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UNIVERSIDADE ZAMBEZE

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANIDADES


CURSO DE DIREITO

Arnaldo da Silva Fernando Chinemero

A PROBLEMÁTICA DA PRISÃO PREVENTIVA FACE A RESTRIÇÃO DOS


DIREITOS FUNDAMENTAIS

BEIRA,18 DEZEMBRO DE 2020


Arnaldo da Silva Fernando Chinemero

A PROBLEMÁTICA DA PRISÃO PREVENTIVA FACE A RESTRIÇÃO DOS


DIREITOS FUNDAMENTAIS

Monografia apresentada
a faculdade de ciências sócias e
Humanidade como requisito parcial
a obtenção do título de licenciatura

Orientadora: Msc. Stela Santos

BEIRA,18 DEZEMBRO DE 2020


DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à pomba que me fez cria, a senhora minha mãe Inês Lerías da Silva
Chinemero e ao senhor meu saudoso pai, Fernando Castigo Chinemero, pois juntos, cada
um ao seu jeito, sempre apontaram a escola como o melhor caminho a trilhar ao sucesso
pessoal.

Seus ensinamentos estão a frutificar!

ii
AGRADECIMENTO

No Defluir dos cinco anos de preparação deste trabalho muitas pessoas entraram e
outras tantas saíram da minha vida, porque a distância ou as circunstâncias assim o ditaram.
Contudo, a todas devo um intrínseco obrigado, cada uma teve, a dado momento, um papel
crucial e inesquecível em cada linha escrita neste trabalho, seja a nível académico, ou
pessoal. Todas contribuíram para a sua conclusão.

Em primeiro lugar, agradeço ao nosso altíssimo Deus por nunca ter me desamparado,
por me dar força interior para superar as dificuldades, por ter me colocado em seus braços e
ter me carregado nos momentos em que pensei em desistir, por mostrar os caminhos nas
horas incertas e me suprir em todas as minhas necessidades. E pela minha fé que Deus
bruniu o meu caminho por isso em tudo dou Graças a Deus (Tessalonicenses 5:18). Aos
meus pais, irmãos, conselheiros e amigos endereço calorosos abraços. Contudo, para
algumas pessoas, em particular, seria injusto não dirigir uma palavra expressa de
agradecimento.

No que respeita à vida académica, várias foram as personalidades que me auxiliaram na


conclusão deste trabalho, seja com uma crítica, um ponto de vista ou um conselho.
Contudo, um agradecimento especial tem que ser dirigido a algumas individualidades:

A Mestre Stela Santos minha prezada Orientadora, ao Dr. Augusto Paulino, fonte de
inspiração, ao Dr. Domingos Cachepe meu Benemérito conselheiro, ao Dr. Paulo da Graça,
fonte de inspiração, ao Mestre Carlos Bacalecane Figo meu amigo pessoal, a minha colega
Sofia Machatine Poio, Dr. Francisco Bonga, e ao Professor Doutor Júlio Pacheco meu Tio.

iii
DECLARAÇÃO DE AUTENTICIDADE

Eu, Arnaldo da Silva Fernando Chinemero, declaro por minha honra que o presente
trabalho é fruto da minha pesquisa, foi elaborado em conformidade com o Regulamento
vigente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanidade da Universidade Zambeze, e que
nunca foi apresentado em nenhuma Instituição de ensino para a obtenção de qualquer grau
académico, muito menos submetido à qualquer avaliação curricular, constituindo,
portanto, resultado da minha investigação, cujas referências dão a indicação das fontes por
mim utilizadas para a sua elaboração.

Beira,18 de Dezembro de 2020

Arnaldo Chinemero
___________________________________________
(Arnaldo da Silva Fernando Chinemero)

iv
RESUMO

No tocante a prisão preventiva fora do flagrante delito rege-se pelo disposto no art.º
291.º do Código do processo Penal (CPP), desde que, cumulativamente, se trate de crime
doloso punível com pena superior a um ano; quando haja fortes suspeitas de cometimento
do crime pelo arguido e quando a liberdade provisória não for admissível.
Em face dos pressupostos retro mencionados que a prisão preventiva só é admissível nos
processos de processo de polícia correccional, previstos nos artigos 64 e 65 do CPP, a cujos
crimes corresponde a moldura penal de 3 dias a 2 anos de prisão, prevista no n. 1 do artigo
56 do CPP, assim como nos processos de querela, previstos no artigo 64 do CPP, a que
corresponde crimes puníveis com pena de prisão maior, cuja moldura penal mínima é de 2
a 8 anos de prisão.
Por exclusão de partes, nas situações em que a moldura penal aplicável é a pena de prisão
até um ano, que correm sob forma de processo sumário, a prisão preventiva só é aplicável
quando o arguido for detido em flagrante delito.

Na Verdade, o pressuposto da prisão preventiva de “forte suspeita da prática do crime


pelo arguido”, exigido pela norma da al. b) do n°1. do artigo 291 do CPP, implica, em
primeiro lugar, que deve existir um certo grau de certeza sobre a ocorrência do crime, por o
seu cometimento pelo arguido estar. Em segundo lugar, exige-se a verificação de indícios
suficientes para imputação do crime cometido a um determinado sujeito, o arguido, nos
termos do que decorre do §1.° do mesmo artigo.
Considerando a natureza cautelar da prisão preventiva e o seu carácter excepcional, em
vista à protecção do direito à liberdade, nos casos previstos nas als .a), b), e c) do § 3.° do
art.º 291.º do CPP, exige que a sua decretação se funde num comprovado perigo de fuga, de
perturbação da instrução do processo e de continuação da actividade criminosa, inferido a
partir de factos concretos e não de mera intenção do agente.

Palavras-chave: Prisão preventiva. Ministério público. Direitos Fundamentais

v
Índice

Dedicatória…………………………………….………………………………..…ii.

Agradecimento……………………………………………….……………………iii

Declaração de autenticidade…………………………………….…………………iv
Resumo…………………………………………………………………………..…v

Índice………………………………………………….…….……….…...……….vi

CAPITULO I INTRODUÇÃO …………………….…..……….………..….….8


CAPITULO II – REVISÃO DA LITERATURA………………………………..13
2.1 Prisão preventiva em flagrante delito e fora de flagrante delito……………..…13
2.1.1 Fundamentos gerais………………………………………………………...,.,16
2.2. PRINCIPIOS ORIENTADORES DO PROCESSO PENAL ………….…,..,..17

2.2.1. Princípio de presunção de inocência………………………………….…...,,..17

2.2.3 Princípio da proporcionalidade………………………………………….…...19

2.2.4. Princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito…………...….20

2.2.5. Princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal………………….21

2.3 Prisão e detenção……….…………………………………….………………..22

2.3.1 Prazos da prisão preventiva……………………………………………..........22

2.3.2 Momento em que a prisão pode ser feita…………………………….……….24

2.4 Efeitos da prisão preventiva……………………………………………………24

2.5 MINISTÉRIO PÚBLICO…………………………………………..……..…...27

2.5.1 Autonomia do Ministério Público……………………………………… ..…28

vi
2.5.2 Função cautelar das medidas de coacção e de garantia patrimonial e o respeito dos
valores……………………….………………………………………………….…..29

2.5.2.1 Termo de identidade e residência………………………………………...…31

2.6 OS SISTEMAS PROCESSUAIS…………………………………………..…..31

2.6.1 Sistema inquisitivo………………………………………………….…..….…33


2.6.2 Sistema acusatório…………………………………………………………..…34

2.6.3 Sistema misto……………………………………………………………….…36

CAPITULO III. SISTEMA APLICADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO


MOÇAMBICANO …………………………….…………………………….….…..37

3.1 REALIDADE DO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO…………….…...…37

3.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS……………………………………...………....38

3.2.1 Titularidade dos direitos fundamentais……………………………………...….41


3.2.1.1 O princípio da universalidade ……………….……………………….….…..41
3. 2.1.2 O princípio da igualdade………………………………………….……….....41

3.2.1.3 Direito à liberdade e sua restrição ………………..……………..……………42

CAPITULO IV. CONCLUSÕES E SUGESTÕES………………………......…....44


4.1 CONLUSÕES……………………………………………………………….. ..…44
4.2 SUGESTÕES.……………………………………………………….………..…..47

Referencia Bibliográfica……………………………. ……………….……………….48

Legislação………………………………………………………………….….……...51

vii
CAPITULO I - INTRODUÇÃO

O objecto da presente investigação tem por propósito analisar a problemática da


prisão preventiva face a restrição dos direitos Fundamentais.
A Prisão Preventiva, não poderá ser tratada como uma pena sobreposta
antecipadamente ao trânsito em julgado, mas, sim, como uma medida cautelar, sendo
cabível durante a fase investigatória da persecução penal.
Na verdade, a prisão preventiva só ocorre nos casos permitidos por lei, conforme
vertido no artigo 64 da Constituição da República de Moçambique (CRM).

O objectivo geral deste trabalho cinge-se em aplicar meios de coacção menos


gravoso tais como liberdade vigiada, termo de identidade e residência aos indiciados da
infracção criminal que não reúnem elementos suficientes para a imputabilidade da
infracção criminal, quando o Ministério público constata na instrução preparatória, visto
que o Ministério Público (MP) têm a função Direccionar o processo criminal que
culminará em acusar ou abster-se de acusar. Na verdade o MP abstêm-se de acusar
quando o processo na fase de instrução preparatória, constatar-se insuficiências de prova
para a imputabilidade da infracção criminal ao indiciado, na verdade, nem toda prisão
preventiva verifica-se procedimento criminal aos indiciados em face da instrução
preparatória.

São objectivos específicos deste empreendimento:


 Analisar os fundamentos da prisão preventiva;
 Identificar elementos ou seja os indícios necessários para a efectivação das
prisões preventiva;
 Demonstrar a existência de várias possibilidades de arquivamento do processo
criminal pelo ministério público por falta de elementos de prova em face das
prisões preventivas fora de flagrante delito;
 Contribuir para a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos

Para esta temática a doutrina aborda de forma concisa mais iremos procurar
transmitir as bases essenciais que permitem a sua compreensão. Não podemos
prescindir de uma análise de todas as questões envolvidas na temática.
Na concepção deste empreendimento irá se recorrer uma abordagem dedutiva-nor
mativa que se fará uma análise da ciência e terminara com análise da norma

8
(ciência/norma). Ter-se-á como fonte de pesquisas doutrinárias, diversos manuais:
direito processual penal, direitos fundamentais, direito constitucional entre autor
pertinentes.

No que diz respeito a legislação far-se-á o uso da Constituição da República,


código de processo penal, Decreto-lei 35007 de 13 de Outubro de 1945 e Lei 4/2017 de
18 de Janeiro.

No concernente a problematização, Contextualizando, ora vejamos o artigo 64 da


constituição da República de Moçambique conjugado com o 59/1 visto que ninguém
pode ser preso e submetido ao julgamento se não nos casos previstos na lei.

Tendo em conta que o nosso ordenamento jurídico permite a prisão preventiva,


conforme o artigo 286 conjugado como 291 ambos do código do processo penal.

Quando o legislador Moçambicano afirma ou entende que na prisão preventiva têm


como foco de evitar a fuga do arguido ou perturbação da instrução do processo e o
Ministério Público têm a função de direccionar o processo que culminará em deduzir a
acusação conforme o preceituado no artigo 349 do CPP, abstenção de acusação e
arquivamento do processo de acordo o artigo 343 do CPP.

Quando não haja responsabilidade criminal ou seja quando não haja elementos
suficientes para a imputabilidade do crime o indiciado é libertado. Na mesma senda,
suscita algumas dúvidas porque nas prisões preventivas têm havido casos em que o
processo criminal sob autoridade do Ministério público, na fase de instrução
preparatória constata-se insuficiência de prova e o indiciado é libertado.

Em face do descrito, coloca-se as seguintes questões: qual será a situação jurídica


do indiciado libertado visto que houve restrição dos direitos fundamentais mormente a
liberdade de circulação?

Como prevenir a prisão preventiva aos indiciados que não reúnem elementos
suficientes de prova na fase de instrução? Visto que a Honra do indiciado foi denigrida
por virtude da prisão.

Decorrentes do problema de pesquisa algumas hipóteses irão nortear o


desenvolvimento da investigação que se propõe.

9
Ora, se o órgão que decreta a prisão preventiva aplicasse os meios de coacção
menos gravosos tais como liberdade vigiada, termo de identidade e de residência, aos
indiciados poderemos prevenir a prisão preventiva e a restrição de outros direitos
fundamentais, visto que vale a pena aplicar uma liberdade vigiada para investigar o
indiciado, do que prender preventivamente para depois soltar os mesmos pela falta de
elementos suficientes de provas.

Relativamente as Hipótese, Se o legislador esclarece-se os fortes indícios ou seja as


provas necessárias para a prisão preventiva reduziriam os casos de prisão preventiva que
não reúnem elementos de prova, visto que vale a pena conduzir coercivamente o
indiciado ao Juiz para ser ouvido, e se constatar-se provas, prende-se para assegurar a
eficácia do processo. Ao invés de prender preventivamente para depois soltar por falta
de provas causando-lhe deste modo danos Morais.

A Monografia compreende quatro capítulos, incluindo a presente introdução que


disserta sobre as motivações, necessidades e objectivos de realizá-la.

No segundo capítulo, versa sobre a revisão da literatura com enfoque Prisão


preventiva, princípio da presunção de inocência e no princípio da proporcionalidade,
bem como se observarão os axiomas do garantismo penal e sua relação com o Estado de
Direito, apresentando a importância dos conceitos e evoluções históricas.

Para que haja melhor compreensão dos assuntos que se seguem, abordaremos no
concernente o conceito e as funções do Ministério Publico, analisando sua aplicação e
seus efeitos diante da função que é estabelecida pelas normas processuais penais, bem
como será demonstrada a sua importância para a persecução penal.

Analisam-se, como se procede à execução das prisões preventivas em


Moçambique, e abordaremos no que tange a repercussões que a prisão preventiva
frutifica face restrição dos direitos fundamentais, Por fim, restou evidenciado a notória
importância da aplicação da prisão preventiva, desde que esta esteja em devida
consonância com os princípios e garantias constitucionais do Estado Democrático de
Direito, estreitando-se os laços com o garantismo penal.

No terceiro Capitulo abordaremos no que tange ao sistema processual aplicado no


ordenamento jurídico Moçambicano

10
De modo conclusivo no quarto capítulo, abordaremos no concernente a conclusões
e sugestões.

Partindo da premissa iluminista, em sentido oposto às penas corporais, surge a


prisão com um caráter repressivo, preventivo e corretivo 1. De modo que a ideia da
prisão preventiva já era utilizada por gregos e romanos, como também, foi utilizada por
muitos séculos como uma espécie de local onde se guardavam as pessoas até uma
decisão final da justiça, para que, assim, os indivíduos não pudessem fugir e viessem a
pagar suas dívidas2
Os parcos registros históricos encontrados demostram que alguns autores no início
do século XX persistem na inexistência da pena de prisão no antigo regime, chamando a
prisão de meramente preventiva e sem caráter infamante, que apesar de ser considerada
como provisória não se tinha conhecimento de quando retornaria à liberdade, e se
voltaria.3
E, só após o liberalismo foi que a prisão preventiva passou a exercer a função de
medida cautelar, visando impedir a fuga do imputado e assegurar a execução da pena,
adquirindo, desde então, sua função processual, servindo como instrumento para
assegurar a segurança da sociedade, como também a funcionalidade da justiça, sem
deixar de ponderar a liberdade individual.

Abalizadas nessas finalidades, as medidas de coação segundo ensinamentos de


Brandão (2008. P.82) 4 têm o seu regime legal condicionado pela exigência de não ser
postergada, sem mais, a outra finalidade do processo penal: a proteção dos direitos
fundamentais das pessoas, muito concretamente o direito à liberdade.

É importante frisar que as medidas de coação, no que se refere às restrições à


liberdade, jamais poderão ser utilizadas como meio de antecipação da responsabilização
e punição penal, restringindo-se a sua natureza cautelar, podendo, assim, ter “a
realização da justiça”.

1
Marquês de Beccaria transformou, em toda a Europa, a forma de execução das penas, através de sua
obra – Dos Delitos e das Penas – a qual podemos afirmar que foi o marco inicial do carácter humanitário
da pena, afastando a pena de morte como punição.
2
ROCHA, João Luís de Moraes. Ordem pública e liberdade individual – um estudo sobre a prisão
preventiva. Coimbra: Editora Almedina.
3
ROCHA, loc. cit.
4
BRANDÃO, Nuno. Medidas de coação: o procedimento de aplicação na revisão do código de processo
penal. Revista portuguesa de ciências criminais. Coimbra: Editora Coimbra, n. 1, p. 82, jan./mar. 2008.

11
Conforme nos referimos anteriormente, a aplicação do instituto da prisão preventiva
consiste na restrição do direito à liberdade de uma pessoa, em nome daquilo que se crê
serem os interesses da comunidade.

No nosso ordenamento jurídico a prisão preventiva respeita duas espécies, Em


flagrante delito e fora de flagrante delito conforme resulta dos artigos 286, e 291 ambos
do código de processo Penal CPP.

12
CAPITULO II – REVISÃO DA LITERATURA
2.1 PRISÃO PREVENTIVA EM FLAGRANTE DELITO E FORA DE FLAGRANTE
DELITO

Nos termos do artigo 287 do Código de Processo Penal 5 é flagrante delito todo o
facto punível que se está cometendo ou que se acabou de cometer. Reputa-se também
flagrante delito o caso em que o infractor, logo após a infracção, perseguido por
qualquer pessoa, ou foi encontrado a seguir a prática da infracção com objectos ou
sinais que mostrem que a cometeu ou nela participou.
No tocante a prisão preventiva fora do flagrante delito rege-se pelo disposto no art.º
291.º do Código do processo Penal (CPP), desde que, cumulativamente, se trate de
crime doloso punível com pena superior a um ano; quando haja fortes suspeitas de
cometimento do crime pelo arguido e quando a liberdade provisória não for admissível.

Em face dos pressupostos retro mencionados que a prisão preventiva só é admissível


nos processos de processo de polícia correccional, previstos nos artigos 64 e 65 do CPP,
a cujos crimes corresponde a moldura penal de 3 dias a 2 anos de prisão, prevista no n.
1 do artigo 56 do CPP, assim como nos processos de querela, previstos no artigo 62 do
CPP, Conjugado com art. 61 do código Penal a que corresponde crimes puníveis com
pena de prisão maior, cuja moldura penal mínima é de 2 a 8 anos de prisão.
Por exclusão de partes, nas situações em que a moldura penal aplicável é a pena de
prisão até um ano, que correm sob forma de processo sumário, a prisão preventiva só é
aplicável quando o arguido for detido em flagrante delito.
Na Verdade, o pressuposto da prisão preventiva de “forte suspeita da prática do
crime pelo arguido”, exigido pela norma da al. b) do n°1. Do artigo 291 do CPP,
implica, em primeiro lugar, que deve existir um certo grau de certeza sobre a ocorrência
do crime, por o seu cometimento pelo arguido estar.
Em segundo lugar, exige-se a verificação de indícios suficientes para imputação do
crime cometido a um determinado sujeito, o arguido, nos termos do que decorre do §1. °
do mesmo artigo.
Por força do pressuposto em referência, a detenção de suspeitos e sua colocação em
prisão preventiva fora de flagrante deve ser precedida de uma investigação do crime e

5
Código de processo penal de Moçambique 2 Edição, Revista 2016

13
dos seus agentes pelas autoridades de administração de justiça penal, concretamente o
Ministério Público e o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC)
responsáveis pela instrução preparatória, conforme resulta dos artigos 14 e seguintes do
Decreto-Lei n°. 35007, de 15 de Outubro de 1945.
Nos termos conjugados da al. c) do n°. 1 do artigo 291.º do CPP e da al. a) do §
2.°, do mesmo artigo, a prisão preventiva é aplicável sempre que sobre arguido recaísse
a forte suspeita da prática de um crime punido uma pena superior a de 2 a 8 anos de
prisão, pelo facto de nesses casos ser inadmissível a liberdade provisória.
Em face do descrito, é exequível que este pressuposto da prisão preventiva é
incompatível com a natureza cautelar da prisão preventiva que proíbe a sua utilização
com a finalidade de punir antecipadamente o indiciado ou o réu.

Além disso, prisão preventiva é inadmissível quando o suspeito de prática de crime


punível com pena superior a um ano de prisão for reincidente, vadio ou equiparado,
conforme resulta do disposto na al. b) do § 2.° do artigo 291 do CPP. Esta norma não se
compagina com os padrões internacionais de protecção ao direito à liberdade e à
segurança, na medida em que a aplicação da prisão preventiva se funda, somente, nos
antecedentes criminais do arguido e na sua condição social como pressuposto para a
decretação da prisão preventiva.
Considerando a natureza cautelar da prisão preventiva e o seu carácter excepcional,
em vista à protecção do direito à liberdade, nos casos previstos nas als. a), b), e c) do §
3.° do art.º 291.º do CPP, exige que a sua decretação se funde num comprovado perigo
de fuga, de perturbação da instrução do processo e de continuação da actividade
criminosa, inferido a partir de factos concretos e não de mera intenção do agente.

Na perspectiva do Silva (2002, p.302)6, o não dever da prisão preventiva ser decretada
sempre que possa ser aplicada outras medidas de coacção significa que desde que
qualquer das outras medidas seja adequadas para acautelar os fins processuais que se
pretendem alcançar com a imposição de uma medida de coacção, deve ser sempre
aplicada a menos grave e a prisão preventiva e a mais grave de todas, entretanto não
pode nunca duvidar-se que o principio de presunção de inocência é uma garantia
fundamental, e por isso a imposição de limitações a liberdade só pode-se admitir na
medida da sua estrita necessidade para a realização dos fins do processo. O modo como

6
SILVA, Germano Marques, Curso de Processo Penal, 3ª ed. Revista e actual, Lisboa: Verbo, 2002, V.I

14
no processo penal se aplicam medidas de coacção mormente as privativas de liberdades,
traduz bem a medida do culto de liberdade de um povo e por isso também do grau de
implantação na sociedade dos ideais democráticos.

A Segunda linha de pensamento abarca a ideia do renomado Filho (2010,p.427)7


entende que a prisão preventiva é a privação de liberdade individual, de ir e vir, é uma
privação mais ou menos intensa da liberdade. A doutrina sempre sustentou o argumento
da necessidade,sem maiores profundidades, para justificar a prisão preventiva. O núcleo
da questão sequer seria tanto sua existência, mas sim a fixação de limites em sua
regulação positiva em conformidade com os preceitos constitucionais, para prevenir
abusos epara impedir um alcance injusto para a liberdade ou para a segurança da pessoa.
Com outra visão, levantando um ideal abolicionista, Ferrajoli (2002,p.505)8
sustentaque a prisão preventiva é uma instituição violadora do Garantismo Penal ou seja
da boa tramitação do processo-crime, afirma ser“ilegítimo e inadmissível, porque
vulnera a presunção de inocência”; pois não o estado de inocência, mas sim a
culpabilidade é que deve ser demonstrada.
O Conselho Constitucional, no seu acórdão 04/CC/2013, de 17 de Setembro,
declarou a inconstitucionalidade da norma constante da al. a) do § 2.° do art. 291 do
CPP, por ter concluído que viola o princípio da proibição do excesso, inerente ao Estado
de Direito, consagrado no art.º 3 da CRM, na sua dimensão da necessidade e adequação.

O renomado Professor Ferrajoli (2002,P.512)9 expõe o entendimento de que a única


necessidade processual plausível através da adoção da prisao preventiva seria para
preservar o não fenecimento das provas antes do primeiro interrogatório. A condução
coercitiva do acusado frente ao juiz asseguraria o bom andamento da instrução, coma
detenção do imputado durante o tempo estritamente necessário para interrogá-lo em
uma audiência preliminar ou em um incidente probatório e talvez para realizar
asprimeiras averiguações sobre as suas justificativas.Assim, aqueles aspectos
humilhantes e aflitivos do sistema punitivoficariam reduzidos. A única notícia que seria
veiculada ao público é a de que umcidadão fora trazido à presença do magistrado para
ser interrogado sobre um crime.

7
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo Penal 32.ed.,rev.tual.Sao Paulo:Saraiva,2010.v3
8
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. rev. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, p.505.2002.
9
Ibid pg 512

15
Fazendo uma ponte de ideia de Valente (2010,p.298)10 quanto a Prisão preventiva,
entende que, a prisão preventiva como medida de coacção, torna-se necessárias de
forma a salvaguardar ou conservar os meios de provas, de maneira a poderem ser
acarreados para o processo-crime os elementos probatórios capazes e suficientes a
induzir o titular do processo à uma decisão fundada na verdade material.

Em face das abordagens acima, constata-se que há uma certa convergência das
ideias do Guedes e Pinho em torno da Prisão preventiva. E há divergência nas ideias de
outros autores, visto que a ideia de Pinho (2009,p.59)11 está inclinada no texto que a lei
estabelece, ou seja é conforme a lei Moçambicana. Contrariamente da ideia de Marques
(2002,p.254)12 que vai mais além ao permitir que qualquer das medidas adequadas para
acautelar os fins processuais devem ser sempre aplicada a menos grave, e a prisão
preventiva é a mais grave, assim sendo, para concretização dos objectivos específicos
deste projecto de pesquisa são imprescindíveis as Doutrinas do Marques (2002,p.
254).13

2.1.1 Fundamentos gerais

Procurando estabelecer fundamentos básicos com o intuito de controlar e legitimar a


aplicação da prisão preventiva, o legislador os elaborou sob a premissa da
excepcionalidade, submetendo-os a um denominador comum que é a averiguação de,
qualquer um deles, no caso concreto.

É preciso, antes de falar mos no tocante aos requisitos específicos da prisão


preventiva, é relevante entendermos os requisitos gerais referentes à aplicação de todas
as medidas de coacção. A condição essencial para cumprimento de uma medida de
coacção é a prévia constituição como arguido da pessoa a quem for submetido o
processo14 Essa condição é considerada medular, pois não há o que se falar em devido
processo legal sem a figura do arguido. Mas para que um determinado indivíduo seja
considerado arguido é indispensável que haja fundada suspeita da prática de crime,
resultando o segundo requisito geral – fumus comissi delicti.

10
VALENTE, Manuel Monteiro Guedes, Processo Penal, Tomo I, 3Edicao.Coimbra,Almedina, 2010.
11
DE PINHO, David Valente, Da acção Penal- tramitação e fórmula, 2009
12
SILVA, Germano Marques, Curso de Processo Penal, 3ª ed. Revista e actual, Lisboa: Verbo, 2002, V.I
13
Ibdim
14
SILVA, Germano Marques da. Curso de processo penal. 5. ed. rev. e atual. Lisboa: Editora Verbo,
2011, p. 349. v. II.

16
A existência deste requisito tende a estreitar o juízo de probabilidade da prática dos
fatos com a certeza, uma vez que na verdade para ser considerado arguido se faz
suficientes que recaiam simples suspeitas sobre este.

15
Como expõe Barros, (2010 p.423 e 425) nunca ninguém poderá ser preso
preventivamente só porque é arguido, posto que “o critério dos fortes indícios é um
conceito aberto, só sendo legítima a sua ponderação perante o concreto; não
comportando, nomeadamente, presunções”.

É imprescindível que haja a probabilidade, e não a mera possibilidade, de que o


indivíduo seja o autor do crime e que haja prova da existência do delito, para que só
assim possa ser decretada a medida de coacção, principalmente se for uma prisão
preventiva. Diferente do probatio levior 16 quando a norma em “indícios suficientes de
autoria”, não existe uma certeza, mas sim probabilidade capaz a convencer o
magistrado. Logo, a expressão indícios suficientes têm, consequentemente, o sentido de
probabilidade suficiente e não a simples possibilidade de autoria. Mesmo que não seja
necessária prova plena, mas é imperioso que existam pelo menos indícios, ou ao menos
um elemento apontador de que existe probabilidade de que o suspeito seja o autor do
crime, e que possa vir a convencer o magistrado17

Nesse aporte, para que constitua determinado indivíduo como arguido tem que
existir a prova da materialidade e os indícios de autoria, ou seja, tem que se demonstrar
primeiramente o cometimento do delito e cumulativamente a demonstração de indícios
de que o arguido contribuiu para o facto delitivo .

2.2. PRINCIPIOS ORIENTADORES DO PROCESSO PENAL

2.2.1. Princípio de presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência tem seu marco na história dos direitos


fundamentais com o advento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
1789, com a eclosão da Revolução Francesa. Neste período na Europa continental
15
BARROS, José Manuel de Araújo. Critérios da prisão preventiva. Revista Portuguesa de Ciências
Criminais, ano 2010. 1, Editora Coimbra, p. 423, 425
16
Germano Marques explica que o probation levior é “a convicção da existência dos pressupostos de que
depende a aplicação ao agente de uma pena ou média de segurança criminal, mas em grau inferior à que é
necessária para a condenação” (SILVA, G., 2011, p. 352).
17
FAGGIONI, Luiz Roberto Cicogna. Prisão preventiva, prisão decorrente de sentença condenatória
recorrível e prisão decorrente de decisão de pronúncia. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 41, p. 136-137,
2003.

17
emergiu a necessidade de se romper com os paradigmas que sustentavam o sistema
processual penal inquisitório, de base romano- canônica, que vigia desde o século XII;
foi o momento em que se viu a necessidade de resguardar o indivíduo em face do
arbítrio do Estado, pois aquele era, até então, desprovido de toda e qualquer garantia.
Rangel (2014, p. 24).18

Uma das primeiras notícias do princípio da presunção de inocência foi apresentada


por Beccaria, em 1764, quando afirmou que “um homem não pode ser considerado
culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade só lhe pode retirar a protecção pública
depois que ele se convenceu de ter violado as condições com as quais estivera de
acordo”. Beccaria (2004 p.215)19 passou a defender este pensamento em busca de
afastar os tratamentos cruéis e degradantes que eram praticados aos acusados em busca
de suas confissões.

A presunção de inocência, de imediato, não nasce com o escopo de antecipação do


resultado do processo criminal, de fato representa um princípio geral do direito
processual penal, cuja finalidade é, basicamente, assegurar ao acusado um processo
justo e equilibrado. Analisando de forma prática, a adopção do princípio da presunção
de inocência trouxe consequências para o processo penal, principalmente referente ao
ônus da prova. Posto que, do princípio resulta a regra que atribui ao órgão de acusação o
ônus de provar a presença de todos os elementos indispensáveis à responsabilização do
réu.

Silva (1987 p.164)20 afirma que neste princípio é dever do Ministério Público
comprovar todas as provas de que disponha, sejam estas favoráveis ou não ao arguido.

Para o autor, a presunção de inocência há-de projectar-se no processo penal em geral, na


organização e funcionamento dos tribunais, no direito penitenciário e até porventura no
direito penal.

18
RANGEL, Paulo. A coisa julgada no processo penal brasileiro como instrumento de garantia. São
Paulo: Atlas, 2012.
19
BECCARIA, Cesare (2006). Dos Delitos e das Penas. 3. ed. rev.da tradução de J. CretellaJr.
20
SILVA, Germano Marques da. Princípios gerais do processo penal e constituição da república
portuguesa. Direito e justiça, v. III, p. 164 e SS., 1987-1988.

18
2.2.3 Princípio da proporcionalidade

Inicialmente é importante destacar as diferenças existentes entre o princípio da


proporcionalidade e o princípio da razoabilidade, embora a doutrina e a jurisprudência
costumem fazer uma relação de fungibilidade entre ambos os princípios.

Adoptando o sentido técnico-jurídico, é possível perceber que a proporcionalidade


não é sinónimo de razoabilidade. Sabe-se que na linguagem leiga tais termos guardam a
mesma relação, contudo no discurso jurídico quando há aplicação do princípio da
proporcionalidade ou do princípio da razoabilidade não se pode consentir a confusão
entre os mesmos. A regra da proporcionalidade, contudo, diferencia- se da razoabilidade
não só pela sua origem, mas também pela sua estrutura21 Tais princípios possuem como
finalidade o controle da actividade legislativa e da executiva, limitando-as para que não
restrinjam mais do que o necessário os direitos dos cidadãos. Ainda que possuam
objectivos semelhantes, isso não autoriza o tratamento de ambos como sinónimos 22.

Segundo Alexy, (1993 p.111 e 112) 23 a aplicação da proporcionalidade é deduzível


de três regras que estruturam o discurso do operador, sendo essas a adequação, a
necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

Por adequação, entende-se que há uma imposição de que a providência escolhida


pelo Poder Público deve ser apta à consecução ou, ao menos, à fomentação do objectivo
pretendido. Compõe, pois, em avaliar a existência de uma relação da medida adoptada e
o fim, posto que o meio empregado deva ser adequado a fomentar a finalidade
constitucionalmente legítima que a justifica. Beccaria (2006.P.32)24 já afirmava que
deveria existir uma escala graduada correspondente de penas em que se graduassem da
mais dura a menos dura.

O sub princípio da máxima da necessidade, por seu turno, determina que o Estado
deva optar que, dentre dois meios aproximadamente adequados para atingir determinado

21
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, ano 91, n. 798. São
Paulo: Revista dos Tribunais, p. 29, abr. 2002.
22
Ibid p. 28.
23
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,
1993, p. 111-112.
24
BECCARIA, Cesare (2006). Dos Delitos e das Penas. 3. ed. rev.da tradução de J. CretellaJr. e Agnes
Cretella. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p.32

19
fim, seja escolhido aquele que intervenha de modo menos intenso no direito
fundamental atingido 25

Por fim, a terceira regra é a da proporcionalidade em sentido estrito, que tem como
escopo determinar que os actos estatais devam ser avaliados sob a relação e benefício,
de maneira que uma norma de direito fundamental colidindo com um princípio
antagónico, deverá haver, para a realização jurídica dessa norma, um só pensamento26.

2.2.4. Princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido restrito

O princípio, denominado de Nullum crimen sine lege, traduzido no princípio da


legalidade; tendo nesse como um dos princípios mais relevantes para o ordenamento
jurídico. Tal princípio traz a ideia que é, por completo, inviável se planear a condenação
de alguém e a imposição de respectiva penalidade se não houver expressa previsão
legal, preservando esta à devida compatibilidade com o sistema constitucional vigente.

O renomado doutrinário Ferrajoli (2002 p.79) 27 assevera que se trata de uma regra
semântica que identifica o direito vigente como objecto exaustivo e exclusivo da ciência
penal, fundando que somente as leis (e não também a moral ou outras fontes externas)
expõem o que é delito e que as leis tão-somente dizem o que é delito (e não também o
que é pecado)

O citado autor menciona, ainda, o princípio da legalidade no sentido lato e no sentido


estrito. De modo que, de maneira ampla, ou também chamada de mera legalidade, exige
que todos os pressupostos da punição sejam previamente estabelecidos por lei, a fim de
que o juiz esteja vinculado a tal legislação, não podendo emitir nenhum juízo de valor
autónomo Ou seja, essa primeira acepção do princípio da legalidade possui um carácter
excepcionalmente formal.

Já no que se refere à segunda acepção, também intitulado de princípio da estrita


legalidade, possui contornos substanciais, operando conforme a fórmula nulla lex
poenalis sine necessitate, sine damno, exigindo, assim, que a norma incriminadora
poderá, apenas, sancionar condutas que acarretem resultados lesivos, como também,
25
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios constitucionales,
1993.p.113 e 114
26
Ibid., p. 112.
27
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. rev. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002.

20
esteja presente uma vinculação subjectiva do indivíduo com o fato, dentre outras
condicionantes. Sendo assim, o legislador, em princípio, só deverá criar leis que estejam
em conformidade com o Estado Democrático de Direito, observando, assim, as
garantias materiais.

É ululante que no processo penal o réu seja o mais fraco, e um dos pontos do
garantismo é a busca por essa protecção, criando freios e limites ao poder de punir,
primando sempre pela liberdade.

Assim, este axioma tem na legalidade a legitimação jurídica formal, como forma de
fiscalizar a vigência das normas produzidas, e material, no que se refere ao facto de as
normas estarem condicionadas à tutela dos direitos fundamentais

2.2.5. Princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal

Tendo o homem como pressuposto, o princípio da responsabilidade pessoal e da


culpabilidade traz como desígnio que a conduta humana atrelada à vontade (elemento
subjectivo) só poderá ser passível de censurabilidade se estiver presente o dolo ou a
culpa.

O autor espanhol Conde (1988 p.128)28 elucida que a culpabilidade “não é um


fenómeno individual, mas social”. Esclarece ainda que não se trata da qualidade da
acção, “mas uma característica que se lhe atribui para poder imputá-la a alguém como
seu autor e fazê-lo responder por ela”; tendo na figura do Estado, representante da
sociedade, o responsável por definir os limites do culpável e do inculpável, da liberdade
ou da não liberdade. É importante frisar que as acções culpáveis são as únicas que
podem ser não apenas objecto de reprovação, de previsão e de prevenção, mas são,
também, as únicas que podem ser de maneira coerente e sensatas proibidas.

Ferrajoli (2002 p.125) 29 entende que as proibições penais são normas “regulativas”
com a finalidade pragmática de orientá-los e condicioná-los; não privando a vontade
humana que é livre e incondicionada, de modo que todos os seres racionais, desde que
imputáveis, devem ser responsabilizados por suas acções.
28
MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Tradução de Juarez Tavares e Luiz Régis Prado.
Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988, p. 128.
29
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. rev. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002.

21
O axioma exposto por Ferrajoli (2002 p. 215) 30 teve sua definição dividida em dois
sentidos, um sentido lato e outro estrito. No que se refere ao sentido lato, o autor afirma
que para haver culpa obrigatoriamente esta deve ser reconhecida em juízo. Já no que se
refere ao sentido estrito, além da necessidade de ser reconhecida a culpa em juízo, faz-
se imprescindível a existência da acusação com provas e sujeita à contestação da defesa,
sob pena de se considerar ilegítimo em juízo.

2.3 PRISÃO E DETENÇÃO

Todavia a detenção distingue se da prisão preventiva uma vez que esta resulta de
decisão judicial interlocutória devendo observar os prazos no artigo 311 do Código de
Processo Penal (CPP).

Isto é, a detenção tem como propósito, que no prazo máximo de 48 horas, que o detido
seja presente a julgamento sob a forma sumaria, presente ao juiz competente para o
primeiro interrogatório judicial.

Findo o prazo de 48 horas sem que nenhum dos referidos actos tenha lugar, se a
detenção tenha sido efectuada por erro sobre a pessoa ou a própria medida seja
desnecessária, o detido deve imediatamente ser colocado em liberdade.

31
A prisão preventiva de acordo Valente (2010, p. 113) como medida de coacção,
torna-se necessárias de forma a salvaguardar ou conservar os meios de provas, de
maneira a poderem ser acarreados para o processo-crime os elementos probatórios
capazes e suficientes a induzir o titular do processo à uma decisão fundada na verdade
material.

2.3.1 Prazos da prisão preventiva

A Constituição da República não prevê nenhum princípio orientador sobre a


duração da prisão preventiva.

Porém, o Código de Processo Penal prevê diferentes Prazos de Prisão Preventiva,


nomeadamente: Prazos da Prisão Preventiva nos Processos de policia correccional,
querela , a prisão preventiva podem ser decretado, apenas, nos casos permitido na lei .

30
Ibid., p. 496-499.
31
VALENTE, Manuel Monteiro Guedes, Processo Penal, Tomo I, 3Edicao.Coimbra,Almedina, 2010.

22
Os Prazos da Prisão Preventiva nos Processos de Polícia Correccional, os prazos de
prisão preventiva são de 20 dias na fase de instrução preparatória (fase de recolha da
prova dirigida pelo Ministério Público, nos termos do art. 14 do decreto lei DL 35007,
de 13 de Outubro de 1945) e de três meses na fase da instrução contraditório (fase de
recolha da prova dirigida pelo Juiz da causa, nos termos do disposto no art. 330 do
CPP), nos termos do disposto no n°. 1, do § 1.° e no n°. 1, do § 2.°, Ambos do art. 308
do CPP, respectivamente.

Nos Processos de Querela, os prazos de prisão preventiva são de 40 dias na fase de


instrução preparatória e de 4 meses na fase da instrução contraditória, nos termos do que
resulta do disposto no n°. 2, do § 1.° e no n°. 2, do § 2.°, ambos do art. 308 do CPP,
respectivamente.

O Prazos da Prisão Preventiva nos processos cuja realização da Instrução


Preparatória compete ao Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), como é
o caso da instrução preparatória dos crimes de tráfico de estupefacientes, previstos na
Lei n°. 3/97 de 13 de Março, onde se prevê no art. 77 conjugado com art.16 do decreto
lei 35042 de 1945 que a instrução preparatória é da exclusiva competência da PIC
actual (SERNIC), os prazos da preventiva são de 90 dias na fase de instrução
preparatória e de 3 meses ou quatro meses na fase de instrução contraditória, conforme
o crime deva ser julgado da forma do processo de polícia correccional ou na forma do
processo de querela.

Nos processos querela, os Prazos de Prisão Preventiva após a Pronúncia, o único caso
em que se faz a pronúncia32do arguido, impõe a manutenção da culpa formada até a
decisão judicial definitiva com consequente manutenção da prisão preventiva salvo se
houver despronúncia ou absolvição, nos termos do que resultava do disposto na norma
constante do § 3º, do art. 308 do Código do Processo Penal.

32
Confirmação dos factos pelos quais o arguido será julgado, nos termos do disposto no art. 365 do CPP.

23
2.3.2 Momento em que a prisão pode ser feita

Nos termos do que resulta do art. 300, do CPP, a prisão preventiva fora de flagrante
delito é sempre permitida durante o dia, para prender o arguido em sua casa ou qualquer
lugar tenha em sua posse, para o prender por um crime punido com pena de prisão
maior, portanto, as penas previstas no art. 61 do Código Penal.

Estando o arguido em casa de terceiros, é sempre necessário o consentimento dos


seus moradores, devendo-se nos casos de recusa buscar ordem do juiz que de forma
expressa permita a entrada. Tratando-se prisão por crime punido com prisão simples a
entrada na casa do próprio arguido carece de sua autorização.

A entrada em casa habitada durante a noite para efeitos de Prisão Preventiva, só será
aceite com a permissão e consentimento dos seus moradores, mediante a mostra da
ordem de captura.

2.4 Efeitos da prisão preventiva

Mesmo tendo em sua natureza o desígnio de ser uma medida cautelar, a aplicação da
prisão preventiva gera alguns efeitos perversos, prejudicando não só o arguido, mas
também a sociedade como um todo.

Um efeito que gera bastante preocupação no sistema penal é a superlotação, posto


que, apesar da prisão preventiva ser de natureza cautelar postulada no princípio da
excepcionalidade, há ordenamentos que estão, de certa maneira, banalizando sua
aplicação, estimulando, assim, o aumento da massa carcerária.

No que tange à superlotação, as prisões cautelares em Moçambique são


excessivamente banalizadas, a ponto de primeiro decretar a medida, para depois ir atrás
de provas que possam legitimar a sua decretação. Desta forma, observa-se que há certa
inversão, pois se prende para investigar, quando, na verdade, primeiro se deveria
investigar, diligenciar, para somente após prender, uma vez suficientemente
demonstrados o fumus commissi delicti e o periculum libertatis. 33 Ora, a prisão cautelar
não pode ser uma pena processual, em que primeiro se castiga e depois se processa,
actuando com carácter de prevenção geral e especial de retribuição.

33
LOPES Junior, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 9. ed. rev. e actual.
São Paulo: Saraiva, 2012, p. 792. 198

24
É importante salientar que o aumento da aplicação da prisão preventiva produz,
também, um aumento de trabalho para os magistrados, o que acaba por impedi-los de
analisar com maior zelo o caso, ou, ainda, porque se busca amenizar a sensação de
impunidade que aflige o país, em razão de que é sabido que a justiça é vagarosa ao
julgar e que a sociedade almeja a prisão, e isso acaba por fomentar a eventual sentença
condenatória com o fim de garantir segurança. E como se não fosse suficiente, existe
um forte efeito da prisão preventiva sobre o julgamento do mérito. De modo que a sua
decretação aumenta sensivelmente para o arguido os riscos de ser condenado ou receber
uma condenação severa, sendo, com frequência, considerado culpado.

A incerteza do seu destino é um dos efeitos que mais lesionam a figura do arguido.
Tal efeito se potencializa quando está presente a dupla incerteza, pois além da dúvida no
desfecho do seu processo, existe em alguns ordenamentos a incerteza de quanto tempo
irá durar sua prisão preventiva.

34
Como acentua Júdice (2004, p. 42) apesar de ser uma medida cautelar, a prisão
preventiva opera, na maioria das vezes, como uma “pré-punição” e mesmo que ocorra
uma posterior absolvição, a sociedade já o tem condenado sumariamente; assim, de
forma consistente.

O renomado autor afirma que muitos podem entrar inocentes nas prisões, mas
delas poucos conseguem sair inocentes 35 E mesmo sem a condenação efectiva, este
instituto representa sempre uma grave supressão dos princípios da liberdade individual e
da presunção de inocência, concebendo, assim, um cruel efeito ao arguido – a
estigmatização. Em princípio, a aplicação da prisão preventiva afecta diversos direitos
fundamental da pessoa humana; além da liberdade pessoal e da presunção de inocência,
esta afecta, também, a igualdade social, pois o estigma que a passagem pela prisão
significa para uma pessoa acaba gerando uma desigualdade ante a sociedade.

O estigma de culpado que o cárcere gera na pessoa do suposto infractor na maioria


das vezes perdura mesmo que este venha a ser absolvido. Após a prisão a sociedade
passa a considerá-lo como delinquente, fechando as portas do mercado de trabalho,
trazendo transtornos irreparáveis à sua vida. E o facto de ser rechaçado pela sociedade

34
JÚDICE, José Miguel. Prisão preventiva: um cancro que envergonha. Revista Ordem dos Advogados,
Lisboa, ano 64, 2004.
35
Ibid p. 42.

25
traz ao indivíduo um sentimento de revolta podendo transformá-lo no verdadeiro
delinquente. Teixeira de sá (1999,p.150) 36 afirma que o efeito estigmatizante da prisão
preventiva é bem próximo ao da pena, pois aos olhos do juízo social, se o arguido está
“preso”, então é culpado.

A prisão preventiva, sob certo ponto de vista é mais agressiva que a prisão, até
porque se pode chegar à conclusão que não se cometeu crime nenhum e a ausência da
ressocialização inerente à pena traz aos custodiados danos irreparáveis.

Na prática, como exemplo em Moçambique, os presos preventivos são postos na


mesma cela que os penalizados definitivos, o outro intrínseco perigo são o contacto do
preso preventivo com os condenados, entendendo que o provisório acaba por ser
influenciado com as subculturas carcerárias que produzem um efeito criminógeno
implicando na descoberta do mundo delitivo.

A prisão preventiva originará um dano muito maior no futuro, seja no aspecto pessoal
onde existirá o aviltamento da saúde e bem-estar físico do arguido, como também no
aspecto social, onde o arguido potencializará sua lesividade à sociedade. Sem falar que
esta medida além de retirar a liberdade e a dignidade do processado, causa um abalo
psíquico e moral não só ao arguido, como também a todos que são próximos, inclusive a
37
toda sua família, repercutindo, ainda, como referencia Sanguiné (2003 p.137) , nos
aspectos patrimoniais e profissionais do acusado, os quais nunca retornarão ao estado
anterior, mesmo com sentença absolutória.

Entretanto, mesmo que inspirado nos valores democráticos, de acordo Costa (2003,
p.98) 38 o sistema do processo penal deve primar por seus fundamentos e não agir no
mero clamor da sociedade. E mesmo que a prisão preventiva vise prevenir a prática de
novos delitos, sua aplicação fundada apenas nesse pressuposto, da perigosidade do
agente, deixa de ter o carácter cautelar para ter o carácter punitivo.

36
SÁ, Pedro Jorge Teixeira de. Fortes indícios de ilegalidade da prisão preventiva. Revista de direito
comparado Português e Brasileiro, tomo XLVIII, n. 277/279, jan./jun. 1999.
37
SANGUINÉ, Odone. Prisión provisional y Derechos Fundamentales. Valência: Tirant lo Blanch, 2003,
38
COSTA, Eduardo Maia. Prisão preventiva: medida cautelar ou pena antecipada? Revista do Ministério
Público,, out./dez. 2003 p.98

26
2.5 MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público é o órgão a quem incumbe representar o Estado junto dos


tribunais e defender os interesses que a lei determina controlar a legalidade os prazos
das detenções dirigir a instrução preparatória dos processos-crime, exercer a acção penal
e assegurar a defesa jurídica dos interesses dos menores, ausentes e incapazes, conforme
o plasmado no artigo 1 da lei 4/2017 de 18 de Janeiro (lei orgânica do Ministério
Público).

Na verdade o Ministério retro citado goza de uma autonomia nos termos da


constituição conforme pode-se vislumbrar no art.º 2 da mesma lei. E compete ainda ao
Ministério Público promover a execução das penas e medidas de segurança e bem assim
a execução por imposto da justiça indemnização por danos e mais quantias devido ao
Estado conforme vertido no artigo 627 do CPP.

A Constituição da República define o Ministério Público como uma magistratura


hierarquicamente organizada, subordinada ao Procurador-Geral da República, em que
os respectivos magistrados encontram-se sujeitos à subordinação jurídica aos
respectivos superiores hierárquicos, cabendo-lhes, consequentemente, obedecer às suas
ordens, directivas e instruções legais.

O Estatuto Orgânico do Ministério Público, aprovado pela Lei n. 22/2007, de 1 de


Agosto, estabelece que o Ministério Público organiza-se em:

a) A Magistratura do Ministério Público, constituída pelo corpo hierarquizado de


magistrados, subordinados ao Procurador-Geral da República, a quem compete
materializar o exercício das funções cometidas ao Ministério Público.

b) A Procuradoria-Geral da República, definido pela Constituição da República como


órgão Superior da Magistratura do Ministério Público, composto pelo Conselho
Superior da Magistratura do Ministério Público, que é o órgão de gestão e disciplina dos
magistrados do Ministério Público;

No domínio da administração da justiça criminal, o Ministério Público é o titular da


acção penal, por força do artigo 5 do Código de Processo penal e do artigo 1 do
Decreto-Lei n. 35.007, de 13 de Outubro de 1945, cabendo-lhe a atribuição de acusação
criminal em nome do Estado, no âmbito da instrução preparatória.

27
Ao Ministério Público cabe, ainda, a Direcção da Instrução Preparatória de
processos-crime, conforme decorrer, quer do Estatuto Orgânico, quer do Decreto-Lei
35.007; assim como controlar a legalidade das detenções e a observância dos
respectivos prazos.

Resulta as funções cometidas ao Ministério Público que os respectivos magistrados


assumem um papel fundamental na defesa dos direitos dos detidos, sobretudo,
relativamente ao controlo da legalidade das detenções e prisões preventivas. 39

2.5.1 Autonomia do Ministério Público

A Constituição de 2004 define o Ministério Público (MP) como uma “magistratura


hierarquicamente organizada”, que responde perante a Procuradoria-Geral da República
(PGR)40 A Procuradoria-Geral da República é o mais alto órgão do Ministério
Público41Tal como estabelece o art. 1 da Lei Orgânica da Procuradoria-Geral da
República, esta tem a responsabilidade máxima na implementação das funções do
Ministério Público: a defesa da legalidade 42 a promoção da observância da legislação, a
representação do Estado nos tribunais, a gestão e preparação de investigações criminais,
o início de processos-crime e a protecção dos direitos dos cidadãos. 43

A procuradoria-geral da República (PGR) tem sede em Maputo, onde funciona o


Procurador-Geral, juntamente com o Vice-Procurador-Geral e um grupo de
Procuradores-Gerais Adjuntos. A Constituição de 2004 estabelece que o Procurador-
Geral presta informações anuais à Assembleia da República e responde perante o
Presidente da República procuradores-gerais adjuntos têm a responsabilidade de
representar o Ministério Público no Tribunal Supremo e no Tribunal Administrativo. O
art. 12 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais 44 estabelece que o Ministério Público
esteja representado em todos tribunais, incluindo ao nível provincial e distrital, mas nem
todos os tribunais de distrito têm o seu próprio procurador.

39
Sobre este tema, vide Cuna, Ribeiro. O Ministério Público de Moçambique. Editora Escolar, Maputo,
2013.
40
Constituição de 2004, art. 234, n. 1.
41
Constituição de 2004, art. 237.
42
A defesa da legalidade refere-se ao papel pro-activo de fiscalização do Ministério Público, para
assegurar a legalidade do exercício do poder público.
43
Lei Orgânica da Procuradoria-Geral da República, Lei n.o 6/89, art.1, n.o 2: A Procuradoria-Geral da
República, no exercício das suas funções de Ministério Público, cabe, nomeadamente, defender a
legalidade, promover a observância geral da lei, representar o Estado junto dos tribunais, dirigir a também
a Constituição de 2004, art. 236.
44
Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, Lei n.o 10/92, art. 12.

28
A Lei Orgânica da Procuradoria-Geral da República prevê a existência de um
Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, responsável pela gestão e
disciplina do Ministério Público 45 Embora a Constituição de 2004 estabeleça que este
Conselho deve incluir membros eleitos pela Assembleia da República, bem como pelo
Ministério Público 46

A Constituição atribui ao Presidente da República consideráveis poderes na


nomeação dos membros do Ministério Público, particularmente aos níveis mais altos da
hierarquia. O Procurador-geral o Vice Procurador-Geral são nomeados pelo Presidente
da República para mandatos de cinco anos, sendo-lhes exigidos como requisitos a
licenciatura em direito e pelo menos 10 anos de experiência na profissão jurídica 47

De acordo com o ordenamento jurídico moçambicano, como princípio geral, a


acusação de crimes é da responsabilidade do Ministério Público,48 havendo, no entanto,
excepções em que o processo pode ser iniciado por outras autoridades. Decreto-leis
nº35007 de 1945, art.2. Estas autoridades são: juízes a trabalharem em tribunais onde o
Ministério Público ainda não está representado (existem alguns tribunais distritais onde
o Ministério Público ainda não conseguiu estabelecer uma representação permanente);
autoridades da administração pública ou agentes do Estado, incluindo autoridades
municipais com responsabilidades específicas relativamente ao cumprimento de
regulamentos; e a polícia para a acusação em situações de contravenções e crimes
menores, que são tratados como processos sumários. 49

2.5.2 Função cautelar das medidas de coacção e de garantia patrimonial e o


respeito dos valores da liberdade pessoal e patrimonial

Segundo Silva (2002 pag.254):50


O procedimento criminal nasce com um acto do Ministério Público em
consequência da notícia do crime e até a sua conclusão demora um certo

45
Lei Orgânica da Procuradoria-Geral da República, Lei n.o 6/89. Também a Constituição de 2004, art.
238, n.o 2.
46
9 Constituição de 2004, art. 238, n.o 1.
47
Ibid., art. 239, n.o 1.
48
As acusações particulares foram abolidas pelo decreto-lei n.o 35007 de 1945, que estabeleceu o
princípio de que os crimes eram punidos pelo estado, e não por indivíduos privados (art.1). Veja-se
também a Constituição de 2004, art. 236. 296 decreto-lei n.o 35007 de 1945, art.2.
49
Puníveis com uma pena até um ano de prisão.
50
SILVA, Germano Marques, Curso de Processo Penal, 3ª ed. Revista e actual, Lisboa: Verbo, 2002, V.I

29
tempo por vezes longo. Importa investigar a notícia do crime (inquérito),
comprovar a decisão no tempo do inquérito (instrução) proceder ao julgamento
e apreciar os recursos interpostos, só então sendo firme a decisão, se iniciará
no caso de condenação a fase de execução.

Durante qualquer das fases do processo, o arguido poderá procurar frustra-se a


acção da justiça, fugindo ou procurando fugir, poderá dificultar a investigação,
procurando esconder ou destruir meios de prova ou coagindo ou intimidando
as testemunhas e poderá continuar a sua actividade criminosa; poderá também
dispor do seu património em ordem a evitar o pagamento de eventuais
indemnizações ou multas a que venha a ser condenado.

Para evitar esses riscos o Código do Processo Penal (CPP) dispõe uma série de
medidas cautelares de natureza pessoal, patrimonial com o fim de impor limitações a
liberdade pessoal e patrimonial dos arguidos e assegurar os fins do processo quer para
garantir a execução da decisão final condenatória para assegurar o desenvolvimento do
procedimento.

No âmbito do direito a liberdade pessoal, a regra de liberdade está estabelecida no


artigo 56 da Constituição da República de Moçambique (CRM) e no artigo 9 do pacto
internacional para protecção dos direitos civis e político,51 isto não significa
evidentemente que seja banida qualquer restrição da liberdade pessoal que aliás aqueles
mesmos preceitos prevêem, que tão só que as suas limitações têm natureza excepcional
e não são condicionadas por lei a verificação de certos pressupostos e a observância de
determinados requisitos. Os preceitos legais pertinentes têm essencialmente uma função
de garantia do arguido, garante que assume uma dupla vertente: reserva da lei e da
jurisdição. A reserva da lei antes de mais, porquanto a restrição dos direitos, liberdades
e garantias pode ter lugar, nos casos expressamente previstos na lei conforme o disposto
no artigo 56 nº 3 e 64 ambos da CRM. Também a aplicação ao arguido de medidas
cautelares restritivas da sua liberdade é reservada aos tribunais como expressamente
prescreve o artigo 269 Código do Processo Penal.

A constituição admite restrições aos Direitos liberdades e Garantias fundamentais,


mas prescreve essa limitação se hão-de limitar ao necessário para salvaguardar outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos conforme o disposto no artigo 72
conjugado com 64 ambos da CRM, este princípio constitucional têm incidência muito
particular no âmbito das medidas cautelares e de garantia patrimonial.

51
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (disponível lem http://www.gddc.pt/direitos-
humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/cidh-dudh-direitos-civis.html, acessado no dia 16 de
Maio de 2019)

30
A lei admite a aplicação ao arguido de certas medidas cautelares restritivas dos seus
direitos fundamentais, medidas que formula em abstracto ponderando também em
abstracto da sua adequação necessidade e proporcionalidade, mas prescreve também
que nenhuma dessas medidas pode ser aplicada em concreto não se verificar a sua
necessidade para acautelar os fins que importam prosseguir 52 conforme o artigo 64 n°. 2
da CRM.

A expressão liberdade das pessoas usadas no artigo 56 da CRM tem um significado


amplo abrangendo a liberdade física, de movimentação e deslocação que pode ser
limitada especialmente pela prisão preventiva, obrigação de permanências na habitação
e proibição de permanência ou de ausência mas também todas faculdades de exercício
ou direito de natureza pessoal ou patrimonial que podem ser limitada parcialmente por
outras medidas de coacção tais como termo de identidade e de residência.

2.5.2.1 Termo de identidade e residência

O Termo de identidade e de residência é uma medida de coacção enquanto a


sujeição à esta medida implica deveres para o arguido limitador da sua liberdade. Esses
deveres consistem para além da identificação do arguido e indicação da sua residência
em não mudar de residência e nem dela se ausentar sem comunicar que a nova
residência ou lugar onde possa ser encontrado e ainda o dever de comparecer perante a
autoridade competente, e de manter a disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para
tal se for devidamente notificado 53

2.6 OS SISTEMAS PROCESSUAIS

Partindo de uma análise quanto aos pontos de semelhança entre as várias relações,
podemos unificá-las, de acordo com determinados critérios, em espécies de que nada
mais serão do que sistemas. Segundo entendimento, Sampaio (1976 p.9) 54 em sua obra
Conceito de Sistema no Direito, assim define sistema: O estudo etimológico indica que
o termo sistema tem origem grega e deriva de synistemi, que significa o composto, o
construído, sendo que, no decorrer da história da humanidade, seu uso continuado

52
DE PINHO, David Valente Borges, Da acção penal-tramitação e fórmula, 2009, pág. 59
53
SILVA, Germano Marques, Curso de Processo Penal, 3ª ed. Revista e actual, Lisboa: Verbo, 2002, V.I,
pág. 290
54
FERRAZ Júnior, Tércio Sampaio. Conceito de Sistema no Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1976, p. 9.

31
configurou uma acepção mais restrita, que faz referência à noção de ordem, organização
e modelo.

O conceito de sistema deve ser compreendido como conjunto composto de normas e


princípios basilares que lhe dão forma. Kant (1997, p. 657)55 define: “Sistema é a
unidade de conhecimentos diversos sob uma mesma ideia. O todo é, portanto, um
sistema organizado e não um conjunto desordenado; pode crescer internamente, mas
não externamente, tal como corpo de um animal cujo crescimento não acrescenta
nenhum membro, mas, sem alterar a proporção, torna cada um deles mais forte e mais
apropriado aos seus fins”.

Coutinho (2001 p.16 e 17) 56 por sua vez, aponta os sistemas como um conjunto de
temas jurídicos que, colocados em relação por um princípio unificador, formam um
todo orgânico que se destina a um fim.

Dessa forma, os nossos sistemas processuais penais são criados diante da unificação
de elementos que se vinculam em torno de uma premissa. Devido à classificação entre
os sistemas processuais penais, é permitida uma abordagem comparativa, admitindo-se
desse modo um estudo aprofundado acerca dos sistemas.

Esses elementos, segundo Andrade (2008 p.31) 57 são divididos em elementos fixos
e elementos variáveis. Os elementos fixos são considerados imprescindíveis aos
sistemas jurídicos, como sendo a “base axiológica” destes, posto que qualquer alteração
que ocorra nesse núcleo provocará a necessária extinção do sistema jurídico original, e o
nascimento de outros sistemas jurídicos diferentes do anterior. Já os elementos variáveis
participam de vários sistemas jurídicos distintos ou mesmo de nenhum deles, sem que
esses sistemas deixem de existir.

Dessa forma, a diferenciação desses elementos ajuda os investigadores a não


fazerem conclusões descompassadas, devido estarem partindo de um ponto equivocado.
Contudo, não há mais um sistema processual penal puro, ou seja, da forma como foram
concebidos.

55
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 657.
56
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 16-17.
57
ANDRADE, Mauro Fonseca. Sistemas processuais penais e seus princípios reitores. Curitiba: Editora
Juruá, 2008, p. 31.

32
Tanto o sistema inquisitório quanto o acusatório surgiram a lume, como se tem
ciência, por razões políticas. Outras, de ordem teológica, económica, filosófica e
jurídica, foram altamente proeminentes, entretanto, decididamente secundárias ou, pelo
menos, sempre estiveram submissas àquelas políticas. Como exemplo tem-se o Código
de Napoleão 1808 (Code d´Instruction Criminelle), que se pode considerar como um
marco histórico do ingresso desses sistemas nos ordenamentos jurídicos dos países
europeus, prevendo a divisão do ordenamento em duas fases, sendo uma inquisitória e
outra acusatória.

2.6.1. Sistema inquisitivo

O sistema inquisitório tem suas origens no Direito Romano, por influência da


organização política do império, pois, consentia ao juiz iniciar o processo ex officio.
Operou na Idade Média, durante o século XII até o século XVII, perante o contexto
histórico da época, pois, nessa época existia a necessidade de afastar a repressão
criminal dos acusadores privados e se disseminou por todo o continente europeu a partir
do século XV, perante a influência do Direito Penal da Igreja Católica.

Conforme Lopes Jr. (2006 p.168) 58, no decurso do século XIII foi criado o Tribunal
da Inquisição ou Santo Ofício, para reprimir a heresia e tudo que fosse contrário ou que
pudesse criar dúvidas acerca dos Mandamentos da Igreja Católica.

O processo normalmente era escrito e sigiloso e se desenvolvia em etapas por


impulso oficial, tento a confissão como elemento suficiente para a condenação,
tolerando-se a prática de tortura etc. O procedimento inquisitorial era baseado no
Manual dos Inquisidores, do catalão Nicolau Eymerich, que relata o modelo inquisitório
do Direito Canônico. Tal manual descreve que o processo poderia ser iniciado mediante
uma acusação informal, denúncia ou por meio da investigação conduzida pelo
inquisidor.

A confissão era a prova máxima do sistema inquisitivo; dessa forma a prisão era
uma regra, porque, assim, o acusado ficava à disposição do inquisidor para torturá-lo até
alcançar a pretendida confissão.

58
LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade
Constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 168

33
Sendo assim, o inquisidor instituía a hipótese acusatória, de forma secreta, e
procurava os fundamentos probatórios que a comprovassem. Dessa maneira, inclusive
os mortos que fossem denunciados por heresia poderiam ser processados e, caso fossem
condenados, a pena incidia sobre seus filhos, sendo estes considerados infames e
privados de qualquer privilégio.

Silva (2010 p.73) 59 relata que o processo inquisitório, nasceu com o aparecimento do
absolutismo, de maneira que sua estrutura é baseada na busca da verdade e pela defesa
da sociedade, sendo esta última mais importante que a garantia da pessoa do acusado,
tratando, assim, o acusado como um objecto da persecução e não como sujeito de
direitos60.

A principal característica desse sistema é a concentração das funções – acusação,


defesa e julgamento – numa só pessoa ou órgão. De modo que o magistrado iniciava, de
ofício, a investigação, tendo como finalidade a busca por uma veracidade histórica, não
importando os meios e os modos empregados para execução de tal mister.

Nessa linha, o envolturamento do julgador na apuração fáctica acarretaria,


invariavelmente, a consignação de juízos antecipados que dificilmente seriam
suplantados, mesmo que as partes processuais conseguissem êxito em contrariá-lo. O
mesmo já estaria contaminado, de tal forma que a própria equidistância necessária e
indispensável, condição esta para um julgamento justo, já estaria comprometida.

2.6.2. Sistema acusatório

61
Fundamentado no direito romano Coutinho (2001 p.57) advoga que o Sistema
Acusatório surge na Inglaterra durante o reinado de Henrique II, entre os anos de 1154 e
1181. Esse sistema teve como um dos principais fundamentos a valorização da
igualdade entre as partes, sobrepondo-se a eles, como órgão imparcial de aplicação da
lei, como uma espécie de juiz.

Em princípio, aqueles que se sentissem prejudicados poderiam, através de petições,


reclamar ao rei; estas eram “recebidas e decididas pelo Lord Chanceler e, em nome do
59
SILVA, Germano Marques da. Curso de processo penal. 6. ed. ed. rev. e atual. Lisboa: Verbo, 2010,
p.73.
60
ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2003, p. 40.
61
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001

34
rei, emitia ordens escritas (writ) aos representantes reais (locais), ditos sherif”. Mas em
1166 foi criado Trial By Jury – possuindo um Grand Jury, composto por 23 cidadãos e
um Petty Jury composto por 12 membros – onde ocorria um julgamento popular
dividido em duas fases, uma responsável por admitir a acusação e outra por aplicar o
direito material ao caso.

O representante real, equivalente à juíza-presidente, não intervinha, a não ser para


manter a ordem e, assim, o julgamento se transformava num grande debate, numa
grande disputa entre acusador e acusado, acusação e defesa 62

Ferrajoli (2014, p.519 e 520) 63 explica que acusatório é todo sistema processual que
tem o juiz como sujeito imparcial separado das partes, tendo, assim, um julgamento
como um debate paritário. Este é iniciado pela acusação, à qual compete o ônus da
prova, tendo, em seguida, o contraditório público e oral, sendo, por fim, decidido pelo
juiz com embasamento na sua livre convicção

64
O sistema acusatório, para Silva (2010 p.94) procura equidade de poderes de
actuação processual entre a acusação e a defesa, deixando o magistrado independente,
responsável, apenas, na apreciação do caso que lhe é apresentado pela acusação.

Pimenta (2003, p.235) 65 assevera que o princípio do acusatório possui duas versões
antagónicas sendo uma forte e outra fraca. A primeira afirma que é proibida ao tribunal
a introdução de “frases” substantivas que fazem parte da previsão das “normas
incriminadoras”, dos “factos instrumentais” e que este não possa tomar iniciativa na
obtenção de “frases probatórias”.

Já no que se refere à segunda admite que o tribunal fundamente suas sentenças com
“frases referentes a novos factos instrumentais que ele próprio introduz e/ou com base
em frases probatórias que ele próprio toma iniciativa de colher”. Esta segunda versão é
também chamada de princípio acusatório mitigado ou “com princípio da investigação”.

62
Ibid.
63
FERRAJOLI, 2014, p. 519 e 520
64 64
SILVA, Germano Marques da. Curso de processo penal. 6. ed. ed. rev. e actual. Lisboa: Verbo, 2010,
p.94
65
PIMENTA, José da Costa. Processo penal: sistema e princípios. Lisboa: Livr. Petrony, D. L., 2003, p.
235.

35
2.6.3. Sistema misto

Após a Revolução Francesa surge o sistema misto, aplicado no direito


contemporâneo, que, ao contrário do que alguns pensam, o sistema acusatório não é a
mera soma dos dois sistemas puros, até porque tais sistemas possuem estruturas opostas.

Os sistemas são mistos, fundamentalmente, porque em sendo sistemas geridos pelo


princípio inquisitivo, têm anexado a si elementos oriundos do sistema acusatório. De
maneira que a primeira fase deste sistema consiste na instrução preliminar, tocada pelo
juiz e claramente inquisitiva.

Já na segunda fase, marcada por característica acusatórias, tem, no momento judicial,


a acusação realizada por órgão distinto do que irá executar o julgamento. Entende-se
que o sistema misto, não obstante ser um avanço diante do sistema inquisitivo, não seria
o sistema ideal, pois ainda mantém o juiz à frente da captação de provas, mesmo que na
fase preliminar à acusação.66

66
PIMENTA, José da Costa. Processo penal: sistema e princípios. Lisboa: Livr. Petrony, D. L., 2003, p.
247

36
CAPITULO III. SISTEMA APLICADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
MOÇAMBICANO.

3.1 REALIDADE DO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO

No nosso ordenamento jurídico, o processo criminal tem em princípio uma


estrutura acusatória67 Entretanto, faz bem salientar que a estrutura acusatória é integrada
pelo princípio da investigação, como veremos adiante. Com fundamentos na busca pela
verdade real e na pretensão punitiva do Estado, surge no processo penal uma fase de
instrução preparatória – em princípio de carácter escrito e secreto conforme o vertido no
art. 13 do decreto 35007.

Há, nessa fase, uma atribuição ao magistrado de uma quase total discricionariedade
cognitiva dentro do tema que lhe seja proposto pela acusação.

Dias (2004.p.155) 68 afirma, ainda, que o sistema processual não se cinge apenas no
sistema acusatório mitigado, ou mesmo de um sistema misto, mas sim, de um sistema
acusatório com o princípio da investigação, através do qual se pretende manifestar o
poder-dever que ao tribunal pertence de esclarecer e instruir autonomamente – é
independentemente das contribuições da acusação e da defesa – o facto sujeito a
julgamento, criando ele próprio a base necessária à sua decisão.

69
Por outro lado, Pimenta (2003 p.236) afirma que o sistema processual penal
deve caracterizar-se pelo uso do princípio acusatório, pois admite o tribunal utilizar
frases relativas a novos factos instrumentais, unificando deste modo aos princípios da
investigação.

Tal princípio da investigação é caracterizado por um juiz que intervém activamente


na formação e compilação de provas, não existindo espaço para um magistrado
“passivo, impávido e sereno”, que fique apenas presenciando o duelo judiciário entre a
acusação e a defesa, que esgrimem as suas armas.

67
Vide art. 174,250,252,253,254, e 425 ambos do código de processo penal CPP
68
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal. Coimbra: Coimbra Editora, edição 1974,
reimpressão 2004.
69
PIMENTA, José da Costa. Processo penal: sistema e princípios. Lisboa: Livr. Petrony, D. L.2003.p.236

37
Definindo a figura do juiz, Dias (2004.p.159) 70 assegura que, na fase processual, seja
a instrução ou o julgamento, este actua como entidade exclusivamente competente para
praticar, ordenar e autorizar determinados actos, os quais se revelam em ataques a
direitos, liberdade e garantias constitucionalmente protegidos.

Tais actos reflectem o princípio do monopólio da função jurisdicional e do juiz


natural, de maneira que o juiz assume a posição de dominus de uma fase.

Entretanto, não obstante a sua função activa na persecução penal, o magistrado deve
agir com independência e imparcialidade, para atingir as finalidades, próprias do
processo, de descoberta da verdade e realização da justiça 71 devendo, então, integrar a
estrutura acusatória por um princípio de investigação, não podendo deixar nas mãos das
partes.

Verificamos que o Meritíssimo não tem apenas o papel de julgar, mas sim o, de
investigar, investigação essa que tem como escopo a descoberta da verdade material
nestes termos o nosso sistema processual é misto.

3.2. DIREITOS FUNDAMENTAIS

O surgimento dos direitos fundamentais está intrinsecamente vinculado ao


movimento de limitação dos poderes estatais, o constitucionalismo. Para entendermos
melhor o surgimento dos direitos fundamentais, é preciso conhecer a relação existente
entre esses dois institutos.
Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são considerados direitos
históricos, oriundos de determinadas circunstâncias e das lutas contra o poder, contra a
opressão, contra actos de violação, gradativamente, isto é, não surgiram todos no
mesmo momento, mas sim quando existiram condições favoráveis, quando se passa a
reconhecer a sua necessidade para garantir a cada indivíduo e à sociedade uma
existência digna.
Em sua obra Andrade (1976 p.188) 72 traz uma evolução histórica dos direitos na
sua concepção natural, “são absolutos, imutáveis e intemporais”, inerentes à dignidade

70
DIAS, Jorge Figueiredo. Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal. In:
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, Jornadas de Direito Processual Penal – O novo Código de
Processo Penal. Coimbra: Almedina, 1995, p. 15-16
71
Ibid., p. 22
72
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. 5. ed.
Coimbra: Coimbra, 2012.

38
humana, foram estabelecidos por um “núcleo restrito”posto a todo e qualquer
ordenamento jurídico. Assim, com a mutação histórica e a constante evolução, os
direitos fundamentais foram divididos em dimensões fundamentais no período dos
Estados Liberais e Sociais.
Partindo do ponto que os direitos, na sua concepção natural, “são absolutos,
imutáveis e intemporais”, inerentes à dignidade humana, foram estabelecidos por um
“núcleo restrito” posto a todo e qualquer ordenamento jurídico. Assim, com a mutação
histórica e a constante evolução, os direitos fundamentais foram divididos em
dimensões.
Os primeiros direitos a serem positivados, chamados de primeira dimensão, nascem
da Revolução Americana de 1776 e da Revolução Francesa de 1879, envolvendo o
direito à vida, à liberdade e à propriedade, torna-se evidente a busca por proteger o
indivíduo diante do Estado73. Tais declarações permitiram o reconhecimento dos
direitos humanos de carácter económico e social.
Como alega o doutrinador Comparato (2010 p.60) 74 “ As declarações de direitos norte-
americanos, juntamente com a Declaração Francesa de 1789, representaram a
emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se
submeteu: a família, o clã, o testamento, as organizações religiosas”.

Fazendo uma ponte com as ideias de Miranda (2004 p.150) 75 quanto a definição do
direitos fundamentais Propõe-se uma outra definição, formal de direitos fundamentais
que ilustra o seguinte:
«os direitos ou as posições jurídicas subjectivas das pessoas enquanto tais, individual
ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição
formal, seja na Constituição material».
Na mesma senda são tidas os direitos fundamentais as normas revestidas de
vinculatividade imediata dos poderes públicos constituindo deste modo parâmetros
materiais de escolhas decisões acções de controlo dos órgãos legislativos
administrativos e conforme pode-se vislumbrar com o teor do art.º 56.º/1 da CRM.

73
Ibid p. 19.
74
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São Paulo: Editora,
Saraiva, 2010
75
MIRANDA, Jorge Manual de Direito Constitucional, IV, 2004.

39
Procurando viabilizar a materialização desses direitos e assegurar sua tutela
jurisdicional, a Declaração de Virgínia e a Declaração Francesa, orientam que antes de
qualquer organização política, os homens possuem direitos naturais e inalienáveis.
Contudo sua tutela jurisdicional, orienta que antes de qualquer organização política, os
homens possuem direitos naturais inalienáveis e sagrados. O reconhecimento desses
direitos passou a determiná-los como fundamentais, considerada uma verdadeira
conquista da sociedade moderna ocidental76.
Quanto aos direitos de segunda dimensão desde logo, são referentes à prestação
positiva estatal, de modo que os direitos sociais, económicos e culturais, baseados no
princípio da igualdade, são almejados através da prestação de serviços estatais,
primando pela diminuição das desigualdades sociais. Sendo assim, ao contrário dos
direitos de primeira dimensão, os de segunda não buscam uma abstenção estatal, mas
uma actuação positiva do Estado.
77
Vieira (2014, p. 12) afirma que os direitos da terceira dimensão, ao contrário dos
anteriores, não estão relacionados ao homem individualmente, e, também não, a
determinada classe social. Tais direitos estão direccionados ao destino da humanidade,
pressupondo a solidariedade, a paz, ao meio ambiente, à qualidade de vida, ao
desenvolvimento e ao respeito ao consumidor, à preservação do património histórico-
cultural. A terceira dimensão busca contribuir de forma sólida para o nascimento de
uma consciência jurídica colectiva, isto é, os direitos difusos.

78
Ferrajoli (2002.p.29) advoga que a tutela dos direitos fundamentais constitui o
objectivo justificante do Direito Penal, apesar de sua satisfação, na maioria das vezes
tende a ir de encontro dos interesses da sociedade. É justamente a garantia dos direitos à
dignidade, liberdade entre outros já estudados que torna aceitável por todos, inclusive
pela minoria formada pelos réus e pelos imputados, o Direito Penal e o próprio princípio
maioritário.

76
WOLKMER, António Carlos. Introdução aos fundamentos de uma teoria geral dos “novos” direitos. In:
LEITE, José Rubens Morato; WOLKMER, Antonio Carlos (Coord.). Os novos direitos no Brasil:
natureza e perspectivas: uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2003,
p. 3.
77
VIEIRA, Juliana Porto ,Prisão preventiva sob a égide do garantismo penal: um comparativo luso
brasileir,Coimbra, 2014, p. 12.
78
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. rev. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002.

40
Fazendo uma leitura objectiva ou seja uma análise minuciosa constataremos que os
direitos que mais afectam o tema em estudo são os direitos da primeira geração que têm
um acolhimento constitucional no artigo 56 e seguinte

3.2.1 A titularidade dos direitos fundamentais

3.2.1.1 O princípio da universalidade

O princípio da universalidade, segundo o qual todas as pessoas, pelo simples


facto de serem pessoas, são titulares de direitos e deveres, está consagrado,
conjuntamente com o princípio da igualdade, no artigo 35 da Constituição, onde se
estatui que todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e
estão sujeitos aos mesmos deveres.

A base constitucional de ambos os princípios é o respeito pela dignidade da pessoa


humana que impõe o reconhecimento do igual valor de todos os seres humanos,
independentemente da sua inserção económica, social, cultural e política. A fórmula
inicial do artigo 35 – “todos os cidadãos” – parece reservar a titularidade de direitos e
deveres em condições de igualdade para os membros da comunidade política, com
exclusão dos estrangeiros e apátridas. Alguns direitos, porém, por serem inerentes à
dignidade da pessoa humana (como a vida, a integridade física, a liberdade), não podem
deixar de ser reconhecidos a todas as pessoas, independentemente da cidadania.

3. 2.1.2. O princípio da igualdade

Como vimos, o princípio da igualdade está consagrado no artigo 35.º da


Constituição enuncia um conjunto de factores de discriminação ilegítimos 79, incluindo
os critérios que, ao longo da História, têm sido mais frequentes e significativos – a raça
e a origem étnica, o sexo e as convicções políticas e religiosas.

O elenco é meramente exemplificativo, devendo também ter-se por inconstitucionais


as diferenciações de tratamento fundadas noutros motivos (como a idade, por exemplo),
desde que estas se afigurem contrárias à dignidade humana ou simplesmente arbitrárias.

79
Ninguém pode ser discriminado com base na cor, raça, estado civil, sexo, origem étnica, língua,
posição social ou situação económica, convicções políticas ou ideológicas, religião, instrução ou condição
física ou mental”.

41
O efeito prático da identificação destes critérios – que são apenas os mais frontalmente
repudiados pelo legislador constituinte – é o de criar uma presunção de arbitrariedade
(elidível mediante justa fundamentação) em relação às leis que os apliquem.

Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros


constantes da lei e devem ser interpretados em consonância com a Declaração Universal
dos Direitos Humanos80.

3.2.1.3. Direito à liberdade e sua restrição

Como apontamento prévio à temática central da presente participação, analisemos de


forma superficial o direito à liberdade, enquanto elemento basilar do processo penal e
intimamente conectado com a regulamentação do instituto da prisão preventiva.

Ora, o direito à liberdade, é um direito constitucionalmente consagrado, estabelecido no


art. 59º da CRM

Trata-se, portanto, de um direito fundamental do ser humano, reconhecido na nossa


Constituição e moldado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, devendo,
por isso, deve ser interpretado de acordo com aquela.

Assim, como direito fundamental que é, terá de ser compreendido, interpretado e


aplicado como norma jurídica vinculativa, tal como afirma Canotilho (2000, p.378)81

Acresce que, mais do que um direito fundamental, o direito à liberdade está inserido
no catálogo dos direitos liberdades e garantias, gozando por isso do regime próprio
aplicado a estes, nomeadamente no que concerne à sua força vinculativa e
aplicabilidade directa.

Sobre este direito à liberdade urge ainda reforçar que, enquanto direito fundamental, o
mesmo assenta na defesa dos cidadãos e da sua dignidade perante os poderes do Estado,
estando assim amplamente influenciado por uma série de princípios constitucionais que
o fundamentam e suportam.

Não poderemos ainda, no que ao direito à liberdade diz respeito, deixar de mencionar
o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no art. 35º da CRM, que se

80
MIRANDA, Jorge – Manual de Direito Constitucional , IV , Direitos Fundamentais , op. cit. , p. 162.
81
CANOTILHO, Gomes In “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Almedina, 2000 – p. 378.

42
concretiza pela proclamação de uma igualdade em duas vertentes distintas: na criação
do direito, que tem como destinatários os órgãos políticos e legislativos; e na aplicação
do direito, dirigido aos órgãos administrativos e aos Tribunais.

Finalmente, no âmbito da análise ao direito à liberdade, cumpre referir o princípio do


acesso ao direito e aos tribunais, estabelecido no art. 62º, da CRM, consistindo este na
garantia de defesa dos cidadãos relativamente aos seus direitos e interesses legalmente
protegidos através de um processo jurisdicional equitativo.

Analisando agora o direito à liberdade propriamente dito, poderemos afirmar, no


seguimento dos ensinamentos de Miranda (2000, p.640 e 642)82 advoga que este é “a
liberdade física, a liberdade movimentos corpóreos”, ou seja, o direito de não se ser
sujeito a qualquer limitação da sua movimentação, que condicione o indivíduo a um
espaço físico determinado.

82
Jorge MIRANDA – Manual de Direito Constitucional , IV , Direitos Fundamentais , op. cit. , p.640,642

43
CAPITULO IV. CONCLUSÕES E SUGESTÕES

4.1 CONLUSÕES:

Estudadas as previsões legais que cuidam da possibilidade da prisão de um acusado


antes de uma sentença condenatória irrecorrível verificou se que esta medida cautelar
somente poderá ser tomada em carácter excepcional e nos casos expressamente
previstos pela lei quando imprescindível para o desenvolvimento da persecução penal
Para tanto, revelou-se necessário proceder à análise de uma série de princípios e direitos
intimamente relacionados com a prisão preventiva que, o que, não obstante ter ocupado
parte considerável da presente monografia, foi fulcral para melhor entender e enquadrar
tal instituto.

No mesmo sentido, ficou patente a importância assumida pelo princípio da


presunção de inocência, enquanto garantia jurídica de direitos fundamentais e como
critério orientador e limitativo na aplicação das medidas de coacção.

Quanto à concreta aplicação das medidas de coacção em geral, foi-nos possível


aprofundar, dentro dos limites de forma que nos são impostos, analisar e fundamentar a
necessidade de verificação de uma série de princípios e requisitos gerais que norteiam e
regulamentam tal aplicação, de forma a impedir a sua discricionariedade e a restrições
dos direitos fundamentais.

Constatamos que a a ideia de se aplicar o meio de coação menos gravoso aos


indiciados, tais como liberdade vigiada e Termo de identidade e residência também
coincide com a ideia o renomado professor GERMANO MARQUES DA SILVA visto
que o mesmo sistema que ʺ… Esses deveres consistem para além da identificação do
arguido e indicação da sua residência em não mudar de residência e nem dela se
ausentar…ʺ

Desta forma, ficou para nós demonstrado que a prisão preventiva, constituindo uma
restrição total de um direito fundamental como é o direito à liberdade, obriga a que se
verifique a existência de um rigoroso leque de requisitos e que se respeitem uma série
de princípios essenciais para a defesa desses direito.

44
Do que foi dito podemos concluir que a prisão preventiva consiste numa privação da
liberdade anterior à condenação penal transitada em julgado com fins essencialmente
processuais elencados no artigo 286 e seguintes do CPP. Sendo uma medida coactiva,
não pode ser entendida e nem imposta com um sentido punitivo, mormente com
antecipação do cumprimento da pena que lhe possa vir a ser aplicada. Deve, antes, ser
percebida como uma opressão necessária do direito à liberdade do arguido, enquanto
este constituir uma ameaça grave e séria para a própria liberdade e segurança de
terceiros.

Com vista a garantir o respeito pelo cumprimento das finalidades das medidas
privativas, a Organização das Nações Unidas estabeleceu duas normas internacionais
para a protecção de pessoas acusadas da prática de crimes e/ou privadas da liberdade
pelas autoridades do seu país: a Declaração Universal dos Direitos do Homem e o Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Com o intuito de garantir que ninguém
poderá ser sujeito a tortura ou detido arbitrariamente e que todos têm direito a um
processo equitativo e à presunção de inocência perante qualquer acusação da prática de
uma infracção penal de que sejam objecto.

Concluímos que a prisão preventiva em situações que vigorosamente não a


justifiquem não tem outra equivalência senão de antecipação da pena, sanção a ser no
futuro eventualmente imposta. A mácula ao princípio da presunção de não culpabilidade
é, desde essa perspectiva, evidente. Antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória a regra é a liberdade; a prisão, a excepção. Aquela cede a esta em casos
excepcionais. É necessária a demonstração de situações efectivas que justifiquem o
sacrifício da liberdade individual em prol da viabilidade do processo.

O Conselho Constitucional, no seu acórdão 04/CC/2013, de 17 de Setembro,


declarou a inconstitucionalidade da norma constante da al. a) do § 2.° Do art. 291 do
CPP, por ter concluído que viola o princípio da proibição do excesso, inerente ao Estado
de Direito, consagrado no art.º 3 da CRM, na sua dimensão da necessidade e adequação.

Com o mesmo alcance do citado acórdão, conclui-se que o acórdão do Conselho


Constitucional, de forma inequívoca, reafirma que a prisão preventiva deve ser fixada
pela análise concreta da sua necessidade e não pela análise abstracta do crime imputado
ao arguido.

45
Relativamente ao Ministério Publico concluímos que no domínio da administração
da justiça criminal, o Ministério Público é o titular da acção penal, por força do artigo 5
do Código de Processo penal e do artigo 1 do Decreto-Lei n. 35.007, de 13 de Outubro
de 1945, cabendo-lhe a atribuição de acusação criminal em nome do Estado, no âmbito
da instrução preparatória. Ao Ministério Público cabe, ainda, a Direcção da Instrução
Preparatória de processos-crime, conforme decorrer, quer do Estatuto Orgânico, quer do
Decreto-Lei 35.007; assim como controlar a legalidade das detenções e a observância
dos respectivos prazos.

Resulta as funções cometidas ao Ministério Público que os respectivos magistrados


assumem um papel fundamental na defesa dos direitos dos detidos, sobretudo,
relativamente ao controlo da legalidade das detenções e prisões preventivas.

Quanto aos sistemas processuais, concluímos que os mesmos devem sempre tutelar a
dignidade do ser humano, a sua integridade física, sua honra – concomitantemente com
os princípios da legalidade, proporcionalidade de sua aplicação, assegurando, também, a
presunção de inocência e consequentemente o direito à ampla defesa e ao contraditório.
Partimos do ponto em que o Estado Democrático de Direito exerce a função de guardião
dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, vistos inicialmente através dos
princípios norteadores do sistema do processo penal.

Constatamos que o princípio da presunção de inocência, como também o princípio


da proporcionalidade, se fez presente durante todo nosso estudo, de maneira que o
primeiro está atrelado ao fato que todos são inocentes até a sentença condenatória
transitar em julgado e o segundo na ponderação de qual medida cautelar deve ser
aplicada caso a caso.

Em suma, a presente monografia permitiu concluir que sistemas processual


Moçambicano, no nosso entender, encontra-se estruturado de forma Mista visto que que
o Meritíssimo não tem apenas o papel de julgar, mas sim o, de investigar investigação
essa que tem como escopo a descoberta da verdade material.

A nossa lógica não e de livrar se completamente das restrições dos direitos


fundamentais, mas sim deve se aplicar uma restrição menos gravosa visto que a prisão e
a mais grave de todos meios de coação.

46
Quanto aos direitos fundamentais a CRM consagra um regime de direitos, liberdades e
garantias fundamentais favorável à protecção dos direitos de reclusos preventivos e
compatível com os padrões internacionais de direitos humanos na medida em que a sua
interpretação e integração deve ser feita de harmonia com DUDH.

A CRM consagra um regime favorável ao recluso em prisão preventiva,


nomeadamente, o direito à liberdade e a segura (artigos 59 e 64 nº1), o direito à
presunção da inocência (artigo 59 nº 1), o direito de ser informado sobre os motivos da
detenção (artigo 64 nº 3), o direito ao tratamento especial. Em relação ao regime
processual penal, o estudo constatou alguns pontos críticos que devem merecer a
atenção do legislador, tais como:

Direito à liberdade, a segurança e a presunção de inocência do indivíduo. Constata-se


uma limitação que condiciona a eficácia deste regime na medida em que CPP estabelece
a obrigatoriedade da aplicação da prisão preventiva em todos os casos em que o arguido
é suspeito de prática de crime de prisão maior, o que viola o princípio constitucional da
presunção da inocência. A este respeito o estudo recomenda que este regime seja revisto
devendo-se consagrar o regime da prisão preventiva baseado na perigosidade criminal
concreta e não abstracto.

4.2 SUGESTÕES:

• Sugerimos que o legislador deveria enquadrar no código do processo Penal (CPP) os


meios de coacção menos gravosos.

• A CRM deveria referir expressamente, à detenção, atendendo a que no direito


processual penal distingue-se a detenção da prisão preventiva, o que pode dar a entender
que a detenção pode ser efectuada mesmo em casos não fixados na lei.

• O direito fundamental à liberdade Constante da CRM deveria ser materializado em


disposições concretas da legislação processual.

• As disposições do Código de Processo Penal que fixam os pressupostos da detenção e


prisão preventiva não devem usar conceitos indeterminados, tais como “ imediatamente
logo após a prática do crime”, “ quando haja perigo de fuga”, “perigo de perturbação da
investigação”. É necessário que a lei indique os factos concretos que integram esses
conceitos.

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Código do Processo Penal de Moçambique (CPP) 2 ª Edição, Revista 2016

Decreto-lei 35007 de 13 de Outubro

Decreto-lei 35042 de 1945

Lei 4/2017 de 18 de Janeiro. (lei orgânica do Ministério Público).

Lei n°. 3/97 de 13 de Março (Lei que regula o consumo e tráfico de estupefacientes
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Lei n°. 10/92 (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais)

JURISPRUDÊNCIA:

Acórdão 04/CC/2013, de 17 de Setembro.

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