Perlustrando os autos, constata-se que a conduta do acusado é, em
verdade, atípica, vez que não se enquadra ao injusto descrito no art. 171, §2º, VI, do Código Penal, já que se verifica a ausência de um dos elementos caracterizadores do tipo, qual seja, a fraude.
O cheque pós-datado perde a natureza de ordem de pagamento à
vista, sendo que seu emitente, ao determinar o seu depósito em data futura, está admitindo, implicitamente, não ter fundos suficientes no momento de sua emissão. Portanto, o cheque pós datado está fazendo, em verdade, o papel da nota promissória, ou seja, está assegurando uma dívida de valor.
No caso em tela, o agente lançou mão de cheques pós datados para
efetuar as compras nos estabelecimentos comerciais das vítimas, as quais receberam os títulos de crédito enquanto promessas de pagamento. Neste sentido, expõe-se as lições de Nucci:
“O título de crédito tem por característica principal ser uma ordem de
pagamento à vista. Por isso, quando alguém aceita o cheque para ser apresentado futuramente, em data posterior à da emissão, está recebendo o título como promessa de pagamento. Caso não seja compensado, por falta de suficiente provisão de fundos, é apenas um ilícito civil, mas não um crime. É posição atualmente tranquila na doutrina e na jurisprudência. Ver: STJ: ‘A garantia de pagamento por cheque, em negócios malogrados, não enseja a ocorrência de ilícito de matéria penal’ (RHC 8.840-BA, 5.ª T., rel. Felix Fischer, 04.11.1999, v.u., DJ 06.12.1999, p. 102). Igualmente: STJ: HC 10.112-PI, 5.ª T., rel. Felix Fischer, 04.11.1999, v.u., DJ 06.12.1999, p. 105. TAMG (atual TJMG): HC 445.589-6, Uberlândia, 2.ª C. Mista, rel. Sidney Alves Affonso, 09.03.2004, v.u., Bol. AASP 2.424; TJSP: ‘Não configura o delito de fraude no pagamento por meio de cheque, previsto no art. 171, § 2.º, VI, do CP, se a cártula foi emitida como garantia para a realização de um show em uma boate onde a vítima era gerente, o qual não foi realizado. Dessa forma, recusando-se o ofendido a devolver o título, foi devidamente sustado o pagamento’ (Ap. 818.060.3/3, 11.ª C., rel. Silveira Lima, 24.05.2006, v.u.).” – NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 12ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2012. – p. 867/868 Nesse sentido, colacionam-se as seguintes jurisprudências:
“EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - ESTELIONATO - EMISSÃO DE
CHEQUE PÓS- DATADO - DÍVIDA DE VALOR - FRAUDE - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE UM DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVO DO TIPO PENAL - CONDUTA ATÍPICA - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. 01. O cheque constitui ordem de pagamento à vista. Porém, emitido para desconto futuro torna-se mera garantia de dívida, circunstância que afasta a existência do delito de estelionato, eis que ausente um dos elementos constitutivos desse tipo penal, ou seja, a fraude.” – TJMG, autos nº 0124160-56.2009.8.13.0451 (1) – Relator Des. Fortuna Grion, julgamento em 13/08/2013.
DATADO. DEVOLUÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS. FRAUDE NÃO CONFIGURADA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. - Não havendo prova a demonstrar que os réus agiram com dolo específico, empregando artifício, ardil ou outro meio fraudulento, para induzir a vítima em erro, causando-lhe prejuízo, quando da emissão de cheques pós-datados, incabível a condenação pelo delito de estelionato. - O não pagamento de cheque pós-datado no prazo combinado não configura o delito de estelionato, mas, sim, ilícito civil.” - TJMG, autos nº 0202223- 28.2006.8.13.0378 (1) – Relator Des. Nelson Missias de Morais, julgamento em 25/04/2013.
Logo, não há que se falar na ocorrência de fraude na conduta
daquele que emite cheque pós-datado, restando afastada, portanto, a existência do delito de estelionato.
Assim, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal,
pede-se a absolvição do acusado, vez que não constitui crime a emissão de cheque pós-datado.