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Meia Noite em Paris e a Metáfora da Saudade Daquilo que não se Viveu: Reflexões

sobre a Pós-Modernidade, Retropia e Cansaço.

Midnight in Paris and the Metaphor of the Saudade of What Not Lived:
Reflections on Post-Modernity, Retropia and Tiredness.

Patricio Dugnani1

Resumo: Pretende-se nesse artigo desenvolver uma reflexão entre o sujeito pós-
moderno, o hedonismo e a saudade do passado, que pode ser observada no conceito de
retropia de Zygmunt Bauman, e corroborada pelo uso constante da citação e a paródia
no discurso estético contemporâneo. Esse escapismo estético, em busca de uma
nostalgia não vivida, mas sonhada, é reforçada pela tendência hedonista do sujeito pós-
moderno e esse fenômeno será ilustrado pela metáfora de dois personagens do filme de
Woody Allen, Meia Noite em Paris. Além dessa característica que pretende-se ressaltar,
outras características importantes para compreender o sujeito pós-moderno serão
analisadas, dentre tantas destacam-se a fragmentação da identidade cultural, o aumento
do individualismo, a neutralização das alteridades, o consumo como maneira de atingir
a felicidade, o culto à imagem, valorização do corpo e da aparência. A partir de uma
pesquisa bibliográfica, documental e exploratória serão comparadas as características do
sujeito pós-moderno, com a personagem do filme. Serão utilizadas análises de autores
como Zygmunt Bauman e a questão da modernidade líquida; Gilles Lipovetsky, o
consume emocional e a felicidade paradoxal; Joel Birman e os três registros do mal-
estar contemporâneo; Stuart Hall e a fragmentação da identidade cultural; e Byung
Chul-Han e a neutralização das alteridades.

Palavras-chave: Pós-modernidade; Retropia; Hedonismo; Intertextualidade; Cansaço.

Abstract: In this article we intend to develop a reflection between the postmodern


subject, hedonism and the nostalgia of the past, which can be observed in the concept of
retropia by Zygmunt Bauman, and corroborated by the constant use of citation and
parody in contemporary aesthetic discourse. This aesthetic escapism, in pursuit of an
unfulfilled but dreamed nostalgia, is reinforced by the hedonistic tendency of the
postmodern subject, and this phenomenon will be illustrated by the metaphor of two
characters from Woody Allen's Midnight Movie in Paris. In addition to this
characteristic, it is worth highlighting that other important characteristics to understand
the postmodern subject will be analyzed, among them the fragmentation of cultural
identity, the increase of individualism, the neutralization of alterities, consumption as a
way of achieving happiness, the worship of the image, appreciation of the body and
appearance. From a bibliographical, documentary and exploratory research will be
compared the characteristics of the postmodern subject, with the character of the film.
Analyzes by authors like Zygmunt Bauman and the question of liquid modernity will be

1Doutor em Comunicação e Semiótica, professor do curso de Comunicação Social: Publicidade e Propaganda da


Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pesquisador da área de Comunicação e Artes. patrício@mackenzie.br

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used; Gilles Lipovetsky, emotional consumption and paradoxical happiness; Joel
Birman and the three records of contemporary malaise; Stuart Hall and the
fragmentation of cultural identity; and Byung Chul-Han and the neutralization of
alterities.

Key Words: Postmodernity; Retropia; Hedonism; Intertextuality; Tiredness.

Introdução

Pretende-se nesse artigo desenvolver uma reflexão entre o sujeito pós-moderno,


o hedonismo, o cansaço e a saudade do passado. Saudade, nostalgia, essa que pode ser
observada no conceito de retropia de Zygmunt Bauman (2017), e corroborada pelo uso
constante da intertextualidade no discurso estético contemporâneo. Entendendo a
intertextualidade, segundo Roland Barthes (2004), como o cruzamento de textos,
discursos, entre culturas, referências, períodos distintos.
Por isso, o filme de Woody Allen, Meia Noite em Paris (2011) foi escolhido
para servir de metáfora para essa análise. A escolha se deu pois o filme apresenta um
debate sobre a insatisfação com o presente e a nostalgia de um passado não vivido, mas
imaginado, ou seja um passado utópico. O que para Bauman (2017) se aproximaria de
seu conceito de retropia.
Acredita-se que o uso constante da intertextualidade, na expressão estética da
Pós-modernidade, representada através das estratégias, por exemplo, de citação e
paródia, torna-se recorrente, pois existe uma desilusão, um cansaço desse sujeito, em
relação a realidade. Esse escapismo estético, em busca de uma nostalgia não vivida, mas
sonhada, é reforçada pela tendência hedonista do sujeito pós-moderno.
Por isso a visão de Bauman (2017) será fundamental para entender essa exaustão
pós-moderna, de uma possível modernidade que pode ser observada, se avalia que as
utopias, as vanguardas modernas, a velocidade, o progresso e a busca pela
experimentação, que leva o humano a se defrontar com a incerteza (a incerteza da Pós-
modernidade), é substituída, segundo o filósofo, por uma retropia, uma utopia do
passado.
Essa saudade do passado, daquilo que sequer viveu, essa nostalgia, também tem
se intensificado pela sensação de desilusão contemporânea, desilusão reforçada pela
insatisfação dos desejos e prazeres, pois identifica-se no sujeito pós-moderno, uma
tendência hedonista que pode ser observada nas reflexões de Gilles Lipovetsky e Jean

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Serroy, nos livro Estetização do Mundo (2015), Cultura-mundo (2011) e Felicidade
Paradoxal (2007). Com essa tendência hedonista, ou seja, a busca do prazer ininterrupto
do sujeito da Pós-modernidade, o leva a essa saudade do passado, e a se expressar por
uma estética intertextual, onde o Retrô, o Vintage se tornam aspectos positivos da moda,
e são representados de maneira mais constante, através da citação, da paródia, ou seja,
através da intertextualidade.
Para entender esse humano, que se expressa pela intertextualidade, serão
utilizadas as reflexões feitas sobre o sujeito da Pós-modernidade na análises dos estudos
culturais de Stuart Hall (2004). Nessas análises o autor observa o constante processo de
adaptação a que esse sujeito pós-moderno está exposto quando se vislumbra um
processo de globalização como cenário social. Globalização que também se torna
motivador de processos intertextuais, pois, através da velocidade dos meios de
comunicação e das trocas de informações entre humanos de diferentes grupos, as
referências se multiplicam, multiplicando-se assim os cruzamentos dessas referências e,
consequentemente, o cruzamento de diferentes culturas, ou seja, intertextualidade.
Finalmente, para auxiliar na investigação dessa desilusão em relação às
incertezas do mundo contemporâneo, da Pós-modernidade, desse cansaço, deve-se
recorrer à análise de Byung-Chul Han feita no livro Sociedade do Cansaço (2017), onde
o autor descreve a neutralização das alteridades, e a valorização das positividades, em
detrimento das negatividades como um processo que leva o humano a um desgaste, a
um cansaço neutralizador.

Da pós-modernidade: tempo e saudade do que não vivi

“E é só você que tem a


Cura pro meu vício de insistir
Nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi”
Renato Russo, Legião Urbana

A questão do tempo tem torturado o sujeito pós-moderno, pois a Pós-


modernidade parece estar assentada numa dinâmica onde tudo se organiza entorno da
saturação, da intensidade, ou como indica Lipovetsky e Serroy (2011), a
hipermodernidade, se estrutura em polos como o hipercapitalismo, a hipertecnização, o
hiperindividualismo.

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O mundo hipermoderno, tal como se apresenta hoje, organiza-se em torno de
quatro polos estruturantes que desenham a fisionomia dos novos tempos. Essas
axiomáticas são: o hipercapitalismo, força motriz da globalização financeira; a
hipertecnicização, grau superlativo da universalidade técnica moderna; o
hiperindividualismo, concretizando a espiral do átomo individual daí em diante
desprendido das coerções comunitárias à antiga; o hiperconsumo, forma
hipertrofiada e exponencial do hedonismo mercantil. Essas lógicas em
constantes interações compõem um universo dominado pela tecnicização
universalista, a desterritorialização acelerada e uma crescente comercialização
planetarizada. É nessas condições que a época vê triunfar uma cultura
globalizada ou globalista, uma cultura sem fronteiras cujo objetivo não é outro
senão uma sociedade universal de consumidores. (LIPOVETSKY e SERROY,
2011, p. 32)

Dessa forma tudo parece ganhar um tom de urgência, o que se reflete no próprio
movimento do hiperconsumo. O sujeito da Pós-modernidade parece retornar a um
período onde ele se torna mais reativo que ativo, no sentido político, conforme observa,
no artigo Psicologia e gestores escolares: mediações estéticas e semióticas promovendo
ações coletivas (2016), Lilian Dugnani e Vera Souza, entendendo a ação e a reação não
nos sentido sinestésico, mas sim no sentido político. O humano contemporâneo parece
reagir de maneira cada vez mais instintiva, do que reflexiva e crítica, o que se observa,
principalmente em relação ao consumo. Essa ideia combina com a visão de Hannah
Arendt, onde ela classifica, no livro Condição Humana (2007) o humano
contemporâneo como Animal Laborans, e não como Homo Politicus. O Homo Politicus
de Arendt seria o humano que toma as suas ações mediadas pela visão crítica, e política,
compreendendo a política como uma ato moral e social dos seres humanos. Contudo, na
contemporaneidade, o humano pós-moderno se torna mais reativo, sendo dominado pela
aparente necessidade do consumo, e para satisfação de seus desejos. Sendo assim
podemos considerar que esse sujeito se torna hedonista, onde a satisfação do prazer se
torna sempre prioridade em relação às questões sociais, ou seja, esse individuo, se
tornando cada vez mais centrado na satisfação de seus desejos, torna-se, também, cada
vez mais individualista.
Giorgio Agamben, em seu livro Profanações (2007), também destaca esse
fenômeno em relação ao consumo, quando demonstra que no ato de consumir, o sujeito
da Pós-modernidade projeta dois valores nos bens de consumo, o sagrado e o profano. O
bem de consumo, quando ainda em estado de desejado, parece algo tão inalcançável,
que torna-se uma obsessão para o consumidor. Esse bem desejado se torna um objeto
sagrado, como se a conquista, ou seja o consumo dele, pudesse trazer a perfeição para
esse sujeito, consequentemente saciando a voracidade do apetite insaciável dele. No

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entanto, para Agamben (2007), esse objeto, ao passar do status de desejado, para
consumido, perde sua aura de sacralidade, e torna-se comum, cotidiano, não mais tão
desejado. Nesse sentido o objeto foi profanado, tornou-se profano, terrestre, material.
Dessa forma o sujeito pós-moderno, nesse movimento, precisa eleger outro objeto para
desejar, para tornar sagrado, para querer consumir. Com esse círculo vicioso, o consumo
não se torna estagnado, se movimenta velozmente, criando um ciclo de hiperconsumo,
pois nunca será possível saciar o apetite voraz desse consumidor contemporâneo, afinal,
seus desejos estão sempre voltados para o próximo objeto que desejará no futuro, o
próximo bem a deixar de ser sagrado e tornar-se profano.
Com esse movimento é que Lipovetsky detecta a sua visão de um hiperconsumo
que somente se sacia por poucos instantes, gerando o que ele denomina de “felicidade
paradoxal” (2007). Essa felicidade é paradoxal, como é paradoxal a própria Pós-
modernidade, pois é uma felicidade volátil e volúvel, ou seja, não tem duração, e está
voltada para o futuro. Dessa forma, o consumo está galgado no desejo futuro da
satisfação das vontades, onde o gozo é sempre adiado, como observa-se na obra Blefe, o
gozo pós-moderno (2001) de Louis Kodo, e a “felicidade é paradoxal” (2007).
Essa relação com o tempo é tão paradoxal, que, se a satisfação do prazer pelo
consumo e adiado, não é assim sua visão do futuro. Pois o futuro do sujeito pós-
moderno para o consumo, não se instaura em uma visão muito distante, o futuro do
consumo, espera-se que seja próximo, o mais presente possível. Isso se dá, pois se o
prazer está no consumo de um bem num futuro próximo, sua visão do futuro mais
distante não é tão esperançoso, pelo contrário, é apocalíptico. O futuro para o sujeito
contemporâneo parece sem esperança, como observa Bauman em seu livro Retropia
(2017). Sendo assim, para o sujeito pós-moderno, diferente da visão utópica da
modernidade, o futuro é distopico, dessa forma, resta a ele observar com saudade o
passado e saciar seus desejos no presente, pois o futuro é incerto.
A retropia para Bauman (2017) é uma nostalgia do passado, de um passado
perfeito e glorioso, um passado que sequer o sujeito pós-moderno viveu, mas que foi
descrito por outros, imaginado pelo indivíduo e, por fim, consumido nas representações
dos produtos contemporâneos. Essa nostalgia do passado é facilmente observável nos
bens de consumo, quando se analisa as tendências estéticas da Pós-modernidade, como
o estilo retrô, ou vintage. O passado está na moda e é resgatado através de estratégias
como a citação, a paródia, e a intertextualidade, descrita por Roland Barthes (2004)
como o cruzamento de referencias e representações culturais das mais dispares.

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Sendo assim, o sujeito pós-moderno vive com uma saudade do passado, pois
tem pouca esperança no futuro, e sente a necessidade de satisfazer seus desejos em um
presente cada vez mais instantâneo. Essa parece ser a descrição de dois personagens do
filme de Woody Allen, Meia Noite em Paris (2011): Gil Pender, interpretado por Owen
Wilson, e Adriana, interpretada por Marion Cotillard. Esse dois personagens vivem em
épocas diferentes, Gil é do início do século XXI, enquanto Adriana é do início do século
XX. O primeiro vive a Pós-modernidade, enquanto o segundo vive a modernidade, a
época das vanguardas modernas. Embora vivam em tempos diferentes, ambos dividem a
mesma admiração pelo passado, só que Gil sente saudade do início do século XX,
enquanto Adriana sente nostalgia pelo final do século XIX, a Belle Epoque, dos pintores
impressionistas. A partir dessa observação, parece que o diretor quer representar essa
nostalgia utópica pelo passado que influencia o pensamento da Pós-modernidade.

Do Cansaço e a Retropia Sujeito da Pós-modernidade

“Mas é o presente... Ele é chato.”


Gil Pender e Adriana (Owen Wilson e Marion Cotillard,
em Meia-Noite em Paris)

Para Gil Pender, personagem do Owen Wilson a vida perfeita, sua utopia,
estava na Paris dos anos 20, com os escritores e pintores da época, como Ernst
Hemingway, Pablo Picasso, Salvador Dalí, Scott Fitzgerald, e Gertrude Stein. No
entanto, para Adriana, personagem de Marion Cotillard no filme, a utopia esta na Paris
da metade do século XIX, com os pintores impressionistas, como Claude Monet e Pierre
August Renoir. De qualquer forma, embora cada um dos personagens deseje um tempo
diferente, ambos tem algo em comum: a projeção de sua utopia está num passado que
sequer eles viveram, como dito anteriormente. Essa nostalgia idealizada desse passado
não vivido, é a retropia que Bauman (2017) descreveu em seu livro homônimo.
“Então o presente é assim. É um pouco insatisfatório, porque a vida é
insatisfatória” (2011). Essa frase dita por Gil Pender (Owen Wilson) a Adriana,
personagem de Marion Cotillad no filme Meia Noite em Paris (2011), tenta justificar o
presente como algo passageiro, volátil e incapaz de satisfazer os desejos, mas que é
preciso se conformar. Denunciando, assim o passado, o sujeito pós-moderno vê também
o futuro como momento incerto. Esse parece ser o estigma da Pós-modernidade: viver o
presente, tirando prazer desse momento etéreo (visão hedonista), olhar para o futuro

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sem esperança, e, finalmente, sentir uma nostalgia por um passado que não viveu, mas
projetou como sua utopia, seu recanto de perfeição.
Essa sentença também parece ser a metáfora que Woody Allen utilizou para
retratar o sujeito da Pós-modernidade, no filme Meia Noite em Paris (2011). Um sujeito
cansado das incertezas, buscando alívio numa visão idealizada do passado.
Tanto Gil Pender, como Adriana demonstram sentir-se insatisfeitos com o
cotidiano, apresentam um cansaço do presente e buscam refugiar-se no passado. Esse
cansaço dos personagens, parece uma metáfora do sujeito pós-moderno. Esse cansaço
na Pós-modernidade foi analisada por Byung Chul Han, em seu livro Sociedade do
Cansaço (2015) e, nesse artigo, observa-se como um cansaço em relação às incertezas.
A incerteza na Pós-modernidade parece uma constante, e entende-se essa
sensação como um fenômeno construído à partir da relação entre a revolução dos meios
digitais e o processo de globalização. Com a revolução dos meios de comunicação, a
quantidade de informação se multiplica, e ao compreender a informação como um
conteúdo que altera a percepção e a consciência de mundo do ser humano (COELHO,
1990, p. 122), pode-se concluir que, se houve um aumento da quantidade de
informações, se elas chegam com mais intensidade e velocidade, também mais rápidas
serão as mudanças na sociedade. Esse é um dos fenômenos que produzem o aumento da
sensação de incerteza no sujeito pós-moderno. As suas certezas são menos absolutas, o
que confirma o conceito da liquidez de Bauman (1998). Para Bauman (1998) a liquidez
é uma característica recorrente da Pós-modernidade, o que significa que os conceitos, a
moral, as expressões culturais, ou seja, todo discurso da sociedade contemporânea
perdeu a sua solidez, tornaram-se líquidos, voláteis e adaptáveis a cada nova
informação, e elas são múltiplas e, muitas vezes, contraditórias.
A globalização, observada em seu efeito de mistura de culturas, de hibridização,
ou seja, de formação de culturas híbridas, amplia esse processo de incerteza. Pois ao
entender a cultura como um processo de significação, de constituição de sentido, onde o
humano atribui significado à suas representações (GEERTZ, 2008), a cada nova
expressão cultural que se apresenta para uma cultura estabelecida, assim como o caso da
informação, altera essa cultura. Dessa forma os discursos que dão fundamentação e que
contribuem com a constituição do sentido para uma determinada cultura, acabam sendo
abalados, pois a sua razão, seus processos de significação precisam ser revistos, e
reavaliados. Nesse processo, os discursos que outrora eram considerados como
verdades, podem se desestabilizar, ganhando assim novos significados, gerando assim

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uma crise das metanarrativas (LYOTARD, 2000, STRINATI, 1999), ou seja, uma crise
nos discursos fundadores da cultura de uma determinada sociedade. Hoje, uma
sociedade globalizada, acaba por constituir-se como uma cultura híbrida, onde os
diversos discursos se entrecruzam, provocando, também essa sensação de incerteza no
sujeito pós-moderno.
Nesse processo de crescimento das incertezas, vivido pelo sujeito pós-moderno,
o cansaço dessa condição parece estar presente e produzindo efeitos, que ajudam a
resgatar discursos que pareciam a muito ter desaparecidos, mas que estavam apenas
adormecidos, esperando para ser resgatados. Sendo assim, a tendência de retropia
(BAUMAN, 2017), de idealização de um passado não vivido, além da presença de uma
estética retrô, Vintage, parecem ser, mais que fenômenos culturais, sintomas. Sintomas
de uma sociedade que já não vê esperança nas utopias modernas de um futuro perfeito, e
passa a buscar o refúgio em um passado descrito como glorioso. Essa tendência lembra
tão bem a busca do resgate da estética clássica, e da grandiosidade de uma Alemanha,
de um período medieval, onde não existia a tal Alemanha. Claro que destaca-se nessa
reflexão o pensamento nazista. A Pós-modernidade, pela sua intensidade de incertezas,
parece ter conseguido resgatar discursos fundadores, metanarrativas que formavam o
pensamento de tendências fundamentalistas, como as do Nazismo.
Esse cansaço alienante, identificado por Han (2015), ou melhor esse cansaço,
essa saturação perante as incertezas da Pós-modernidade, parece promover uma vontade
de alienação no sujeito, que, juntamente com estratégias de comunicação, reforçam esse
processo de abandono do pensamento dialético, em favor de uma visão maniqueísta. Ou
seja, o humano contemporâneo está abandonando seu pensamento crítico, deixando de
levar em consideração as contradições, se apegando a qualquer conceito único, que
prometa um pouco de estabilidade, e de certeza. Dessa forma, o sujeito da Pós-
modernidade parece carecer de uma verdade que guie sua vida. Abrindo caminho para
que discursos fundamentalistas, possam ganhar força. Esses discursos ganham força em
períodos de incerteza, pois de maneira simplista, defendem suas verdades, sem levar em
consideração a possibilidade de que possa haver qualquer contradição em suas certezas.
A incerteza da pós-modernidade causa insegurança, e os discursos fundamentalistas
prometem certezas. Por isso Bauman (1998) percebe em sua análise do que ele
denomina como mal-estar na Pós-modernidade, que o sujeito contemporâneo é capaz de
abdicar da liberdade, mesmo a liberdade de reflexão e crítica, por uma promessa de
segurança.

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Você ganha alguma coisa, em troca, perde alguma outra coisa: a antiga
norma mantém-se hoje tão verdadeira quanto o era então. Só que os ganhos
e as perdas mudaram de lugar: os homens e as mulheres pós-modernos
trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão
de felicidade. Os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de
segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da
felicidade individual. Os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma
espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança
individual pequena demais. (BAUMAN, 1998, p. 10)

Nesse ponto é que a teoria de Han (2015) sobre o cansaço da sociedade faz
muito sentido, pois para o autor, o momento contemporâneo abdica da visão do outro,
das negatividades, “o desaparecimento da alteridade e da estranheza” (HAN, 2015, p.
10), substituindo essa alteridade pelas certezas absolutas, produzindo uma
“massificação do positivo” (HAN, 2015, p. 21). Essa massificação do positivo é
impulsionado, na Pós-modernidade, pelo uso dos meios de comunicação digitais que,
através de todos usuários, acabam multiplicando informações, que muitas vezes, ou a
maioria, são debatidas de maneira rasa simplista e maniqueísta. Onde a opinião suplanta
a razão e o debate, pois, por serem meios de comunicação de resposta imediata, reativa,
e com pouco espaço para aprofundamento, acabam por sarurar os espaços com a defesa
de interesses mais individualizados. Essas são as positividades que povoam a internet,
principalmente as redes sociais onde o “excesso de positividade se manifesta também
como excesso de estímulos, informações e impulsos. Modifica radicalmente a estrutura
e economia da atenção” (HAN, 2015, p. 31). Ou seja, o sujeito pós-moderno, embora
tenha um potencial poderoso para participar da constituição coletiva do conhecimento
através dos meios digitais, acaba vítima desse volume de atividades propostas pelo
meio, onde sua atenção é dividida entre milhares de informações e debates, que ele
acaba, na maioria das vezes, participando de forma superficial, sem verificar as
informações, e, sem sequer debate-las. Afinal é proposto pelos meios de comunicação
muitas tarefas simultâneas, o que Han (2015) define como “multitasking” (HAN, 2015,
p. 31), onde o sujeito pós-moderno somente acaba por desenvolver uma resposta
reativa, que se assemelha à concentração instintiva dos animais no meio ambiente, que
são obrigados a estar sempre atentos, em busca da sobrevivência.

A técnica temporal e atenção multitasking (multitarefa) não representa


nenhum progresso civilizatório. A Multitarefa não é uma capacidade para a
qual só seria capaz o homem na sociedade trabalhista e de informação pós-
moderna. Trata-se antes de um retrocesso. [...] Na vida selvagem, o animal
está obrigado a dividir sua atenção em diversas atividades. Por isso, não é

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capaz de aprofundamento contemplativo. [...] Não apenas a multitarefa, mas
também atividades como jogos de computador geram uma atenção ampla,
mas rasa, que se assemelha à atenção de um animal selvagem. [...] A
preocupação pelo bem viver, à qual faz parte também uma convivência bem –
sucedida, cede lugar cada vez mais à preocupação por sobreviver. [...] A
cultura pressupõe um ambiente onde seja possível uma atenção profunda é
cada vez mais deslocada por uma forma de atenção bem distinta, a
hiperatenção (hyperattention). (HAN, 2015, p. 31 a 33)

Esse humano com a atenção difusa em muitos fenômenos simultâneos trata-se


do sujeito pós-moderno, que se sente inseguro, mergulhado em incertezas e que
abdicaria, como disse Bauman (1998) de sua liberdade, por um pouco de segurança.
Esse cansaço das contradições, das incertezas é que parece estar fortalecendo os
discursos dogmáticos e fundamentalistas que estão sendo resgatados e aclamados em
posts diários nas redes sociais. Esse crescimento de discursos podem ser observados em
diversos países, nas eleições de diversos candidatos, que de maneira contrária ao
processo de diversidade e globalização, acabam sendo aclamados por processos de
fechamento de fronteiras, e policiamento de discursos contrários à um modelo limitado.
O fim das alteridades de Han (2015), o aumento das positividades, ou seja, o fim do
pensamento crítico, dialético e histórico, não parece mais uma ficção, mas uma
possibilidade real.

Considerações finais
“Adriana, se ficar aqui, isso se torna o seu presente. E
logo vai começar a imaginar que outra época é que é os
seus anos dourados”.
Gil Pender (Owen Wilson em Meia noite em Paris)

O cansaço da Pós-modernidade é representada pelos personagens Gil pender e


Adriana no filme Meia-noite em Paris, e a citação acima, retirada do filme, demonstra
esse círculo vicioso de insatisfação, onde o desprezo pelo seu momento presente, levam
os personagens a uma viagem de retorno ao passado, aquele passado idealizado e não
vivido, onde a utopia do futuro, é substituído pela nostalgia. Essa nostalgia do passado
parece satisfazer os dois, substituindo a incerteza por um sonho, uma utopia do passado,
a retropia de Bauman (2017). Porém esse processo parece abrir caminho para o resgate
de certos discursos, que podem fazer retornar visões totalitárias na Pós-modernidade.
A partir da análise da Pós-modernidade, como um período de incertezas, como
afirmam autores como Zygmunt Bauman, Stuart Hall, entre outros, é possível perceber
um efeito preocupante na sociedade contemporânea: o cansaço da incerteza. Esse

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cansaço parece proporcionar um mal estar que produz no sujeito pós-moderno um
processo de desprezo pela complexidade, pelas contradições, pelo debate, o que o leva a
esperar que algum demiurgo bondoso possa surgir com verdades absolutas que o tirem
desse furacão de inconstâncias que parece constituir o seu panorama visível. Uma
paisagem que ao se vislumbrar ao longe, lá no futuro, não parece ter esperança, o que o
leva, num movimento nostálgico, ater saudade de um passado projetado, idealizado.
Passado esse que ele resgata com seus discursos, como se a solidez do passado, à
maneira de Bauman (1998), pudesse novamente solidificar a liquidez do presente, e
reerguer um pano de fundo que fosse capaz de resgatar a esperança no futuro.
Infelizmente, caro leitor, essa equação está equivocada, pois a substituição do desafio de
conviver com a liberdade de escolher e viver num mundo complexo vem sendo apenas
encoberto pela falsa impressão de segurança de discursos simplistas, dogmáticos e
fundamentalistas, com seus ridículos títeres repetindo seus discursos de ódio e de fim
das diversidades, ou seja, os discursos de certezas tão absolutas, que não merecem
sequer críticas. Esse é o dilema da Pós-modernidade, um potencial tão grande de
participação na construção da informação, e consequentemente da sociedade, ao mesmo
tempo que o crescimento de discursos tão limitados, que buscam apenas produzir a
alienação, para a tomada de um poder, galgado em promessas de perfeição. Foi assim
no início do século XX com o Nazismo, e tem indicativos que será assim no início do
século XXI. Nesse momento é que espera-se que esse processo seja cortado por um
ganho de consciência dos usuários dos meios de comunicação digital, a única maneira
de parar esse crescente discurso totalitário e de ampliação das intolerância em todos os
sentidos. Pois as intolerâncias parecem estar renascendo do cansaço, o cansaço das
alteridades e das negatividades, as quais foram destacadas por Byung Chul Han (2015).
Essa sociedade do cansaço tem como desafio, recuperar as suas forças e resistir a esse
movimento avassalador de retorno consentido às positividades. Talvez Gil Pender e
Adriana, os personagens do filme, precisem, ao invés de voltar ao passado, conviver
com o presente, e resgatar a esperança do futuro, um futuro que aprenda a se edificar na
diversidade, e não na singularidade do totalitarismo.

Referências
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