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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI – UFSJ

Disciplina: ESTUDOS SOBRE DIDÁTICA


Professora: Maria José Netto Andrade
Aluno: Hå-el Rezende Monteiro e Lara Maia Mendonça

RESENHA
Moacir Gadotti e a escola-cidadã

Referências bibliográficas

GADOTTI, Moacir. Moacir Gadotti e a escola-cidadã (entrevista). In: MOSÉ,


Viviane. A escola e os desafios contemporâneos (org. e apres.) 1. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2013. 

Viviane Mosé é poetisa, professora, psicóloga e psicanalista; é especialista em


implementação de políticas públicas, mestre e doutra em filosofia pelo Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seu livro “A
Escola e os desafios contemporâneos” propõe discutir a realidade escolar em seus
obstáculos e estímulos através de um compilado de entrevistas com autores brasileiros e
portugueses que são referência em educação nas últimas décadas. A autora e os
entrevistados discutem seus pareceres sobre os rumos das instituições escolares e da
educação.
Dentre os entrevistados, Moacir Gadotti, diretor do instituto Paulo Freire,
graduado em filosofia, mestre e doutor em educação, discute a escola-cidadã. Sua
principal crítica é a dos obstáculos que a escola contemporânea enfrenta, enxergando as
instituições de ensino como se estivessem presas em uma formação científica que deixa
de lado a formação social e de cidadania. Para ele, a escola precisa despertar o desejo do
aprendizado nos alunos, passando então a ser suporte para solução da sociedade, e não
parte intrínseca de sua problemática. Para tal, propõe que deve haver um projeto político
pedagógico que estimule o pensamento crítico tendo em vista um mundo menos
desigual e mais justo.
A entrevista tem início em um debate sobre o conceito de educação. Gadotti
defende que o aprendizado só é concreto quando autonomamente construído. Grande
parte do que se ensina será perdido com o tempo, o que não só é natural como
necessário. Os seres humanos são vistos como seres incompletos que buscam o
aprendizado constante que muito além da escola. Ele se estende a todo o arredor; da rua,
à casa e até aos meios de entretenimento. Contudo, apenas será efetivo se desejado, seja
por necessidade ou prazer. É então neste ponto que se encontra parte do fracasso das
instituições, que focam em um ensino de teorias do conhecimento que não condizem
com a realidade do aluno e do professor. A escola perde parte essencial de seu
propósito: ser um espaço de lazer que privilegia as interações sociais e o
desenvolvimento do caráter coletivo. Já essa coletividade necessita da integração dos
espaços escolares e não escolares, portanto precisa da participação ampla não só do
corpo docente como também dos pais, da merendeira, do vigia, e todos os participantes
sociais para seu êxito. Para exemplificar a questão da escola como lugar de integração,
Gadotti cita o filósofo Cícero e sua tradução de paideia, palavra que denominava o
sistema de educação da Grécia antiga:

[...] Cícero traduziu paidea por humanitas, essa tradução é fantástica por
que ela dá exatamente a ideia do que é paidea. Paidea significa formação
do ser humano em sua integralidade. Formação integral. E humanitas,
significa educar o ser humano. Então, a escola tem que ser um espaço de
aprendizagem, um espaço da comunidade, da relação entre os diferentes
espaços de aprendizagem (GADOTTI, 2013, p.128).

O próximo apontamento de Gadotti perante o ensino brasileiro se mostra uma


crítica à estrutura fordista de construção do conhecimento. Ele aponta como o foco está
na produção em série e no tecnicismo pedagógico criado em períodos mais autoritários.
O pensamento e a reflexão foram combatidos em prol de acabar com ideais e ideologias.
Para isso a arte, a cultura e a filosofia foram retiradas da educação. A escola segmenta
os conhecimentos e não se envolve no cotidiano do aluno. O papel primário responsável
por este envolvimento é o do professor e, para Moacir, os professores brasileiros são
bem formados, mas não bem informados. Ele vê como essencial que se invista nestes
profissionais, principalmente nos alfabetizadores. O professor perde então o propósito
de apenas ensinar, mas passa também a aprender e evoluir para assim refletir isto no
aluno. Este por sua vez, deixa de ser visto como um papel em branco e é reconhecida a
bagagem emocional e cultural que traz consigo. Assim o ensino perde o caráter
autoritário onde a disputa é encorajada e passa a estimular o diálogo e a cultura da
escuta. Mostra-se necessário que a escola se abra para o mundo em sua totalidade, de
maneira que abarque as diversas formas de aprender e ensinar.
Uma leitura do país é tida como necessária na entrevista. As escolas devem se
adaptar a seu entorno, mantendo uma identidade nacional sem perder a realidade local.
As avaliações devem servir não como forma de separar os alunos em grupos dos que
sabem e dos que não sabem, mas sim como direito básico dos estudantes do retorno de
seu aprendizado. A avaliação então deve ser emancipadora e libertadora. O sistema do
vestibular é um exemplo de avaliação que não incentiva o aprendizado real e mostra
como é elitista a avaliação para se entrar em uma universidade. Gadotti fala sobre os
quatro pilares dos quais se baseia a educação, acrescentando que Paulo Freire considera
existir um quinto.

Nos educamos ao longo de toda a vida, então a educação é permanente e


baseada em quatro pilares. Primeiro: aprender a aprender, portanto,
aprender a pensar. Segundo, aprender a conviver; não adianta eu saber
um monte de coisa, se não sei me comunicar, aprender e viver com o
outro. Terceiro: aprender a fazer, a agir. E o quarto é aprender a ser, quer
dizer, é a ideia da sensibilidade, não basta ter consciência, é preciso ter
sensibilidade. A esses saberes necessários à prática educativa, Paulo
Freire acrescentaria mais um: que é o saber por quê. (GADOTTI, 2013,
p.142)

Por fim Gadotti e Mosé discutem o papel da educação na salvação da sociedade.


Eles rebatem a ideia de que a escola tem a força de reestruturar todos os problemas
sociais. Apesar de capaz de criar indivíduos pensantes que podem mudar o mundo, as
instituições de ensino não têm poder sobre o sistema social que é o responsável pela
produção de violência, insustentabilidade etc. Quebra-se a ideia da escola como
fazedora de milagres e questiona-se a Constituição que diz que a educação merece
respeito, recursos e responsabilidade e que é dever do Estado, da família e da sociedade.
Portanto é imprescindível que se crie um projeto amplo de futuro para que a educação
cresça e que seus desafios sejam vencidos de forma não setorizada. A escola serializada
da indústria deve dar espaço a uma nova era: a da informação.
A leitura da entrevista entre Mosé e Gadotti se mostra extremamente atual e
importante. A proposta de repensar a escola massificada nos tempos atuais e em seu
contexto social permanece urgente. A busca é pelo desenvolvimento de indivíduos
críticos que devem não só tomar gosto pelo aprendizado como também alterar a
estrutura da sociedade que instrumentaliza um ensino tecnicista e elitista. São diversos
os pontos ressaltados no caminhar desta nova educação: o incentivo ao pensamento
ambiental, a participação coletiva, o respeito e incentivo ao professor, a quebra
hierárquica entre aluno e professor, o papel da instituição dentro da sociedade, dentre
outros. A cultura e a filosofia tornam-se peças chaves na integração de uma escola
cidadã e na quebra do ensino bancário, conceito cunhado e criticado pelo próprio Paulo
Freire. Sua leitura mostra-se necessária para aqueles que pensam o futuro do ensino e
que buscam se atualizar e dialogar com a sociedade contemporânea. Estende-se ao
corpo docente e discente assim como a todos os membros participativos do processo de
educação.
Hoje, em 2021, vemos novamente o ataque ideológico às disciplinas de artes e
filosofia. Muito se avançou em pesquisa e prática em educação, porém observa-se
problemas semelhantes aos do passado, principalmente em relação à prática pensante
em sala de aula. O autor Paulo Freire é duramente criticado e seu título de Patrono da
Educação Brasileira foi ameaçado por entidades civis reunidas em prol de um governo
que se assemelha ao da ditadura militar em termos ideológicos. Movimentos
negacionistas da ciência ganharam força nos últimos anos, tornando-se problema de
saúde pública (a exemplo de movimentos anti vacinas e negacionistas da pandemia do
novo coronavírus). A educação enfrenta tempos difíceis e mais do que nunca demonstra
a sua importância para a sociedade. A ausência de uma educação integrada a vivência
do indivíduo a torna estranha para ele, dando margem a negação e ao conflito em massa.

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