhos também descansam (mas não dormem)

enquanto o vento vem curar.

Retornarei quando for preciso,

usando a palavra para encruzilhar.


Prelúdio para lembrar do próprio nome

Fazer da maternagem um exercício de deslocamento

Fazer deste exercício um movimento de descoberta e

subversão

Lembrar de quem se está maternando e porquê.

Cuidado não é controle

Organização não é controle

Se encontrar no lugar do cuidado é cuidar de si

Cuidar para não se medir em réguas que não alcancem

nossa grandeza

Meu nome não é mãe

Seu nome não é mãe


Mesmo quando me chamam por mãe aproximadamente

quinhetos e sessenta e quatro vezes ao dia ("mãe, toalha."

"mãe, onde tá meu triceratops?" "mãe, me dá água."

"mãe, faz pãozin de queijo?") preciso lembrar meu nome

para lembrar aquilo que sou além de.

Subversão e fogo sobre aquilo que adoece e aprisiona o

corpo

Ser nômade sobre o território materno para reflorestar e

descobrir outros lugares na criação

Lembrar que isso tudo também é sobre cisnormatividade

Desarmar as armadilhas do - boa mãe - e – “você é uma

guerreira”.

Investimento em redes que construam o cuidado e a

subversão continuamente
Não existe mãe boa

Porque a gente ainda não sabe nem o que que é (e pode)

ser essa coisa de ser mãe


Meu nome não é mãe

Tenho estado cansada e ontem mesmo chorei antes de

dormir.

Ser mãe é uma coisa muito séria. Tão séria que me

lembro o tempo inteiro que sou outras coisas.

Quando falo que meu nome não é mãe, parece que

inevitavelmente lido com as vozes que me questionam o

que quero dizer com essa renúncia.

Ora, o que eu quero e vou dizer é que meu nome não é

mãe, mesmo que por dia, seja assim o chamado que me

chama incontavelmente inúmeras vezes.

Essa coisa do nome é engraçada porque sempre faço

questão que me chamem pelo meu nome.


Não gosto quando se confundem e me chamam de

Mariana, por exemplo.

Meu nome é Marina e significa “aquilo que vem do mar”.

Às vezes ouço as pessoas chamarem o porto, onde ficam

os barcos e navios, de Marina. Mas eu não sou porto,

tampouco porto-seguro porque a impermanência é a

minha morada. Até quando estou, quando permaneço,

entendo que estou a permanecer e abro mãe de ser aquilo

que permanece.

Dizem que sou filha de Iansã e eu acredito.

Iansã é movimento, e eu sou, estou me movimentando.

Tenho que revisitar constantemente o exercício de criar

outros significados de produção e criação, de sentido e

movimento.
É assim que faço para me lembrar que as réguas que me

medem não alcançam jamais a minha grandeza, porque

em muitos momentos eu tenho mais de dois metros de

altura. A régua do outro não alcança minha medida,

porque eu... eu não caibo em lugar nenhum.

Não caber é impermanecer. E morar na impermanência é

ser vizinha do tempo.

As ondas não permanecem no mar, porque,

inevitavelmente elas não param, só quebram, esfarelam...

às vezes elas quebram nas pedras, às vezes, esfarelam na

areia. Depois, vem o mar e puxa o que sobrou para si

como quem pega as sobras para se alimentar muito

rapidamente, até que se forme outra, e mais outra, e mais

outra onda.
O mar não se cansa, e embora seja de lá que eu e meu

nome venhamos, eu tenho me cansado bastante.

No meu cansaço, agora me pergunto: o mar é mãe de

todas as ondas? Tenho certeza que sim, porque em sua

soberania nos ensina a ver nossos filhos se

desmancharem em pedras e areias, na tranquilidade de

que estamos sempre ali recolhendo o que sobra e fazendo

disso um alimento para outras criações.

Meu nome não é mãe, mesmo sendo muito mãe de

alguém.

Não nego que sou mãe, embora ninguém saiba muito bem

o que é isso de ser mãe, mas o que quero dizer e digo é

que meu nome é Marina.


Não é “uma mulher muito guerreira”, ou “uma boa mãe”,

ou “você deixou seu filho gripar quando não colocou um

casaquinho na bolsa dele”.

Eu sou outras coisas e tenho mil nomes, embora meu

preferido seja Marina. A Terra também tem mil nomes,

embora eu também a chame de Madre.

Está aí mais uma mãe na fila dos corpos cansados...

É que acham que mãe é nutrir, cria e alimentar, dar colo,

satisfazer e brotar, brotar, brotar. Parece até que

maternidade é uma espécie de monocultura, porque

extraem tanto desses corpos, mas tanto, que em muitos

momentos eles esquecem seus nomes.

Mas eu não esqueço o meu e revivo no movimento.


Tenho mais de dois metros de altura, embora tenha quem

diga que não.

Nessa grandeza, descubro que mãe sou apenas de meu

filho e que cuidado é parte do encontro. Encontro não é

controle. Cuidar é deslocamento, subversão.

Cuidado é impermanência, porque o crescimento, o

desdobramento do corpo no tempo, acontece. Agora

mesmo vejo o corpo de meu filho se esticar no tempo e

no espaço: são as ondas se esfarelando na areia.

Tento, todos os dias entender esse negócio de ser mãe.

Mas me lembro em todas as horas outras coisas que

também sou. Em nenhum de todos esses infinitos

momentos esqueço do mar, assim como não esqueço meu

nome e minha altura.


O que me tenho me lembrado é de chorar e dormir. São

coisas que me aliviam..., mas só quando sou capaz de rir

e acordar, abrir bem meus olhos, é que vejo o mar

entregando a onda na areia. Sou eu entregando meu

menino pra vida.

Ele não é minha felicidade porque a ele cabe não caber,

para que também possa ser outras coisas, assim como eu.

É ele quem me obriga a encontrar sentido em mim,

sentindo em mim, passando por ele, mas de modo

impermanente.

Morar na impermanência e ser vizinha do tempo tem

dessas coisas.

Tenho mais de dois metros de altura e eu não me esqueço

de jeito nenhum. Não posso me esquecer.


Sou a inconstância das coisas e permito meu corpo de

estar.

Esse corpo que não é porto, nem estação de teus barcos,

porque não se para naquilo que não permanece. Também

não pode parar porque não quero e do que eu não quero

sei muito bem. Também sei do que quero e o que quero é

dizer meu nome.

Meu nome é Marina e fui nomeada de mar, porque é de lá

que eu vim.

Nomear é exercício constante de importância e primazia

para a dissolução dos nós que me prendem a passagem da

água na garganta.

Quando dissolvo o nó, choro como a onda que se esfarela

na areia, como aquilo que faz de mim um pedaço de mar.


Sinto o gosto salgado da lágrima e vejo a Marina que sou.

Chorar e escrever tem sinto nomeação constante dos

oceanos de mim. Mergulho e me preencho de ar.

Quando me preencho de ar meu peito vira casa do

movimento, de um jeito que a palavra vem em onda na

garganta, escorre como mar de meu olho, e só assim

passo a receber todas essas palavras que são endereçadas

a mim.

É só quando recebo a palavra que entendo a importância

de ter um nome que faz de mim um oceano abissal.

Por ter um nome e uma lágrima salgada posso dizer e

chorar com gosto de suor e sangue que meu nome não é

mãe. Porque o mar é mãe, mas também é sal.


Na jugular

Penso que devo observar animais a caçar.

Admirar como se mostram os músculos das coxas felinas

que correm pela selva atrás de suas presas.

Tenho vontade de pisar no mato seco, de queimar ao sol e

solo e de quatro espreitar a carne.

Olhar felinamente entre o mato e ensinar ao meu filhote,

que na jugular não tem erro. Não preciso ser felina, nesse

caso, é só questão de identificação. O que precisa mesmo

é ser selvagem. Eu moro na selvageria, eu moro na poça

de sangue.

Também tenho me assemelhado as cobras, porque gosto

de me rastejar. Dizem que os olhos da alma, moram nas

solas dos pés, porque é de lá que se vê a terra. Mas cobra


não tem pé! É o próprio corpo inteiro que em silêncio se

arrasta em direção ao bote. O olho da alma é na verdade,

o próprio corpo da cobra.

No baralho cigano, a cobra tem mais de um sentido e

significado, mas em primazia significa alerta, atenção.

Pra dar o bote é preciso silêncio.

Para pisar no mato, não pode ter barulho, porque senão,

não tem jugular. Senão, não tem caça, não tem sangue pra

escorrer.

Mais do que tudo isso, preciso ensinar meu filhote a

correr, mesmo que pra isso se abandone o silêncio.

Percebi que muito falo com ele de comunismo, mas

muito pouco de predador. Embora rosnemos ao


capitalismo, tenho mostrado como escapar de suas

garras? Não. Não, porque também não sei.

Nessa selva, eu também sou presa fácil. Eu também não

sei correr tão bem assim. Mesmo pisando em silêncio,

mesmo me rastejando em mato. Podemos até traçar a

caçada ao farejar o futuro, mas o predador, procria como

um coelho e corre como um jaguar. Corre atrás do tempo,

até parecer mais veloz que ele.

As histórias contam que o mago fracassado é aquele que

tenta voar mais alto que o céu, neste caso, tenta correr

mais rápido que o tempo. Assim por exemplo, Ícaro teve

suas asas queimadas e caiu porque voou perto demais do

sol.

Tenho a impressão de que essa é a lei.


Lei que diz sobre os mitos da falência: há de cair, há de

morrer. Mas enquanto isso, não sou eu quem vou ficar

olhando para o céu. Vou vendo como ensinar a se

desdobrar como gente, caçar que nem onça, rastejar feito

cobra. No final, terei fracassado inúmeras vezes. Vão me

culpar por tudo, vão esquecer meu nome e me chamar por

mãe. Até lá, vamos comendo da carne e bebendo do

sangue de cada um desses aí.

Mas em silêncio e pela jugular.


Não tenho sede de vingança, eu tenho é de água limpa

O inconsciente é água e deságua em sei lá o que,

em não sei aonde e como toda água, encontra lugar de

escorrer. Inconsciente é água e o corpo é terra.

Corpo é terra-tório.

Em muitos instantes é aqui em terra que o inconsciente

vem desaguar seu caos. Em outros, ele só passa.

O corpo vira margem, passagem, e o movimento traz o

rio.

Minhas plantas sentem sede e o meu corpo também.

Enquanto isso, meus pensamentos choram porque quero

conhecer a paz dum desague com menos dor... desaguar

tem sido lágrima de pensamento, embora meu corpo ande

meio seco. Me esforço para acreditar que tempo bom vem


e que logo menos a secura vai-se embora. Também me

canso de ser essa terra cansada e cheio de lamento,

porque é preciso plantar esperança, acreditar que não

demora toda essa terra, todesse broto e gente vêm

descansar.

Meu corpo de terra precisa de descanso, mas água vem

pedindo passagem e às vezes vem sem pedir licença.

Nessa hora meu olho chora e pensamento vira gota.

Escrever também é água, é chorar com os dedos.

É inconsciente desaguando aqui. É movimento de rio em

desague.

Meu dedo é terra, é periferia de encruza. Minha garganta

é açude cheio de palavra e minha barriga é brejo.


Em cada um desses lugares tem terra em volta. É meu

corpo que se mistura na maré e faz o mangue...

Tenho pensado no mangue, tenho sentido a lama. Às

vezes tem sido na lama que encontro a paz, porque é na

lama que Nanã me nina até que eu durma e não a veja ir

embora. Tem dias que ela quase me recolhe, mas desiste

e me deixa dormir.

E vai. Nanã vai devagar e eu espero o dia em que vou

com ela, mas agora não é hora, porque meu corpo ainda é

palpável, é sólido, é Terra.

Por hora, sou terra. Mas por ser terra, tem sido difícil de

se lembrar. Por isso, escrevo para me convencer, para

memorar aquilo que também sou: terra-Marina-terra!


Escrever tem sido esperançar com a alma. É lembrar,

esforço de não esquecer. Tenho me esquecido de muitas

coisas, mas não é quando pisam em meu chão que me

dói, que me esqueço.

Quando me pisam, criam as raízes e das raízes nascem

meus filhos: nascem as árvores.

Agora, esses filhos meus sentem sede também, e embora

eu chore, ainda estamos secos. Testemunho a seca e o que

faço ainda mais é chorar.

Enquanto escrevo, sinto medo do que pode vir, porque

não sei bem o que virá. Embora eu nunca tenha sabido

muita coisa, eu temo. Temo porque amo, temo pelos

meus.
Temo porque tenho testemunhado a fome, e testemunhar

a fome e a sede é ver gente com fome, ver corpos de

carne. Às vezes o corpo de carne sente tanta fome que

mais parece é osso...

Eles choram e de tanto que choram, chegam a secar.

Agora entendo porque chorar não mata minha sede...

A verdade é que mesmo não sabendo de muita coisa, eu

sei quem produz a fome. Sei quem seca e inaugura a sede,

sei quem faz nossos corpos chorarem, e por saber, não

terei dó quando estes virarem adubo no quintal do

inferno. É essa horda que cava as covas em mim, são eles

que autorizam os sete palmos! Despejam em corpos de

carne, terra, em água e em ar, os venenos e amarguras de

seus desejos.
E por testemunhar, um dia chorei tanto que o fogo me

disse que vem para cuidar. Vem para queimar quem

alimenta a fome, para cobrar esses que usaram do próprio

fogo para sujar pelas chaminés.

Ah, o fogo vem.

Eu não terei dó, eu não terei! Serei testemunha como

aquilo que sou quando o vento vem me contar.

Naturalmente, o fogo só veio até mim porque testemunhei

muitas coisas, e de tanto isso, chorei pelos horrendos que

vi e ouvi. Chorei um vale de lágrimas até que ele veio em

raio descendo os céus para me prometer que ele vem nos

cuidar.

O fogo me fez promessa e escrevo enquanto aguardo,

enquanto testemunho. Mas escrevo também em forma de


anúncio: diga ao vento que o fogo vem! Diga ao céu, aos

outros pedaços de terra e para cada corpo que o fogo

vem!

Evidentemente, sempre terão alguns e aqueles que vão se

assustar com o chamado que anuncia o fogo. Entretanto,

eu particularmente não tenho medo. O que tenho é

respeito. E nutro um respeitar porque o fogo me respeita

também. Ele sabe que quando meus pensamentos choram

viram rio de força veloz. Só pode se a ver com fogo quem

dá passagem ao rio das lágrimas, e ele sabe disso.

Por isso mesmo que ele veio ao meu encontro quando de

tanto chorei num desague de vale, ele chegou para me

prometer, para me consolar, para dizer que é ele quem

vem curar.
Digo então à todas as terras e carnes de gentes que

nossas lágrimas clamam o fogo. Nossas águas são vivas

de poder e transmutação, mesmo quando elas não matam

a sede.

Embora eu não saiba de (quase) nada, posso dizer com

segurança que são essas as forças que choram em nós,

que chamam o fogo vivo que virá queimar e trazer

descanso de paz, desague com menos dor.

Embora essa gente destilosa de veneno tenha me cansado

e eu sou testemunha também desse cansar, não vão me

vencer, porque até mesmo em secura ainda tenho em mim

a lágrima que clama a promessa de um fogo.

E toda a minha gente de terra, carne e água,

testemunharão comigo a queima da horda que habitará os

confins de um outro chão. Não será nesse momento em


que saciarei minha sede, não será o fogo quem virá me

aguar, mas é certo que os caminhos abrirão para chuva

vir.

E assim, em meu imaginar de desague, fantasio e sonho

com o dia que o fogo virá. Não tem data, apenas espera e

testemunho. Sei que quando as hordas queimarem, se

entenderão como a própria fumaça que sujam o vento

com suas chaminés, também virarão adubo para horta do

cão e aí se lembrarão que até corpos em veneno são feitos

de ar, são feitos de terra e choram água também. O fogo

lhes ensinará.

E eu serei testemunha sem dor, sem dó. Não tenho sede

de vingança, antes que digam. Eu tenho é de água limpa.

O que testemunharei será o que será, e é sabido que sim.

Veremos o fogo queimar os corpos venenos que chorarão


rios de lamúria até que desaguem em redenção nas

margens de terra. Não ligo, não me importo, porque

redenção será o lugar de chegada quando se entenderem

como parte daquilo que envenenam. Se descobrir como

assunto do que se destrói é dor, é Vale: de um rio doce

amargurado em uma lama que não é de Nanã. Pode vir,

fogaréu. Vem desafogar o céu e a terra desse lamento

que tem fim.


Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só

jogou hoje

Sou a pedra que Exu joga para furar o tempo. Sou o

elemento, a matéria, o mineral que brinca o caos.

Quando Exu gargalha no tempo, assopra o vento que no

sonho vem para contar o que vem, o que virá.

Quando vem, já veio, porque em sonho já foi.

Por isso, eu sou a pedra, o caminho e a passagem que Exu

usa para seduzir e desnudar a ordenança formal e linear.

Assim, Exu me joga para ser a pedra e a ferida aberta que

aos poucos vem anunciando o começo de um final que só

começa porque não termina.


Lança meu corpo na boca do mundo no enfim para dar

início ao giro. É seu gira mundo quem gira e faz do

tempo, a roda.

Sou a pedra que Exu arremessa e o pássaro que ele acerta.

De modo que de mineral à carne faço meu ingresso à

terra e mineral me torno novamente. Assim que me

transformo em transposição elementar, acordo e

novamente alço meu voo nas mãos de Exu que mais uma

vez me lança.

É a vida, a morte, aquilo que vem e vai morrendo e

nascendo em mim. Eu sou o vocábulo, a mensagem, a

boca e o olho de um mundo que dorme e sonha.

O mundo sonha para ouvir o que Exu vem lhe dizer no

brincar de tempo que já veio em direção ao lá.


Eu preciso brincar.

Mais do que ter esperança, eu preciso brincar, porque a

brincadeira é a porta que se abre para o viver.

É assim, brincando, que eu venho como mensagem de

Exu, anunciando o não fim. Para lembrar que a

encruzilhada não termina: ela se desdobra num outro

lugar, num outro piso, em outro chão. É Exu que vem

para inacabar aquilo que segue seu curso.

Ri quem pode brincar. Quem pode fazer do tempo a

gangorra que num sobe e desce de criança, se transforma

em nós que desatam os nós do futuro.

Ri quem pode brincar, porque brincar é morar no ainda. É

verificar a descaptura do tempo.


Para brincar de tempo é preciso se amigar da espera,

porque brincar de tempo é fazer do ainda um outro lugar.

É abraçar o hiato, porque é ele que antecede o movimento

que lança a pedra, como o hálito antes do fôlego que vem

soprar a palavra, o verbo, a vida.

É preciso ser a vasilha que guarda os vazios das palavras

que não chegaram, mas que estão. Para isso, tenho de me

avessar. Ser a esquina da gira e voar nas asas do caos.

Quem tenta controlar o tempo, se perde na gargalhada de

Exu e assim Exu me ensina depois de muito eu me

labirintar. Vi o tempo virar água em mão, escorrendo a

liquidez daquilo que não se pode pegar.

Foi assim que me entendi como pedra, me entendi como

pássaro. Mas também como a boca e comida, como o


caminho, a abertura e o encanto de um corpo que vai, de

um corpo que se acerta.

De modo que permaneço na impermanência para tentar

fazer de minha palavra a pedra que sou. A carne que sou.

A carne que como. De um jeito que me oferendo na

esquina de mim: meu corpo é uma encruzilhada.

É um milhão de tantos e a liquidez do agora. É o brincar

do tempo que eu mesma faço e refaço no rodopio e na

ciranda.

Sou carne e palavra, comida e oferenda e vou

descobrindo que alimento para me alimentar.

Foi assim que Exu me ensinará.

Eu sou a terceira margem do rio. O lugar que se

transborda o estável dentro de um movimento.


Sou a pedra, que concreta por si só, bolo mineral e rígida

pela matéria, se move no percurso do vento e o faz de

caminho para o tempo girar.

Sou a pedra que lançada, mata o que foi ontem para ser

novamente o que virá a ser de novo.

Sou a brincadeira no ponteiro, o dia que não é, o

amanhecer que anoitece.

Eu sou a passagem do desenlace de Exu. Eu sou a

vigésima quinta hora, lá onde nenhum sino toca e o

infinito responde que sim. Sou o eco do vazio, sou o som

do espaço. Percebe que eu sou o não é?

É no entre e nas frestas que rasgo e atravesso a passagem

do tempo derrubando a lógica de um fim. Eu venho para


ser a pedra que se destina ao que foi e segue para voltar...

para voltar ao começo do giro do tempo em mim.

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