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Muitos amigos estranharam que eu não publicasse aqui a mensagem de Natal

que lhes passei por e-mail no dia 24. Mas uma coisa é escrever para um círculo
de amigos, outra para um jornal. A única mensagem de Natal que, neste ano
de 2001, eu faria estampar num diário de grande circulação seria um inútil
apelo a meus colegas jornalistas para que prestassem um pouco de atenção à
situação dos cristãos no mundo.
Michael Horowitz, erudito judeu ortodoxo que nobremente assumiu a
vanguarda da campanha em defesa dos cristãos perseguidos, calcula que uns
150.000 deles — o total dos mártires dos primeiros séculos — morrem
anualmente assassinados pelas ditaduras da China, do Vietnã, da Coréia do
Norte, do Irã, do Sudão, etc. Dessas ditaduras, umas são comunistas:
cumprem fielmente a máxima leninista de “varrer o cristianismo da face da
Terra”. Outras são islâmicas: violam despudoradamente o mandamento
corânico que proíbe a coerção em matéria religiosa. Coerentes ou incoerentes,
são todas genocidas.
Jesus disse que Deus Pai não aceitaria nossas preces e sacrifícios enquanto não
pagássemos o que devemos a nossos irmãos. Uma mensagem de Natal que se
omitisse de dizer antes de tudo uma palavra em favor desses mártires seria
uma blasfêmia.
Mas seria preciso também reservar umas linhas para aqueles que tentam
defendê-los e cujas vozes são abafadas pela indiferença geral. Esses também
são mártires, em escala menor. Seu martírio é lutar pelo reconhecimento de
fatos que, justamente por ser desprezados pela mídia, não adquirem jamais
aquele grau de credibilidade pública que preservaria da pecha de paranóico o
homem que os divulga.
Os que sofrem insulto e chacota por dizer verdades não reconhecidas do mundo
são imagens vivas do Cristo atado à coluna, entre Anás e Caifás, perguntando
em vão: “Se minto, prova-o. Se digo a verdade, por que me bates?”
Se eu, falando do Natal na grande imprensa, nada dissesse deles, meu silêncio
seria também insulto e chacota.
É verdade que minha reputação nada sofreria com isso. O insulto e a chacota,
quando voltados contra cristãos, não são delito, não são discriminação, não são
coisa feia. São a expressão dos altos sentimentos de uma elite falante que hoje
é aceita como superior, em moralidade e consciência, a todos os santos da
Igreja.
Um representante dessa elite acaba, aliás, de produzir a típica mensagem de
Natal dos novos tempos. Em artigo publicado no “Jornal do Brasil” do dia 25, o
sr. Gerald Thomas celebra como um grande progresso moral a iniciativa de
uma faculdade de filosofia holandesa, a qual, a título de lição de casa, sugeriu a
seus alunos heterossexuais que fizessem uma experiência “gay” e em seguida a
descrevessem num ensaio literário. Mais pormenorizadamente: a experiência
seria na forma de sexo oral, a “fellatio”, devendo prosseguir até o orgasmo e
sendo proibido cuspir o esperma ejaculado.
Não se trata propriamente de um experimento, e sim (embora o sr. Thomas
decerto o ignore por completo) da aplicação de uma técnica bem conhecida de
indução comportamental, descrita por C. A Kiesler em “The Psychology of
Commitment”, de 1971, cujo princípio se pode resumir assim: persuadido a
adotar por brincadeira uma conduta que reprova, na maioria dos casos o
sujeito a aprovará retroativamente. “Tanto mais profunda será a mudança de
atitudes, diz Kiesler, quanto mais o comportamento adotado seja inconsistente
com as convicções anteriores”. Gostando ou não, os novos adeptos da “fellatio”
dirão que gostaram.
Segundo o sr. Thomas, esse procedimento, adotado universalmente, libertaria
a humanidade de muitos de seus males, inclusive a guerra americana contra o
terrorismo, a qual — quem não sabe? — é puro homossexualismo reprimido.
Porém, mais que resolver problemas político-militares, a espetacular inovação
pedagógica traria ainda um benefício de ordem espiritual: ela nos levaria,
assegura o sr. Thomas, “mais perto da belíssima filosofia prática… de Jesus
Cristo”.
O que é o gênio, meus amigos! Ao longo de dois milênios, em todo o cortejo
dos papas e doutores, ninguém se deu conta, com a inteligência iluminada do
sr. Thomas, de um método tão simples e eficiente de evangelização.
Se não fosse a intervenção providencial desse cavalheiro, jamais teríamos
percebido que Nero, Calígula e os outros aficionados da felação descritos na
“História dos Doze Césares” de Suetônio estavam mais próximos do espírito
cristão do que aqueles mártires que, desconhecendo o verdadeiro sentido da
oralidade evangélica, se deixaram devorar pelos leões.
Suponha-se, agora, que eu escrevesse coisa análoga a respeito, não dos
cristãos, mas de qualquer das comunidades queridinhas da Nova Ordem
Mundial; que eu dissesse, por exemplo, que os índios, ou os chamados “afro-
brasileiros”, contribuiriam muito mais para o bem da humanidade se, em vez
de se apegar aos complexos ritos de suas religiões de origem, tratassem de
chupar os membros uns dos outros.
Alguém tem dúvida de que eu seria preso, processado e condenado, além de
flagelado nos jornais como disseminador de preconceitos, como nazista, como
inimigo da espécie humana?
Mas, se essas coisas são ditas a respeito de cristãos, tudo se inverte. Mau,
preconceituoso, inumano, é o cristão que tenha o desplante de se sentir
insultado e aviltado em sua fé pelas palavras do sr. Thomas.
O sr. Thomas, naturalmente, negará qualquer intenção de insultar. Dirá que foi
sincero, que no seu entender a identificação da essência do cristianismo com o
sexo oral “gay” é a mais alta homenagem que se poderia prestar à fé cristã.
Ninguém, ao menos nos meios jornalísticos, porá em dúvida seu direito de
acreditar nisso e apregoá-lo. Podem achar que exagerou, que foi de mau gosto,
mas jamais admitirão que cometeu um crime. Ao contrário: acharão
inconcebível que alguém se magoe, por mero conservadorismo religioso, com
uma coisa tão cândida, tão singela, tão… cristã! Tal é o milagre da imaginação
moderna: à luz dela, qualquer ilusão autolisonjeira de um membro das classes
falantes, por mais estapafúrdia, se torna critério de veracidade e legalidade,
sobrepondo-se à opinião de milhões de religiosos, rejeitada como crença
subjetiva com base na qual seria injusto julgar um ser humano. E ninguém vê
nada de mais em que o total desprezo pelo sentimento alheio coexista, numa
mesma alma, com pretensões de moralidade superior.
Uma longa tradição de retórica anticristã preparou a classe culta não somente
para receber com simpatia as palavras do sr. Thomas, mas para ouvir com a
mais completa indiferença a notícia da morte anual de 150.000 cristãos, não
lhe opondo, na melhor das hipóteses, senão um sorriso de desprezo olímpico e
incredulidade desdenhosa. Essa mesma opinião letrada, se a notícia lhe fosse
dada no dia de Natal, acusaria a mensagem de extemporânea e truculenta. Eis
por que preferi deixar essa mensagem para depois do Natal.

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