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Pobreza, Desigualdades e Educação

Volume II

Simone Medeiros
Maria Cecília Luiz
(organizadoras)

São Carlos, 2020


© 2020, dos autores ISBN 978-65-86891-06-5

Universidade Federal de São Carlos – UFSCar


Reitora
Wanda Aparecida Machado Hoffmann
Vice-Reitor
Walter Libardi

SEaD – Secretaria Geral de Educação a Distância – UFSCar


Secretária de Educação a Distância
Marilde Terezinha Prado Santos

Supervisão
Clarissa Bengtson
Douglas Henrique Perez Pino
Revisão Linguística
Letícia Moreira Clares
Paula Sayuri Yanagiwara
Editoração Eletrônica
Bruno Prado Santos
Capa
Jéssica Veloso Morito

Colaboradores
Clarissa Galvão Bengtson
Joana Darc de Castro Ribeiro
Roseli Zen Cerny
Apoio Técnico
Eliciano Pinheiro da Silva
Comissão Científica
Karine Nunes de Moraes – Universidade Federal de Goiás
Marcos Macedo Fernandes Caron – Universidade Federal de Mato Grosso
Odorico Ferreira – Universidade Federal de Mato Grosso
Célia Regina Teixeira – Universidade Federal da Paraíba
Joelina Souza Menezes – Universidade Federal de Sergipe
Maria Cecília Luiz – Universidade Federal de São Carlos
Priscila Tavares dos Santos – Universidade Federal Fluminense
Rolf Ribeiro de Souza – Universidade Federal Fluminense
PREFÁCIO

Com grande orgulho e alegria prefaciamos a coletânea Pobreza, Desigual-


dades e Educação volume 1, 2 e 3, afirmando-se de antemão, que os textos
que compõem a coletânea abordam com seriedade a temática e, em cada
um dos seus três volumes, o leitor(a) vai se surpreender com a riqueza, inten-
sidade e profundidade que, com certeza, produzirão impressões e aprecia-
ções distintas.
Intenciona-se, nesta obra, superar dogmas e conceitos predefinidos
sobre pobreza, desigualdades e educação, com a proposta de analisar o
tema na perspectiva da diversidade e da possibilidade de contribuir com
aspectos pluridimensionais. Compreende-se que nesta coletânea existe um
olhar diverso, plural – tão característico de um país como o Brasil, com di-
mensões continentais –, mas ao mesmo tempo, traz aspectos em comuns,
com referenciais que se aproximam do problema, utilizando abordagens
que descrevem os estados federativos brasileiros participantes.
Ao verificar a realidade social, com quadros preocupantes – agravando-
-se com o passar dos anos –, os temas tratados são atuais e desafiadores,
com reflexões sobre o que será dos alunos (crianças e jovens) brasilei-
ros que estão em situação de pobreza ou extrema pobreza? Como os(as)
educadores(as) têm enfrentado a pobreza na escola?
A leitura desta coletânea proporcionará ao(à) leitor(a) um conhecimento
inacabado, no sentido de contrariar a ideia de "pergunte e responderemos",
devido à certeza de que muito ainda se deve refletir sobre o assunto.
Deixamos registrado, neste espaço, que segundo a Agência Brasil1,
pesquisas feitas pelo SIS – Síntese de Indicadores Sociais –, divulgada pelo
Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), no final de 2019, no que se refere à

1 https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/extrema-pobreza-e-desigualdade-crescem-
-ha-4-anos-revela-pesquisa
pobreza monetária, a de renda, o Brasil teve o pior quadro dos últimos qua-
tro anos. Foram contabilizadas 13,5 milhões de pessoas, em 2018, vivendo
com até 145 reais, representando 6,5% do total da população brasileira, com
o indicativo de 72% serem pessoas pretas ou pardas.
Fica evidente que qualquer recuperação econômica não é igualitária
para os diversos segmentos sociais e isso nos leva a pensar: como a educa-
ção tem refletido sobre esta situação? Ou, como ela pode fazê-lo? Por isso,
no decorrer da leitura, perguntamos mais do que damos respostas, o que
nos faz pensar na urgência de mais estudos e pesquisas na área.
Esta coletânea, também, tem a finalidade de documentar o que foi a Ini-
ciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS) em suas dimensões
estruturais, pois, teve um diferencial, além de oferecer formação continuada
em cursos de especialização e aperfeiçoamento, possibilitou o desenvol-
vimento de pesquisas acadêmicas. Neste contexto, esta mobilização, que
começa com a extinta Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI), hoje denominada Secretaria de Modalida-
des Especializadas de Educação do Ministério da Educação (MEC), orga-
nizou várias ações em parceria com as Instituições Federais de Educação
Superior (IFES) e obteve mais de 26 pesquisas acadêmicas, com presença e
articulação de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), a partir de 4.000, e
de Trabalhos Finais de Curso (TFC), a partir de 6.000.
Os três volumes da coletânea são divididos em: Volume 1, que tem o
foco maior em sintetizar a implantação do Iniciativa Educação, Pobreza e
Desigualdade Social (EPDS), com parceria de quinze Universidades Federais
que iniciaram o projeto, além de reflexões sobre o processo de formação
continuada (Curso de Especialização EPDS). O Volume 2 enfatiza os resulta-
dos das pesquisas elaboradas no âmbito da Iniciativa Educação, Pobreza e
Desigualdade Social; e, o Volume 3 aborda as produções elaboradas no âm-
bito dos Cursos de especialização do EPDS, especificamente dos Trabalhos
de Conclusão de Curso (TCC), considerando as relações estabelecidas com
o Programa Bolsa Família (PBF) e com as temáticas indígena, quilombola,
educação para as relações etnicorraciais, campo, educação especial, juven-
tude, EJA, alfabetização e educação em direitos humanos.
Ao refletirmos sobre essas temáticas tão desafiadoras, evidentemente
nos preocupamos muito mais com a questão da fome e do abandono, do
que com notas escolares de estudantes pobres. No entanto, a ausência de
qualidade no ensino e na aprendizagem se tornou um dos principais efeitos
da pobreza no Brasil, pois não tem como evitarmos esta ligação direta entre
a educação e a situação socioeconômica. Um dilema que nos faz buscar
soluções que não podem ser negligenciadas.
As crianças e jovens brasileiros ficam dentro da escola entorno de quatro
a cinco horas diárias, sendo que 70% deles frequentam escolas públicas, e
estas são regidas por políticas públicas diferentes que resultaram em dis-
crepâncias entre os currículos de várias instituições. Por isso, levando em
conta que a palavra "prefácio" em latim, significa "dito (fatio) antes (prae)",
finalizamos este prefácio com uma frase do Herbert de Souza, o sociólogo
Betinho, que tanto se empenhou para erradicar a fome no Brasil:

Essas crianças estão nas ruas porque, no Brasil, ser pobre é estar con-
denado à marginalidade. Estão nas ruas porque suas famílias foram
destruídas. Estão nas ruas porque nos omitimos. Estão nas ruas, e estão
sendo assassinadas.

Ao transpormos "crianças abondadas nas ruas" por estudantes pobres


abandonados à própria sorte nas escolas públicas, segundo o autor, a omis-
são é crime. Com essa reflexão sobre o compromisso de cada brasileiro(a)
que está envolvido(a) direta ou indiretamente com a educação e a situação
de pobreza e desigualdades de estudantes pobres, desejamos uma excelen-
te leitura a todos e todas.

Simone Medeiros
Maria Cecília Luiz
SUMÁRIO

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1 O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato no


Tocantins e seus impactos na educação escolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Ana Cristina Serafim da Silva

2 Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores


sobre o Programa Bolsa Família (PBF) no Mato Grosso do Sul. . . . . . . . . . . . . . . . .27
Ana Carolina Pontes Costa
Daiani Damm Tonetto Riedner
Suellen Maria Monteiro Rosa Marcos
Hemilly Santos de Arruda

3 A educação dos pobres em questão: políticas e práticas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49


Itamar Mendes da Silva
Caroline Falco Fernandes Valpassos
Dulcinea Campos Silva

4 Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a


pesquisa e suas percepções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Eliana Andrade da Silva
Kilza Fernanda Moreira de Viveiros
Moisés Domingos Sobrinho
Rosângela Alves de Oliveira

5 A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade


Social no Maranhão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Marli Alcântara Ferreira Morais

6 Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade


social dos municípios com polos do CEEPDS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
Maria Aparecida Milanez Cavalcante
Célio Chaves Eduardo Filho
Josélia Saraiva e Silva

7 Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa


Bolsa Família em Melgaço, na Ilha do Marajó. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
Aline Furtado
Marilena Loureiro da Silva

8 Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a


permanência de alunos pobres nos cursos de Filosofia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
Doracy Dias Aguiar de Carvalho
Roberto Fransciso de Carvalho
Elizamara Josiene da Silva
9 Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos
questionamentos impostos pela realidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221
Adir Valdemar Garcia
Jaime Hillesheim
Tânia Regina Krüger

10 Limites e possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as


condicionalidades educacionais em Salvador-BA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 247
Maria Izabel Ribeiro
Selma Cristina Silva
Thaís Goldstein
Emília Santos
Henari Lima
Kelly Silva
Taiane Santos
Apresentação | 9

Apresentação

Este livro, Pobreza, Desigualdades e Educação – Volume 2, é o segundo de


uma coletânea de três livros, que procura refletir sobre educação, pobreza
e desigualdade social com perspectivas no Programa Bolsa Família (PBF).
Nesta obra, enfatizam-se os resultados das pesquisas elaboradas pelas Uni-
versidades Federais participantes, no âmbito da Iniciativa Educação, Pobreza
e Desigualdade Social.
A seção 1, O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato
no Tocantins e seus impactos na educação escolar, escrita por Ana Cristina
Serafim da Silva, visa caracterizar o trabalho infanto-juvenil em oficinas me-
cânicas e lava a jato e a relação desse trabalho com a escola. Trata-se de
dados com alto número de crianças e principalmente adolescentes nesse
tipo de atividade, além de permitir conhecer o acesso, a defasagem, a per-
manência e a desistência destes jovens à escola.
A seção 2, Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos
professores sobre o Programa Bolsa Família (PBF) no Mato Grosso do Sul, es-
crita por Ana Carolina Pontes Costa, Daiani Damm Tonetto Riedner, Suellen
Maria Monteiro Rosa Marcos e Hemilly Santos de Arruda, teve como objetivo
apresentar a dimensão das potencialidades e fragilidades do programa a
partir da visão dos professores que lecionam em cidades e escolas com alta
concentração de beneficiários do PBF.
A seção 3, A educação dos pobres em questão: políticas e práticas,
escrita por Itamar Mendes da Silva, Caroline Falco Fernandes Valpassos e
Dulcinea Campos Silva objetivou socializar as discussões e reflexões sobre
o tema, produzido no âmbito da pesquisa intitulada Políticas e práticas de
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Espírito Santo.
Na seção 4, Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do
Norte: a pesquisa e suas percepções, escrita por Eliana Andrade da Silva,
10 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Kilza Fernanda Moreira de Viveiros, Moisés Domingos Sobrinho e Rosângela


Alves de Oliveira, apresentam-se os resultados gerais da pesquisa realizada
ao longo do curso, a qual teve como objetivo principal entender como os
cursistas constroem e compartilham suas representações sociais sobre o
objeto simbólico pobreza e como essas "verdades" de senso comum orien-
tam suas práticas em relação ao fenômeno da pobreza e das desigualdades
sociais.
A seção 5, A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e
Desigualdade Social no Maranhão, escrita por Marli Alcântara Ferreira Mo-
rais, apresenta o resultado da pesquisa "Modos de Vidas e Processos de
Trabalho dos usuários do Programa Bolsa Família, no Maranhão" (2014-2015),
com foco no conhecimento dos modos de vida e perspectivas pessoais, pro-
fissionais e de futuro de alunos de escolas públicas em situação de pobreza
ou de extrema pobreza.
Na seção 6, Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de
vulnerabilidade social dos municípios com polos do CEEPDS, escrita Maria
Aparecida Milanez Cavalcante, Célio Chaves Eduardo Filho e Josélia Saraiva
e Silva refere-se a uma pesquisa com levantamento de indicadores sociais
de municípios-polos no Estado do Piauí. Verifica-se, em visão panorâmica,
a situação social das populações desses municípios para objetivar análises
mais qualitativas referentes à representação social de pobreza partilhada
pelos discentes do curso de especialização.
A seção 7, Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre
o Programa Bolsa Família em Melgaço, na Ilha do Marajó, escrita por Aline
Furtado e Marilena Loureiro da Silva decorre sobre a pesquisa realizada, com
objetivo de verificar a contribuição do Programa Bolsa Família nos resulta-
dos de aprovação/evasão escolar no município de Melgaço.
Na Seção 8, Política nacional de assistência estudantil: contribuição para
a permanência de alunos pobres nos cursos de Filosofia e Teatro da Univer-
sidade Federal do Tocantins (UFT) apresentada pelos autores Doracy Dias
Aguiar de Carvalho, Roberto Francisco de Carvalho e Elizamara Josiene da
Silva, trata do resulta de uma pesquisa teórico-empírica intitulada "A per-
manência dos estudantes nos cursos de Teatro e Filosofia da Universidade
Federal do Tocantins – UFT/Campus de Palmas: o papel da política de assis-
tência estudantil", realizada em 2016. O foco esteve em analisar os aspectos
da política de assistência estudantil que potencializam e/ou dificultam a
Apresentação | 11

permanência de estudantes pobres nos cursos de Artes/Teatro e Filosofia


da UFT.
A seção 9, Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições
formais aos questionamentos impostos pela realidade, apresentada pelos
autores Adir Valdemar Garcia, Jaime Hillesheim e Tânia Regina Krüger, teve
como objetivo analisar as concepções de educação, pobreza e desigual-
dade social e as proposições relacionadas a essas questões apresentadas
pelos governos federal, do estado de Santa Catarina e de municípios dessa
unidade federativa, em documentos de gestão e planejamento elaborados
entre os anos de 2003 e 2015, verificando como essas concepções e propo-
sições se materializam no cotidiano escolar.
Na seção 10, a última do livro, Limites e possibilidades do Programa Bol-
sa Família: uma discussão sobre as condicionalidades educacionais em Salva-
dor/BA, escrita pelas autoras Maria Izabel Ribeiro; Selma Cristina Silva; Thaís
Goldstein; Emília Santos; Henari Lima; Kelly Silva; Taiane Santos, finalizam-se
as seções deste Volume 2. No texto, foram analisados os indicadores sociais
construídos a partir da base de dados secundários do Sistema de Informa-
ções do Data Social, a saber: o Data CAD e o Data COM, com perspectiva
de vislumbrar as condições de garantia ao acesso à educação e à saúde em
função das condicionalidades, no estado da Bahia.
Foi extremante edificante organizar este livro com temas tão importan-
tes e atuais, além de serem bem conduzidos pelos seus autores. Desejamos
a você uma ótima leitura!

Simone Medeiros
Maria Cecília Luiz
1

O trabalho infanto-juvenil em oficinas


mecânicas e lava a jato no Tocantins e
seus impactos na educação escolar
Ana Cristina Serafim da Silva

Este capítulo visa caracterizar o trabalho infanto-juvenil em oficinas mecâ-


nicas e lava a jato e a relação desse trabalho com a escola. Trata de uma
temática importante, dado o alto número de crianças e principalmente
adolescentes nesse tipo de atividade, além de permitir conhecer o acesso
desses jovens à escola, a defasagem, a permanência e a desistência.
Conforme pontua Arroyo (2015), o trabalho infanto-juvenil tem trazido
várias interrogações e desafios para as políticas educativas, a gestão esco-
lar e o currículo. Segundo o autor, as políticas educacionais, ao ignorarem
o trabalho infanto-juvenil, ignoram também o "mal viver" e sobreviver dos
seus educandos, sobretudo o direito ao viver como humanos, que antecede
o direito a aprender.
O trabalho infantil não é fato novo na história da humanidade, mas ganha
evidência a partir da Revolução Industrial. Com o aparecimento do comércio
e da indústria, estabeleceu-se uma nova divisão de trabalho, simplificando
tarefas, criando hierarquias, modificando funções, reservando espaços para
aqueles que não tinham formação. Essas condições acabaram por favorecer
a incorporação de crianças em diversos setores da produção (ARIÈS, 1995;
DEL PRIORE, 2007).
No Brasil, esse contexto de inserção de crianças e adolescentes no tra-
balho precoce também não é um fenômeno da contemporaneidade. Desde
a época das Grandes Navegações, crianças e adolescentes eram recruta-
das para serem "grumetes" e "pajens", ficando expostos também a abusos
14 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

sexuais de marujos e/ou outros tripulantes, sofrendo privações alimentares e


sendo submetidos a trabalhos perigosos e exaustivos (RAMOS, 2007).
Durante o regime escravista, as crianças negras tinham uma infância que
ia até os oito anos, assumindo várias funções laborais, e já sendo considera-
das adultas aos 14 anos (GÓES; FLORENTINO, 2009). Ao fim desse regime,
com a vinda de imigrantes para o Brasil e o grande êxodo rural, houve um
aumento no número de crianças e adolescentes nas grandes cidades. Várias
iniciativas surgiram para a preparação da mão de obra infanto-juvenil. O
trabalho era visto como um dos meios mais eficazes para a reintegração da
criança na sociedade (SANTOS, 2009).
As crianças e os adolescentes foram empregados tanto nas indústrias
como na agricultura, entendidos como mais rentáveis, devido aos baixos
salários, e mais "dóceis", sendo de fácil controle. Além do trabalho ser visto
como antídoto contra a marginalidade, dava uma profissão e uma formação
a esses sujeitos. Essas foram medidas adotadas pelo Estado para a integra-
ção de crianças e adolescentes na sociedade, e isso se deu em decorrência
desses sujeito serem considerados ameaçadores à ordem vigente (RIZZINI;
PILLOTTI, 2009).
Várias propostas e políticas de formação colocavam o trabalho como
a solução para as classes populares, desde a Roda dos Expostos, Casa de
Educandos e Artífices, institutos, escolas profissionais e patronatos agrícolas
até escolas corretivas do período republicano e Escolas de Aprendizes Ar-
tífices (RIZZINI; PILLOTTI, 2009). Esse processo continua durante os séculos
XX e XXI com a presença de crianças e adolescentes pobres exercendo al-
guma atividade de trabalho, inclusive em situações degradantes, perigosas
e penosas.
A partir da Constituição Federal de 1988, foi criado o Estatuto da Criança
e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990)),
cujo objetivo é efetivar a garantia dos direitos das crianças e dos adolescen-
tes. Contém nos seus artigos, entre outros pontos, a proibição do trabalho
infanto-juvenil e a proteção ao trabalhador adolescente, determinando a
forma de atuação das instituições que fazem parte da rede de proteção na
prevenção e em casos de violação dos direitos desses sujeitos.
Mesmo com a promulgação do ECA representando um avanço na le-
gislação, ele não é suficiente para proteger os direitos das crianças e dos
adolescentes no que se refere, por exemplo, à inserção precoce no traba-
lho. De acordo com os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato no Tocantins e seus impactos na... | 15

Domicílio – Pnad (IBGE, 2015), no Brasil, 2,7 milhões de crianças e adolescen-


tes com idades entre 5 e 17 anos estão em situação de trabalho, 2 milhões
entre 14 e 17 anos, com 68% do total em atividades não agrícolas.
No Tocantins, 21.278 crianças e adolescentes com idades entre 5 e 17
anos estão ocupados. O Estado teve a maior redução da região Norte no
número de crianças e adolescentes em situação de trabalho: em 2004, ti-
nha 60.172, e alcançou redução de 65% para 2015. Há um destaque para as
atividades de comércio e reparação (entre elas, as atividades em oficinas
mecânicas e lava a jato), com 31,4% do total de crianças e adolescentes que
estão exercendo alguma atividade, a maior taxa da região Norte e uma das
maiores do Brasil.
Neste capítulo, utilizamos a concepção de trabalho infantil do Fórum
Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI ([S.d.]),
a saber:

Refere-se às atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência,


com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crian-
ças ou adolescentes em idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a
condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos, independentemen-
te da sua condição ocupacional. Para efeitos de proteção ao adolescente
trabalhador, será considerado todo trabalho desempenhado por pessoa
com idade entre 16 e 18 anos e, na condição de aprendiz, de 14 a 18
anos, conforme definido pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de
dezembro de 1998.

Uma das causas da incorporação de crianças pelo mercado tem sido


a precarização das relações de trabalho, aliada ao mito do trabalho como
valor ético e moral, "formativo", "escola da vida", que torna o homem "mais
digno" e como prevenção da marginalidade (ALBERTO et al., 2010; RIZZINI;
PILLOTTI, 2009; SANTOS, 2009). Ele nunca é considerado um deformador
da infância.
As longas jornadas de trabalho, as ferramentas, os utensílios e o próprio
maquinário inadequado à idade comprometeram o desenvolvimento sadio
de crianças e elevaram o índice de mortalidade, conforme atestam relatos
ao longo da história (ALBERTO et al., 2010; MOURA, 2009; RIZZINI; PILLOTTI,
2009; SILVA; FERREIRA, 2014). A sociedade, influenciada por esses motivos,
associa o "não trabalho" à "marginalidade" e à "delinquência", corrobo-
rando a ideia de que o trabalho é o formador por excelência de crianças e
adolescentes das camadas populares.
16 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Esse tipo de pensamento implica práticas sociais que tornam invisível


o trabalho infanto-juvenil, especificamente em oficinas mecânicas e lava a
jato, levando-se a crer que esse é um tipo de trabalho mais "brando", não
exploratório e que não causa consequência alguma para as crianças e os
adolescentes que desenvolvem essas atividades. Acredita-se, assim, que
esse é um trabalho que prepara para a vida.
Observando as causas, percebe-se que o fator pobreza não é exclusivo,
responsável por si só pela entrada de crianças no mercado de trabalho, mas
é o fator preponderante. Segundo o Ipea (2010), é mais elevado o número
de crianças e adolescentes trabalhadores cujas famílias são pobres, negras e
de áreas rurais. Nos grupos sociais mais vulneráveis, é cerca de quatro vezes
mais provável que crianças e adolescentes estejam em situação de trabalho.
Segundo Arroyo (2015, p. 30), o trabalho infanto-juvenil "está onde está
a condição mais exploradora do trabalho humano", e convive com os índices
constantes de sobrevivência e pobreza familiar. A constância desse trabalho
anda junto do mesmo padrão capitalista, classista, racista e sexista do traba-
lho que perdura e cada vez mais se sofistica.
Além disso, a situação de trabalho infanto-juvenil em que se encontra
um número significativo de crianças e adolescentes em todo o mundo traz
implicações que refletem não só na dimensão mais visível, como a predispo-
sição para fadiga, enfermidades e acidentes de trabalho (FORASTIERI, 1997),
baixo nível de escolaridade, uma vez que no processo de escolarização des-
ses sujeitos são comuns histórias de reprovação, repetência e defasagem
escolar (ALBERTO et al., 2010; CERVINI; BURGER, 1991; REDE PETECA, 2017;
RIZZINI; COLS, 1996; SILVA; PEREIRA, 2014), mas também na dimensão laten-
te da subjetividade, pois se constitui como uma categoria de trabalho que
imprime exclusão e sofrimento, principalmente no anonimato da informali-
dade (ALBERTO, 2002).
As consequências físicas e biológicas do trabalho sobre a criança po-
dem ser classificadas segundo o tipo de trabalho que ela exerce. O trabalho
penoso provoca estresse, danos físicos e prejuízos mentais; o trabalho insa-
lubre provoca doenças e intoxicações; e o trabalho perigoso pode ocasionar
acidentes ou danos à vida da criança ou do adolescente trabalhador. Exem-
plos de lugares insalubres e perigosos são minas, ambientes frios, úmidos
ou com calor excessivo, galerias de esgotos, matadouros, curtumes, locais
com desprendimento de poeira e resíduos como os de algodão e cerâmi-
ca. As ruas, carvoarias, pedreiras, lavouras e batedeiras de sisal, o corte de
O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato no Tocantins e seus impactos na... | 17

cana-de-açúcar e os depósitos de lixo são também exemplos de trabalho


infantil perigoso, penoso e insalubre (ALBERTO et al., 2010).
O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato é outro
exemplo desses trabalhos considerados penosos, insalubres e perigosos,
sendo um fato bastante comum na sociedade brasileira, principalmente nas
cidades cortadas por BR. De acordo com Dias e Araújo (2013), o comércio
(comércio, reparação de serviços automotores e motocicletas) é a segunda
grande atividade em que está ocupada boa parte da mão de obra infanto-ju-
venil na região Norte, chegando a 15,9% dos que exercem alguma atividade.
O contato com substâncias químicas como óleo diesel, lubrificante, gra-
xa e gasolina traz sérios riscos à saúde dessas crianças e adolescentes. A
relação de riscos de acidentes nesse ramo de atividade é extensa, incluindo
desde cortes com ferramentas até acidentes de trânsito durante teste de ve-
ículos, bem como quedas relacionadas a condições de pisos, acidentes com
máquinas manuais motorizadas, queda de materiais sobre o corpo, aciden-
tes com equipamentos para elevação de veículos, queimaduras por contato
com superfícies aquecidas, incêndios ou explosões associados ao manuseio
de gasolina, ferimentos causados por ar ou água sob pressão, lesões ocula-
res por corpo estranho, eletrocussão, entre outros (BINDER et al., 2013).
Nos lava a jato, também há vários agentes nocivos à saúde. O primeiro
agente insalubre é a umidade. O uso contínuo e prolongado da água se
transforma em uma situação perigosa na medida em que a umidade é o
ambiente preferido de fungos e bactérias. Dessa forma, a criança e o ado-
lescente que trabalham nesse tipo de ambiente estão mais sujeitos a de-
senvolverem problemas de saúde. Outro fator prejudicial à saúde presente
na atividade de lavagem de veículos é a utilização de produtos químicos: os
shampoos, silicones, desengraxantes e óleos usados na lavagem e limpeza
dos automóveis contêm em suas composições substâncias químicas prejudi-
ciais à saúde, e os jovens ainda não têm um organismo tão resistente quanto
o de um adulto, por isso o contato constante com esses químicos é muito
mais danoso em um organismo em desenvolvimento do que em um adulto
(FERNANDES, 2011).
A Constituição brasileira (BRASIL, 1988) prevê a proibição de trabalho
noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer traba-
lho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14
anos (art. 7º, inciso XXXIII). Contrariando esse princípio legal, há um número
18 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

cada vez maior de oficinas mecânicas e lava a jato que utilizam a mão de obra
infanto-juvenil.
Entre uma série de consequências sociais indesejáveis do trabalho infan-
til, a mais grave é o prejuízo que o trabalho causa à educação escolar das
crianças (ALBERTO et al., 2010; ARROYO, 2015; SILVA; FERREIRA, 2014), dado
que as inovações tecnológicas têm requerido um novo tipo de trabalhador.
Assim, a escola acaba tendo uma importância muito maior para o desenvol-
vimento cognitivo das crianças do que em outros tempos.
O nível de escolaridade e a qualidade do ensino constituem-se pré-
-requisitos para a entrada no seletivo mercado de trabalho (ALBERTO et
al., 2010). Desse modo, não se pode admitir que lugar de criança seja no
trabalho. Ao contrário, lugar de criança é na escola, com uma educação de
qualidade.
É nesse contexto que a política de erradicação do trabalho infantil está
centralizada, o que significa que qualquer ação que tenha como objetivos o
combate e a eliminação do trabalho infantil deve ter essa meta inscrita em
seu horizonte. A escola desempenha um papel importante na futura capa-
citação, na socialização e na abertura de horizontes dos jovens, enquanto
a família desempenha um papel vital na estruturação psíquica e afetiva, na
formação do caráter e dos valores de uma pessoa.
A partir de uma perspectiva sócio-histórica, a intervenção pedagógica
realizada pela escola é de extrema importância na construção dos processos
psicológicos dos sujeitos. É, sobretudo, a escola, cuja função é a instrução
deliberada, que vai ativar seu desenvolvimento. Nesse sentido, a sistemati-
zação presente na escola cria estruturas, a interação e a orientação entre os
sujeitos nesse ambiente, promovendo o desenvolvimento mental (ALBERTO
et al., 2010).
Para Arroyo (2015), o reconhecimento da infância e do trabalho na infân-
cia pela escola poderia ajudar a entender de maneira mais pedagógica, mais
humana e justa realidades tão preocupantes como a evasão, o absenteísmo
e o desinteresse pelos estudos. Ainda conforme o autor, avançar na compre-
ensão da tensa e complexa exploração da força de trabalho infanto-juvenil,
da contribuição para a renda familiar para sobreviver e do processo de es-
colarização indicaria caminhos para entender os percursos escolares de vida
e trabalho de tantas crianças e adolescentes, estigmatizados como lentos,
desinteressados e sem hábitos de estudo, que, socializados nos valores do
O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato no Tocantins e seus impactos na... | 19

trabalho, são segregados nas escolas como "sem valores do trabalho" (AR-
ROYO, 2015, p. 26).
No campo dos direitos humanos, houve inegavelmente um avanço no
século XX, por meio de novas convenções que especificaram os direitos a
serem protegidos como resposta a violações que passaram a ser supervi-
sionadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) dentro dos Estados.
Apesar desses avanços, a efetivação dos direitos humanos ainda se dá de
forma lenta, principalmente se considerarmos o quadro da sociedade bra-
sileira, que se caracteriza por desigualdades, exclusão econômica e social,
de modo que as políticas públicas priorizaram os direitos civis e políticos em
detrimento dos direitos econômicos, sociais e coletivos.
Assim, a legislação brasileira sobre o trabalho infanto-juvenil tem como
premissa a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, ga-
rantindo seus direitos com prioridade absoluta (BRASIL, 1990). O Brasil é
signatário dos principais atos referentes à temática, destacando-se a Decla-
ração sobre os Direitos da Criança (1923), a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), a Segunda Declaração Universal dos Direitos da Criança
(1959), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Declaração de
Viena (1993) e a Convenção n. 132 e n. 182 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT).
A legislação nacional a respeito do assunto orienta-se pelos princípios
estabelecidos na Constituição Federal de 1988. No seu art. 227, determina
que são deveres da família, da sociedade e do Estado:

Assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito


à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL,
1988).

Já o art. 7º, inciso XXXIII (alterado pela Emenda Constitucional n. 20, de 15


de dezembro de 1998 (BRASIL, 1998)), estabelece a idade mínima de 16 anos
para o ingresso no mercado de trabalho, exceto na condição de aprendiz,
possível a partir dos 14 anos. A determinação de idade limite para admissão
ao trabalho, segundo estipulado pela OIT, busca preservar a permanência e
a continuidade do jovem no processo escolar, bem como estimular a cultura,
o lazer e a preservação dos vínculos familiares.
20 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Nesse sentido, a importância de abordar essa problemática está relacio-


nada à necessidade de apresentar contribuições empíricas sobre a relação
do trabalho infanto-juvenil com o desenvolvimento desse sujeito e com o
processo de escolarização de crianças e adolescentes, especialmente em
termos de sua subjetividade como atores sociais que trabalham e estudam,
e, igualmente, como alunos.

Metodologia
Para o desenvolvimento da pesquisa aqui discutida, primeiramente se
fez uma territorialização na cidade de Tocantinópolis (TO) para a identifi-
cação de oficinas mecânicas e lava a jato. Posteriormente, houve contato
com os trabalhadores precoces, e, em seguida, aplicação de questionário
aos sujeitos que se encontravam em situação de trabalho nesses ambientes.
As questões versavam sobre dados sociodemográficos, família, atividade de
trabalho, escolaridade, riscos e perspectivas de futuro.
Após a aplicação do questionário, fez-se sua leitura e releitura para
cuidadosa identificação e correção dos possíveis erros e categorização das
respostas. Para a análise dos dados, utilizou-se o SPSS, um software para
contagem de frequências e percentuais. Foi feita, então, a construção de um
banco de dados para o tratamento destes.

Resultado e discussão
Foram identificadas 20 oficinas mecânicas e 5 lava a jato na cidade de
Tocantinópolis quando da realização da pesquisa, e, desse total, 4 oficinas
mecânicas e 1 lava a jato continham crianças e adolescentes exercendo ativi-
dade. Foram entrevistadas 10 crianças e adolescentes, 50% delas trabalhan-
do em oficinas mecânicas e 50% em lava a jato. A faixa etária desses sujeitos
variava entre 11 e 17 anos, mas a idade predominante na pesquisa foi de 17
anos, totalizando 60% dos entrevistados.
De acordo com a Constituição Federal e o ECA (BRASIL, 1988, 1990), a
partir dos 14 anos, na condição de aprendiz, quando o trabalho é permitido,
este não pode ser noturno, perigoso ou insalubre, e não deve prejudicar
a frequência ou o rendimento escolar do adolescente. No entanto, dos 10
sujeitos entrevistados, nenhum estava legalmente empregado e todos se-
guiam sendo explorados sem a proteção que está prevista na Constituição,
O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato no Tocantins e seus impactos na... | 21

no ECA e na Lei do Aprendiz – Lei n. 10.097, de 19 de dezembro de 2000


(BRASIL, 2000).
Na pesquisa, houve unanimidade na questão do sexo e da zona em que
vivem: todos os entrevistados são do sexo masculino e vivem na zona urba-
na. No que se refere à etnia, a maioria se identifica como negro. Tais dados
também são corroborados por outras pesquisas relacionadas à predominân-
cia do sexo masculino nos serviços de comércio e reparação (ALBERTO et
al., 2010; ARROYO, 2015; DIAS; ARAÚJO, 2013), bem como à predominância
de crianças e adolescentes negros exercendo alguma atividade de trabalho
(ALBERTO et al., 2010; ARROYO, 2015; DIAS; ARAÚJO, 2013; SILVA; FERREI-
RA, 2014).
Foram feitas também perguntas sobre os pais e as mães desses sujeitos.
Registrou-se que 50% deles têm pais que trabalham, entre outras profissões,
como pedreiros (um total de 40% dos entrevistados). Em relação às mães,
60% responderam que elas também trabalham, 33,3% como domésticas e
33,3% em serviços gerais (limpeza).
Nota-se que há uma predominância de mães que trabalham. Esse dado
se explica devido ao fato de 50% dos entrevistados responderem que não
moram com o pai ou não o conhecem. A maioria dos entrevistados respon-
deu que suas famílias vivem com uma renda mensal de um salário e meio a
dois salários. Tais dados também são encontrados nas pesquisas de Alberto
et al. (2010), Arroyo (2015) e Silva e Ferreira (2014).
No que se refere às atividades realizadas pelos entrevistados, 50% traba-
lhavam lavando, enxugando e encerando carros. Os outros 50% faziam troca
de óleo de veículos, troca e remenda de pneus e revisão de veículos. Segun-
do Binder et al. (2013), esse tipo de atividade traz graves prejuízos à saúde
desses sujeitos, havendo presença de uma série de riscos físicos, biológicos,
químicos, ergonômicos, psicológicos e sociais (ALBERTO et al., 2010).
Com a pele ainda em processo de desenvolvimento, o contato com
substâncias corrosivas faz com que crianças e adolescentes sejam menos
resistentes a intoxicações. O ambiente muitas vezes úmido e insalubre tam-
bém provoca doenças nesses sujeitos (ALBERTO et al., 2010; BINDER et al.,
2013; FERNANDES, 2011).
Outra questão preocupante é o grande risco de acidentes de trabalho
que incide sobre crianças e adolescentes que trabalham. Segundo Brito
(2017), com base em informações advindas do Departamento de Vigilância
em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, desde 2007, quase 40 mil
22 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

crianças e adolescentes se acidentaram enquanto exerciam alguma ativida-


de de trabalho, mais da metade com ocorrências classificadas como graves
– incluindo amputação de membros superiores e/ou inferiores e até mesmo
morte.
Quando perguntados sobre o que mais gostavam no trabalho, grande
parte dos sujeitos afirmou não gostar de nada no seu serviço. Ao identificar
a atividade de que mais gostavam, 60% responderam que era o mais fácil
de se fazer no seu trabalho. Com relação ao que menos gostavam de fazer,
33, 3% responderam que é lavar carros, pois é o mais difícil de fazer para a
maioria (57,1%).
A metade deles afirma sentir cansaço/exaustão após um dia de trabalho
e alívio por acabar o trabalho. Quando perguntados sobre o porquê de não
gostar da atividade, a maioria dos sujeitos disse que "só o dono da ofici-
na ganha dinheiro, o serviço é feito de graça", "dá muito trabalho", "fico
sem tempo de me divertir", "é muito chato". Tais falas revelam, entre outros
aspectos, que o trabalho infanto-juvenil é inadequado para o completo de-
senvolvimento desses sujeitos, cujos sonhos, aprendizagem, brincadeiras e
proteção são substituídos por uma rotina de responsabilidade, expondo-os
a diversos riscos, violando os seus direitos mais elementares.
Entre os entrevistados, 90% trabalham para um patrão e 80% ganham
dinheiro pelo seu serviço, dados corroborados por pesquisa desenvolvida
pelo FNPETI ([S.d.]), que aponta que boa parte das crianças e dos adoles-
centes que exercem atividade não recebem dinheiro. Seu turno de trabalho,
por unanimidade, é o diurno, e metade deles respondeu que em suas horas
vagas sai com os amigos ou fica em casa.
No que diz respeito à escolaridade, grande parte dos sujeitos entrevis-
tados estava estudando, embora 30% deles estivessem fora da escola. Um
dado que se sobressaiu foi que 70% deles já foram reprovados na escola.
Artes e Carvalho (2010) destacam que o trabalho infanto-juvenil tem sido
considerado o principal responsável pelo mau desempenho desses sujeitos.
Vários autores (ALBERTO et al., 2010; ARROYO, 2015; ARTES; CARVA-
LHO, 2010; SILVA; PEREIRA, 2014) corroboram esse ponto, demonstrando,
por exemplo, que as crianças e os adolescentes que trabalham sofrem uma
defasagem escolar que pode chegar a nove anos. O cansaço físico devido a
longas jornadas de trabalho compromete o estudo desses sujeitos, dificul-
tando também a aprendizagem da escrita e da leitura (ALBERTO et al., 2010).
O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato no Tocantins e seus impactos na... | 23

Alguns dos aspectos que se destacam são o despreparo e o desconhe-


cimento da escola para atender a essas crianças e adolescentes em situação
de trabalho. Para Arroyo (2015), reconhecer o trabalho da criança e do ado-
lescente leva o sistema educacional a pesquisar sobre a sua persistência e
diminuição. O autor questiona até que ponto a escola se contrapõe às velhas
e persistentes formas de exploração da mão de obra infanto-juvenil. A partir
do momento em que esse fenômeno passa a ser reconhecido pelo sistema
educacional, é possível questionar os processos, a cultura segregadora e
reprovadora das escolas, de quem têm sido vítimas crianças e adolescentes
trabalhadores.
A grande maioria dos sujeitos entrevistados (90%) respondeu que suas
famílias participam de algum programa de assistência do governo, o que
demonstra a imensa pobreza que grande parte da população vive. São esses
sujeitos que, desde a infância, são condenados a sobreviver do trabalho,
terão negados os seus direitos porque reprovam na escola, não terão direito
ao diploma porque precisam trabalhar, e assim por diante. De acordo com
Arroyo (2015), esses mesmos sujeitos não terão direito a entrar no mercado
de trabalho, pois foram condenados desde a infância a sobreviver nessa rela-
ção trabalho-estudo e, dada essa condição, pela lógica segregadora escolar,
que só reprova.

Conclusões
A pesquisa em debate indica que o trabalho infanto-juvenil em oficinas
mecânicas e lava a jato é realizado na sua totalidade por meninos negros
com idade entre 14 e 17 anos, que pertencem a famílias de classe baixa e
que têm pouco incentivo à educação. Outro detalhe importante observado
tem relação com os tipos de atividades exercidos nesse trabalho, que levam
a um cansaço físico do corpo e ao contato com substâncias tóxicas, o que
contribui para o desgaste físico e psicológico, causando sérios danos a esses
sujeitos.
Outro aspecto que prevaleceu nos dados foi a defasagem escolar da
maioria dos sujeitos entrevistados, o que leva a questionamentos: até que
ponto a escola está preparada para receber esses sujeitos? Qual o compro-
misso social da escola? Como ignorar essas vivências do trabalho infanto-
-juvenil na agenda escolar? Há um contingente de crianças e adolescentes
24 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

trabalhadores que, ao entrarem na vida adulta, permanecerão na mesma


precariedade e pobreza de sua infância.
O que se nota atualmente é que a política de educação até garante o
acesso de crianças e adolescentes à escola, por meio da matrícula, mas não
a permanência e a conclusão de todas as fases do ensino no tempo correto.
Nem mesmo a política de assistência tem sido eficaz no que concerne às
famílias, para que tenham uma renda que as sustente, ou seja, a rede, for-
mada pelas instituições responsáveis pelo atendimento e pela proteção dos
direitos, não tem funcionado adequadamente, e os direitos das crianças e
dos adolescentes continuam cotidianamente sendo violados.
Por fim, percebe-se que há uma continuação, um círculo vicioso na pre-
cariedade e na exploração do trabalho que vai da infância à vida adulta.
Conforme pontuado por Arroyo (2015), são histórias anunciadas da explo-
ração do trabalho adulto pelo capital, por isso não é possível erradicar/eli-
minar o trabalho infanto-juvenil sem que se possa superar a exploração do
trabalho adulto.

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O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato no Tocantins e seus impactos na... | 25

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periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/9068. Acesso em: 11 nov. 2019.
2

Educação, pobreza e desigualdade


social: a percepção dos professores sobre
o Programa Bolsa Família (PBF) no Mato
Grosso do Sul
Ana Carolina Pontes Costa
Daiani Damm Tonetto Riedner
Suellen Maria Monteiro Rosa Marcos
Hemilly Santos de Arruda

A Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) aceitou o desafio pro-


posto pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade
e Inclusão (Secadi), e, por meio da iniciativa Educação, Pobreza e Desigual-
dade Social (2014-2017), realizou entre 2015 e 2017 uma pesquisa institucio-
nal intitulada Educação, pobreza e desigualdade social: alguns indicadores
do contexto sul-mato-grossense. Essa pesquisa teve como objetivos:
• mapear o perfil dos estudantes beneficiários do Programa Bolsa Família
(PBF) nos contextos empobrecidos da região sul-mato-grossense nos
municípios e escolas com o maior número de beneficiários do referido
programa;
• verificar as condições físicas (infraestrutura dos prédios) das escolas de
educação básica localizadas nos contextos empobrecidos dos municí-
pios selecionados e que atendem ao maior número de estudantes bene-
ficiários do PBF;
• identificar as potencialidades e fragilidades do PBF a partir do olhar de
famílias beneficiadas, professores e gestores;
28 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

• identificar o nível de interferência dos benefícios do PBF na vida escolar


de crianças e adolescentes a partir do olhar de famílias beneficiadas,
professores e gestores;
• investigar os motivos de baixa frequência dos beneficiários do PBF dos
municípios com maior número de famílias beneficiárias do estado de
Mato Grosso do Sul, a partir dos relatórios do Sistema Presença de 2014
e 2015.
Neste capítulo, trazemos especificamente a dimensão das potencia-
lidades e fragilidades do programa a partir da visão dos professores que
lecionam em cidades e escolas com alta concentração de beneficiários do
PBF. Para a seleção dos municípios do estado do Mato Grosso do Sul pes-
quisados, tomamos como base os dados do site do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE (2014, 2015) relativos ao número total de habi-
tantes por município em 2014, cruzados com os dados contidos na base Data
Social sobre o número de beneficiários do PBF do mesmo ano.
A partir desse exercício, selecionamos oito municípios que apresentam
um índice superior a 40% da população inscrita/beneficiária do PBF e ainda
abrigam em seu território populações assentadas, quilombolas, indígenas e/
ou ribeirinhas, sendo eles: Antônio João, Coronel Sapucaia, Japorã, Miranda,
Nioaque e Tacuru. Cabe destacar a inclusão do município de Corumbá, que,
apesar de ter número de beneficiários do PBF inferior ao critério estabeleci-
do, congrega em seu território todas as populações citadas anteriormente.
Dentro dos municípios selecionados, buscamos aquelas escolas com
maior índice de beneficiários do PBF, totalizando 18 instituições (duas por
município). Destas, selecionamos um professor aleatoriamente para a reali-
zação da entrevista.
Para discutir essa pesquisa, num primeiro momento, trazemos uma bre-
ve contextualização do PBF, bem como a ênfase para a condicionalidade
da educação. Em seguida, fazemos considerações sobre a descrição dos
indicadores do PBF no Mato Grosso do Sul em relação a 2018. Propomos,
então, análises das falas dos professores sobre o programa e, em seguida,
as considerações finais.
Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 29

O Programa Bolsa Família


Em 2003, o governo brasileiro lançou o Programa Bolsa Família (PBF), que
objetivou garantir a superação da pobreza1 e da pobreza extrema por meio
da transferência de renda mensal às famílias em situação de vulnerabilidade
e pobreza no país. O programa transfere, atualmente, um recurso mensal a
14 milhões2 de famílias, que, em contrapartida, precisam obrigatoriamente
matricular os filhos de 4 a 17 anos nas escolas de educação básica e garantir
frequência escolar acima de 85% para alunos de 6 a 15 anos e de 75% para
alunos de 16 a 17 anos, além de outras condicionalidades.
Ainda em relação ao PBF, a legislação prevê como seus objetivos:

I - promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde,


educação e assistência social;
II - combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional;
III - estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situa-
ção de pobreza e extrema pobreza;
IV - combater a pobreza; e
V - promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das
ações sociais do Poder Público (BRASIL, 2004b).

O recebimento do benefício pelas famílias está condicionado a algumas


exigências feitas pelo poder público. Mais especificamente, o programa
impõe condicionalidades às famílias que têm na sua composição crianças,
adolescentes e gestantes, uma vez que os demais, que apresentam renda
per capita que os caracterizem como pobres ou extremamente pobres,
precisam estar cadastrados no Cadastro Único para Programas Sociais do
Governo Federal (CadÚnico)3 e fazer o acompanhamento pela Assistência
Social do município periodicamente.

1 Para o governo brasileiro, as famílias extremamente pobres são aquelas que têm renda
mensal de até R$ 89,00 por pessoa (BRASIL, 2018) e as famílias pobres são as com renda
mensal entre R$ 89,01 e R$ 178,00 por pessoa.
2 Portal da Transparência: 8442 – Transferência de Renda Diretamente às Famílias em
Condição de Pobreza e Extrema Pobreza (Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004 (BRASIL,
2004a)) – Valor/2017: R$ 26.565.145.475,00.
3 O CadÚnico é um instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das
famílias brasileiras de baixa renda a ser obrigatoriamente utilizado para seleção de
beneficiários e integração de programas sociais do Governo Federal voltados ao aten-
dimento desse público (BRASIL, 2007, art. 2º).
30 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

São vários os autores que contestam essas condicionalidades. Schwartz-


man (2009), por exemplo, defende que programas como o Bolsa Família não
deveriam ter condicionalidades, mas, sim, apenas garantir a transferência
de renda àqueles que se encontram em situação de pobreza, uma vez que
essas condicionalidades não estão articuladas a uma política educacional de
melhoria da qualidade de ensino:

[...] é equivocada a ideia de que os problemas da educação brasileira


são de demanda. Todas as pesquisas mostram que a população valoriza
muito a educação, e de fato a permanência das pessoas nas escolas vem
aumentando ano a ano, independentemente da existência ou não de
bolsa escola ou subsídio semelhante. Os problemas da educação estão
do lado da oferta – a má qualidade das escolas públicas, os problemas
de recrutamento e formação de professores, a ignorância em relação aos
métodos de ensino mais apropriados etc. O mesmo pode ser dito em
relação à saúde. Havendo boas escolas e serviços de saúde acessíveis, a
população naturalmente buscará estes serviços (SCHWARTZMAN, 2009,
p. 3).

É intenso o debate sobre a imposição das condicionalidades, que tipi-


camente questiona a efetividade e os desdobramentos dessa "contraparti-
da" dos beneficiários. Nessa perspectiva, a discussão mostra que a própria
concepção da condição para romper com o ciclo intergeracional da pobreza
não estaria levando em conta as dificuldades que as famílias mais pobres
podem ter para acessar os serviços públicos que garantem o recebimento
do benefício.
Carnelossi e Bernardes (2014) apontam que

A vinculação entre transferência de renda e frequência escolar reflete a


concepção simplista que as políticas públicas envolvidas no PBF pos-
suem da problemática da pobreza e da educação no país, bem como do
entendimento limitado da intersetorialidade posta nas políticas sociais
envolvidas no programa (Saúde, Educação e Assistência Social) (CARNE-
LOSSI; BERNARDES, 2017, p. 302).

Além do questionamento quanto à simplificação da pobreza implicada


na exigência da condicionalidade, Zimmermann (2006) analisa o fato de o
PBF não ser baseado na concepção de direitos, uma vez que o acesso ao
benefício não é garantido de forma incondicional aos portadores de um di-
reito. Em outros termos, o PBF não garante o acesso irrestrito aos recursos
Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 31

porque existe um limite para a quantidade de famílias a serem beneficiadas


em cada município. Nesse sentido, para o autor, "[...]o programa deve re-
considerar suas concepções acerca da imposição de condicionalidades e de
obrigações aos beneficiários, pois a titularidade de um direito jamais deve
ser condicionada." (ZIMMERMANN, 2006, p. 152).
De acordo com o manual do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, as regulamentações legais sobre as condicionalidades se
configuram em formas de:

I- estimular as famílias beneficiárias a exercer o seu direito de acesso às


políticas públicas de saúde, educação e assistência social, promovendo a
melhoria das condições de vida da população;
II- identificar as vulnerabilidades sociais que afetam e impedem o acesso
das famílias beneficiárias aos serviços públicos a que têm direito, por
meio de monitoramento do seu cumprimento, cabendo às diversas esfe-
ras de governo garantir o acesso pleno aos serviços públicos de saúde,
educação e assistência social [...] (BRASIL, 2014, p. 5).

As famílias em situação de descumprimento estão sujeitas aos efeitos


estabelecidos nos regulamentos do programa. Esses efeitos são gradativos
e podem variar conforme o histórico de descumprimento da família – adver-
tência, bloqueio, suspensão ou cancelamento do benefício.
Ainda de acordo com Zimmermann (2006, p. 152),

O estado não deve punir e, em hipótese alguma, excluir os beneficiá-


rios do programa, quando do não cumprimento das condicionalidades
estabelecidas e/ou impostas. Dever-se-ia responsabilizar os municípios,
estados e outros organismos governamentais pelo não cumprimento de
sua obrigação em garantir o acesso aos direitos atualmente impostos
com condicionalidades.

O benefício pago a cada família varia de acordo com a renda familiar


mensal por pessoa e o número de crianças e adolescentes de até 15 anos,
gestantes, nutrizes e jovens de 16 e 17 anos. O valor final destinado às fa-
mílias varia de acordo com a composição familiar, não podendo ultrapassar
o limite de até cinco benefícios variáveis e de até dois benefícios variáveis
vinculados ao adolescente para cada família (BRASIL, 2016).
32 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Os valores são atualizados periodicamente e atualmente são da seguinte


ordem:
• Benefício Básico: R$ 89,00.
• Benefício Variável: R$ 41,00.
• Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (BVJ): R$ 48,00.
• Benefício para a Superação da Extrema Pobreza (BSP): calculado caso
a caso, de modo que se receba um valor para que a renda mensal da
família supere os R$ 89,00 por pessoa.
Os recursos destinados às famílias pobres e extremamente pobres de-
vem atender, principalmente, duas condicionalidades: da educação e da
saúde. Daremos ênfase para a condicionalidade da educação.

A condicionalidade da educação
No que diz respeito ao acompanhamento da condicionalidade da educa-
ção, o manual do usuário para o sistema de acompanhamento da frequência
escolar do Programa Bolsa Família (BRASIL, 2011) permite identificar os ob-
jetivos implícitos à exigência da frequência escolar dos alunos beneficiários:

O acompanhamento da frequência escolar das crianças e adolescentes


beneficiários do Programa Bolsa Família tem, dentre outros, os seguintes
objetivos:
- Garantir às crianças e adolescentes, cujas famílias recebem esse benefí-
cio, o acesso ao direito básico que é a educação;
- Proporcionar condições mínimas necessárias para a permanência das
crianças e adolescentes na escola;
- Criar condições para que as famílias entendam o valor da educação
como meio para superar as condições da pobreza;
- Colocar a questão da escolarização no bojo de uma política social que
busca a emancipação das famílias que se encontram em situação de vul-
nerabilidade e risco socioeconômico;
- Construir a consciência e a convicção nas famílias de que a escolarização
constitui forte componente para a quebra da reprodução intergeracional
da pobreza;
- Enfim, contribuir com essa medida no combate à evasão escolar (BRA-
SIL, 2011).
Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 33

Em relação a esses objetivos, nota-se, em primeiro lugar, que a obriga-


toriedade da frequência escolar visa garantir a materialização do direito à
educação, assegurado na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), na
Lei de Diretrizes e Bases – Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL,
1996) – e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990).
Nessa perspectiva, enfatiza a responsabilidade do Estado na oferta das mo-
dalidades e etapas de ensino que os beneficiários precisam acessar para
cumprir a condicionalidade.
O programa, ao impor a obrigatoriedade de no mínimo 85% de frequ-
ência escolar de crianças e adolescentes das famílias beneficiárias a partir
dos seis anos de idade, passa a exigir destes uma frequência superior à da-
queles que não são beneficiários, que é de 75%, conforme previsto na Lei n.
9.394/1996.
A Portaria Interministerial n. 3.789, de 17 de novembro de 2004 (BRASIL,
2004c), estabeleceu as atribuições e normas para o cumprimento da con-
dicionalidade da frequência escolar no PBF. Nesse documento, indicou os
entes federados responsáveis por cada etapa e responsabilizou o Ministério
da Educação (MEC) por manter o funcionamento do sistema de frequência
escolar, disponibilizando-o para estados e municípios.
Assim, o governo federal criou em 2006, por meio do MEC, o Sistema de
Acompanhamento da Frequência Escolar do Programa Bolsa Família (Siste-
ma Presença)4.

Inicialmente, em 2004, a coleta da frequência escolar era feita por meio


de sistema operacional disponibilizado pela Caixa Econômica Federal,
que era e ainda é o agente pagador do benefício financeiro do PBF. Em
2006, o MEC construiu e disponibilizou aos estados e municípios o novo
sistema de acompanhamento da frequência escolar do PBF, o Sistema
Presença. O novo sistema caracteriza-se pela fácil operacionalização e
dispensa o uso de aplicativos, uma vez que foi construído em plataforma
web. Entre as inovações apresentadas, destaque para o acatamento dos
registros em tempo real (on-line) e pela possibilidade que se abriu em
descentralizar o registro das informações até a unidade escolar, com a
criação do perfil "operador diretor de escola". O Sistema Presença pos-
sui mais de 22 mil usuários cadastrados em todo o país (CURRALERO et
al., 2010, p. 163, grifo nosso).

4 Nos anos anteriores (2004 e 2005), a frequência escolar foi monitorada pela Caixa Eco-
nômica Federal.
34 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

O Sistema Presença, entendido como ferramenta de acompanhamento


e monitoramento da frequência escolar, tem como objetivo agregar infor-
mações dos beneficiários do PBF, sendo possível gerar relatórios não só com
percentuais de frequência/falta, mas também sobre os motivos da baixa
frequência/evasão escolar. O controle da frequência é preenchido pelas es-
colas e encaminhado aos gestores municipais do programa, que o analisam
para fins de advertência ou bloqueio do benefício, dependendo do grau da
irregularidade.
Nessa direção, a Nota Técnica Conjunta n. 02/2013 – SECADI/MEC/
SENARC/MDS estabeleceu estratégias de fortalecimento da educação no
Programa Bolsa Família, e uma delas foi a avaliação do acompanhamento
da frequência escolar, a cada bimestre, por meio de diferentes meios (le-
vantamento de informações a partir de instrumentos de avaliação, reuniões
técnicas presenciais, web conferências, visitas in loco etc.).

São cinco períodos de coleta por ano. Nessas ocasiões, os operado-


res municipais monitoram as escolas para garantir a coleta dos dados
relativos à frequência escolar dos estudantes beneficiários. Quando se
observa baixa frequência às aulas, é necessário indicar o motivo relacio-
nado em uma tabela previamente estabelecida, que menciona motivos
propriamente educacionais, como desinteresse pelos estudos ou violên-
cia/discriminação no ambiente escolar, motivos socioeconômicos, como
trajetória de rua, trabalho infantil, necessidade de cuidar de familiares,
entre outros (CURRALERO et al., 2010, p. 164).

De modo geral, o Sistema Presença permite o acompanhamento e a com-


preensão dos motivos da não frequência escolar de crianças e adolescentes.
A tabela de motivos de baixa frequência apresenta questões referentes a
tratamento de saúde do aluno, doença ou óbito na família, dificuldade de
deslocamento para a escola, suspensão escolar, conclusão do Ensino Médio,
Educação de Jovens e Adultos (EJA) semipresencial, gravidez, situação de
rua, participação em jogos estudantis, negligência dos pais ou responsáveis,
trabalho infantil, discriminação, preconceito, bullying, violência, exploração
sexual, ausência às aulas por respeito a questões culturais, étnicas ou religio-
sas, trabalho do jovem, desinteresse ou desmotivação pelos estudos, aban-
dono escolar ou desistência, questões sociais, educacionais e/ou familiares,
envolvimento com drogas ou atos infracionais, violência doméstica.
Segundo Curralero et al. (2010), outro ponto do debate sobre o PBF e
suas condicionalidades coloca que estas são utilizadas como um estímulo
Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 35

para os processos de escolarização das crianças em situação de pobreza e


pobreza extrema, dadas as desigualdades educacionais que o Brasil enfren-
ta. Dessa forma, para Santos Junior (2012), o acompanhamento sistemático
da frequência escolar poderia garantir um processo de escolarização sem
interrupções, bem como maiores e melhores oportunidades de acesso aos
insumos educacionais, o que viria a contribuir para a diminuição dos indica-
dores de desigualdades educacionais. Nas suas palavras,

O Sistema Presença permitiu uma focalização das políticas públicas para


crianças e adolescentes, cujas pobreza e extrema pobreza tenham cons-
tituído, mesmo com o recebimento de renda, limitação da frequência
escolar. Ações que intervenham nas situações de fragilidade social, per-
mitindo que a escola realize a gestão da pobreza em ações específicas e
o acompanhamento das situações de baixa frequência dos beneficiários
do Programa Bolsa Família, são o nível de focalização que o Sistema Pre-
sença permite às instituições escolares (SANTOS JÚNIOR, 2012, p. 151).

Oliveira (2015, p. 13.779) também apoia a condicionalidade do PBF que


envolve a frequência escolar, mas discute os limites que apenas a frequência
pode ter na melhoria da aprendizagem. Segundo o autor,

A condicionalidade de educação é compreendida como uma forma de


intervir no ciclo da pobreza da população no longo prazo. Entretanto,
partimos do pressuposto de que o "sucesso" escolar não depende in-
variavelmente apenas da maior presença do aluno em sala de aula. Isso
porque maior inserção no sistema escolar não equivale necessariamente
a melhorias no que tange à aprendizagem dos alunos, tampouco à conti-
nuidade da trajetória escolar destes.

Nessa mesma direção, outros estudos também vêm apontando que a


condicionalidade da frequência não garante uma educação de qualidade
aos alunos pobres. De acordo com Oliveira e Duarte (2005, p. 293-294):

Apesar de esses programas, no Brasil, estarem diretamente associados


à educação, este aspecto tem sido traduzido somente na cobrança da
frequência às aulas, o que pode ser eficaz no sentido de retirar as crianças
das ruas, pelo menos por um período do dia, mas não altera o quadro
de pobreza das futuras gerações, via educação. [...] Essa perspectiva de
atendimento de Programas do tipo Bolsa Escola Federal e, atualmente,
Bolsa Família possui um impacto limitado, tanto pelo valor das bolsas
quanto pelos critérios de acesso e permanência, e veio de alguma forma
responder às recomendações contidas nas propostas de reformas de
36 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Estado, veiculadas pelos organismos internacionais para os países em


desenvolvimento, que recomendavam medidas emergenciais e compen-
satórias de proteção social às vítimas do ajuste estrutural inevitável.

No contexto do PBF, à escola está destinado o papel preponderante da


gestão da pobreza, pela responsabilidade que passa a ter de informar e jus-
tificar a quebra das condicionalidades do programa, além de mediar esses
processos e realizar intervenções, quando necessário. O Sistema Presença
(gerido pela escola) é uma ferramenta para isso, já que, a partir dos motivos
alegados para justificar a baixa frequência, aponta as áreas que necessitam
de políticas de focalização, podendo contribuir para atender aos objetivos
do PBF.

Os indicadores do PBF no Mato Grosso do Sul


Localizado na região Centro-Oeste, o Mato Grosso do Sul faz fronteira
com os estados de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná,
além de países como Bolívia e Paraguai. Tem 79 municípios e uma população
estimada em 2.713.147 habitantes5, totalizando uma média de 20% da popu-
lação como beneficiária do PBF.
No estado, o PBF atendeu em 2018 um total de 406.859 famílias inscritas
no CadÚnico6. Dessas famílias, 95.671 tinham renda per capita familiar de até
R$ 85,00, 56.885 entre R$ 85,01 e R$ 154,00, 88.218 entre R$ 154,00 e meio
salário mínimo e 130.342 acima de meio salário mínimo7.
O programa beneficiou, no mês de março de 2018, 128.804 famílias, re-
presentando uma cobertura de 93,1 % da estimativa de famílias pobres no
estado. As famílias recebem benefícios com valor médio de R$ 167,38, e o
valor total transferido pelo governo federal em benefícios às famílias atendi-
das alcançou R$ 21.558.647,00 ao mês.
Em relação às condicionalidades, o acompanhamento da frequência
escolar, com base no bimestre de novembro de 2017, atingiu o percentual
de 93,8% para crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos, o que equivale a

5 IBGE. Diretoria de Pesquisas - DPE - Coordenação de População e Indicadores Socias


- COPIS.
6 O Cadastro Único reúne informações socioeconômicas das famílias brasileiras de baixa
renda – aquelas com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa.
7 Relatórios de Informações Sociais - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome/2016.
Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 37

117.251 alunos acompanhados em relação ao público no perfil equivalente a


124.993. Para os jovens entre 16 e 17 anos, o percentual atingido foi de 78,2%,
resultando em 19.577 jovens acompanhados de um total de 25.032.
Já o acompanhamento da saúde das famílias, na vigência de dezembro
de 2017, atingiu 69,7%, percentual equivalente a 73.801 famílias de um to-
tal de 105.814 que compunham o público no perfil para acompanhamento
da área de saúde do estado. Uma característica específica do estado é a
configuração étnica, que abrange povos indígenas, quilombolas, povos das
águas, assentados, entre outros, conforme pode ser visto na Tabela 1:
Tabela 1 – Famílias atendidas segundo a origem étnica no Mato Grosso do Sul

Cadastradas no %
Origem Étnica Beneficiárias
CadÚnico Atendida
Famílias Quilombolas 577 212 36,74
Famílias Indígenas 16.901 12.644 74,81
Famílias de Pescadores
843 465 55,16
Artesanais
Famílias Ribeirinhas 677 395 58,34
Famílias Assentadas da
11.982 4.456 37,18
Reforma Agrária
Famílias Acampadas 11.336 2.150 18,96

Fonte: Relatórios de Informações Sociais - Bolsa Família e Cadastro Único Jan/2018.

Na Tabela 1, é possível perceber que o Mato Grosso do Sul tem particu-


laridades populacionais que, muitas vezes, não são encontradas em outros
estados. As famílias indígenas e ribeirinhas são amplamente atendidas pelo
PBF.
Já o Gráfico 1 indica a quantidade de famílias cadastradas no CadÚnico
no estado, ou seja, o quantitativo de famílias de baixa renda, que têm renda
mensal de até meio salário mínimo por pessoa ou renda mensal total de até
três salários mínimos, famílias com renda maior que três salários mínimos,
desde que o cadastramento esteja vinculado à inclusão em programas so-
ciais nas três esferas do governo, e pessoas que vivem em situação de rua
– sozinhas ou com a família.
38 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Gráfico 1 – Famílias inscritas no CadÚnico no Mato Grosso do Sul entre 2007 e 2016

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de famílias beneficiárias atendidas pelo PBF
entre 2005 e 2016 obtidos no site do Data Social.

Nesse sentido, verificamos um progressivo aumento do número de famí-


lias até 2014 com essas características de faixa de renda, o que pode ser ex-
plicado tanto pelo real aumento de famílias nesse perfil quanto pela amplia-
ção do cadastro das famílias, provocada pelo acesso a diversos programas
sociais apenas por aqueles cidadãos que estiverem inscritos no CadÚnico
(PBF; Minha Casa, Minha Vida; Tarifa Social de Energia Elétrica; Benefício de
Prestação Continuada (BPC), entre outros).
A quantidade de famílias beneficiárias atendidas ao longo dos anos no
estado mostra, por exemplo, um progressivo aumento de famílias atendidas
ano a ano, com um decréscimo de aproximadamente 11 mil famílias entre
2015 e 2016, como pode ser observado no Gráfico 2:
Os Gráficos 1 e 2 não são conclusivos quanto ao aumento ou à dimi-
nuição das famílias com faixa de renda que as caracterize como pobres ou
extremamente pobres, mas sinalizam uma retração no acesso aos benefícios
sociais de transferência de renda do PBF. Em 2016 (março), por exemplo, com
um total de 139.191 famílias beneficiárias, tinha-se uma cobertura de 100,6%
em relação à estimativa de famílias pobres no Mato Grosso do Sul. Já em
2018, as 128.804 famílias beneficiárias representam uma cobertura de apenas
93,1% da estimativa de famílias pobres no estado.
Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 39

Gráfico 2 – Famílias beneficiárias do PBF no Mato Grosso do Sul entre 2005 e 2016

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de famílias beneficiárias atendidas pelo PBF
entre 2005 e 2016 obtidos no site do Data Social.

O Quadro 1 mostra a configuração e a cobertura dos benefícios em mar-


ço de 2018:
Quadro 1 – Famílias beneficiárias do PBF no Mato Grosso do Sul por tipo de benefício

Tipo de Benefício Quantidade


Benefício Básico 97.827
Benefícios Variáveis 213.601
Benefício Variável Jovem - BVJ 22.402
Benefício Variável Nutriz - BVN 3.749
Benefício Variável Gestante - BVG 4.472
Benefício de Superação da Extrema Pobreza - BSP 41.361

Fonte: Relatórios de Informações Sociais - Bolsa Família e Cadastro Único Jan/2018.

A relação entre faixa etária e condicionalidade da educação está apre-


sentada no Quadro 2 e mostra que, na última coleta realizada em novembro
de 2017, na faixa etária entre 6 a 15 anos, 6.657 crianças e adolescentes e
2.135 jovens na faixa etária de 16 a 17 anos não conseguiram atingir a meta
de frequência de 85%.
40 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Quadro 2 – Acompanhamento da condicionalidade da educação do PBF no Mato


Grosso do Sul

Resultados do Acompanhamento Quantidade


Total de beneficiários acompanhados pela educação
117.251
(6 a 15 anos)
Total de beneficiários acompanhados pela educação
19.577
(16 a 17 anos)

Total de beneficiários acompanhados com frequência


110.594
acima da exigida (6 a 15 anos - 85%)

Total de beneficiários acompanhados com frequência


6.657
abaixo da exigida (6 a 15 anos - 85%)

Total de beneficiários com frequência acima da exigida


17.442
(16 a 17 anos - 75%)
Total de Beneficiários com frequência abaixo da exigida
2.135
(16 a 17 anos - 75%)
Total de beneficiários sem informação de frequência
7.742
escolar (6 a 15 anos)
Total de beneficiários sem informação de frequência
5.455
escolar (16 a 17 anos)

Fonte: Relatórios de Informações Sociais - Bolsa Família e Cadastro Único Jan/2018, referente
a última coleta de 2017.

O não atendimento pelos beneficiários das condicionalidades de saúde


e/ou educação previstas no PBF ocasionou, no final de 2017, 1.111 advertên-
cias, 431 bloqueios, 303 suspensões e o cancelamento definitivo de 2 bene-
fícios, conforme apontado no Quadro 3:
Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 41

Quadro 3 – Famílias beneficiárias do PBF no Mato Grosso do Sul por tipo de benefício

Total de efeitos por descumprimento das condicionalidades (PBF


Quantidade
saúde e educação) (sem BVJ) 
Total de advertências 3.257
Total de bloqueios 1.323
Total de suspensões -
Total de cancelamentos 7
Total de efeitos por descumprimento de condicionalidades (BVJ)
1.847
(16 e 17 anos)
Total de advertências 1.111
Total de bloqueios 431
Total de suspensões 303
Total de cancelamentos 2

Fonte: Relatórios de Informações Sociais - Bolsa Família e Cadastro Único Jan/2018, referente
a última coleta de 2017.

As percepções dos professores sobre o PBF


As questões elaboradas no roteiro de entrevista procuraram obter infor-
mações sobre os seguintes itens: a) a caracterização dos professores quanto
a idade e sexo; b) o PBF como um direito ou uma assistência; c) pontos posi-
tivos e negativos do PBF; d) a percepção sobre alterações na vida da família
após o PBF; e) maiores suprimentos do PBF; f) preconceitos manifestados
em relação aos bolsistas do PBF; g) conhecimento das condicionalidades; h)
avaliação do aluno bolsista além da frequência e as expectativas escolares
em relação aos alunos beneficiários do PBF.
Entre os 18 professores entrevistados, 9 são do sexo feminino e 9 são do
sexo masculino, com idades que variam entre 24 a 58 anos. Por questões de
sigilo e identificação dos sujeitos da pesquisa, foram utilizados códigos para
que fosse possível o trabalho com uma quantidade significativa de sujeitos.
Quando perguntados sobre o PBF ser um direito ou um "favor" que o
governo faz para as famílias mais pobres, alguns professores (7 deles) afirma-
ram que a bolsa recebida é um direito do cidadão. No entanto, a maioria (11)
discordou dessa opinião, entendendo que a bolsa é de cunho assistencial:
42 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

É um projeto de assistencialismo, né, seria um auxílio mesmo. No meu


entendimento, é uma ajuda mesmo em relação ao contexto nosso da
nova classe pertencente, acho que é uma ajuda (CS/P4).
Eu acho que é um favor. Porque deveria melhorar a educação e gerar
mais trabalho para que a pessoa possa ganhar o dinheiro dela com mais
dignidade, trabalhar e conseguir o dinheiro dela (AJ/AM2).

Bom, dependendo do ponto de vista, ele chega a ser um favor, pela


condição da família, pelo sistema de receber abaixo da renda, sendo um
ciclo vicioso, ele faz com que a família não tenha a ruptura de procurar o
melhor para poder ficar na condição que o governo oferece, isso em par-
tes é bom porque há famílias que realmente precisam desse empenho,
dessa ajuda, porém outras famílias por questões sociais não entendem
que elas devem procurar melhorias para sair dessa condição [...] (DIB/
P2/8).

Nos relatos acima, podemos observar que os profissionais atrelam muito


o programa a um cunho assistencial, por não o enxergarem como um direi-
to social e ligado a políticas públicas que objetivam assegurar o direito à
cidadania. Conforme estabelecido no art. 6º da Constituição Federal: "São
direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à materni-
dade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constitui-
ção" (BRASIL, 1988).
Além disso, notamos que, desse ponto de vista, incide sobre a popula-
ção empobrecida a responsabilidade da superação da pobreza por "conta
própria". É perceptível nessas falas a necessidade de atrelar as ações do
PBF àquelas que promovem qualificação profissional e geração de emprego,
para que as famílias tenham condições objetivas de superação da pobreza, e
não mais a necessidade do recebimento do benefício.
Em contrapartida, outros educadores acreditam que o programa é um
direito da população e que é dever do Estado atenuar a pobreza, devido às
desigualdades existentes:

Eu acho que é um direito das famílias receber todo mês, por causa das
suas necessidades (T/UAK17).
No meu ponto de vista, é um direito que elas têm de receber todos os
meses, porque a gente vê que as pessoas, principalmente em nosso
município, que é pequeno, carente, necessitam dessa bolsa família para
Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 43

comprar até alimento. Não vou dizer que vão comprar só material para as
crianças, mas vão usar até mesmo para alimentação (J/JA9).

Conforme observamos em determinadas falas, alguns professores ainda


têm a visão de que o PBF é apenas um auxílio, e não um direito. Entretanto,
vale pontuar que todo indivíduo tem direito, segundo a Constituição Federal
(BRASIL, 1988), a saúde, bem-estar, alimentação, vestuário, ou seja, a condi-
ções mínimas de sobrevivência, cabendo ao governo criar políticas públicas
para garantir o direito à população que se encontra em situação de extrema
pobreza e vulnerabilidade. O assistencialismo, por sua vez, refere a caridade
por parte do governo, e não a obrigação.
Alguns professores acreditam que o ponto positivo do programa é o
auxílio à sobrevivência da família, sendo um meio de adquirir materiais bási-
cos como roupas, sapatos, alimentos e materiais escolares, enquanto outros
acreditam na diminuição da evasão escolar e no êxito nos estudos, uma vez
que uma de suas condicionalidades é a frequência.

Ponto positivo: ele ajuda realmente aquelas famílias necessitadas. Tem


aluno que chega na escola, às vezes antes do programa, sem nenhum
tipo de material. Eu mesmo, quando estudava (não tinha o programa),
via colegas meus necessitados e eu tinha que dar, como meu pai era
professor, lápis, borracha, caderno, então esse é um ponto positivo, né
[...] (C/CP).
Ah, um ponto positivo é que ajuda aqueles que mais necessitam, né?
Tem uns que realmente precisam. Como deficiência, acho que deveria
cobrar rendimento, e não só a presença (M/C).

O último fragmento revela um desejo do professor de ver atrelado ao


recebimento do PBF o rendimento escolar do aluno. Essa demanda foi re-
corrente na fala dos professores, já que eles acreditam na fragilidade da
cobrança da frequência escolar.
No que diz respeito aos pontos negativos, a maioria dos professores
acha que há falhas quanto à seleção dos beneficiários do PBF e à fiscaliza-
ção, pois acreditam que as condicionalidades do programa devem ir além
da frequência escolar, buscando um rendimento desses alunos na escola.
Outros acreditam que o valor do benefício é muito baixo e que, por isso,
acaba não suprindo as necessidades básicas da família, e uma minoria não
vê pontos negativos no programa.
44 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Deficiência: acho que deveria cobrar rendimento, e não só a presença


(M/C).
Deficiência: acho que a principal é a fiscalização, né, desse programa,
fiscalizar o projeto, a bolsa família, no gasto, principalmente se realmente
está ajudando a família (CS/p2).

Sobre as alterações na vida da família após o PBF, a maioria (13) dos pro-
fessores acredita que de fato houve mudanças e auxílio na estrutura familiar
dos beneficiários, pois houve atendimento às necessidades básicas, ascen-
são econômica, permanência das crianças na escola, tirando as mesmas da
rua e capacitando-as em progressão dos estudos. Os demais professores
afirmaram não haver mudança nenhuma na vida dessas pessoas.

Ah, dá para a gente perceber que a criança se preocupa mais em vir para
a escola, os pais estão mais presentes na escola, porque muitas vezes,
por mais que seja uma renda baixa e tal, há muitas famílias carentes que
precisam disso. A gente vê que antes as crianças não vinham, não tinham
um calçado para usar, às vezes não tinham uma alimentação mais ade-
quada, e hoje em dia já é diferente. A gente vê que as crianças já vêm
mais vestidas para a escola, com calçado e tal [...] (P/Dr MS).
Acredito que sim, né, a gente vê com clareza a pessoa mudar um pouco
de hábito, de alimentação, de vestuário, essas coisas. Ela tenta usar um
pouco mais do que na comunidade a gente não tem, principalmente, ela
tenta buscar um pouco mais de melhorias de vida no dia a dia dela, né
(AJ/ET).

Quanto ao dinheiro repassado aos beneficiários do PBF, a maioria dos


profissionais da educação (12) afirmou que ajuda nas condições escolares
das crianças. Por mais que o valor seja muito baixo, ainda assim percebem
que os pais fazem um investimento escolar com o recurso. Outros professo-
res tiveram uma visão mais pessimista, alegando que o valor repassado às
famílias pelo programa não ajuda nas condições escolares, pois não viram
mudança no âmbito escolar dessas crianças.

Sim, porque até mesmo o aluno passa a ter... não é um valor considerá-
vel, não é um valor que ele vá suprir todas as necessidades, porém ele
passa a vir com um chinelo melhor, um tênis melhor, que muitas vezes
até mesmo a gente tinha que doar, a gente fazia um brechó ali, trazia, os
colegas traziam e a gente doava para eles... Uma melhora. Eu acho que
uns 70% sim, porque, como eles vivem na região nossa aqui da escola,
uma região muito violenta, então há ainda influência, o meio influencia e
Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 45

muitos vão muito pela influência de amigos, colegas que estão no mun-
do aí perdidos na violência, nas drogas (C/CP).
Não, nessa escola não, não consigo identificar (C/DB).

Como sabemos que muitos beneficiários sofrem preconceito por faze-


rem parte desse programa, foi perguntado aos profissionais de educação o
que eles acham a respeito disso. Dos 18 professores entrevistados, 15 não
veem atitudes preconceituosas tanto da parte dos próprios professores
quanto dos demais alunos, e três deles veem no cotidiano escolar atitudes
preconceituosas com os beneficiários. A avaliação dos alunos acontece de
forma igual para todos, sejam eles beneficiários ou não.

Não, eles interagem normalmente, não tem diferença nenhuma (AJ/AM).


Olha, eu acho que não existe aqui, pelo menos aqui na escola, essa di-
ferenciação, porque os alunos não sabem quem recebe ou quem não
recebe (T/C).

Quanto ao conhecimento das condicionalidades, a maioria dos profes-


sores se restringe apenas à frequência escolar e ao acompanhamento da
saúde da família, e uma minoria diz que, além da frequência, há a presença
dos responsáveis na escola e a renda abaixo de um salário mínimo.

Olha, elas têm que cuidar para o filho não faltar às aulas e frequente-
mente ou mensalmente, não sei, têm que levar essas crianças para pesar,
têm que estar com a carteira de vacinação em dia. Eu sei bem dessas
aí porque toda vez que tem eles veem aqui na escola, deixam os bilhe-
tinhos, as crianças avisam hoje, as mães avisam "tenho que pegar meu
filho mais cedo porque é dia de pesar, pôr as vacinas em dia". Se elas dão
conta eu não sei, mas que elas procuram cumprir, elas procuram... pelo
menos com os alunos, com as crianças que estudam aqui, eu vejo essa
preocupação das mães [...] (DIB/F/p1).
É a questão da frequência escolar, da saúde e da vacinação, parece...
vacina de prevenção [...] (P/Dr MS).
Olha, a única obrigação que eu sei é que eles têm de mandar a criança
para a escola. Agora, se existe outra obrigação, eu não conheço (T/C).
Eu não tenho certeza de todas as obrigações, principalmente da obri-
gação escolar com os filhos, com o andamento escolar dos seus filhos,
até na aprendizagem. Até ajuda, mas a gente vê que são poucos que se
interessam (CS/FSR p1).
46 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Há um desconhecimento dos professores sobre os reais objetivos do


PBF, como também das suas condicionalidades. Percebemos que em algu-
mas falas ainda há o entendimento de que, além da frequência escolar, os
alunos precisam tirar boas notas para continuar recebendo o benefício.
Por fim, foi perguntado aos professores sobre as expectativas escolares
em relação aos alunos beneficiários do PBF. De modo geral, eles acreditam
na progressão dos estudos, na capacitação profissional e que todos têm as
mesmas capacidades cognitivas e terão sucesso, cabendo ao esforço indivi-
dual a possibilidade da ascensão social por meio da escola.

Percebe-se que não houve mais muita evasão escolar, a progressão dos
estudos do Ensino Fundamental para o Ensino Médio e uma inserção
dos alunos no Ensino Superior têm números bastante significativos.
Então esse programa ajudou bastante em relação a isso, né, porque as
crianças não tiveram que trabalhar mais, não tiveram que abandonar a
escola, então em relação ao sucesso foi bastante positivo. E como hoje
a gente já tem outros projetos também fora da bolsa família, também da
faculdade, acho que o aprimoramento desses programas seria bom para
a mobilidade social dos alunos (CS/p2).

Reflexões sobre o percurso


O Programa Bolsa Família irá completar 15 anos de existência, período
em que beneficiou quase 14 milhões de famílias e 50 milhões de pessoas. Se,
por um lado, verificamos que o programa tem garantido os mínimos direitos
sociais para as famílias, por outro, verificamos ainda que uma expressiva par-
cela da população brasileira, mesmo depois de tantos anos, permanece nas
faixas menos favoráveis de renda.
No Mato Grosso do Sul, essas constatações se agravam pelos grupos ét-
nicos específicos, como indígenas e quilombolas, que, embora amplamente
cobertos pelo programa, ainda continuam marginalizados e excluídos não só
do acesso material que os caracteriza como pobres e extremamente pobres,
mas também dos acessos às políticas públicas que poderiam ser uma chan-
ce para a superação da pobreza.
A pesquisa com professores que recebem um contingente expressivo
de beneficiários do PBF nos mostrou uma visão ainda preconceituosa so-
bre o recebimento dos recursos, bem como um desconhecimento sobre os
objetivos e as condicionalidades do programa por parte dos professores.
Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 47

Nas falas, ainda perdura a crença de que os beneficiários necessitam de um


maior "esforço individual" para não precisarem mais recorrer aos recursos
provenientes do programa. Em contrapartida, também é perceptível o reco-
nhecimento de que os recursos oriundos do PBF conseguem alterar signifi-
cativamente a vida das famílias e de que esses recursos são revertidos em
insumos escolares por elas.
Nessa direção, tornam-se ainda mais necessárias ações como as propos-
tas pela iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social, visando sensibi-
lizar os profissionais da educação básica, e outros envolvidos com políticas
sociais que estabelecem relações com a educação, para a necessidade de
romper com práticas que reforçam a condição de pobreza e reproduzem as
desigualdades sociais.

Referências
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-64452006000100009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 11 nov. 2019.
3

A educação dos pobres em questão:


políticas e práticas
Itamar Mendes da Silva
Caroline Falco Fernandes Valpassos
Dulcinea Campos Silva

O que coloca os seres humanos da ilha das flores depois dos porcos na
prioridade da escolha de alimentos é o fato de não terem dinheiro nem
dono. (FURTADO, 1989)

A temática educação, pobreza e desigualdade social está longe de re-


presentar um problema apenas na atualidade, pois suas raízes históricas são
remotas. Mas dela podemos nos aproximar não somente pela imprescindível
via histórica como também pelo debate teórico-prático produzido no âmbito
de investigação e análise crítica da realidade. Neste capítulo, pretendemos
socializar uma discussão da temática e reflexões produzidas no âmbito da
pesquisa intitulada Políticas e práticas de Educação, Pobreza e Desigualdade
Social no Espírito Santo.
Discutir tais questões no Brasil e, especialmente, no Espírito Santo re-
quer colocar as problemáticas da pobreza e da fome que lhe faz par como
fundantes do debate, pois suas materialidades e concretudes condicionam
as políticas educacionais tanto de acesso democrático/universal quanto de
permanência com qualidade socialmente referenciada. Há, ainda, questões
como justiça social e eficiência/eficácia que perpassam as políticas de trans-
ferência de renda e têm seus contornos no processo educacional impac-
tados pelas exigências da sobrevivência que o acesso a alimento, abrigo,
saúde e ao trabalho enseja.
50 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

As perguntas que parecem emergir desse processo são: compreende-


mos que os direitos humanos primários/básicos referidos são imprescindí-
veis para o crescimento do nível de civilização de todos os humanos? As po-
líticas de transferência de renda criadas serão capazes de promover justiça
social? Que exigências de eficiência e eficácia das políticas de transferência
de renda podem ser aceitas no âmbito social e dos governos sem que, com
isso, perca-se o sentido de combate à desigualdade social e à fome, de pro-
moção da dignidade do ser humano e de humanização?
A busca por refletir sobre elementos teóricos e práticos envolvidos nos
questionamentos apresentados requer admitir, afirmamos, que: a) a fome, a
pobreza extrema e a miséria representam a nossa degradação como huma-
nidade – a barbárie; b) as políticas de combate à desigualdade, à fome e à
miséria distribuem gêneros, serviços ou dinheiro, mas são pouco bem-su-
cedidas nos aspectos educativos envolvidos, ou seja, promover cidadania e
consciência ético-política – humanizar.
Tal entendimento orientou as pesquisas no âmbito do curso Educação,
Pobreza e Desigualdade Social, especialmente a pesquisa-formação (JE-
SUS, 2008) vinculada ao curso e que contou com a participação de todos os
cursistas, pois focou suas produções em coletas e no desenvolvimento de
atividades de reflexão-ação, projetos de intervenção e monografias. Foram
desenvolvidas pesquisas em três eixos principais1: 1) Educação, Pobreza e
Desigualdade Social: contextos e relações; 2) Intersetorialidade e inclusão
escolar; e 3) Avaliação e impactos do Programa Bolsa Família (PBF) nos mu-
nicípios e nas escolas. As relações encontradas nos eixos indicam que há
questões paradoxais envolvidas no estabelecimento das políticas a favor da
redução da pobreza e trazem em seus resultados elementos que corrobo-
ram dialeticamente a complexidade apontada.
Em face do exposto, nosso objetivo é refletir sobre as principais questões
levantadas nas investigações realizadas a partir dos eixos explicitados. Essa
reflexão se fará considerando os seguintes elementos: global, local, direito,
justiça social, eficiência e eficácia das políticas.
Após esta introdução, o primeiro tópico discute os conceitos que con-
sideramos imprescindíveis na compreensão da relação entre desigualdade
social e pobreza, tendo como pressupostos historicidade, contradições,

1 O trabalho com esses eixos contou com a participação das alunas bolsistas de Inicia-
ção Científica (PIBIC) Lohana Reblin de Oliveira, Bruna dos Santos Sena e Nina Soares
Rocha.
A educação dos pobres em questão: políticas e práticas | 51

natureza global e local dos fenômenos, bem como das políticas que visam
combatê-las. Na sequência, o tópico educação, pobreza e desigualdade so-
cial: contextos e relações traz argumentos para a compreensão do papel da
educação formal nesse processo, problematizando a própria constituição da
política educacional.
Em seguida, são abordados aspectos da inclusão escolar e perspectiva
intersetorial envolvidos nos programas de combate à pobreza, com base na
indagação de como a concretude da pobreza se faz presente nas políticas,
nos entendimentos e nas relações, na escola e em sala de aula. O último
tópico, repercussões do EPDS nos municípios e escolas, traz considerações
sobre o contexto de elaboração, execução e avaliação da política poder ser
um divisor de águas entre o sucesso ou o insucesso do PBF e possibilidades
de alteração da vida das pessoas que vivem e trabalham com a pobreza e as
que vivem na pobreza.

Desigualdade social e pobreza


A luta pela sobrevivência e manutenção da vida humana ao longo da
história explica muito daquilo que nos constitui como indivíduos e humani-
dade. As características humanas gestadas e alteradas historicamente fize-
ram da garantia do provimento de insumos básicos como alimento e abrigo
um empreendimento mais coletivo conforme o menor domínio humano
da natureza. À medida que a construção de instrumentos e o desenvolvi-
mento tecnológico diminuem a dependência das condições da "natureza
virgem", diminuem também as ações coletivas de garantia das condições de
sobrevivência.
A escassez e a fartura que eram coletivas vão, ao longo do tempo, tor-
nando-se individuais, uma vez que dependentes do lugar social e do acesso
de cada um aos bens produzidos socialmente. A fome, como expressão da
escassez, passa a não representar mais um problema ou uma preocupação
de todos, mas de parcela social ou grupo familiar e de cada indivíduo por
ela atingido.
É a lei do mais forte e do mais capaz que vai selecionando quem vive
e quem morre. Àqueles sem condições de obter o mínimo necessário para
garantir sua sobrevivência e de seu grupo familiar restam a fome, a indigên-
cia e/ou encontrar algum consolo na benemerência de poucos abastados
52 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

dispostos a dividir parcela do que lhe sobra praticando a caridade (ENGELS,


1980 [1884]).
Entretanto, na primeira metade do século XX, a humanidade não consi-
dera claramente a fome como um problema ético-político, mas infortúnio de
pessoas, famílias e grupos sociais. Dessa forma, a fome também não consta
sistematicamente nos programas e políticas do Estado, havendo apenas ini-
ciativas de benevolência de "primeiras damas" mais relacionadas ao poder
local e às instituições de filantropia religiosas ou seculares. É nesse contexto
que as contribuições de Josué de Castro se colocam primeiramente para
o Brasil e depois para o mundo a partir da Organização das Nações Uni-
das (ONU), especialmente com a criação da FAO – Food and Agriculture
Organization of the United Nations (Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura), em 1945.
Corrobora nossa afirmação o fato de que, transcorrido mais de meio
século XX, ainda se tem um altíssimo contingente populacional vivendo na
extrema pobreza. Em 1970, para uma população mundial de 3,69 bilhões
de habitantes, contabilizavam-se "[...] 2,2 bilhões na extrema pobreza [...]"
ou 60,2% do total (ALVES, 2017). Em 2017, passadas quase cinco décadas, a
fome diminuiu significativamente, mas ainda se contabilizam 705 milhões de
pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza demarcada pela renda diária
correspondente a US$ 1,90 (um dólar e noventa centavos).
Esse quantitativo populacional, que representa aproximadamente 10%
da população mundial, encontra-se mais concentrado nos continentes asi-
ático, com destaque para a Índia, e africano, especialmente a África sub-
saariana. Entretanto, a extrema pobreza é fenômeno global e se apresenta
com dramaticidade também na América Latina, que contabiliza cerca de 61
milhões de extremamente pobres.
No Brasil, são as contribuições de Josué de Castro nos estudos que de-
senvolveu acerca da "geografia da fome" que pautam o debate em torno
da necessidade de buscar formas de enfrentar a pobreza. O caráter ético-
-político de sua obra e seu engajamento no questionamento e no combate à
desigualdade são destacados por Solange Argenta (2015, p. 30) ao apresen-
tar as palavras do pesquisador sobre sua trajetória e obra: "Denunciei a fome
como flagelo fabricado pelos homens contra outros homens". Assim como
Engels (1980 [1884]), Josué de Castro compreende a fome como resultado
das ações humanas na apropriação e na distribuição das riquezas.
A educação dos pobres em questão: políticas e práticas | 53

Ao colocar a fome como problema da humanidade, o autor alcançou


reconhecimento internacional, tendo sido indicado para receber o prêmio
Nobel por três vezes: em 1954 (medicina), 1963 e 1970 (paz). Tal reconheci-
mento internacional não o livrou de ser exilado pelo golpe civil-militar de
1964, do que se conclui que, para as elites brasileiras, a fome, a pobreza e a
extrema pobreza são temas indesejáveis.
No afã de defender seus privilégios, essa elite se mostra intolerante tam-
bém com Paulo Freire (1921-1997), outro brasileiro reconhecido mundialmen-
te por sua obra que indica como necessário superar a pobreza material e
humana para construir um país livre, justo e democrático. Freire será exilado
no contexto do golpe civil-militar de 1964 por ousar alfabetizar e defender os
pobres. Em sua Pedagogia do Oprimido irá propor um processo de luta pela
restituição aos pobres e oprimidos de sua "humanidade roubada", também
corroborando Engels (1980 [1884]).
Ao se colocar do lado dos "condenados da terra", aqueles que tiveram
a "humanidade roubada" pela opressão a que foram historicamente sub-
metidos, vai advogar uma "ética universal do ser humano" que passa pelo
respeito à vida, à dignidade e ao acesso aos bens materiais e espirituais
que possibilitam sermos cada vez mais humanos, superando as condições
de existência opressoras. Assim como Paulo Freire, Josué de Castro se co-
loca a favor da mudança do sistema injusto que cria, de um lado, pessoas
exageradamente ricas e, de outro lado, pessoas exageradamente pobres,
que convivem com a fome em seu dia a dia.
As pesquisas de Josué de Castro sobre a fome no Brasil o levaram a
produzir um quadro da realidade brasileira que se constitui como eloquente
denúncia também da subnutrição. Nenhuma região brasileira fica de fora do
"espectro" da fome, o que nos conclama a refletir sobre o desenvolvimento
brasileiro, a distribuição da riqueza produzida e a desigualdade social.
Nesse contexto de debate sobre o Brasil, a constituição de seu povo, sua
gente, e sua desigual distribuição de riqueza e subdesenvolvimento, cria-se,
em 1955, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), que passa a reunir
expressivo conjunto de intelectuais, como Hélio Jaguaribe, Nelson Werne-
ck Sodré, Antônio Cândido e Álvaro Vieira Pinto, entre outros, e defender
para o Brasil o desenvolvimentismo com o Estado assumindo papel indutor
(WANDERLEY, 2016). Esse entendimento de que cabe ao Estado papel im-
portante no desenvolvimento será uma ideia bastante debatida e levada a
54 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

termo, em alguma medida, no governo de Juscelino Kubitschek e nos que se


seguiram até o golpe de 1964.
Ao final da ditadura civil-militar (1964-1985), o governo que se estabelece
por eleição indireta no congresso nacional, em conjunto com esse mesmo
congresso e com a anuência do judiciário, atribui aos parlamentares elei-
tos em 1986 (deputados e senadores) e aos senadores com mandato em
vigência a responsabilidade constituinte de elaborar uma nova constituição
para o Brasil. Nesse processo constituinte, algumas ideias defendidas por
intelectuais2 ligados ao extinto Iseb (extinto dois dias após o golpe de 1º de
abril de 1964) e por colabores como Gilberto Freyre e Celso Furtado, proi-
bidas durante o período ditatorial, foram retomadas, especialmente o papel
indutor do Estado, definido na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988)
como promotor de justiça e bem-estar a seus cidadãos já em seu preâmbulo:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Na-


cional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado
a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem pre-
conceitos [...] (BRASIL, 1988, grifos nossos).

A Constituição de 1988 irá representar um novo pacto social e colocar


as questões sociais e da cidadania em lugar de destaque. Nela se constata
a assunção de que o direito à vida e à vida digna, de "bem-estar", constitui-
-se elemento fundante do "Estado Democrático" e passa pela garantia de
direitos sociais como alimentação, abrigo/moradia, educação, trabalho,
transporte, lazer, segurança, previdência social etc. Esses são requisitos
fundamentais da cidadania para a construção de uma sociedade em que o
"bem-estar, [...] a igualdade e a justiça" (BRASIL, 1988) sejam valores preva-
lentes e para que não haja fome e miséria.
A partir desse cenário e de suas influências para a concretização do com-
promisso assumido, o Estado brasileiro passa a buscar construir políticas
públicas que lhe deem consequência, concretude e eficácia. As primeiras
políticas de combate à pobreza passam por ações pouco estruturadas, pre-
midas por seu caráter emergencial e marcadas pelo assistencialismo, como
a distribuição de alimentos (cestas básicas) e a criação de frentes de trabalho

2 Alguns autores afirmarão que as primeiras obras de Paulo Freire apresentam certa sim-
patia pelo nacional-desenvolvimentismo proposto pelo Iseb.
A educação dos pobres em questão: políticas e práticas | 55

nas regiões mais pobres do país (periferias dos grandes centros e zonas de
seca prolongada). Suas fragilidades e contradições são logo percebidas e
novas políticas são propostas influenciadas por esse contexto (BALL, 2011).
O processo histórico das políticas indica na sequência a criação, por
meio de lei, de políticas de Estado, o que demarca um novo estágio no
cuidado com a justiça social e a criação do bem-estar social, mas ainda não
se trata de políticas explicitamente redistributivas e de combate à pobreza
e à fome. As políticas criadas são de dois tipos: a) protetivas da infância e
da adolescência, da velhice, do consumidor etc.; b) promotoras de direitos
sociais – saúde, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) como direito
universal; educação, com o reconhecimento da educação básica como direi-
to; assistência social, com a criação do Sistema Único de Assistência Social
(Suas) etc.
Tais modificações nas políticas mostram, para além de sua historicida-
de, que as condições objetivas e subjetivas de sua produção se relacionam
muito diretamente com as transformações experienciadas pela sociedade,
pois o período pós-constituição de 1988 se caracteriza como de ampliação
da vivência democrática. Assim, o que podemos inicialmente demarcar é
que cada momento histórico gesta políticas em acordo com a vida social,
econômica, cultural e ético-política, conforme afirma Stephen Ball (2011).
Percebemos também na construção e na organização das políticas um mo-
vimento de crescimento da sistematização/formalização que as torna, como
políticas de Estado, mais duradouras e menos suscetíveis às intempéries das
mudanças de orientação ideológica dos governos.
As constatações apresentadas indicam não só a correlação das políticas
com o tempo, o espaço e a vida do país, mas também de seus municípios
e estados federados. Os exemplos mobilizados nos incitam a concluir que
o combate à pobreza não se faz somente com distribuição direta de dinhei-
ro ou de víveres aos que precisam, mas também e principalmente com a
ampliação de direitos de cidadania que, por sua vez, ampliam o acesso à
riqueza produzida socialmente.
Assim, oferecer cobertura vacinal, pré-natal ou remédios de uso contí-
nuo é uma forma de combate a um dos subprodutos da pobreza, que é a
falta de saúde. O exemplo serve também para a Assistência Social com o
Suas. Esses casos efetivados por meio de um SUS ou Suas compatibilizam
três níveis de responsabilidade, gestão e execução de política: o macro, da
federação, o meso, das unidades federadas, e o micro, do poder local.
56 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Nessa esteira, encontra-se também o ocupar um lugar de decisão acerca


do que se ensina na escola, embora com grau diferente de apelo vital, pois
a educação impacta a vida menos no curtíssimo prazo e mais no médio e no
longo prazo. Ainda quanto ao exemplo da educação, é importante destacar
que esta tem sido associada a outras políticas de promoção de direitos e de
ampliação de acesso a bens da cidadania como saúde e assistência social,
indicando para a busca de integração, intersecção e interdependência de
políticas com vistas à compreensão de que a cidadania é uma totalidade e a
divisão em setores é apenas didática, e não objetiva e concreta.
Essa compreensão parece remeter as políticas a outro estágio, indican-
do sua historicidade, as contradições e os descaminhos de seu contexto
de influência (BALL, 2011), que, no caso brasileiro, é o do neoliberalismo3.
Neri (2017) nos ajuda a corroborar essa ideia de que o papel do Estado é
fundamental para o combate à fome e à pobreza ao analisar os efeitos da
crise gerada no processo de impeachment (golpe) expressos nos índices de
aumento da pobreza na ordem de 33% entre "o final de 2014 até o final de
2017", quando se constata a existência de 6,27 milhões de novos pobres.
Entretanto, indica que, no momento atual, não foram criadas novas ações
políticas para deter o avanço da pobreza: "No bojo da crise de 1999, gesta-
mos e depois parimos o Bolsa Escola federal; em meio às agruras da crise de
2003, nasceu o Bolsa Família. Na atual crise, desaprendemos lições básicas."
(NERI, 2017, p. 6).
Dessa forma, é fundamental que as análises da educação, nosso obje-
to neste texto, coloquem-se também em contexto histórico e na esteira da
compreensão do contraditório movimento de constituição e, às vezes, aper-
feiçoamento nas políticas a partir de seu "contexto de influência". Porém, é
importante não nos deixarmos enganar pelo entendimento de que em de-
terminado ciclo as políticas serão sempre progressivas, pois poderemos ter

3 É importante destacar que o neoliberalismo brasileiro não tem, nesse momento e


mesmo hoje, o mesmo alcance dos modelos implantados em países como a Inglaterra
e os Estados Unidos, como descreve David Harvey (2008) em seu livro intitulado O Ne-
oliberalismo: história e implicações. Entretanto, as resistências para a implantação de
seu modelo mais radical com a instituição completa do Estado Mínimo, felizmente para
os mais pobres, tem sido o debate entre as duas principais correntes de pensamento
político brasileiro: uma liderada pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)
que defende um modelo de adequação mais forte aos princípios de mercado, com o
fim de limites para atuação da chamada livre iniciativa, e outra liderada pelo Partido dos
Trabalhadores (PT) que defende a manutenção dos serviços básicos garantidos pela
constituição sob o controle do Estado.
A educação dos pobres em questão: políticas e práticas | 57

ciclos regressivos, como os dados e as análises destacadas por Neri (2017)


nos ajudam a concluir, nos quais direitos historicamente adquiridos na luta
social são retirados e/ou diminuídos pela instituição de novos critérios restri-
tivos, gerando exclusão de parte dos que a eles tinham acesso.
Advogamos que tais processos são desumanizantes (FREIRE, 2014 [1970]),
pois fazem toda a humanidade sofrer com as consequências da indigência
dos que passam a ser desatendidos no contexto restritivo do alcance das
políticas. A título de exemplo, podemos citar os processos de criação e im-
plementação de políticas regressivas neoliberais, que, privatizando serviços
caracterizados como básicos direitos de cidadania, lhes restringem a oferta,
submetendo-os à lógica do lucro travestido de eficiência e eficácia.
A aprovação da Emenda Constitucional n. 95, de 16 de dezembro de
2016 (BRASIL, 2016), que promove a diminuição dos recursos para educação,
saúde e assistência social, e as políticas de currículo produzidas na Reforma
do Ensino Médio e na edição da Base Nacional Curricular Comum (Lei n.
13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017a)) apontam essa direção de
provocar as redes públicas a buscarem ajuda na filantropia, no voluntariado
e no financiamento privado para a manutenção do serviço público, que é
direito subjetivo de cidadania. Há ainda a privatização do currículo por meio
da aquisição de "pacotes" curriculares apostilados, de modo que empresas
vendam o material didático, serviços de formação continuada dos professo-
res para atuar com a proposta e até mesmo gerenciem escolas.

Educação, pobreza e desigualdade social: contextos e relações


Para avançar no debate substantivo acerca do processo político que en-
volve a pobreza na dimensão dialética entre direito, justiça social e eficiência/
eficácia da política, é necessário assumir como realidade concreta o Estado,
constitucionalmente assegurado como democrático de direito e baseado
em uma democracia representativa, que tem por suposto um regime político
do Estado capitalista. Há, então, que se reconhecer historicamente o caráter
do regime político em voga, assim como seus determinantes e entrelaça-
mentos mediadores em relação aos níveis de Estado e do governo, pressu-
pondo, assim, as outras formas políticas que, em certas condições históri-
cas, esse Estado pode assumir (DEMIER; GONÇALVES, 2017). Isso implica,
obviamente, um exercício reflexivo não a partir dos pressupostos teóricos,
mas, sim, das necessidades práticas e objetivas da classe trabalhadora que,
58 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

conforme a abordagem deste capítulo, refere os sujeitos que se encontram


em situação de pobreza e de extrema pobreza.
A educação como alternativa entre o tratamento social da pobreza e de
seus correlatos, ancorado numa visão guiada pelos valores de justiça social
e de solidariedade e seu tratamento educacional para as parcelas mais afe-
tadas pela pobreza e extrema pobreza, concentra-se nos programas que
emergem sob a égide da parceria público/privado, sob o primado do mer-
cado e da gestão empresarial. Respaldados por uma falsificação ecumênica
da globalização a despeito do enriquecimento coletivo, com o aumento de
produção em larga escala de grãos e do enriquecimento por meio de dé-
cadas de industrialização, esses programas escondem a grave contradição
social que envolve tanto a sociedade brasileira quanto as disparidades so-
ciais vertiginosas e a pobreza de massa, que, ao se combinarem, alimentam
o crescimento inexorável da pobreza.
Nesse contexto, a educação acaba por contribuir para a manutenção
da pobreza e da desigualdade social, pela sua falta de qualidade, derivada
da improdutividade da educação no âmbito das práticas pedagógicas e
da gestão das instituições escolares. Em busca da justiça social, a eficácia
e a eficiência da educação surgem vinculadas à democratização da esco-
la subordinada a uma reforma administrativa, orientada para a garantia da
qualidade.
Conforme salientado por Sander (1995), a eficiência é conceituada como
critério econômico com capacidade administrativa de produzir mais com
menos, ou seja, o máximo de resultados com o mínimo possível de recursos,
enquanto o conceito de eficácia tem como critério a capacidade administra-
tiva para alcançar as metas estabelecidas. Para o autor, são critérios de di-
mensão instrumental reocupados com a conquista dos objetivos intrínsecos,
vinculados, especificamente, aos aspectos pedagógicos da educação. Nas
palavras de Sander (1995, p. 67), eficiência e eficácia, embora distinguíveis,
são "[...] dimensões dialeticamente articuladas de um paradigma abrangente
e superador de administração da educação".
Desse modo, as políticas neoliberais para a educação buscam construir
um mercado, por meio do crescimento da participação do terceiro setor e
de instâncias privadas na execução de políticas em favor do atendimento
ao direito à educação, cujos pressupostos são competência, produtividade,
competitividade, esforço individual e meritocracia. Os critérios da eficácia
e da eficiência passam a ser privilegiados como princípios reguladores dos
A educação dos pobres em questão: políticas e práticas | 59

resultados esperados, por meio da instituição de um novo modelo gerencial


que incorpora em sua forma uma nova ótica de qualidade.
A reforma gerencial na educação "[...] caracteriza-se pela busca da efi-
ciência, pela redução e pelo controle dos gastos e serviços públicos, bem
como pela demanda da melhor qualidade e pela descentralização adminis-
trativa, concedendo-se, assim, maior autonomia a agências e departamen-
tos" (CASTRO, 2007, p. 124). Nesse sentido, para aumentar a eficiência e a
eficácia, a gestão focaliza o produto em detrimento do processo, exigindo
dos gestores habilidades e criatividades para encontrar novas soluções para
alcançar os resultados propostos.
No conjunto das reformas educacionais, conforme assevera Ferreira
(2014), observa-se a ocorrência de uma naturalização da utilização dos recur-
sos públicos nos espaços privados, com a justificativa de resolver a herança
social de desigualdade social, étnica, racial etc. Como exemplo, a autora cita
o "[...] movimento político-empresarial Todos pela Educação" (FERREIRA,
2014, p. 144), e, na discussão, traz à baila uma questão de ordem ética do
compromisso do Estado de erradicação da pobreza, repassando para a es-
fera privada parte de uma responsabilidade que é sua de encaminhamento
da questão social, numa sociedade profundamente desigual e estremecida
por mudanças institucionais a partir da demanda do mercado.
Apesar de a escolarização trazer consigo todas essas questões vincula-
das, paradoxalmente representa possibilidades de alteração social. Pode se
constituir em mecanismo agregador de processos de justiça social, a depen-
der de como é conduzida, em termos de currículo, gestão e organização. É
preciso, pois, compreender o papel contraditório da educação formal nesse
processo, inclusive no que se refere à própria efetivação da política que visa
garantir o direito à educação.
No período de discussões e elaboração da Constituição Federal de
1988, o acesso à educação escolar no Brasil ainda era precário. Para se ter
uma dimensão do período, a taxa líquida de escolarização da faixa etária
de 7 a 14 anos era de 83%, ou seja, havia mais de 5 milhões de crianças e
adolescentes fora da escola. Além do acesso precário, as taxas de conclusão
também se constituíam como fator de exclusão, pois, a título de exemplo, do
total de ingressantes na 1ª série em 1979, apenas 36% concluíram a 4ª série e
13% concluíram o 1º grau em 1986 (INEP, 1994).
O enfoque dado na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), portanto, foi
o de ampliar o acesso à educação escolar de toda a sociedade, buscando
60 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

construir políticas de inclusão dos 17% marginalizados do processo inicial de


escolarização. Como exemplo de política de garantia de direito à educação,
temos a edição da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990), que
institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Este passa a prever di-
reitos e responsabilizar o Estado, conforme a divisão de competências pelos
"entes federados", e os mandatários municipais (nível local), estaduais (nível
meso) e federal (nível macro) pela oferta de educação, exigindo também da
família sua contribuição com o zelo para a manutenção dos filhos na escola
com a garantia da frequência.
Entretanto, a ampliação do direito e a construção de mecanismos para
assegurar a eficácia da política criada trouxeram tensões e não foram sufi-
cientes para atingir seus propósitos. A contradição da política é, numa pers-
pectiva de inclusão, ser efetiva na diminuição do número de analfabetos e
na ampliação de matrícula. Noutra perspectiva, constata-se paradoxalmente
a exclusão, já que sua efetivação concreta no nível micro da escola não con-
seguiu oferecer a esse contingente populacional que ingressou no sistema
uma educação adequada às necessidades quer de construção de cidadania,
quer de preparação para o mundo do trabalho, finalidades da educação
afirmadas no texto da política – Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996
(BRASIL, 1996).
As definições de conhecimento válido, do que se ensina, do modo como
se ensina e de quem pode ensinar na escola são baseadas numa perspectiva
universalista, cujos modelos e perspectivas são oriundas de grupos domi-
nantes que impõem uma cultura escolar a partir de suas próprias referências.
Dito de outra forma: o currículo é expressão do poder de classe no sistema
capitalista, e os conhecimentos que se relacionam com a visão de mundo
e os modos de viver e projetar o futuro que podem interessar aos pobres
que entram na escola no processo de democratização do acesso não o
compõem.

Essa cultura escolar, que tem sua origem em um determinado momento


histórico, acaba por se naturalizar, transformando-se em um modelo a-
-histórico, configurando-se um mundo à parte, como espaço asséptico,
imune a conflitos e debates. Nele, a cultura dominante é propagada e
reproduzida como "alta cultura", a cultura a ser aprendida por todos os
cidadãos. E as consequências desse modelo de escola acabam sendo a
exclusão e a discriminação dos grupos sociais que não se encaixam nes-
se perfil de cidadão: os negros, os povos indígenas, os camponeses, os
pobres, os marginalizados de nossa sociedade (EPDS, 2016, módulo II).
A educação dos pobres em questão: políticas e práticas | 61

Sob esse prisma, os problemas que surgem no interior da escola, de-


correntes da inadequação do sistema e da atuação pedagógica relativa à
diversidade de culturas dessas minorias4, quase exclusivamente pobres, pas-
sam a ser vistos como desvios, perturbações, como algo a ser corrigido para
que a escola tenha a mesma "qualidade" que tinha antes de os pobres a ela
terem acesso. Essa contradição, a pedagógica, manifestada na inadequação
do currículo e que repercute na qualidade e, como dito anteriormente, na
capacidade de o sistema cumprir suas finalidades, parece se constituir como
um dos grandes obstáculos para a política de garantia do direito universal
à educação.
Os estudos produzidos pelos cursistas do Educação, Pobreza e Desi-
gualdade Social (EPDS) sobre as realidades das escolas, seja como desenvol-
vimento de atividades de reflexão-ação ou monografias e projetos de inter-
venção, parecem corroborar as análises teóricas realizadas. Como exemplo,
podemos indicar alguns objetivos de projetos de intervenção que versaram
sobre direitos humanos: "Promover a cidadania [...] protegendo a criança e o
adolescente que vivem em situação de pobreza, de risco e exclusão social.";
"Garantir o ensino da Declaração Universal dos Direitos Humanos [...]."; "Sen-
sibilizar alunos, professores, funcionários e suas famílias sobre a realidade do
preconceito que existe em relação à pobreza [...]."; "[...] construir momentos
de diálogos/formação e trocas de experiências entre pais e filhos e, des-
sa forma, contribuir para a diminuição da violência, a melhoria da saúde e
do bem-estar da família e o acesso aos serviços sociais, e contribuir para o
combate à pobreza, que envolve a violência, a falta de saúde e fere o bem-
-estar da família."; " Reconhecer os estigmas atrelados a alunos e pais que
recebem Bolsa Família."; "Analisar os aspectos da problemática do fracasso
escolar, tanto do corpo discente como do corpo docente e de toda a equi-
pe escolar."; "Reconhecer as dificuldades de escolarização das crianças das
classes populares."; "Praticar conquistas sociais e políticas garantidas pela
Declaração dos Direitos Humanos em busca de minimizarmos o fracasso
escolar.".
Nos excertos, é possível constatar diferentes níveis de compreensão so-
bre as repercussões do ingresso dos mais pobres na escola, mas em vários

4 Pessoas negras, indígenas, pobres, mulheres etc. são grupos socialmente considerados
"minorias". Assim como são discriminados e excluídos na escola, isso também ocorre a
tais grupos em outros âmbitos da vida social, principalmente com relação à garantia de
direitos e ao acesso a estes (EPDS, 2016, módulo III).
62 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

deles fica claro o baixo nível de aceitação deles por professores e outros
estudantes. Portanto, o caminho da inclusão parece ainda longo e cheio de
contradições.
Adicionalmente, podemos concluir que abordar o direito à educação
escolar é muito mais complexo do que aparenta e se relaciona a variáveis
que não unicamente o acesso (matrícula), passando necessariamente pelo
debate da inclusão da camada mais pobre da sociedade (SPOSITO, 1984). O
acesso, contudo, é condição sine qua non do processo inicial de inclusão e
se constitui como uma das condicionalidades do PBF.
Essa inclusão deve ser efetivada no interior de cada escola, ressaltando-
-se a necessidade de criar possibilidades de incluir os pobres e extremamen-
te pobres no exercício da cidadania. A cidadania é um direito preconizado
na constituição e vivê-la requer também que toda a cidade (município) se
preocupe em ser inclusiva.

Inclusão escolar e perspectiva intersetorial


O PBF visa contribuir para o combate à pobreza e à desigualdade no
Brasil, promovendo o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de
saúde, educação e assistência social, combatendo a fome e promovendo a
segurança alimentar e nutricional, estimulando também a emancipação sus-
tentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza,
entre outros objetivos (BRASIL, 2004a). Para isso, une os procedimentos de
gestão e execução das ações de transferência de renda do governo fede-
ral, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à
Educação (Bolsa Escola), do Programa Nacional de Acesso à Alimentação
(PNAA), do Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde (Bolsa
Alimentação), do Programa Auxílio-Gás e do Cadastramento Único do Go-
verno Federal (BRASIL, 2004).
O programa atua também com condicionalidades para sua efetivação,
de acordo com os próprios objetivos indicados. Essas condicionalidades são
compromissos acordados entre as famílias e o poder público nas áreas de
saúde e educação para a superação da pobreza. O recebimento do benefí-
cio está relacionado ao cumprimento das condicionalidades, entre as quais
a vinculada ao acesso à educação que é a exigência da frequência escolar
mensal mínima de 85% de crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos e da
frequência escolar mensal mínima de 75% de estudantes entre 16 e 17 anos.
A educação dos pobres em questão: políticas e práticas | 63

"Por meio das condicionalidades, o governo federal consegue identificar as


famílias que estão com dificuldade de acessar os serviços de educação e
saúde. Nesses casos, elas passam a receber atenção prioritária da assistên-
cia social para que os problemas sejam solucionados." (MDS, 2017, s/p).
Contudo, o estabelecimento de condicionalidades traz elementos con-
traditórios do ponto de vista da própria concepção da política criada e,
portanto, do acesso à educação escolar como condicionalidade. Compre-
endemos que essa exigência ainda carrega certo preconceito com o pobre
e a pobreza, por um lado, e certo "messianismo" esclarecido e autoritário
em relação a essa população, por outro, pois os sujeitos agentes do PBF
indicam saber o que "é melhor" para aquela pessoa que se encontra em
vulnerabilidade social.
Aposta-se nas possibilidades de processos de distribuição de renda do
tipo PBF se constituírem como fundamentais para que os direitos sociais e
humanos básicos da cidadania, previstos na Constituição de 1988, sejam ga-
rantidos para todos os brasileiros, de modo que a questão da desigualdade
seja inicialmente colocada em debate. Nesse âmbito, é importante identifi-
car e compreender como, e se, esse processo de inclusão social vem sendo
possibilitado pela atuação da educação como política pública macro e como
política efetivada na microesfera das relações entre os sujeitos, isto é, como
a concretude da abstrata pobreza se concretiza nas políticas, entendimentos
e relação, na escola e em sala de aula.
Algumas questões foram basilares no âmbito da investigação dos eixos:
como a escola pensa, pedagogicamente, as necessidades dos alunos, alunas
e famílias pobres? Qual o limite para que a necessária diferenciação não ex-
clua mais do que inclua? A inclusão dos alunos e alunas via PBF é vista como
direito ou como benesse? Como é abordada a existência da camada mais
pobre da sociedade no interior da escola? Há articulação entre a escola/
educação e outras áreas? Que tipo de articulação? Como essas articulações
são compreendidas? Em suma, quais as necessidades desse grupo compre-
endidas como da esfera escolar?
A primeira consideração refere-se à pouca associação encontrada entre
a ideia de inclusão e desigualdade social. Os cursistas, de modo geral, asso-
ciaram a palavra inclusão apenas à perspectiva da inclusão das pessoas com
alguma necessidade especial de atendimento. Dada a tamanha importância
que a escola e os cursos de Pedagogia assumiram em prol da temática, cer-
ta associação era esperada. Contudo, após o desenvolvimento de toda a
64 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

temática do curso EPDS, a pouca associação entre as ideais de inclusão e


igualdade/desigualdade social mostra certa fragilidade quanto ao desenvol-
vimento do assunto.
Quando se aprofunda a questão de como lidar com os estudantes be-
neficiários do PBF no contexto escolar, há dois grandes grupos possíveis de
análise: os que apontam perspectivas externas à escola e os que apontam
perspectivas internas. Nesse ponto, temos que considerar que entre os cur-
sistas havia tanto os que atuam em níveis gestores do PBF quanto aqueles
que atuam na escola e/ou junto à escola, o que pode auxiliar na compreen-
são dessas duas perspectivas.
A primeira traz uma vinculação entre a perspectiva de intersetorialidade
e o acesso a serviços. Não houve a identificação da intersetorialidade como
um processo de responsabilização conjunta de vários setores, mas apenas
como situações de parcerias (realização de atividades pontuais, ações pon-
tuais) e apoio aos problemas mais crônicos (boa relação, respostas rápidas
às demandas "problemáticas"). Poucos cursistas pontuaram a inexistência
de responsabilidades institucionais, o que significa que atribuem à interse-
torialidade as possibilidades de inclusão sem, contudo, ter uma definição
ou reflexão mais aprofundada do assunto, ou consideram que é necessário
apenas o suporte de outros setores sociais quanto ao serviço para que a
inclusão se efetive.
A segunda, a da categoria "atividades que promovem a mudança na
condição do sujeito", mapeia as considerações sobre as mudanças possíveis.
Ficou evidente a ideia de atividades e projetos como pressupostos ou pos-
sibilidades de mudança. Tudo indica, segundo os relatos, que, independen-
temente da perspectiva de atuação, as ações tendem a garantir a mudança,
ou seja, a emancipação dos sujeitos. Quando analisada a categoria "emanci-
pação", constatou-se que não foi discutido o que os cursistas compreendem
como tal.
Outro dado relevante é em relação às abordagens desenvolvidas nas
monografias. Pelos seus títulos, é possível observar que há enfoques dife-
renciados sobre o processo de inclusão escolar, o que é similar à gama de
perspectivas apontadas nos excertos analisados. Ademais, a perspectiva
inclusiva dos estudantes do PBF, ou seja, dos estudantes pobres, vem sem-
pre acompanhada de outra forma de exclusão, corroborando a dimensão de
que essa população vive à margem de uma sociedade justa, na medida em
que vivencia exclusões múltiplas.
A educação dos pobres em questão: políticas e práticas | 65

Assim, a abordagem dessa condicionalidade adquire centralidade na


discussão de questões vinculadas ao acesso à educação e às possibilidades
de alteração do quadro social via diminuição da pobreza e da desigualdade
no contexto da garantia do direito à educação. É preciso, então, atentar-se
sobre as estratégias de inclusão escolar desenvolvidas nas instituições para
além da garantia do acesso à instituição.

Repercussões do EPDS nos municípios e escolas: um olhar


avaliativo
O curso EPDS foi destinado aos sujeitos agentes do PBF, por isso ex-
plicitar suas possíveis repercussões nos municípios e nas escolas significa
estabelecer diálogos com esses sujeitos, suas concepções e ações, e nos
remete ao campo da avaliação, mais especificamente à avaliação de políticas
ou programas. Cabe envidar esforços para responder à seguinte pergunta:
em que circunstâncias uma política5 poderá ser considerada exitosa?
Responder a essa questão requer, em primeiro lugar, levar em considera-
ção que a definição do êxito de algo tem relação direta com os propósitos e
os compromissos assumidos. No que se refere à política, é necessário levan-
tar e analisar crítica e sistematicamente desde seu contexto de produção,
objetivos, financiamento, implementação até sua eficácia e efetividade social
(BELLONI; MAGALHÃES; SOUZA, 2007). Em outras palavras, é uma ação ava-
liativa da política que se constitui.
A pesquisa aqui discutida tem incidência direta e indireta no programa
educacional – curso EPDS –, que buscou qualificar os sujeitos agentes do
PBF, e nas realidades representadas pelas escolas e pelos municípios. Os
municípios podem, nesse caso, ser considerados como realidade de nível
meso, pois o curso e mesmo a política são ações federais, de nível macro.
Afirmamos que, para identificar as possíveis influências que o EPDS pode
produzir e/ou produziu em concepções, formas de organização e práticas
desenvolvidas no âmbito da escola e dos municípios relacionadas à pobreza,
somente podemos contar com indícios. Para buscar explicitá-los, lançamos
mão de suas expressões (verbalizações) presentes nas escritas das atividades
de reflexão-ação que se constituíram como fontes da pesquisa desenvolvida.

5 O termo política é utilizado como sinônimo de programa (WORTHEN; SANDERS; FIT-


ZPATRICK, 2004).
66 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Nesse caminho, nos encontramos com indícios de um processo de cons-


tituição dos sujeitos agentes (cursistas) como autores, imprescindível para a
ação autônoma no âmbito do fazer pedagógico (FREIRE, 1996). É o que nos
parece explicitar a fala de uma cursista se referindo à entrevista desenvol-
vida com as famílias como atividade do curso: "Este trabalho foi um marco
desafiador e divisor de águas em minha vida profissional". A razão do desafio
foi a insegurança quanto ao que iria encontrar nos locais de moradia dos
mais pobres, enquanto a consciência se deu pelo fato de passar a entender
o quanto não conhecia da realidade dos estudantes com os quais trabalhava
a tanto tempo.
É importante chamar atenção para a indicação da significância dada
pelo cursista ao desenvolvimento da atividade de buscar informações junto
às famílias pobres beneficiárias do PBF, sobretudo para colocar conceitos
e certezas em xeque: "Diante da entrevista realizada, pude perceber a
ausência de uma visão mais crítica sobre o programa por parte da família
entrevistada.".
Nesse caso específico, a referência é ao fato de que a família via no PBF
uma dádiva e não um direito à proteção social e à garantia do bem-estar
anunciado pela Constituição (BRASIL, 1988) em seu preâmbulo. Parece que
se pode identificar uma mudança de nível de consciência sobre a questão
mediatizada pela realidade encontrada pelo mundo, como diz Paulo Freire
(2014 [1970]).
É possível questionar ainda se não seria esse o processo de superação
do nível de consciência apontado por Freire (1996) – da consciência ingênua
à consciência crítica. A esse respeito e corroborando as análises, vejamos a
próxima fala de um cursista:

O Programa Bolsa família possibilitou e ainda luta para tirar as famílias da


extrema miséria, de modo que essas famílias têm como comer, vestir e
ter dignidade humana. Hoje eu vejo o miserável saindo da miséria ex-
trema, mas não podemos dizer que a vida dessas pessoas é confortável,
podemos dizer que deixou de ser miserável. Precisamos de mais políticas
sociais para efetivá-las, tirando-as do papel, e uma responsabilidade efe-
tiva do estado (grifos nossos).

Vale retomar que o contexto de influência da política, especialmente as


práticas de sua efetivação, tem nas visões de senso comum difundidas pela
mídia forte ancoragem e ajudam a constituir as crenças e os valores também
dos sujeitos agentes EPDS (cursistas). Assim, quando há cursistas afirmando
A educação dos pobres em questão: políticas e práticas | 67

que conhecer os sujeitos concretos beneficiários do PBF em sua casa mudou


a perspectiva que tinham seja para acolhê-los, seja para criticar sua visão
sobre o PBF ou mesmo a própria, concluímos que o EPDS ajuda a consti-
tuir novas relações desses sujeitos com os pobres. Isso porque questionar
conceitos e valores de que o PBF é "esmola", de que a pessoa que aceita
receber o PBF é "parasita" da sociedade, "vagabundo", ou de que o PBF
é a salvação dos pobres etc. difundidos na sociedade não é pouca coisa,
mesmo que se esteja no início do processo.
A recuperação da humanidade roubada, como afirma Paulo Freire, é um
processo longo que se coloca cheio de obstáculos. Não se trata apenas da
incompreensão ou do pouco comprometimento de educadores e demais
trabalhadores sociais com a situação da pobreza que desenvolvem proces-
sos de culpabilização do pobre por sua situação de pobreza e até indigência,
mas também das descontinuidades das políticas governamentais que ferem
a dignidade desses humanos, que, apesar de protegidos pela Constituição
Federal, continuam fragilizados dependendo da ação responsável ou não do
governante de plantão.
Um olhar avaliativo para as escolas indica também perspectivas de mu-
danças, ainda iniciais, pelas ações desses sujeitos que adquirem uma cons-
ciência cada vez mais crítica. Algumas indicações disso estão nos projetos
de intervenção que foram montados por grupos de uma mesma escola,
pretendendo, como afirmado nos objetivos de um desses projetos que foca
os direitos humanos e que tomamos aqui com caráter ilustrativo, transformar
a realidade local:

Criar um espaço, dentro da escola, junto aos profissionais, alunos e suas


famílias para discutir e propor estratégias de enfrentamento para os pro-
blemas e consequências causadas pelas situações de pobreza e violação
dos direitos humanos, bem como ampliar o olhar dos envolvidos acerca
da temática, de modo que aquela comunidade escolar seja agente trans-
formadora na comunidade da qual faz parte (grifos nossos).

Também foram desenvolvidos projetos como o indicado envolvendo a


escola e até grupos de escolas de uma mesma região, envolvendo profissio-
nais de escolas diferentes e em conjunto com outros trabalhadores sociais,
como assistentes sociais do posto de saúde próximo ou do Centro de Refe-
rência Especializado de Assistência Social (Creas). Nos casos de envolvimen-
to de profissionais de áreas diferentes, fica explícita a geração de articulação
68 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

num movimento metodológico que vai da concretude da prática política do


local para o global, com ganhos do trabalho integrado para o município,
pois se evitam a dispersão de recursos e a ampliação da vivência cidadã,
repercutindo diretamente no sujeito beneficiário do PBF pela melhoria da
atenção e contraditoriamente pela ampliação da eficácia do controle sobre
seus agentes.
Entretanto, a prática de uma política como a de formação de quadros
para atuar com PBF no âmbito da educação requer maturação e decantação.
No momento, tais exemplos ainda não expressam tendências consolidadas,
e esse processo deve ser hoje mais valorizado pelo aprendizado de fazer
coletivo e pedagógico, que cria e possibilita quaisquer outros resultados.
Sobre esse ponto, afirma Dias Sobrinho (2000, p. 195):

Por isso, muitas vezes os mais importantes resultados dessa avaliação


não estão obrigatoriamente nos seus relatórios finais, nem são muito
facilmente percebidos e descritíveis, mas podem estar nos efeitos de
caráter educativo e político que o próprio processo engendra, notada-
mente no fortalecimento da consciência pedagógica e de envolvimento
institucional.

Considerações finais
As análises permitem concluir que os operadores e gestores do PBF
envolvidos no processo do curso EPDS passam a entendê-lo como ação
inovadora que busca a redução da pobreza e da pobreza extrema, além de
combater a fome. Mudando um pouco suas concepções iniciais, passam a
entender que o PBF significa também possibilidade de construção de alter-
nativas de geração de renda e de acesso a serviços públicos.
Dessa perspectiva, entendem que a escola pode desempenhar papel
importante no processo de promoção da cidadania dos sujeitos agentes
beneficiários do programa. Apostam, esperançosamente, nas ações de co-
laboração intersetoriais coordenadas e envolvendo a assistência social e na
oferta de qualificação para o trabalho, indicando que têm produzido efeitos
positivos.
Ao demonstrar seus aprofundamentos de compreensão, os cursistas
destacam e corroboram falas dos beneficiários do PBF que indicam vicissi-
tudes no programa, ao explicitarem, por exemplo, o entendimento de que
A educação dos pobres em questão: políticas e práticas | 69

cuidar de seus cidadãos é dever do Estado brasileiro e de que o recebi-


mento do benefício é um direito, e não benesse governamental. Entretanto,
indicam e problematizam nas condicionalidades do PBF o que entendem se
constituir contradição entre humanização, justiça social e educação, de um
lado, e eficácia, valorização do mérito e controle da cidadania, de outro.
Por fim, as ações no âmbito do curso colocadas em evidência pela pesqui-
sa discutida indicam que a educação dos filhos dos pobres e extremamente
pobres continua a representar desafios, conforme a literatura especializada
nos apresenta, embora os sujeitos agentes já detectem, entendemos, sinais
de mudança.

Referências
ALVES, J. E. D. A redução da extrema pobreza no mundo desde 1820. EcoDebate, 27 nov. 2017.
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4

Educação, Pobreza e Desigualdade


Social no Rio Grande do Norte: a
pesquisa e suas percepções
Eliana Andrade da Silva
Kilza Fernanda Moreira de Viveiros
Moisés Domingos Sobrinho
Rosângela Alves de Oliveira

Educação, Pobreza e Desigualdade Social é uma iniciativa no âmbito do


Ministério da Educação (MEC) vinculada à Secretaria de Educação Conti-
nuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi). Trata-se de uma ação
articulada aos sistemas de ensino que implementa políticas educacionais
nas áreas de alfabetização, diversidade e inclusão, tendo as universidades
públicas federais como instâncias executoras.
A Secadi iniciou em 2013 um processo de construção coletiva do pro-
grama nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Para isso, cons-
tituiu uma coordenação geral do programa composta pela Secadi e pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – Núcleo Multiprojetos de
Tecnologia Educacional (Nute). Na oportunidade, foi criado também um Co-
mitê Científico-Pedagógico que elaborou uma primeira proposta, submeti-
da posteriormente à discussão nas universidades participantes do projeto.
O referido programa se justifica pela constatação de que no Brasil tra-
dicionalmente não há diálogo entre as políticas sociais, o pensamento edu-
cacional e a formação dos profissionais que atuam na educação básica em
contexto de pobreza e de pobreza extrema. Outro fator que justificou a re-
alização de tal programa foi o cenário da época que apontava para a quase
72 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

totalidade da universalização do acesso à educação básica e o impacto da


política de Transferência de Renda na referida área:

96,7% das crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos – faixa etária corres-


pondente ao ensino fundamental – frequentaram a escola naquele ano,
representando um número aproximado de 28,2 milhões de estudantes.
Embora 3,3% de meninas e meninos ainda estejam fora da escola, é ine-
gável o significativo avanço em termos de acesso educação. Tal avanço
foi possível com a implementação de políticas educacionais e políticas
sociais articuladas à educação, a exemplo do Programa Bolsa Família
com o sistema de condicionalidades à educação, à saúde e à assistência
social (BRASIL, 2014, p. 14).

Na tentativa de enfrentar os desafios postos pela realidade, a iniciativa


Educação, Pobreza e Desigualdade Social se constituiu em torno de três
dimensões: 1) Formação continuada, concretizada por meio da implementa-
ção do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social;
2) Apoio à pesquisa sobre as relações entre educação, pobreza e desigual-
dade social; e 3) Apoio à produção do conhecimento.
Prioritariamente, a referida iniciativa atende à qualificação das demandas
de gestores e gestoras, professores e professoras da rede de educação bási-
ca pública, gestores do Programa Bolsa Família (PBF) e profissionais do cam-
po da assistência social. Esse processo formativo se insere no contexto da
Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação
Básica e da Rede Nacional de Formação Continuada dos Profissionais do
Magistério da Educação Básica Pública, e sua organização prioriza o ensino,
a pesquisa e a divulgação de conhecimentos.
O projeto inicial aspirava alcançar 30 universidades – 15 em primeira eta-
pa e posteriormente as demais. A Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN)1 executora, em primeira etapa, foi submetida ao edital para
participação por meio do Comitê de Formação Continuada (Confor), vincu-
lado à Pró-Reitoria de Pós-graduação.
Assim, a iniciativa buscou estimular, principalmente junto aos profissio-
nais envolvidos com escolas públicas e nas políticas de assistência, a reflexão
acerca da pobreza e da pobreza extrema vividas em nove polos de Educação

1 Na UFRN, foi criado um grupo composto de representantes da gestão do projeto na


universidade, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime/RN)
e da Coordenação do Programa Bolsa Família da Secretaria da Educação e da Cultura
(SEEC/RN).
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 73

a Distância (EaD) da UFRN, de modo que se buscou contemplar estrategica-


mente todos os municípios do estado do Rio Grande do Norte envolvidos
com ela, a saber: Natal, Parnamirim, Macau, Santa Cruz, Caraúbas, Currais
Novos, Caicó, Martins e Grossos. Efetivou, portanto, sua intervenção nessa
realidade social por meio da educação, ao oferecer um curso de especiali-
zação a distância2 para 400 educadores, e de uma pesquisa científica que
buscou conhecer as representações sociais dos cursistas acerca do objeto
representacional pobreza.
Nesse sentido, expomos no presente capítulo os resultados gerais da
pesquisa realizada ao longo do curso, a qual teve como objetivo principal
entender como os cursistas constroem e compartilham suas representações
sociais sobre o objeto simbólico pobreza e como essas "verdades" de senso
comum orientam suas práticas em relação ao fenômeno da pobreza e das
desigualdades sociais. Para tanto, e considerando os limites do espaço des-
ta publicação, estruturamos a exposição da seguinte forma: a) contextualiza-
ção da pesquisa; b) fundamentos teórico-metodológicos da investigação; c)
campo de observação e perfil sociográfico dos cursistas; d) estado da arte
acerca da pobreza; e) concepções de pobreza encontradas na pesquisa; f)
considerações finais.

Aspectos teórico-metodológicos da pesquisa


Em se tratando dos aportes teórico-metodológicos da pesquisa em
discussão, destacamos a Teoria das Representações Sociais. Para Moscovici
(1978, p. 26), as representações sociais constituem "[...] uma modalidade de
conhecimento particular que tem por função a elaboração de comporta-
mentos e de comunicação entre indivíduos".
Nesse sentido, elas orientam os indivíduos na apreensão e na interpre-
tação do mundo e na organização das suas condutas e formas de comuni-
cação. Dessa forma, toda representação social é a leitura particular de um
objeto, realizada por um sujeito (individual ou coletivo), a partir de crenças,
valores e informações que ele compartilha na cultura na qual se situa.

2 A UFRN, ao longo de aproximadamente 18 meses, realizou o curso Especialização em


Educação, Pobreza e Desigualdade Social (modalidade a distância) com 358 trabalhos
defendidos (trabalhos concluídos na modalidade de artigo), apresentando um índice
aproximado de 10% de cursistas desistentes e evadidos ao longo do processo de
formação.
74 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Do ponto de vista que nos interessa aqui, é importante destacar que


Moscovici (1978) considera as representações sociais como sistemas de pre-
concepções, de imagens e valores, detentoras de uma significação cultural
própria e sobrevivendo independentemente das experiências individuais,
nos sendo impostas sem o nosso consentimento, portanto de forma não
necessariamente consciente. Daí a importância de conhecermos como os
cursistas constroem e compartilham as "suas verdades" (representações
sociais) sobre o objeto pobreza e como essas "verdades" de senso comum
naturalizam o fenômeno da pobreza e, o mais importante do ponto de vista
de uma psicossociologia voltada para a intervenção, orientam suas práticas
em relação a ele.
Assim, associada à teoria das representações sociais, a pesquisa se an-
corou na teoria complementar do núcleo central formulada por Abric (1994,
2000). A teoria do núcleo central é considerada uma teoria complementar
à das representações sociais e parte da hipótese de que a organização do
conteúdo de uma representação social apresenta uma característica parti-
cular, pois os elementos que o compõem são não apenas hierarquizados,
mas também organizados em torno de um núcleo constituído de um ou mais
elementos, que dão significado à representação.
Em torno desse núcleo, situam-se os elementos periféricos explicitado-
res das especificidades dos indivíduos que compartilham um mesmo sentido
atribuído a determinado objeto. No caso da pesquisa aqui debatida, entre
os elementos imagéticos mais compartilhados pelos cursistas a respeito do
objeto pobreza encontram-se "fome", "miséria" e "sofrimento". Esses ele-
mentos são descontextualizados, em relação, por exemplo, à multidimensio-
nalidade da produção do fenômeno, reorganizados em uma nova estrutura
de conjunto, e deles são retidas apenas certas qualidades icônicas, passan-
do a gozar de uma considerável autonomia em relação ao objeto original.
Por essa razão, entre as funções exercidas pelos elementos do núcleo central
está a de resistir às ressignificações que eventualmente surjam a partir da
incorporação de novas informações e situações vividas pelos sujeitos.

Campo de observação e caracterização do universo da pesquisa


De acordo com as orientações nacionais da Especialização Educação,
Pobreza e Desigualdade Social, a população investigada se constituiu dos
cursistas vinculados ao curso, residentes em vários municípios do estado. A
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 75

coleta dos dados da TALP foi realizada de uma só vez durante a aula inaugu-
ral ocorrida em 28 de agosto de 2015. Foram entregues 377 questionários,
número correspondente ao total de presentes (embora houvesse 400 matri-
culados), mas somente 301 preencheram o instrumento.
Os dados indicam que o grupo pesquisado é composto majoritariamen-
te de profissionais da área de Serviço Social (42%), seguidos de profissionais
da área da Educação (26%). No entanto, também foram identificados profis-
sionais com formação em Nutrição, Psicologia, licenciados em Geografia, em
Letras, em Matemática, em História, em Ciências Biológicas e ainda cientis-
tas agrários, cientistas sociais e gestores públicos, embora em percentuais
muito baixos.
De modo geral, todos atuam no contexto da pobreza e da desigualdade
social. Os profissionais da área de Serviço Social atuam na implementação
de políticas e programas de assistência social, tais como o Bolsa Família,
atuando igualmente em espaços ocupacionais como o Centro de Referência
em Assistência Social (Cras) ou o Centro de Referência Especializado em
Assistência Social (Creas), enquanto os da área de Educação atuam direta-
mente nas escolas públicas e se defrontam com as expressões da pobreza
em seu cotidiano de trabalho, por meio do contato direto com os alunos que
se encontram nessa condição.
O perfil do grupo indica também que todos se graduaram durante a dé-
cada de 2000 e que o curso de Especialização em Educação, Pobreza e De-
sigualdade social tem sido, para a grande maioria, a primeira oportunidade
de pós-graduação. As razões para cursar a referida especialização, conforme
explicitado nas "cartas de intenções", documento requerido quando da ins-
crição no curso, estão ligadas diretamente à atuação profissional e puderam
ser agrupadas em duas categorias básicas: 1) Melhorar a atuação seja na
docência, seja na implementação de políticas e programas de assistência
social; 2) Contribuir para a melhoria das condições de vida dos beneficiários
de programas e políticas de educação e assistência social.
Vale destacar, ao tomar as cartas como uma fonte de dados visando
caracterizar a população, que estas são um documento escrito com a finali-
dade de convencer os avaliadores das "intenções" do candidato, portanto
com forte teor retórico. A análise do seu conteúdo, por isso mesmo, exige
um rigor epistemológico mais acurado, quando, por exemplo, são estas
confrontadas com outras fontes de dados. Além dessas justificativas, os can-
didatos alegaram também o interesse em "aprimorar-se intelectualmente",
76 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

"dar continuidade aos estudos", especialmente no aprofundamento de co-


nhecimentos sobre educação, pobreza, desigualdades e políticas públicas
(exatamente o que oferta a proposta do curso).

A estrutura dos conteúdos representacionais sobre o objeto


simbólico pobreza
Apresentamos, a seguir, o resultado das análises dos dados feitas a
partir da utilização da Técnica de Associação Livre de Palavras. Os dados
relativos às evocações e coletados por meio do questionário de associação
livre foram inicialmente organizados em um arquivo criado no Excel e depois
submetidos ao processamento do software EVOC 2005. Em outro arquivo,
desta vez no Word, foram organizados apenas os textos das justificativas
dadas às palavras consideradas mais importantes, visando submetê-las à
análise categorial de conteúdo, conforme orientam, entre outros, autores
como Bauer e Gaskell (2002) e Franco (2005).
O questionário, como já dito, foi entregue aos 377 cursistas (dos 400 ma-
triculados) presentes na aula inaugural, mas apenas 301 documentos foram
devolvidos. Destes, 25 não preencheram as condições para o tratamento e
a análise pelo EVOC, o que resultou no total de 276 questionários válidos.
Os cursistas que responderam ao questionário foram distribuídos pe-
los polos e respectivos municípios aos quais estavam vinculados até aquele
momento (Tabela 1). Neles, realizam-se os encontros entre os "tutores pre-
senciais" e os alunos.
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 77

Tabela 1 – Distribuição dos questionários respondidos por polo/turma

Polo/turma n. %

Caicó 37 12%
Caraúbas 26 9%
Currais Novos 25 8%
Grossos 13 4%
Macau 15 5%
Martins 24 8%
Natal 1 33 11%
Natal 2 38 13%
Natal 3 35 12%
Nova Cruz 33 11%
Parnamirim 22 7%
Total 301 100%

Fonte: dados obtidos por meio do questionário da TALP e das fichas de identificação dos
cursistas.

No cômputo geral, foram evocadas 1032 palavras, sendo 324 diferentes,


correspondendo a 31,4% do total. Observamos, ainda, que 217 palavras fo-
ram evocadas uma única vez, o equivalente a 21% do total, ou seja, quase
um quarto das evocações foi de palavras usadas uma única vez, indicando
a diversidade de formas de se referir ao objeto simbólico pobreza. Isso, por
sua vez, está relacionado à heterogeneidade da composição da população
– origem social, formação profissional, distribuição geográfica e inserção em
diferentes sistemas culturais representados pelos municípios e regiões do
estado e visões ideológicas em relação ao fenômeno da pobreza, como se
verá na análise das justificativas dadas às evocações consideradas as mais
importantes.

Análise das justificativas dadas à palavra considerada a mais


importante
Na terceira fase do questionário, solicita-se que o sujeito escreva uma
justificativa para a palavra considerada a mais importante. Trata-se, portan-
to, de uma etapa na qual se pede a produção de um discurso de caráter
78 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

mais racionalizado e retórico sobre o objeto. Dessa forma, foram constitu-


ídas categorias referentes aos sentidos atribuídos aos elementos centrais
"desigualdade" e "exclusão".
A partir dessa análise, pôde-se inferir que a estruturação das evocações
aponta para os seguintes resultados: a) a existência de discursos sobre o
objeto que indicam uma leitura deste de caráter científico, não fazendo,
portanto, parte do que Moscovici (1978) denomina representações sociais;
b) a existência de produções discursivas que indicam a presença de repre-
sentações de caráter ideológico, e, por conseguinte, uma variação do senso
comum; c) uma representação social tal como conceitua a teoria. Antes de
darmos exemplos desses resultados, algumas considerações de caráter
epistemológico precisam ser feitas.
Sá (1996) apresenta as quatro propriedades relativas às cognições cen-
trais: valor simbólico, poder associativo, saliência e forte conexidade na es-
trutura. As duas primeiras são qualitativas, ditadas pela Teoria das Represen-
tações Sociais; as duas últimas são quantitativas e decorrem das anteriores.
O valor simbólico reside no fato de o elemento central manter com o
objeto da representação uma estreita relação, não podendo ser dissociado
dele. Do contrário, o objeto representado perderia de todo a sua significa-
ção. O poder associativo refere-se à sua forte relação com os demais ele-
mentos da representação. Já a saliência é resultante das duas características
anteriores. Assim, desigualdade e exclusão são sentidos estreitamente vin-
culados ao objeto pobreza, daí seu peso simbólico e valor associativo com
os demais elementos que emergem do processo de associação de palavras
e figuram nos quadrantes.
Outro princípio a considerar: o núcleo central é sempre composto de um
ou alguns elementos que dão visibilidade ao resultado do trabalho coletivo
para objetivar o objeto representado, isto é, dar-lhe uma existência concreta
para o grupo, e ancorá-lo, isto é, atribuir-lhe um sentido que o torne familiar
– dois processos fundamentais na construção de uma representação social.
Esclarecendo: o processo de objetivação, para Moscovici (1978), está
relacionado à construção da face imagética da representação, ou seja, ao
processo pelo qual o que é abstrato passa a assumir uma "presença" quase
tangível para os sujeitos. O conceito abstrato de pobreza, nesse caso, é ob-
jetivado como fome, miséria, necessidade, por exemplo, pois temos outros
sentidos a explorar com a análise mais ampla do banco de dados, como
faremos ao longo da apresentação dos resultados.
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 79

O mesmo acontece com a ancoragem, processo por meio do qual o


desconhecido torna-se familiar porque passa a ser significado com base nos
referentes culturais, históricos e identitários do grupo. Na pesquisa em tela,
a ancoragem do objeto representacional pobreza efetiva-se em desigualda-
de e exclusão, ou ainda em injustiça e vulnerabilidade.
É necessário enfatizar que Moscovici (1978) alerta para não separarmos
esses dois processos, principais responsáveis pela estruturação da repre-
sentação social dada pelos componentes figura/significado, tão interligados
como se fossem as duas faces de uma moeda. Inútil, então, perguntar quem
vem antes ou depois.
Com base no que dissemos acima sobre os resultados das análises das
justificativas, no primeiro caso, encontramos discursos sobre o objeto que
fazem referência a uma explicação de caráter científico, portanto não se con-
fundido com as representações do objeto que expressam um conhecimento
"ingênuo" e meramente descritivo dele ou que o reduzem ao econômico,
às políticas públicas ou ainda à educação como saída redentora, como se
apresenta a seguir:

Vivemos em uma sociedade capitalista, nesse tipo de modo de produção


a renda que é socialmente produzida não é distribuída coletivamente,
ou seja, é privada, causando cada vez mais as desigualdades sociais. A
pobreza, portanto, é produzida e reproduzida socialmente, causando
nessa população cada vez mais vulnerabilidade e risco social. Mas a
pobreza não é apenas ausência ou dificuldade de acesso aos direitos; é
também e, principalmente, ausência de possibilidades de enfrentamento
às questões sociais que são reflexos desse modo de produção (Natal III).
A desigualdade gerada pelo modo de produção capitalista se agrava
mais com o Estado mínimo, caracterizado pela ausência de políticas
públicas que atendam aos direitos básicos do cidadão, gerando a falta
de acesso destes aos direitos sociais legalmente instituídos, porém não
efetivados, agravando a pobreza e a extrema pobreza em nossa socieda-
de (Parnamirim).

No segundo caso, o das representações ideológicas, a face icônica do


objeto (pobreza) materializa-se na forma pela qual é percebido, isto é, arti-
culando conhecimentos de base econômica, política e educacional e dando-
-lhes uma conotação crítico-ideológica. A estrutura da representação pode
ser ilustrada como se segue:
80 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Desigualdades/desigualdades sociais (econômica e educacional)

Má distribuição de renda/falta de educação

O estado da arte acerca do fenômeno pobreza


Para a análise das articulações entre educação, pobreza e desigualdade
social, foco do nosso estudo, faz-se necessário apresentar o contexto no
qual se insere a investigação, por compreendermos que a pobreza e a desi-
gualdade social se expressam nas práticas pedagógicas dos(as) profissionais
envolvidos(as) na Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade So-
cial no Rio Grande do Norte.
Em virtude das expressões cada vez mais agudas da pobreza, o debate
sobre as formas de enfrentá-la se amplia no Brasil, sobretudo no contexto
de crise econômica. Na realidade brasileira, os dados apontam a existência
de uma brutal desigualdade social e econômica, pois os 10% considerados
mais ricos detêm 75% da riqueza total, enquanto os 90% mais pobres ficam
com apenas 25% da riqueza produzida. Esses dados acompanham um movi-
mento mais geral de concentração de renda e riqueza na América Latina, já
que é constatado que mais de 40% da população é pobre e 15% a 20% dela
são considerados indigentes.
O Rio Grande do Norte é um estado que se insere predominantemente
na região do semiárido brasileiro, e, de acordo com a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio 2011, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geogra-
fia e Estatística (IBGE) em setembro de 2012, apresenta o maior número de
desempregados do Nordeste, com 9,6%. Ocupa o segundo lugar no país,
perdendo apenas para o Amapá, com 12,9%. O índice de concentração de
renda no estado demonstra que 1,7% da população recebem mais de 20
salários mínimos, enquanto 55% sobrevivem com até dois salários mínimos.
Por outro lado, o Rio Grande do Norte tem a maior renda média do Nor-
deste. Os potiguares recebem um salário médio de R$ 1.034, e, segundo
o estudo, a economia potiguar é sustentada pelo setor de gás e petróleo
e pelo funcionalismo público. Diante desse cenário, podemos inferir que o
fenômeno da pobreza se faz presente na realidade norte-rio-grandense e
segue uma tendência mais geral observada tanto no Brasil como em alguns
países latino-americanos.
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 81

Em termos históricos, a pobreza se constitui como fenômeno persistente


na sociedade brasileira, a qual experimentou distintos processos políticos,
econômicos e sociais, mas não conseguiu superar essa problemática que se
atualiza e, ao mesmo tempo, recupera traços do passado. Nesse sentido,

[...] a pobreza contemporânea arma um novo campo de questões ao


transbordar dos lugares nos quais esteve configurada "desde sempre":
nas franjas do mercado de trabalho, no submundo da economia informal,
nos confins do mundo rural, num Nordeste de pesada herança oligárqui-
ca, em tudo o mais, enfim, que fornecia (e ainda fornece) as evidências da
lógica excludente própria das circunstâncias históricas que presidiram a
entrada do país no mundo capitalista (TELLES, 2013, p. 16).

Dessa forma, a pobreza pode ser compreendida como um fenômeno


que engloba renda limitada, exclusão e subalternidade. Para efeito da pes-
quisa Educação, Pobreza e Desigualdade Social, partimos da hipótese de
que o fenômeno da pobreza se expressa de inúmeras formas e, no âmbito
da educação, demonstra particularidades ao criar um contexto desafiador
para o desenvolvimento das práticas pedagógicas.
Diante desse cenário, os profissionais que atuam nos contextos de pobre-
za precisam avançar no conhecimento do lugar social de origem dos sujeitos
que compõem o público das ações de transferência de renda, especialmente
no âmbito escolar. É, portanto, diante desse contexto que a iniciativa Educa-
ção, Pobreza e Desigualdade Social e a pesquisa As representações sociais
dos cursistas acerca da pobreza se realizam: um contexto caracterizado por
desigualdades sociais crescentes, cujas marcas se expressam na vida das
classes populares as quais vivenciam uma série de adversidades.
O referido contexto não atinge apenas os denominados pobres, mas
também é experimentado de maneira distinta pelos profissionais que atuam
em tais situações (assistentes sociais, educadores, entre outros), tendo em
vista que o fenômeno da pobreza gera uma série de demandas e desafios
para esses profissionais. Por essa razão, o entendimento do fenômeno da
pobreza, de seus efeitos, suas expressões e estratégias de enfrentamento se
constitui como tarefa necessária para impulsionar a atuação desses sujeitos.
Na conjuntura brasileira contemporânea, os estudos acerca da pobreza
têm sido ampliados nas últimas décadas. O fenômeno da pobreza se cons-
titui como preocupação de diversas áreas de saber, como a Economia, a
Educação, o Serviço Social, entre outras profissões que têm dedicado consi-
derável espaço para discussões sobre o fenômeno.
82 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Em uma perspectiva tradicional, a pobreza tem sido concebida como ca-


rência de renda e como óbice ao desenvolvimento, devendo ser erradicada
e combatida. Nessa perspectiva, sua mensuração estava ligada sobretudo
à renda per capta dos indivíduos ou famílias e sua capacidade de consumo.
No entanto, a análise do fenômeno da pobreza demanda a articulação de
diversos fatores que extrapolam a renda individual e o poder de consumo
das unidades familiares.
Nesse sentido, partimos do pressuposto de que o entendimento da
temática requer uma abordagem multifatorial. Em termos analíticos, enten-
demos que a pobreza não se reduz a privações materiais e pode ser consi-
derada uma categoria multidimensional. Recorremos aqui às reflexões de
Yasbeck (2012), que inicia suas análises afirmando que a pobreza se revela
como uma face do descarte de mão de obra, fenômeno resultante das for-
mas de expansão da economia capitalista.
Ainda segundo Carmelita Yasbeck (2012, 2012, p. 318), o fenômeno da
pobreza se constitui como

[...] uma experiência de desqualificação dos pobres por suas crenças, seu
modo de expressar-se e seu comportamento social, sinais das "qualida-
des negativas", em que o pobre não sofre apenas "privações materiais",
mas também desqualificação social, alcançando o plano espiritual, moral
e político dos indivíduos submetidos aos problemas de sobrevivência.

No que se refere às concepções de pobreza, uma interessante sistema-


tização pode ser encontrada em Siqueira (2013), conforme podemos ver no
Quadro 1:
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 83

Quadro 1 – Tendências sobre a concepção de pobreza e principais autores

Tendência Concepção Principais autores


Pobreza e sua dimensão econômica
Pobreza/necessida- expressa através da carência. O
Aldaíza Sposati
des e carência pobre é visto como necessitado ou
carente.

Pobreza/ Vinculação da pobreza com subalter-


subalternidade/ nidade. Supõe relações de desigual- Carmelita Yasbeck
exclusão dade entre dominantes/subalternos.

Pobreza é entendida como popular.


Já o pobre se revela como uma parte
Pobreza e o popular do povo. Inclui também a ideia de Maria Ozanira Silva
ação dos assistentes sociais junto às
classes oprimidas.
Põe como central a relação pobreza
e cidadania, na qual comparece o
Pobreza e cidadania conceito de cidadania em Marshal.
Sônia Fleury
invertida Cidadania como como conjunto de
direitos. Portanto a falta de direitos
revela uma "não cidadania".

Robert Castel, Boaventura


Advinda das áreas de geografia,
de Souza Santos e Antonny
urbanismo, demografia e saúde. Con-
Giddens. Elaborações do
Pobreza/risco/ cepção que vincula a pobreza com
Banco Mundial e Cepal
vulnerabilidade contextos de risco e vulnerabilidade
têm defendido essa visão.
social. O pobre é, nessa concepção,
Incluída na política Nacio-
alguém em desvantagem social.
nal de Assistência Social

Pobreza compreendida como


ausência de poder ou fragilidade. Deepa Narayan, Boaventu-
Pobreza/ausência
Assim, o empoderamento seria uma ra de Souza Santos, Vicente
de poder
alternativa para resolução de proble- Faleiros
mas sociais.

Pobreza/
A pobreza como privação de capaci-
oportunidades e Amartya Sem
dades básicas.
capacidades

Pobreza articulada à desigualdade


social de forma que se constituem
Pobreza/lei geral da
como fenômenos gerados pelo capi- Karl Marx
acumulação
talismo que se explicam por meio da
Lei Geral da acumulação.

Fonte: SIQUEIRA, 2013.


84 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

A partir dessa sistematização, podemos assinalar que há várias concep-


ções do fenômeno da pobreza e que entre as citadas visões há consensos e
dissensos. Um campo de consensos pode ser identificado entre as concep-
ções de Marx, Sposati, Yasbeck e Silva, as quais partem de análises estrutu-
rais e econômicas. Outro campo de aproximação se encontra entre as visões
de Fleury, Robert Castel, Boaventura de Souza Santos e Antonny Giddens,
Amartya Sen, Deepa Narayan, Boaventura de Souza Santos, Vicente Faleiros.
Esse conjunto de concepções tem em comum uma ênfase nos processos
culturais e políticos em suas análises. De maneira global, há entre esses dois
grupos de concepções uma polarização que põe, de um lado, análises de
cariz econômica, e, de outro, análises que privilegiam as dimensões política
e cultural.
Malgradas as diferenças teóricas entre esses grupos de autores e suas
concepções, identificamos por meio da pesquisa que no cotidiano dos cur-
sistas (entrevistados) essas visões se fundam, criando um "mix" de concep-
ções que influenciam os profissionais e que se expressam em suas ações
diárias. Essas concepções de pobreza são um demarcador relevante para
a atuação desses profissionais, tendo em vista que majoritariamente atuam
com segmentos pauperizados da sociedade.

Concepções de pobreza encontradas na pesquisa


Os dados extraídos a partir das justificativas dos entrevistados revelam
as influências das matrizes teóricas nos discursos sobre a concepção de po-
breza. Assim, uma primeira aproximação com os dados revela uma tendên-
cia de que a pobreza esteja associada à questão das oportunidades. Nessa
linha de raciocínio, os cursistas interpretam que a pobreza se desenvolve ou
se manifesta tendo em vista a falta de oportunidades para os pobres.
Essa tendência foi identificada com maior intensidade na região metro-
politana de Natal. Em termos teóricos, a perspectiva das oportunidades tem
seus desdobramentos teóricos advindos das elaborações de Amartya Sen
(2010). Em sua acepção, a pobreza está ligada à falta de oportunidades. "Po-
breza econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de
obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a opor-
tunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso a água
tratada ou saneamento básico." (SEN, 2010, p. 17).
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 85

Outra tendência que a pesquisa revela é situar a pobreza como priva-


ção, que comparece associada a elementos como condições mínimas para
manter um indivíduo vivo, tais como alimentação e demais direitos sociais
como educação, moradia, habitação. A associação de pobreza e privação
é analisada por Sen (2010). Para o autor, o desenvolvimento é visto como
expansão das liberdades substantivas. Nesse sentido, o desenvolvimento
"[...] requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade:
pobreza, tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social
sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância excessiva de
Estados repressivos." (SEN, 2010, p. 16).
Assim, as justificativas das palavras evocadas revelam a existência de
concepções nas quais a pobreza está relacionada às condições básicas-bio-
lógicas de sobrevivência, tais como a alimentação, já que a pobreza aparece,
em alguns casos, associada à fome. No entanto, também comparece na pes-
quisa a perspectiva de que há elementos básicos, mas não biológicos, que
são necessários à existência dos indivíduos.
Temos uma síntese desses discursos no Quadro 2.
Nesses dados, identificamos que não há concepções puras, mas, sim, a
combinação de distintas matrizes teóricas que se apresentam nos discursos
dos entrevistados, provenientes especialmente das visões de Sonia Fleury
nas suas análises sobre a "cidadania invertida" ou "condição de não cida-
dania", quando os entrevistados articulam a pobreza à falta de garantias
sociais mínimas que torna os pobres "não cidadãos". Identificamos também
a presença das análises realizadas por Aldaisa Sposati acerca das carências
e necessidades dos indivíduos, a partir da noção de mínimos sociais e das
reflexões sobre as necessidades sociais que podem ser classificadas como
necessidades básicas e necessidades radicais (com base nas análises de Ag-
nes Heller), bem como a discussão da privação de capacidades a partir das
análises de Amartya Sen (2010).
Identificamos ainda a noção de pobreza como geradora de vulnera-
bilidades sociais e risco social presente no conteúdo de algumas políticas
sociais, como é o caso da assistência social. As matrizes intelectuais dessa
concepção estão ancoradas sobretudo nas propostas do Banco Mundial.
Um aspecto importante é que na pesquisa comparecem diversas con-
cepções sobre os pobres. Nesse caso, identificamos a presença das análises
de Aldaiza Sposati na identificação do pobre como carente, conforme os
dados expostos no Quadro 3:
86 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Quadro 2 – Pobreza e condições básicas

Polo/
Discurso
Questionário
(Natal 3/320) Falta de oportunidades, porque essa condição limita o sujeito a
diversas perspectivas: ir, vir, dinheiro limitado necessário para a
prioridade alimentação, por exemplo, condições insalubres de
vida, a questão alimentar abaixo do necessário para o ser huma-
no, e essas condições subumanas fazem com que as doenças
físicas e psicológicas se instalem. E, por fim, falta de políticas
públicas efetivas que tragam resultados positivos
(Natal 2/268) O acesso a serviços, renda, programas, benefícios, oportunida-
des etc. garante uma maior possibilidade de melhoria da quali-
dade de vida. A população em geral podendo acessar direitos
básicos de sobrevivência e mínimos sociais abrirá caminhos
para…
(Natal 2/280) Pobreza é ausência de mínimos necessários que garantam a
dignidade humana. Essa ausência se caracteriza como exclusão,
negação e violação de direitos humanos, que atingem crianças,
adolescentes, jovens, adultos, idosos. A pobreza caracteriza-se
pela falta tanto na dimensão econômica como na condição de
cidadão, sujeito de direitos.
(Natal 2/252) Desemprego. Porque a falta de trabalho está condicionada à
falta de alimento, moradia, às condições de vida e ao sofrimen-
to, e sem isso a pessoa está submetida a uma situação precária
de desigualdade social.

Fonte: elaboração própria.

Quadro 3 – Definição de pobres

Definição de pobre
Sem voz e sem vez Pouco esclarecido sobre seus direitos
Privado de direitos Pouco educado
Vulnerável Sem conhecimentos
Discriminado Sem oportunidades
Desamparado Excluído
Que não tem vez/direitos África no Brasil
Classes menos favorecidas Camadas menos favorecidas
Carente/mais carentes Classe média baixa/classes populares
Desfavorecido Privado de direitos
Marginalizado Os que não (em contraponto dos que têm)

Fonte: elaboração própria.


Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 87

Diante desses dados, podemos afirmar que se apresenta nas falas a ideia
de que o pobre é um sujeito que se encontra em situação de desvantagem
social, ficando implícito que não é reconhecido como um cidadão portador
de direitos. Em algumas entrevistas, fica explícita a ideia de que os pobres,
por vezes, são responsáveis pela sua condição de pobreza.
Assim, a pesquisa mostra uma tendência de culpabilização do indivíduo
pela sua condição de pobreza. Nessa visão, a pobreza seria resultado de
alguns fatores de responsabilidade do indivíduo. No entanto, uma entrevis-
ta se destaca ao apontar a responsabilidade do Estado quanto à reprodu-
ção da pobreza, bem como seu dever na provisão de condições sociais de
enfrentá-la.
No Quadro 4, vemos um apanhado desses discursos:
Quadro 4 – Pobreza e culpabilização do indivíduo

Polo/Questionário Discurso
(Natal 3/272) Exclusão – acredito que essa palavra seria a mais importante,
pois, além de a sociedade excluir as próprias pessoas que
vivem nessa área de pobreza, elas mesmas se excluem. Não
é preciso que outros o façam, excluindo-se as oportunidades
não irão surgir.
(Natal 1/239 ) Entre as palavras abordadas, escolhi exclusão, pois acredito
que a pobreza se insere dentro de um contexto de negações
de uma política efetiva que contemple a promoção de direitos
humanos fundamentais. Nesse sentido, a palavra exclusão
representa essa falta de engajamento e mobilização para uma
política de ruptura da desigualdade social.
(Natal 3/312) Desinformação – a escolha dessa palavra acontece porque
parte da miséria que assola a nossa sociedade se dá por
motivo de desconhecimento de seus direitos embasados na
Constituição e garantidos também por meio das políticas
públicas existentes.
(Parnamirim/389) Se uma pessoa não tem uma meta, um sonho que a leve a
pensar nas suas "perspectivas de vida", ela ficará presa a
limites pequenos. Não evolui, vive presa no mesmo lugar, es-
perando "milagres" para sobreviver à margem da sociedade
"privilegiada".

Fonte: elaboração própria.

Outra tendência identificada na pesquisa é a de conceituar a pobreza


como uma condição histórica e estrutural do capitalismo e, portanto, insu-
perável. Esse dado revela uma tendência de naturalização do fenômeno da
pobreza, que aparece como uma condição contra a qual não há saídas. Esse
88 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

tipo de dado deve ser problematizado, tendo em vista a falta de críticas dos
entrevistados a essa situação, o que indica também uma atitude passiva e
tolerante quanto ao contexto de pobreza (Quadro 5).
Quadro 5 – Pobreza como uma condição histórica e estrutural

Polo/Questionário Discurso
(Natal 1/204) A sociedade mundial atravessa constantes mudanças, que
determinam certas consequências a todos os indivíduos
globais. Como vivemos num intenso domínio social – o
modo de produção capitalista – que é extremamente
injusto, antagônico e produtor das maiores desigualdades
sociais no século XXI, ou seja, determina a condição de
pobreza e/ou pobreza extrema, e justifica a minha escolha
pela palavra injustiça.
(Natal 1/231) Historicamente, o Brasil é um país marcado pela má
distribuição de renda, de modo simples, porém menos
importante, temos muitos vivendo em péssimas condições
de vida e uma pequena minoria que vive em condições
abundantes. Temos um país com uma dívida social difícil
de saldar, porque em tudo que se volta para as classes
populares se percebe um atraso, a exemplo disso podemos
destacar a Reforma Agrária, a Abolição da Escravidão,
entre outros. Enfim, a má distribuição de renda perpassa as
outras questões elencadas.
(Natal 1/218) A pobreza é uma condição ou situação de necessidade da
lógica capitalista, pois organiza os indivíduos de uma socie-
dade na perspectiva de geração e manutenção da riqueza.
Necessidade também no sentido de carências diversas
(cidadania, educação, material), desenvolvimento.
(Natal 1/205) Considero vulnerabilidade a palavra mais importante
devido ao grande número de brasileiros que vivem em
situação de vulnerabilidade social. Tal estado (condição) faz
com que parte da sociedade brasileira viva sem o mínimo
considerável de dignidade humana.

Fonte: elaboração própria.

Se predominam as concepções de que a pobreza é um fenômeno his-


tórico, estrutural e intransponível, foi possível identificar paralelamente a
presença, ainda que pouco expressiva, de concepções que afirmam a pos-
sibilidade de superar a pobreza, bem como de que há estratégias para seu
enfrentamento (Quadro 6).
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 89

Quadro 6 – Superação e enfrentamento da pobreza

Polo/Questionário Discurso
(Natal 3/322) A pobreza é um estado que tem vários fatores que
contribuem para que se permaneça nele. Porém, o mais
importante é acreditar que ele pode ser superado, e, para
tanto, é preciso o desejo de mudá-lo.
(Natal 3/319) Atualmente, vivemos numa sociedade em que cada vez
mais cresce a vulnerabilidade social, e isso ocorre devido
à falta de políticas públicas efetivas. Para o seu enfrenta-
mento, é necessário que haja uma ampliação do sistema
educacional, o que seria um começo e tanto.
(Natal 1/208) Porque através da educação a condição de pobreza pode
ser mutável. É papel do professor desenvolver compe-
tências e habilidades que permitam ao educando, que
também é um cidadão, transformar seu quadro social.
(Natal 1/214) Diante do atual cenário mundial, em que há por parte da
sociedade a naturalização das diversas formas de violações
de direitos humanos e sociais, faz-se necessária a reflexão
diária sobre nossas intenções profissionais, principalmente
no que tange ao nosso comprometimento em formular
estratégias de enfrentamento da pobreza no Brasil.

Fonte: elaboração própria.

Um aspecto que se fez presente na visão dos cursistas foi associar a edu-
cação como estratégia de resolução da pobreza, ressaltando um pretenso
potencial da educação como elemento de transformação social (Quadro 7).
Por fim, fizemos algumas reflexões acerca dessas informações. Seria pos-
sível uma resposta ao complexo fenômeno da pobreza por meio de ações
apenas no campo da educação? As condições atuais das políticas educa-
cionais, sobretudo aquelas voltadas para a população mais pobre, seriam
capazes de retirar os pobres de sua condição?
90 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Quadro 7 – Educação como estratégia de resolução da pobreza

Polo/Questionário Discurso
(Natal 2/253) A desigualdade é produto da inexistência de políticas
votadas à educação com ênfase no desenvolvimento social,
que tem também como fonte social a estabilidade no
contexto em tela. O emprego e a renda são consequência
desse recorte. Por isso, a educação ainda é ferramenta dis-
ponível para combater essa desigualdade que assola nossa
sociedade.
(Natal 1/226) Na minha opinião, a pobreza existe devido a exclusões dos
direitos básicos e de informação, de modo que os excluídos
se tornam a grande maioria da população.
(Natal 3/303) A falta de acesso à educação básica, para mim, é conside-
rada a mais importante, por ser por meio do conhecimento
que conseguimos ser capazes de alcançar uma qualidade
de vida digna e adquirirmos conhecimentos sobre nossos
direitos e deveres como cidadãos.
(Natal 3/302 ) A pobreza pode ser considerada miséria, carência de recur-
sos mínimos para sobrevivência de milhões de pessoas que
vivem em condição de miserabilidade, que são excluídas
da sociedade. A educação é um dos instrumentos mais
importantes para minimizar os efeitos da pobreza, sendo
necessária a articulação de diversos atores e políticas, de
modo a atenuar essa desigualdade e promover a inclusão
social.

Fonte: elaboração própria.

Esses dados se aproximam da realidade identificada por Yannoulas,


Assis e Ferreira (2012) no estudo das conexões entre educação formal e po-
breza. Os dados obtidos pelos autores corroboram as informações por nós
expostas no Quadro 7, no qual a educação aparece como meio de mudança
na condição social, como estratégia de superação da pobreza e como forma
de combater a desigualdade social.
A educação aparece com uma característica redentora sem considerar
as condições da população pobre, tampouco explicitar os desafios da po-
lítica de educação pública no Brasil (sucateamento, poucos recursos etc.).
Defendemos a ideia de que a educação não pode ser compreendida dentro
de uma oposição em que ora é concebida como estratégia de rompimento
da desigualdade, ora como ação que aprofunda a mesma desigualdade.
Consideramos que educação não é sinônimo de escolaridade, e que esta
última não se configura em mecanismo direto de mobilidade social e como
fator de transformação social.
Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 91

Considerações finais
A trajetória da pesquisa aqui discutida foi realizada considerando dos
objetivos essenciais: 1) Conhecer o perfil sociográfico da população matri-
culada na Especialização Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do
Norte; 2) Conhecer os conteúdos discursivos (opiniões, imagens, percep-
ções, conceitos) utilizados por essa população para explicar o fenômeno da
pobreza.
No que se refere ao primeiro objetivo, foi possível identificar que o uni-
verso dos entrevistados é composto de um grupo heterogêneo formado por
profissionais de Serviço Social e da área de Educação. Estes se encontram
atuando nos contextos de pobreza, seja por meio da política de educação,
seja pela política de assistência social.
Os profissionais desafiados pelas circunstâncias geradas pela pobre-
za e desigualdade social buscaram, por meio do curso de especialização,
aprimorar seus conhecimentos e melhorar sua atuação. Daí concluímos que
a atuação em determinados contextos de ampliação da pobreza e da de-
sigualdade social desafia os profissionais em termos teóricos, bem como
gera grandes desafios no tocante às formas de intervenção nos referidos
contextos.
Em se tratando do segundo objetivo, a pesquisa destacou os principais
discursos expressos pelos entrevistados quanto ao fenômeno da pobreza.
Assim, foram identificadas as seguintes tendências: a) a pobreza está rela-
cionada às condições básicas-biológicas de sobrevivência (alimentação, já
que a pobreza aparece, em alguns casos, associada à fome); b) a culpabili-
zação do indivíduo por sua condição de pobreza; c) a pobreza como uma
condição histórica e estrutural do capitalismo e, portanto, insuperável; d) a
possibilidade de superar a pobreza, bem como a existência de estratégias
para seu enfrentamento; e) a educação como estratégia de resolução da
pobreza, ressaltando um pretenso potencial da educação como elemento
de transformação social.
A pesquisa ainda identificou distintas concepções sobre o pobre, as
quais demonstram falta de consenso sobre as definições de pobre e neces-
sidade de aprofundamento teórico para desvendar o contexto da pobreza
e sua reprodução social. Diante dessas tendências, o estudo demonstra o
quão complexo é o fenômeno da pobreza e que a imersão dos profissionais
em tal contexto requer momentos de formação e aprofundamentos, para
que eles enxerguem a direção de suas ações e como suas concepções se
92 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

expressam em ações concretas e geram impactos na vida dos usuários dos


serviços públicos de assistência social e educação, sujeitos classificados pe-
los poder público como "beneficiários" de programas de transferência de
renda e de programas de educação.
Concordamos com Yannoulas, Assis e Ferreira (2012) ao afirmarmos que
a pobreza e a educação poderiam se constituir como um campo específico
de reflexão. No entanto, defendemos que a pobreza seja vista como fenô-
meno multidimensional gerada por inúmeros fatores, de modo que o aspec-
to econômico seja considerado, mas associado a elementos como cultura,
política, classes, gênero, raca/etnia etc. Para tanto, um permanente diálogo
entre as áreas de saber e as profissões é condição de relevo para desvendar
e enfrentar o fenômeno da pobreza com resultados mais concretos.

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5

A pesquisa no Curso de Especialização


Educação, Pobreza e Desigualdade
Social no Maranhão
Marli Alcântara Ferreira Morais

Este relato apresenta o resultado da pesquisa "Modos de Vida e Processos


Pedagógicos na Relação Educação, Pobreza e Desigualdade Social", como
atividade do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade
Social – CEEPDS (2015 a 2017). Como um desdobramento da pesquisa "Mo-
dos de Vidas e Processos de Trabalho dos usuários do Programa Bolsa Famí-
lia, no Maranhão" (2014-2015), a sua construção e desenvolvimento buscou
atender as diretrizes nacionais1 postas para a Iniciativa EPDS nas 15 Institui-
ções Federais de Ensino Superior (Ifes)2 que ofertaram a especialização de-
limitando o estudo, na particularidade do Maranhão, para o conhecimento

1 As diretrizes nacionais foram criadas para nortear as pesquisas acadêmicas desenvolvi-


das pelas Ifes que materializaram a Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social
– Iniciativa EPDS. Em sua primeira etapa, esta materialização contemplou "[...] particular-
mente o Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Educação, Pobreza e Desigualdade Social,
desenvolvido em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação (MEC), por meio da Diretoria
de Políticas de Educação em Direitos Humanos e Cidadania e da Coordenação Geral de
Acompanhamento da Inclusão Escolar/CGAIE, com colaboração do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE)" (BRASIL, 2015).
2 As Ifes que participaram da oferta do Curso foram as seguintes: Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universida-
de Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Universidade
Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal
do Amazonas (UFAM), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal de Tocantins (UFTO),
96 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

dos modos de vida e perspectivas pessoais, profissionais e de futuro dos


alunos de escolas públicas em situação de pobreza ou de extrema pobreza.
As diretrizes gerais foram elaboradas com a finalidade de induzir a arti-
culação entre ensino, pesquisa e extensão no contexto universitário, garan-
tindo uma unidade em relação à perspectiva de aproximação dos estudos
teóricos realizados na Especialização com contextos sociais empobrecidos,
como uma oportunidade de reeducar e radicalizar o olhar tanto dos cur-
sistas, como das instituições formadoras dos profissionais, "[...] sinalizando
perspectivas de enfrentamento e alteração das circunstâncias de pobreza e
de extrema pobreza" (BRASIL, 2015). Em síntese, as diretrizes contemplavam
o desenvolvimento de estudos que possibilitassem: i) a compreensão das di-
ferentes percepções sobre o movimento de (des)construção da cidadania de
parcelas da sociedade que, historicamente, sofreram a negação de direitos
humanos básicos, tais como educação, alimentação, trabalho, moradia, se-
gurança, lazer, dentre outros; ii) contemplassem a análise das ações desen-
volvidas pelos órgãos públicos responsáveis por levar a efeito programas e
projetos incumbidos de viabilizar respostas ao desafio de superar as diversas
formas de negação da cidadania que ainda afligem um grande contingente
da população do país; iii) pesquisar sobre como se efetiva a condicionalidade
do Programa Bolsa Família (PBF) na Educação em locais empobrecidos, con-
siderando a intersetorialidade com as áreas da Assistência Social e da Saúde;
iv) conhecer as realidades locais empobrecidas em sua relação com o global,
pesquisando sobre a sua formação e seu desenvolvimento nos municípios,
nas micro e macrorregiões onde se inserem; e v) identificar e analisar como
os seguintes aspectos se transversalizam no currículo escolar – as formas de
trabalho, as mudanças nos processos de trabalho, o avanço da tecnologia e
a cultura local na sua relação com as transformações micro e macro.
Atentos às diretrizes estabelecidas, desenvolvemos a pesquisa "Modos
de Vida e Processos Pedagógicos na Relação Educação, Pobreza e Desigual-
dade Social", focando nos modos de vida de crianças e adolescentes em
situação de pobreza e de pobreza extrema, com o objetivo de dar voz às
crianças e adolescentes sob a condicionalidade do PBF na Educação3 em

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Roraima (UFRR)


e Universidade Federal do Paraná (UFPR).
3 O assunto da condicionalidade do PFB na Educação é veiculado no portal do
MEC no seguinte endereço: http://portal.mec.gov.br/component/content/
article/194-secretarias-112877938/secad-educacao-continuada-223369541/17451-acom-
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 97

relação às suas formas de pensar, sentir e agir, principalmente no espaço


escolar, na sua relação com a pobreza e com a desigualdade social.
O estudo foi vinculado à Linha de Pesquisa Modos de Vida e Processos
Pedagógicos na relação Educação, Pobreza e Desigualdade Social, do Grupo
de Pesquisas e Estudos sobre Tempo, Trabalho, Identidade e Serviço Social
(GPETISS), responsável pela execução do CEEPDS na Universidade Federal
do Maranhão (UFMA). A Universidade, assim, como as demais Ifes envolvidas
na Iniciativa EPDS, ao desenvolver o projeto de pesquisa, de âmbito local, foi
orientada a respeitar as competências e experiências das pesquisadoras e
pesquisadores envolvidos, além de permitir construir uma visão nacional da
abrangência do trabalho.
Outro aspecto relevante foi com relação à articulação das reflexões te-
óricas com os contextos escolares e sociais empobrecidos que sinalizassem
perspectivas de enfrentamento e alteração das circunstâncias de pobreza e
de extrema pobreza, cuja centralidade da pesquisa estaria na ampliação e
no aprofundamento do conhecimento da realidade, sobretudo no que se re-
fere: a) ao perfil do alunado, do corpo dos profissionais da Educação Básica
e das famílias que compõem a comunidade escolar de unidades de ensino
em contextos empobrecidos e suas trajetórias; b) às práticas pedagógicas
e sua relação com os contextos empobrecidos; c) às condições materiais e
humanas das escolas e seu "lugar" em contextos empobrecidos; d) às di-
versas estratégias de inclusão de um processo escolar de qualidade e das
pessoas nos processos que se desenvolvem no campo educacional; e) aos
processos de planejamento e gestão, entre outros relevantes; e f) quanto
aos impactos sociais e suas representações, ocasionados pela pobreza e
pela extrema pobreza, bem como quanto às abordagens históricas sobre o
desencadeamento dessa realidade local/regional no Brasil.
O formato do CEEPDS/UFMA propiciou que a pesquisa caminhasse
junto aos conteúdos dos módulos, reafirmando o objetivo de conhecer e
analisar as relações entre educação, pobreza e desigualdade social e promo-
vendo reflexões e discussões sobre as vivências de crianças e adolescentes
em circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza, em relações sociais e
políticas injustas. Seu desenho também permitiu confrontar essas vivências
com as visões predominantes nas Políticas Educacionais, na gestão da Edu-
cação e no contexto escolar da Educação Básica, visando promover a práxis

panhamento-da-frequencia-escolar-de-criancas-e-jovens-em-vulnerabilidade-condi-
cionalidade-em-educacao-do-programa-bolsa-familia-pbf-novo.
98 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

em torno de princípios político-ético-emancipatórios, assentados no direito


à vida, à igualdade e à diversidade (BRASIL, 2014).
Como pressuposto, considerou-se indispensável que os cursistas do
CEEPDS participassem desse processo de pesquisa como sujeitos na pro-
dução de conhecimento. Para tanto, foi preciso assegurar meios para incitar
o envolvimento, de fato, em todas as etapas formativas, até a realização do
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), síntese do resultado dos estudos,
pesquisas e análises. O fato de termos alunos de diversas áreas do conhe-
cimento e com olhares para além das políticas de educação proporcionou
uma visão das problemáticas destacadas sob variadas percepções, o que
enriqueceu o acervo analítico e o alcance dos objetivos. Portanto, o refe-
rencial adotado nas pesquisas dos cursistas foi estruturado de acordo com
as perspectivas de cada pesquisador-cursista, de modo que os resultados
foram apresentados em seminários e artigos, incluindo o próprio TCC.
Conforme destacado no Projeto Político-Pedagógico (PPP) do Curso
(MARANHÃO, 2014), a construção de saberes em sua relação com a prática,
sob uma perspectiva interdisciplinar, é perpassada por dimensões técnico-
-políticas, teórico-metodológicas e técnico-operativas; quanto à interdis-
ciplinaridade, é esta que traz novas exigências teóricas e práticas para os
profissionais das várias áreas de saber, quer seja quando têm de dividir o
mesmo objeto, quer seja nas relações interpessoais que estabelecem em
seus espaços de atuação, permitindo continuamente a ampliação de conhe-
cimento e a reflexão sobre como fazer. Assim, a construção de novas possibi-
lidades para pensar e agir exige, de partida, que a busca metodológica pela
unidade teoria – prática seja o elemento central de preocupação, na medida
em que é preciso conhecer mais e problematizar a questão para qualificar o
como fazer.
No presente relato, muito mais do que apresentar os resultados das
questões que nortearam a pesquisa, compartilhamos as experiências, os
desafios e as oportunidades criadas a partir do desafio de articular, em um
curso de especialização a distância, o ensino, a pesquisa e a extensão. Ti-
vemos acesso direto às salas de aulas em cerca de setenta escolas públicas
do estado do Maranhão, possibilitando não só a realização da pesquisa se-
guindo as diretrizes nacionais propostas, mas também nossa aproximação
das formas de pensar, sentir e agir das crianças e adolescentes que ousaram
expressar seus sonhos – muitas vezes cerceados pela situação de pobreza
e extrema pobreza ou até mesmo pela vigilância de alguns professores que
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 99

temiam que os alunos "falassem o que não devia". Não temos a pretensão
de generalizar as conclusões apresentadas, mas sim de compartilhar uma
experiência que ultrapassou os muros da Universidade e radicalizou o olhar
de mais de cinco mil pessoas que, de alguma forma, foram perpassadas por
essa ação de ensino, pesquisa e extensão.
A forma de exposição segue, portanto: os primeiros movimentos de
aproximação com o tema (seguindo as diretrizes nacionais); a delimitação
da pesquisa a partir da participação dos cursistas como pesquisadores e o
olhar que possuem sobre as formas de pensar, sentir e agir das crianças e
adolescentes; o percurso metodológico, com destaque para as atividades
de reflexão-ação propostas ao longo dos módulos (com destaque para as
oficinas de "Sonhos e Educação Financeira"); e os resultados, em termos
quantitativos e qualitativos, incluindo a análise da equipe de pesquisadores
e dos cursistas em um total de 258 artigos de conclusão de curso.

A pesquisa nos primeiros passos do CEEPDS/UFMA


Especificamente no Maranhão, o CEEPDS foi executado pelo Grupo de
Pesquisas e Estudos Sobre Tempo, Trabalho, Identidade e Serviço Social
(GPETISS), do Departamento de Serviço Social da UFMA. A especialização,
voltada para profissionais da Educação Básica e para quem se articulasse
com a Educação a partir das condicionalidades postas pelo PBF no Mara-
nhão, iniciou com 400 cursistas, concentrados em 16 turmas em 12 municí-
pios: São Luís, Pinheiro, Serrano do Maranhão, Barreirinhas, Santa Inês, Ba-
cabal, Grajaú, Colinas, Codó, São Bernardo, Imperatriz e Balsas. Os cursistas
pertenciam a 150 municípios, distribuídos nas 21 microrregiões do estado.
Dentre seus objetivos, seguindo o PPP Nacional (MARANHÃO, 2014), o
Curso visava o desenvolvimento de práticas político-pedagógicas que con-
tribuíssem para a transformação das condições de vivência da pobreza e
da extrema pobreza de crianças e adolescentes e que, consequentemente,
promovessem condições objetivas para viabilizar um justo e digno viver de-
finido socialmente. Nesse sentido, os conteúdos trabalhados nos módulos
do Curso propunham a análise de conhecimentos científicos sobre: a po-
breza e as desigualdades sociais em suas relações com questões étnicas,
raciais, de gênero e de espaço; a constituição dos direitos civis, políticos
e sociais, caracterizados de modo amplo como "direitos humanos"; a rela-
ção da pobreza, das desigualdades sociais e dos direitos humanos com as
100 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

políticas educacionais e outras políticas sociais voltadas para a alteração do


quadro de pobreza e pobreza extrema no Brasil; e o papel social da escola,
seu currículo, suas práticas e as implicações em relação à manutenção ou à
transformação da condição de pobreza de crianças, adolescentes e jovens
(BRASIL, 2015).
Ao iniciar as primeiras reuniões acerca do projeto de pesquisa, enten-
demos que a apreensão destes conhecimentos não poderia se dar distante
da realidade dos municípios e das escolas e, principalmente, teria de dar
voz às crianças e adolescentes pobres das escolas públicas do Maranhão.
O conhecimento teórico sobre as condições de pobreza e extrema pobreza
é base e condição necessária para pensar em mudar uma realidade, mas
não é suficiente para a superação de práticas que reforçam tais condições.
Neste sentido, com perspectiva e metodologias diferenciadas, o CEEPDS
trouxe, além do aporte teórico, atividades de reflexão-ação em cada um dos
cinco módulos, voltadas para o conhecimento das realidades das famílias,
dos problemas nas escolas e para o fomento de iniciativas voltadas para a
alteração das condições de pobreza e extrema pobreza.
Ao pensar o projeto de pesquisa, nos debruçamos sobre esse material
de estudo dos módulos, assistindo os vídeos que tratam da realidade da
pobreza e repensando as atividades de reflexão-ação para adequar as dife-
rentes realidades. As primeiras apreensões apontaram que a pobreza não
deixa de existir no momento em que as crianças e adolescentes entram na
escola, e os efeitos de tal fenômeno social se manifestam de maneira con-
tundente nos espaços de educação, produzindo tensões de diversas ordens
nas formas tradicionais de organização e funcionamento da escola regular
e na busca da qualidade da educação pública. Quanto ao reconhecimento
da pobreza, tomamos o pensamento de Arroyo (2014) para mostrar a sua
presença marcante nas escolas públicas.

É necessário perceber que a pobreza nos cerca: ela persiste dentro das
escolas, nos noticiários e em diversos estudos sociais. Nas salas de aula,
essa realidade fica evidenciada pelos corpos famintos e empobrecidos
de milhões de crianças e adolescentes que chegam às escolas, as quais
são, em muitos casos, igualmente pobres (ARROYO, 2014, p. 07).

Entretanto, como destaca o autor, a pobreza é observada pelos diferen-


tes agentes sociais somente pelo viés educacional, exacerbando a questão
dos valores:
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 101

A imagem dos(as) pobres como ausentes de valores também é reforçada


pela mídia, ao mostrar a pobreza associada à violência e a crimes como
consumo e venda de drogas, furtos e roubos. Mesmo as políticas públi-
cas e os programas socioeducativos podem, muitas vezes, carregar uma
intenção corretiva e moralizadora, que apela para a educação moral em
valores nas escolas. A pobreza, assim, acaba sendo vista somente pelo
viés educacional, ficando mascarada toda a sua complexidade como
questão social, política e econômica. Essas representações são uma
forma irresponsável de jogar para as escolas e seus(suas) mestres(as) a
solução de um problema produzido nesses contextos sociais, políticos e
econômicos, ou seja, muito além do ambiente escolar (ARROYO, 2014,
p. 10).

Concordando com o pensamento do autor, reafirmamos a constatação


de que as representações sociais têm um peso considerável sobre as repre-
sentações pedagógicas, no espaço das escolas, o que nos levou a direcionar
a pesquisa para o espaço escolar. Como destaca Arroyo (2014, p. 11), "[...] é
aconselhável dedicar dias de estudo e de oficinas para aprofundar a reflexão
sobre como as escolas, os currículos e o material didático representam os es-
tudantes pobres, suas famílias e comunidades". A conclusão do autor acerca
das atuais representações sociais não deixa dúvidas sobre a necessidade de
fomentar reflexões teóricas acerca da pobreza e dos alunos pobres.

De outro lado, é tarefa árdua para as escolas e seus(suas) gestores(as) não


se deixarem contaminar por essas representações sociais dos(as) pobres.
Difícil não ver crianças, adolescentes e jovens pobres como seres destitu-
ídos de valores, preguiçosos, sem dedicação ao estudo, indisciplinados e
até violentos. As representações sociais pesam sobre as representações
pedagógicas (ARROYO, 2014, p. 11).

Como uma espécie de direção-geral, fundamentamos nossa pesquisa


sob o entendimento de que crianças e adolescentes participam desse pro-
cesso de forma ativa e intensa, num constante processo de enfrentamento,
descobertas e modificações nas suas formas de pensar, sentir e agir. Nesse
sentido, nos termos de Araújo (2015), a representação da infância e ado-
lescência é relativa, ou seja, não é possível analisar todos os indivíduos sob
o mesmo referencial. Seu entendimento é uma construção que perpassa a
história da humanidade, no qual determinados contextos históricos, sociais
e culturais produzem diferentes maneiras de olhar esta fase da vida. A autora
destaca que
102 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

há muitas formulações teóricas acerca das formas de pensar, sentir e agir


do ser humano. A depender do tipo de abordagem e dos objetivos a que
se propõe o estudo da temática perpassa diferentes abordagens, desde
o campo da psicologia (incluindo a psicologia social), até os estudos na
área antropológica e sociológica, por exemplo (ARAÚJO, 2015, p. 03).

Nessa perspectiva, desenvolvemos a pesquisa com um enfoque pluralis-


ta, considerando a diversidade de formação dos pesquisadores, no qual se
incluiu todos os cursistas. Com relação às questões norteadoras, partimos
de algumas indagações, tais como:

Quais os impactos do aumento de alunos em situação de pobreza nas


escolas públicas?
As escolas tradicionais alteraram seus tempos e espaços, assim como
seus processos pedagógicos, para atender públicos específicos (filhos de
pais analfabetos que não conseguem dar suporte nas tarefas para casa,
indígenas, quilombolas, ribeirinhos etc.) visando contribuir efetivamente
para o rompimento do ciclo da pobreza intergeracional?
Os conteúdos curriculares e as avaliações consideraram esses novos su-
jeitos na escola, contribuindo para seu sucesso escolar e, se o fazem, de
que maneira o fazem?
Quais relações se estabelecem entre educação, pobreza e desigual-
dade social, tendo como foco as escolas que se situam em contextos
empobrecidos?

Geralmente, as pesquisas que envolvem crianças e adolescentes tendem


a escolher o público adulto para buscar respostas às suas questões median-
te justificativas que, certamente, são válidas. Porém, os estudos preliminares
e as nossas convicções teóricas apontaram para a necessidade de que os
cursistas deveriam ter essas crianças e adolescentes como sujeitos das suas
pesquisas, certamente com a condução do seu olhar "adulto". Para isso, to-
das as pesquisas dos cursistas tiveram, como tema gerador, identificar as
formas de pensar, sentir e agir dessas crianças e adolescentes em relação
aos seus atuais modos de vida e suas perspectivas pessoais e profissionais.
Dessa forma, sempre em atenção às diretrizes nacionais adotadas para a
pesquisa, levamos cada cursista a pensar nas seguintes questões:

Quem são as crianças e adolescentes sob a condicionalidade da educa-


ção e o que pensam sobre essa condição?
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 103

Quais são as formas de pensar, sentir e agir das crianças e adolescentes


diante dos processos pedagógicos que lhes são impostos nas escolas?
Que vínculos estes sujeitos constroem a partir desses processos?
Quais práticas profissionais (incluindo a gestão) podem ser desenvolvidas
para fortalecer o desejo e o interesse em estudar?
Quais são os sonhos dessas crianças e adolescentes?
Como os processos pedagógicos, articulados às disciplinas, podem
contribuir para que estas crianças e adolescentes possam sonhar, olhar
em volta, entender os problemas individuais e coletivos e vê-los como
oportunidade para agir?

O Curso, através de conteúdos curriculares, se materializou em cinco


módulos que visavam o aprofundamento de temáticas relevantes para a
compreensão cada vez mais ampliada da realidade – entendimento este
que direcionou, de fato, a proposta de pesquisa, possibilitando que cada
cursista seguisse um plano de trabalho e desenvolvesse seu projeto a partir
da realidade à qual estivesse vinculado.
O resultado dos questionários operacionalizados com os cursistas ainda
no período da seleção e matrícula e a socialização das atividades de reflexão-
-ação dos módulos Introdutório e Módulo I tanto no ambiente virtual quanto
nos encontros presenciais indicaram que as escolas não alteraram suas práti-
cas para atender as necessidades de crianças e adolescentes que estão sob
a condicionalidade do PBF na Educação. De um modo geral, apontou-se
a precariedade da educação pública nos municípios do Maranhão, com a
presença de escolas sem laboratórios de informática ou com laboratórios
funcionando indevidamente, escolas de taipa, salas multisseriadas (no Ensi-
no Fundamental), defasagem idade/série e processos pedagógicos que em
nada contribuem para o rompimento do ciclo da pobreza entre as gerações.
Observe-se, a seguir, o depoimento de um dos cursistas, com destaque
para os problemas levantados a partir da atividade de reflexão-ação do Mó-
dulo I.

Ao visitar a escola escolhida para realizar a pesquisa, foi possível relacionar


inúmeros problemas relatados através do gestor e de vários professores.
A escola, considerada como a maior de todas as escolas do município,
passa por problemas de difícil solução, segundo os profissionais que
ali exercem suas funções. Quando a gestora foi abordada, descreveu
que um dos maiores problemas enfrentado por ela é a questão da
104 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

infraestrutura da escola, depois menciona o acompanhamento familiar


e a leitura como base para a aprendizagem. Em relação aos professores,
estes citaram a estrutura da escola e outros como: climatização, distorção
idade/série, despreparo dos professores para trabalhar com alunos que
tem necessidades educacionais especiais, onde dizem [sic] que recebe-
ram número bastante acentuado de alunos nessas condições. Quanto
aos motivos que levam à evasão e baixa frequência, a gestora apontou
transporte escolar, acompanhamento familiar; e quanto aos professores,
estes consideram problemas de saúde, falta de interesses dos alunos,
contribuição negativa em relação aos pais (Fragmento de investigação –
reflexão-ação de cursista do CEEPDS/UFMA).

Dentre os problemas apresentados no contexto da escola, ganhou des-


taque a baixa frequência dos alunos. No depoimento a seguir, os motivos
são evidenciados.

São alguns dos fatores que, ao longo do acompanhamento do Pro-


grama Bolsa Família no âmbito educacional, foram relacionados como
responsáveis pela baixa frequência: tratamento de doença e de atenção
à saúde do aluno; negligência dos pais ou responsáveis; desinteresse/
desmotivação pelos estudos; abandono escolar/desistência (Fragmento
de investigação – reflexão-ação de cursista do CEEPDS/UFMA).

De acordo com a análise de mais um cursista, os problemas que mais


acontecem na escola, relacionando-os à violação da declaração dos direitos
humanos na escola, e os motivos que levam os alunos a ter baixa frequência
ou a evadir a escola podem ser entendidos a partir da seguinte explicação:

O que mais se verifica no âmbito da escola pública, em geral, relacionado


com a violação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH),
são comportamentos derivados de uma desmotivação intensa, provoca-
da, em grande parte, pelo déficit de aprendizagem escolar. Isso se deve,
em grande escala, à má qualidade do ensino público. Por exemplo, há
alunos que saem de suas casas para irem à escola, mas preferem desviar
o caminho e vão jogar futebol, para o que são bem mais motivados;
há alunos que sofrem violência em casa e que são rejeitados também
tanto em casa como na escola, o que lhes causa também grande desmo-
tivação. Sendo assim, os projetos e conteúdos pedagógicos deveriam
vislumbrar uma educação integral do aluno, mas isso não se observa.
A compreensão do fracasso escolar envolve três dimensões: a motiva-
ção, a aprendizagem e o comportamento. O que se vê nas escolas são
abordagens isoladas acerca dessas dimensões. A escola acusa à família o
problema de comportamento do aluno. Diz que ele não quer aprender;
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 105

prefere jogar bola ou conversar com os amigos. O estudante pode es-


tar com dificuldades de aprendizagem e por essa razão desmotiva-se
e, como forma de autodefesa, parte para um comportamento antisso-
cial. Por outro lado, mesmo havendo dificuldade de aprendizagem, há
aquela desmotivação pelo tipo de vida que aquele aluno leva, ou seja,
a existência de uma pobreza avassaladora. E isso leva também a um
comportamento revoltante por parte do aluno. Por isso, a escola, e seus
gestores, precisam compreender as necessidades do aluno a partir do
referido tripé. E o que se verifica nas escolas públicas é um não aten-
dimento a essas necessidades. Não há conteúdos e práticas escolares
que motivam tais alunos, expandindo suas personalidades, fazendo-lhes
desconhecer quem o são e o que podem ser e fazer. Sendo assim, o
resultado será a baixa frequência e a evasão escolar (Fragmento de inves-
tigação – reflexão-ação de cursista do CEEPDS/UFMA).

Diante de tais reflexões – e já com a proposta da pesquisa em proces-


so de finalização –, entendemos que estudos mais aproximados deveriam
acontecer junto às escolas e, mais especificamente, junto às crianças e ado-
lescentes dos níveis de Ensino Fundamental e Médio, identificando suas for-
mas de pensar, sentir e agir em relação a sua condição atual e ao seu futuro.

O amadurecimento da pesquisa no CEEPDS/UFMA: modos de


vida das famílias e formas de pensar, sentir e agir das crianças e
adolescentes
A pesquisa em destaque foi um desdobramento do projeto "Modos de
Vida e Processos de Trabalho dos usuários do Programa Bolsa Família, no
Maranhão", que tinha como objetivo analisar as formas contemporâneas
de viver, pensar, sentir, agir e se expressar de usuários do Programa Bolsa
Família no estado maranhense compreendendo os seus modos de vida e
de trabalho, as contradições, as lutas e os desafios. Contemplado, na sua
execução, com quatro bolsas PIBIC/UFMA/CNPq/FAPEMA4 e alinhado com
o desenvolvimento da especialização, o projeto teve como objeto a identi-
ficação e análise de diferentes maneiras de vida e trabalho das famílias de
crianças e jovens em situação de pobreza inseridos no PBF, na perspecti-
va de apreender as especificidades das formas de pensar, sentir, agir e se

4 Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica/Universidade Federal do Ma-


ranhão/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/Fundação de
Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão.
106 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

expressar desses sujeitos, considerando os diferentes processos de trabalho


sob a lógica do capital, na particularidade do estado do Maranhão.
Como é destacado no PPP Nacional (BRASIL, 2014), uma das finalidades
do Programa é induzir a articulação entre ensino, pesquisa e extensão, no
contexto universitário, sobre a relação entre pobreza e desigualdade social
e suas repercussões para a formação educacional de crianças e jovens em si-
tuação de pobreza. Propunha-se a promover reflexões e discussões sobre as
vivências dos sujeitos em circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza,
na perspectiva de fortalecer a política educacional e o sistema de proteção
social, como parte das estratégias dos Ministérios da Educação (MEC) e do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
A partir dos quatro planos de trabalho desenvolvidos por alunos de gra-
duação em Nutrição e Serviço Social da UFMA envolvendo adolescentes
sob a condicionalidade da Educação, assim como famílias que têm crianças
e adolescentes na escola, os resultados parciais indicaram importantes ques-
tões que nos direcionaram para atividades específicas de extensão, a serem
desenvolvidas pelos cursistas do CEEPDS com a participação de alunos de
diferentes graduações, de universidades públicas e privadas. Descrevemos,
a seguir, alguns resultados destas investigações.
No plano de trabalho intitulado "CONTRADIÇÕES, LUTAS E DESAFIOS
que permeiam os modos de vida dos adolescentes, beneficiários do pro-
grama Bolsa Família, estudantes de escola pública no Maranhão", a bolsista
Oliveira (2015) destacou que cada uma das cidades pesquisadas apresen-
tou especificidades e que, no entanto, elas evidenciam a eminente força do
capital na feição do comércio, do turismo e do descaso com a educação
pública. Assim, os resultados se mostraram diferenciados ao ratificar hete-
rogêneas condições de adolescências existentes em um mesmo contexto
de estado social: a pobreza. As percepções dos adolescentes sobre essa
condição foram semelhantes: em média, 50% dos entrevistados disseram
que ser pobre é não ter o que precisa, significa sofrimento e salário insufi-
ciente para viver; contudo, mais de 90% veem, no estudo, um modo de agir,
o único meio de superar a pobreza e a desigualdade social. Na forma de
sentir desses sujeitos, percebe-se a seguinte contradição: nos lugares onde
estão, não são vistos, sentem-se invisíveis. Na relação com a cidade em que
residem, o cotidiano os exclui. Já na maneira de pensar, a luta é entendida
através de representações associadas à coragem e ao desejo de mudança.
As concepções sobre os desafios configuram um jeito de ver o dia a dia, em
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 107

que notam as dificuldades enfrentadas e, de uma maneira bem particular, as


demonstram. Assim, concluiu-se que, no Maranhão, não existe adolescên-
cia, mas adolescências, com sujeitos ligados a um território especifico, com
costumes e condições socioeconômicas diferentes, e que demandas de es-
tudos precisam ser realizados para embasar políticas públicas direcionadas
para a juventude e programas sociais que desconstruam o senso comum
que estigmatiza o adolescente pobre.
O outro plano, voltado para as "FORMAS DE PENSAR E SENTIR dos
adolescentes sob a condicionalidade da educação no Programa Bolsa Fa-
mília", desenvolvido pela graduanda Pereira (2015), apontou para a relação
estreita que os adolescentes fizeram entre o seu futuro e o significado da
escola na sua vida. Muitos relataram que a escola representava o seu próprio
futuro, pois estavam ali para "aprender", para "se formar" e "melhorar de
vida". Assim, de acordo com as respostas, eles, em sua maioria, afirmaram ir
para a escola com o objetivo de construir bases para a organização de uma
vida diferente, para projetar aquilo que desejam ser e ter. Essas vontades
conectam-se, majoritariamente, à ideia de alcançar a inserção em um curso
de ensino superior e acumular recursos financeiros.
Os outros dois planos se voltaram para pesquisas com as famílias. O pla-
no sobre "A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E DA VIDA PRIVADA das fa-
mílias usuárias do Programa Bolsa Família, no Maranhão", desenvolvido pela
bolsista Morais (2015), revelou que os modos de vida de diversas famílias
usuárias do PBF são permeados por dificuldades em relação ao acesso ao
emprego, à renda e a uma educação e saúde de qualidade. Foi possível per-
ceber que todas elas almejam sair da linha da pobreza, ressaltando-se a luta
das mães para que seus filhos entrem em uma "boa faculdade" e rompam
com o ciclo da pobreza contínua entre as gerações. O Maranhão, apesar de
estar em processo acelerado de desenvolvimento econômico, ainda está en-
tre os estados mais pobres do Brasil, com reduzidos investimentos governa-
mentais na área da Educação e sem o alcance de universidades públicas em
todos os municípios, quer seja nas modalidades presenciais, semipresenciais
ou a distância. Além de ações na perspectiva de solucionar esses problemas,
as famílias apontaram a urgência de combater a corrupção e o estimular a
efetivação de políticas de emprego e de renda que, em conjunto com o PBF,
contribuam para que os beneficiários possam, realmente, sair da linha da
pobreza. Quanto à erradicação da pobreza nesses municípios, segundo as
famílias, é algo que só pode ser alcançado pelo comprometimento, tanto
108 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

por parte do governo quanto pela sociedade em enfrentar a grande desi-


gualdade na distribuição do Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios. Sem
essas mudanças, a maioria das famílias não quer/não pode deixar de receber
o benefício, pois o dinheiro, na maioria das vezes, já está destinado a algo,
e essas pessoas sabem que conseguir um emprego é incerto, já que não só
não há oferta suficiente, como também não têm "estudo" para todos, como
relataram os entrevistados.
No plano "TEMPOS DE TRABALHO, DESCANSO E LAZER no cotidia-
no das famílias usuárias do Programa Bolsa Família", a aluna de graduação
Pinho (2015), a partir de recorte específico, buscou uma aproximação dos
estudos teóricos ao contexto social em que vivem as famílias empobrecidas,
bem como aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade social.
A pesquisadora percebeu, no discurso dos usuários do PBF, que o lazer está
condicionado à apropriação mercantil do tempo livre por parte do capital;
para a maioria, o lazer está condicionado ao consumo, enquanto o descanso,
às vezes, torna-se inexistente devido às responsabilidades do trabalho, da
casa e dos filhos. Destacou-se, ainda, que outra questão polêmica se refere
a estereótipos, impregnados de senso comum, que afirmam que as famílias
"se acomodam" e "deixam de trabalhar por causa do Bolsa Família". No
que tange ao perfil das famílias beneficiadas pelo Programa, os resultados
obtidos mostraram exatamente o contrário dessa visão de mundo estigma-
tizada que boa parte da população comunga ser a verdadeira. Constatou-se,
segundo declaração das próprias famílias, que só a renda do Bolsa Família
não é suficiente para manter as despesas de casa, sendo o trabalho uma ati-
vidade necessária para garantir o sustento familiar e arcar com os custos de
alimentação, material escolar, medicamentos, entre outros. Nesse sentido
cabe pontuar, aqui, que este benefício é apenas um aparato social perso-
nificado em renda complementar que serve, por um determinado período
de tempo, como auxílio para as famílias que não têm renda fixa e vivem em
condições precárias de sobrevivência. Dessa forma, observa-se que, por ne-
cessidade de subsistência e por falta de oportunidades dignas e igualitárias
que visem o bem-estar de todos (e não apenas de uma pequena parcela da
população), os indivíduos desprovidos e alocados como exército de reserva
nesse mercado altamente competitivo e excludente, submetem-se a condi-
ções precárias e alienantes de trabalho que, muitas vezes, provocam até mes-
mo o adoecimento. Por sua vez, essas condições inconstantes de trabalho
também lhes roubam o tempo de descanso, essencial para reestruturação
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 109

das forças físicas e psicológicas destes trabalhadores que, algumas vezes,


atuam como se fossem seres humanos de ferro.
Além desses estudos, desenvolvidos no Módulo I, os cursistas, a partir
de um roteiro estabelecido, realizaram entrevistas com famílias que tinham
alunos em escolas públicas. Os resultados caminham na mesma direção dos
resultados da pesquisa parcial sobre os modos de vida e processos de traba-
lho das famílias usuárias do Programa Bolsa Família. A maioria dos homens e
mulheres dessas famílias, que chegam a ter até 15 filhos, apesar de demons-
trarem maior preocupação com a frequência escolar dos filhos do que com o
aprendizado, desejam que eles tenham um futuro diferente, principalmente
quanto às condições de trabalho. As famílias sentem dificuldades em man-
ter a disciplina sobre os adolescentes, que faltam ou largam a escola por
motivos diversos (desde acompanhar os pais no trabalho, não ter realizado
as tarefas escolares, gravidez, envolvimento com drogas, necessidade de
trabalhar, dentre outros). Quanto aos adolescentes que estão frequentando
a escola, estes se sentem inseguros quanto ao futuro.
Ao socializar os resultados das entrevistas nos 16 polos/municípios do
Curso, identificamos que, apesar das particularidades de cada família nos
diferentes municípios, todas trabalham em atividades informais para garantir
o seu sustento, ressaltando-se a importância do benefício do Bolsa Família
como renda "certa", que possibilita a ida e a permanência dos filhos na esco-
la. Os dois depoimentos a seguir, oriundos de famílias diferentes e colhidos
nas pesquisas dos cursistas, ilustram esta lógica.

É a principal renda, pois o dinheiro da bolsa família é maior do que meu


marido ganha na roça. Às vezes, quando aparece, ele faz uma diária para
outras pessoas, pagam R$ 35,00. Eu compro mercearia (alimentação,
produtos de limpeza e higiene), roupas e calçados para meus filhos, para
mim mesmo, só quando dar. Também compro remédios (Fragmento de
Entrevista – famílias com alunos beneficiários do PBF).
Eles comem de tudo, se der pedra, eles comem, mas, aqui, a gente come
muita caça (tatu, cutia e outros). Eles têm feijão e arroz todo dia, e na
escola tem um lanche, de vez em quando, mas tem (Fragmento de Entre-
vista – famílias com alunos beneficiários do PBF).

Quando discutimos, coletivamente, as socializações das entrevistas


nos municípios, constatamos um grande diferencial da atual geração com
a geração de seus pais/responsáveis: se estes, em sua maioria, são analfa-
betos, as crianças e jovens já não o são e, apesar da insegurança (pessoal e
110 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

intelectual), sonham com um futuro diferente (montar um negócio, ter um


emprego formal, fazer uma faculdade). Os pais entrevistados também so-
nham com um futuro melhor.

O que eu quero para meus filhos quando crescer, eu quero que eles se
formem, sejam pessoas boas, não precisa ser nenhum doutor, só não
quero que roubem, que virem assassinos, pois o mundo tá cheio disso,
eles precisam ser pessoas boas, porque eu crio eles sozinha, e todo dia,
falo: meus filhos estudem, sejam homens direitos e moça de família, e eu
também quero que eles cuidem de mim quando eu tiver velha, porque
estou aqui cuidando deles agora mas, na frente, eu que vou precisar ser
cuidada por eles (Fragmento de Entrevista – famílias com alunos benefi-
ciários do PBF).

No Brasil, de um total de 6.574.789 de habitantes,5 no ano de 2014,


973.526 famílias receberam o benefício do Programa no Maranhão (BRASIL,
2015). Conforme levantamento realizado por Pereira (2015), o Relatório de In-
formações Sociais Bolsa Família e Cadastro Único aponta que, no Maranhão,

[...] 950.350 beneficiários do PBF, entre a faixa etária de 6 a 15 anos, foram


acompanhados na condicionalidade da educação no estado [...] 17.678
tiveram frequência escolar abaixo da exigida, e 127.228 não possuem
informações acerca da sua frequência escolar [...] dos adolescentes de
16 e 17 anos, 62.214 alunos acompanhados, dos quais 7.431 tiveram
frequência escolar abaixo do número exigido, que é de 75%. O total
de beneficiários sem informação sobre sua frequência escolar, entre os
alunos de 16 e 17 anos, segundo os últimos dados colhidos, é de 35.137
(BRASIL, 2015).

Conforme destaca a pesquisadora, o número de alunos com frequência


escolar abaixo de 85% e 75% – índice número estipulado como mínimo para
estes adolescentes –, é pouco significativo no estado do Maranhão. É o que
demonstram os gráficos a seguir.

5 Informações retiradas do último Censo do IBGE, da guia IBGE – Estados, disponíveis no


seguinte endereço: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?lang=&sigla=ma.
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 111

Gráfico 1 – Resultado do acompanhamento na condicionalidade da educação no PBF


no Maranhão (Alunos de 6 a 15 anos)

Fonte: MDS (BRASIL, mar. 2015).

Gráfico 2 – Resultado do acompanhamento na condicionalidade da educação no PBF


no Maranhão (alunos de 16 e 17 anos)

Fonte: MDS (BRASIL, mar. 2015).

A pesquisa de Pereira (2015) buscou analisar, junto aos adolescentes,


qual "[...] o sentido desta condicionalidade dentro do PBF e em como este
sucesso, traduzido em forma de números, repercute na forma como estes
adolescentes encaram o significado de sua ida à escola". A pesquisadora
utilizou o pensamento de Bourdieu (2007) para fazer referência ao sistema
de ensino que

[...] por vezes, não leva em consideração as diferenças relacionadas à


origem social de cada aluno. O ensino formal, ao priorizar determina-
dos conteúdos – já familiares para aqueles que detêm o capital cultural
112 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

legitimado6 – estaria reforçando as desigualdades sociais, econômicas e


culturais já existentes e não o contrário. Este sistema de ensino, portanto,
funcionaria de forma estruturada e estruturante, (re)produzindo certos
conhecimentos tidos de maior importância. Nesse sentido, a ascensão
social e a superação da condição de pobreza (descolada da sua perspec-
tiva unilateral, aquela baseada exclusivamente na renda familiar) desses
indivíduos dificilmente se realizariam com o aumento da frequência es-
colar (PIRES, 2013, p. xx).

As conclusões de Pereira (2015) ressaltam que os alunos, inseridos nessa


rede de informações, assimilam ideias e concepções que contribuem para sua
forma de pensar, sentir e perceber o mundo ao seu redor. Segundo a autora,
as formas de pensar e sentir do ser humano colaboram para a construção e
organização de seu caráter social e histórico, contribuindo igualmente para
a edificação de sua consciência, seus modos de vida e seus processos de
trabalho em determinada sociedade e época. Nessa perspectiva, de acordo
com Gonçalves (1994, p. 13), "[...] o homem vive em um determinado contex-
to social com o qual interage de forma dinâmica, pois, ao mesmo tempo em
que atua na realidade, modificando-a, esta atua sobre ele, influenciando e,
até podemos dizer, direcionando suas formas de pensar, sentir e agir".
Como destaca o PPP do Curso (EPDS, 2014), em 2010, 96,7% das crianças
e adolescentes entre seis e 14 anos – faixa etária correspondente ao Ensino
Fundamental – frequentaram a escola naquele ano, representando um nú-
mero aproximado de 28,2 milhões de estudantes. Embora 3,3% de meninas
e meninos ainda esteja fora da escola, é inegável o significativo avanço em
termos de acesso à educação.
Tal progresso foi possível com a implementação de políticas educacio-
nais e políticas sociais articuladas à educação, a exemplo do Programa Bolsa
Família, com o sistema de condicionalidades à Educação e à Saúde.7 Sobre

6 O capital cultural, de acordo com Bourdieu (2007), relaciona-se diretamente ao acú-


mulo de saberes adquiridos ao longo da vida, alguns legitimados perante a sociedade
e outros não. É o habitus de cada indivíduo, ou seja, sua herança cultural, materializa-
da em suas crenças, práticas, posturas, gostos etc. Ademais, o capital cultural pode
apresentar-se de forma objetivada (refletindo-se em títulos, diplomas, obras de artes
etc.) ou não. Para o aprofundamento desta discussão, recomenda-se a leitura do livro
A Economia das Trocas Simbólicas, de Pierre Bourdieu, especialmente do capítulo "Re-
produção Cultural e Reprodução Social".
7 Para o recebimento do benefício do Programa Bolsa Família, os sujeitos participantes se
comprometem a cumprir algumas condições, cujo objetivo é responsabilizar as famílias
pelo compromisso assumido e o poder público pela oferta dos serviços. Na área da Saúde,
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 113

esse aspecto, o resultado de nossas pesquisas apontam que as "[...] condi-


cionalidades são assim propostas como estratégia visando o rompimento
do ciclo de transmissão intergeracional da pobreza no longo prazo. A justi-
ficativa para a existência da condicionalidade de educação, nesses termos,
funciona devido à estreita relação entre rendimentos e escolaridade" (OLI-
VEIRA, 2015, p. 2).8 Essa estreita relação traz novos desafios à escola e às
famílias.
Os resultados das primeiras entrevistas realizadas pelos cursistas do CE-
EPDS/UFMA com as famílias que tem filhos sob a condicionalidade da edu-
cação, há uma maior preocupação com a frequência/recebimento do bene-
fício do que com o conhecimento adquirido na escola. Estudos qualitativos
realizados por Brandão et al. (2013) nas cinco regiões do Brasil chegaram as
mesmas conclusões.
A pesquisa desenvolvida nessa primeira etapa, acompanhando os três
primeiros módulos do CEEPDS/UFMA, contribuiu tanto para que os pesqui-
sadores quanto para que os participantes revissem sua forma de olhar para
a questão da pobreza e da educação no Maranhão, pois durante as conver-
sas e entrevistas com moradores de diversos municípios foi perceptível "a
vontade de fazer a diferença" para mudar a realidade, que foi despertada,
neles, pelos pesquisadores. O trabalho também proporcionou aprendizado
acerca da realidade enfrentada pelos usuários do PBF e, além desses resulta-
dos, trouxe uma demanda para aprofundar os estudos com as crianças e os
adolescentes das escolas públicas, considerando os processos pedagógicos
desses espaços e sem perder de vista as diretrizes definidas para a pesquisa
específica que contemplasse a relação entre educação, pobreza e desigual-
dade social.

as crianças menores de sete anos devem estar com o calendário de vacinação e com o
acompanhamento do seu crescimento e desenvolvimento em dia; mulheres grávidas en-
tre 14 e 44 anos devem fazer acompanhamento pré-natal. Na área da Educação, crianças
e adolescentes entre seis e 15 anos devem ter frequência escolar mensal de 85%, e jovens
entre 16 e 17 anos devem ter frequência de 75%. Na área da assistência social, crianças e
adolescentes de até 15 anos em risco ou retirados do trabalho infantil devem participar
de serviços socioeducativos com frequência mensal de 85%. Com informações do MDS,
disponíveis no seguinte endereço: http://mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2018/
janeiro/beneficiarios-do-bolsa-familia-devem-informar-mudanca-de-escola-dos-filhos.
8 A íntegra do referido trabalho está disponível no seguinte endereço: http://www.
joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo4/a-condicionalidade-de-educacao-do-
-programa-bolsa-familia-um-dialogo-sobre-limites-e-possibilidades.pdf.
114 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

A articulação entre ensino, pesquisa e extensão


A pesquisa no CEEPDS/UFMA se desenvolveu em duas vertentes: a pri-
meira, sob a responsabilidade de duas pesquisadoras (das áreas da Assis-
tência Social e da Pedagogia), focou na coleta de dados junto às secretarias
municipais de educação, escolas e gestores; a segunda contou com a pes-
quisa de todos os cursistas que foram direcionados a investigar as formas
de pensar, sentir e agir de crianças e adolescentes de escolas públicas do
Maranhão, sob a condicionalidade da Educação. Assim, o maior desafio
posto para a equipe de pesquisadores do CEEPDS/UFMA se constituiu em
articular os resultados obtidos na investigação junto aos gestores com as
falas e ações das crianças e adolescentes nas escolas públicas do Maranhão.
O propósito do estudo, para além de realizar reflexões teóricas acerca dos
contextos escolares e sociais empobrecidos, buscou sinalizar perspectivas
de enfrentamento e alteração das circunstâncias de pobreza e de extrema
pobreza para essas crianças e adolescentes. Dessa forma, buscamos con-
tribuir para a reeducação e radicalização do olhar também das instituições
formadoras de profissionais sobre as crianças, adolescentes e jovens em
situação de pobreza e de pobreza extrema;
De natureza qualitativa e apoiada em dados quantitativos, a pesquisa
incorporou as investigações dos cursistas da especialização nas 21 micror-
regiões do estado do Maranhão. A pesquisa se atrelou à extensão, com o
desenvolvimento de oficinas com foco nos sonhos e na educação financeira
dos sujeitos, contando com a participação de alunos da graduação.
Pensadas como espaços de vivências, estas oficinas levaram os cursistas
a experimentarem, junto com crianças ou adolescentes, a expressão de seus
modos de pensar, sentir e agir diante de propostas pedagógicas que foca-
ram sobre seus desejos e suas perspectivas de realização. Além dessa base
prática da pesquisa, todos os cursistas contribuíram para a elaboração de
um mapeamento da situação de pobreza e da desigualdade social em seus
municípios, realizando entrevistas com as famílias e levantando os principais
problemas das escolas. Os aspectos e procedimentos metodológicos para a
apreensão dessa realidade foram definidos ao longo dos módulos do Curso
até culminar na delimitação de seus temas de pesquisa, etapa que se deu
antes do início do processo de orientação dos TCCs.
Os cursistas pesquisaram, ainda, o perfil do alunado e dados relacio-
nados à escola e aos fatores estruturantes dos municípios aos quais se
vinculam quanto aos seguintes aspectos: a composição histórico-cultural e
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 115

suas peculiaridades; a situação geofísica e ambiental; os ciclos econômicos


e as formas de geração de renda; a questão da segurança alimentar nos
municípios; e o contexto político e suas implicações inscritas na dinâmica
da marcha histórica da população do município. A partir de um dos planos
de trabalho especificados, cada cursista desenvolveu seu subprojeto de
pesquisa, delimitando o tema de acordo com o seu interesse/sua área de
atuação, considerando os aspectos e as questões elencadas neste projeto.
Outras atividades também contribuíram para esse processo e constituíram
fonte de dados para os pesquisadores do CEEPDS. Tivemos a criação do
memorial – texto que o cursista elaborava ao final de cada módulo, a partir
das reflexões estabelecidas e das atividades realizadas, com suas impres-
sões sobre a experiência vivenciada no processo formativo, destacando, as
dificuldades, as dúvidas, os desafios, avanços, momentos difíceis etc., e no
qual podia registrar seus sentimentos, as reflexões estabelecidas, as histó-
rias vividas, bem como os avanços, descobertas e inquietações observadas
ao longo do caminho –, além de elementos de pesquisa bibliográfica (como
fichamentos de leituras dos módulos e de outras obras da revisão de litera-
tura relacionadas ao tema de sua pesquisa), de pesquisa de campo (observa-
ções de sua prática nas oficinas, resultados de entrevistas, estudos de casos,
reflexões etc.) e demais elementos que contribuíram para sua formação no
Curso, vislumbrando a formulação e o desenvolvimento de seu projeto de
pesquisa ao longo dos módulos, base para a elaboração do TCC.
Assim, a partir das diretrizes da pesquisa, os cursistas deram início às
pesquisas no Módulo III, buscando desenvolver seus planos de trabalho em-
basados em uma das temáticas propostas, articulando-os com a realidade
regional. Quanto ao percurso metodológico, a realização de cada subpro-
jeto seguiu as orientações definidas nas diretrizes nacionais (BRASIL, 2015),
mediados pela combinação de métodos e dados qualitativos e quantitati-
vos – o que alguns autores denominam triangulação entre métodos (FLICK,
2009) ou multimétodos com foco (GUBA; LINCON, 1994).
A base da pesquisa dos cursistas foi construída por ocasião da I Ação de
Ensino/Pesquisa/Extensão – CEEPDS/UFMA, com o tema "de Santo Amaro
Para Santo Amaro: uma experiência-piloto/GPETISS", que teve como objeti-
vo principal realizar a primeira etapa da pesquisa na dinâmica de atividades
extensionistas, possibilitando que dez cursistas e quatro alunos de gradua-
ção, envolvidos na pesquisa, tivessem acesso à realidade de um município
pobre, mas cheio de potencialidades.
116 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

(A) (B)

Figura 1 – (A) Casa de Taipa e (B) Dunas - Lençóis Maranhenses

Fonte: Autora, pesquisa de campo.

Dados do Censo Educacional 2012 realizado pelo Instituto Nacional de


Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)9 informam que Santo
Amaro do Maranhão possui 14 docentes, 49 escolas e 639 alunos no nível
pré-escolar de ensino; no Fundamental, são 206 professores, 51 escolas e
2.968 alunos; no Ensino Médio, o município possui apenas uma escola, com
40 professores e 270 alunos.
As dez oficinas foram realizadas no Centro de Ensino Manoel Dias de
Sousa nos períodos da manhã e da tarde. Na ocasião realizou-se, ainda, uma
avaliação nutricional dos alunos, com a parceria do curso de Nutrição da
UFMA ao mesmo tempo em que o Serviço Social da Indústria (Sesi) ministra-
va um curso para mulheres beneficiárias do PBF e que estava ocorrendo pela
primeira vez no município.

Figura 2 – Fachada do Centro de Ensino Manoel Dias de Sousa, em Santo Amaro do


Maranhão
Fonte: Autora, pesquisa de campo.

9 Informações retiradas do último Censo do IBGE, da guia IBGE – Cidades, disponíveis no


seguinte endereço eletrônico: http://cod.ibge.gov.br/1FHF.
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 117

(A) (B)

Figura 3 – (A) e (B) Registro do dia de atividades

Fonte: Autora, pesquisa de campo.

Durante as atividades os cursistas tiveram a oportunidade de investigar


os modos de vida das crianças e adolescentes em relação à moradia, formas
de trabalho, acesso à escola, dentre outros aspectos. Os estudantes relata-
ram que seus pais trabalhavam como pedreiros ou em comércios, restauran-
tes e pousadas de Santo Amaro do Maranhão. Em relação ao futuro, uma
menina e um menino afirmaram que gostariam de ser professores. Outro ga-
roto disse querer trabalhar na Marinha do Brasil e outro almejava ser policial.
Quando questionados sobre onde gostariam de exercer essas profissões, a
maioria respondeu: "Aqui!".

Figura 4 – Oficina de pintura

Fonte: Autora, pesquisa de campo.


118 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Figura 5 – Pintura livre

Fonte: Autora, pesquisa de campo.

Ao incentivar as potencialidades educativas, econômico-produtivas, so-


cioculturais e estético-expressivas dos jovens santamarenses na perspectiva
do turismo sustentável, foi possível operar com os questionários e entrevistas
sobre os seus modos de vida e processos pedagógicos diante da realidade
de pobreza à qual estavam submetidos. Os resultados dessa experiência
piloto subsidiaram o processo investigativo dos cursistas a partir do Módulo
III do CEEPDS/UFMA.
As ações de pesquisa e de extensão em Santo Amaro possibilitaram o
desenvolvimento de atividades na perspectiva de uma maior aproximação
dos cursistas e alunos de graduação com a realidade do município e com os
modos de vida de crianças e adolescentes locais, além de proporcionarem
competências para sua formação cidadã e pessoal. Para os cursistas CEE-
PDS, foi uma oportunidade para materializar o que vinham estudando nos
conteúdos, desenvolvendo suas atividades de pesquisa no movimento de
reflexão-ação-reflexão, envolvendo-os com práticas político-pedagógicas
que lhes permitiram apreender formas de pensar, sentir e agir de crianças e
adolescentes quando se pensa no futuro pessoal e profissional.
As ações de pesquisa e extensão com crianças enfatizaram a temática
"Sonhos e Educação Financeira", com a realização de cursos e eventos de
formação explorando aspectos indicados por cada cursista na realidade
das escolas, a partir de suas pesquisas nos módulos anteriores. Tais práticas
se voltaram para a compreensão, análise e intervenção sobre os modos de
vida de crianças e adolescentes de seis a 17 anos, com frequência escolar
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 119

acompanhada no âmbito do PBF na Educação; as atividades foram desen-


volvidas em todos os municípios do Maranhão onde nossos cursistas mora-
vam ou trabalhavam, em escolas públicas estaduais e municipais.
O desenvolvimento de habilidades de apreensão crítica e criativa da re-
alidade empírica e conceitual das formas de pensar, sentir e agir do público
de crianças e adolescentes envolvido no projeto se deu através das ativida-
des de formação-pesquisa-ação nas escolas onde os cursistas trabalhavam
ou se vinculavam como pesquisadores.
Neste sentido, a ação de articulação do tríplice universo do curso nos
convocou, também, para que pensássemos acerca da apreensão de novas
expressões de saberes. Com o olhar subjetivo em direção à integração das
potencialidades do território, buscamos fomentar ações inovadoras, com
práticas que apontassem alternativas e produzissem novas realidades, ali-
cerçadas na sua identidade, que contribuíssem para a qualidade de vida dos
alunos das escolas públicas, estimulando suas competências e habilidades
na perspectiva do crescimento e de seu desenvolvimento integral (corporal,
mental e social).
Para tanto, foi na compreensão das necessidades essenciais e na sedi-
mentação do sentimento de pertencimento territorial que se tornou possível
consolidar a caminhada dos cursistas do CEEPDS nos percurso de pesquisa
diante das múltiplas linguagens presentes na escola, as quais suscitaram
múltiplos olhares e múltiplos fazeres. Dessa forma, foram colocadas em mo-
vimento todas as forças para que

[...] os cursistas do CEEPDS desenvolvessem ou se envolvessem com


iniciativas voltadas para o combate à pobreza e à desigualdade social. As
atividades de pesquisa ao longo dos módulos e as oficinas nas escolas se
expressam como prática daquilo que se constitui como reflexão teórica
a partir da realidade em um processo que se retroalimenta em todas as
suas fases: realidade – realidade refletida – ação sobre a realidade – rea-
lidade transformada (PPP, 2015, p. 2).

Ações educativas devem caminhar juntas para que as reflexões se ex-


pressem nas mudanças. Entendemos, portanto, que as pesquisas devem
estabelecer relações de parceria nos locais, buscando fortalecer as comuni-
dades e refletindo, de forma mais aprofundada, sobre o alcance de políticas
sociais – sobretudo pensando se estas políticas constituem alternativas con-
cretas para a população, tendo em vista o desenvolvimento dos municípios.
Ao mergulhar em sua própria realidade, os pesquisadores devem extrair e
120 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

problematizar o conhecido, dar visibilidade ao desconhecido para poder


compreendê-lo e influenciar a trajetória dos destinos de seu locus. Dessa
forma, levamos os cursistas a se sentirem aptos para construir e propor ações
relativas à educação, voltadas a sua realidade, agregando a comunidade
como forma de potencializar o caráter sustentável do município. No relatório
de pesquisa uma das cursistas é possível depreender esta significação:

O objetivo das oficinas é identificar, inicialmente, os modos de vida e o


perfil social dos estudantes, bem como nos aproximarmos da realidade
escolar, entendendo a instituição como elemento fundamental na forma-
ção dos alunos e capaz de influenciar na dinâmica socioambiental, e apta
a contribuir com o desenvolvimento de determinada localidade (VIEIRA,
2016, p. 6).

Recortes das pesquisas dos cursistas


Nos TCCs dos 258 cursistas do CEEPDS encontramos dados oriundos
da realidade de cerca de 100 municípios e 70 escolas, cujos objetos de pes-
quisa se relacionaram com a realidade de crianças e adolescentes pobres. A
riqueza dos dados nos TCCs, embora com diferenciações em relação à pers-
pectiva teórica adotada e ao percurso metodológico escolhido, possibilitam
um amplo conhecimento das questões apontadas nas diretrizes nacionais,
incluindo aspectos relevantes acerca do município, da gestão e do cotidiano
dos alunos em uma sala de aula. Por isso mesmo optamos por apresentar três
desses resultados sem um tratamento compilatório, uma vez que teremos a
publicação dos referidos trabalhos em nossos Cadernos CEEPDS/UFMA.

Alfabetização no Ensino Fundamental em uma escola municipal em


Açailândia-MA. Por Raimunda Leila Martins de Sousa, sob a orientação
de Thaísa Bueno
Para conhecer melhor as aprendizagens das crianças e as capacidades
a serem desenvolvidas no 1o ano do Ensino Fundamental foram realizadas,
neste trabalho, atividades em sala de aula a partir das temáticas exploradas
nas três oficinas do Curso de Extensão da UFMA. A primeira oficina aconte-
ceu no dia 8 de julho de 2016, no turno matutino, com a temática "Os sonhos
e as formas de pensar, sentir e agir das crianças sob a condicionalidade da
educação", com o propósito de ouvir e motivar as crianças a imaginarem e
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 121

expressarem verbalmente seus sonhos. As segunda e terceira oficinas ocor-


reram no dia 18 de agosto de 2016, também no turno matutino, abordando
as temáticas: "A qualidade de vida e o consumo inteligente" e "Construindo
riquezas: a minha e a do outro", possibilitando aos alunos, durante as rodas
de conversas, reflexões sobre a função do dinheiro, a compra, a troca, bem
como o meu valor e o valor do outro. Foram momentos oportunos para dis-
cussões, intervenções, questionamentos e aprendizagens junto às crianças.

Figura 6 – Registros das oficinas realizadas na Escola

Fonte: Melo (2016).

No decorrer das oficinas observou-se a participação e o envolvimento


dos estudantes com as atividades, tornando possível analisar os saberes e
conhecimentos das crianças no que tange aos níveis de escrita, de apropria-
ção do sistema de leitura e de compreensão textual, de forma interdiscipli-
nar, envolvendo operações matemáticas.
No Quadro 1, a seguir, são apresentados os níveis de aprendizagem dos
31 alunos do 1o ano "B" (turno matutino, 2016) da escola em estudo. Para a
pesquisa foram eleitos oito critérios de análise, quais sejam:
1. capacidade de ler palavras ou textos de gêneros e temáticas variadas;
2. capacidade de escrever palavras em diferentes estruturas silábicas, aten-
to para algumas convenções ortográficas;
3. capacidade de compreender textos orais de gênero, temáticas e voca-
bulários familiares;
4. capacidade de produzir pequeno texto, argumentando e compreenden-
do a sua função social;
122 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

5. conhecer a hipótese de escrita em que os alunos se encontram: Pré-Si-


lábica (PS); Silábica Sem Valor Sonoro (SSVS); Silábica Com Valor Sonoro
(SCVS); Silábica Alfabética (Salfa) e/ou Alfabética (Alfa);
6. capacidade de compreender a função social dos números, bem como a
noção de espaços e de medidas de comprimento utilizando vocabulário
pertinente nos jogos, nas brincadeiras e nas diversas situações nas quais
ela se faz necessária;
7. resolver situações problema que envolvem as noções de adição, subtra-
ção, multiplicação e divisão;
8. capacidade de compreender a função social do dinheiro.
Pretendeu-se, com a análise desses indicativos, fazer uma reflexão e,
sobretudo, contribuir para a construção de novos caminhos à prática de al-
fabetização. O estudo não quis ser uma crítica à prática existente, mas sim se
apresentar como uma colaboração na busca de melhorias para o processo
educacional das crianças.
Mediante a análise dos dados da pesquisa, os resultados apontaram ren-
dimentos bastante satisfatórios nas três capacidades exploradas envolvendo
matemática, alfabetização e letramento. Observa-se que o critério 1, sobre
a leitura de palavras, e o critério 5, que diz respeito às hipóteses de escrita,
assinalaram rendimentos bastante significativos tendo como base o ano de
escolaridade e as capacidades desenvolvidas.
Ao findar as leituras dos referenciais examinados – e, mais que isso, ao
cruzá-los com dados de pesquisas nacionais e, depois, com as informações
levantadas neste estudo –, pode-se dizer que a alfabetização, cujo conceito
é tão complexo e envolve diferentes concepções, tem se mostrado, efeti-
vamente, um processo permanente e, substancialmente, coletivo. Os bons
índices de aprendizagem encontrados no 1o ano do Ensino Fundamental
da escola municipal analisada em Açailândia são o resultado concreto disso:
uma soma de ações e esforços que envolvem a escola como instituição, a
professora como a figura central na condução do processo, o aluno no seu
esforço individual de querer aprender e os pais, familiares e/ou responsáveis,
engajados na busca de uma formação mais completa para suas filhas e filhos.
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 123

Quadro 1 – Resultados das oficinas

No CONHECIMENTOS/CAPACIDADES %
85% Sim
Capacidade de ler palavras ou textos de gêneros e temáti-
01 12% Parcial
cas variadas
3% Não
78% Sim
Capacidade de escrever palavras em diferentes estruturas
02 13% Parcial
silábicas, atento para algumas convenções ortográficas
9% Não
75% Sim
Capacidade de compreender textos orais de gênero, temá-
03 16% Parcial
ticas e vocabulários familiares
9% Não
55% Sim
Capacidade de produzir pequeno texto, argumentando e
04 32% Parcial
compreendendo a sua função social
13% Não
Conhecer a hipótese de escrita em que os alunos/as se 85% Alfa
encontram: Pré-Silábica (PS); Silábica Sem Valor Sonoro 6% Salfa
05
(SSVS); Silábica Com Valor Sonoro (SCVS); Silábica Alfabéti- 6% SCVS
ca (Salfa) e/ou Alfabética (Alfa) 3% PS
Capacidade de compreender a função social dos números,
bem como a noção de espaços e de medidas de compri- 91% Sim
06 mento utilizando vocabulário pertinente nos jogos, nas 6% Parcial
brincadeiras e nas diversas situações nas quais ela se faz 3% Não
necessária
85% Sim
Resolver situações problema que envolvem as noções de
07 9% Parcial
adição, subtração, multiplicação e divisão
6% Não
97% Sim
08 Capacidade de compreender a função social do dinheiro 0% Parcial
3% Não

Fonte: a autora (2016).

Muito se fala e se divulga na imprensa sobre as péssimas condições da


educação básica pública no país, mais ainda sobre os baixos rendimentos
e índices alcançados no Maranhão, sempre na ponta das piores condições
de desenvolvimento dentre os estados do Brasil. Longe de ignorar essa re-
alidade, esse estudo apenas pondera que é possível mudar, em parte, essa
realidade quando há o engajamento de seus atores. Em outras palavras, essa
pesquisa mostra que é possível pensar numa educação com bons resultados
de aprendizagens mesmo diante desse cenário. Certamente, reconhecemos
a necessidade de melhorias e incentivos em vários aspectos, mas ao ana-
lisar esta escola em particular, percebeu-se que boa parte deles foge da
124 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

competência dos professores e equipe e diz respeito muito mais a políticas


públicas de investimento. No âmbito de uma Educação mais colaborativa, a
pesquisa permite afirmar que o campo da alfabetização na perspectiva do
letramento envolve as múltiplas linguagens.
Não se trata de um conhecimento meramente instrumental, mas da
construção de conhecimentos de forma permanente. Nesse sentido, o estu-
do levantou questões sobre organização pedagógica da escola, aprendiza-
gem das crianças, práticas de ensino e formação continuada de professores,
entre outros condicionantes que envolvem toda a dinâmica do trabalho de
alfabetizar. Por fim, a pesquisa se apresenta como um primeiro olhar sobre
essa realidade, com a esperança voltada para uma educação mais inclusiva e
coletiva, articulada a sua função social, envolvendo ações de planejamento,
dimensões do currículo, acompanhamento e monitoramento das aprendiza-
gens, pois a partir dessa visão todos contribuirão na perspectiva de alcançar
bons resultados de aprendizagens para a transformação da realidade no
processo de cuidar e educar as crianças.

A contribuição da escola para o futuro social, cultural e econômico na


visão dos discentes da escola municipal de São Bernardo. Por Jaciene
Machado, sob a orientação de Ana Catarina Alves Coutinho
O interesse pelo tema se deu a partir da primeira oficina, denomina-
da "Sonhos de Criança" e fomentada durante o Módulo III do CEEPDS. Foi
nesse contato com os alunos que surgiu a vontade de saber como a es-
cola pode contribuir para o futuro social, cultural e econômico dos alunos
da maior escola pública municipal de São Bernardo-MA, uma vez que é no
Ensino Fundamental que as crianças estão construindo sua bagagem cida-
dã, conhecendo o novo e formando suas opiniões. Estão na faixa etária do
aprendizado, da formação de pensamentos e de descobrimento enquanto
indivíduos participantes do meio social. Busca-se compreender como os
alunos entendem e veem a escola enquanto instituição que contribui para a
construção do futuro deles como cidadãos ativos na sociedade. Além disso,
considera-se importante a realização de pesquisas deste cunho por reforça-
rem a contribuição da escola enquanto formadora de indivíduos e opiniões.
Em relação à metodologia adotada, a pesquisa tem abordagem qualitati-
va, de cunho descritivo-exploratório. Para a coleta de dados foram utilizadas
duas etapas: a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo. Na primeira
etapa, foram mobilizados autores como Arroyo (2015), Pinzani (2015), Rego
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 125

(2015), Mendonça (2015), Leite (2015), entre outros, pelo embasamento teó-
rico fornecido à pesquisa e pelo longo período de leitura durante o Curso.
A pesquisa bibliográfica "[...] consiste no exame desse manancial, para le-
vantamento e análise do que já se produziu sobre determinado assunto que
assumimos como tema de pesquisa científica" (RUIZ, 2011, p. 58), conforme
realizado neste trabalho. Na segunda parte, deu-se a pesquisa de campo, a
partir da qual se fez contato com o local e com os indivíduos pesquisados,
com observações sobre como funciona a dinâmica do ambiente escolar e
com acesso à opinião dos discentes. As observações seguiram um roteiro
pré-elaborado, detalhado a seguir. Por outro lado, foram feitas anotações
pessoais de forma aleatória, conforme o acontecimento dos fatos. Além das
observações e anotações pessoais aplicou-se, com os alunos, uma atividade
que pertencia à oficina que fez parte do programa da especialização. Nessa
oficina foram coletados dados sob a forma de fotos, produções de textos,
desenhos e entrevistas informais. Para a interpretação dos dados reunidos
nesta coleta foi utilizado o método de análise de conteúdo, de acordo com
o que prevê Bardin (2009). Neste caso, a análise não reside apenas no texto
escrito, mas também nas falas, no conhecimento implícito à comunicação
humana.
Foram obedecidas, assim, três etapas: 1) a de pré-análise – que objetiva
uma leitura flutuante do material coletado, transcrevendo-o; 2) a de explo-
ração do material – em que o material coletado foi selecionado consideran-
do o objetivo da pesquisa, realizando-se uma organização sob a forma de
quadros, tabelas etc., que facilite a interpretação; e 3) a de tratamento dos
dados – de interpretação das informações, fazendo descobertas e buscando
responder as questões da pesquisa.
A pesquisa foi realizada com 28 alunos, com idades entre 10 e 14 anos,
sendo 19 do sexo masculino e nove do sexo feminino, todos da turma do 6o
ano D de uma escola do município de São Bernardo-MA, no turno matutino.
No geral, a investigação deu-se sob a forma de observação do ambiente
escolar, dos alunos e das atividades respondidas nas oficinas aplicadas com
os discentes. A escola localiza-se centrada em área comercial e funciona nos
três períodos do dia, e sua escolha decorreu do fato de ser a maior institui-
ção de Ensino Fundamental II (do 6o ao 9o ano) do município, além do fato
de abranger tanto alunos da sede municipal quanto dos povoados vizinhos.
Já a escolha pela turma de 6o ano se justifica por ser a era em que os alunos
estão em fase de descoberta do novo: é o ano em que estão entrando para
126 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

o Ensino Fundamental, ou seja, um nível maior, no qual estão começando a


planejar suas vidas e o que querem ser quando crescer.
Sabe-se que se faz necessário reconhecer a bagagem de aprendizado
que o indivíduo carrega – e que vai além da educação escolar. Todo indiví-
duo traz consigo uma educação familiar, cultural, religiosa, étnica, que pre-
cisa ser respeitada e vista como Educação. E essa bagagem que o indivíduo
carrega influencia no seu aprendizado escolar, nas suas escolhas, nos seus
sonhos, na sua visão de mundo e no seu futuro.
• Descrição do campo de pesquisa – a estrutura da escola é de alvenaria.
Há 15 salas de aulas em funcionamento, uma sala para professores, uma
secretaria, um auditório, uma sala de leitura, uma cantina, uma sala de
apoio pedagógico, dois bebedouros e sete banheiros (dentre estes, dois
são adaptados para pessoas com necessidades especiais). A instituição
apresenta uma boa estrutura, com corredores que dão acesso às salas
(estas possuem ventiladores); na cantina há duas geladeiras e um freezer.
A respeito da higienização do ambiente escolar, vale ressaltar que este
se encontra em boas condições (os funcionários procuram manter a es-
cola sempre limpa). Ademais, estão à disposição recursos audiovisuais
tais como caixa de som, DVD, datashow, impressora, computadores e
televisão. Com relação à situação pedagógica, citam-se alguns pontos: o
plano anual é elaborado pelos professores juntamente com a Diretora e
a Coordenadora Pedagógica, assim como o plano mensal; ocorre, ainda,
a elaboração das avaliações antes de sua aplicação em sala, e a escola
adota o estilo simulado ao final de cada bimestre. A escolha do livro
didático é feita pela qualidade do material e conforme a indicação dos
professores – apesar de que prevalece a escolha da secretaria municipal
de educação. Possui regimento interno e projeto político-pedagógico;
a avaliação do trabalho é feita durante todo o processo de ensino, de
modo que há um acompanhamento da gestora com os professores e
alunos, e os encontros para planejamento de aulas são realizados men-
salmente. Conforme observado informalmente, a relação entre escola e
família se dá em um espaço democrático, visto que a mesma incentiva a
participação dos pais nas reuniões e o envolvimento destes nas ativida-
des escolares. Apesar de não existir participação assídua dos pais, eles
sempre são chamados quando há algum tipo de advertência dirigida
aos filhos. O ideal seria que houvesse um maior acompanhamento por
parte dos pais com os discentes, pois existem muitos casos em que os
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 127

responsáveis só aparecem de ano em ano, quando fazem a matrícula,


a rematrícula ou para assinar boletim – sendo que, em alguns casos, os
pais nem isso fazem, e acabam por pedir para algum parente desempe-
nhar o papel que lhes cabem.
• Resultados obtidos com a pesquisa – conforme observado, os alunos
pesquisados veem a escola como uma extensão do ambiente familiar:
ela é o local onde passam a maior quantidade de tempo de suas vidas
depois de suas próprias casas; é o espaço onde constroem relações de
amizade, tanto com colegas de aula como professores e demais funcio-
nários, ou seja, existe um vínculo que vai além do aprendizado dos livros.
Assim disse uma aluna: "Eu gosto tanto dessa escola que dá vontade de
morar aqui" (Margarida, 10 anos). É perceptível que, para os alunos, a
escola é realmente um sinônimo de habitação. Observa-se que a institui-
ção escolar é um dos ambientes onde os discentes possuem liberdade
para demonstrar o que pensam, o que sentem e o que querem para
seu futuro, conforme afirma Barbosa (2004). Com relação aos sonhos dos
alunos e a importância disso, o resultado obtido pode ser conferido no
Quadro 2 a seguir.
Com os dados obtidos foi possível observar que muitos dos alunos co-
locaram como elemento central de seus sonhos a natureza, justificando que
ela é muito importante para as pessoas. Seguindo este mesmo conceito, ou-
tros alunos afirmaram que querem ser jogadores de futebol porque sempre
gostaram de jogar bola e querem ganhar muito dinheiro. Já outros discentes
têm como sonho ter um carro, para que possam passear e levar a família
junto. Nota-se que os alunos possuem sonhos distintos, e os citados foram
os que mais se destacaram. A própria escola, inclusive, é um elemento que
está presente nas respostas.
Com os dados obtidos foi possível observar que muitos dos alunos co-
locaram como elemento central de seus sonhos a natureza, justificando que
ela é muito importante para as pessoas. Seguindo este mesmo conceito, ou-
tros alunos afirmaram que querem ser jogadores de futebol porque sempre
gostaram de jogar bola e querem ganhar muito dinheiro. Já outros discentes
têm como sonho ter um carro, para que possam passear e levar a família
junto. Nota-se que os alunos possuem sonhos distintos, e os citados foram
os que mais se destacaram. A própria escola, inclusive, é um elemento que
está presente nas respostas.
128 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Quadro 2 – Sonhos de criança.

Frequência
do sonho Sonho Importância do sonho
mencionado
"Porque ela é muito importante para as
Natureza
pessoas"
Muito Ter um carro "Porque quero viajar nele com minha família"
Ser jogador de "Porque sempre gostei de jogar futebol e
futebol quero ganhar dinheiro"
"Porque vai ser meu trabalho e vou ganhar
Ser advogado
dinheiro"
Ser professora "Porque estudar é muito importante"
Moderado
"Porque é a coisa mais importante na vida de
Ter uma casa
uma pessoa"
Ser cantor "Porque quero ter uma carreira profissional"
Ser fazendeiro "Porque quero ser dono de gado"
Ser bombeiro "Porque salvam vidas"
Ter um paredão "Para fazer festa"
"Porque foi com esse desenho que eu fiz uma
Goku
amizade muito importante"
Baixo
Ser dentista e "Porque quero ajudar os necessitados e dar
ajudar as pessoas um lar"
Ser pediatra "Porque eles cuidam das pessoas"
"Porque é tão ruim ficar doente, eles cuidam
Ser médica
das pessoas"

Fonte: a autora (2017).

O que faz essas crianças sonharem com ser jogador de futebol, ter um
carro ou acreditarem que a natureza é algo muito importante para a vida
das pessoas? Em que a escola contribuiu para que elas pudessem ter esses
sonhos? Como a escola pode influenciar a vida dessas crianças a ponto de
interferir no futuro delas, seja no âmbito social, cultural ou econômico?
Sabemos que a família exerce influência no ambiente escolar, assim
como a escola exerce influência na vida do ser humano. Essas crianças
não escolheram determinados sonhos por acaso, mas sim porque eles fa-
zem parte, em alguma medida, de suas vivências, estão presentes no seu
dia a dia. Quem escolheu "ser jogador de futebol" não o fez somente por-
que gosta de jogar bola, mas também porque deseja poder ter uma vida
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 129

financeiramente melhor e, consequentemente, ajudar seus familiares. Assim


como é o caso dos demais sonhos citados no Quadro: todos trazem consigo
uma bagagem de sentidos, de significados e de emoções que pertencem,
de modo singular, a cada aluno que participou da oficina. A escola enquanto
instituição que contribui para a formação e para a educação do indivíduo
possui, então, um papel fundamental de referência nas escolhas tomadas
por eles. Os alunos acabam se identificando com determinada matéria, com
determinado professor, com funcionários em geral, enfim, com determinado
assunto que foi abordado em aula X, Y ou Z e que terminam interferindo, de
alguma forma, em suas escolhas. E assim eles acabam escolhendo opções
para o futuro, relacionando-o com algo com que eles se identificaram na
escola: as crianças procuram meios de conquistar seus objetivos através da
educação escolar e em parceria com a educação como um todo.
Por fim, pode-se observar, com o resultado obtido, que os sonhos dos
alunos variam de profissões a bens materiais e que, dentre as profissões cita-
das, somente as meninas escolheram ser professora, ser médica, ser dentista
e ser pediatra. Os meninos preferiram artefatos materiais e profissões diver-
sas – alguns escolheram profissões porque se identificam com elas ou acham
bonito a forma com que são exercidas, já outros somente porque querem
ter uma boa renda financeira. Houve, ainda, aqueles que se preocupassem
com ajudar o próximo ou, simplesmente, ter uma casa para morar com sua
família. Mas todos, sem exceção, demonstraram possuir vontade de cres-
cer através do estudo, uma vez que, em diálogo informal, a sala como um
todo mostrou saber que, para se alcançar um objetivo, é necessário estudo
e planejamento.

A escolarização como meio de emancipação social de afrodescendentes.


Por Maria Sonia Silva, sob a orientação de Ana Cristina Teixeira Brito
Carvalho
A partir dos estudos dos módulos do CEEPDS/UFMA – os quais promo-
veram reflexões sobre pobreza, educação e direitos humanos de diferentes
grupos étnicos que compõem o Brasil (dentre eles os afrodescendentes)
vinculadas à experiência de sala de aula como professora de História – per-
cebeu-se que, para muitos alunos afrodescendentes, não está claro o papel
da escolarização em suas vidas, de modo que as observações levantadas a
partir das oficinas de Sonhos e Educação Financeira foram decisivas para a
escolha desse tema de investigação científica.
130 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Esse estudo se justifica partindo do pressuposto de que a escola deve


ser um espaço de práticas emancipatórias para que os afrodescendentes
atuem na sociedade com competência e dignidade, contribuindo para que
esse grupo étnico tenha consciência de seu direito social de bem-estar eco-
nômico e de desenvolvimento de suas competências e habilidades.
Não foram encontrados registros de pesquisas relacionadas a essa te-
mática no município de Balsas-MA – fato que também pode ser considerado
como um motivador desse estudo, tendo em vista que a investigação pode
contribuir para o enriquecimento da educação local, da intelectualidade e
da ciência. Quanto mais pesquisas sobre a escolarização dos afrodescen-
dentes forem realizadas, mais a educação estará próxima do que propõem
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove)
anos10 ao promover, justamente, um trabalho educacional com qualidade e
equidade.
O Brasil é o segundo maior país com população negra do mundo, ficando
atrás somente da Nigéria. Ao longo de sua história, conseguiu produzir um
quadro de extrema desigualdade entre afrodescendentes e brancos. Neste
sentido, de acordo com Mendonça (2016), é imprescindível que a escola seja
um local onde os alunos possam adquirir consciência de si mesmos como
sujeitos de direitos, bem como possam tê-los assegurados. Mas é preciso
que as instituições de ensino também tenham iniciativas que promovam o
enfrentamento da violação dos direitos humanos. Diante disso questiona-se:
Como crianças e adolescentes afrodescendentes do 6o do Ensino Funda-
mental das séries finais da rede pública municipal de Balsas projetam seus
sonhos de emancipação social?
O público-alvo escolhido para essa investigação constituiu-se de 21
crianças e adolescentes, com idade entre 10 e 16 anos, todos alunos de 6o
do Ensino Fundamental – Séries finais de uma escola municipal da cidade.
Foram utilizados, na técnica de coleta de dados, um questionário com ques-
tões fechadas e abertas, permitindo aos participantes dissertar sobre o que
estava sendo perguntado, e uma observação não participante das oficinas
de Sonhos e Educação Financeira.
Neste sentido pretendeu-se, por meio dessa investigação, conhecer
as formas de pensar e agir de uma turma de crianças e adolescentes afro-
descendentes de 6o ano do Ensino Fundamental das séries finais de uma

10 Disponíveis no seguinte endereço: http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-


-pdf/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-pdf/file. Acesso em: 10 dez. 2019.
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 131

unidade de ensino da rede pública municipal de Balsas frente à formação


escolar, com vistas à emancipação social. Objetivou-se, ainda, identificar os
motivos que levam os afrodescendentes a frequentar a escola e também
descrever como esses jovens utilizam os conhecimentos produzidos na es-
cola para projetar seus sonhos de emancipação social.
• Alguns resultados da pesquisa de campo – dos entrevistados, 52% estão
na idade ideal para a série em que se encontram e 48% estão com idade
defasada. Apesar de a maioria estar na idade adequada, é preocupante
a quantidade de alunos com distorção idade-série. Essa situação pode
ser desencadeada por três fatores principais, quais sejam: 1) a repetên-
cia; 2) a entrada tardia na escola; e 3) o abandono e retorno do aluno
evadido. A distorção idade-série representa um grave problema da Edu-
cação no Brasil, conforme demonstram informações sobre o tempo de
conclusão dos diferentes níveis educacionais. Consequência das eleva-
das taxas de repetência, a distorção idade-série também é apontada em
pesquisas nacionais e internacionais como um dos principais problemas
da educação brasileira. Durante a observação foi possível observar que
o estudante em atraso escolar tem desempenho inferior aos alunos que
estão em séries adequadas à idade.
Para a obtenção de dados a respeito da pobreza na escola, os alunos
responderam a seguinte pergunta: Você recebe proventos do Programa
Bolsa Família [PBF]? Observou-se que mais da metade da população
entrevistada está na linha da pobreza, pois recebe o benefício do PBF.
Trata-se de um programa de transferência direta de renda que beneficia
famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza no país. Faz parte
do Plano Brasil Sem Miséria, do MDS, que tem como foco de atuação
brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 85,00 mensais, fa-
mílias com renda mensal de até R$ 85,00 por pessoa, que não tenham
gestantes, crianças ou adolescentes e famílias com renda mensal de R$
85,01 a R$ 170,00 por pessoa, que tenham gestantes, crianças ou adoles-
centes. Essa situação reforça a importância da Educação na vida dessas
crianças e adolescentes afrodescendentes no enfrentamento da pobre-
za e na realização dos sonhos de emancipação social.
Para obtenção de dados a respeito do sentido da escola para a vida
do aluno afrodescendente, foi questionado o seguinte: Por que você
vai à escola? A pesquisa revelou que 47% dos entrevistados têm a es-
cola como meio que favorece a realização de sonhos e de um futuro
132 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

melhoramento de vida; 24% disseram não entender a função social da


escola, pois vão somente para passar de ano; 19% afirmaram ir para cum-
prir ordens dos pais e 5% afirmaram ir à escola simplesmente para ouvir
a professora – neste dado notam-se a passividade dos sujeitos diante do
que é trabalhado na escola e a falta de perspectiva de um futuro melhor.
Os 5% restantes vão à escola para receber proventos do PBF – neste
último dado, nota-se que o programa de combate à pobreza e de incen-
tivo à permanência do aluno na escola não tem sido fator determinante
para o ingresso e a permanência dos alunos afrodescendentes na escola.
Conhecer as formas de pensar e agir de crianças e adolescentes afrodes-
cendentes frente à formação escolar com vistas à emancipação social
significa oportunizar momentos de reflexão sobre o importante papel da
escolarização na vida do cidadão: é uma possibilidade de produzir me-
lhorias no ensino-aprendizagem, no sentido de promover uma educação
com equidade e qualidade.
• Referências culturais, econômicas e educacionais – a pesquisa mostrou,
no geral, que as crianças e adolescentes entrevistados se identificam
com sua etnia (preto, pardo ou branco); isso mostra que, na escola, a
diversidade étnico-cultural dos alunos está sendo valorizada. Eles se
reconhecem e se orgulham como pessoas pertencentes as suas etnias.
Ademais, há uma quantidade expressiva de alunos com distorção idade-
-série, ou seja, de alunos que não estão cursando o ano de acordo com a
idade própria (são alunos repetentes). Este é um dado preocupante, pois
a repetência representa o fracasso do sistema de ensino. Em todos os
países há alunos que se destacam e alunos com dificuldades de aprendi-
zagem. A equipe escolar (diretor, coordenador pedagógico e professo-
res), juntamente com o poder público, devem garantir que esses alunos
avancem. As dificuldades devem ser superadas durante o ano para evitar
a repetência e, se mesmo assim não for possível corrigir as falhas, outra
alternativa é que o próprio governo garanta a inclusão de alunos com
distorção idade-série na modalidade de Educação de Jovens, Adultos e
Idosos (Ejai). Mas de nada adianta inseri-los nesta modalidade de ensino
se não forem trabalhadas, com precisão, as dificuldades apresentadas
de modo que sejam capazes de conquistar sua emancipação social. A
maioria das crianças e adolescentes afrodescendentes do grupo pesqui-
sado são condicionados ao PBF, ou seja, estão na linha da pobreza ou
da extrema pobreza. É preciso lembrar que o Programa é uma ajuda de
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 133

custo para que as famílias se mantenham no presente, e não deve fazer


parte do futuro porque essas crianças e adolescentes afrodescendentes,
que estão sob a condicionalidade do benefício, devem se estruturar por
meio da Educação para serem inseridas no mercado de trabalho e con-
quistarem, então, autonomia financeira e bem-estar social.
De acordo com a pesquisa, crianças e adolescentes afrodescendentes
vão à escola principalmente para realizar o sonho de ter uma profissão e
um futuro melhor; elegem principalmente profissões que exigem formação
acadêmica, mas não possuem o hábito de planejar suas ações. A formação
escolar por si só não é garantia de emancipação social: é um norte para que
crianças e adolescentes afrodescendentes se reconheçam como cidadãos
de direitos e deveres. É preciso que a escola desenvolva sua capabilidade,
ou seja, sua capacidade de tomar decisões, de decidir livremente sobre suas
vidas, de exercer uma determinada profissão e participar ativamente na vida
política do seu país. Ficou claro que as crianças e adolescentes afrodes-
cendentes entrevistados não sabem utilizar conhecimentos produzidos na
escola para planejar o futuro. A escola – um espaço de vida – deve formar
para a cidadania e para que o aluno conquiste sua emancipação social. De
nada adianta ensinar tantos conteúdos em diversas disciplinas se o aluno
não souber aplicar estes conhecimentos para melhorar a sua vida, a sua rela-
ção com o próximo, para indignar-se com situações de desrespeito humano,
para exigir o cumprimento de leis, enfim, para agir a todo tempo e em todo
lugar dentro dos preceitos de respeito e dignidade do ser humano.
Contudo, apesar das limitações da pesquisa, foram encontradas infor-
mações valiosas e que poderão servir de parâmetro para que sejam arti-
culados novos procedimentos metodológicos no trabalho com o empreen-
dedorismo na escola ou, pelo menos, características empreendedoras nas
escolas, pois analisar a teoria e a prática é priorizar a elevação da qualidade
do trabalho realizado nas unidades de ensino para melhorar a ação pedagó-
gica e, consequentemente, a qualidade de vida de crianças e adolescentes
afrodescendentes.

Com um toque de final


A pesquisa no âmbito do CEEPDS/UFMA foi conduzida metodologica-
mente pela articulação entre ensino, pesquisa e extensão, o que dificulta
qualquer apresentação de resultados lineares como respostas às questões
134 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

norteadoras, lançadas por ocasião da elaboração do PPP do Curso e da


definição de suas diretrizes nacionais. Sem negar a importância de um fio
condutor para a realização de uma pesquisa, tivemos pesquisas diversas no
CEEPDS, desenvolvidas nos e com os módulos do Curso. Como vimos ao
longo da exposição deste capítulo, o nosso olhar de pesquisadoras, a partir
do lugar da Coordenação, e o olhar de todos os envolvidos na realização
do Curso (supervisores, formadores, pesquisadores, tutores, graduandos,
parceiros, dentre outros) se entrecruzaram com o olhar dos cursistas ao vi-
venciar atividades de reflexão-ação no desenvolvimento dos módulos, o que
direcionou a temática de pesquisa geral para os modos de vida das crianças
e adolescentes do PBF na Educação, no espaço das escolas públicas. Além
do objetivo de compreender e analisar modos de vida na pobreza ou extre-
ma pobreza das famílias beneficiárias do Programa, nosso trabalho buscou
se atentar para as formas de pensar, sentir e agir dessas crianças e ado-
lescentes, trazendo a lume o desafio de identificar e potencializar as boas
práticas pessoais e profissionais, principalmente no espaço da escola. Nas
atividades de reflexão-ação realizadas no Curso, a exemplo das oficinas de
Sonhos e Educação Financeira, entendeu-se que um bom ponto de partida
seria acreditar na potência dos sonhos dessas crianças e adolescentes que,
mesmo em situação de pobreza ou de pobreza extrema, almejam um futuro
de prosperidade, em todos os sentidos do termo.
Estar na escola, portanto, significa que eles já galgaram o primeiro de-
grau; já permanecer na escola depende, dentre tantos outros fatores, da
sua vida pessoal, da sua "força de vontade" (e da vontade de muitas outras
pessoas com as quais convivem), da gestão escolar e de políticas públicas. É
um esforço conjunto da sociedade. Mas com a escuta atenta para as formas
de pensar dessas crianças e adolescentes, os sentimentos, a "vontade" de
permanecer na escola e de pensar o que vai ser quando crescer são aspectos
que impulsionam ações e trazem resultados para suas vidas.
Diversas teorias e práticas em relação ao desejo de contribuir para a mu-
dança de vida de crianças e adolescentes pobres e de enfrentar a pobreza
podem se aproximar ou se distanciar desta forma de pensar que conduziu o
CEEPDS/UFMA, mas todas geram sentimentos de maior ou menor empatia
com essa causa que impulsiona o agir, seja ele individual ou coletivo. Quan-
do trouxemos a temática da Aula Inaugural, "O Tempo e o Lugar da Riqueza
Afetiva nas escolas públicas para crianças e adolescentes do Programa Bolsa
Família na Educação", nos desafiamos a realizar o Curso como sujeitos ditos
A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 135

racionais, cientes da importância dessa afetividade plenamente articulada


à razão. A leitura dos conteúdos dos módulos, os vídeos e as atividades de
reflexão-ação radicalizaram os modos de pensar, de sentir e de agir dos cur-
sistas e de todos os envolvidos no Curso em relação à pobreza e à extrema
pobreza em que vivem essas crianças e adolescentes e em relação à im-
portância do PBF para que estes sujeitos entrem e permaneçam na escola.
Entretanto, ao tentar materializar essa experiência no processo de pesquisa,
atendendo as diretrizes para a elaboração dos TCCs, nos deparamos com
velhas práticas que só contribuem para o desconhecimento e para a ma-
nutenção da pobreza nas escolas de muitos municípios do Maranhão. Isso
incluiu até mesmo a rejeição em ouvir as crianças, "porque dá trabalho" e as
tentativas de fazer breves relatos de atividades práticas sem articulá-los com
os autores estudados no Curso, desconsiderando a importância da funda-
mentação teórica na relação entre teoria e prática.
Este foi um dos maiores desafios do CEEPDS/UFMA: o de nos manter-
mos firmes e fiéis à proposta do Curso, cuja marca maior foi a sensibilidade
expressa em cada módulo – o que, pela via do ensino, pesquisa e extensão,
possibilitou muito mais do que levantar dados coletados para a produção e
socialização de conhecimento. Efetivamente, tais ações mudaram a forma de
pensar, de sentir e de agir de todas as mais de cinco mil pessoas que foram
tocadas por esse grande projeto. Assim, muito mais do que a intenção de
generalizar quaisquer resultados de pesquisa, essa publicação tem a inten-
ção de servir de interlocução entre crianças e adolescentes e sociedade em
geral, ou seja: nos abrimos para novas atividades de reflexão-ação, em que
a pesquisa acadêmica caminha sem buscar o seu lugar no podium, mas sim
para articular a vida em sociedade.

Referências
ARAÚJO, M. S. S. As formas de pensar, sentir e agir de crianças e adolescentes de escolas públicas
do maranhão, sob a condicionalidade da educação: ponderações a partir das ferramentas analíti-
cas de Pierre Bourdieu. Módulo V, texto de apoio. São Luís, 2015.
ARROYO, M. G. Pobreza, Desigualdades e Educação. Módulo Introdutório (2014). Disponível em:
http://catalogo.egpbf.mec.gov.br/modulos/pdf/intro.pdf. Acesso em: jan. de 2020.
CONSEPE. Resolução nº 1198, de 06/11/2014. Curso de especialização em Educação, Pobreza e
Desigualdade Social.
MARANHÃO. Projeto político pedagógico de curso de pós-graduação lato sensu – especialização
Educação, pobreza e desigualdade social. Universidade Federal do Maranhão. 2015.
PROJETO DE PESQUISA. Modos de vida e processos pedagógicos na relação educação, pobreza
e desigualdade social no Maranhão. São Luís, 2015.
Links Consultados
http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/perguntas_e_respostas/Per-
guntasFrequentesSCFV_032017.pdf>.
http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo4/a-condicionalidade-de-educacao-do-
-programa-bolsa-familia-um-dialogo-sobre-limites-e-possibilidades.pdf.
http://cod.ibge.gov.br/1FHF
6

Educação, pobreza e desigualdade


social: indicadores de vulnerabilidade
social dos municípios com polos do
CEEPDS
Maria Aparecida Milanez Cavalcante
Célio Chaves Eduardo Filho
Josélia Saraiva e Silva

No período de 2015 a 2016 a Universidade Federal do Piauí (UFPI) ofertou, na


modalidade de educação a distância, o Curso de Especialização Educação,
Pobreza e Desigualdade Social (CEEPDS), tendo como polos os municípios
de Floriano, Parnaíba e Teresina. A pesquisa aqui relatada refere-se ao le-
vantamento de indicadores sociais desses municípios-polos no estado do
Piauí. Nossa intenção era verificar, em visão panorâmica, a situação social
das populações desses municípios para objetivar análises mais qualitativas
referentes à representação social de pobreza partilhada pelos discentes do
Curso. Os indicadores utilizados apresentam dados de informação do ano
de 2010 e, em comparação com as médias do Brasil e do Piauí, versam sobre
os seguintes indicadores: população e Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH); renda per capita; crianças em famílias com vulnerabilidade de renda;
população matriculada em escolas; crianças em vulnerabilidade e fora da
escola; escolaridade de mães chefes de família com filhos menores; escolari-
zação da população com 18 anos ou mais trabalhando; e taxa da população
desocupada. Esses indicadores visam caracterizar os municípios referidos
quanto à pobreza e desigualdade social nos aspectos de renda, educação
e trabalho. Além desses, também são apresentados dados referentes à
138 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

cobertura da proteção social básica: o Cadastro Único (CadÚnico) e o Pro-


grama Bolsa Família (PBF).
Floriano está localizado na mesorregião sudoeste do Piauí. Faz divisa ao
norte com o município de Amarante e o estado do Maranhão, ao sul com
Itaueira e Flores do Piauí, a leste com Francisco Ayres, Nazaré do Piauí e São
João dos Peixes, e a oeste com o município de Jerumenha. A vegetação pre-
dominante é o cerrado, com presença de caatinga. Sua economia se destaca
pela exportação de óleo e amêndoa de babaçu, algodão em pluma, arroz
e milho. Na pecuária, destacam-se as produções de aves, bovinos e ovinos.
Atualmente sofre influência econômica, social e política do agronegócio por
sua localização no cerrado piauiense, onde é intensa a produção de grãos
(soja e milho) para exportação. Ademais, o município possui referência em
Educação com a presença de polos educacionais de nível superior (CEPRO,
2013a).
O município de Parnaíba, localizado na mesorregião norte, faz divisa a
leste com os municípios de Luís Correia, a oeste com Araioses-MA, ao sul
com Buriti dos Lopes e Cocal, e ao norte com o Oceano Atlântico e com
Ilha Grande. A vegetação predominante é de mangue, restingas e caatinga
arbustiva. Sua principal atividade econômica é a exportação de cera de car-
naúba, óleo de babaçu, gordura de coco, folha de jaborandi, castanha de
caju, algodão e couro. O município dispõe, ainda, de indústrias de produtos
alimentícios e de perfumaria, tais como Vegeflora, Cooperativa Delta, Leite
Longá, Cobrasil, Q-Odor Reciclagem, Curtume Romao, Q-Odor e PVP S/A.
O setor hoteleiro também se destaca devido à intensa atividade turística no
litoral piauiense. Também possui destaque a economia de pesca de base
comunitária e cooperativa (CEPRO, 2013b).
Teresina, capital do estado do Piauí, está localizada na mesorregião
Centro-Norte. Faz divisa ao norte com os municípios de União e José de
Freitas; ao sul com Nazária, Monsenhor Gil e Palmeirais, a leste com Altos e
Demerval Lobão e a oeste com Timon-MA. Apresenta vegetação de floresta
decidual secundária mista, babaçual e campo cerrado. Sua economia tem
destaque nos setores do comércio (artesanato, shoppings, supermercados,
mercados etc.) e de serviços (educação, saúde, transporte etc.). Na agricul-
tura, destacam-se os cultivos de cana-de-açúcar, mandioca, coco-da-baía e
laranja. Na pecuária, a relevância é na produção de aves, bovinos e suínos
(CEPRO, 2013c).
Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 139

Para a caracterização dos municípios em termos de renda, educação e


longevidade foram utilizados dados produzidos pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Brasil). Sobre esses dados, Guima-
rães e Jannuzzi (2005) afirmam que

desde 1990, sob a liderança pioneira do economista paquistanês Mah-


bub ul Haq e com base no enfoque de capacidades e titularidades de
Amartya Sen, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) vem publicando relatórios anuais sobre as diversas dimensões
do "desenvolvimento humano". Para avaliar a evolução das condições
de vida, o Relatório do Desenvolvimento Humano traz anualmente o cál-
culo do IDH, que permite comparar, através do tempo, a situação relativa
dos países segundo as três dimensões mais elementares do "desenvol-
vimento humano". O IDH é um índice que busca mensurar o nível de
desenvolvimento de um país da perspectiva mais ampla do que a simples
relação entre o Produto Interno Bruto e a população. Para tanto, incor-
pora as dimensões longevidade e educação, combinadas mediante um
procedimento aritmético simples (GUIMARÃES; JANNUZZI, 2005, p. 75).

A respeito do conceito de desenvolvimento humano, o uso dos indica-


dores PNUD o enfatiza numa perspectiva da produção humana como obje-
tivos finais, em que as pessoas são beneficiárias do desenvolvimento, com
enfoque para além das necessidades básicas, já que se centra mais na pro-
visão de bens básicos do que no tema das possibilidades de escolha. Sobre
as desvantagens desses indicadores, Guimarães e Jannuzzi (2005) têm criti-
cado a forma como os indicadores vêm sendo utilizados – como mera ope-
racionalização dos índices, sem uma aplicação conceitual do fenômeno –,
além da tendência da reificação do caráter ideológico e político de inserção
na análise de políticas públicas. Outra crítica ao uso de indicadores sociais é
o fato de serem dados gerais e homogêneos, onde não há consideração das
dimensões particulares dos diferentes lugares sociais, políticos e culturais.
Por outro lado, os autores afirmam que índices econômicos e sociais são
acessíveis em quase todos os países do mundo, possibilitando, portanto,
a comparação dos níveis de desenvolvimento humano entre os países e a
consequente elaboração do "ranking mundial de desenvolvimento humano"
(GUIMARÃES; JANNUZZI, 2005, p. 76).
Aqui, o conceito será utilizado com o Índice de Desenvolvimento Huma-
no Municipal (IDH-M) para caracterizar os municípios estudados quanto às
condições sociais, econômicas e educacionais vividas. Sabe-se das limita-
ções dos indicadores em apresentar as particularidades da realidade vivida
140 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

pela população; porém, tem-se o objetivo de subsidiar questões para etapas


posteriores da pesquisa quanto ao trabalho social com famílias, realizado
por profissionais da Política de Assistência Social, no enfrentamento da po-
breza. Assim, os autores definem o IDH-M como

uma versão, para os municípios, do Índice de Desenvolvimento Humano


(IDH), desenvolvida, metodologicamente, pela Fundação João Pinheiro e
pelo IPEA para o estudo pioneiro sobre o desenvolvimento humano nos
municípios mineiros em 1996. O Índice foi calculado para Unidades da
Federação, Grandes Regiões e Brasil, mas não é comparável ao IDH, mes-
mo quando esses dois índices se referem à mesma unidade geográfica e
ao mesmo ano. Entretanto, ambos os índices sintetizam as mesmas três
dimensões (Renda, Educação e Longevidade), e as principais adaptações
foram feitas nos indicadores de Renda e de Educação, com o propósito
de que os indicadores envolvidos refletissem, com mais precisão, o de-
senvolvimento humano da população efetivamente residente em cada
município (GUIMARÃES; JANNUZZI, 2005, p. 80).

Na construção da dimensão de Renda– sendo o cálculo da renda a mé-


dia da renda per capita de cada indivíduo residente no município – o IDH-M
é alvo de críticas por não considerar a família como "unidade de consumo
dos indivíduos" e por

não contemplar indicadores do nível de desigualdade da distribuição


da renda e de aferição da proporção de pessoas e/ou famílias situadas
abaixo de determinado nível de renda (proporção de famílias pobres ou
indigentes, por exemplo), fundamental para o planejamento de progra-
mas voltados para maiores carências (GUIMARÃES; JANNUZZI, 2005, p.
81).

Quanto à dimensão Educação, o IDH-M utiliza a taxa bruta da frequ-


ência escolar, considerado pelos autores um indicador mais precário que o
número médio de anos estudados – sendo que este estima a escolaridade
média da população e, assim, caracteriza melhor a situação educacional. Já
a dimensão de Longevidade utiliza apenas um indicador (qual seja, o de es-
perança de vida ao nascer) para aferir as condições de saúde e salubridade
existentes no município.
Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 141

A pobreza expressa pela exclusão do mundo do trabalho e da


geração de renda
A Tabela a seguir apresenta dados referentes à população total, à den-
sidade demográfica e ao IDH1 para o Brasil e para o Piauí – no caso, o IDH-
-M2 para os municípios de Floriano, Parnaíba e Teresina. Observamos que,
dentre os locais estudados, Floriano é o que possui menor população total
e menor densidade demográfica, o que pode ser caracterizado dentro dos
pequenos municípios do estado. Parnaíba, com 334,51 hab./km² e Teresina,
com 584,94 hab./km² representam os municípios com maior contingente po-
pulacional, caracterizando maior urbanização espacial. Quanto ao IDH-M,
Parnaíba possui a menor taxa (0,687) em relação à Floriano (0,7) e Teresina
(0,751).

1 Desde 2010, quando o Relatório de Desenvolvimento Humano completou 20 anos,


novas metodologias foram incorporadas para o cálculo do IDH. Atualmente, os três
pilares que constituem o IDH (saúde, educação e renda) são mensurados da seguinte
forma: uma vida longa e saudável (saúde) é medida pela expectativa de vida; o acesso
ao conhecimento (educação) é medido pela média de anos de educação de adultos,
que é o número médio de anos de educação recebidos durante a vida por pessoas a
partir de 25 anos, e pela expectativa de anos de escolaridade para crianças na idade
de iniciar a vida escolar, que é o número total de anos de escolaridade que uma criança
na idade de iniciar a vida escolar pode esperar receber se os padrões prevalecentes
de taxas de matrículas específicas por idade permanecerem os mesmos durante a vida
da criança; já o padrão de vida (renda) é medido pela Renda Nacional Bruta (RNB) per
capita, expressa em poder de paridade de compra (PPP) constante, em dólar, tendo
2005 como ano de referência. Quanto mais próximo de 1, melhor o IDH, e quanto mais
próximo de 0, pior o IDH (PNUD, 2010).
2 O IDH-M brasileiro segue as mesmas três dimensões do IDH Global – longevidade,
educação e renda –, mas vai além: adequa a metodologia global ao contexto brasileiro
e à disponibilidade de indicadores nacionais. Embora meçam os mesmos fenômenos,
os indicadores levados em conta no IDH-M são mais adequados para avaliar o desen-
volvimento dos municípios brasileiros. O IDH-M é um índice composto que agrega três
das mais importantes dimensões do desenvolvimento humano: a oportunidade de viver
uma vida longa e saudável, de ter acesso ao conhecimento e de ter um padrão de vida
que garanta as necessidades básicas, representadas pela saúde, pela educação e pela
renda (PNUD, 2010).
142 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Tabela 1 – Indicadores populacionais e IDH (2010)

Indicadores cen-
BRASIL Piauí Floriano Parnaíba Teresina
sitários (2010)

População total 190.755.799 3.118.360 57.690 145.705 814.230

Densidade demo-
22,43 12,40 16,92 334,51 584,94
gráfica (hab./km²)

IDH 0,727 0,646 0,7 0,687 0,751

Fonte: elaboração própria, com base nos dados do IBGE (2010).

Além dos dados apresentados, é importante destacar a quantidade


populacional das zonas rural e urbana dos municípios: em Floriano, a popu-
lação residente rural é de 7.720 pessoas (13,38%), e a parte residente urbana
é de 49.970 pessoas (86,62%); em Parnaíba, a população residente rural é
de 8.820 pessoas (6,05%), e a parte residente urbana é de 137.485 pessoas
(94,35%); já em Teresina, a parte residente rural é de 46.673 pessoas (5,73%)
e a residente urbana é de 767.557 pessoas (94,24%). No Piauí, a população
rural é de 1.607.401 pessoas (34,23%), e a população urbana é de 2.050.959
pessoas (65,77%). Observa-se, neste sentido, que os três municípios, se com-
parados à porcentagem populacional rural e urbana do estado, expressam o
intenso processo de deslocamento populacional da zona rural para urbana,
superando até mesmo o indicado na porcentagem piauiense. Tais deslo-
camentos intensificam o processo de urbanização, o que tem gerado uma
constituição de zonas periféricas empobrecidas, que demandam serviços,
estruturas habitacional e de saneamento e acesso à direitos fundamentais,
tais como educação, saúde, transporte etc.
Sobre a população de dez anos ou mais de idade por condição de
atividade nos municípios pesquisados, observa-se que a capital Teresina
se destaca na porcentagem da População Economicamente Ativa (PEA) –
407.816 (ou 66,39%) indivíduos ocupados, enquanto que Floriano e Parnaíba
possuem índices de 54,69% e 51,46%, respectivamente. Essa maior taxa de
atividade em Teresina se deve à maior concentração de serviços e merca-
dos, em que as possibilidades de criação de vínculo empregatício formal
e informal também se tornam maiores. Mesmo com uma taxa de ocupação
maior do que a dos outros municípios, ainda se observa, como característica
marcante, a informalidade nas atividades: apenas 25,95% dos indivíduos são
Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 143

empregados com carteira de trabalho assinada, e na informalidade; 14,17%


são empregados, mas sem carteira de trabalho assinada, e 12,38% trabalham
por conta própria. Ainda nesta condição, observam-se diferenças de gênero
com relação ao sexo: a taxa de ocupação economicamente ativa é maior
entre a população masculina nos três municípios: em Floriano, são 55,74%
homens e 44,26% mulheres; em Parnaíba, são 57,53% homens e 42,47% mu-
lheres; em Teresina, são 53,09% homens e 46,91% mulheres. Entre os não
economicamente ativos, a desproporção de gênero entre os indivíduos de-
socupados é ainda maior. É o que ilustra a Tabela a seguir.
Tabela 2 – Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por condição de atividade na semana
de referência e sexo (Floriano, Parnaíba e Teresina)

Condição de atividade na semana de referência


e sexo
Economicamente Não economicamente
Mulheres

Município
Homens

ativas ativas
Total

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

Σ 49.033 22.880 26.153 26.818 14.948 11.870 22.215 7.932 14.283


Floriano
% 100 46,66 53,34 100 55,74 44,26 100 35,71 64,29

Σ 122.757 58.004 64.753 63.174 36.342 26.832 59.583 21.662 37.921


Parnaíba
% 100 47,25 52,75 100 57,53 42,47 100 36,36 63,64

Σ 614.314 319.761 294.553 407.816 216.516 191.310 286.323 103.245 183.078


Teresina
% 100 52,05 47,95 100 53,09 46,91 100 36,06 63,94

Fonte: elaboração própria, com base nos dados do Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2011).

O Gráfico 1, apresentado a seguir, traz a taxa da população desocupada


por faixa etária,3 no intervalo de 15 a 29 anos de idade – período considera-
do, pelas políticas públicas, como aquele que caracteriza a juventude,4 sen-
do o jovem um ator social que busca projetos de vida de autonomia, renda
e trabalho. A entrada da população jovem no mercado de trabalho também

3 Percentual da PEA por faixa etária que estava desocupada, ou seja, que não estava
ocupada na semana anterior à data do Censo, mas havia procurado trabalho ao longo
do mês anterior à data dessa pesquisa.
4 A Lei 12.852, de 5 de agosto de 2013 – que promulga o Estatuto da Juventude – consi-
dera jovens as pessoas entre 15 e 29 anos de idade. Seu artigo 14 afirma o seguinte: "O
jovem tem direito à profissionalização, ao trabalho e à renda, exercido em condições de
liberdade, equidade e segurança, adequadamente remunerado e com proteção social"
(BRASIL, 2013).
144 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

pode modificar as estruturas de renda, de dependência e de autonomia en-


tre os membros da família.
Observa-se que há maior desproporção, entre os municípios, na taxa de
desocupação entre 15 e 17 anos de idade – período em que o jovem se pre-
para para entrar no mercado de trabalho e construir projetos de autonomia
aliados a projetos educacionais. O município de Floriano apresenta a menor
taxa de desocupação (8,43%) nesta faixa etária, enquanto que Teresina traz
a maior taxa (37,93%), se comparada às médias nacional e estadual (24,19% e
17,27%, respectivamente). Essas taxas podem sofrer influência da predomi-
nância do fator educacional – permanência exclusiva na escola – em relação
à busca do primeiro emprego.
Na faixa etária de 18 a 24 anos de idade, Parnaíba (24,02%) e Teresina
(21,62%) possuem taxas de desocupação superiores às médias nacional e
estadual (15,07% e 17,15%, respectivamente), enquanto que Floriano tem
elevada taxa de desocupação (14,29%) se comparada à faixa etária anterior,
mas mantém taxa inferior às médias nacional e estadual. Dentre os municí-
pios, Teresina se destaca na diminuição da taxa de desocupação (16,31%),
entre os dois intervalos etários analisados anteriormente; enquanto Parna-
íba apresenta aumento na taxa de desocupação (4,02%). Observa-se que
a incorporação de mão de obra ao mercado se intensifica no município de
Teresina, enquanto que nos demais ocorre uma desaceleração, provocando
o aumento de desocupados na faixa etária em que o ingresso no mercado
de trabalho é desejado e esperado. Nestes pequenos municípios, o proces-
so de deslocamento para grandes centros urbanos se intensifica devido à
falta de oportunidades de emprego e renda no local de pertencimento, e
geralmente o acesso ao trabalho em outros locais são precários e mal remu-
nerados, considerando o nível de escolaridade que os indivíduos possuem.
Na faixa etária entre 25 e 29 anos de idade observa-se a diminuição pela
metade na taxa de desocupação nos municípios de Teresina e Parnaíba
(11,16% e 12,56%, respectivamente), porém mantém-se a taxa superior às
médias nacional e estadual. Já o município de Floriano sofre queda de taxa
(8,42%) equiparando-se à média nacional (8,77%). No Gráfico 1 observa-se
forte parcela da PEA em condição de desocupação nos intervalos etários
estudados, expressando condições de vulnerabilidade populacional quanto
ao acesso ao mercado de trabalho (formal e informal) e, por consequência,
ausência de renda, também impactando nos rendimentos familiares. Além
Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 145

disso, trata-se da população jovem que, estruturalmente, tem projetos de


autonomia não concretizados.

Gráfico 1 – Distribuição da população desocupada por faixa etária nos municípios de


Floriano, Parnaíba e Teresina

Fonte: PNUD/Atlas Brasil (2010).

O Gráfico 2 apresenta a relação da taxa da PEA ocupada com 18 anos


ou mais com a escolaridade atingida. Aqui, observa-se que a população, nos
diferentes territórios estudados, apresenta, em média, baixo grau de escola-
ridade, com apenas Ensino Fundamental completo. Teresina (68,98%) e Flo-
riano (62,61%) apresentam taxa de ocupação com baixa escolaridade (Ensino
Fundamental completo) superior às médias nacional e estadual (62,29% e
48,54%, respectivamente). Quanto à taxa de ocupados com escolaridade em
nível superior, esta se apresenta com menor expressão, sendo as de Floriano
(11,79%) e Parnaíba (10,77%) inferiores à média nacional (13,19%). No entanto,
se comparados à média do Piauí (9,6%), observa-se o destaque desses dois
municípios, principalmente se considerada a existência de políticas educa-
cionais de nível superior, com a presença de centros universitários públicos
e privados nos municípios. Disso, conclui-se que a baixa escolaridade, prin-
cipalmente com formação técnica e especializada, impacta diretamente
nos mercados de trabalho ocupados, geralmente precários (formal e infor-
mal), com baixa remuneração e com poucas perspectivas de mobilidades
ocupacionais.
146 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Os setores do comércio e de serviços são os mais ocupados, respectiva-


mente, em Floriano (23,11% e 40,00%), Parnaíba (24,02% e 46,56%) e Teresina
(20,45% e 55,22%), todos superiores às médias nacionais (15,38% e 44,29%,
respectivamente). Os setores com menor taxa de ocupação são os do extrati-
vismo mineral e o da indústria de transformação. É importante destacar que,
além do impacto na reprodução material das famílias, a baixa escolaridade
de seus membros e dos(as) chefes de família implica na redução do capital
humano e simbólico, necessário para a diminuição das desigualdades sociais
e da pobreza. O Gráfico a seguir mostra a porcentagem de ocupados com
18 anos ou mais por escolaridade.

Gráfico 2 – Porcentagem de ocupados com 18 anos ou mais (por escolaridade)

Fonte: PNUD/Atlas Brasil (2010).

A pobreza expressa na renda familiar e na baixa escolaridade da


população
O Gráfico 3 mostra a porcentagem populacional com matrícula na escola,
no intervalo etário entre zero e 24 anos de idade. Este busca compreender
como a Educação está presente na vida da população, considerando-a um
Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 147

dos fatores usados no cálculo do IDH. No Gráfico em comento, é importan-


te observar duas questões: i) a deficiência das populações de zero a cinco
anos de idade e de 18 a 24 anos de idade com matrículas na escola; e ii) a
concentração de matrículas no intervalo etário entre 5 e 17 anos de idade.
É importante ressaltar a importância do PBF para o acesso e a permanência
de crianças e adolescentes nas escolas, uma vez que o recebimento do be-
nefício exige da família a contrapartida (ou condicionalidade) de frequência
escolar mínima.
O primeiro intervalo se refere aos anos iniciais de ingressos das crianças
no ambiente escolar, tanto para a socialização, quanto para o atendimento
às necessidades da família que possuem ocupação no mercado de trabalho.
Essas estimativas também podem estar associadas às debilidades de oferta
de creches públicas. O segundo intervalo etário corresponde ao período de
ingresso no ensino superior, em que o acesso ainda se mostra não democrá-
tico, mesmo com políticas afirmativas, tal como a Lei 12.711/2012, popular-
mente conhecida como Lei de Cotas para o Ensino Superior.5
Quanto à concentração no intervalo etário de 5 a 17 anos, observa-se
que o grau de estudo varia entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, o
que justifica a ocupação em postos de trabalho precarizados ou a desocu-
pação de grande parcela da população. Soma-se a isso a estimativa de anos
de estudo, ou seja, o cálculo aproximado que a geração de uma criança que
ingressa na escola terá quando completar 18 anos de idade é de 9,54 anos
de estudo no Brasil (PNUD, 2010), sendo que o projeto educacional será in-
terrompido antes de acessar o Ensino Superior.
Do Gráfico 3 ainda é possível extrair que, no intervalo entre 15 e 17 anos,
há o início da queda no número de matrículas – em média 10% para todos
os territórios analisados, comparados aos dois intervalos etários anteriores.
Essa faixa etária corresponde ao momento em que os jovens são interpela-
dos pelas necessidades de consumo e pelo ingresso precoce no mercado
de trabalho, sem permanência na escola.
Em números percentuais, as taxas de população de zero a cinco anos de
idade na escola em Floriano (36%) e Parnaíba (41%) são mais baixas que as

5 BRASIL. Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universida-
des federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível superior e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 ago. 2012. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm. Acesso em: 10 dez.
2019.
148 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

taxas nacional (43,15%) e estadual (44,16%). Já o município de Teresina (51%)


apresenta uma taxa superior – trata-se da capital do estado, onde há maior
concentração de serviço público. A população de 18 a 24 anos de idade na
escola apresenta os seguintes índices: Brasil (30,64%); Piauí (36,41%); Floriano
(47,41%); Parnaíba (37,17%); Teresina (43,35%). Os três municípios analisados
possuem oferta de Ensino Superior público e privado, o que contribui para
que as taxas de matrícula na idade correspondente ao ingresso neste nível
sejam mais elevadas que as médias nacional e estadual.
A seguir, o Gráfico 3 mostra a população com matrículas na escola tendo,
como referência, o ano de 2010.

Gráfico 3 – Distribuição do número de matrículas por município estudado de acordo


com a faixa etária e comparação com Brasil e Piauí
Fonte: PNUD/Atlas Brasil (2010).

A família, nas suas mais diversas configurações, constitui-se como um


espaço altamente complexo. É construída e reconstruída histórica e coti-
dianamente, através das relações e negociações que estabelece entre seus
membros e entre ela e outras esferas da sociedade, tais como o Estado,
Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 149

o trabalho e o mercado. Reconhece-se, também, que além da sua capaci-


dade de produção de subjetividades, a família também é uma unidade de
cuidado e de redistribuição interna de recursos (MIOTO, 2010, p. 6). Ela é
considerada, no âmbito das políticas públicas, como o "espaço privilegiado
e insubstituível de proteção social e socialização primárias, provedoras de
cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser cuidada e prote-
gida" (BRASIL, 2005).
Com relação às famílias em vulnerabilidade social, com baixa renda e,
em parte, desfiliadas do mercado de trabalho – tanto pelas crises estrutural
e cíclica do capital, quanto pelas desigualdades de acesso à Educação, delas
decorrentes –, ampliam-se as expressões da questão social e as demandas
para o Estado. Porém, com a reestruturação da produção e o aumento do
desemprego a partir da década de 1980, a questão social e a política social
são deslocadas do âmbito do Estado de Bem-Estar Social e se tornam status
de políticas neoliberais e de responsabilização das famílias. Aqui, a política
social assume formas focalizadas e compensatórias no Brasil e na América
Latina, tendo como objetivo central o alívio da pobreza e da extrema po-
breza, especialmente com transferências de renda diretamente às famílias
pauperizadas.
A Tabela 3 apresenta a situação de vulnerabilidade social quanto à renda
nos espaços rural e urbano dos municípios pesquisados. No levantamento,
foram consideradas famílias em vulnerabilidade de renda – ou seja, aquelas
que possuem até ½ salário mínimo per capita – 6 e as famílias sem rendi-
mento. Observa-se que as famílias em condição de extrema pobreza e em
condição de pobreza estão concentradas nas zonas urbanas dos municípios,
com as seguintes taxas: Floriano (91,2%); Parnaíba (92,7%); Teresina (95,1%).
Também há uma parcela significativa de famílias sem rendimento na zona
urbana, assim representada: Floriano (298 famílias/27,54%); Parnaíba (1.334

6 As políticas de transferência de renda no Brasil estabelecem critérios baseados na


renda per capita para acesso aos benefícios estabelecidos nos programas sociais. O
Benefício de Prestação Continuada (BPC) estabelece ¼ do salário mínimo per capita da
família para beneficiar pessoas com deficiência ou idosos a partir de 65 anos que não
possuam condições de prover suas necessidades nem de tê-las providas por sua família.
O PBF estabelece a soma da renda per capita familiar em até R$ 77,00 para considerar
"família em situação de extrema pobreza" e entre R$ 77,01 e R$ 154 para "famílias em
situação de pobreza". Para o CadÚnico (cadastro para acesso aos programas do gover-
no federal), consideram-se "famílias de baixa renda" aquelas que possuem ½ salário
mínimo mensal per capita integrante da mesma ou aquelas em que a renda total mensal
é de até três salários mínimos.
150 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

famílias/34,46%); Teresina (5.897 famílias/34,53%), das famílias em extrema


pobreza. Quanto à zona rural, as taxas dos municípios aparecem assim repre-
sentas: Floriano (63 famílias/60,58%); Parnaíba (145 famílias/43,05%); Teresina
(269 famílias/30,71%) – sendo que, nos dois primeiros, há maior concentração
de famílias sem rendimento na totalidade de famílias em vulnerabilidade de
renda aqui definida.
Além do fator renda aqui empregado, para caracterizar o quantitativo
de famílias em situação de pobreza é importante destacar o fator família
monoparental feminina uma vez que há parcela significativa nesta análise,
além de ser um fator que constitui maior empobrecimento e novos desafios
para as políticas sociais. Como coloca Teixeira (2013),

o Estado deve proteger as famílias das fragilidades, evitando a dissolução


de seus vínculos decorrentes das transformações que afetam as famílias
e as vulnerabilizam, como as famílias monoparentais femininas e sua re-
lação com a pobreza. A vida familiar se torna mais arriscada em face da
feminização da pobreza e da pauperização das famílias monoparentais,
cabendo ao Estado fortalecê-las enquanto unidades familiares, sem des-
criminalização ou sobrecarga de responsabilidades, minimizando suas
funções de reprodução, com a oferta de uma rede de serviços básicos,
protetivos, preventivos, como modo eficaz de evitar o rompimento com
os vínculos familiares (TEIXEIRA, 2013, p. 114).

Esse fenômeno de feminilização e pauperização das famílias, junto aos


processos de urbanização, representam impactos significativos na vida
das famílias em vulnerabilidade social dos municípios aqui estudados,
sendo a totalidade das famílias monoparentais femininas:7 Floriano (833
famílias/70,23%), Parnaíba (2.622 famílias/59,16%) e Teresina (11.991 famí-
lias/66,79%). Entre as famílias monoparentais femininas em vulnerabilidade
de renda, destacam-se as que não possuem nenhuma renda, assim repre-
sentadas: Floriano (287 famílias/34,45%), Parnaíba (1.173 famílias/44,73%) e
Teresina (5.081 famílias/42,37%).
Para Carvalho e Almeida (2003), o fenômeno de pauperização das fa-
mílias de classes populares depende de alguns fatores: i) da fase do ciclo
familiar; ii) do número e característica de seus componentes (conforme sexo,
idade, instrução e nível de qualificação, entre outros); e iii) de sua proposição
nos grupos domésticos (chefe, cônjuge e filhos, principalmente em razão

7 O IBGE a define como mulher sem cônjuge e com filhos.


Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 151

da prevalência da família nuclear no Brasil), à qual estão associados papéis


definidos socialmente. Famílias com filhos mais novos ou chefiadas por mu-
lheres têm altas probabilidades de serem pobres ou muito pobres. A Tabela
3, a seguir, apresenta dados sobre famílias de rendimento nominal mensal
familiar per capita (em salários).
Tabela 3 – Famílias conviventes residentes em domicílios particulares por classe de
rendimento nominal mensal

Famílias de rendimento nominal mensal familiar per capita (em salários mínimos)
Zona rural Zona urbana
Município Mais Sem Mais Sem
Até
Total de ¼ rendi- Total Até ¼ de ¼ rendi-
¼
até ½ mento até ½ mento
Freq. 104 23 18 63 1082 304 480 298
Floriano
% 100 22,12 17,31 60,58 100 28,10 44,36 27,54
Freq. 322 125 52 145 4.110 1.386 1.390 1.334
Parnaíba
% 100 38,82 16,15 45,03 100 33,72 33,82 32,46
Freq. 876 312 295 269 17.076 3.953 7.226 5.897
Teresina
% 100 35,62 33,68 30,71 100 23,15 42,32 34,53

Fonte: elaboração própria, com base nos dados do Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2011).
Legenda: Freq. = Frequência.

Observa-se, a seguir, o comportamento das taxas relacionadas à renda


per capita dos municípios estudados, nos seguintes critérios: total, dos po-
bres e dos extremamente pobres.8

8 Renda per capita: razão entre o somatório da renda de todos os indivíduos residentes
em domicílios particulares permanentes e o número total desses indivíduos. Valores
em reais de 01 de agosto de 2010. Renda per capita dos pobres: média de renda do-
miciliar per capita das pessoas com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$
140,00 mensais, segundo valores de agosto de 2010. O universo de indivíduos é limita-
do àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes. Renda per capita dos
extremamente pobres: média de renda domiciliar per capita das pessoas com renda
domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 70,00 mensais, segundo valores de agosto de
2010. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares
permanentes.
152 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Gráfico 4 – Distribuição da população dos municípios pesquisados por nível de renda

Fonte: PNUD/Atlas Brasil (2010).

Do Gráfico 4 infere-se a extrema desigualdade social existente no Bra-


sil quando se observa o comportamento das linhas no gráfico, expresso na
comparação da renda per capita nacional, estadual e municipal, com a renda
dos pobres e dos extremamente pobres. Observa-se que a desigualdade
social se eleva com o processo de urbanização, ou seja, em nível de Brasil
(R$ 793,87) e Teresina (R$ 757,57), as diferenças entre renda per capita e ren-
da per capita dos pobres (R$ 75,19) e dos extremamente pobres (R$ 31,66)
são maiores do que nos municípios menores, como em Floriano: per capita
(R$ 536,30), per capita de pobres (R$ 83,11) e per capita de extremamente
pobres (R$ 32,06 reais). Já Parnaíba apresenta as seguintes taxas: per capita
(R$ 479,58); per capita de pobres (R$ 87,89) e per capita de extremamente
pobres (R$ 38,21).
O Gráfico 5, que expressa crianças em famílias com vulnerabilidade de
renda, possibilita conhecer a realidade, por indicadores, da dimensão de
desenvolvimento social e desigualdades, bem como a dimensão percentual
de crianças que são excluídas do processo social de desenvolvimento pela
grave escassez econômica familiar e de direitos a que estão sujeitas – com-
prometendo, desta forma, o futuro de projetos geracionais e o desenvolvi-
mento social, promovendo a perpetuação da pobreza.
Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 153

Do Gráfico é possível inferir que as famílias em situação de pobreza e ex-


trema pobreza possuem crianças como o maior grupo etário, o que agrava
ainda mais a condição social vivida, uma vez que são dependentes e ainda
não estão aptas a gerar renda para suas famílias. Ademais, necessitam de
atenção em saúde, educação, lazer, cuidados, além de alimentação adequa-
da para o crescimento saudável e de integração à sociedade.
Essa expressão da questão social se apresenta de forma semelhante
nas esferas estudadas (nacional, estadual e municipal), como expressam
as linhas do Gráfico 5, porém com algumas diferenças de intensidade. Por
exemplo, observadas as taxas estadual, do Piauí e do município de Parnaíba,
tem-se que o agravamento, tanto de famílias quanto de crianças, é superior
às demais médias.
A mortalidade infantil como principal agravamento da situação de po-
breza vivida pelas famílias expressa a exclusão completa dos direitos huma-
nos – neste caso, o direito à vida, pela ausência das condições básicas de
sobrevivência tais como alimentação e assistência médica, o que provoca
desnutrição e morte – imagens das mais terríveis em termos de perda de
humanização, de aumento da desigualdade social e de morte precoce.

Gráfico 5 – Distribuição do número de crianças em famílias com vulnerabilidade de


renda
Fonte: PNUD/Atlas Brasil (2010).
154 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

A pobreza expressa na negação do direito à Educação e da sucessão


geracional da condição social vivida
O Gráfico 6, que representa crianças em vulnerabilidade social e fora
da escola, permite inferir que há maior concentração de crianças pobres e
extremamente pobres na faixa etária entre zero e cinco anos de idade fora
da escola, o que significa dizer que estas não possuem acompanhamento
e nem estão sob cuidados em creches para que seus responsáveis possam
ingressar no mercado de trabalho e criar possibilidades de superação da po-
breza. Nota-se, também, que o cuidado das crianças tem peso ainda maior
sobre as mulheres, marcadas por condições de desigualdade de gênero,
desencadeando em pouca autonomia e privação dos espaços públicos, de
modo que lhes são atribuídos, como papéis sociais, apenas a maternidade e
os cuidados da vida doméstica.
Novamente, a perpetuação geracional da pobreza se apresenta no Grá-
fico, expresso na porcentagem das três esferas estudadas de crianças em
domicílio em que ninguém tem Ensino Fundamental completo. Mesmo que
os índices de acesso e permanência na Educação Básica tenham aumentado
com o PBF, como expressa a linha de crianças na faixa etária entre seis e 14
anos de idade matriculados na escola, o acompanhamento educacional e
de projetos futuros no interior da família é desencontrado pelo (ainda) re-
manescente analfabetismo no país. Portanto, é necessária a ampliação de
políticas públicas que identifiquem cada uma das razões que impedem a
superação da pobreza, no sentido de ampliar ações que compreendam a
família como composta de sujeitos com diferentes faixas etárias, necessi-
dades, projetos, visões de mundo e, também, que os adultos não estejam
limitados ao desemprego e às relações precárias de trabalho, de modo que
o projeto educacional se afirme proporcionando resultados significados na
escolarização desse segmento.
Outro aspecto a ser reforçado na discussão sobre as relações entre
educação, pobreza e desigualdade social é o gênero. As mulheres pobres
e extremamente pobres, na condição de chefes de família, são as que mais
têm sofrido o peso da escassez e da exclusão de cidadania. O número famí-
lias monoparentais femininas têm aumentado significativamente, tanto pelo
aumento de divórcios quanto pela negação da paternidade e da partilha
de responsabilidades na reprodução social de crianças e adolescentes. Esse
formato de família tem carregado, ademais, o peso da classe social a que
Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 155

pertence – geralmente pobre e extremamente pobre, de chefes com baixa


escolaridade e possuindo, como única renda mensal, os benefícios do PBF.

Gráfico 6 – Distribuição do número de crianças fora da escola por município estudado

Fonte: PNUD/Atlas Brasil (2010).

A Tabela 4 apresenta a porcentagem de mães chefes de família sem En-


sino Fundamental e com filho menor, comparada à porcentagem total de
mães chefes de família e de mães chefes de família com filho menor, nas três
esferas estudadas. Observa-se que a Educação ainda é uma barreira a ser
vencida para a superação da pobreza, uma vez que há porcentagem elevada
de mães chefes de família, com baixa escolaridade, dificultando o enfrenta-
mento do problema geracional da pobreza, das dificuldades de acompanha-
mento eficiente das propostas curriculares exigidas pela escola, bem como
da necessidade de sensibilização da escola para esse contexto familiar.
Quando essa condição familiar é comparada com mães chefes de famí-
lia com filho menor, o percentual eleva-se ao dobro, tornando a expressão
da questão social ainda mais desafiadora para as políticas públicas, pois a
superação da condição de pobreza deve ser pensada em pelo menos duas
gerações.
156 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

A taxa média de mães chefes de família sem Ensino Fundamental e com


filho menor, no total de mães chefes de família, tem maior expressão em
nível estadual (com 20,81%), sendo as taxas dos municípios estudados assim
representadas: Floriano (14,96%); Parnaíba (16,69%); Teresina (14,76%) – todas
menores que a taxa nacional, que é de 17, 23%. Já a porcentagem de mães
chefes de família sem Fundamental e com filho menor, no total de mães
chefes de família e com filho menor, representa quase a metade do grupo
mães chefes de família e com filho menor.
Tabela 4 – Distribuição de mães chefes de família sem Ensino Fundamental e com
filho menor

% de mães chefes de família % de mães chefes de família


sem Fundamental e com sem Fundamental e com filho
filho menor, no total de mães menor, no total de mães chefes
chefes de família e com filho menor
BRASIL 17,23 43,19
Piauí 20,81 54,43
Floriano-PI 14,96 42,08
Parnaíba-PI 16,69 45,54
Teresina-PI 14,76 37,84

Fonte: PNUD/Atlas Brasil, 2010.

No âmbito da política social brasileira, a pobreza assistida intensificou-se


em 2003 com a criação do PBF a partir de um conjunto de ações voltadas para
o enfretamento da fome e das situações de pobreza e de extrema pobreza
vivenciadas por milhões de famílias no Brasil. O PBF é gerenciado nacional-
mente pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),
em parceria com os estados e municípios, e hoje atende aproximadamente
14 milhões de famílias em todo o país.
Todos os beneficiários do programa estão inscritos no CadÚnico para
programas sociais do governo federal. Cada município é responsável pelo
cadastramento e atualização dos dados dos usuários presentes no Cadas-
tro, e o benefício financeiro é concedido para famílias extremamente pobres
(com renda mensal de até R$ 77,00 por pessoa) e pobres (com renda mensal
de R$ 77,00 a R$ 154,00 por pessoa), variando segundo a faixa de renda e
composição de cada núcleo familiar (BRASIL, 2015).
O principal objetivo do Programa é a superação da pobreza através da
transferência direta de renda, aliada ao acesso das famílias a serviços de
Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 157

Educação, Saúde e Assistência Social por meio do sistema de condiciona-


lidades e da coordenação de ações com outros programas e serviços no
âmbito dos governos federal, estadual e municipal, com participação de
toda a sociedade.
No estado de Piauí, o total de famílias inscritas no CadÚnico em março
de 2016 era de 690.233. O PBF beneficiou, no mês de maio de 2016, 452.832
famílias, representando uma cobertura de 114,0% da estimativa de famílias
pobres no estado. No município de Floriano, o total de famílias inscritas no
Cadastro em março de 2016 era de 9.314. O PBF beneficiou, no mês de maio
de 2016, 4.708 famílias, representando uma cobertura de 91,0% da estima-
tiva de famílias pobres no município. No município de Parnaíba, o total de
famílias inscritas no Cadastro Único em março de 2016 era de 21.759. O PBF
beneficiou, no mês de maio de 2016, 11.276 famílias, representando uma
cobertura de 75,9% da estimativa de famílias pobres no município. Já no mu-
nicípio Teresina, o total de famílias inscritas no Cadastro em março de 2016
era de 110.889. O PBF beneficiou, no mês de maio de 2016, 63.120 famílias,
representando uma cobertura de 98,2% da estimativa de famílias pobres no
município (BRASIL, 2015a; 2015b; 2015c).
Mesmo com essa cobertura na totalidade das transferências de renda
mencionadas anteriormente em relação à totalidade da população em situ-
ação de extrema pobreza, observa-se que o PBF ainda encontra uma série
de desafios devido à (ainda) frágil articulação das três esferas do governo e
da articulação dessas esferas com a sociedade civil. Há dificuldade na arti-
culação entre a transferência de renda e o acesso e a qualidade dos serviços
ofertados. Há, também, a limitação do programa em definir a pobreza como
um fenômeno que é determinado apenas pela questão da renda das famílias
atendidas.
Assim, para além dos dados sobre beneficiários do PBF com relação à
situação de pobreza e de extrema pobreza, Educação e Saúde são elemen-
tos importantes para compreender como essa estratégia de transferência de
renda têm criado sentidos e significados para a atuação de profissionais na
Política Nacional de Assistência Social (PNAS).

Considerações finais
A pobreza, enquanto fenômeno social multidimensional, é expressa por
diferentes fatores que implicam na condição social vivida por grupos sociais,
158 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

consideradas as dimensões de classe, geracional, gênero, raça/etnia, lugar


vivido e exclusão social.
A dimensão de classe se expressa: na extrema desigualdade social do
Brasil – ou seja, na propriedade privada e na desigual distribuição da rique-
za socialmente produzida –, com repercussões na formação de grupos de
baixa renda familiar que possuem o mínimo via programas de transferência
de renda; no desemprego ou na informalidade empregatícia; nas inserções
precárias e com baixa remuneração no mercado de trabalho associadas.
Ademais, políticas públicas mínimas apenas aliviam as necessidades da po-
pulação pobre, desvelando a escassez de serviços públicos de educação,
saúde, cultura, lazer etc. para os diferentes grupos etários.
A dimensão geracional da pobreza se expressa pela reprodução da
condição social ao longo das histórias familiares, dos espaços vividos e da
ampliação da desigualdade social, sobretudo quando os sujeitos em vul-
nerabilidade social não são assistidos em suas particularidades etárias, de
gênero e de mundo vivido. O direito à Educação é o principal entrave para
a superação da pobreza geracional em um país com remanescências e per-
manências de analfabetismo e quando a escola, por questões estruturais,
profissionais e pedagógicas, não consegue alcançar o território em que se
localiza e nem identificar potencialidades locais de amortecimento de ne-
cessidades sociais, dos sofrimentos, das violências institucionais e sociais,
enfim, da organização coletiva para a construção do autorreconhecimento e
das lutas por direitos.
A dimensão de gênero da pobreza é marcador importante para o en-
tendimento deste fenômeno tanto pelo crescente aumento de famílias mo-
noparentais femininas, em que as chefes de família possuem pouca escola-
ridade, são desempregadas ou se encontram em condições subalternas de
trabalho e possuem filhos menores, o que exige mais acompanhamento – já
que não se pode contar com sua força de trabalho. Também recai, aqui, a
responsabilidade de administrar a vida doméstica e as condicionalidades
postas pelo PBF.
Por fim, a dimensão mais aviltante de pobreza se caracteriza pela total
exclusão social: exclusão da cidadania quando se tem fome, quando não se
tem moradia, nem acesso à educação e cultura, quando até mesmo o direito
de ir e vir é cessado. Essa é a condição que toma proporções urbanas e
rurais em termos de escassez dos direitos sociais.
Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 159

Referências
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TEIXEIRA, S. M. A família na política de assistência social: concepções e as tendências do trabalho
social com famílias nos CRAS de Teresina. Teresina: EDUFPI, 2013.
7

Educação e pobreza na Amazônia


Paraense: um estudo sobre o Programa
Bolsa Família em Melgaço, na Ilha do
Marajó
Aline Furtado
Marilena Loureiro da Silva

O presente capítulo se relaciona com a problematização acerca de como o


Programa Bolsa Família (PBF) impacta nos resultados de aprovação/evasão
escolar, e como este auxilia na minimização da pobreza, a partir do cenário
do município de Melgaço, no arquipélago do Marajó – local que, de acordo
com os dados do Censo de 2010 do IBGE, possui o pior Índice de Desen-
volvimento Humano (IDH) do país; um município pobre, onde a população
se mantém basicamente dos recursos da transferência de renda. Nesse sen-
tido, a pesquisa buscou verificar o seguinte: Que contribuição o Programa
Bolsa Família ofereceu para os resultados de aprovação/evasão escolar no
município de Melgaço?
Com a intenção de responder ao problema de pesquisa, estabeleceu-se
como objetivo geral analisar se o PBF impactou no resultado de aprova-
ção/evasão escolar e como este programa social auxiliou na minimização
da pobreza no município de Melgaço. Como objetivos específicos, foram
determinados os seguintes: i) analisar a relação do PBF com a frequência,
o acesso e a permanência escolar; ii) evidenciar a percepção dos bolsistas
que participam do PBF; e iii) investigar se o PBF impacta na economia do
município de Melgaço, na Ilha do Marajó, Amazônia Paraense.
O caminho metodológico adotou os requisitos da pesquisa qualitati-
va e quantitativa, que para Marshall e Rossman (1989) se relacionam com
162 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

questões e problemas que vêm de observações no mundo real, mediante


dilemas e questões. Podemos considerar, então, que a abordagem adotada
nos oportuniza entender que as ações podem ser mais bem-compreendidas
quando são observadas em seu ambiente habitual de ocorrência (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 44).
Na fase inicial da pesquisa foram realizados estudos bibliográficos a
partir de materiais diversos sobre o assunto, tais como livros, artigos, dis-
sertações, teses, revistas e sites da internet. No decorrer da pesquisa fez-se
uso da coleta de dados gerados no local de origem, de análise documental
e bibliográfica, além da pesquisa de campo, com a realização de entrevistas
semiestruturadas e com aplicação de questionários. Foram definidos como
sujeitos da pesquisa: o Secretário de Educação do município de Melgaço;
a Diretora de Ensino vinculada à Secretaria Municipal de Educação de Mel-
gaço; três professores, sendo um do meio rural e os outros dois do centro
urbano; dois diretores escolares, sendo um da zona rural e uma do centro
urbano; e uma representante da Secretaria de Trabalho e Promoção Social
do município.
O levantamento bibliográfico – realizado por meio de documentos tais
como livros, periódicos, artigos científicos, dissertações, teses, documentos
oficiais e, ainda, de material pedagógico veiculado no Curso de Especializa-
ção Educação, Pobreza e Desigualdade Social (CEEPDS), ofertado pelo Mi-
nistério da Educação (MEC) – serviu como base para a concepção do campo
analítico e para as reflexões teóricas do estudo proposto.
O presente capítulo se organiza em quatro seções, assim definidas: na
primeira, de caráter introdutório, são apresentados o problema de pesquisa,
a questão norteadora, os objetivos do estudo e a metodologia adotada. Na
segunda seção, apresenta-se uma breve revisão teórica dos conceitos de
pobreza e de desigualdade social. A terceira seção se refere à análise dos
dados coletados, baseada nas entrevistas realizadas com os professores,
alunos e comunidade sobre como percebem o PBF e sobre a melhoria da
educação e a redução da pobreza. Na quarta e última seção são apresenta-
das algumas aproximações conclusivas.

Um olhar teórico sobre pobreza e desigualdade social


Nesta seção, pretende-se delinear algumas concepções para pobreza e
desigualdade social, presentes atualmente em grande parte do mundo, pois
Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 163

inerentes a qualquer forma de estruturação social e ocorrendo, por vezes,


no entendimento (diferente) de acumulação de bens materiais aos sujeitos
de uma sociedade.
A pobreza é um fenômeno que pode ser analisado por meio de diferen-
tes concepções. Para Altimir (1981), a explicação teórica deste fenômeno se
dá em dois campos. No primeiro, se caracteriza a pobreza nos esquemas
valorativos conservadores, em que ela é vista como acumulação dos efeitos
de imperfeições inerentes ao funcionamento de um sistema socioeconômi-
co e de um estilo de desenvolvimento, sendo reduzida a dados estatísticos.
Na segunda explicação, a pobreza se manifesta em um esquema valorativo
igualitarista e participativo, cujo centro do processo de desenvolvimento é
ocupado pela satisfação das necessidades humanas, materiais, psicológicas
e políticas, sendo considerada urgente a satisfação das necessidades bási-
cas, o que exigiria combinar redistribuição com crescimento.
Em uma abordagem mais estrutural, a concepção de pobreza pode ser
definida de forma que os pobres podem ser parcial ou definitivamente des-
cartados do mercado de trabalho por possuírem renda instável, não possuí-
rem poder e por lhes faltar instrução, o que lhes impede a promoção social,
que os condena a viver num quadro cultural no limite da exclusão (PAUGAM,
1993, p. 21). No sistema capitalista de produção, a força de trabalho é o
fator essencial para a expansão do capital, e "acumular capital é, portanto,
aumentar o proletariado" (MARX, 1980, p. 714).
No que se refere à teoria de paradigma da resistência dos pobres, que se
baseia nas teorias do micro poder de Michel Foucault e na política da cultura
neogramsciana (1980-1990), afirma-se que há resistência onde está o poder,
e mesmo que não se tenha uma ação coletiva, pode surgir a possibilidade
de luta – isso pode ocorrer inclusive na Educação, em especial na educação
popular. Bayat (2000) critica a indefinição conceitual desta teoria e questiona
a possibilidade dos pobres resistirem sempre. Para isso, admite como base o
estudo de Scott (1986), em que se apresenta o caráter impreciso desta teoria
para ações coletivas já que a resistência é construída como um ato político
intencional.
Bayat (1990) formula a teoria de política da rua, que tem por objetivo reto-
mar as infrações praticadas de forma ilegal por trabalhadores informais que,
para sua sobrevivência, ocupam espaços públicos como meio de assegurar
seu trabalho – são os camelôs e ambulantes, por exemplo. Quando ameaça-
das pelas autoridades políticas ou econômicas, estas práticas se organizam
164 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

em resistência, ou por manifestações ou reação coletiva; no entanto, segun-


do o autor, este "não-movimento não é capaz de transformações políticas
mais abrangentes e mesmo não é este seu objetivo" (BAYAT, 2000, p. 553).
Todavia, poderá tornar-se um ator político na medida em que é "mobilizado
em bases coletivas, e suas lutas são articuladas a movimentos sociais mais
amplos e a organizações da sociedade civil" (op. cit., p. 554).
A noção de pobreza também é frequentemente relacionada com o con-
ceito de cidadania, na medida em que a pobreza é vista como ausência de
direito e, nesse sentido, embora não se dissocie do campo econômico, a
pobreza é situada predominantemente no campo político (TELLES, 1992).
A abordagem teórica que alicerça este trabalho se fundamenta na
concepção de Amartya Kumar Sen, economista indiano e ganhador do
Prêmio Nobel de Economia em 1998 que se empenhou no conhecimento
sobre questões de cunho público, tendo como substrato para seu estudo
o economista Kenneth Arrow (considerado um dos fundadores da moderna
economia neoclássica). Contudo, o pensamento de Sen (2000) tem como
abordagem a noção de capacidades (capability).
Para o autor, cada ser humano possui conjuntos de capacidades que
são seus condutores de funcionamento, ou seja, "o estilo de vida de cada
um". Sendo assim, portanto, ao se privar este indivíduo do que Sen (2000)
trata como capacidades – capacidade de ser, de ter e de poder – se limita
e se perde a liberdade pessoal. Como forma de enfrentamento para esta
liberdade, o autor afirma que serviços sociais e fatores econômicos (saúde,
educação e emprego) são importantes para uma legítima oportunidade de
enfrentamento – o que nos remete a ponderar que, para Sen (2000), a po-
breza é a privação de capacidades básicas que não somente tem a ver com
a baixa renda econômica; evidentemente que a falta de renda, por si só,
reflete na economia do país e dificulta, igualmente, a conversão da renda em
funcionamentos socialmente adequados.
A concepção assumida neste trabalho indica a necessidade de proble-
matizar o motivo do desenvolvimento enquanto divisão de recursos para
desígnios com alcance de realização com valores individuais ou coletivos
já que, para as capacidades humanas, a pobreza é relativa à riqueza e já
que, por exemplo, um pobre desempregado, que recebe benefício/auxílio
do governo, mesmo que sadio, apresenta uma privação menor que a de
um rico acometido por uma grave doença. Este exemplo foi mencionado
Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 165

porque as áreas de Saúde, Educação e Desenvolvimento, para Sen (2000), se


inter-relacionam. O autor afirma que

o fato de que a educação e os cuidados de saúde podem ser produtivos


a ponto de aumentarem o crescimento econômico reforça o argumento
para conferir maior ênfase a esses arranjos sociais em economias pouco
devolvidas (SEN, 2000, p. xx).

Porém, como alerta Sen (2000), a redução da pobreza medida pela renda
não pode ser o único objetivo de políticas de combate à pobreza – esta,
por sua vez, não pode ser circunscrita somente pela renda e querer justificar
socialmente que os investimentos aplicados em serviços sociais são meios
para a redução de tal, isso é confundir os fins com os meios (SEN, 2000, p.
114). A pobreza, segundo o autor, precisa ser entendida como uma privação
da vida, mas estes indivíduos acometidos de tal privação possuem liberdade
e capacidade humana para sua superação. No entanto, o aumento dessas
capacidades aliado à expansão de produtividades pode ajudar na aquisição
de renda, fazendo com que se diminuam as privações humanas. Uma abor-
dagem de concepção multidimensional do desenvolvimento é vital para Sen
(2000), já que a ampliação e o acesso ao mercado favorecem a oportunidade
social; a visão de diferentes vias distributivas asseguram o acesso a bens
públicos por parte da população carente e, ainda, os subsídios/transferên-
cias de renda visam o auxílio de aprimoramento das capacidades básicas,
especialmente nas áreas de saúde, educação e segurança social.
A concepção de desenvolvimento como liberdade considera três
aspectos:
1. em uma perspectiva liberal, a expansão de liberdades não valoriza
somente uma vida rica economicamente, mas também possibilita que
pessoas sejam socialmente mais plenas, que interajam no e influenciem
o mundo em que vivem – por exemplo, em uma discussão pública, em
que se expandem capacidades básicas de todos os envolvidos, o que
possibilita direitos democráticos e faz com que as "necessidades" sejam
melhor conceituadas em suas variadas dimensões (e não reduzidas à
questão da renda pessoal, familiar ou coletiva);
2. a partir de uma visão crítica do social, mesmo em países financeiramente
ricos, alguns de seus cidadãos sofrem desvantagens nos serviços básicos
de atendimento, como saúde, educação e emprego;
166 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

3. com base em dados históricos acerca da democracia e das privações


sociais, em países democráticos de direito não há registros de epidemia
de fome já que as competências políticas assumem medidas preventivas
em relação à fome e as suas causas, visando a continuidade do poder
político adquirido.
Sen (2000) usa a abordagem das capacidades: a capacidade de ser, ao
se referir ao desenvolvimento do indivíduo enquanto cidadão a partir do seu
acesso a serviços básicos como saúde, educação e moradia; a capacidade
de ter, que está ligada à capacidade de ser já que é preciso ser cidadão para
ter a capacidade de consumo, de melhor emprego e, assim, ter renda para
adquirir seus bens; e a capacidade de poder, quando já se conseguiu atingir
as duas capacidades anteriores e, assim, se consegue acessar espaços de
participação que necessariamente perpassam a Educação. Essas capacida-
des são formas de compreender a injustiça social. No entanto, estas não
são claras, de forma específica, como anseia a justiça social, de modo que
o referido autor desenvolve sua argumentação com críticas implícitas ao
IDH: embora este argumento tenha contribuído com ideias para compor tal
índice, o pensador afirma que é necessária a existência de diversos elemen-
tos para a tomada de decisão mais concreta. Seriam eles, por exemplo: a
liberdade, a capacidade, os recursos, a felicidade e a igualdade – critérios a
serem considerados, que um sistema predeterminado não incorpora como
valores e elementos e, que, portanto, não se traduzem em um resultado úni-
co e hierárquico em uma mesma sociedade.

Relações entre educação, pobreza e desigualdade social


A pobreza não é somente a insuficiência de renda, a incapacidade de
gerar recursos ou a dificuldade para alcançar níveis mínimos de qualidade
de vida como, por exemplo, a nutrição, a saúde, a alimentação, a moradia
entre outros. Ela também é caracterizada pela ausência de recursos para a
satisfação de necessidades básicas, como direitos educativos, morais, so-
ciais, políticos, tecnológicos e ambientais, o que dificulta o desenvolvimento
social e humano. A desigualdade social se manifesta, fundamentalmente,
pela desigualdade econômica, isto é, quando poucos indivíduos são deten-
tores de muitos recursos econômicos e muitos cidadãos vivem com quase
nada – o que se caracteriza como uma má distribuição de renda e como uma
falta de investimentos em políticas sociais.
Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 167

É importante reconhecer a pobreza e as desigualdades, portanto, como


componentes de uma questão social, uma questão política e um problema
de Estado: um objeto de políticas públicas estatais capazes de alterar essa
realidade. Mais do que visualizar que as escolas estão repletas de crianças
pobres, é fundamental ponderar se este espaço tem competência de romper
o paradigma que marginaliza os pobres, se é possível repensar os currículos
e o exercício das práticas educacionais e sua sensibilidade para as questões
da pobreza e suas vivências.
O ambiente escolar precisa romper com a visão individualista que exalta
os que conseguem resultados positivos e rotula como fracassados aqueles
que não obtêm êxito, assim como precisa fortalecer positivamente as polí-
ticas sociais que garantam os direitos humanos sociais e o usufruto destes
direitos em condições de igualdade para que todos, sem exceção, tenham
uma vida digna, com garantia e proteção do Estado de Direito na garantia
de educação, saúde, moradia, segurança, alimentação, trabalho, dentre ou-
tros, não mais admitindo que os programas que asseguram esses direitos
legítimos sejam conceituados como um desestímulo ao esforço de cada
indivíduo.
A falta de oportunidade à instrução escolar institui um círculo vicioso
encenado pela pobreza e pela falta de educação, já que os indivíduos têm a
necessidade de ajudar a família e, para isso, precisam trabalhar; sem escola-
rização e qualificações adequadas, não conseguem ingressar de forma aces-
sível no mundo do trabalho de modo que lhes sejam fornecidas condições
reais de melhoria de vida, o que pode provocar, além da exclusão econô-
mica, uma restrição política e social, fazendo com que esses sujeitos sejam
marginalizados e, com pouca capacidade de serem vistos e ouvidos, mesmo
em um Estado Democrático – que pressupõe condições sociais, culturais,
políticas e econômicas iguais para todos os cidadãos –, sejam apagados.
Desta forma, os pobres resistem sem direitos, em especial sem o direito
de serem ouvidos. Ademais, não se emprega o "direito ao respeito", que
determina o direito civil de cidadania, o que nos remete à obra Les pauvres
[Os pobres], em que Georg Simmel (1906) faz referência ao fato de os pobres
somente serem reconhecidos pelo Estado na condição de "assistidos", e
nunca como sujeitos dotados de vontade própria, o que possibilita (e gera)
uma violência simbólica1 (BRASIL, 2015).

1 Pierre Bourdieu, sociólogo francês, elaborou o conceito que descreve o processo


em que são impostos valores culturais da cultura dominante ao indivíduo de forma
168 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Assim, são geradas consequências negativas para a escolarização des-


tes indivíduos desprovidos economicamente na medida em que, tradicio-
nalmente, as instituições escolares não priorizam a garantia do direito ao
conhecimento, de modo a auxiliar na emancipação de um ciclo vicioso da
pobreza, mas tendem a reproduzir a moralização da classe dominante que,
a todo custo, tenta empregar para a sociedade a incapacidade intelectual
dos pobres.

O Programa Bolsa Família no Brasil e no Marajó/Melgaço

O Programa Bolsa Família (PBF)


O PBF foi criado pela Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004,2 tendo sido
regulamentado pelo Decreto no 5.209, de 17 de setembro de 20043 como
uma reformulação e ampliação do extinto Programa Bolsa Escola, criado
pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e que abrangia em torno de
5,1 milhões de famílias. A partir da reforma e expansão, o número de bolsistas
passou para aproximadamente 12,4 milhões, o que garantiu a transferência
direta de renda do governo para famílias pobres e de extrema pobreza. Den-
tre os objetivos do Bolsa Escola evidenciava-se o combate à pobreza e à ex-
trema miséria, de modo que estes sujeitos conseguissem superar situações
de vulnerabilidade e outras formas de privação de suas famílias, assim como
promover a segurança alimentar e nutricional e o acesso à rede de serviços
públicos de Saúde, Educação e Assistência Social, criando possibilidades de
emancipação sustentada dos grupos familiares e do desenvolvimento local.
Neste sentido, o PBF é uma política pública que veio para assegurar o
direito ao desenvolvimento. Conforme indica Sposati (2010, p. 289), um de

arbitrária, naturalizando-a. Seus efeitos têm caráter desenvolvido muito mais de forma
psicológica.
2 BRASIL. Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família, altera
a Lei no 10.689, de 13 de junho de 2003, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 12 jan. 2004. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/
lei/2004/lei-10836-9-janeiro-2004-490604-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 10
dez. 2019.
3 BRASIL. Decreto no 5.209, de 17 de setembro de 2004. Regulamenta a Lei no 10.836, de 9
de janeiro de 2004, que cria o Programa Bolsa Família, e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 20 set. 2004. Disponível em: https://www2.camara.leg.
br/legin/fed/lei/2004/lei-10836-9-janeiro-2004-490604-publicacaooriginal-1-pl.html.
Acesso em: 10 dez. 2019.
Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 169

seus efeitos mais importantes foi dar visibilidade ao número de famílias que
vivem em situação de pobreza e extrema pobreza na sociedade brasileira.
A invisibilidade tem subentendida em si o esforço da sociedade autoritária
brasileira (CHAUÍ, 2000) em não reconhecer o indivíduo pobre como sujeito
de direitos (REGO; PINZANI, 2013).
O Programa atribui requisitos em forma de compromisso, no qual estão
abrigadas as áreas da Educação, da Saúde e da Assistência Social. Referi-
dos requisitos precisam ser efetivados para a manutenção do recebimento
mensal e para a continuidade no Programa. Na Educação, a frequência es-
colar mínima deve ser de 85% para crianças e adolescentes entre seis e 15
anos e de 75% para adolescentes entre 16 e 17 anos; na Saúde, deve haver o
acompanhamento do calendário vacinal e do crescimento e desenvolvimen-
to para crianças menores de sete anos e o pré-natal de gestantes e acom-
panhamento de nutrizes4 na faixa etária dos 14 aos 44 anos; na Assistência
Social, deve haver uma frequência mínima de 85% da carga horária relativa
a serviços socioeducativos para crianças e adolescentes de até 15 anos em
risco ou retirados do trabalho infantil.
O PBF visa, dentre seus propósitos, estimular a integração e a oferta
de outras políticas públicas sociais, em especial que atendam as famílias
bolsistas. Estes propósitos são desenvolvidos por meio de ações em progra-
mas complementares e que, em articulação com o Programa, têm como alvo
contribuir para a diminuição de vulnerabilidade social em que essas famílias
se encontram, promovendo sua inclusão social. Dentre alguns programas
complementares articulados com o PBF estão os Programas Luz para Todos,
Brasil Alfabetizado (PBA) e Projovem (ID Jovem). É possível constatar que
o PBF visa enfrentar a pobreza em curto prazo quando oferece alívio ime-
diato para a fome e para a privação de renda e, em longo prazo, o acesso
à educação e aos serviços da saúde por meio de condicionalidades fixadas
pelo Programa, com vistas à promoção de melhores oportunidades de qua-
lificação e consequente inserção futura no mercado de trabalho, gerando
renda sem precisar de transferência direta do governo e rompendo, portan-
to, com um ciclo vicioso (o de que "a pobreza é transmitida de geração em
geração" e de que "nada poder ser feito, pois se você é filho de pobre e vai
continuar sendo pobre", de que "seu filho e as outras gerações serão pobres
também"). Isso se deve, talvez, ao acesso reduzido ao conhecimento e à es-
colaridade, o que causa, também, grande disparidade entre ricos e pobres.

4 Responsáveis por amamentar ou nutrir os filhos.


170 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

O Programa Bolsa Família em Melgaço

Caracterização da pesquisa: locus da pesquisa (município de Melgaço)


– aspectos histórico e físico-geográfico
Melgaço é um município brasileiro localizado no Estado do Pará, no
Arquipélago de Ilhas do Marajó. Possui uma área de 6.774,069 km2 e uma po-
pulação estimada em 26.652 habitantes em 2016 (IBGE, 2016). A maior parte
da população reside na zona rural do município, onde a oferta de serviços
básicos, como saúde e educação, ainda é reduzida. No entanto, o centro ur-
bano também sofre com a falta de investimentos – ao andar pela cidade, por
exemplo, observam-se, nas esquinas, depósitos de lixo e canais de esgoto
corrente em frente às casas.

Figura 1 – Localização geográfica do município de Melgaço, no estado do Pará

Fonte: IBGE.
Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 171

Figura 2 – Frente da cidade de Melgaço, no Pará

Fonte: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PRO-


GRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO.

Figura 3 – Estrada de saída do Porto Moconha em Melgaço-PA

Fonte: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PRO-


GRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO.
172 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Figura 4 – Pátio Central da E.M.E.F. "José Maria Rodrigues Viegas Junior" em Mel-
gaço-PA

Fonte: Blog Marajó Notícias.

Observou-se, pelos resultados da pesquisa de campo realizada, a im-


portância para a economia local atribuída ao Programa, visto que a dinâmica
do comércio varejista e a própria cidade muda em época de recebimento
dos benefícios do Programa. Segundo Brasilino (2006, p. 8), os municípios
mais pobres acabam recebendo mais recursos do PBF do que o próprio
repasse tributário. Ao dissertar sobre pobreza, é habitual presumir que se
trabalhe com a questão de renda e, tão logo, de sua privação, tendo uma
visão limitada de tal mazela social. Ao se tratar do PBF não é diferente, pois
o que mais se veicula nos meios de comunicação nacional são os pontos a
serem melhorados pelo Programa, como afirma Weissheimer (2006):

[...] desde seu lançamento o programa não teve, por parte da mídia bra-
sileira, uma cobertura preocupada em constatar se essas janelas estavam
de fato, se abrindo. A maior parte das matérias tratou de destacar irregu-
laridades na execução do programa [...] O impacto do programa sobre o
seu público-alvo recebeu bem menos destaque. [...] Oportunidades para
a população pobre. Essa é uma boa síntese do espírito do Programa
Bolsa Família (WEISSHEIMER, 2006, p. 47).

Em junho de 2008, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas


(IBASE) realizou uma pesquisa nacional sobre a repercussão do PBF na se-
gurança alimentar e nutricional das famílias bolsistas e traçou um perfil dos
titulares do programa, assim composto:
Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 173

• 94% são mulheres;


• 64% são pretos ou pardos;
• 85% dos titulares estão na faixa etária entre 15 e 49 anos;
• 78% das famílias residem em área urbana e 22% em áreas rurais, sendo
que a maior concentração das famílias em áreas rurais está no Nordeste
(50%);
• 81% dos titulares sabem ler e escrever, sendo que 56% estudaram até o
Ensino Fundamental.
A pesquisa revelou, ainda, que no uso dos recursos disponibilizados
pelo Programa entre os bolsistas pesquisados, 87% dos titulares investe em
alimentação. No Nordeste, a porcentagem é de 91% e, no Sul, de 73%. A
pesquisa indica, portanto, que o objetivo de garantir a segurança alimentar
e combater a fome, em especial nas regiões mais necessitadas, está sendo
possibilitado, focando nas necessidades mais urgentes.
Em relação ao estado do Pará, em consulta ao portal oficial do PBF,5 os
números indicam que 143 cidades paraenses recebem o benefício do Bolsa
Família, e 10.077.871 pagamentos já foram realizados no estado, totalizan-
do um investimento de aproximadamente R$ 1.866.725.493,00. Em Melga-
ço, foram realizados 38.569 pagamentos – o equivalente a um total de R$
10.685.079,00. Os dados são atualizados mensalmente, conforme o repasse
de informações das prefeituras.
Os dados referentes ao município de Melgaço no ano-exercício de 2015
são organizados na Tabela 1 a seguir.
Apesar de o Programa sofrer críticas, a priori, por levar em considera-
ção a pobreza relacionada à renda, esta definição por si só não consegue
explicar todo o encadeamento de apoio que o Programa proporciona ao
indivíduo. É bem verdade que o PBF possui, como núcleo central, o atendi-
mento às famílias que se encontram em situação de pobreza e de extrema
pobreza e, assim, acaba por não atingir os indivíduos que estão no limite da
pobreza por conta da diversidade econômica. Ao nos determos no municí-
pio de Melgaço, o limite de inclusão ao acesso das famílias no Programa,
por conta da cota estabelecida para cada município, impossibilita a inserção

5 Os dados disponibilizados são referentes ao ano-exercício de 2015. Um quadro atu-


alizado das informações do município está disponível no seguinte endereço: https://
aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/bolsafamilia/relatorio-completo.html. Acesso em: 10
dez. 2019.
174 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

de novas famílias, mesmo que elas sejam extremamente vulneráveis e, por-


tanto, portadoras desse direito. Assim, elas acabam sendo excluídas – o que
demonstra a fragilidade do Programa nesse aspecto, pois não se assegura
o acesso ao benefício a todos os indivíduos, já que existe uma limitação da
quantidade de famílias a serem beneficiadas em cada município.
Tabela 1 – Histórico detalhado de pagamentos do Programa Bolsa Família realizados
no município de Melgaço em 2015

Mês e ano Total de pagamentos Valor destinado


Janeiro/2015 3.563 pagamentos R$ 989.495,00
Fevereiro/2015 3.570 pagamentos R$ 992.201,00
Março/2015 3.564 pagamentos R$ 990.846,00
Abril/2015 3.497 pagamentos R$ 975.265,00
Maio/2015 3.500 pagamentos R$ 977.236,00
Junho/2015 3.449 pagamentos R$ 967.184,00
Julho/2015 3.448 pagamentos R$ 965.144,00
Agosto/2015 3.436 pagamentos R$ 954.792,00
Setembro/2015 3.368 pagamentos R$ 939.945,00
Outubro/2015 3.614 pagamentos R$ 975.793,00
Novembro/2015 3.560 pagamentos R$ 957.178,00
Total de pagamentos: Valor total em reais:
38.569 R$ 10.685.079,00

Fonte: elaboração própria, com base nos dados disponibilizados no Portal do MDS.

No ano de 2013 foi amplamente divulgado o ranking do IDH dos municí-


pios brasileiros, e Melgaço ficou em última posição, com IDH-M de 0,418 em
2010 – um índice muito baixo que, na classificação, fica entre 0 e 0,499. São
medidas as dimensões de longevidade, com índice de 0,776, de renda, com
índice de 0,454, e de educação, com índice de 0,207.
O Quadro 1 a seguir demonstra a evolução do município segundo os
componentes de renda, pobreza e desigualdade social.
A partir da análise dos dados de coleta, percebe-se a evolução e me-
lhora na renda per capita, na diminuição da porcentagem de pobres e de
extremamente pobres (apesar de não superar a média do ano de 1991, de
modo que vale considerar que a população naquela época era menor). No
entanto, houve o aumento do Índice de Gini, o que significa que há concen-
tração de renda.
Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 175

Quadro 1 – O município de Melgaço-PA segundo os componentes de renda, pobreza


e desigualdade social

Renda, pobreza e desigualdade – Município de Melgaço-PA


1991 2000 2010
Renda per capita (em R$) 110,92 100,22 135,21
% de extremamente pobres 42,19 48,70 43,92
% de pobres 81,49 78,64 73,43
Índice de Gini 0,48 0,46 0,55

Fonte: PNUD, Ipea e FJP.

O Quadro 2 a seguir é um demonstrativo da evolução do município se-


gundo os componentes do IDH-M.
Quadro 2 – O município de Melgaço-PA segundo os componentes de análise do
IDH-M

IDH-M e seus componentes – Município de Melgaço-PA


IDH-M e componentes 1991 2000 2010
IDH-M Educação 0,024 0,065 0,207
% de indivíduos com 18 anos ou mais
1,80 5,03 12,34
com Ensino Fundamental completo
% de indivíduos de cinco a seis anos na
7,63 19,26 58,68
escola
% de indivíduos de 11 a 13 anos nos
anos finais do Ensino Fundamental
1,88 5,89 35,83
(regular seriado) ou com Fundamental
completo
% de indivíduos de 15 a 17 anos com
0,91 3,12 6,89
Ensino Fundamental completo
% de indivíduos de 18 a 20 anos com
0,64 1,38 5,63
Ensino Médio completo
IDH-M Longevidade 0,547 0,665 0,776
Esperança de vida ao nascer 57,84 64,87 71,57
IDH-M Renda 0,423 0,406 0,454
Renda per capita (em R$) 110,92 100,22 135,21
Fonte: PNUD, Ipea e FJP.

Vale destacar a mudança de índices e a evolução no ano de 2010 quan-


do, apesar do baixíssimo IDH-M, talvez por conta dos programas sociais, o
176 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

acesso e a permanência nos espaços escolares de ensino, obteve-se uma


maior longevidade e uma maior renda.

Análise e tratamento dos dados


Para a análise de conteúdo foram utilizadas as contribuições de Bardin
(1977), Chizzotti (2006) e Gomes (2013). Desta forma, foram empregadas
como alicerce as etapas descritas por Bardin (1977, p. 90-115), a saber: a) pré-
-análise; b) exploração do material; e c) tratamento dos resultados, inferência
e interpretação.
O primeiro momento (de pré-análise) consistiu na seleção dos documen-
tos aplicados e na transcrição das entrevistas realizadas com os bolsistas do
Programa, com alguns professores/diretores de escolas e, ainda, com alguns
representantes da Secretaria Municipal de Educação de Melgaço – dentre
eles o próprio Secretário Municipal de Educação. Este momento inicial tam-
bém previu a pré-análise de anotações e observações da pesquisa in loco,
que almejava a busca por elementos de maior frequência.
O segundo momento (de exploração do material) se reservou à siste-
matização, codificação e enumeração dos dados, visando a obtenção da
frequência das categorias e subcategorias de análise. Apresentou-se, assim,
uma categorização pertinente, que fosse significativa em relação ao conteú-
do dos materiais analisados, constituindo-se numa reprodução adequada e
pertinente destes dados.
Finalmente, na terceira e última etapa adotada (de tratamento dos resul-
tados, com inferência e interpretação) foi feito o agrupamento de categorias,
tendo como pilares de pesquisa as seguintes assertivas:
1. o Programa Bolsa Família e a permanência na escola;
2. o Programa Bolsa Família e a permanência na escola são capazes de
contribuir para o enfretamento da pobreza e da desigualdade social.
Para a realização das tarefas desta etapa foram adotadas observações
simples, visando uma melhor contextualização do locus de investigação por
meio das entrevistas semiestruturadas, a partir das quais buscou-se conte-
údo empírico para análise, coletado de um total de 15 entrevistados, asim
figurados: E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E10, E11, E12, E13, E14 e E15.
No momento de acesso ao campo e de contato inicial com os entre-
vistados, adotamos as sugestões de Minayo (2007, p. 66-68) no sentido de
Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 177

explicar aos sujeitos a importância de sua participação, bem como o objeti-


vo e a importância da pesquisa, enfatizando a seriedade e o compromisso
acadêmico de nosso estudo – sempre de forma amigável, na tentativa de
estabelecer a harmonia e a desinibição no momento das entrevistas.Expli-
camos, então, como as entrevistas aconteceriam e dispomos a leitura do
roteiro deixando claro que poderia surgir a necessidade de que novos ques-
tionamentos fossem feitos, dependendo das respostas que fossem dadas às
perguntas.
Feita a coleta de dados, foram dados os primeiros passos referentes à
análise do conteúdo, originando as categorias empíricas – estas, em conso-
nância com o referencial teórico adotado para a pesquisa.

Os sujeitos da pesquisa: o perfil dos entrevistados


Quadro 3 – Perfil dos entrevistados

Relação com o
Pseudônimo Sexo
Programa Bolsa Família
Representante da Secretaria Municipal de Trabalho e Promo-
E1 F
ção Social
Secretário Municipal de Educação
E2 M
de Melgaço
Diretora de Ensino da Secretaria Municipal de Educação de
E3 F
Melgaço
E4 M Bolsista do Programa
E5 F Bolsista do Programa
E6 M Bolsista do Programa
E7 M Bolsista do Programa
E8 F Bolsista do Programa
E9 F Bolsista do Programa
E10 F Bolsista do Programa
E11 F Diretora de Escola
E12 M Professor
E13 F Professora
E14 F Professora
E15 F Diretora de escola
Fonte: elaboração própria.
178 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

O Quadro 3 oferece uma visão geral dos participantes da pesquisa. É


possível perceber que os entrevistados são heterogêneos no que concerne
ao sexo: dez entrevistados são do sexo feminino (F), o que representa um
universo de 67%, e cinco são do sexo masculino (M)– uma amostragem de
33% do total de entrevistados.
É possivel verificar, ainda, que três dos entrevistados estão ligados à ges-
tão do município, cinco participantes integram a educação formal de ensino
(sendo um deles vinculado ao meio rural e os demais ligados à zona urbana
de Melgaço) e sete são bolsistas do PBF, com características peculiares – por
exemplo, na quantidade de filhos, que varia entre dois e sete dependentes.
A fim de contextualizar as falas do sujeitos – ou seja, promover uma aná-
lise sob a ótica da amplitude da pesquisa – o conteúdo das entrevistas foi
interpretado. São apresentados, a seguir, trechos de falas dos sujeitos da
pesquisa, com o intuito de enriquecer a compreensão do objeto de estudo
dessa investigação. As categorias de análise desenvolvidas a partir das cate-
gorias empíricas, relacionadas no Quadro 4, são descritas junto dos critérios
de análise para as entrevistas realizadas.
Quadro 4 – Critérios de análise das entrevistas

CATEGORIAS ANALÍTICAS CRITÉRIOS DE ANÁLISE

Qual concepção os entrevistados têm


sobre a importância do PBF e o combate à
pobreza?

I) O Programa Bolsa Família e a Quais benefícios o Programa impacta na


permanência na escola realidade local?

A escola contribui para a transformação da


realidade das populações em situação de
pobreza? Como?
A teoria (currículo) se relaciona com as
práticas pedagógicas contextualizadas na
II) O Programa Bolsa Família e realidade local?
a permanência na escola são
capazes A frequência escolar (condicionalidade do
de contribuir para o enfretamento programa) contribui para o rendimento dos
da pobreza e da desigualdade alunos?
social
Como as questões sociais são discutidas no
ambiente escolar?

Fonte: elaboração própria.


Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 179

A categorias empíricas apontadas a partir das falas dos sujeitos pesqui-


sados se encadearam como desdobramento das categorias analíticas e são
expostas no Quadro a seguir.
Quadro 5 – Categorias empíricas

CATEGORIAS
CRITÉRIOS DE ANÁLISE
EMPÍRICAS
Qual a importância do programa social no combate a minimização
da pobreza?
Pobreza
De que modo a escola e a família contribuem para o enfrentamen-
to da pobreza?
Qual é a sua avaliação acerca da transferência de renda realizada
pelo Programa?
Transferência
de renda O que precisa ser melhorado no Programa?

Quais contribuições são possíveis a partir desta transferência?


Quais são as características dos alunos que permanecem na
escola?
Evasão
escolar Quais motivos levam à evasão?

A frequência escolar significa desempenho satisfatório?

Fonte: elaboração própria.

As categorias analíticas, segundo Minayo (2004), são aquelas que retêm


as relações sociais fundamentais e podem ser consideradas balizas para o
conhecimento do objeto nos seus aspectos gerais.

Análise das categorias


Deu-se início às análises do material coletado com base nos estudos
teóricos realizados. Evidenciou-se, a partir das respostas obtidas, a unanimi-
dade de aceitação positiva que o PBF estabelece para a realidade do muni-
cípio em questão, visto que é importante ressaltar o nível de dificuldade que
impacta Melgaço: o local sofre em relação à geração de emprego e renda,
mesmo que o Programa analisado não dê conta de garantir cidadania e uni-
versalização dos direitos sociais, já que não se adota a concepção universal
de acesso a todos que necessitam do Programa para garantir pelo menos
uma alimentação de qualidade por conta do acesso limitado de inserção
180 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

neste. Alguns autores afirmam que países em desenvolvimento, como é o


caso do Brasil, não conseguem desenvolver políticas públicas sociais de for-
ma universal pois, se fossem baseados em um direito legítimo, todos que
se enquadrassem nos critérios de seleção deveriam ter a possibilidade de
exigir esse direito, inclusive pela via judicial.
A partir da análise dos dados foi possível perceber que o PBF favorece
e estimula condições para o desenvolvimento das liberdades, conforme nos
esclarece Sen (2000), já que as capacidades desenvolvidas podem influenciar
no apoio público a partir do fornecimento de serviços básicos, como saúde e
educação. Tais capacidades refletem de forma dinâmica na sociedade, pois
se uma determinada política pública contribui com o desenvolvimento de
capacidades humanas, por outro lado, capacidades humanas como a par-
ticipação, por exemplo, poderão influenciar a definição de novas políticas
públicas.
Na categoria analítica acerca da pobreza, a nossa percepção em relação
aos dados coletados é a de que o PBF é considerado, para o município, o
mais importante mecanismo de enfrentamento da pobreza, pois é o que
permite a dinamização da economia e o que garante uma vida com menos
miséria para aquelas pessoas, em especial as que estão na zona rural. São os
benefícios recebidos por meio do poder público que garantem às famílias
com maior carência alimentar o acesso à alimentação de forma mais prolon-
gada, mesmo com recursos escassos e de forma compensatória. A pobreza
neste município nos remete à análise de Grossi (2001, p. xx): "a renda das
famílias aparece como uma variável de seleção fazendo com que os mais
pobres nem mesmo procurem fazer valer os seus direitos" – sujeitos estes
que, muitas vezes, só têm acesso a direitos básicos, como saúde e educação,
por conta das condicionalidades estabelecidas pelo Programa.
Isso se reflete na fala do entrevistado E5 quando questionado sobre se
o PBF lhe parecia importante para o combate à pobreza e se este contri-
buía com a permanência dos estudantes na escola. As respostas foram as
seguintes:

E5: Sim, porque na nossa comunidade quando não está na época do açaí
é nossa única renda do mês.
E5: Sim, contribui porque se nossos filhos não vai [sic] para a escola a
gente não recebe a bolsa, mas não é só por isso, é para a educação
deles, né?
Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 181

As falas reafirmam não só a importância da renda financeira destinada


pelo Programa, mas também a garantia de acesso e permanência de crian-
ças e adolescentes na escola, distantes do trabalho infantil; mais ainda, ela
reflete a execução de utilização de um serviço público, de direito garantido,
com acesso à educação formal. O Programa não busca somente o alívio da
pobreza de forma imediata, mesmo que direcionado à classe mais necessi-
tada e sem contemplar a todos que precisam dele: ele proporciona um cres-
cimento sustentável dos indivíduos que dele participam, possibilitando uma
oportunidade de saída para a situação vivida por eles, mesmo que a longo
prazo. São as articulações que as políticas sociais devem buscar, conforme
anuncia Cohn (1995):

As políticas sociais devem buscar articulação entre as ações de curto


prazo e de caráter mais imediatista, focalizada naqueles grupos identifi-
cados como os mais despossuídos, e aquelas de longo prazo, de caráter
permanente, universalizantes, voltadas para a equidade do acesso dos
cidadãos aos direitos sociais, independentemente do nível de renda e da
inserção no mercado de trabalho (COHN, 1995, p. 6).

Na categoria analítica que aborda a transferência de renda, o Programa


garante às famílias a liberdade de aplicação do dinheiro por eles recebido,
desde que cumpram as condicionalidades estabelecidas – compromisso
este de contrapartida da família. Tal transferência não é isolada e se associa
a outras ações e programas desenvolvidos pelo governo, que visa à geração
de renda, à alfabetização e à liberação de microcréditos, servindo, ainda,
como reparação de direitos, garantindo renda aos quilombolas e indígenas,
por exemplo, mesmo que estes não tenham filhos. Sendo assim, o adequado
cumprimento das condicionalidades (compromisso da família) pode garantir
aos bolsistas o acesso a políticas sociais, que são de direito do cidadão, de
modo que, a longo prazo, as famílias tenham mais chances de superar suas
situações de pobreza.
É fato que o Programa recebe críticas em pontos que precisam ser
melhorados – por exemplo, o critério de análise para distribuição, focalizada
nas famílias a partir da renda e da composição dos familiares, fazendo
distinção de seleção dos indivíduos que podem ser escolhidos, sendo
estabelecido como critério um sujeito ser mais pobre do que o outro, não
considerando os que estão no limite tênue da precariedade e esquecendo
os direitos de cidadania e universalidade, que devem servir como princípio
para uma política pública já que o direito humano tem, como base, o fato
182 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

de um indivíduo existir, ou seja, sua condição humana – não a partir da


imposição de condicionalidades ou de contrapartidas. A transferência de
renda vinculada à Educação é potencializada ao ser capaz de amenizar a
pobreza, a curto prazo, e reduzir a reprodução da pobreza de forma integral
a longo prazo, envolvendo a família, e não somente mais um indivíduo.
A partir desse ponto de vista, portanto, o Estado não deveria punir ou
excluir os bolsistas do Programa quando do não cumprimento das condicio-
nalidades estabelecidas, apesar de que 100% dos bolsistas entrevistados
concordam com elas e ressaltam, como um dos pontos positivos, o acesso
e a permanência escolar das crianças e jovens contemplados. Os profes-
sores e diretores que compuseram a pesquisa também afirmaram, em sua
totalidade, que a garantia da permanência escolar está diretamente ligada
ao Programa já que, segundo eles, os pais não teriam condições de manter
seus menores na escola, mesmo que pública, pois estes ajudariam na com-
posição da renda familiar, de alguma forma, já que o custo da oportunidade
para as famílias pobres mandarem seus filhos para a escola é muito elevado
devido à diminuição da (já reduzida) renda familiar. Então, um Programa que
garanta uma renda fixa mensal a partir da ida e permanência dessas crianças
na escola é de grande valia, e acaba sendo um mecanismo adotado para o
rompimento da mazela social aqui exposta.
A questão da frequência escolar, por si só, não garante o bom rendimen-
to ou o avanço dos estudantes: é necessária uma melhor avaliação neste
quesito – apesar de que Programa impõe o acompanhamento para famílias
que apresentam frequência escolar inferior ao mínimo exigido, por meio de
trabalhos socioeducativos e encontros sistemáticos com as famílias, geral-
mente promovidos no âmbito da política pública de Assistência Social. Des-
sa forma, portanto, a escola é provocada a exercer seu papel de inclusão,
ultrapassando seus limites físicos e incentivando a autonomia do cidadão na
superação da condição que lhes é posta.
O Programa, ao se relacionar com a Educação e com a frequência esco-
lar, visa estabelecer uma "aparente" nova relação entre educação e pobreza,
de modo que a pobreza, para a geração futura, passa a ser uma questão de
meritocracia, permanecendo nesta condição o indivíduo que não faz a sua
parte, ou seja, aquele que não cumpre as exigências das condicionalidades
dos programas sociais. Sabemos, de fato, que condicionar o aluno a estar
presente em sala de aula não significa, consequentemente, um desempenho
escolar favorável, pois o Programa, por si só, não se alinha a uma perspectiva
Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 183

que considere as especificidades das políticas educativas e que esteja cen-


trada na análise pedagógica e, mais ainda, em sua dimensão pedagógico-
-didática. A condicionalidade da Educação no Programa, ao ignorar esse
princípio básico, acaba por substituir a função pedagógica da Educação
pela função social. Sendo assim, os princípios a partir dos quais o Progra-
ma funciona são, de certa forma, equivocados, já que estes são pensados
como relações contratuais, e não como direitos da cidadania – em que o
ônus pelo cumprimento das condicionalidades acaba por incidir na família,
e não no Poder Público, que se encontra incapaz de atender as demandas
pelos serviços.
A contribuição pedagógica da escola precisa ser mais bem-tratada pelo
PBF, de forma que o recebimento do benefício não esteja diretamente (e
somente) ligado à frequência escolar já que, após a saída do Programa, em
pouco contribuirá nas condições de vida desses alunos. Como dito ante-
riormente, é preciso "viver a escola", fazer parte de sua dinâmica, de sua
transformação, e não somente "estar na escola" de forma que não interajam,
que não participem dos processos de tomada de decisão ou que não par-
ticipem das aulas de forma crítica e dinâmica. É preciso, portanto, fomentar
estímulos para que o professor também promova momentos de interação.
Na categoria referente à evasão escolar, encontramos similaridades e
contradições. As similaridades presentes destacam que a permanência na
escola está intimamente ligada ao recebimento da bolsa, que os alunos que
não evadem a escola são os que recebem o recurso financeiro e que há
maior interesse dos responsáveis em manter o aluno que recebe o dinheiro.
Isso nos mostra que a realidade social brasileira em relação à frequência
mínima vinculada à transferência de renda é muito mais interessante do que
construção de conhecimento, a formação humana e a proteção social, e que
a frequência só é atingida por conta da condicionalidade estabelecida pelo
Programa.
Esta dinâmica se reflete, claramente, no desempenho desses alunos
no universo de oito participantes ligados à gestão do município e à edu-
cação formal (professores/diretores): 62% dos entrevistados afirmaram que
a frequência escolar se reflete em bons resultados de avaliação demons-
trados por crianças e jovens, como explanaram os entrevistados E2 e E12,
respectivamente:
184 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

E2: Sim, por causa da obrigatoriedade do Programa [...] o aluno na escola


aprende e depois do Bolsa Família nosso rendimento anual e aprovação
aumentou muito, mas isso só ocorre se tiver acompanhamento, e isso
aqui ocorre rigorosamente.

38% dos entrevistados remanescentes afirmaram que a frequência es-


colar não assegura bons resultados na avaliação dos alunos bolsistas, como
podemos identificar nos relatos do entrevistado E13:

E13: Tem aluno que não consegue se desenvolver, mesmo vindo todos
os dias, muito por causa do ambiente em casa, né? Uns chegam na esco-
la e dormem, outros vêm para brincar.

A partir da análise das respostas obtidas verificou-se que a responsa-


bilidade atribuída à Educação e à escola nem sempre tem a ver com espe-
cificidades educacionais – aliás, se atribui à educação um poder extremo,
capaz de resolver problemas de cunho social que não lhe competem, como
aborda Cury (2002, p. 169): não se deve exigir da escola o que não é dela,
sendo necessária a superação da sua "concepção salvadora, redentora e
equalizadora". É preciso romper com a visão de que a escola e a educação
"tudo podem resolver" mesmo ser ter o mínimo de condições para isso.

Considerações conclusivas
Questões sociais que envolvem pobreza e desigualdade social são mui-
to latentes e presentes no município estudado. A imersão teórica realizada
permitiu uma análise crítica das respostas coletadas ao alicerçar as análises
na concepção de Sen (2000). A partir de seu livro, Desenvolvimento como
Liberdade, concordou-se com a perspectiva tratada como desenvolvimento
a partir de capacidades e identificou-se que o PBF contém traços desta con-
cepção, já que permite que o bolsista conquiste a capacidade de ser a partir
do acesso aos serviços básicos como saúde e educação (e que são, conco-
mitantemente, condicionalidades de permanência no Programa), a capaci-
dade de ter quando, ao receber o valor referente ao benefício, o indivíduo
consegue adquirir bens materiais e alimentos (ou seja, viver sua cidadania,
movimentando a economia local) e, ainda, a capacidade de poder ao ingres-
sar em espaços de participação e de tomadas de decisão, manifestando-
-se, aí, a capacidade de ser e, enfim, de se sentir cidadão. Apresenta-se ao
indivíduo, assim, uma nova possibilidade de vida e de valorização para a vida
Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 185

que pretende escolher, indicando um novo foco no que se refere à pobreza,


não mais só vinculada à renda, mas com possíveis condições de vida e de
liberdade.
Em relação aos entrevistados, percebeu-se a homogeneidade de res-
postas positivas no que diz respeito à importância do Programa para o
combate à pobreza, em especial do município de Melgaço por conta de
não haver o desenvolvimento de outra espécie de geração de renda e de
perspectiva de trabalho para que seus cidadãos garantam a sua alimentação
e, mais ainda, para que enfrentem as condições de desigualdade, já que a
agricultura, em sua maioria, é de subsistência para aqueles que residem na
zona rural. Especificamente quanto ao enfretamento da pobreza a partir de
programas sociais, os bolsistas afirmaram desconhecer outro tipo de pro-
grama social, talvez por falta de conhecimento ou por conta da mídia, que
divulga de forma mais maciça que o Bolsa Família é o Programa destinado
para esse enfretamento e combate.
Logo no início do Programa, ele foi visto como um grande e inovador es-
forço para tratar e combater a pobreza, afigurado como um apelo silencioso
dos pobres já que a contrapartida dos bolsistas era, de fato, "simples" – nas
pastas da Educação e da Saúde são exigidas a permanência das crianças na
escola e a regularidade de vacinas. Começaram a surgir, então, as críticas
ao Programa ao se propagar a ideia de que se perderia o controle de nata-
lidade por conta de que os bolsistas se sentiriam estimulados a "gerar mais
filhos para poder receber mais recursos". No entanto, durante nossa pes-
quisa, esta fala não esteve presente e tampouco foi percebida nas escutas
realizadas no município.
100% dos entrevistados afirmaram que o Programa garante a perma-
nência na escola, o que impacta diretamente na frequência escolar, mas
não impacta na qualidade do desempenho escolar de forma satisfatória já
que a escola, sozinha, não é capaz de garantir tal execução: é necessário
o acompanhamento dos pais, como explanaram três entrevistados ligados
diretamente à escola. É preciso, ainda, que escola e família caminhem na
mesma direção, afinal ambas têm o mesmo objetivo, qual seja, promover a
construção social do ser humano. Para tal, é importante que cada um faça a
sua parte e obtenha êxito ao fazê-lo, ou seja: se faz necessário um trabalho
coletivo de ações, processos e influências que possam intervir no desenvol-
vimento humano dos indivíduos e seus grupos – um processo de Educação,
186 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

em sua essência, num determinado contexto de relações entre grupos e


classes sociais.
Apesar deste impacto no desempenho ainda não ser visualizado, não há
a garantia de que, daqui a algum tempo, essa realidade se transforme. De
todos os modos talvez seja possível, com o acesso frequente à Educação e
com o estímulo adequado partindo dos responsáveis e professores (a partir
de aulas dinâmicas e atrativas, por exemplo), operar a mudança esperada.
Mesmo diante do fato de o Programa ainda não ter tido êxito total no
que se refere ao desempenho escolar e à realidade, há algo de diferente no
que diz respeito ao auxílio na minimização da pobreza no município em foco.
Os bolsistas que participam do PBF são sujeitos que, antes, viviam em situa-
ção de pobreza e extrema pobreza e que, atualmente, conseguem assegurar
uma qualidade de vida melhor – avanço que possivelmente não teriam caso
não recebessem tal recurso. Além disso, seus filhos não teriam acesso à edu-
cação, pois precisariam contribuir com a renda familiar.
A transferência de renda por intermédio de programas sociais como
o Bolsa Família, por exemplo, pode refletir uma progressão no campo das
políticas públicas sociais, que visam ao enfrentamento da pobreza e da de-
sigualdade social no Brasil. Já para o pensamento neoliberal, o avanço das
políticas sociais significa um obstáculo na acumulação de capital e, também,
um dos responsáveis pela crise que a sociedade enfrenta.

Referências
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Acesso em: 11 nov. 2019.
8

Política nacional de assistência estudantil:


contribuição para a permanência de
alunos pobres nos cursos de Filosofia
e Teatro da Universidade Federal do
Tocantins (UFT)
Doracy Dias Aguiar de Carvalho
Roberto Fransciso de Carvalho
Elizamara Josiene da Silva

O estudo em tela resulta de uma pesquisa teórico-empírica intitulada "A per-


manência dos estudantes nos cursos de Teatro e Filosofia da Universidade
Federal do Tocantins – UFT/Campus de Palmas: o papel da política de assis-
tência estudantil", realizada em 2016. De modo geral, este capítulo explicita
e analisa aspectos da política de assistência estudantil que potencializam
e/ou dificultam a permanência de estudantes pobres nos cursos de Artes/
Teatro e Filosofia da Universidade. O estudo procurou entender, do modo
mais específico, a perspectiva da política de assistência estudantil presente
nos documentos institucionais da UFT, apreendendo a percepção dos for-
muladores e executores da política de assistência estudantil da instituição
e a contribuição da referida política nos cursos mencionados e revelando
aspectos a ela relacionados que potencializam ou dificultam a permanência
destes estudantes nos cursos em questão.
Utilizou-se, como metodologia, os estudos de caráter bibliográfico e do-
cumental, abrangendo o conjunto normativo institucional e nacional, além
da pesquisa de campo, realizada por meio da utilização de questionários
envolvendo os formuladores da política de assistência estudantil da UFT, os
estudantes/usuários desta política e seus executores no âmbito dos cursos
de licenciatura em Filosofia e em Teatro e dos setores de Serviço Social e de
apoio psicopedagógico.
190 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

A concepção de política de assistência estudantil no Brasil: o caso


do PNAES
A discussão sobre política de assistência estudantil brasileira situa-se
nos contextos de luta pela democratização do acesso à educação superior
e de busca pela garantia de condições de permanência dos estudantes das
camadas populares nestes espaços, no âmbito do debate sobre o acesso a
bens materiais e culturais socialmente produzidos em sentido amplo, opera-
cionalizados pelo Estado na sociedade capitalista contemporânea.
O Estado tem papel fundamental no processo de produção e repro-
dução do capital e, na passagem do século XX para o XXI, na qualidade
de sistema de comando político abrangente do capital, o Estado moder-
no "é, ao mesmo tempo, o pré-requisito necessário da transformação das
unidades inicialmente fragmentadas do capital em um sistema viável, e o
quadro geral para a completa articulação e manutenção deste último como
sistema global" (MÉSZÁROS, 2006, p. 124-125). Sendo assim, o Estado deve
ser entendido como parte constitutiva e permanentemente sustentadora da
própria base material do capital, pois "ele contribui de modo significativo
não apenas para a formação e a consolidação de todas as grandes estruturas
reprodutivas da sociedade, mas também para o seu funcionamento ininter-
rupto" (op. cit., p. 125)
O Estado – que não está acima do capitalismo, mas é parte constitutiva
e constituinte deste –, em qualquer concepção, é uma das mediações de
segunda ordem da maior importância no processo de desenvolvimento da
sociedade capitalista (MÉSZÁROS, 2006) pois funciona como um corretivo
dos desajustes que dificultam a reprodução do capital e, ao mesmo tempo,
como impulsionador do seu desenvolvimento. Assim, as políticas educa-
cionais em geral, incluídas as de Ensino Superior, precisam ser entendidas
nessa primeira década do século XXI no contexto das diversas colorações
desse Estado.
No âmbito da sociedade capitalista, o processo de produção e reprodu-
ção tem assumido, de forma tensionada, perspectivas diversas de governo,
em que ora o mercado é o principal regulador dos processos sociais, ora
o Estado assume maior protagonismo. Nesse sentido, no período entre a
Segunda Guerra Mundial e a primeira metade da década de 1970, o Estado
assumiu a tendência liberal de cunho socializante ao lançar mão da doutrina
keynesiana – que, ao contrário da teoria liberal clássica, defendia a interven-
ção estatal como forma de reativar a produção e retomar as taxas de lucros
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 191

(HARVEY, 2008). Ao final da década de 1970, em resposta à grande crise


do capitalismo, o liberalismo conservador e elitista de Friedrich August von
Hayek passa a se evidenciar sob uma "nova" roupagem – agora chamado
neoliberalismo de mercado ou apenas neoliberalismo. De acordo com Libâ-
neo, Oliveira e Toschi (2003), o neoliberalismo teorizado por von Hayek

não significa o fim do novo liberalismo, social-liberalismo, de Keynes e


Dewey, ou mesmo uma negação de todos os fundamentos do liberalismo
clássico, e sim uma nova, grande e complexa rearticulação do liberalis-
mo, imposta pela nova ordem econômica e política mundial (LIBÂNEO;
OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p. 86).

Acerca do neoliberalismo podemos dizer que, no Brasil, na primeira


década do século XXI houve, em alguns aspectos, mudança na atuação
do governo no que se refere à retomada do papel do Estado quanto ao
desenvolvimento de algumas políticas sociais públicas de caráter inclusivo.
A exemplo disso é possível mencionar as políticas educacionais relativas à
educação superior pública que, em grande medida, objetivam assegurar a
chamada inclusão social, por meio do ingresso diferenciado a partir de cotas
sociais e étnico-raciais, o que tem sido objeto de críticas de muitos estudio-
sos.1 As políticas de assistência estudantil – objeto da presente discussão
– exemplificam algumas das referidas mudanças no âmbito universitário na
perspectiva da garantia do acesso e da permanência das camadas popula-
res nesses espaços – as quais ficaram, por muito tempo, impossibilitadas de
acessar a universidade pública, sobretudo em cursos considerados elitiza-
dos ou "de maior prestígio".
Juntamente com a luta pela educação superior no Brasil estava posta a
demanda por condições de permanência e assistência aos estudantes po-
bres, oriundos da classe trabalhadora. Os registros históricos acerca das lu-
tas desse segmento no âmbito das Instituições Federais de Ensino Superior
(Ifes) datam da década de 1980, conforme indica o Fórum Nacional de Pró-
-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace). Entretanto, de
acordo com Costa (2010), foi em 1928 que ocorreu a primeira manifestação
de apoio do Estado brasileiro aos universitários que estudavam em Paris por

1 Conferir, a esse respeito, entre outros, os seguintes autores: Oliveira (2000), Silva Junior
e Sguissardi (2001; 2006), Neves (2006), Carvalho (2006), Léda (2007) e Léda e Mancebo
(2009).
192 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

meio da inauguração da Casa do Estudante Brasileiro, destinada a auxiliar os


discentes que enfrentavam dificuldades de permanência na capital francesa.
Nessa mesma linha, a chamada Reforma Francisco Campos efetivou-se
por uma série de decretos relacionados à educação brasileira (ROMANELLI,
2002). No âmbito da educação superior, a reforma se deu por meio do De-
creto 19.851/1931, que propôs medidas de providência e beneficência ex-
tensivas aos corpos discentes dos institutos universitários. Referido Decreto
estabeleceu, ainda, que em tais medidas – de caráter socioeconômico mas,
também, meritocrático – seriam incluídas "bolsas de estudo, destinadas a
amparar estudantes reconhecidamente pobres, que se recomendem, pela
sua aplicação e inteligência, ao auxílio instituído" (BRASIL, 1931).
No texto constitucional de 1934, o artigo 157, parágrafo 2o, estabeleceu
a garantia de "auxílio a alunos necessitados, mediante fornecimento gratuito
de material escolar, bolsas de estudos, assistência alimentar, dentária e para
vilegiaturas" (BRASIL, 1934). Por sua vez, a Constituição de 1946 assegurou,
no artigo 172, que "cada sistema de ensino terá, obrigatoriamente, serviços
de assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados, condi-
ções de eficiência escolar" (BRASIL, 1946). Já a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB, Lei 4.024/1961) tratou a Assistência Social Escolar
como uma incumbência dos sistemas de ensino e estabeleceu, respectiva-
mente, nos artigos 90 e 91, que

em cooperação com outros órgãos ou não, incumbe aos sistemas de en-


sino, técnica e administrativamente, prover, bem como orientar, fiscalizar
e estimular os serviços de assistência social, médico-odontológico e de
enfermagem aos alunos.
A assistência social escolar será prestada nas escolas, sob a orientação
dos respectivos diretores, através de serviços que atendam ao tratamento
dos casos individuais, à aplicação de técnicas de grupo e à organização
social da comunidade (BRASIL, 1961, grifo nosso).

Referida Lei, apesar de evidenciar a necessidade de assistir aos estudan-


tes pobres da escola pública, concebe a assistência social numa perspectiva
particularista, emergencial e individualizada – contrária, portanto, à ideia da
universalidade. A assistência estudantil foi concebida nessa mesma direção
na Constituição de 1967, sendo que nesta foi adicionado apenas o direito à
igualdade de oportunidades educativas.
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 193

Já na Constituição Federal de 1988 a educação avançou do ponto do


vista de sua concepção e garantia estatal, passando a ser concebida como
"direito de todos e dever do Estado e da família" e assegurou, dentre outros
princípios, em seu artigo 206, inciso I, que o ensino seja ministrado com
base na "igualdade de condições para o acesso e permanência na escola"
(BRASIL, 1988).
Entretanto, a despeito dos avanços de 1988, a destinação específica de
parte do fundo público para a assistência estudantil das Ifes só foi mate-
rializada em 2007, como resultado da luta empreendida pelos estudantes
e pelo Fonaprace, o que ocorreu de modo articulado com a expansão das
vagas nas Ifes por meio do Plano de Reestruturação das Universidades Fe-
derais (Reuni). Nesse context, pôde-se verificar, por parte da Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (An-
difes), a intensificação da defesa de condições de acesso e permanência na
educação superior para os estudantes socioeconomicamente vulneráveis ao
conceber a educação como "um bem público e o conhecimento como um
patrimônio social" (ANDIFES, 2007, p. 2). A Andifes entende que as desigual-
dades socioeconômicas são reproduzidas, em grande medida, no ambiente
universitário, e envolvem parte significativa dos estudantes, o que resulta
em evasão e retenção por estarem relacionadas a aspectos fundamentais
da vida estudantil, tais como moradia, alimentação, manutenção, meios de
transporte, saúde e rendimento acadêmico. Neste sentido, foi com o pro-
pósito de desenvolver, articuladamente, ações assistenciais direcionadas à
permanência estudantil, visando melhorar o rendimento acadêmico e evitar
a evasão estudantil, que a Andifes elaborou o Plano Nacional de Assistência
Estudantil (Pnaes).2
Sobre a evasão estudantil, é importante destacar que esta constitui um
fenômeno complexo e multifatorial, conforme apontado pela Comissão
Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras,
uma iniciativa da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educa-
ção (SESu/MEC) de 1997. Segundo a referida Comissão, existem três tipos de
evasão, relacionados à desvinculação do curso, da instituição e do sistema.
Segundo Dias, et al. (2010), os motivos que levam à evasão são diversos e se
dividem em fatores "internos e externos". Os fatores internos se relacionam

2 Executado no âmbito do MEC, como finalidade ampliar as condições de permanência


dos jovens na educação superior pública federal. Nesse Decreto o MEC adota a mesma
perspectiva de política estudantil defendida pela Andifes. (BRASIL, 2010).
194 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

ao curso e à instituição, enquanto que os externos dizem respeito a proble-


mas de cunho pessoal, relacionados ao estudante. Referem-se aos fatores
internos questões ligadas: à infraestrutura – que diz respeito ao espaço físi-
co, como a ausência ou carência de laboratórios, bibliotecas, equipamentos
etc.; ao corpo docente – que envolve a falta de interação entre estudantes e
professores, além de apoio psicopedagógico; à estrutura curricular/ao turno
do curso; e a programas de permanência. Já os fatores externos abrangem:
a decisão equivocada e precoce em relação à escolha do curso; o curso
como segunda opção e com baixa concorrência; as dificuldades escolares
relativas à formação básica de qualidade, que contribuem para reprovações
mais frequentes, atrasos e, consequentemente, desmotivação em relação
ao curso; a insatisfação com o curso e com a futura profissão; as razões so-
cioeconômicas ligadas a dificuldades financeiras, por exemplo, a conciliação
entre estudo e trabalho; a distância entre residência e universidade, o que
dificulta o custeio do transporte; e problemas de caráter pessoal: falecimen-
to de familiar, doença, nascimento de filhos e dedicação ao casamento (DIAS
et al., 2010).
Com a finalidade de contribuir com a permanência estudantil foi insti-
tuído, em 2007, pelo governo federal, o Programa Nacional de Assistência
Estudantil (Pnaes), por meio da Portaria Normativa no 39, de 12 de dezembro
de 2007, regulamentado em 19 de julho 2010 pelo Decreto 7.234/2010.3 Sua
implementação envolve a participação de profissionais de áreas diversas,
como assistentes sociais, pedagogos, psicólogos, nutricionistas, dentre ou-
tros, por meio de equipes multidisciplinares cujas competências e contribui-
ções são imprescindíveis para o atendimento das demandas do segmento
estudantil na educação superior.
Desde 2010 a Andifes e o Fonaprace têm levantado indicadores que nor-
teiam os principais programas de permanência estudantil nas Ifes. Tais indi-
cadores abrangem: a) Migração/Moradia; b) Alimentação; c) Manutenção e
Trabalho; d) Meio de Transporte; e) Saúde; f) Acesso à Biblioteca; g) Acesso
à Cultura, ao Esporte e ao Lazer; h) Conhecimento Básico de Informática; i)
Domínio de Língua Estrangeira e; j) Movimentos Sociais.

3 O Plano explicita: princípios; objetivos e metas; áreas estratégicas; investimento; neces-


sidade de pessoal; e acompanhamento. No Portal do Ministério da Educação (MEC) há
um texto de apresentação sobre ele, disponível seguinte endereço: http://portal.mec.
gov.br/pnaes.
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 195

O Quadro 1 evidencia o número de estudantes atendidos no âmbito do


Pnaes no ano de 2011 e demonstra uma significativa variação quanto aos
indicadores explicitados em 2011 em relação aos dados levantados nos anos
de 1997 e 2004, anteriores à existência do Pnaes.
Quadro 1 – Quantitativo de estudantes atendidos pela política de assistência estu-
dantil brasileira no âmbito do Pnaes

ITENS PESQUISADOS 1997 2004 2011

a) Migração/Moradia
Estudantes que se deslocam de seu contexto familiar ao
34,79% 30,5% 65,15%
ingressarem na universidade
Os estudantes que não residem com os pais/cônjuges ou em
casas mantidas pelas famílias e que pertencem às categorias 12,34% 12,4% 47,61%
C, D e E
Defasagem existente entre a demanda potencial e a demanda Sem
9,94% 7,5%
atendida pelas moradias estudantis dados

b) Alimentação
Estudantes que frequentam o restaurante universitário como
19,10% 24,7% 15,03%
necessidade básica
c) Manutenção e Trabalho
Estudantes que exercem atividades não acadêmicas
42% 35,4% 37,63%
remuneradas
Estudantes que exercem atividades acadêmicas remuneradas 16,83% 19,10% 32,68%

d) Meios de Transporte

Estudantes que utilizam transporte coletivo 60,60% 59,9% 56,56%

e) Saúde

Estudantes que utilizam os serviços de saúde pública 27,22% 37% 41,68%

73,7%
(menos
Estudantes com menos de vinte anos 21,41% 23,8%
de 23
anos)

Estudantes que são acometidos por dificuldades emocionais Sem


39,5% 43%
no início do curso dados

Estudantes que apresentam necessidades significativas ou crise Sem


39,95% 47,7%
emocional durante o último ano do curso dados

f) Acesso à Biblioteca
Sem
Estudantes que utilizam as bibliotecas para consulta acadêmica 79,9% 65,4%
dados
196 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Quadro 1 – Continuação...
Estudantes que buscam atividades relacionadas a lazer e
11,25% 17,2% 2/3
cultura
g) Acesso à Cultura, ao Esporte e ao Lazer
Sem
Estudantes que leram de um a seis livros por ano 46,7% 62,4%
dados

Estudantes que praticam frequentemente ou sempre ativida-


86% 34% 59,45%
des físicas ou esportivas
Estudantes que têm como única fonte de informação o
55,13% 51,1% 20%
telejornal
h) Conhecimento Básico de Informática

Estudantes que têm conhecimento em informática 22,85% 43,9% 99,28%

i) Domínio de língua estrangeira

Estudantes que dominam língua estrangeira 30,2% 37,1% 63,76%

j) Movimentos Sociais

Estudantes que participam de movimentos sociais 58% * 4,5%

Sem
Estudantes que participam de movimentos religiosos 24,67% 24,8%
dados

Estudantes que participam de movimentos estudantis 11,14% 7% 5,8%

Sem
Estudantes que participam de atividades político-partidárias 7,97% 5,1%
dados

Fonte: sistematização própria, a partir de dados oferecidos pela Andifes (2011).

Para fazer frente à demanda diagnosticada no âmbito do Pnaes, o go-


verno federal tem dispendido recursos em uma perspectiva crescente (mas
ainda insuficiente) para atender os estudantes menos favorecidos socioeco-
nomicamente e assegurar sua permanência e formação. O Quadro 2 expli-
cita o volume de recursos destinados nacionalmente ao Pnaes, que saltou
de 125,3 milhões em 2008 para 742,7 milhões em 2014, demonstrando uma
significativa expansão de recursos. No entanto, o investimento ainda está
aquém das demandas apresentadas pelos estudantes, conforme discutire-
mos posteriormente.
Quadro 2 – Recursos investidos no Pnaes, anualmente, pelo governo brasileiro

Ano Recurso
2008 125,3 milhões
2009 203,8 milhões
2010 304 milhões
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 197

2011 395 milhões


2012 500 milhões
2013 603,8 milhões
2014 742,7 milhões

Fonte: elaboração própria, a partir de dados oferecidos pelo MEC (2015).

De acordo com a Andifes, a participação dos estudantes nos programas


de permanência é responsável pela melhoria significativa do rendimento
acadêmico destes sujeitos, haja vista os resultados de pesquisas realizadas
pela referida Associação. Por essa razão, faz-se necessário compreender as
políticas que geram e orientam estes programas, a fim de elucidar seus im-
pactos contextualizando-os com a realidade da UFT, particularmente, aos
cursos que são objeto de análise da presente pesquisa.

Assistência estudantil na UFT a partir do Pnaes: o caso dos cursos


de licenciaturas em Filosofia e em Teatro
Assim como as demais Ifes brasileiras, a UFT implementa o Pnaes, que
tem por finalidade "ampliar as condições de permanência dos jovens na edu-
cação superior pública federal" (BRASIL, 2010, p. 1) Como forma de garantir a
permanência do estudante, "a UFT/Campus de Palmas tem desenvolvido um
conjunto de programas e serviços de assistência e apoio ao aluno" (UFT, s/d,
p. 1). No Campus mencionado, os principais setores de apoio aos estudantes
são: o de Apoio Psicopedagógico (APP)4 e o de Serviço Social. O primeiro
"tem como principal objetivo oferecer apoio pedagógico e psicológico aos
alunos dos cursos de graduação do Campus de Palmas" (UFT, s/d, p. 3), e
desenvolve ações tal como o projeto acolhimento, organizado e executado
em conjunto com o Setor de Serviço Social e outros setores e que acontece
na primeira semana de cada semestre letivo. Por meio desse projeto são
disponibilizadas informações importantes sobre a instituição e os serviços
de apoio ao estudante. O APP também oferece oficinas voltadas a reflexões
em grupo acerca das habilidades acadêmicas, palestras com temas voltados
à trajetória acadêmica do universitário e atendimento individual (de apoio
pedagógico e/ou psicológico, conforme a demanda do aluno e mediante

4 A nomenclatura do setor em questão foi alterada, em 2016, passando a denominar-se


Apoio ao Estudo e à Carreira (Apec).
198 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

agendamento) (UFT, s/d, p. 3). Já o Serviço Social é responsável por "desen-


volver ações vinculadas a diversos programas de acesso e permanência" e
atua na "identificação, atendimento e acompanhamento das demandas so-
ciais dos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica" (UFT,
s/d, p. 17). Dentre as ações/programas desenvolvidos pelo Serviço Social/
Campus de Palmas, estão: a) o de Auxílio Permanência, que consiste em
uma bolsa no valor de R$ 400,00; o Auxílio Alimentação, que trata da isenção
total ou parcial do pagamento da refeição no restaurante universitário; o
Auxílio Saúde, que subsidia o tratamento dos estudantes na área de Saúde
Mental e consiste no repasse mensal de R$ 350,00 para custear despesas
com médicos ou psicólogos ou, ainda, para comprar medicamentos de uso
controlado; e o Programa de Apoio à Participação de Discentes em Eventos,
que subsidia, financeiramente, a participação dos estudantes em eventos
acadêmicos, político-acadêmicos, científicos e culturais, de abrangência lo-
cal/institucional, regional e nacional. Tais ações/programas se destinam aos
estudantes de graduação em situação de vulnerabilidade socioeconômica,
com exceção deste último, que atende, também, estudantes com renda su-
perior à estabelecida pelo Decreto 7.234/2010. Além dos programas imple-
mentados, o Setor de Serviço Social oferta o plantão social, que diz respeito
às etapas de acolhimento, análise e encaminhamento (interno e externo) das
demandas socioeconômicas dos estudantes da UFT (UFT, s/d, p. 17).
A UFT tem recebido um volume significativo de recursos provenien-
tes do Pnaes, contabilizando, inicialmente, em 2009, um montante de R$
3.357.936,92 e chegando, em 2015, a R$ 8.381.287,40, conforme demonstra
o Quadro 3.
Quadro 3 – Recursos investidos no Pnaes/Ano – UFT

RECURSO INVESTIDO
Ano Assistência financeira
Investimento (capital)
(custeio)
2009 R$ 3.357.936,92 ---
2010 R$ 2.294.586,00 ---
2011 R$ 2.100.000,00 R$ 3.000.000,00
2012 R$ 3.135.593,00 R$ 3.000.000,00
2013 R$ 3.767.609,00 R$ 3.200.985,00
2014 R$ 3.074.712,00 R$ 5.648.479,00
2015 R$ 8.381.287,40 ---
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 199

Fonte: elaboração própria, a partir dos dados oferecidos pela UFT (2016).

Por falta de informações institucionais sistematizadas não foi possível


apurar, fidedignamente, o quantitativo de estudantes atendidos na UFT no
Campus de Palmas, nem mesmo nos cursos de licenciatura em Filosofia e em
Teatro, objeto do presente estudo.

A assistência estudantil da UFT: a percepção de formuladores,


executores e estudantes/usuários
Os dados a seguir têm por base a pesquisa realizada por Silva (2016)
coletados junto aos formuladores da política de assistência estudantil no
âmbito da gestão da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Proest) da UFT
e da Direção do Campus de Palmas,5 aos executores diretos das referidas
políticas (Setores de Serviço Social, de Apoio Psicopedagógico e Coordena-
ções dos Cursos de Filosofia e de Teatro)6 e aos 28 estudantes/usuários das
políticas de assistência estudantil.7

A assistência estudantil da UFT: a percepção de formuladores


Tendo presente a discussão anterior sobre a inclusão das camadas popu-
lares nas Ifes operacionalizada pelo Estado brasileiro, o estudo questionou
se os programas desenvolvidos no âmbito do Pnaes/UFT têm atendido às
necessidades da Universidade tendo por objetivo explicitar a concepção
dos gestores e formuladores acerca da política de assistência estudantil
praticada pelo governo federal. As respostas dos formuladores foram di-
vergentes: o F1 afirmou que tais programas não atendem às necessidades
da universidade pois, "após a lei de cotas, a demanda se ampliou a um nível
que os recursos não conseguiram acompanhar", enquanto que o F2 afirmou
o contrário.
Ao serem questionados se a Política de Assistência Estudantil adotada
pela UFT atende às necessidades dos seus alunos, o F1 respondeu que
"em parte. Ainda não conseguimos trabalhar todas as áreas estratégicas do

5 Os formuladores/gestores das políticas de assistência estudantil da UFT (vinculados à


Proest) e do Campus de Palmas serão denominados, respectivamente, F1 e F2.
6 Os quatro setores, denominados executores das políticas estudantis, receberão as
seguintes designações: E1, E2, E3 e E4.
7 Os estudantes/usuários das referidas políticas serão denominados com designações
que irão de EU1 a EU28.
200 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Pnaes pela insuficiência orçamentária e de recursos humanos". O F2, no en-


tanto, afirmou que não atende e acrescentou que "não existe diagnóstico e
acompanhamento" de tal política.
O estudo buscou evidenciar, também, em que medida a Política de As-
sistência Estudantil da UFT atende às necessidades dos estudantes socioe-
conomicamente vulneráveis, conforme as áreas estratégicas do Pnaes, a fim
de identificar o grau de atendimento/de (in)satisfação no âmbito de cada
área. Dois formuladores/gestores divergiram em relação a algumas áreas e
convergiram quanto a outras. No que tange à moradia estudantil, para o F1,
esta é insatisfatória e atende apenas em parte, enquanto para F2 não aten-
de. Quanto à alimentação é satisfatório para o F1, pois atende totalmente.
Já para o F2, atende apenas em parte. Em relação ao Transporte, também
houve discordância: F1 respondeu que atende em parte e é insatisfatório;
F2, entretanto, afirmou que não atende. Sobre os indicadores de assistência
à Saúde, inclusão digital e creche, as respostas de F1 e F2 convergiram, e
ambos responderam que a Universidade não atende nessas áreas. No tocan-
te ao apoio psicopedagógico, as respostas foram diferentes: F1 afirmou que
atende em parte e de forma insatisfatória; F2, entretanto, afirmou que não
atende. No que se refere ao auxílio à participação em eventos, houve con-
vergência nas respostas: ambos (F1 e F2) responderam que o grau de atendi-
mento é satisfatório, pois atende totalmente. Também houve concordância
quanto às áreas referentes ao auxílio permanência e aos auxílios emergen-
ciais: F1 e F2 afirmaram que, nesse âmbito, o atendimento é insatisfatório,
pois apenas parte das necessidades são atendidas. F1 acrescentou, ainda,
que a área relativa ao apoio às atividades esportivas é atendida apenas em
parte, portanto, de modo insatisfatório.
Em relação aos recursos orçamentários e financeiros destinados à UFT,
buscamos verificar se estes são suficientes para a implementação dos pro-
gramas referentes à política de assistência estudantil. F1 e F2 discordaram
a esse respeito. Para o primeiro, são insuficientes pois, com o advento da
Lei de Cotas, houve uma expansão da demanda e os recursos não foram
ampliados na mesma proporção, enquanto que F2 compreende o contrário.
Ao serem questionados se os recursos do Pnaes se destinam exclusi-
vamente aos programas de permanência, ambos responderam que sim. F1
acrescentou que

F1: [...] o Pnaes é bastante claro quando orienta as Ifes a trabalharem


as ações de assistência estudantil de forma multidisciplinar. Aliando as
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 201

atividades de ensino com outras pró-reitorias, sempre garantimos que


as questões econômica e social sejam pré-requisitos para a participação
nas atividades.

Sobre a existência de equipes multiprofissionais para atender os estu-


dantes, conforme previsto pelo Pnaes, F1 e F2 afirmaram que estas não exis-
tem em todos os campi e assim justificaram a inexistência, respectivamente:

F1: Pela falta de concursos suficientes, e ainda, pela alta demanda em


termos de funcionários administrativos nos campi, que ainda impede a
priorização da abertura de vagas, quando disponíveis, para profissionais
específicos que trabalhem com a assistência ao estudante.
F2: O governo federal implantou a política e não garantiu todas as con-
dições – pessoal e de orçamento – às Ifes.

Buscamos averiguar, também, o grau de importância dos programas de


assistência estudantil para os alunos. Quanto à moradia e alimentação, F1 e
F2 entendem que são "muito importantes" e "importantes", respectivamen-
te. Em relação ao transporte, à assistência à saúde e ao apoio psicopeda-
gógico, F1 os considera importantes; F2, entretanto, não opinou a respeito.
Inclusão digital, creche e auxílio à participação em eventos foram âmbitos
considerados importantes pelos dois respondentes. Quanto ao Programa
Auxílio Permanência, este é considerado "muito importante" para F1 e
"importante" para F2. No tocante ao Programa de Esportes, apenas F1 se
manifestou, informando que o considera importante.
No que concerne aos critérios utilizados para definição das prioridades
a serem atendidas pelo Pnaes, F1 e F2 responderam, igualmente, que tal
definição ocorre por meio de assembleias e seminários envolvendo a co-
munidade estudantil. No espaço destinado a acréscimos e considerações,
somente F2 se manifestou, argumentando que

F2: [...] a política deve existir porque ainda não foi implantada. Falta
diagnóstico do que é necessário para efetivar a política, faltam recursos
humanos para implantar a política. Se faz necessário o acompanhamento
dos beneficiados para saber a efetivação dos gastos.

A percepção dos executores da assistência estudantil na UFT


202 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Os executores da política em questão foram questionados sobre a im-


portância atribuída aos programas de assistência estudantil. Eles apontaram,
conforme os propósitos do Pnaes, respectivamente, a seguinte ordem: 1o)
permitir que alunos com famílias de baixa renda frequentem a universidade;
2o) garantir a permanência do aluno, diminuindo a evasão escolar; 3o) manter
alto o desempenho acadêmico dos alunos; 4o) criar espaços de sociabiliza-
ção fora da sala de aula; e 5o) fazer com que os alunos tenham mais recursos
financeiros para outros gastos pessoais, como acesso ao lazer e cultura.
Quando solicitados a avaliarem a política de assistência estudantil da
UFT no tocante à permanência e ao sucesso acadêmico do estudante, entre
cinco respostas disponíveis – muito bom, bom, regular, ruim e muito ruim –,
os quatro respondentes avaliaram tal política como "regular". Quanto a essa
questão, E1, E3 e E4 argumentaram, respectivamente, o seguinte:

E1: Falta uma política de moradia estudantil adequada e atenção à saúde


mais abrangente. O recurso destinado a cada estudante é bem pequeno.
E3: Não possui suficiente transparência que permita avaliar lucidamente.
E4: A Universidade ainda necessita avançar no que tange ao planejamento
e priorização dos alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômi-
ca. Enquanto se atende alunos que não cumprem os critérios de renda
estabelecidos pelo Pnaes, alunos com perfil de vulnerabilidade deixam
de ser atendidos nos processos seletivos em razão do limitado número
de bolsas ofertadas.

Sobre os programas de assistência estudantil em funcionamento no mo-


mento da realização da pesquisa, as respostas foram as seguintes:
• Moradia: não funcionam (E1 e E4); funcionam (E2 e E3).
• Auxílio Alimentação (Restaurante Universitário [RU]), Apoio Psicopeda-
gógico, Auxílio à Participação em Eventos e Auxílio Permanência: segun-
do os quatro entrevistados, estes setores estão em funcionamento.
• Assistência à Saúde: E1 e E4 afirmaram que estão funcionando, em pro-
cesso de implantação; E2 e E3 desconhecem.
• Auxílio Transporte: E1 e E4 afirmaram que não funciona; E2 afirmou que
sim e E3 desconhece.
• Inclusão Digital e Creche: E1 e E4 responderam que não estão funcio-
nando; E2 e E3 não têm conhecimento a respeito.
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 203

• Auxílios Emergenciais: E1 e E4 afirmaram que estão em funcionamento;


E2 não respondeu e E3 afirmou desconhecer.8
Acerca da ordem de importância e de prioridade que os programas de
assistência estudantil deveriam ter, os executores apontaram, em primeiro
lugar: os Auxílios Permanência e Alimentação, o Apoio Psicopedagógico e
a Moradia Estudantil. Em segundo lugar ficou o Transporte, seguido, em
terceiro lugar, do programa de Creche. Em quarto lugar, foram apontados
os programas de Assistência à Saúde, os Auxílios Emergenciais e a Inclusão
Digital e, por último, em quinto lugar, foi indicado o Programa de Auxílio à
Participação em Eventos.
Buscamos verificar em que medida a política de assistência estudantil
atende às necessidades dos estudantes desfavorecidos socioeconomica-
mente, conforme as áreas/indicadores estratégicos estabelecidos pelo Pna-
es: moradia estudantil; alimentação; transporte; assistência à saúde; inclusão
digital; creche; apoio psicopedagógico; auxílio à participação em eventos; e
auxílio permanência. Em geral, a maioria dos respondentes (58%) apontou
que o conjunto dos programas oferecidos pela UFT é insatisfatório para o
atendimento aos estudantes. Para outra parte (26%), inexiste o atendimento
para a maioria das áreas do Pnaes; e um número menor de respondentes
(16%) afirmou ser satisfatório o atendimento, pois todos os estudantes em
situação de vulnerabilidade social são atendidos.
No que se refere à avaliação da gestão da Proest da UFT em relação
à política de assistência estudantil, três respondentes avaliaram como re-
gular e um como ruim. A esse respeito, três participantes argumentaram o
seguinte:

E1: Muito recurso para participação em eventos. Moradia estudantil inci-


piente, falta transparência dos recursos financeiros. Falta informatização
dos processos. Muito politizada.
E3: Deveria ampliar as políticas de permanência; praticamente não te-
mos como avaliar pois não conhecemos com suficiente clareza a natureza
da política.
E4: Não há planejamento participativo e os fluxos são alterados cons-
tantemente conforme as situações se apresentam. Na maioria das vezes

8 O Auxílio Moradia foi implantado pela UFT em 2017 e consiste no valor de R$ 330,00,
pago semestralmente aos estudantes, conforme perfil socioeconômico e disponibilida-
de orçamentária.
204 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

a Proest não anuncia formalmente as mudanças ao Campus, gerando


transtorno aos estudantes.

Sobre a gestão do campus de Palmas em relação à política de assis-


tência estudantil, três respondentes avaliaram como "regular" e um como
"ruim". Todos apresentaram argumentos:

E1: O envolvimento do campus se limita a situações de urgência.


E2: Precisa ampliar o atendimento e realizar o mapeamento da real ne-
cessidade da assistência estudantil.
E3: Se é uma política, como ocorre esse processo político? Quais os fun-
damentos sociológicos da assistência estudantil? Os egressos do Ensino
Médio conhecem alguma "política" de assistência?
E4: Devido à forma de gestão da Proest o Campus tem dificuldades em
traçar um fluxo e definir estratégias de atuação contínua nesse âmbito,
isso atrapalha o andamento do trabalho e, muitas vezes, confunde o alu-
no quanto aos procedimentos a serem seguidos.

Quando questionados se o valor do Auxílio Permanência (de R$ 400,00)


seria suficiente para custear as despesas dos estudantes em situação de
vulnerabilidade socioeconômica e garantir sua permanência e sucesso aca-
dêmico, todos responderam que é insuficiente.

E1: O estudante que não pode contar com ajuda de familiares necessita
de moradia, alimentação, transporte, comprar remédios, roupas, material
escolar e cópias, precisa também de esporte e lazer.
E2: Esse valor está defasado em relação ao custo de vida em Palmas.
E3: Não é suficiente, é paliativo, mas, em regiões interioranas faz uma
diferença maior em relação às capitais. Não deveria ser auxílio, mas ga-
rantia de permanência.
E4: Boa parte dos alunos moram [sic] de aluguel, pagam [sic] transporte e
despesas relativas aos cursos. Esse valor não custeia sequer o pagamen-
to do aluguel, que é caro em Palmas, portanto, é insuficiente para custear
despesas básicas e assim, garantir a permanência, com qualidade.

No tocante aos aspectos da política de assistência estudantil que faci-


litam ou dificultam a permanência dos estudantes em seus cursos, apenas
três participantes responderam, apontando como aspectos facilitadores
os programas de Auxílio Alimentação, de Auxílio Permanência e de Apoio
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 205

Psicopedagógico (E1 e E4). E3 argumentou que a política "modifica a cultu-


ra entranhada nas elites brasileiras que pensam que a universidade federal
deve ser para as classes A e B; ensina aos professores universitários o tama-
nho do nosso abismo social (em tese)". Sobre os aspectos dificultosos, E1
elencou: a morosidade no processo; a insuficiência de recursos e equipes
e espaços de trabalho e de atendimento ao aluno inadequados; a ausência
de projetos que fomentem o esporte e a cultura na assistência; e a falta de
editais de fluxo contínuo e programas de nivelamento da aprendizagem. E3
apontou os seguintes: pouco controle social; inexistência de programas de
permanência no Ensino Médio como fundamento para uma política social
mais ampla; não divulgação dos editais nas escolas públicas; e pouca trans-
parência dos programas para os colegiados de curso da UFT. Já E4 indicou:
a exigência excessiva de cumprimento de carga horária9 aos alunos do Pro-
grama Auxílio Permanência; e um número de bolsas insuficiente em relação
à demanda pelo Auxílio Permanência, o que implica na descontinuidade do
pagamento do auxílio para muitos estudantes em razão da alta e crescente
demanda, que é desproporcional ao número de auxílios ofertados.
Ao fazerem suas considerações sobre a política de assistência estudantil
e seus impactos para a permanência dos estudantes/usuários, E1 afirmou
que "a questão do acolhimento de alunos indígenas, estrangeiros e oriun-
dos de escola pública (nivelamento) ainda é pouco discutida". Para E3, "a
política não pensa o transporte do aluno; não garante a permanência e a
conclusão do curso; não é vinculada diretamente aos bens culturais e sociais;
e o esclarecimento docente sobre o papel social do professor na mobilidade
social é relativo". E4 acrescentou, ademais, que

E4: [...] a UFT está em processo de discussão e elaboração da política de


assistência estudantil. Esse é um aspecto fundamental e que necessita
da participação da comunidade acadêmica, em especial dos estudantes
e dos profissionais que nela atuam. É imprescindível definir conceitos,
critérios e diretrizes claras sobre os programas ofertados, buscando
articulá-los com o ensino, a pesquisa e a extensão. Isso é importante para
evitar a fragmentação e o improviso que tem ocorrido na UFT, bem como
assegurar que os objetivos do Pnaes sejam efetivamente alcançados.

Em geral, na compreensão dos formuladores e executores das políticas


estudantis da UFT, embora existam recursos advindos do Pnaes (BRASIL,

9 A exigência de carga horária do referido Programa foi extinta em 2017.


206 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

2010) para a manutenção dos estudantes na universidade, a sua efetividade


fica a desejar em virtude da realização de uma política de assistência estu-
dantil fragmentada e, em grande medida, improvisada.
A percepção dos executores da política de assistência estudantil da UFT
sinaliza, em geral, por um lado, a importância da assistência estudantil para a
permanência e formação dos estudantes. Por outro, evidencia a inexistência,
a insuficiência e a fragilidade de alguns programas, apontando para a neces-
sidade da ampliação destas ações, visando o maior acesso estudantil. Indica,
também, a imprescindibilidade de estruturação da política em questão no
tocante à oferta de uma estrutura institucional compatível com as deman-
das do segmento estudantil e com as exigências por condições de trabalho
dos profissionais,10 nos termos propostos pelo Pnaes, além do repensar ins-
titucional acerca da concepção de assistência no sentido de ultrapassar a
perspectiva focada nas necessidades meramente materiais e evoluir para o
atendimento das necessidades humanas dos estudantes de forma integral,
como defende Pereira (2006). Para a autora, o suprimento das necessidades
materiais é uma das importantes dimensões da existência humana; entretan-
to, não é suficiente, pois tal existência não diz respeito apenas ao consumo
de mercadorias, mas inclui, dentre outras, as necessidades fisiológicas, afe-
tivas e de participação social.
Com base nos estudos de Lirddiard (1999) e de Doyal e Gough (1991),
Pereira (2006) afirma que é possível identificar dois tipos de necessidades
básicas em qualquer sociedade e em qualquer cultura, o que lhes confere
caráter objetivo e universal. A primeira é a necessidade de sobrevivência
física e a segunda refere-se à necessidade de autonomia – esta última in-
dispensável para os processos de participação e de escolhas genuinamente
informadas. Ambas as necessidades devem ser simultaneamente satisfeitas
pois, do contrário, "as pessoas ficarão impedidas de definir valores e crenças
e de perseguir quaisquer fins humano-sociais" (PEREIRA, 2006, p. 73), visto
que todas as forças humanas se moldam e se desenvolvem socialmente, e é
por meio do desenvolvimento dessas forças que as pessoas podem satisfa-
zer suas necessidades coletivas. Assim, "[...] homens e mulheres devem estar
livres não só da escravidão, mas da ignorância, da enfermidade, da falta de

10 A política de assistência estudantil da UFT foi aprovada em 2017; contudo, em alguns


campi, as equipes multiprofissionais estão incompletas e, no caso de Palmas, ainda que
a composição mínima (assistentes sociais, psicólogos e pedagogos) esteja garantida,
estes profissionais atuam em espaços físicos diferentes e distantes geograficamente.
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 207

trabalho, do desabrigo, que também constituem limites intoleráveis à sua


autonomia" (op. cit., p. 73).
A assistência estudantil trata-se de uma política que possui uma particu-
laridade institucional: ela se inscreve e se desenvolve institucionalmente no
âmbito da educação superior e serve como elo entre a Assistência Social e a
Educação (PEREIRA; SOUZA, 2017). De acordo com as autoras,

embora a política educacional não esteja incluída no Sistema de Se-


guridade Social previsto pela Constituição Federal vigente (o que é
criticável), ela é uma política social pública importante que, em tese, teria
o papel de fortalecer as demais políticas sociais e de ser fortalecida por
estas, inclusive pela Assistência Social. Daí a importância das reflexões e
dos debates sobre a intersetorialidade das políticas sociais, atualmente
intensificados (PEREIRA; SOUZA, 2017, p. 64).

A Assistência Social distingue-se qualitativamente das políticas sociais


ditas setoriais, pois possui como particularidade o fato de ser intersetorial,
visto que intervém e se desenvolve no âmbito das políticas setoriais, uma
vez que "o escopo da assistência é o social, e não um aspecto desse social,
o que equivale a afirmar que nesse escopo cabem todos os recortes ou ‘se-
tores’ das outras políticas, já que ele é por natureza amplo, interdisciplinar
e intersetorial" (op. cit., p. 64-65). Sendo assim, de acordo com as autoras,
a Assistência Social transita quase que de forma automática pelo interior
das demais políticas setoriais, "ora desmentindo a pureza setorial que al-
gumas querem burocraticamente instituir, ora, ao contrário, fortalecendo o
empenho de outras para concretizar a sua vocação, sempre interditada, de
ser universal" (PEREIRA; SOUZA, 2017, p. 64). Desse modo, "a Assistência
Social, por ter natureza intersetorial é, por excelência, a política social com
propensão inerente de criar interfaces favoráveis à universalização das polí-
ticas ditas setoriais" (op. cit., p. 64).
Ainda que do ponto de vista formal a assistência social tenha o papel
de favorecer a universalização das políticas setoriais (PEREIRA, 2006; PEREI-
RA; SOUZA, 2017), ao discutirem a política social no Brasil contemporâneo,
Behring e Boschetti (2008) afirmam que, apesar das conquistas de 1988 e da
ascensão das lutas democráticas e dos movimentos sociais – que anuncia-
ram uma importante reforma democrática do estado brasileiro e da políti-
ca social –, muitas contratendências se interpuseram a essa possibilidade.
Desse modo, os anos da década de 1990 até os dias atuais têm sido de
"contrarreforma do Estado" e de "obstaculização e/ou redirecionamento
208 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

das conquistas de 1988, num contexto em que foram derruídas até aquelas
condições políticas por meio da expansão do desemprego e da violência"
(BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 147).

A configuração dos padrões universalistas e redistributivos de proteção


social foi fortemente tensionada: pelas estratégias de extração dos su-
perlucros, em que se incluem as tendências de contração dos encargos
sociais e previdenciários; pela supercapitalização, com a privatização
explícita e induzida de setores de utilidade pública em que se incluem
saúde, educação e previdência; e pelo desprezo burguês para com o
pacto social dos anos de crescimento, configurando um ambiente ideo-
lógico individualista, consumista e hedonista ao extremo. Tudo isso num
contexto em que as forças de resistência se encontram fragmentadas,
particularmente o movimento dos trabalhadores, em função do desem-
prego, da precarização e flexibilização das relações de trabalho e dos
direitos (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 155-156).

A possibilidade de construção de um sistema de proteção social no Bra-


sil, previsto na Constituição Federal, não se materializou e, a despeito do
princípio da universalidade que pauta a seguridade social, no que se refere
à Assistência Social, e do entendimento de que se trata de um direito a ser
assegurado aos que dela necessitarem, "[...] a seletividade e a distribuição
na prestação dos serviços apontam para a possibilidade de instituir benefí-
cios orientados pela ‘discriminação positiva’" (op. cit., p. 157), e não se trata
apenas dos direitos assistenciais, mas também "pode tornar seletivos os be-
nefícios das políticas de saúde e de assistência social numa clara tensão com
o princípio da universalidade" (op. cit., p. 157).
A partir do exposto pelas autoras, percebe-se a imprescindibilidade da
intensificação do debate e da luta pela universalização da assistência social/
estudantil no âmbito da educação superior e da ampliação das áreas propos-
tas pelo Pnaes e demandadas pelos estudantes. Para tanto, é indispensável
que as Ifes sejam capazes de assegurar não apenas a sobrevivência biológica
dos beneficiários da assistência estudantil, mas, para além desse aspecto,
que elas possam contribuir com o processo de formação cidadã do segmen-
to estudantil na perspectiva de auxiliar na construção de sua autonomia, o
que pressupõe a garantia da participação dos estudantes no processo de
definição, implementação e avaliação da referida política – requisito essen-
cial à garantia do direito à educação superior pública.
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 209

A despeito das lacunas e desafios existentes no âmbito da assistência


estudantil das Ifes, Libâneo, Oliveira e Toschi (2003) afirmam que, ainda que
a política de assistência estudantil atualmente implementada nas Ifes e a
ação do Estado sejam deficientes, numa perspectiva social elas apresentam
resultados positivos (embora pontuais e parciais) para os estudantes que
dela necessitam, no sentido de buscar assegurar o acesso e a permanência
destes sujeitos nas instituições de ensino superior federais.

A assistência estudantil da UFT: a percepção dos estudantes/usuários


Para conhecer o perfil dos estudantes pesquisados, o estudo buscou
identificar as seguintes características: idade, sexo, estado civil, local de
residência e ocupação em relação ao mercado de trabalho. Dos 28 parti-
cipantes, apenas 24 informaram a idade. Destes, 18 possuem entre 21 e 29
anos e seis possuem entre 31 e 51 anos. 14 são do sexo feminino e 14 do sexo
masculino. 27 têm residência em Palmas e um em Porto Nacional-TO. Quan-
to ao estado civil, quatro são casados e 24 são solteiros. Sobre a condição de
trabalho, 19 participantes apenas estudam e nove trabalham durante o dia;
destes, quatro estão há mais de dois anos e meio exercendo tais atividades.
Sobre a origem da escola onde cursaram o Ensino Médio, 24 informaram
ser oriundos da escola pública e quatro estudaram na condição de bolsista
em escola particular. Durante o Ensino Médio, 16 alunos exerciam atividades
laborais e 12 não trabalhavam.
No tocante à renda bruta familiar antes do ingresso na UFT, 27estudantes
foram respondentes. Destes, oito famílias possuíam renda bruta de até um
salário-mínimo; 14 recebiam entre dois e três salários-mínimos; três famílias
de quatro a seis salários-mínimos; e dois de sete a nove salários-mínimos.
A condição atual da renda das famílias classifica-se da seguinte forma: 12
famílias possuem renda bruta até um salário-mínimo; 11 famílias entre dois e
três salários-mínimos; três famílias de quatro a seis salários-mínimos; e duas
de sete a nove salários-mínimos.
Quanto ao grau de escolaridade no ato do ingresso nos cursos de li-
cenciatura pesquisados, dos 16 alunos que responderam, seis possuíam
somente o Ensino Médio, dois já haviam concluído graduação e seis haviam
cursado parcialmente o Ensino Superior.
Ao serem questionados se conhecem os setores que formulam e exe-
cutam tal política na UFT, dez estudantes afirmaram que sim e 18 alegaram
desconhecimento. Quando solicitados a apontar os setores formuladores e
210 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

executores da referida política, as respostas foram: o Setor de Serviço Social


(três respondentes), a Proest e a Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) (um
respondentes); a Proest (dois respondentes); a Proest e o Serviço Social (qua-
tro respondentes); o Serviço Social, a Direção do Campus e o Proest (um res-
pondente); Programas Auxílio Permanência, Alimentação e Transporte (um
respondente); um entrevistado desconhece, um conhece, mas nem todos os
setores e catorze alegaram ausência de conhecimento.
Dos programas ofertados pela UFT e conhecidos pelos estudantes de
Teatro e Filosofia do Campus UFT/Palmas, o de alimentação (mediante o
RU) está em primeiro lugar, seguido pelo de moradia estudantil. Em terceiro
lugar aparecem os Auxílios Permanência, à Participação em Eventos, Trans-
porte, Emergenciais e o Apoio Psicopedagógico. Em últimos lugares foram
indicados os programas de Inclusão Digital, de Assistência à Saúde e de
Creche, respectivamente.
Quando questionados acerca de quais programas já foram ou são be-
neficiados no momento: quatro responderam que participam da Moradia
Estudantil; 17 recebem Auxílio Alimentação, nove recebem Auxílio Trans-
porte para eventos;11 cinco recebem Auxílio Permanência; e três contam
com Auxílio à Participação em Eventos. Quanto à participação anterior: dez
respondentes afirmaram ter utilizado benefícios do Auxílio Alimentação; seis
do Auxílio Transporte; cinco do Auxílio Permanência; quatro do Auxílio à
Participação em Eventos; três do Apoio Psicopedagógico; e um do Progra-
ma Auxílio Emergencial.12
Sobre dificuldades de acompanhar as aulas no seu respectivo curso, 19
alunos respondentes negaram tê-las, ao passo que dez responderam sim,
elas existem. Quanto ao apoio recebido para superar tais dificuldades, 17
não responderam e quatro informaram não terem recebido nenhum apoio.
Outros quatro estudantes informaram que "ofereceram monitoria apenas no
curso de Estética" (EU21); que "deveria existir monitoria que identificasse

11 A UFT não possui, ainda, um Programa de Auxílio Transporte para locomoção do aluno
entre residência/universidade/residência. Estes respondentes provavelmente se referi-
ram ao Programa de Apoio à Participação em Eventos, que está em funcionamento na
instituição.
12 O Programa de Auxílio Emergencial trata-se de uma forma de ingresso diferenciada
nos Programas Auxílio Alimentação e Permanência. Tal ingresso ocorre em caráter
emergencial, com a dispensa de edital, mas mediante comprovação de vulnerabilidade
socioeconômica. O estudante recebe um auxílio financeiro no valor de R$ 400,00 por
um período de, aproximadamente, três meses.
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 211

e necessidade de assistência a esses estudantes" (EU22); que "alguns dos


professores os apoiaram" (EU25); que "somente [recebeu] apoio moral dos
colegas" (EU27); e que "não tive nenhum tipo de ajuda da assistência social,
também não sabia como procurar ajuda, sorte minha que superei, pois mui-
tos dos meus colegas não teriam desistido do curso se tivessem tido algum
tipo de apoio dado pela universidade" (EU28).
Os alunos também avaliaram os programas de assistência estudantil dos
quais já foram beneficiários ou dos quais usufruem atualmente. Na opinião
de 10 estudantes, os programas são bons; 14 avaliaram como regulares e
quatro como ruins. 17 alunos não justificaram suas respostas e, dentre os que
responderam, cinco avaliaram positivamente as ações:

EU14: Há planos de se continuar o curso apesar de algumas dificuldades


que o aluno possa estar.
EU11: Os programas dos quais me beneficiei foram aplicados de maneira
correta.
EU4: RU, muito bom.
EU9: Gosto bastante do RU e costumo jantar no mesmo todas as noites.
EU8: O Ônibus 913 ser gratuito diminui minhas despesas.

Outros seis alunos apontaram alguns pontos negativos:

EU2: A Bolsa Permanência atrasou para cair.


EU4: Moradia estudantil, muito ruim.
EU21: Atende parcialmente às necessidades dos estudantes.
EU24: Atende, mas tem muitas falhas.
EU26: As pessoas que mais necessitam das bolsas não conseguem ter
acesso aos auxílios. Quando eu precisei, não fui atendida.
EU27: Sei que são muito bons, mas eu tenho tido apoio do restaurante e
do coletivo. É muito difícil para conseguir uma bolsa e tem um processo
muito lento, muitos acabam desistindo.

13 O Ônibus 9 a que se refere o estudante trata-se de uma linha ofertada pelo transporte
público municipal que isenta os estudantes da UFT do pagamento de tarifa. Referido
Ônibus liga o Campus de Palmas a uma estação de transporte no centro da cidade, que
faz a integração com outras linhas de ônibus. Trata-se de uma conquista do movimento
estudantil da UFT por meio do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade.
212 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Referindo-se aos critérios de avaliação e seleção dos estudantes em


situação de vulnerabilidade socioeconômica, dos 28 usuários assistência es-
tudantil que participaram da pesquisa, 15 responderam que não conhecem
tais critérios e 13 afirmaram conhecer; entretanto, alguns destes não acham
corretos os critérios de seleção utilizados pelo Campus de Palmas. Dentre
os 11 alunos que justificaram as respostas, três alegaram desconhecer os
critérios e programas, e outros três afirmaram que são burocráticos. Outros
respondentes destacaram o seguinte:

EU2: Há casos de alunos que trabalham e ganham a bolsa.


EU4: Vulnerabilidade social vai além de questão econômica e a assistên-
cia social só usa isto.
EU8: Conheço casos de alunos em vulnerabilidade financeira que já ten-
taram por mais de duas vezes e não foram selecionados para o Auxílio
Permanência.
EU14: Não descriminam pessoas e são abrangentes, mas poderiam ado-
tar outros critérios como moradia e tempo de desemprego.
EU15: Deveria visitar as casas.
EU22: Deveria melhorar em variados aspectos.

Sobre a contribuição dos programas de assistência estudantil para a


permanência dos estudantes, 16 respondentes afirmaram que contribuem
muito, sete afirmaram que contribui pouco, quatro disseram que não contri-
buem em nada e um não respondeu. Dos 28 alunos, a maioria entende que
os programas mencionados contribuem para a permanência nos estudos.
Eis algumas das razões:

EU2: Não possuir família no Estado.


EU7: Poder almoçar no campus, dada a distância da cidade.
EU9: O RU contribui muito, é a salvação porque as lanchonetes são
péssimas.
EU10: Numa cidade como Palmas uma bolsa de 400 mal dá para
sobreviver.
EU11: Contribui de maneira mediana.
EU13: Sem tais programas o estudante vulnerável social e economica-
mente não teria como se manter.
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 213

EU21 e EU22: [a bolsa contribui para custeio de gastos com] [...] alimen-
tação aos finais de semana, compra de medicamentos, xerox, água e
energia, transporte, aluguel.

Na opinião de 20 estudantes, a política de assistência estudantil da UFT


não atende às necessidades dos alunos em situação de vulnerabilidade
socioeconômica, enquanto que oito afirmaram que sim, atende. 15 alunos
não responderam a essa questão e, dentre os 13 que responderam, alguns
aspectos foram apontados: moradia precária; falta de merenda no RU; baixo
valor do Auxílio Permanência; melhor avaliação da necessidade dos alunos;
mais proximidade dos estudantes; o não atendimento, por parte da UFT, de
todas as necessidades dos alunos; poucos programas – alguns não existem,
a exemplo da moradia; poucos recursos financeiros; falta de acompanha-
mento e divulgação dos programas; e foco no econômico, secundarizando
outras questões, a exemplo do aspecto psicológico.
Ao serem questionados se o valor do Auxílio Permanência (de R$ 400,00)
é suficiente para sua manutenção na universidade, cinco responderam que
sim, 22 que não e um não se manifestou. Dentre os que afirmaram ser insufi-
ciente, alguns justificaram suas respostas: para cinco dos estudantes, o custo
de vida em Palmas é alto; outros três alegaram a necessidade de pagar água,
energia, material de higiene pessoal e comprar café da manhã. Quanto à
ampliação do valor da bolsa, foram sugeridos: R$ 600,00 (EU9, EU11 e EU27);
R$ 700,00 (EU15, EU16 e EU25); R$ 750,00 (EU24 e EU28); R$ 800,00 (EU26); R$
900,00 (EU22); e R$ 1.000,00 (EU17). Dois alunos argumentaram o seguinte:
"no meu primeiro ano de curso precisei trabalhar, mesmo recebendo bolsa,
porém, meu rendimento acadêmico foi péssimo. Reprovei em três discipli-
nas no mesmo semestre" (EU10); "[o valor] garante a sua permanência mas
sem um rendimento superior, pois, para tanto, seria preciso uma bolsa de
estudos adicional" (EU14).
Quando perguntados se estudariam na UFT sem os programas de assis-
tência estudantil, nove responderam sim, 12 afirmaram que não e quatro não
souberam responder. 14 alunos não justificaram suas respostas, enquanto
que os demais argumentaram o seguinte:

EU2: Não sei, pois meus pais me ajudam um pouco. Porém, não compre-
endem que o valor da bolsa não é suficiente e não me ajudam quando
estou com a bolsa.
EU3: Sim, porém com dificuldades financeiras.
214 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

EU4: Não sou de Palmas, deixei amigos familiares, cultura, cidade, é


muito sofrido pra mim, o que compensa é o dinheiro que economizo.
EU8: Sem o estágio, RU e gratuidade no Ônibus 9, não seria possível.
EU9: No fim das contas estudaria, mas faria falta com toda certeza.
EU10: A vida longe de casa é difícil, ainda mais numa cidade em que não
oferece oportunidade de trabalho.
EU11: No meu caso conseguia sim estudar, uma vez que não me encon-
tro em vulnerabilidade social, sou monitora bolsista, esse auxílio ajuda
bastante, mas eu conseguiria permanecer sim na UFT sem o mesmo.
EU13: Não teria como me manter financeiramente.
EU17: Com muitas dificuldades, mas eu desistiria do meu curso.
EU21: [...] não tenho como me manter e manter os estudos, como xerox,
livros etc.
EU22: Estudar e trabalhar, não daria conta.
EU23: Não, por que eu não tenho renda.
EU27: Porque emprego está muito difícil de achar.

Os dados da pesquisa indicam que a política de assistência estudantil


implementada pelo Estado brasileiro com foco no Pnaes (ANDIFES, 2007;
2011; BRASIL, 2010) é fundamental para a inclusão social – de forma mais
consistente, integral e democrática – dos estudantes pobres, advindos da
classe trabalhadora, na universidade pública brasileira. Nesse sentido, é evi-
dente a importância que tem o Estado Social no desenvolvimento de sua
população, em geral e, especificamente, da camada socioeconomicamente
menos favorecida (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003; PEREIRA, 2006; HAR-
VEY, 2008).
Com base na presente pesquisa, é possível afirmar que estamos distan-
tes das condições para a universalização do acesso ao ensino universitário
com qualidade socialmente referenciada, incluindo as camadas menos favo-
recidas economicamente. De fato, com o fortalecimento da lógica de Estado
em que a regulação mercantil secundariza a perspectiva de regulação social
(MÉSZÁROS, 2016) estamos vivenciando, na passagem do século XX para
o XXI, um retrocesso do processo de inclusão social universitária em uma
perspectiva democrática.
Depreende-se, do estudo em tela, a necessidade da criação de meca-
nismos de gestão democrática institucional, abrangendo: planejamento que
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 215

explicite um adequado diagnóstico das necessidades estudantis; definição


de prioridades; utilização dos recursos; e avaliação que garanta a efetiva
participação dos estudantes/usuários e trabalhadores no monitoramento,
visando a contínua adequação da referida política às demandas e necessi-
dades de seu público-alvo. É importante ressaltar, a partir de Pereira (2006),
que o atendimento ou a priorização das necessidades materiais e a disponi-
bilização de recursos não são suficientes para a permanência e a formação
de qualidade dos estudantes pois não resolvem, por si só, a equação relativa
à democratização da universidade pública e à formação para a cidadania.
Para além do financiamento, é necessário instituir um processo de con-
trole social efetivo no âmbito do Pnaes e que assegure, concretamente, a
participação estudantil, uma vez que trata-se de um programa de abrangên-
cia nacional, de caráter público, inclusivo e cujos avanços e fortalecimento
dependem da participação estudantil. Como parte da formação estudantil,
a participação política desse segmento nos espaços de luta pela garantia
de direitos – neste caso, pela assistência estudantil como condição para ga-
rantir o direito à educação – tenciona a dinâmica institucional e as relações
existentes entre a universidade, seus atores e os governantes na perspectiva
da garantia de formação com qualidade dos segmentos empobrecidos.
Pelo explicitado no presente estudo é possível depreender – embora
compreendendo que a política de assistência estudantil brasileira e a polí-
tica da UFT são entendidas como importantes no processo de inclusão na
universidade –, conforme o conjunto de necessidades apresentadas pelos
estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica da Universida-
de, que tais políticas são insuficientes para a promoção de um processo de
ampla democratização da cultura e do conhecimento em geral. Na medida
em que o Estado opta pela regulação social via mercado, a democratização
e políticas sociais, tais como as educacionais, são minimizadas e introduzidas
como paliativos amortecedores das fragilidades sociais e, no caso da assis-
tência social/estudantil, esta passa a ser implementada a partir de mecanis-
mos de intensa seletividade.

Considerações finais
Neste capítulo, procuramos explicitar a compreensão que existe sobre a
política de assistência estudantil na UFT buscando apreender, da referida po-
lítica, os aspectos potencializadores e dificultadores acerca da permanência
216 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

dos estudantes nos cursos de Artes/Teatro e de Filosofia da UFT/Campus


de Palmas.
O estudo realizado possibilitou compreender, de acordo com o referen-
cial adotado, que a efetivação de políticas sociais no Brasil – ainda que estas
tenham sido asseguradas formalmente na Constituição de 1988 – constitui
um desafio a ser enfrentado na sociedade brasileira, marcada pelas mudan-
ças ocorridas nas últimas décadas do século XX e início do século XXI no
âmbito da Ciência e nos modelos de produção e de Estado. Tais mudanças
têm, como consequência, a implementação de sucessivas contrarreformas
(BEHRING; BOSCHETTI, 2008) que afetam profunda e negativamente as
políticas sociais e a sua materialização. Na linha do que apontam as auto-
ras, pode-se acrescentar a Emenda Constitucional 095/2016, que congelou
investimentos nas políticas sociais públicas, dentre elas as de Educação,
o que, inevitavelmente ampliará as dificuldades de manutenção das Ifes e
de permanência dos estudantes pobres oriundos das classes populares, a
despeito do previsto no Decreto 7.234/2010, que regulamenta a assistência
estudantil nestas Instituições.
O estudo evidenciou que a política de assistência estudantil da UFT e
dos cursos estudados têm impactos significativos para a permanência dos
estudantes nos estudos. Em geral, os formuladores, executores e estudantes
concordam que, embora um grande volume de recursos tenha abastecido
a UFT via Pnaes, a política de assistência estudantil tem sido deficitária, pois
não atende satisfatoriamente à crescente demanda de estudantes com perfil
de vulnerabilidade social, o que tem implicado em demanda reprimida por
assistência e em prejuízo à permanência estudantil.
Os dados da pesquisa demonstraram, de um lado, que os participan-
tes reconhecem a importância dos programas de assistência estudantil
para a permanência e o êxito acadêmico do estudante. Tais programas, em
geral, foram avaliados como favorecedores da inclusão e da permanência
dos segmentos desfavorecidos social e economicamente na Universidade,
conforme apontaram os estudantes, em sua maioria, ao afirmarem que não
teriam condições de estudar e nem de concluir seus cursos sem a existên-
cia dos referidos programas. Por outro lado, os participantes mencionaram,
em geral, aspectos negativos relacionados à referida política e que neces-
sitam ser melhorados, tais como: a falta de equipes multidisciplinares e de
adequado espaço de trabalho; a ausência de normativas, critérios e fluxos
institucionais claros; a falta de mais transparência na gestão dos recursos
Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 217

financeiros do Pnaes; a desarticulação dos programas de assistência; a falta


de planejamento participativo; a insuficiência dos recursos financeiros; a falta
de controle e acompanhamento dos estudantes assistidos; e a insuficiência
do valor do Auxílio Permanência.
Chamou a atenção o fato de que a maioria dos alunos desconhece os
setores responsáveis pela formulação da política de assistência estudantil
na Universidade, assim como alguns executores indicaram a existência de
programas que inexistem no Campus, como o "Programa de Creche". Tal
desconhecimento apresenta indícios da pouca abertura à participação da
comunidade acadêmica – neste caso, dos próprios usuários (estudantes)
no processo de planejamento e avaliação da assistência estudantil. O grau
de desconhecimento dos alunos coaduna com a fala de alguns executores
quanto à forma de gestão da Proes do Campus de Palmas, que vem se li-
mitando a atender, em grande parte, situações emergenciais por falta de
planejamento institucional nesse âmbito.
Outro aspecto que merece destaque refere-se à condição de renda das
famílias dos estudantes pesquisados. À época do ingresso do aluno no cur-
so, oito famílias recebiam até um salário-mínimo; esse número, entretanto,
cresceu e, atualmente, 12 famílias possuem essa média de renda. Contra-
ditoriamente, decresceu o número de famílias que ganhavam entre três e
quatro salários-mínimos, passando de 14 (no ato do ingresso no curso) para
11 (atualmente). Estes dados reforçam a tese de que é necessário ampliar
recursos da assistência estudantil, visto que a demanda por assistência tem
aumentado em razão das políticas de inclusão, bem como em razão da atual
condição econômica do país que ora desfavorece, profundamente, as políti-
cas educacionais públicas, como tem acontecido com a educação superior.

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Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres... | 219

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Campus Palmas, [S.d.].
______. Reflexões/sugestões sobre a proposta de resolução referente à Política de Assistência
Estudantil da UFT. Equipes da Assistência Estudantil – UFT. Palmas: UFT, 2016.
9

Educação, pobreza e desigualdade


social: das proposições formais aos
questionamentos impostos pela realidade
Adir Valdemar Garcia
Jaime Hillesheim
Tânia Regina Krüger

Introdução

A pesquisa, cujos resultados ora apresentamos, é fruto do trabalho de-


senvolvido no âmbito da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social
(IEPDS) da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade
e Inclusão, do Ministério da Educação (Secadi/MEC), a partir do Programa
Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social (PNEPDS), assumido
pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2014 e concluído em 2017.1
A pesquisa teve por objetivo geral analisar as concepções de educa-
ção, pobreza e desigualdade social e as proposições relacionadas a essas
questões apresentadas pelos governos federal, do estado de Santa Cata-
rina e de municípios dessa unidade federativa, em documentos de gestão
e planejamento elaborados entre os anos de 2003 e 2015, verificando como
essas concepções e proposições se materializam no cotidiano escolar.
Propusemos esta pesquisa por entendermos que a problematização das
concepções de pobreza e desigualdade social, bem como das proposições
de enfrentamento dessas realidades, é fundamental para a compreensão
posterior das relações estabelecidas no interior da escola no que tange às
vivências dos sujeitos em circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza.

1 O PNEPDS foi financiado pela Secadi/MEC.


222 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

A análise dos documentos possibilitou o tratamento de uma série de


questões afetas à relação educação/pobreza/desigualdade social. Dados os
limites deste capítulo e a amplitude da pesquisa desenvolvida, apresenta-
mos apenas alguns aspectos que julgamos mais importantes, bem como al-
gumas análises, com o objetivo de provocar reflexões em torno da temática.2
Na perspectiva de darmos conta desse desafio, o presente texto está
organizado em três partes: 1) Aspectos metodológicos da pesquisa; 2) Edu-
cação, pobreza e desigualdade social nos documentos de planejamento e
gestão; 3) Considerações finais.

Aspectos metodológicos da pesquisa


Trata-se de uma pesquisa quantitativa e qualitativa quanto à abordagem,
básica quanto à natureza (MINAYO, 2014), exploratória e descritiva quanto aos
objetivos, bibliográfica e documental quanto aos procedimentos (GIL, 2008).
A perspectiva teórico-metodológica que norteou a pesquisa implicou
um processo de construção de um conhecimento novo sobre a realidade es-
tudada com vistas a vislumbrar ações que possam transformar essa mesma
realidade. Isso exigiu que as relações entre educação, pobreza e desigualda-
de social fossem consideradas como fenômenos construídos historicamente,
analisados a partir da manifestação dessas relações na realidade concreta,
evidenciando suas contradições, interesses e ideologias envolvidas, numa
perspectiva de totalidade. Tal abordagem do objeto impôs aos pesquisado-
res, no processo de sua apreensão, a consideração dos elementos estrutu-
rais que dão dinâmica à realidade social, política e econômica brasileira, no
contexto da ordem capitalista.
A opção pelo período que compreende os anos de 2003 a 2015 ocor-
reu em razão da ampliação das políticas sociais voltadas para o combate à
pobreza e diminuição da desigualdade social, expressa na concretização de
diversos programas sociais, especialmente do Programa Bolsa Família (PBF).
A amostra foi composta de documentos das seguintes esferas, conside-
rando o período definido: a) âmbito federal – três Planos Plurianuais (PPA),
dois Planos Nacionais de Educação (PNE) e um Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE), duas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN); b) âmbito es-
tadual – três PPA, dois Planos Estaduais de Educação (PEE) e duas Propostas

2 Análises mais detalhadas sobre o objeto da pesquisa foram publicadas em outros arti-
gos e capítulos de livro que serão referenciados no decorrer deste texto.
Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos... | 223

Curriculares Estaduais (PCE); c) âmbito municipal – 48 PPA, 14 Planos Muni-


cipais de Educação (PME), oito Diretrizes Curriculares (DC) ou documentos
equivalentes; d) âmbito escolar – Projetos Político-Pedagógicos das escolas
selecionadas. Para a definição dos 12 municípios3 que compuseram a amos-
tra, selecionamos dois de cada uma das seis mesorregiões catarinenses: a)
o de maior porte populacional; b) o de menor Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH).4 Mapeados os municípios, localizamos neles as escolas com
maior número de beneficiários do PBF matriculados em 2015.5 Das 12 escolas
selecionadas, foram analisados 11 PPP, visto que a escola do município de
Joinville não disponibilizou o documento. Cabe indicar que não localizamos
PPP elaborados com data anterior ao ano de 2013. Ao total, foram analisados
85 documentos.
O acesso aos documentos deu-se pela consulta aos sites oficiais dos
governos e escolas. Nos casos em que não foram encontrados nesses sites,
a exemplo de alguns dos documentos municipais, especialmente os PPA e
PPP das escolas, foram encaminhados ofícios, solicitando-os. Para reforçar o
pedido, também foram feitos contatos telefônicos. Outra estratégia utilizada
para acessar os PPA municipais foi solicitar os documentos ao Tribunal de
Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC). Quanto ao aspecto bibliográ-
fico, foi feito um estudo com vistas a apreender as principais perspectivas de
autores clássicos e contemporâneos sobre as categorias teóricas centrais re-
lativas à proposta investigativa, quais sejam: educação, pobreza e desigual-
dade social, considerando a formação e o desenvolvimento sócio-histórico
do Brasil, bem como a conjuntura brasileira e catarinense no lapso temporal

3 Os municípios selecionados foram: Alfredo Wagner, Blumenau, Calmon, Chapecó, Cri-


ciúma, Florianópolis, Imaruí, Joinville, Lages, Timbó Grande e Vitor Meireles.
4 Optamos por utilizar o critério de maior população em virtude da representatividade do
município no contexto do Estado. Já em relação ao IDH, sua utilização justifica-se por
ser um indicador referenciado por órgãos oficiais, estando relacionado com a questão
da pobreza e da desigualdade social.
5 As escolas selecionadas foram: Escola Básica Passo da Limeira (Alfredo Wagner), Es-
cola de Educação Básica Governador Celso Ramos (Blumenau), Escola Municipal João
Carneiro (Calmon), Escola de Educação Básica Profa. Otília Ulysséa Ungaretti (Cerro Ne-
gro), Escola Parque Cidadã Cyro Sosnosky (Chapecó), Bairro da Juventude dos Padres
Rogacionistas – Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre Paulo Petruzzellis (Crici-
úma), Instituto Estadual de Educação (Florianópolis), Escola de Ensino Fund. Municipal
Prefeito Portinho Bittencourt (Imaruí), Escola Municipal Prefeito Nilson Wilson Bender
(Joinville), Escola de Educação Básica Zulmira Auta da Silva (Lages), Escola Municipal de
Educação Básica Gleidis Rodrigues (Timbó Grande) e Escola Municipal Serra da Abelha
(Vitor Meireles).
224 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

supracitado. Essa primeira etapa permitiu aos pesquisadores conhecer o


estado da arte com relação aos estudos sobre o objeto, bem como norteou
a análise dos documentos para que neles fossem identificadas as concep-
ções teóricas explícitas ou implícitas nas proposições governamentais e na
perspectiva de sujeitos envolvidos com tais políticas, especialmente com a
política de educação.

Educação, pobreza e desigualdade social nos documentos de


gestão
Neste item, apresentamos as concepções de educação, pobreza e desi-
gualdade social constantes no conjunto de documentos analisados. Come-
çamos pelos documentos de gestão afetos à área da educação, passando,
depois, a tratar dos PPA das três esferas de governo e, por último, dos PPP
das escolas selecionadas.

Educação, pobreza e desigualdade social: nos Planos Nacionais de


Educação, nos Planos de Educação do estado de Santa Catarina e de
municípios desse ente federado, nas Diretrizes Curriculares nacionais,
estaduais e municipais de educação ou documentos equivalentes
(2003-2015)
Da análise dos PNE,6 dos PEE, dos PME, das DCN, das PC ou documen-
tos similares, elaborados em âmbito federal, estadual e municipal, é possível
verificar que, em termos da estruturação destes, há uma significativa varia-
ção. Salvo os planos nacionais de educação, que apresentam semelhanças
na organização de suas metas, estratégias e objetivos, os demais, além de
não serem elaborados a partir de uma organização semelhante, não obe-
decem a alguma periodicidade, fato que, certamente, deve mudar, em par-
ticular quanto aos planos de educação que, instituídos por lei e induzidos
pela lógica adotada em âmbito nacional, deverão ser decenais. Somente
com relação a estes, tanto no Estado quanto nos municípios, a partir de
2014/2015, observamos a adoção de uma mesma diretriz de elaboração, em
que constam: "diagnóstico" da realidade socioeconômica, política e cultu-
ral, definição de metas, estratégias e objetivos. No entanto, o processo de

6 Uma análise mais detalhada dos PNE consta em Garcia e Hillesheim (2017).
Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos... | 225

pesquisa evidenciou a carência de indicadores de avaliação e de monitora-


mento em todos os planos de educação, assim como nos demais documen-
tos analisados.
Apesar do esforço para a elaboração dos planos municipais de educa-
ção para o decênio (até 2025), constatamos que, não raramente, alguns mu-
nicípios reproduziram o conteúdo dos planos de outros, apenas adequando
algumas metas e situando minimamente a realidade local, o que pouco sub-
sidia a definição das metas, estratégias e objetivos propostos.
No conjunto de documentos supracitados, é possível identificar, impli-
citamente, concepções diferenciadas de educação, embora todas conver-
gentes, tendo em vista o contexto e as estruturas sociais existentes. Uma
primeira concepção-síntese de educação a situa no campo dos direitos
sociais, formalmente reconhecida como dever do Estado, da família e de
toda a sociedade. Dada a sua essencialidade, tanto do ponto de vista so-
cioeconômico como cultural, a educação é entendida como constitutiva
dos direitos humanos fundamentais e, nesse sentido, indispensável para o
enfrentamento da pobreza e da desigualdade social, bem como para a ga-
rantia do "exercício da cidadania".
Uma segunda ideia-síntese, presente no conjunto dos documentos,
vincula a educação como mediação para a promoção do desenvolvimento
econômico, o que pressupõe sua contribuição para a qualificação da força
de trabalho com vistas a potencializar a inserção, especialmente dos jovens
trabalhadores, no mercado de trabalho, em consonância com as exigências
desse mercado.
A despeito de não encontrarmos, claramente, nos documentos em aná-
lise, concepções de educação, podemos dizer que esta é tratada generica-
mente como atividade que se processa no interior dos sistemas formais de
ensino, nos diferentes níveis de formação, o que encobre ou nega a edu-
cação como processo que se materializa nas relações sociais, em todas as
dimensões da vida, determinadas pelas condições estruturais e históricas
de cada sociedade.7 Ainda que com incidência muito reduzida, em alguns
documentos, encontramos menção às perspectivas histórico-cultural,

7 Apenas em uma passagem muito pontual, encontramos, nas DCN de 2013, a seguinte
afirmação: "A educação é, pois, processo e prática que se concretizam nas relações
sociais que transcendem o espaço e o tempo escolares, tendo em vista os diferentes
sujeitos que a demandam. Educação consiste, portanto, no processo de socialização
da cultura da vida, no qual se constroem, se mantêm e se transformam saberes, conhe-
cimentos e valores" (BRASIL, 2013, p. 16). O problema é que, numa análise mais ampla
226 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

sociointeracionista e construtivista de educação, em particular nas diretrizes


curriculares municipais ou documentos equivalentes.8
Ao buscarmos, nos documentos, a relação entre educação, pobreza e
desigualdade social, verificamos que a primeira é sempre tomada como uma
possibilidade de ascensão social para aqueles que se encontram em situa-
ções mais precarizadas de vida e de trabalho. Nesse sentido, a pobreza e a
desigualdade social podem ser superadas, e a educação tem, nesse intento
de toda sociedade democrática, uma inquestionável contribuição. Para além
dessa ênfase à importância da educação, também é destacada a necessi-
dade de articulação entre as diferentes políticas públicas, especialmente
entre as políticas de educação, saúde, trabalho e assistência social. Porém,
não são desenvolvidas análises que superem o mero reconhecimento da
existência quase que "natural" desses fenômenos, o que os desvincula das
determinações sociais que os geram e os reproduzem, particularmente na
sociabilidade regida pelo capital. As condições de pobreza, comumente,
são denominadas como situações de "vulnerabilidade social", de "carência",
de "pauperização", de "baixa renda", de "miséria", que atingem segmentos
sociais "menos favorecidos". Já a desigualdade social, nem sempre relacio-
nada à pobreza, aparece, nos documentos, expressa pelas desigualdades
educacionais, especialmente aquelas que afetam segmentos específicos,
tais como pessoas com deficiência, povos indígenas, negros e estudantes
residentes no campo, e as condições desses segmentos para ter acesso
ao ensino fundamental, médio, técnico-profissional, superior e em nível de
pós-graduação.
Nos documentos mais atuais, no que tange à articulação da política de
educação com outras políticas, percebe-se a definição de metas e estraté-
gias de acompanhamento e monitoramento do acesso e permanência, na
escola, de estudantes oriundos de famílias beneficiárias de programas de
transferência de renda, a exemplo do Programa Bolsa Família (PBF), bem
como de outras relacionadas à prevenção da violência e à promoção do que,
em geral, é denominado de respeito à pluralidade.
Além disso, toda a análise da realidade da educação brasileira bem
como os caminhos a serem seguidos para fazer avançar os indicadores dessa

das propostas constantes dessas mesmas diretrizes, essa concepção fica esvaziada na
medida em que as preocupações são canalizadas para a educação formal, escolar.
8 Uma análise mais detalhada sobre os documentos municipais encontra-se em Garcia,
Hillesheim e Krüger (2017a).
Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos... | 227

política (educação) são relacionados às possibilidades financeiras do Estado


nacional9 e às estratégias de gestão adotadas que, como se sabe, pautadas
numa perspectiva de "contrarreformas", são orientadas por pressupostos
gerenciais. Esses aspectos ficam mais evidentes no Plano de Desenvolvimen-
to da Educação (PDE), de 2007, sob o auspício da modernização da gestão,
por meio da definição de metas e indicadores de avaliação que passaram a
nortear a destinação de recursos.
O horizonte definido por todos os documentos nacionais (objetivos e
metas) estavam condicionados, invariavelmente, à elevação dos padrões
de desenvolvimento econômico, que, especialmente no PDE e no PNE de
2014-2024, seria decorrente de um "círculo virtuoso", questão que também
aparece nos PPA do período analisado, como posto adiante. Assim, no PNE
supracitado, foram fixados os percentuais de investimento em educação em
relação ao PIB, de modo a aplicar, até o quinto ano de sua execução, o per-
centual de 7% e, até o final do decênio (2024), o percentual de 10% do PIB.10
Essa definição foi replicada pelo Estado e municípios que compuseram a
amostra desta pesquisa. Em paralelo à definição das metas estabelecidas
no atual PNE, envolvendo erradicação do analfabetismo, universalização
do acesso escolar, qualidade de ensino, formação humanística e para o tra-
balho, entre outras questões, é defendida a possibilidade, pela mediação
da educação, de supressão da pobreza e da desigualdade social, aspecto
presente também nas DCN analisadas, nas quais é afirmado que a educação
deve contribuir com a erradicação desses fenômenos, com vistas a construir
uma maior equidade social. Nessa direção, as DCN apontam para a neces-
sidade de políticas "reparadoras" a serem implementadas paralelamente às
de caráter universal (BRASIL, 2013).
Assim, o debate em torno da universalização dos direitos – ainda que
sejam admitidos os limites impostos pela dinâmica da democracia burguesa
– aparece associado ao da equidade. No entanto, se considerarmos que, em
todo o período e em todos os documentos, a focalização das ações para o
atendimento das demandas de determinados segmentos está presente, há
que se questionar a efetividade dessas propostas na redução da pobreza

9 No PNE (2001-2010) foi afirmado que o financiamento da educação era concebido como
uma obrigação do Estado e não visto como um problema, pois se tratava de dar concre-
tude a um direito (BRASIL, 2001).
10 Esses percentuais, tendo em vista as medidas de ajustes fiscais e a promulgação da
Emenda Constitucional no 95, de 15 de dezembro de 2016, que prevê a fixação de teto
para os gastos públicos, certamente, não serão observados.
228 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

e da desigualdade social. Os limites dessas proposições, pensamos, estão


relacionados ao fato de que elas não são capazes de tensionar as estrutu-
ras que engendram os processos geradores da pobreza e da desigualdade
social.
Por tratar-se de instrumentos de gestão elaborados para conduzir pro-
jetos de interesse do capital, no contexto de uma economia periférica e
dependente, não poderíamos esperar uma perspectiva que apontasse para
o rompimento dos processos legitimadores dessa sociabilidade. Assim,
quando muito, as propostas para a educação nacional – entendida, aqui,
restritamente no âmbito do ensino escolar e dos sistemas coexistentes no
país – pautam-se nos ideários burgueses da emancipação política.11 Apenas
no texto das DCN (BRASIL, 2013) é feita menção formal à questão das dife-
renças de classe como aspecto da realidade a ser considerada, e, no texto
da Proposta Curricular do Estado (2005-2014), encontramos o entendimento
do ser humano como aquele que tem, no trabalho (relação homem e natu-
reza), sua autoatividade. Ainda, nesse último documento, é afirmado que os
seres humanos são determinados pelas condições objetivas da história que
encontram, mas, ao mesmo tempo, são capazes de transformá-las (SANTA
CATARINA, 2005). A despeito dessa perspectiva crítica, ambos os docu-
mentos, assim como todos os demais, acabam por conceber a pobreza e
a desigualdade social como "problemas" ou "disfuncionalidades" passíveis
de serem enfrentadas a partir de políticas "inclusivas", que contribuam para
a "conquista da cidadania", dentre as quais a educação ganha prestígio.12
Em síntese, da análise dos documentos, consideramos que três aspectos
aparecem como eixos norteadores de cada um deles, na relação educação,

11 No texto da atual Proposta Curricular do estado de Santa Catarina, ao se discutirem a


educação básica e formação integral, é asseverado que "como concepção de formação
e como projeto educacional forma parte da histórica luta pela emancipação humana"
(SANTA CATARINA, 2014). No entanto, analisada no conjunto, percebe-se que a expres-
são não é usada a partir de uma perspectiva crítico-dialética, na qual a emancipação
humana só pode ser alcançada com a supressão da propriedade privada e extinção da
sociedade de classes.
12 Ainda, com relação a todos os documentos, merece destaque a ênfase dada às ações
de enfrentamento aos processos geradores das desigualdades étnico-raciais. No en-
tanto, os debates em torno das questões da igualdade de gênero foram minorados por
um discurso mais genérico de defesa da cidadania, aspecto notório no PNE 2014-2024,
mas que se repetiu no âmbito estadual e foi motivo de conflitos e da decisão de não
incorporação desse debate no âmbito dos planos municipais de educação e também
nas diretrizes curriculares ou documentos similares dos entes federados pesquisados.
Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos... | 229

pobreza e desigualdade social, todos relacionados dialeticamente entre si.


São eles: a defesa de uma educação inclusiva, o entendimento da educação
como condição sine qua non para o exercício da cidadania e a necessária
vinculação entre educação e mercado de trabalho.

Educação, pobreza e desigualdade social nos PPA federais, do estado


de Santa Catarina e municípios desse ente federativo
Neste tópico, apresentamos os elementos que possibilitam ter uma no-
ção de como a educação, a pobreza e a desigualdade social são tratadas nos
PPA federais, do estado de Santa Catarina e municípios desse ente federati-
vo que compuseram a população pesquisada.
Como documentos que guiam as ações governamentais, esperávamos
que expressassem, de maneira clara, o que os governos, nas três esferas, pro-
põem, com base em diagnósticos e avaliações, relacionados entre si, mesmo
considerando a autonomia de cada esfera. No entanto, isso não ocorre, prin-
cipalmente com relação aos municípios. Os PPA federais e do Estado são
mais estruturados e robustos no que tange ao diagnóstico da realidade nos
aspectos econômicos, políticos e sociais. Porém, os documentos municipais,
quando encontrados,13 mostraram-se restritos e muito pouco elucidativos
em relação às propostas de governo, apresentando alguns diagnósticos em
seus anexos quando da apresentação dos programas de governo. Com rela-
ção a propostas de avaliação e monitoramento, não encontramos elementos
nos documentos das três esferas. No caso da proposição de ações interse-
toriais, verificamos que isso ocorreu no âmbito federal em maior medida,
principalmente no PPA 2012-2015, e, em menor medida, nos PPA do estado
de Santa Catarina. No caso dos municípios, a intersetorialidade não aparece.
Os PPA das esferas federal e estadual trazem anexos às suas leis de
instituição elementos que possibilitam apreender a leitura que os governos
fazem da dinâmica social. Neles, fica clara a compreensão de uma sociedade
que pode resolver seus problemas, inclusive aqueles que consideramos de
ordem estrutural. Essa perspectiva demonstra que as soluções de "proble-
mas" como a pobreza, a desigualdade social,14 o desrespeito aos direitos

13 Tivemos muitas dificuldades para encontrar os PPA municipais, principalmente seus


anexos.
14 Uma análise mais detalhada quanto às concepções e proposições de enfrentamento
à pobreza nos PPA do estado de Santa Catarina encontra-se em Garcia, Hillesheim e
Krüger (2017b).
230 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

humanos e as discriminações dependem apenas da vontade do governo


e da sociedade civil. Ou seja, as ações governamentais e o comportamen-
to da própria população, respeitando a ordem vigente, seriam suficientes
para que a sociedade resolvesse tais "problemas". Há, portanto, a crença
de que esses fenômenos possam ser resolvidos no âmbito da ordem social
do capital, mesmo que, em alguns momentos, possamos verificar a alusão
a questões decorrentes dessa própria ordem, como no caso das crises eco-
nômicas, conforme encontramos no PPA 2012-2015 do governo federal, e no
caso dos ajustes econômicos, geralmente implementados em momentos de
crise, conforme mencionado no PPA 2008-2011 do estado de Santa Catarina.
Fica muito clara, principalmente nos três PPA federais e, de modo mais
marcante, no PPA 2012-2015 do governo do estado de Santa Catarina,
uma "priorização da área social". No PPA 2012-2015, do governo federal,
é apresentado um balanço do período anterior, afirmando que é possível
vislumbrar, para as próximas décadas, "um país que elegeu um projeto de
desenvolvimento inclusivo com políticas públicas de transferência de renda,
intensificação da extensão e do alcance dos programas sociais e constantes
aumentos reais do salário mínimo" (BRASIL, 2011, p. 15). Esse projeto eviden-
cia as características do "social-desenvolvimentismo", perspectiva aponta-
da por alguns autores como norteadora dos governos petistas (CASTELO,
2012). No documento, é destacada a importância do Estado, numa crítica ao
modelo neoliberal que vigorou na década de 1990, reforçando a importância
de a construção do "futuro" ocorrer de forma conjunta com as empresas e
a população. Aqui, o governo assume que "indicou a necessidade e revelou
a possibilidade de nosso desenvolvimento econômico e social ser orienta-
do, antes de tudo, pela inclusão social, elegendo o combate às formas mais
extremas da pobreza em nosso país como ação prioritária" (BRASIL, 2011,
p. 17). Cabe lembrar que a estratégia proposta para o enfrentamento da
pobreza e da desigualdade social tem como pressuposto o estabelecimento
e manutenção de um círculo virtuoso de crescimento econômico como nos
dois PPA anteriores.
Para o governo federal, de acordo com o que consta no PPA 2004-2007,
a estabilidade macroeconômica não era apenas uma condição inicial, mas
elemento fundamental para um projeto de desenvolvimento sustentável. A
política macroeconômica não poderia ser frágil e vulnerável a choques ex-
ternos, pois isso implicaria crises, inviabilizando a continuidade do desenvol-
vimento e prejudicando a melhoria da distribuição de renda. A estabilidade
Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos... | 231

econômica era foco central para a estratégia de longo prazo. A proposição


para tal era iniciar um processo de crescimento pela expansão do mercado
de consumo de massa baseado na incorporação progressiva das famílias
trabalhadoras ao mercado consumidor. Essa dinâmica permitiria que os
ganhos de produtividade gerassem excedentes que poderiam se traduzir
em maiores rendimentos das famílias em razão da redução nos preços dos
bens e serviços de consumo de massa, da elevação salarial e da elevação da
arrecadação fiscal, que poderia, por sua vez, ser destinada a gastos sociais.
Essa proposição repete-se nos dois outros PPA federais analisados e re-
força a perspectiva de necessidade de um "círculo virtuoso da economia".
A incorporação das famílias no mercado consumidor dar-se-ia pela via do
financiamento, estratégia que acabou tendo como consequência um pro-
cesso de endividamento das famílias trabalhadoras por meio da expansão
do crédito, atendendo aos interesses do capital financeiro, haja vista que o
acesso aos bens de consumo não poderia ser garantido, exclusivamente,
pela elevação do poder de compra dos salários, ainda que este tenha efeti-
vamente aumentado nos governos petistas.
No entanto, o governo federal reconhece, no PPA 2004-2007, que a
transmissão de produtividade a rendimentos do trabalhador não se daria
sem políticas de emprego, de "inclusão social" e de redistribuição de renda.
Também reconhece que, mesmo em situações de rápido crescimento, há a
tendência de criação insuficiente de empregos, resultado da incorporação,
por parte dos setores modernos, de menos "mão de obra" e de mais tecno-
logia, ficando a transmissão de produtividade a rendimentos dos trabalha-
dores restrita a uma pequena parcela mais qualificada. Por isso, as políticas
de "inclusão social" e de redução das desigualdades eram consideradas,
pelo governo, não só fundamentais para o estabelecimento da justiça social,
mas também indispensáveis à operação do modelo de consumo de massa,
visto que viabilizam o consumo popular, ao mesmo tempo que diminuem
a pressão da oferta de "mão de obra" sobre o mercado de trabalho, o que
favorece a transmissão dos aumentos de produtividade aos salários.
Mesmo que o governo federal, em seus PPA, apresente um diagnóstico
promissor da economia, algumas medidas econômicas adotadas acabam im-
pedindo ou limitando a realização de seus propósitos. Por exemplo, ao tratar
do item "Setor Público", no PPA 2008-2011, o governo afirma que a política
fiscal seria guiada por uma meta de superávit primário anual de 3,8% do PIB.
Entendemos que essa orientação impediu o alcance dos próprios objetivos
232 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

dos programas propostos pelo governo em relação à promoção da justiça


social por meio de ações de enfrentamento da pobreza e da desigualdade
social. Isso porque, invariavelmente, o superávit primário implica a redução
de investimentos em políticas sociais de interesse da classe trabalhadora,
especialmente dos seus estratos mais pobres.
Como dito anteriormente, os PPA municipais não apresentam deta-
lhamento no que tange à sua compreensão da ordem social. Contudo, os
poucos elementos encontrados nas descrições dos programas mostram um
alinhamento de perspectiva com as esferas federal e estadual, no sentido da
manutenção da ordem estabelecida. Entendemos que, dados a realidade
social do capital e o papel do Estado nessa ordem, isso não poderia ser
diferente.
Feitas essas considerações mais gerais sobre os documentos em comen-
to, passamos, agora, a apresentar a concepção de educação presente nos
PPA das três esferas de governo. De modo geral, a educação é alçada à
condição de política por excelência, responsável pela formação do cidadão
e pela qualificação da força de trabalho, tratada como "mão de obra" neces-
sária ao mercado. Sua importância é ressaltada no PPA 2008-2011 do governo
federal, a partir da construção do Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE). Novamente, aqui, verificamos uma articulação com o conteúdo dos
documentos de gestão da área da educação apresentados anteriormente.
A educação, nos documentos das três esferas de governo, é tratada a
partir da sua dimensão universal, ou seja, como política voltada para toda a
sociedade, seja na sua dimensão escolar, seja na dimensão de formação ge-
ral para a vida, mas também como estratégia voltada para minorar a situação
de desvantagem das populações empobrecidas, nesse caso, principalmente
relacionada à inclusão produtiva. Também aparece como forma de reduzir
"as desigualdades étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, geracio-
nal, regional e cultural no espaço escolar" (BRASIL, 2008, Anexo I, p. 165),
como no caso do programa Educação para a Diversidade e Cidadania.
Mas a importância da educação não se restringe, nos PPA analisados, à
oferta da política. O PPA 2004-2007 do governo federal descreve o cenário
educacional e afirma a sua precariedade. O que essa avaliação demons-
tra é que, mesmo depois de oito anos de governo com essa intenção, os
problemas continuam graves. Mesmo que se possa assumir uma eventual
universalização da educação básica, mesmo que se considerem os dados
de frequência escolar, garantidos, principalmente, pela condicionalidade
Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos... | 233

imposta aos beneficiários do PBF, os problemas de qualidade da educação


básica continuam escandalosos.
No caso da qualidade, tanto nos PPA federais como nos do estado de
Santa Catarina, para além dos aspectos relacionados ao financiamento, à
estrutura física, aos currículos, aparece a necessidade de uma política de
valorização do magistério. Mesmo que possamos concordar com os ar-
gumentos de que algumas medidas foram dirigidas nesse sentido, como
o estabelecimento de um piso salarial para os profissionais da Educação
Básica, temos presenciado os desmontes dos planos de cargos e salários,
a precarização cada vez maior do trabalho, o uso intensivo da figura de pro-
fessores/as admitidos/as em caráter temporário, dentre outros problemas, o
que demonstra que a intenção, nesse sentido, também não passa de mera
retórica.15
No que diz respeito à concepção de pobreza, também não encontra-
mos, no conjunto dos PPA analisados, qualquer reflexão direta que indicasse
claramente como ela é compreendida. No entanto, da mesma forma que
ocorreu com relação à concepção de educação, podemos inferir tal concep-
ção a partir da forma como ela aparece no contexto dos documentos, bem
como a partir dos programas mais diretamente relacionados às populações
empobrecidas. Nesse sentido, podemos afirmar que a pobreza é, em pri-
meiro plano, tomada como "falta", nesse caso, falta de recursos materiais
para a manutenção da vida, expressando, de modo mais evidente, sua di-
mensão econômica, mas também como ausência da condição de cidada-
nia, evidenciando sua dimensão política.16 Não sem motivo, os programas
mais específicos voltados para a atenção às populações empobrecidas, em
especial o PBF,17 referem-se à garantia de direitos e ao "empoderamento"
necessário para a participação social.

15 De acordo com o Censo Escolar de 2015, no estado Santa Catarina, o número de pro-
fessores/as efetivos/as era de 36.177 e de temporários/as era de 32.008 (307 na esfera
federal, 13.964 na esfera estadual e 18.670 na esfera municipal) (INEP, 2015).
16 Garcia (2012) propôs essa categorização quando analisou a pobreza a partir da perspec-
tiva social-democrata.
17 Em relação ao PBF, cabe destacar que o valor estabelecido para configurar uma pessoa
como pobre está aquém da linha de pobreza de $ 1,90, mais usada internacionalmente,
e muito mais longe do valor de $ 5,5, estabelecido pelo Banco Mundial para países de
nível médio-alto de desenvolvimento, como os da América Latina. O PBF considera
como extremamente pobres os que têm renda mensal per capita de até R$ 89,00 e
como pobres, R$178,00. Esses valores foram estabelecidos pelo Decreto no 9.396, de
30 de maio de 2018. Considerando a linha de pobreza de U$ 1,90 e o valor do dólar
234 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Verificamos nos PPA federais e também nos estaduais uma significativa


preocupação com a pobreza e com a desigualdade social, principalmente
relacionada às desigualdades regionais. Considerando essa realidade, os
programas sociais e de construção da cidadania são apresentados como
absolutamente necessários. Ao Estado é atribuído um papel decisivo no
projeto de desenvolvimento, devendo atuar "como condutor do desenvol-
vimento social e regional e como indutor do crescimento econômico" (BRA-
SIL, 2004, Anexo I, p. 5). Essa perspectiva representa o papel que autores
social-democratas atribuem ao Estado, a exemplo de Dupas (1999).
Uma das ações propostas pelo governo federal para lidar com a pobreza
e com a desigualdade social, conforme o PPA 2004-2007, era a de superar a
escassez de financiamento. A definição do papel condutor do Estado con-
templou, assim, estratégias que pudessem promover alguma distribuição
de renda para os estratos populacionais mais pobres, viabilizada, contudo,
por dentro do circuito financeiro, resultando no endividamento das famílias,
como posto anteriormente.
A estratégia de desenvolvimento de longo prazo, apresentada no PPA
2004-2007 do governo federal, implicaria a necessidade de uma economia
forte, capaz de enfrentar as crises. A economia precisaria expandir, e, para
tal, a estratégia apresentada tinha, segundo o governo, "sólida base macro-
econômica e aderência à realidade do País" (BRASIL, 2004, Anexo I, p. 5),
valorizando a estabilidade e políticas adequadas de estímulo à produtivida-
de e à competitividade. Essa era a estratégia, por excelência, para garantir
a dinâmica de expansão da economia, evitando uma série de desequilíbrios
que pudessem reverter essa expansão. O que verificamos é que a política
macroeconômica adotada significou a continuidade da programática dos
governos anteriores e privilegiou a estabilidade econômica em detrimen-
to de mudanças que pudessem iniciar um processo de reversão da eleva-
da concentração da riqueza no país, fato determinante para enfrentar os
fenômenos da pobreza e da desigualdade social. Isso não significa entender
que a pobreza e a desigualdade social possam ser resolvidas no âmbito do
capitalismo, mas que outras medidas poderiam, pelo menos, levar a uma
situação em que aqueles que detêm a maior parcela da riqueza pudessem

em maio de 2018 (R$ 3,63), mês em que o Decreto foi publicado, teríamos que pobre é
quem tem uma renda mensal de até R$ 207. Ou seja, a linha de pobreza adotada pelo
governo federal em maio de 2018 estava R$ 29,00 abaixo do limite, já absurdo, de U$
1,90 e muito longe do valor de U$ 5,5, que não é tão menos absurdo.
Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos... | 235

suportar perdas com vistas a garantir uma melhor distribuição, algo sempre
tão propalado por diferentes governos. Sabemos que se a pobreza e a desi-
gualdade social diminuíram no lapso temporal definido pela pesquisa, pelo
menos estatisticamente, considerando as linhas de pobreza adotadas, foi
em razão de uma penalização da classe média do país.18
Se considerarmos as causas da pobreza constantes nos documentos
federais e estaduais, vemos que a mais destacada é a ausência de um pro-
cesso de desenvolvimento sustentável que pudesse garantir, como meta
prioritária, a empregabilidade. Nesse sentido, o estabelecimento de um
círculo virtuoso da economia era fundamental, como já assinalamos. Assim,
o processo de melhoria da economia, conforme defendia o governo fede-
ral, principalmente a partir do que é posto nos PPA 2004-2007 e 2008-2011,
dar-se-ia por meio da ampliação de um mercado de consumo de massa,
indispensável para que tal círculo virtuoso se desenvolvesse de forma contí-
nua e sustentável. Nesse caso, a solução da pobreza, em boa medida, está
ligada à garantia de emprego, que está sempre atrelada à ampliação da
escolaridade e à formação de uma "mão de obra" qualificada tecnicamente,
por isso a importância dada ao ensino técnico e tecnológico, principalmente
nos documentos do governo federal. Portanto, o emprego é tomado como
a forma mais efetiva para a saída da pobreza.
Nesse sentido, a perspectiva de que os usuários das políticas de as-
sistência social precisam ser inseridos no mercado de trabalho para que
possam romper com a "dependência" da proteção estatal está sempre
presente nos documentos analisados. Contudo, as proposições nesse sen-
tido desconsideram as condições objetivas de vida desses trabalhadores,
bem como o perfil deles, que não atende às necessidades do mercado de
trabalho, estabelecendo um descompasso entre as iniciativas e as possibi-
lidades de inserção. Também cabe novamente considerar que, mesmo os

18 Dados da Oxfam Brasil, publicados em 2017, no relatório "A distância que nos une: um
retrato das desigualdades brasileiras", mostram que, em 2017, o 1% mais rico da popu-
lação mundial possuía a mesma riqueza que os outros 99%, e apenas oito bilionários
possuíam o mesmo que a metade mais pobre da população no planeta. No Brasil, entre
1988 e 2015 ocorreu uma redução da parcela da população abaixo da linha da pobreza,
de 37% para menos de 10%. Ao mesmo tempo, a concentração de renda no topo se
manteve estável. No início de 2017, os seis maiores bilionários do país, juntos, possuíam
riqueza equivalente à da metade mais pobre da população (OXFAM, 2017).
236 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

trabalhadores com formação, estão sempre sujeitos ao desemprego, como


mostra a realidade, dispensando, aqui, grandes considerações.19
Mas, como elemento fundamental para a concretização desse merca-
do de consumo de massa, os programas sociais de distribuição de renda
também ganham centralidade, dado que uma parcela da população estava
à margem do consumo de bens e serviços. Portanto, programas como o
PBF, para além da intenção inicial de livrar milhões de brasileiros/as da fome,
também visavam e visam a ampliar a participação dessa população no mer-
cado de consumo, não apenas pelo direito de consumir para viver, mas para
dinamizar a própria economia.
A distribuição de renda proposta pela via do PBF está fortemente
associada à leitura de que não bastaria matar a fome dos/as pobres. Era
necessário romper a tendência de a pobreza se manter, mesmo com esse
auxílio. Nesse sentido, as condicionalidades impostas para o recebimento
do benefício, segundo o discurso governista, têm como função romper o
caráter intergeracional da pobreza.
Outro aspecto importante a destacar é a culpabilização da pobreza,
apesar de todo o discurso em favor da sua diminuição/erradicação. Esse
aspecto fica bastante visível nos PPA 2004-2007 e 2008-2011 do estado de
Santa Catarina, mais especificamente quando o governo trata do tema "agri-
cultura". Nesse particular, encontramos, nos documentos, uma relação entre
a saída das pessoas da área rural e o aumento da pobreza nas áreas urbanas.
Há a compreensão de que a baixa qualidade de vida no meio rural leva ao
abandono do campo e ao aumento da pobreza nas cidades, elevando a in-
segurança da população e a criminalidade. Mesmo que seja admitido que
o êxodo rural ocorra pela baixa qualidade de vida no meio rural, o governo
apresenta uma visão que nega a relação dialética entre cidade e campo no
processo de reprodução das relações capitalistas de produção. Também
nega que a saída do campo não se dá apenas pela baixa qualidade de vida,
mas pelo processo de expulsão dos pequenos agricultores pela agroindús-
tria, setor de grande influência na política econômica catarinense. Os lati-
fúndios têm aumentado no Brasil, e a reforma agrária é mais uma retórica

19 No âmbito do governo federal, o PAC foi o programa diretamente relacionado à ex-


pansão do emprego. O que se viu foi que, a partir do terceiro mandato petista, esse
programa sofreu cortes substanciais, o que demonstra que o fato de o país poder, em
algum momento, dinamizar sua economia não significa que isso possa ser feito de modo
contínuo e sustentável. Na realidade, o país passou a conviver com o maior nível de
desemprego desde que esse índice passou a ser calculado.
Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos... | 237

governamental. À medida que atribui o aumento da violência aos que saem


do campo, o governo condena duplamente essa população: por não enfren-
tar os determinantes do êxodo e também ao criminalizá-la.
Os discursos voltados para o desenvolvimento da "condição cidadã"
também aparecem nos momentos em que os governos das três esferas se
referem à pobreza e à desigualdade social. Nesse caso, é desenhada uma
perspectiva de que é necessário "incluir" os "excluídos".
De todo modo, o registro dessa perspectiva, nos documentos em aná-
lise, reafirma o projeto norteador das ações dos governos petistas, assim
como dos governos do estado de Santa Catarina e dos municípios que com-
puseram a amostra da pesquisa, em que a "inclusão" ganharia materialida-
de, por um lado, pela ampliação do acesso ao consumo interno, ainda que
por crescentes processos de endividamento das famílias trabalhadoras, e,
por outro, pela ampliação em limites provisoriamente toleráveis de progra-
mas sociais. Nessa direção, defender a tese da "inclusão" implica, necessa-
riamente, reconhecer a possibilidade de um capitalismo "mais humano" ou
"mais igualitário".

Educação, pobreza e desigualdade social nos Projetos Político-


Pedagógicos das escolas selecionadas
Neste tópico, apresentamos as compreensões de educação, pobreza
e desigualdade social que constam em Projetos Político-Pedagógicos de
escolas catarinenses.20 Lembramos que as escolas foram selecionadas, em
cada município que compôs a amostra de pesquisa, pelo número de estu-
dantes beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF), ou seja, foram escolhi-
das aquelas com maior número de beneficiários.
Cabe destacar, aqui, que a elaboração do "Projeto Pedagógico" das
escolas está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei no 9.394,
de 1996), quando trata da gestão democrática. Nas Diretrizes Curriculares
Nacionais, aparece com a denominação "Projeto Político-Pedagógico". No
âmbito do estado de Santa Catarina, a elaboração e a execução do PPP são
definidas como competência das unidades de ensino, prevista na Lei no 170,
de 1998, que dispõe sobre o Sistema Estadual de Educação.

20 Sobre a análise dos PPP, objetos da pesquisa, ver também Garcia, Hillesheim e Krüger
(2018).
238 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

O PPP é um instrumento de gestão da escola. Como tal, não pode ser


apenas um instrumental voltado à organização dos processos burocráticos.
Ele deve considerar, em especial, a sua dimensão social, ou seja, deve ex-
pressar as visões de mundo, sociedade e ser humano que a escola preten-
de. Portanto, tem de considerar a realidade em que a escola está inserida,
em especial a realidade da comunidade. Para Veiga (2001, p. 62), "o projeto
pedagógico da escola, ao se identificar com a comunidade local, busca al-
ternativas que imprimam dimensão política e social à ação pedagógica".21
Feitas essas considerações iniciais e mirando alcançar os objetivos da
pesquisa, problematizamos, diante da amplitude das informações contidas
nos PPP selecionados, alguns aspectos que julgamos mais centrais a partir
de quatro eixos de análise: a) abordagens sobre a realidade que tratem da
condição social, econômica e política do município e da comunidade onde a
escola está inserida; b) base teórica que dá sustentação ao PPP; c) papel da
educação e da escola; d) concepções de pobreza e de desigualdade social.
Ao final, pretendemos fazer algumas considerações objetivando avaliar se os
demais documentos de gestão tratados induziram, de alguma forma, o que
é proposto nos PPP.
No que tange à descrição da realidade em que a escola está inserida,
a ampla maioria dos PPP analisados não apresenta um diagnóstico mais
apurado sobre a condição do município, muito menos da comunidade. As
informações encontradas, predominantemente, estão relacionadas ao histó-
rico do município, da escola, e, em alguns casos, há poucos dados sobre a
realidade da comunidade e dos/as alunos/as, a exemplo do que verificamos
no PPP da Escola Municipal João Carneiro, do município de Calmon, que
informa que seus/suas estudantes são, em grande maioria, de baixa renda
e que boa parte é de beneficiários do PBF. Ao fazer isso, no entanto, repro-
duz uma visão na qual se vislumbra uma relação automática entre pobreza e
comportamentos adversos aos socialmente esperados. Nos termos usados
no documento:

21 Apesar de a indissociabilidade das dimensões política e pedagógica não ser mencio-


nada na grande maioria dos PPP analisados, foi possível identificá-la nos documentos.
Também cabe informar que todos os PPP indicam que a construção se deu de modo
democrático, com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar, res-
pondendo ao que prevê a LDB de 1996. Os processos garantidores dessa participação,
contudo, não são relatados minimamente.
Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos... | 239

quando se observa o modo como as crianças vivem em casa acreditamos


que a educação que elas demonstram na escola é reflexo do que vivem.
Alguns alunos apresentam comportamento inadequado para a convivên-
cia com os demais (ESCOLA MUNICIPAL JOÃO CARNEIRO, 2014, p. 8-9).

Essa concepção pode transformar a escola num espaço no qual se re-


produzem os processos de discriminação aos filhos dos trabalhadores pela
condição de pobreza, em vez de esses processos serem confrontados com a
realidade social que os engendra.
Outro aspecto que chama a atenção é a concepção de que os segmen-
tos pobres são desprovidos ou têm "falta" de cultura, negando ou igno-
rando que esta tem como conteúdo os modos de vida. No PPP da unidade
escolar do município de Lages, por exemplo, é asseverado que

[o] nível de escolaridade dos pais é baixo, restringindo-se às primeiras


séries do ensino fundamental ou menos. Isso caracteriza os alunos da es-
cola como provindos de lares carentes econômica, cultural e socialmente
(ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA ZULMIRA AUTA DA SILVA, 2016, p.
7-8).

O PPP da Escola Parque Cidadã Cyro Sosnosky também apresenta da-


dos sobre o nível de escolaridade dos pais/mães dos/as estudantes, como
ocorre no PPP da Escola de Educação Básica Zulmira Auta da Silva, de Lages
(que, além disso, informa que boa parte dos alunos/as frequenta uma insti-
tuição de assistência de caráter religioso). O mesmo se dá no PPP da Escola
Municipal de Educação Básica Gleidis Rodrigues, de Timbó Grande, e no
PPP da Escola Municipal Serra da Abelha, de Vitor Meirelles.
Ainda que de maneira genérica, os PPP apontam realidades locais mar-
cadas pelas condições de pobreza às quais estão submetidos/as os/as es-
tudantes e suas famílias. Nem sempre, contudo, os elementos estruturais
geradores dessas condições são apontados. Ao contrário, algumas análises
sobre a dinâmica da sociedade apontam para a necessidade de processos
adaptativos dos indivíduos às estruturas existentes, na medida em que é
entendido que "[a]s vidas e os lugares são diferentes, mas o modo como
cada ser deve se adaptar a esse meio, para viver em harmonia com os seus
semelhantes, fará a diferença das relações" (BAIRRO DA JUVENTUDE DOS
PADRES ROGACIONISTAS, 2015/2016, p. 9-10). Nessa mesma unidade de en-
sino, do município de Criciúma, consta referência à concentração de riqueza
existente na cidade. Contudo, em seu PPP, é considerado que "isso não é
240 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

um fato isolado se considerarmos que a maior parte da humanidade almeja


dominar o processo econômico" (BAIRRO DA JUVENTUDE DOS PADRES
ROGACIONISTAS, 2015/2016, p. 15). Ora, conforme a perspectiva de análise
assumida nesta pesquisa, a maior parte da humanidade que deve desejar
o domínio do processo econômico é constituída pelos trabalhadores, mas
para socializar a riqueza e não para reiterar a sua concentração.
Com relação aos diagnósticos muito restritos, podemos nos perguntar:
como atuar em uma realidade de que se tem pouca informação? Podemos
imaginar que aqueles que atuam na escola têm conhecimento dessa reali-
dade, mas trazer dados mais robustos para os PPP poderia, efetivamente,
colaborar para uma melhor compreensão das vivências de alunos/as.
No que tange às bases teóricas que dão sustentação aos PPP, podemos
afirmar que todos assumem uma perspectiva minimamente progressista,
pautada em pressupostos social-democratas, como a participação, a demo-
cracia, a igualdade, o direito a uma vida digna, a uma sociedade justa que
ofereça oportunidades iguais para todos.
Nessa direção, a educação escolar é compreendida como essencial para
que ocorram processos de democratização da sociedade por meio da par-
ticipação de cidadãos mais capazes de promover as mudanças necessárias
para o enfrentamento e até a superação da desigualdade social. De todo
modo, parece haver uma tendência a enfatizar a contribuição da educação
na preservação da ordem social vigente. Portanto, podemos até dizer que
há uma crítica à sociedade do capital, entendida como passível de controle
e transformação, dentro da sua própria lógica. No entanto, não encontramos
alguma postura anticapitalista norteando as propostas pedagógicas.
No caso do PPP da escola Cyro Sosnosky, de Chapecó, constam como
fundamentos teóricos o materialismo histórico dialético, de Marx e Engels,
a teoria sócio-histórica ou histórico-cultural, cujo precursor é Vygotsky, a
pedagogia histórico-crítica de Saviani e, ainda, a respectiva didática dessa
pedagogia desenvolvida por Gasparin. Em termos pedagógicos, a perspec-
tiva vygotskyana é a mais mencionada, o que reflete uma crítica, pelo menos
do ponto de vista formal, diante da realidade social. No entanto, os marcos
teóricos são apresentados sem que sejam feitas reflexões sobre o significa-
do de adotá-los e as necessárias consequências dessa adoção. Tudo fica no
âmbito da constituição de sujeitos críticos, criativos e que devem exercer
a sua cidadania. Ao fim e ao cabo, isso representa o desenvolvimento de
valores e comportamentos que convirjam para a integração social.
Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos... | 241

No que tange ao papel da educação e da escola, a totalidade dos PPP


apresenta a formação do cidadão como o principal objetivo. Cabe à escola
formar o cidadão, e cabe a este transformar a sociedade. Essa ênfase dada à
formação para a cidadania como o papel principal da educação e da escola
ressoa o discurso encontrado nos demais documentos de gestão analisados
anteriormente. Outro papel atribuído à educação e à escola, que aparece
apenas em dois dos PPP, diz respeito à formação da força de trabalho, o que
implicaria a inclusão produtiva, respondendo às demandas do mercado de
trabalho.
Não encontramos, nos PPP, alguma reflexão em torno da pobreza e da
desigualdade social de modo específico, apesar das abordagens em torno
de uma sociedade desigual que deve ser transformada. Aliás, os termos "po-
bre", "pobreza" e "desigualdade social" não aparecem na ampla maioria dos
PPP. Encontramos menção ao termo "extrema pobreza" apenas no PPP da
Escola Bairro da Juventude dos Padres Rogacionistas, quando é feita refe-
rência à situação do município, comparando a condição dos grupos sociais.
No PPP da Escola de Educação Básica Profa. Otília Ulysséa Ungaretti, de
Alfredo Wagner, encontramos menção aos termos "desigualdade" e "de-
sigualdade social" quando são apresentadas as concepções de sociedade
e de mundo, bem como quando trata do papel da escola. No caso do PPP
da Escola Municipal João Carneiro, do município de Calmon, aparece uma
menção à "desigualdade local", dando a entender que se trata da desigual-
dade social existente no município. No PPP do Instituto Estadual de Edu-
cação de Florianópolis, o termo "desigualdades sociais" aparece apenas
quando da apresentação da concepção de homem. E no caso do PPP da
Escola Municipal de Educação Básica Gleidis Rodrigues, de Timbó Grande,
o termo "desigualdades sociais" aparece quando da apresentação da visão
de mundo, e o termo "desigualdades", quando da apresentação da visão de
homem.
Chama muito a atenção o fato de os termos "pobre" e "pobreza" não se-
rem utilizados nos PPP, principalmente porque selecionamos as escolas com
o maior número de beneficiários do PBF por município. Aliás, a referência ao
PBF é feita apenas em dois PPP: no caso da Escola Municipal João Carneiro,
do município de Calmon, que faz referência aos/às estudantes beneficiários
do PBF matriculados, entendendo que o comportamento que têm na escola
decorre da condição de precariedade em que vivem; e no caso da Escola
Parque Cidadã Cyro Sosnosky, que faz referência aos beneficiários do PBF
242 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

apenas quando descreve a realidade socioeconômica das famílias dos/as


estudantes.
Para concluir, podemos afirmar que, se há alguma indução dos demais
documentos de gestão analisados sobre os PPP, esta é centrada no papel da
educação e da escola e numa crítica a respeito da sociedade no que tange
às "injustiças sociais". Não é sem motivo que o discurso da cidadania é tão
forte também nos PPP. Esse discurso tem o mesmo apelo nos demais docu-
mentos. Chamou a atenção o fato de o outro papel atribuído à educação, ou
seja, o de formar e qualificar a força de trabalho para o mercado, de modo
evidente, dirigido, nos PPA e nos Planos de Educação federais e estaduais,
para as populações empobrecidas na forma de inclusão produtiva, não ser
destacado nos PPP, aparecendo apenas em dois deles. Essa baixa menção
a esse papel da escola deve ser relativizada, haja vista que a maioria das
escolas cujos PPP foram analisados oferece ensino até o nono ano. Também
cabe destacar que a vinculação da educação à formação para o mercado de
trabalho é tomada, socialmente, como um pressuposto, o que pode levar a
sua não explicitação.
A pobreza e a desigualdade social, aspectos tão destacados nos demais
documentos de gestão, com exceção dos PPA municipais, são praticamente
ignorados nos PPP, ficando implícitos nas críticas feitas à "ordem social in-
justa". Mais sério ainda é a quase inexistência de menção ao PBF. Isso efeti-
vamente mostra que o debate sobre a pobreza e a desigualdade social está
ausente nas escolas, reforçando o que foi constatado quando da proposição
da IEPDS por parte da Secadi/MEC. Como pensar numa outra perspectiva
social, mesmo que dentro da própria ordem, se categorias centrais para
questioná-la acabam sendo ignoradas? Como falar da necessidade de uma
"sociedade justa", ignorando a expressão cabal das injustiças?

Considerações finais
A análise do conjunto de documentos que compuseram a amostra da
pesquisa permite-nos fazer algumas sínteses a respeito das concepções e
proposições relativas à educação, à pobreza e à desigualdade social.
Antes, contudo, cabe destacar o fato de os documentos, mais especi-
ficamente os do âmbito municipal, não cumprirem, efetivamente, a função
à qual se destinam, ou seja, de expressar de modo claro e detalhado as
propostas de governo. Entendemos que isso seja expressão da cultura
Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos... | 243

política do país, na qual predomina a rotatividade dos gestores municipais,


os acordos políticos temporários e de conveniência, a pouca prioridade
de estruturação das equipes técnicas de planejamento e coordenação, fa-
zendo com que os reconhecimentos técnico e político desses documentos
de planejamento e gestão sejam reduzidos ao âmbito formal. Não temos
ainda uma cultura de administração pública de base social, possibilitando
que haja a efetiva participação da sociedade no planejamento, bem como
a possibilidade de acompanhamento e avaliação do que é planejado e do
que é implementado. Ao contrário, considerando a forma dos documentos
municipais encontrados, entendemos que não possibilitam nem mesmo aos
governos que sejam tomados como um efetivo instrumento de gestão. Isto
evidencia a carência do Estado brasileiro de realizar a administração pública
com planos e políticas de planejamento e gestão que tenham sustentação
nas necessidades da população.
A concepção de educação predominante nos documentos analisados é
que esta se constitui em um direito social a ser garantido pelo Estado, pela
família e pela sociedade. Ela compõe os direitos humanos fundamentais,
sendo, portanto, indispensável para a conquista e a garantia da cidadania.
Por isso, a educação formal/escolar é apresentada como uma importante
estratégia para a redução da pobreza e da desigualdade social e como o
meio, por excelência, para a ascensão social.
Outra ideia predominante no conjunto dos documentos concebe a edu-
cação como mediação para a promoção do desenvolvimento econômico
e formação para o trabalho. A lógica impressa nessa ideia é que uma so-
ciedade educada e qualificada é o elemento fundamental para a garantia
de um processo de desenvolvimento econômico sustentável. Afinal, a baixa
escolaridade e qualificação dos/as trabalhadores/as brasileiros/as são apon-
tadas como causas dos altos índices de desemprego. Principalmente nos
documentos do governo federal, há uma grande defesa do ensino técnico e
tecnológico, e o emprego é tomado como a forma mais efetiva para a saída
da pobreza. Ademais, a vinculação da educação à formação para o mercado
de trabalho é um pressuposto assumido socialmente, principalmente quan-
do são apontadas as alternativas para a superação da condição de pobreza.
A pobreza e a desigualdade social são tomadas nos diferentes documen-
tos analisados como fenômenos que podem e devem ser resolvidos. Para
tanto, um conjunto de propostas é apresentado, mas, como já apontado,
restrito e subjugado à própria dinâmica da ordem social do capital, ou seja,
244 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

nenhuma das proposições coloca essa ordem em xeque. Ao considerarmos


que, no período analisado, os governos eram do Partido dos Trabalhadores,
era de se esperar que pelo menos as proposições considerassem reformas
que onerassem mais aqueles segmentos mais abastados, mas, ao contrário,
o que se viu foi a continuidade de processos caracterizados por retrocessos
em termos de direitos e garantias conquistados a duras penas pela classe
trabalhadora. Mesmo que os programas de transferência de renda tenham
resistido no período, seus limites são evidentes.
A história mais recente mostra que a perspectiva de manutenção de
um círculo virtuoso da economia não se manteve. As taxas de desemprego
aumentaram substancialmente, e, com isso, cresceu o número de pobres, e
a desigualdade social ampliou-se, confirmando as análises de incontrolabi-
lidade do capital (MÉSZÁROS, 2002). A educação, alçada à estratégia por
excelência para o rompimento do círculo da pobreza, não tem cumprido
o papel a ela atribuído. Pelo contrário, a despeito da baixa qualidade da
educação brasileira, mesmo aqueles/as que conseguem alcançar patamares
mais altos de formação e qualificação enfrentam o desemprego ou se sub-
metem a trabalhos cada vez mais precarizados.
Há que se advertir, contudo, que os documentos analisados são instru-
mentos de planejamento e gestão elaborados para dar consecução à ordem
estabelecida. Portanto, não poderíamos esperar que apontassem para o
rompimento dos processos legitimadores dessa sociabilidade. A despeito
desses limites, esperávamos que o peso da conta cobrada pelo capital não
fosse tão perversamente jogado apenas sobre a classe trabalhadora, como
sempre o foi. Afinal, se há algo na ordem do capital que os governos po-
dem efetivamente fazer, quando há uma preocupação real de combate à
pobreza e à desigualdade social, é não penalizar aqueles/as que têm sido
historicamente penalizados. É necessário destacar que não cabe ao Estado
do capital encaminhar a revolução com vistas à construção de outra ordem
social, visto ser ele parte constitutiva da própria ordem. No entanto, a des-
peito de todo o discurso voltado para a construção de uma sociedade "mais
justa", apesar da efetivação de programas voltados ao aplacamento da mi-
séria, a exemplo do PBF, apesar das diversas políticas encaminhadas para
atender aos/as considerados/as "excluídos/as", o Brasil continua tendo uma
grande parcela da sua população vivendo em condições de pobreza. Esse
fenômeno, na sua condição de efeito e determinante da acumulação capi-
talista (SOTO, 2003), tem aumentado no mundo inteiro, a despeito da sua
Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos... | 245

diminuição no passado recente. Nesse sentido, a realidade tem mostrado


que, nessa ordem, a pobreza não pode ser combatida de modo sustentável,
muito menos erradicada. A crença no desenvolvimento econômico como
forma de diminuição da desigualdade social também se constitui falaciosa,
conforme nos mostra Netto (2007).
Os documentos de planejamento e gestão governamentais apontam
para a possibilidade de construção de uma sociabilidade "mais justa",
dando efetividade à cidadania. Esse discurso, mesmo que pautado no re-
conhecimento dos direitos humanos, em especial dos sociais, não deixa de
se pautar, também, na meritocracia. Isso repercute de modo contundente
na forma como as escolas apresentam suas concepções de ser humano e
de mundo. Por outro lado, a realidade fática mostra o quanto esse discurso
pode ser desconstruído em virtude da sua desconexão com as condições
objetivas vividas por grandes contingentes de famílias trabalhadoras.
Essa realidade, ainda que possa gerar desânimo (o que pode nos levar
ao imobilismo), mostra a necessidade de continuarmos lutando por uma so-
ciedade menos injusta, bem como reforça o fato de que as ações dos que
defendem uma educação pública, laica, de qualidade e socialmente referen-
ciada devem estar voltadas à construção de uma ordem distinta da atual, em
que a emancipação humana possa se concretizar.

Referências
BAIRRO DA JUVENTUDE DOS PADRES ROGACIONISTAS - ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO
FUNDAMENTAL PADRE PAULO PETRUZZELLIS. Projeto Político-Pedagógico. Criciúma, 2015/2016.
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10

Limites e possibilidades do Programa


Bolsa Família: uma discussão sobre as
condicionalidades educacionais em
Salvador-BA
Maria Izabel Ribeiro
Selma Cristina Silva
Thaís Goldstein
Emília Santos
Henari Lima
Kelly Silva
Taiane Santos

Introdução

O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência de ren-


da condicionada, que faz parte do Plano Brasil sem Miséria, implementado
com o intuito de combater a pobreza e a desigualdade no país em dois mo-
mentos: primeiramente, via transferência de recursos financeiros às famílias;
e, em longo prazo, enfrentando os mecanismos de (re)produção da pobreza,
por meio de suas condicionalidades (PIRES, 2013; RIBEIRO; JESUS, 2016).
O PBF é destinado às famílias em situação de pobreza ou extrema po-
breza. Em 2016, foram classificadas como em situação de pobreza famílias
com renda per capita entre R$ 85,01 e R$ 170,00 mensais e em situação de
extrema pobreza famílias com renda per capita até R$ 85,00.
Para o recebimento do benefício, as famílias devem cumprir um conjun-
to de condicionalidades que abrangem o campo da educação, da saúde
248 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

e da assistência social. No tocante à educação, o PBF possui as seguintes


condicionalidades: as crianças e adolescentes de 6 a 17 anos devem estar
matriculadas na escola e a frequência mensal mínima deve ser de 85% para
crianças e adolescentes de 6 a 15 anos e de 75% para jovens de 16 e 17 anos.
Entre pesquisadores e agentes públicos não há consenso acerca da
imposição de condicionalidades no PBF. Os que defendem a existência de
condicionalidades, geralmente se apoiando na Teoria do Capital Humano1,
entendem que o acesso à educação e à saúde proporciona um aumento
do capital humano às crianças, aos adolescentes e jovens beneficiados, de
modo que, ao se tornarem adultos, passarão a ter mais chances de encontrar
uma melhor colocação no mercado de trabalho, podendo, assim, romper
com a condição de pobreza (PIRES, 2013). Há também os que postulam que
a obrigatoriedade da matrícula e de uma alta frequência escolar constitui
uma importante estratégia de combate ao trabalho infantil, tendo em vista
que a renda recebida pela família beneficiada resultaria numa redução da
pressão sobre a criança ou o adolescente para entrar de forma precoce no
mercado de trabalho (AMARAL; MONTEIRO, 2013; RIBEIRO; JESUS, 2016).
Os críticos às condicionalidades do PBF alegam que a assistência aos
cidadãos é um direito básico, logo, não deve estar condicionada a nenhuma
contrapartida ou compromisso por parte dos beneficiados. Em relação às
condicionalidades na área educacional, autores inspirados no pensamento
de Gramsci (2000) e Bourdieu (2007) demonstram que, na nossa sociedade,
a escola tem se constituído como um espaço de reprodução e legitimação
das desigualdades sociais. Segundo essa linha do pensamento social crítico,
a matrícula e a frequência escolar não são suficientes para se romper com os
mecanismos de transmissão da pobreza, conforme previsto no desenho do
PBF (PIRES, 2013).
Dentre a produção bibliográfica sobre os efeitos das condicionalidades
educacionais do Programa Bolsa Família na vida dos discentes beneficiados,
destacamos o estudo feito por Craveiro e Ximenes (2013). Sobre isso, os au-
tores afirmam que

1 Esta teoria origina-se na década de 1950, e Theodore W. Schultz, professor de Econo-


mia da Universidade de Chicago, é considerado um de seus principais formuladores.
Para Schultz, o trabalho humano qualificado por meio da educação gera produtividade
econômica. Assim, aplicada ao campo educacional, a ideia de capital humano levou
a uma concepção tecnicista sobre o ensino e a organização da educação, difundindo
a ideia de que a educação tem um “valor econômico” considerado essencial para o
desenvolvimento.
Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 249

a condicionalidade da educação [do PBF] contribuiu para reduzir em 36%


a porcentagem de crianças de 6 a 16 anos que não frequentavam a escola,
passando de 8,4% para 5,4%; ii) a redução de 40% da parcela de crianças
de 6 a 10 anos de idade fora da escola, e redução de 30% para as faixas
etárias de 11 a 16 anos; iii) a constatação de que a condicionalidade em
educação foi responsável pela queda de cerca de um terço da proporção
de crianças entre 11 e 16 anos de idade com até um ano de escolaridade
fora da escola; e iv) a redução de 40% da proporção de meninos de 6 a
16 anos de idade que não frequentavam a escola. No caso das meninas,
a redução foi de 30% (CRAVEIRO; XIMENES, 2013, p. 116).

Assim, para os referidos autores, a condicionalidade produziu um efei-


to positivo na diminuição das desigualdades educacionais, uma vez que há
uma redução na taxa de abandono escolar de estudantes pertencentes às
famílias beneficiadas.
Partindo do debate sobre o PBF e as estratégias de enfrentamento da
pobreza, apresentaremos resultados da primeira fase da pesquisa intitulada
"Educação, pobreza e desigualdade social: um estudo sobre o Programa
Bolsa Família em Salvador-Bahia". O texto é composto de três partes, além
da introdução e das considerações finais. Na primeira, apresentamos a pes-
quisa em tela, destacando seus objetivos e metodologia. Em seguida, faze-
mos uma breve discussão sobre as desigualdades sociais e educacionais na
cidade de Salvador. Por fim, discutimos os indicadores sociais construídos a
partir da base de dados secundários do Sistema de Informações, o Data So-
cial, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (MDS),
atualmente Ministério do Desenvolvimento Social.

Apresentando a pesquisa: objetivo e as etapas de um processo


A pesquisa intitulada "Educação, pobreza e desigualdade social: um
estudo sobre o Programa Bolsa Família em Salvador-Bahia" é uma das
ações da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS), de-
senvolvida pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia
(Faced/UFBA). Trata-se de uma pesquisa ampla (também chamada de pro-
jeto guarda-chuva)2, que abriga dois subprojetos articulados, quais sejam:

2 O projeto guarda-chuva envolve os seguintes objetivos principais: a) traçar o perfil so-


cioeconômico e a situação educacional de estudantes beneficiários do Programa Bolsa
Família na cidade de Salvador-BA; b) refletir sobre as implicações da condicionalidade
educacional sobre as experiências de escolarização de estudantes provenientes de
250 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

i) "Educação, pobreza e desigualdades sociais: um estudo da relação entre


as condicionalidades do Programa Bolsa Família e a situação educacional
das famílias beneficiadas em Salvador-BA"; ii) "O Programa Bolsa Família e o
processo de escolarização de estudantes beneficiários: um estudo de caso".3
Neste artigo, nosso foco principal são os resultados do primeiro sub-
projeto, iniciado em fevereiro de 2016 e finalizado em dezembro de 2017, o
qual objetivou construir um conjunto de indicadores sociais sobre educação,
pobreza e desigualdades sociais, com o intuito de traçar o perfil socioeco-
nômico e a situação educacional dos beneficiários do PBF no município de
Salvador-BA.
O indicador social constitui-se como um elemento de ligação entre con-
ceitos abstratos ou teorias e as manifestações empíricas dos objetos estuda-
dos. Ao definir o termo indicador social, Jannuzzi (2002) diz que ele é

uma medida em geral quantitativa, dotada de significado social subs-


tantivo, usado para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito
social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou pro-
gramático (para a formulação de políticas). É um recurso metodológico,
empiricamente referido, que informa algo sobre um aspecto da realidade
social ou sobre mudanças que estão ocorrendo na mesma (JANNUZZI,
2002, p. 55).

O indicador social pode ser classificado como simples, quando resulta


de uma estatística específica referente a uma dimensão determinada da
realidade social, ou como composto, configurando indicadores sintéticos
construídos a partir da junção de mais de um indicador simples (JANNU-
ZZI, 2002). A análise do conjunto de indicadores simples construídos na
pesquisa permitiu-nos estabelecer correlações entre a situação educacional

famílias beneficiárias, especialmente em termos de frequência escolar, aprendizado,


participação da família na vida escolar etc. Integram a equipe da pesquisa três profes-
soras orientadoras (Maria Izabel Souza Ribeiro, Selma Cristina Silva de Jesus e Thaís
Seltzer Goldstein) e quatro estudantes de graduação (Emília Soraia Dias Santos, Henari
Macedo Oliveira Lima, Kelly Cristina Rêgo Silva e Taiane Lopes dos Santos), bolsistas do
Programa Permanecer/UFBA e do Pibic/UFBA – Edição 2016-2017 (primeiro subprojeto)
e Edição 2017-2018 (segundo subprojeto).
3 O segundo subprojeto envolve os seguintes objetivos: a) refletir sobre as relações entre
as condicionalidades do PBF e as experiências educacionais de crianças e jovens bene-
ficiados pelo Programa por meio do olhar de professores/as da rede pública de ensino
de Salvador e Região Metropolitana; b) compreender o processo de acompanhamento
da frequência escolar de beneficiários e suas implicações na rotina escolar.
Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 251

de estudantes beneficiados pelo PBF e o perfil das famílias em situação de


pobreza e extrema pobreza em Salvador, no período de 2007 a 2016.
Neste estudo, o conjunto de indicadores sociais foi elaborado a partir
dos dados secundários do Sistema de Informações, Data Social, do Ministé-
rio do Desenvolvimento Social (MDS). Essa plataforma digital disponibiliza
indicadores voltados para elaboração de diagnósticos atualizados e monito-
ramento das políticas e programas do MDS, além de fornecer informações
de contexto social, demográfico e econômico de municípios, estados, regi-
ões e do Brasil (BRASIL, 2016).
Essa plataforma digital possui seis conjuntos temáticos de indicadores:
Data SED – principais dados e indicadores da área social, econômica e de-
mográfica; Data CAD – dados do Cadastro Único para Programas Sociais e
do Programa Bolsa Família; Data CON – dados sobre as condicionalidades
de Educação e Saúde de beneficiários do Programa Bolsa Família; Data SAN
– dados sobre contexto e programas de Segurança Alimentar e Nutricional;
Data SUAS – dados sobre equipamentos, recursos humanos e serviços da
Assistência Social; e Data INC – dados sobre mercado de trabalho e ações
em Inclusão Produtiva. Na pesquisa em tela, analisamos os dados dispo-
níveis em dois conjuntos temáticos, a saber, Data CAD e Data CON, que
versam sobre o Programa Bolsa Família e suas condicionalidades.
A seguir, apresentamos um quadro com a síntese dos indicadores traba-
lhados na pesquisa.
252 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Quadro 1 - Indicadores da pesquisa.

Sistema de
Informações do Indicadores da pesquisa
MDS
Quantidade de famílias inscritas no Cadastro Único para
Programas Sociais e com renda per capita familiar de até 1/2
salário mínimo.
Quantidade de famílias beneficiárias do Programa Bolsa
Família.
Valores de repasse do Programa Bolsa Família.
Características dos domicílios das famílias cadastradas no
Cadastro Único e das famílias beneficiárias do Programa Bolsa
Data CAD Família.
Benefício médio mensal por família do Programa Bolsa Família.

Benefícios do Programa Bolsa Família.


Perfil das pessoas inscritas no Cadastro Único por sexo, idade,
cor/raça.
Perfil dos beneficiários do Programa Bolsa Família por sexo,
idade e cor/raça.

Acompanhamento da frequência escolar de crianças e


adolescentes de 6 a 15 anos (com frequência escolar igual
ou superior a 85% e inferior a 85% e não acompanhados nas
condicionalidades de educação).
Data CON Acompanhamento da frequência escolar de crianças e adoles-
centes de 6 a 17 anos (com frequência escolar igual ou superior
e com frequência inferior ao percentual exigido).
Acompanhamento da frequência escolar de jovens de 16 a 17
anos (com frequência escolar inferior a 75%).
     

Fonte: elaborado pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017.

Esses indicadores serão objeto de análise na terceira seção deste texto.


Contudo, antes de analisá-los, faz-se necessário refletir, ainda que breve-
mente, sobre as desigualdades sociais e educacionais na cidade de Salvador
e sua Região Metropolitana.
Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 253

O caso do PBF e de suas condicionalidades educacionais em


Salvador-BA
Nesta seção apresentamos a análise do conjunto temático dos indicado-
res trabalhados na plataforma pesquisada – o Data CAD e o Data CON. Por
meio desses indicadores sociais, buscamos problematizar a relação entre
as condicionalidades do PBF e a situação educacional dos estudantes de
famílias beneficiadas que moram em Salvador-BA. Antes, faremos uma breve
reflexão sobre especificidades desse município, capital do estado da Bahia.

Indicadores das desigualdades sociais e educacionais em Salvador e


Região Metropolitana
A Região Metropolitana (RM) de Salvador é composta de 13 municípios,
distribuídos em uma área de 4.354 km: Camaçari, Candeias, Dias D’Ávila, Ita-
parica, Lauro de Freitas, Madre de Deus, Mata de São João, Pojuca, Salvador,
São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Simões Filho e Vera Cruz.
De acordo com o Censo Demográfico do IBGE realizado em 2010, Salva-
dor possuía mais de 2,6 milhões de habitantes. Desse total, 79,4% declara-
ram-se como pretos ou pardos (negros) (IBGE, 2010). Atualmente, estima-se
que a população residente de Salvador esteja em torno de 3 milhões.
Silva (2016), embasado na metodologia desenvolvida pelo Observatório
das Metrópoles e nos dados do censo demográfico, afirma que a estrutura
urbana de Salvador consubstancia dois modelos espaciais. De um lado, há o
“modelo centro-periferia”, típico de sociedades marcadas por altos índices
de desigualdade social, em que a distância entre as classes sociais é visível
também na divisão do espaço. Neste modelo, conforme o autor, os pobres
estão localizados em áreas periféricas e precárias. Ao mesmo tempo, é pos-
sível verificar em Salvador outro modelo, de “heterogeneidade e fragmen-
tação”, caracterizado pela existência de favelas e comunidades populares
situadas em áreas nobres da cidade. Para Silva (2016), a proximidade espacial
não necessariamente resulta em apropriação dos benefícios e serviços exis-
tentes nessas áreas nobres pela população que vive em situação de pobreza
e reside nas proximidades: são territórios hierarquizados socialmente. Sobre
a estrutura urbana de Salvador, o autor afirma:
254 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

a capital baiana é uma cidade muito heterogênea, dividida na maior


parte do seu território entre vastas áreas marcadas pela precariedade,
pela pobreza e pela segregação, e algumas ilhas de riqueza e moderni-
dade (ainda que, muitas vezes, com a presença de comunidades pobres),
algumas vezes fragmentada, mas nem por isso menos distante. Nela, as
intervenções urbanas, associadas à realização de investimentos seletivos
públicos e privados, foram decisivas na produção do seu espaço urbano,
marcado pela desigualdade e discrepância (SILVA, 2016, p. 111).

Carvalho (2008) e Silva (2016) argumentam que Salvador possui três veto-
res de expansão urbana, que se constituíram a partir do seu centro histórico
colonial: a orla marítima norte, o “miolo” (centro geográfico) e o subúrbio
ferroviário. O primeiro vetor constitui-se na área nobre e valorizada da cida-
de, que concentra as melhores ofertas de serviços e benefícios e, portanto, é
o local de moradia por excelência da população com maior nível de renda. O
segundo vetor, designado de miolo, situado no centro da cidade, apresenta
menor disponibilidade de serviços e concentra os segmentos de menor ren-
da das classes médias e camadas populares. Por fim, o subúrbio ferroviário
é caracterizado pela carência de serviços e benefícios, sendo uma das áreas
mais problemáticas de Salvador em termos de infraestrutura urbana – é tam-
bém onde se concentra boa parte da população pobre da cidade.
Ao analisar a estrutura sócio-ocupacional de Salvador e sua Região Me-
tropolitana, Carvalho (2008) classifica sua população economicamente ativa
em quatro grupos ocupacionais: i) existe um grupo reduzido, com maior nível
de renda, composto dos grandes empresários locais, dirigentes dos setores
público e privado e também dos profissionais autônomos ou assalariados
de nível superior, e esse grupo concentra-se principalmente na Orla Atlân-
tica, área nobre com direitos urbanos mais consolidados; ii) tem-se também
os setores dos médios e pequenos empresários, juntamente a um número
grande de trabalhadores do setor de serviços e assalariados da indústria; iii)
há ainda, em menor proporção, os trabalhadores na agropecuária, que se
concentram nos municípios menos desenvolvidos da Região Metropolitana
de Salvador; iv) por fim, temos um contingente expressivo de trabalhadores
vivenciando situações de subemprego ou desemprego.
Em fevereiro de 2018, conforme aponta a Pesquisa de Emprego e Desem-
prego (PED),4 a taxa de desemprego na Região Metropolitana de Salvador

4 A PED é uma pesquisa domiciliar realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística


e Estudos Socioeconômicos (Dieese) “no Distrito Federal e nas Regiões Metropolitanas
Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 255

era de 25,5%, ou seja, 510 mil pessoas residentes em Salvador e sua Região
Metropolitana encontravam-se desempregadas. Já entre os ocupados do
setor privado, a pesquisa revela que, no período de janeiro/2017 a feverei-
ro/2018, houve uma redução de 3% no número de assalariados com carteira
assinada (ou seja, menos 22 mil empregos registrados em carteira de traba-
lho). Ao mesmo tempo, os dados da PED revelam que houve um aumento de
18,4% (mais de 18 mil pessoas) no contingente de trabalhadores sem registro
em carteira e de 24% no número de trabalhadores autônomos (BAHIA, 2018).
Ao analisar os indicadores de pobreza e indigência5 com base no Censo
de 2000, Carvalho (2008) afirma que os pobres e indigentes da cidade de Sal-
vador representam 30,9% da população. Segundo Oliveira (2017), em 2010,
na capital baiana, aproximadamente 27% das famílias (sobre)viviam com uma
renda mensal inferior a um salário mínimo. Essas famílias pobres estão locali-
zadas, fundamentalmente, nas áreas periféricas da cidade de Salvador, onde
o acesso a serviços e direitos urbanos é significativamente restrito.
No tocante às oportunidades educacionais em Salvador, destacamos
dois aspectos analisados por Carvalho (2008): i) o analfabetismo funcional é
baixo no centro de Salvador e na Orla Atlântica, porém, no vetor designado
pela autora como Miolo e nas franjas da cidade, a frequência do analfabetis-
mo funcional aumenta, chegando a atingir o índice de 30% em alguns bairros
mais populares, como Nordeste de Amaralina e Bairro da Paz; ii) embora a
frequência ao ensino fundamental esteja praticamente universalizada, ela é
menor nas favelas ou comunidades populares localizadas no Miolo e nas
franjas de Salvador.
Em relação às desigualdades intrametropolitanas, Carvalho (2008) de-
monstra que há uma grande diferenciação no atendimento educacional às
crianças, revelada por meio dos números relativos à distorção série-idade na
população de 7 a 14 anos,

de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife e mais recentemente For-
taleza, constituindo o Sistema PED. O apoio financeiro e o reconhecimento institucional
da PED como parte integrante do Sistema Público de Emprego, por parte do Fundo
de Amparo do Trabalhador (FAT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) foram
inestimáveis na consolidação deste novo sistema de produção estatística”. Para mais
informações, acesse o site <https://www.dieese.org.br/analiseped/ped.html>.
5 O indicador de pobreza e indigência agrupa aqueles com renda familiar per capita
abaixo de ¼ do salário mínimo (CARVALHO, 2008).
256 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Se, em Salvador, 26,96% das crianças, na faixa dos 7-14 anos, e 38,56%, na
faixa dos 10-14, apresentavam mais de um ano de atraso escolar, em 2000,
em Madre de Deus esses números correspondiam a 30,54% e 45,03%; em
Lauro de Freitas, a 32% e 46,48%; em Camaçari, a 32,28% e 46,75%; em
Simões Filho, a 32,89% e 47,97%; em Dias D’Ávila, a 33,53% e 48,61%;
em São Francisco do Conde, a 34,4% e 52,61%; em Candeias, a 35,69% e
49,23%; em Itaparica, a 36,32% e 53,5%; por fim, na situação mais desfa-
vorável, encontrava-se Vera Cruz, com taxas de, respectivamente, 40,98%
e 59,52%. E se 43,69% das crianças, entre 10-14 anos, tinham menos de
quatro anos de estudo em Salvador, no ano 2000, esse percentual se
elevava para 49,26% em São Francisco do Conde, 49,85% em Camaçari,
51,02% em Dias D’Ávila, 51,06% em Madre de Deus, 51,77% em Simões
Filho, 52,13% em Candeias, 52,38% em Lauro de Freitas, 55,17% em Vera
Cruz e 55,53% em Itaparica (CARVALHO, 2008, p. 125).

Já nas áreas nobres de Salvador, como Barra, Pituba, Graça, Jardim Api-
pema etc., a adequação entre série-idade é superior a 80% (CARVALHO,
2008).

Perfil das famílias beneficiadas pelo PBF


A seguir, faremos uma discussão sobre o perfil das famílias beneficiadas
pelo PBF, enfocando as famílias brasileiras, as famílias que moram na Bahia e
as que moram na capital, Salvador. Os indicadores utilizados estão presen-
tes do Cadastro Único (Data CAD), e nosso recorte compreende o período
de aproximadamente uma década: de 2007 a 2016.
O Cadastro Único é a porta de entrada para vários Programas Sociais do
Governo Federal, tais como: Bolsa Família, Tarifa Social de Energia Elétrica,
Minha Casa Minha Vida. Quando uma família se registra no Cadastro Único,
ela não está automaticamente cadastrada no PBF, uma vez que o principal
critério para o cadastramento nesse programa é a renda per capita: as que
têm a menor renda entram primeiro no Programa.
No período de 2007 a 2016, o número de famílias inscritas no Cadastro
Único no país passou de 16,8 milhões para cerca de 27 milhões. Tal aumento
também se verifica no estado da Bahia e na cidade de Salvador, sendo coe-
rente com um dado de contexto: o agravamento da crise econômica no país,
especialmente a partir de 2014. Em 2016, o montante computado de pessoas
desempregadas chegou a 12,3 milhões, segundo dados da Pesquisa Nacio-
nal por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE). A região Nordeste concentra o
maior número de famílias cadastradas no Cadastro Único para Programas
Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 257

Sociais, sendo o Bolsa Família o programa de maior abrangência. A Bahia,


que é um estado populoso, com cerca de 15,2 milhões de habitantes (IBGE,
2010), possui índices de pobreza acima da média nacional. A partir de 2008,
houve um aumento do número de famílias baianas inscritas no PBF, ao passo
que no resto do país o número se manteve estável (média de 14 milhões),
não se observando alterações significativas no número de beneficiários no
Brasil no período de 2007 a 2016.
Em relação aos valores do repasse do PBF, dados levantados no Sistema
de Informações do MDS demonstram que a média do valor mensal dos be-
nefícios do PBF em 2016, na cidade de Salvador, foi de R$ 137,64, o que equi-
vale a 15,64% do valor do salário mínimo, no mesmo ano. Para se ter ideia
do que isso representa, o custo da cesta básica na capital baiana era de R$
355,15 (DIEESE, 2016). Já o valor médio mensal do benefício do PBF recebido
no estado da Bahia foi de R$ 162,28, não chegando a 20% do salário mínimo.
Os dados ainda apontam para o fato de que Salvador está abaixo da média
nacional e da média baiana, aprofundando a insuficiência do valor, uma vez
que o custo de vida na capital é maior que no interior do estado. Quando se
observa o valor médio recebido por família e o valor médio da cesta básica,
nota-se que o benefício representa um valor equivalente a um terço do valor
da cesta básica, que por sua vez representa 40,36% do salário mínimo. Vale
lembrar que o salário mínimo real não cobre as necessidades básicas de
uma família composta, em média, de dois adultos e duas crianças. Segundo
o Dieese (2016), para poder custear as necessidades básicas mensais familia-
res, sem imprevistos, seria necessário que os cidadãos brasileiros recebes-
sem o valor de R$ 3.856,23 (dados de dezembro de 2015).
Tabela 1 - Benefício médio mensal por família do PBF, 2015-2016.

Benefício médio % do benefício


Localidade Ano mensal por família Salário mínimo em relação ao
do PBF (R$) salário mínimo
BRASIL 2015 163,06 R$ 778,00 20,96
BAHIA 2015 164,68 R$ 778,00 21,17
SALVADOR 2015 139,12 R$ 778,00 17,88
 
BRASIL 2016 161,26 R$ 880,00 18,33
BAHIA 2016 162,28 R$ 880,00 18,44
SALVADOR 2016 137,64 R$ 880,00 15,64

Fonte: elaborada pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017, com base nos dados
do MDS.
258 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Esses números demonstram o quão baixo é o valor médio recebido por


famílias beneficiárias do Programa, ao contrário do que sugerem setores
políticos conservadores neoliberais, para os quais a redução de gastos do
Estado com programas sociais justificaria sua suspensão, levando o país a
um suposto crescimento econômico6.
O curioso é que, para esses mesmos grupos, tal justificativa só seja utili-
zada quando o benefício se destina às camadas pobres e miseráveis. Quando
está em jogo a discussão sobre a pertinência da manutenção de privilégios
mantidos com dinheiro público para segmentos com salários 10, 15, 20 vezes
maiores que o mínimo (de parlamentares, membros do judiciário, oficiais das
forças armadas etc.), aí vale gastar. É como se uns merecessem ter mais e
outros menos. Ou, ainda, uns merecem ter, outros não. Quando o assunto é
auxílio-moradia, auxílio-paletó, auxílio-educação ou pensões vitalícias que
direcionam dinheiro público a alguns grupos privilegiados, tudo parece es-
tar dentro da moralidade política e da possibilidade técnica.
O PBF é uma política focalizada nas pessoas em situação de pobreza e
extrema pobreza, que busca atenuar os impactos dessa situação, em geral
acompanhada de violação de direitos e impedimentos de acesso e perma-
nência em serviços públicos historicamente sucateados pelos governos. O
discurso neoliberal oculta suas contradições e seu anti-igualitarismo recor-
rendo a argumentos falaciosos, como a meritocracia. Ora, sendo esta uma
ideologia que simplifica fenômenos complexos e multifatoriais, reduzindo-os
a questões meramente individuais (como esforço, inteligência, empreende-
dorismo), parece lógico responsabilizar o sujeito por seu fracasso ou suces-
so, bem como por sua condição de pobreza ou riqueza. Nessa perspectiva,
a dimensão social e política de produção da riqueza e da pobreza é posta
de lado. Direitos básicos são vistos como favores e privilégios, ganhando
uma roupagem moralizante: é como se a preguiça e a ignorância – e não as
injustiças sociais históricas – é que fossem as responsáveis pela pobreza e
pela miséria da maioria. Ignoram que a vida concreta das pessoas é afetada,
dia após dia, por descasos políticos e violências (inclusive do Estado) que
alcançam suas casas, suas refeições, sua saúde física e psíquica, a educa-
ção dos filhos, os laços sociais e sonhos de futuro. Impedimentos abissais
colocam-se no cotidiano de pessoas em situação de pobreza, e o anseio de
justiça e de ascensão social revela-se, por vezes, secundário a outro ainda
mais básico e imediato: sobreviver.

6 Sobre essa discussão, ver Silva et al. (2017).


Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 259

O PBF é composto de diferentes benefícios, variando o valor que os


beneficiários recebem conforme sua modalidade – há o benefício básico,
o benefício variável e o benefício variável vinculado ao adolescente (BVJ).
Assim, o valor do benefício para as famílias varia de acordo com o número
de gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes de até 15 anos de idade e
jovens de 16 e 17 anos. O limite máximo na composição do valor conforme
o quantitativo de integrantes na família é: 1 benefício básico + 5 benefícios
variáveis + 2 BVJ.

Gráfico 1 - Benefícios do Programa Bolsa Família, Salvador, 2015.

Fonte: elaborado pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017, com base nos dados
do MDS.

De acordo com o Gráfico 1, o percentual referente às variáveis para crian-


ças de 0 a 6 anos é de 17%, enquanto 27% referem-se às variáveis para ado-
lescentes de 7 a 15 anos. Isso sugere que existem mais famílias com adoles-
centes do que com crianças de 0 a 6 anos, dado que refuta a crença de que o
PBF estimularia o ócio, impulsionaria a gravidez das mulheres supostamente
interessadas no aumento do valor recebido (que é pago de acordo com o
número de filhos de até 17 anos), entre outros argumentos que buscam fragi-
lizar o Programa e desrespeitam seus beneficiários, pessoas historicamente
marginalizadas e mal atendidas pelas políticas públicas. Tanto é assim que
a quantidade de benefícios destinados a gestantes em Salvador, em 2015,
representa menos de 1% do total de benefícios. Muito embora não tenha
efetuado mudanças no sentido de universalizar direitos sociais, o PBF amplia
consideravelmente o número de benefícios pagos de 2011 a 2013, porém,
um dado preocupante é que vem sofrendo uma queda em nível nacional
260 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

desde então. Apesar de atenuar a pobreza por meio da erradicação da fome


e da promoção da consciência dos direitos sociais e cidadania, esse declínio
sugere que, ao invés de o PBF efetivar a seguridade social como um direito,
esta foi sendo enfraquecida. Como afirma Cohn (2013), é imperativo o cui-
dado para que o Programa não se transforme em uma “gigantesca folha de
pagamento, cada vez rodada de modo mais sofisticado, mas que perde a di-
mensão de uma construção social, e assim se esvazia” (COHN, 2013, p. 463).
A tomada de consciência de direito e cidadania tem muito a ver com a
criação do Cadastro Único, que representa, em relação ao PBF, uma mudan-
ça de paradigma no que diz respeito aos programas sociais. Seguramente, o
avanço e o aperfeiçoamento operacional nos cadastros e a descentralização
do Estado foram, por excelência, os maiores responsáveis pela expansão
do PBF. Outra consequência desse aperfeiçoamento operacional foi garan-
tir uma maior autonomia dos beneficiários. Desde seu surgimento, já foram
criados sistemas, tecnologias e unidades apenas para tratar de assuntos re-
lacionados ao Programa, o que propiciou a ele um maior grau de institucio-
nalização capilarizada, agregando-lhe um caráter de “quase direito”, devido
à importância que assume aos seus usuários.

Essa maior institucionalidade ocorre sob a racionalidade de uma área


já constituída enquanto saber e prática (o campo da assistência social),
que, no entanto, se confronta com uma cultura política própria, marcada
fortemente pela herança do assistencialismo. O que nos importa aqui
é o fato de que o conteúdo da cidadania que qualquer programa ou
política social transmite aos seus beneficiários e usuários é realizado fun-
damentalmente por meio da prática de seus profissionais, e, portanto,
de suas instituições. Neste ponto específico, a diversidade brasileira dos
municípios e das culturas políticas locais acaba por representar um obstá-
culo que vem sendo suplantado gradativamente pela gestão nacional do
PBF para que ele não perca seu traço original de buscar, via transferência
condicionada de renda, a autonomização dos sujeitos sociais enquanto
portadores de direitos (COHN, 2013, p. 459).

Na prática, isso significa que o dinheiro é transferido diretamente para


a conta do indivíduo, e este, de posse do seu cartão magnético, faz uso
dessa renda da melhor maneira que lhe convém. Não é um “vale” para
comprar isso ou aquilo de forma predeterminada, mas uma possibilidade
de os beneficiários terem alguma margem de manobra e escolha, ainda que
limitada, em suas práticas de consumo. Com a criação de programas e se-
cretarias próprias para o PBF, buscou-se suplantar seu caráter meramente
Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 261

assistencialista, permitindo que os governos pudessem, ao menos em tese,


acompanhar mais de perto as famílias em termos da realidade de suas re-
sidências, da identificação de cada membro da família, sua escolaridade,
situação de trabalho e renda, entre outros elementos.
Com relação às características dos domicílios por tipo de iluminação,
das famílias cadastradas no Cadastro Único e beneficiárias do PBF, no Brasil,
em 2016, quase 22 milhões de domicílios tinham iluminação elétrica com
medidor próprio, enquanto 1,5 bilhão compartilhavam energia com o me-
didor comunitário e quase 2,5 bilhões de domicílios sequer tinham ilumi-
nação elétrica, sendo iluminados por querosene, gás e vela. Em Salvador,
aproximadamente 48 mil residências não têm eletricidade, e 64 mil possuem
eletricidade com medidor comunitário.
No que tange ao abastecimento de água, 6,4 milhões são os domicílios
sem abastecimento no país. Em Salvador, aproximadamente 1.300 casas de
famílias inscritas no Cadastro Único não eram beneficiadas pela rede geral
de abastecimento, em 2016. Esses dados mostram um retrato da desigual-
dade brasileira: milhares de famílias não têm acesso à água encanada em
suas casas, abastecendo-se por meio de poços, nascentes e cisternas que
não recebem tratamento adequado para o consumo. Registra-se que essas
mesmas famílias não têm rede de esgoto; portanto, a água que consomem
tende a estar contaminada, causando diversas doenças, como cólera, vermi-
noses, infecções etc.
Sobre o perfil das pessoas inscritas no Cadastro Único, os resultados
apontaram que em Salvador, no ano de 2016, 37% eram do sexo masculino e
63% do feminino, assemelhando-se aos dados da Bahia e do Brasil, em que
aproximadamente 56% das pessoas inscritas eram mulheres.
Os resultados encontrados em relação à categoria cor/raça em Salvador
no ano de 2015 apontam o maior percentual de pessoas negras (94,53%),
reunindo as que se declararam pretas (1.128.402) e pardas (6.405.459). O Grá-
fico 2 apresenta os percentuais das respostas relativas a essa categoria.
262 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Gráfico 2 - Perfil das pessoas inscritas no Cadastro Único por cor/raça, Salvador, 2015.

Fonte: elaborado pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017, com base nos dados
do MDS.

Quanto ao número de beneficiários cadastrados especificamente no


PBF, em 2015, 95% dos beneficiários se declararam negros. Grande parte da
população da capital baiana é de ancestralidade africana, sendo Salvador
inclusive considerada a cidade mais negra fora do continente africano. Tam-
bém chama atenção o aumento da quantidade de beneficiários indígenas,
principalmente em Salvador. Também se notou que a única categoria em
que houve um aumento, com cerca de 730 beneficiários do PBF, entre 2014 e
2015, foi a de cor/raça amarela.
Podemos ver no gráfico a seguir o caso específico de Salvador no ano
de 2015.
Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 263

Gráfico 3 - Perfil dos beneficiários do Programa Bolsa Família por raça, Salvador, 2015.

Fonte: elaborado pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017, com base nos dados
do MDS.

A maneira como os dados das categorias raça e gênero se cruzam chama


a atenção para o fato de que as mulheres beneficiárias são também negras.
Frente a esses resultados, é possível perceber que o perfil dos cidadãos em
vulnerabilidade social e/ou que recebem o Bolsa Família é composto, em
sua maioria, de mulheres negras, fato que demonstra que a igualdade de
gênero e a democracia racial estão longe de serem realidades consolidadas.
Nesse sentido, apontam as discussões sobre interseccionalidade: precon-
ceitos raciais, de classe e gênero (entre outros, relacionados à orientação
sexual, identidade de gênero, fisionomia etc.) tendem a se sobrepor e acen-
tuar os impactos da humilhação social vivida por essas pessoas. De maneira
gritante, é intenso o contraste na condição de vida dos que desfrutam de
privilégios de raça, cor/etnia, gênero e classe, em relação aos que vivem
na pele a discriminação por conta dessas mesmas questões: a maioria da
população.
As informações referentes às idades das pessoas inscritas no Cadastro
Único não estavam disponíveis na plataforma Data CAD do site do MDS.
Assim, não foi possível explicitar os dados dessa categoria para composição
do perfil.
264 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

As condicionalidades educacionais do PBF: reflexões sobre o


acompanhamento da frequência escolar
Considerando que o PBF tem por objetivo intervir e produzir mudanças,
em longo prazo, nos condicionantes da reprodução da pobreza, uma das
suas principais condicionalidades refere-se à educação. As condicionalida-
des na área de educação são: i) matrícula das crianças e adolescentes de 6
a 17 anos na escola; ii) frequência mínima de 85% da carga horária escolar
mensal para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos e 75% para jovens de
16 e 17 anos; iii) obrigatoriedade de informar ao gestor do PBF qualquer
mudança de escola.
Conforme consta no site do MDS, o trabalho de gestão das condicio-
nalidades do PBF envolve parceria entre os três níveis de governo: fede-
ral, estadual e municipal. Com relação à condicionalidade da educação,
os municípios têm a responsabilidade de realizar o acompanhamento e
de coletar e registrar os resultados da frequência escolar no Sistema de
Acompanhamento das Condicionalidades (Sicon) do MDS. O registro do
acompanhamento da frequência escolar de estudantes entre 6 e 17 anos,
provenientes de famílias beneficiárias do PBF, é realizado cinco vezes ao ano,
bimestralmente, por meio do Sistema Presença/MEC, conforme calendário
operacional.
Em relação à coleta da frequência escolar dos estudantes do PBF, Cra-
veiro e Ximenes (2013) indicam três pontos como relevantes para aprimorar
as etapas subsequentes da coleta:

1) buscar a efetivação do direito à educação para todos, mediante a


avaliação dos beneficiários que se encontram em situação de “não lo-
calizados”, adotando forte ação intersetorial nos três níveis de governo
para identificação daqueles que de fato estão “fora da escola”;
2) avaliar intersetorialmente os registros de ocorrências de “baixa fre-
quência”, desistência, abandono e evasão escolar, mobilizando a rede
de proteção ao escolar quando se detectarem motivos que sinalizam
violação de direitos;
3) fortalecer a rede de parceiros e contribuir para o aprimoramento da
ação – a alta rotatividade dos técnicos municipais responsáveis pelo
acompanhamento sinaliza para a necessidade de um estratégico progra-
ma de formação continuada (CRAVEIRO; XIMENES, 2013, p. 113-114).
Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 265

A exigência da permanência na escola tem como argumento o direito à


educação. Contudo, a baixa frequência, o abandono temporário ou mesmo
a evasão escolar são fatores que nos levam a pensar que os desafios edu-
cacionais estão para muito além do acesso e da permanência dos alunos na
escola, bem como a conclusão de todas as etapas. Existem vários fatores
que comprometem a trajetória e o rendimento escolar dos estudantes, para
além do esforço deles.
Silveira, Campolina e Van Horn (2013, p. 322) afirmam que “o Programa
reforça a frequência escolar dos jovens de 15 a 17 anos, período da vida no
qual se amplia consideravelmente a entrada deles no mercado de trabalho,
por meio da combinação escola-trabalho”. Assim, há um efeito positivo na
frequência escolar dos beneficiários comparados aos não beneficiários, ape-
sar de muitas vezes terem que enfrentar a difícil distribuição do tempo entre
o trabalho e a escola.
Nesse mesmo sentido, Araújo, Ribeiro e Neder (2010), com base na Pnad,
concluem que o programa “não teve impactos significativos sobre a propor-
ção de crianças, adolescentes, meninos e meninas que apenas trabalham ou
trabalham e estudam” e afirmam, ainda, que o Programa “eleva a frequên-
cia escolar, mas não contribui para o combate ao trabalho infanto-juvenil”
(ARAÚJO, RIBEIRO; NEDER, 2010, p. 1).
Na discussão realizada por Craveiro e Ximenes (2013), sobre rendimento
e movimento escolar de estudantes do PBF e demais alunos da rede públi-
ca, a partir de resultados do censo escolar de 2012, percebe-se que varia o
número total de estudantes com até 15 anos concluintes do ensino funda-
mental regular, variando também essa média nas diferentes regiões do país.

Embora o resultado nacional seja um pouco inferior dos estudantes do


PBF frente aos demais estudantes da rede pública (75,6% contra 79,4%),
nas regiões mais pobres do Brasil, com maior concentração do Bolsa Fa-
mília, os resultados são favoráveis aos estudantes do PBF. Destaque para
os resultados na região Nordeste, onde 71,3% dos estudantes do Bolsa
Família conseguem terminar o ensino fundamental até os 15 anos, contra
64% dos demais estudantes da rede pública (CRAVEIRO; XIMENES, 2013,
p. 116).

Existem fatores de risco para a permanência dos alunos com baixo


desempenho escolar, os quais podem resultar em repetência e distorções
idade-série. O abandono escolar é um sério problema em todos os esta-
dos brasileiros, agravando-se conforme aumentam a faixa etária e o nível
266 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

de ensino. Oliveira e Soares (2013) indicam que alunos que cumprem a


condicionalidade da frequência escolar reduzem em até 40% as chances de
repetência em relação aos que não a cumprem.
A Resolução CNE/CEB nº 4, de 13 de julho de 2010, que define as Dire-
trizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (BRASIL, 2010),
ressalta a responsabilidade do Estado, da família e da sociedade em “ga-
rantir a democratização do acesso, a inclusão, a permanência e a conclusão
com sucesso das crianças, dos jovens e adultos na instituição educacional”.
Entretanto, no cotidiano escolar, acompanhamos a produção da exclusão e
do fracasso escolar. Fracasso que, segundo Patto (2015), deve ser compre-
endido como “parte integrante da vida na escola e esta como expressão das
formas que a vida assume na sociedade que a inclui” (PATTO, 2015, p. 173).
Tal fenômeno é a expressão do coletivo, de uma realidade contextualizada
social, cultural e historicamente construída, sendo resultante da síntese de
múltiplos fatores constituídos dialeticamente.
A questão do fracasso escolar, como tão bem já demonstrou Patto
(2015), é histórica, multifatorial e tem suas raízes em uma sociedade desigual,
atravessada por opressões e governada por grupos oligárquicos que jamais
se preocuparam efetivamente em criar políticas para valorizar o trabalho do
professor, ampliar o repertório intelectual dos alunos e fomentar neles o
espírito crítico e cidadão. Contrariamente, o discurso hegemônico passa ao
largo dos descasos políticos históricos dos governos para com a educação
pública. Quando o assunto é a evasão ou repetência, por exemplo, o senso
comum prefere enfocar as supostas incapacidades ou dificuldades indivi-
duais dos alunos, a indagar a qualidade do ensino e a realidade concreta
das escolas públicas. É importante estarmos atentos ao cotidiano escolar
sucateado pelo poder público, lugar onde muitas vezes se naturalizam a hu-
milhação e o não aprender. Nesse cotidiano, ocorrem práticas de exclusão,
segregação e desinteresse pedagógico. A desigualdade social que assola
o país, sem ser combatida por um conjunto de ações sociais e políticas
públicas, aparece em fenômenos como o analfabetismo, o desemprego, o
subemprego, a desnutrição, a falta de moradia própria, a ausência de sane-
amento básico etc. Segundo Craveiro e Ximenes,

O insucesso na trajetória escolar pode acarretar também menor acesso


a direitos básicos, acabando por reproduzir o ciclo de pobreza da ge-
ração anterior. A educação exerce, certamente, papel fundamental no
rompimento deste ciclo à medida que consegue assegurar aos sujeitos
Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 267

de direitos uma educação de qualidade social com aprendizagens signi-


ficativas. Para a conquista desta qualidade socialmente referenciada, a
assiduidade nas atividades escolares é condição fundamental (CRAVEI-
RO; XIMENES, 2013, p. 110).

Segundo os autores, o acompanhamento da frequência escolar como


condicionalidade do Programa tem se apresentado eficaz em seu propósito.
Os estudantes beneficiários têm apresentado uma menor taxa de abando-
no escolar, tanto no ensino fundamental como no ensino médio. Destacam,
ainda, que

a permanência na escola (formação de um “hábito escolar”) e a re-


gularidade elevada de frequência às aulas contribuem para reduzir as
diferenças nas taxas de aprovação dos estudantes do PBF contra os
demais da rede pública no ensino fundamental (CRAVEIRO; XIMENES,
2013, p. 120).

Como já destacado anteriormente, há uma discussão em torno das


condicionalidades do PBF que envolve desde sua defesa até sua crítica. A
pesquisa aqui apresentada reconhece seus impactos positivos, mas, ao mes-
mo tempo, problematiza a imposição das condicionalidades como possível
reforçadora da ideia falaciosa de que o acesso à saúde e à educação escolar
seria mera contrapartida de um programa social, ao invés de direitos sociais
básicos que independem do Programa Social. No caso específico da condi-
cionalidade da educação, compreendemos que a matrícula e a frequência à
escola não são suficientes para a ruptura dos mecanismos de perpetuação
da pobreza e (re)produção de desigualdades.
Embora as condições de acesso à educação e à saúde pareçam estar
garantidas em função das condicionalidades, é urgente problematizar a pre-
cariedade desses serviços. O campo da educação, por exemplo, carece de
investimentos e parcerias intergovernamentais (locais e federais), estando
aquém de assegurar a equidade no acesso a esse direito. Ainda existem
problemas profundos a serem superados, tanto de ordem estrutural quanto
política. Mas, certamente, um passo foi dado na direção de se buscar zelar
pelos direitos humanos mais básicos e fundamentais. O comprometimento
de políticas sociais precisa, portanto, fazer parte das agendas não apenas de
governos federais, mas estaduais e municipais também.
Na perspectiva de traçar o perfil e refletir sobre a situação educacional
dos beneficiários do PBF no município de Salvador-BA, na pesquisa realizada
268 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

foram construídos indicadores sociais a partir do banco de dados do Data


CON, tendo como base o último bimestre do ano de 2015. No levantamento
foi possível identificar dados relacionados ao total de crianças e adolescen-
tes de 6 a 17 anos, público da educação, e a quantidade de acompanhados
e não acompanhados na frequência escolar.
De acordo com as informações disponíveis, no ano de 2015, em Salva-
dor-BA, o total de crianças e adolescentes de 6 a 15 anos que compunha o
público da educação era o equivalente a 148.332 estudantes, dos quais 79%
eram acompanhados na frequência escolar. Desses estudantes acompanha-
dos, 96,9% cumpriam a condicionalidade, ou seja, tinham frequência igual
ou superior a 85% (Figura 1). No caso de jovens de 16 e 17 anos, o total que
compunha o público da educação era equivalente a quase 41 mil estudantes.
Desse total, 80,7% eram acompanhados na frequência escolar. Destes, 97,4%
tinham frequência igual ou superior a 75% (Figura 2).

Figura 1. Acompanhamento da frequência escolar de crianças e adolescentes de 6 a


15 anos público da educação, Salvador, 2015.

Fonte: elaborada pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017, com base nos dados
do MDS.
Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 269

Figura 2. Acompanhamento da frequência escolar de jovens de 16 e 17 anos público


da educação, Salvador, 2015.

Fonte: elaborada pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017, com base nos dados
do MDS.

Chama-nos a atenção que, do total de crianças e adolescentes de 6 a


15 anos e de jovens de 16 e 17 anos (189.220), no ano de 2015, Salvador-BA
apresentou percentual de 79,4% de estudantes acompanhados na frequên-
cia escolar e 20,6% de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos sem acompa-
nhamento. Do total sem acompanhamento da frequência (39.063), 55,8% não
foram localizados e 44,2% não possuíam informações sobre frequência. Em
comparação com os percentuais do estado da Bahia (12%) e do Brasil (11%),
Salvador possui um percentual significativo de crianças e adolescentes de 6
a 17 anos não acompanhados na condicionalidade de educação.
O registro de não acompanhados nas condicionalidades de educação é
formado a partir da soma da quantidade de beneficiários de 6 a 17 anos não
localizados no acompanhamento da frequência escolar com a quantidade
de beneficiários na faixa etária localizados nas escolas, mas sem informação
de frequência escolar. Os estudantes registrados como não localizados, se-
gundo o MDS (BRASIL, 2016), seriam aqueles que não tiveram informações
escolares identificadas no Sistema Presença. Conforme o MDS, essa situação
pode indicar apenas que o estudante mudou de escola, mas ainda não hou-
ve registro dessa mudança. Todavia, essa situação de aluno não localizado
pode indicar algo mais alarmante, que é o fato de o beneficiário estar fora
da escola.
270 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Para Salvador-BA, como capital de um dos principais estados da região


Nordeste, consideramos esses dados expressivos, pois retratam a necessi-
dade de implementação de políticas públicas que garantam o acesso e a
permanência dos estudantes na escola e também a conclusão com sucesso,
como é estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica (BRASIL, 2010).
Sobre a questão da frequência escolar, algumas indagações são per-
tinentes: De que maneira é realizado o acompanhamento da frequência
escolar? Quais são as dificuldades na gestão do acompanhamento? Se é
responsabilidade da escola, como é feito esse registro? Qual a dificuldade
enfrentada pela escola para o acompanhamento? Apenas com um esforço
amplo de todos os setores da gestão municipal envolvidos no Programa será
possível identificar as causas dessa situação e atuar sobre elas, a fim de redu-
zir o número de beneficiários sem informação da frequência escolar.
Como um dos principais objetivos das condicionalidades é identificar
situações de agravamento de vulnerabilidades vivenciadas pelas famílias, a
falta de informação sobre a frequência escolar e a inadequação dos registros
relacionados à baixa frequência podem encobrir a realidade concreta vivida
pelas famílias. Isso faz com que o poder público não tenha informação sobre
um beneficiário que está fora da escola ou uma família que está passando
por uma situação que a impede de acessar serviços tão importantes como
os de educação. Ter acesso a informações corretas é o primeiro passo para a
gestão intersetorial de condicionalidades traçar um plano em conjunto com
os atores sociais envolvidos na gestão do PBF para aprimorar a oferta de
serviços públicos às famílias beneficiárias.
Se, de um lado, há o entendimento de que o PBF tem contribuído para o
aumento da frequência escolar, de outro, é pertinente considerar as condi-
ções nas quais o processo de escolarização se concretiza. Assim, para além
de obrigar as famílias a matricularem seus filhos na escola e exigir a frequ-
ência, essas famílias precisariam ter garantidos não apenas o acesso, mas
também a permanência e a qualidade dos serviços ofertados à população,
em condição de oportunidades iguais para todos. Entretanto, a escola atual
ainda não pressupõe o lugar de equidade. Ela tem sido um espaço de pa-
dronização e fatalmente da naturalização de fenômenos sociais, ignorando,
sobretudo, os efeitos deles. De acordo com Tunes e Pedroza,
Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 271

Há, assim, na sociedade, de um lado, o movimento pela inclusão e a


obrigatoriedade de escolarização definida em lei; do outro, há a escola
promovendo os mecanismos excludentes socialmente aceitos e histo-
ricamente perpetuados. A inclusão, seja escolar ou de qualquer outra
ordem, está, pois, imersa na lógica da exclusão (TUNES: PEDROZA, 2011,
p. 15).

Com isso, pretende-se enfatizar uma discussão apresentada por Viégas


(2002), na qual a exclusão é pensada não apenas em termos de uma exclusão
da escola, mas também uma exclusão na escola. Ora, de que adianta incluir
crianças pobres e marginalizadas na escola se dentro dela seguem ocorren-
do práticas de exclusão e segregação?
Vale ainda ressaltar que a ausência de articulação do PBF com outros
programas que poderiam complementá-lo coloca-o solitário na tentativa
de romper uma organização social injusta e desigual. Isso, por conseguinte,
torna o PBF insuficiente para responder a expectativas que vão além da ate-
nuação da pobreza estrutural.

Considerações finais
A pobreza no Brasil é fruto de uma história social e política marcada
por disputas, injustiças e desigualdades, assumindo contornos dramáticos
desde a escravidão, no período colonial. Após muitas lutas, algumas con-
quistas foram alcançadas, e, sem dúvida, o caminho trilhado permitiu que
houvesse, nos dias de hoje, maior visibilidade pública para o absurdo da
fome, da miséria, da extrema pobreza e até mesmo do papel do Estado nes-
sa (re)produção, o que rendeu a proposição de algumas políticas afirmativas
importantes, promotoras de avanços no terreno dos direitos humanos. Em
relação ao combate à pobreza, o PBF tem cumprido um papel notável em
um curto prazo: tirou muitas famílias do mapa da fome.
O PBF é alvo de muitas críticas, o que poderia ser positivo no sentido
de aprimorá-lo. No entanto, as mais comuns carregam consigo alocuções
conservadoras que apontam para o perigo de um paternalismo populista de
Estado, que estaria “dando o peixe ao invés de ensinar a pescar”, como diz o
dito popular, e assim produzindo acomodações por parte de seus beneficiá-
rios. Embora as condicionalidades atreladas a ele tenham a intenção de am-
pliar seu efeito imediatista de alívio da pobreza, pensada em termos mone-
tários, para que de fato venha a garantir o acesso aos direitos fundamentais
272 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

do cidadão, seria necessário um arranjo complexo de políticas focadas nos


direitos universais garantidos pela Constituição Federal de 1988, muitos dos
quais existentes somente no papel.
Diferentemente de políticas que buscam assegurar universalização dos
direitos, há algumas políticas públicas que acabam sendo mais focadas e
minimalistas. O PBF tem caráter de política focalizada. Embora essa não seja
a política ideal, é por meio dela que os governos recentes buscaram enfren-
tar a pobreza e, em especial, a fome, sabendo serem frutos de um processo
histórico perverso, que defende a lógica meritocrática em meio a contextos
de desigualdades abissais, produtoras de exclusão. Ainda que represente
um valor muito baixo, o PBF permitiu aos seus beneficiários ter garantida ao
menos uma refeição básica por dia, lembrando que essa área representa o
maior dispêndio de benefícios ofertados.
É urgente desnaturalizar a pobreza e problematizar os fatores que con-
correm para sua produção, inclusive aqueles presentes em políticas mera-
mente assistencialistas (sem conexão com um projeto emancipatório), pois
isso simplifica por demais o problema. A pobreza e a desigualdade social são
elementos estruturais do sistema capitalista; assim, seu enfrentamento leva-
-nos à conclusão de que o próprio sistema capitalista precisa ser superado.
A partir das análises dos dados e leituras, constatamos que o PBF cum-
pre seu papel enquanto política social focalizada nas famílias pobres, tendo
possibilitado a atenuação da situação de pobreza e extrema pobreza de
uma parcela significativa da população – via transferência de renda. Além
disso, teve efeitos positivos na frequência escolar dos beneficiários. Todavia,
na pesquisa empreendida, se por um lado evidenciamos aspectos positivos
do PBF na frequência escolar dos seus beneficiários, por outro, verificamos
a necessidade de políticas públicas voltadas para a qualidade da educação
ofertada nas escolas públicas aos filhos de famílias em situação de pobreza.
Logo, pode-se dizer que o PBF não foi suficientemente fortalecido e aprimo-
rado a ponto de garantir a transformação da vida social e financeira de seus
beneficiários.
O valor médio mensal recebido pelos beneficiários do PBF revela ainda
que o investimento financeiro do programa é significativamente inferior aos
lucros e riquezas acumuladas por grandes empresas privadas, muitas vezes
isentadas pelos governos de pagar impostos. Assim, não se pode dizer que
houve uma alteração da desigualdade social. Até porque, se a acumulação
Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 273

de capital é o grande motor do capitalismo, as formas de acumulação foram


diversamente ampliadas na sua versão neoliberal.
Por fim, cabe reiterar que a educação pública no Brasil foi historicamente
sucateada por sucessivos descasos de políticas governamentais, prejudican-
do especialmente a escolarização de crianças e adolescentes das classes po-
pulares. As oportunidades educacionais são distribuídas de forma desigual
em função da origem social das crianças e jovens; marcadores sociais como
classe social, raça/etnia e gênero podem facilitar ou dificultar o processo
de escolarização. Nesse sentido, cabe relativizar: se de um lado a condi-
cionalidade relativa à educação leva ao aumento do número de matrículas
e frequências dos estudantes beneficiários na escola, por outro, não incide
necessariamente sobre a qualidade da educação pública ofertada. Em ou-
tras palavras, embora as condições de acesso à educação e à saúde sejam
garantidas em função das condicionalidades, é urgente problematizar as
condições de permanência e uso desses espaços e serviços públicos, da-
dos a precariedade em que se encontram e o descaso político de inúmeros
governos.
Assim, conclui-se que é preciso repensar o PBF visando sua ampliação
e uma articulação amadurecida com outras políticas públicas. Para além de
exigir das famílias que seus filhos frequentem a escola, é preciso repensá-
-lo, encarando a tarefa educacional também do ponto de vista qualitativo,
visando a melhoria efetiva das condições em que ocorre a escolarização de
tantas crianças, adolescentes e jovens de nosso país.

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Sobre os autores

Simone Medeiros · Prefácio · MEC

Doutora em Educação, na linha Estado, Políticas e História da Educação,


pela UFG (2012). Mestre em Educação, na área de confluência Tecnologias
na Educação, pela UnB (2003). Especialista em Educação a Distância, CEAD/
UnB (2007). Especialista em Educação e Desenvolvimento, UnB (1998). Li-
cenciada em Letras pela UFRN (1994). Atuou como professora da Educação
Básica da Secretaria Estadual do RN, e, no Ministério da Educação, desde
1997, vem atuando na formulação, acompanhamento e avaliação de políticas
de formação dos profissionais da educação básica, sobretudo, em proces-
sos formativos por meio da EAD. Principais áreas de atuação: Coordenadora
Geral de Acompanhamento da Inclusão Escolar, na SECADI/MEC (2013-
2019), Coordenadora Geral de Formação e Capacitação em EAD, SEED/
MEC (2008-2009) e Coordenadora Geral de Articulação Institucional em
EAD, SEED/MEC (2005). De 2013 a 2019 atuou como Coordenadora Geral de
Acompanhamento da Inclusão Escolar, na Diretoria de Políticas de Educação
em Direitos Humanos e Cidadania (SECADI/MEC), sendo responsável pelo
acompanhamento da condicionalidade da educação do Programa Bolsa
Família e pela concepção e implantação da Iniciativa Educação, Pobreza e
Desigualdade Social, que articula formação continuada, apoio à pesquisa
acadêmica e difusão de conhecimento. Atualmente, na Semesp/MEC, é res-
ponsável pela área da educação do Bolsa Família. [simonemedeiros@mec.
gov.br]
Maria Cecília Luiz · Prefácio · UFSCAR
Doutora em Educação Escolar, pela Universidade Estadual de São Pau-
lo – UNESP/Araraquara (2004), bolsista CAPES. Mestre em Educação, pela
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (1999), bolsista CAPES. Licen-
ciada em Pedagogia pela UFSCar (1987). Atua como professora associada na
UFSCar, no Departamento de Educação. Professora credenciada do Progra-
ma de Pós-graduação em Educação PPGE/UFSCar, orientando mestrado e
doutorado. Coordena o Grupo de Pesquisa em Educação, Subjetividade e
Cultura (GEPESC – https://gepesc.ufscar.br/) com foco em três pesquisas:
Programa de mentoria e cooperação em gestão escolar (2019/2020); Violên-
cias e as perspectivas de estudantes do Ensino Fundamental Anos Finais e
Ensino Médio: experimentações em ateliês (2018/2019); e Efeitos da pobreza
e desigualdade social nas escolas do estado de São Paulo: análises quantita-
tivas e qualitativas (2018/2019). [mceluiz@gmail.com]

Ana Cristina Serafim da Silva · Capítulo 1 · UFT


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba,
UFPB. Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba,
UFPB. Professora do curso de Psicologia da Universidade Federal do Tocan-
tins, UFT. Coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Infância e
Adolescência, GEPIA. Atua nas temáticas: Trabalho infantojuvenil, Violência
sexual contra crianças e adolescentes, Rede de proteção dos direitos das
crianças e adolescentes, Psicologia sócio-histórica, Atuação da psicologia no
contexto do SUAS. [anacris_serafim@uft.edu.br]

Ana Carolina Pontes Costa · Capítulo 2 · UFMS


Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro – PUC-RIO . Professora adjunta da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul - UFMS. Líder do Grupo de Pesquisa em Pobreza, Educação e
Desempenho Escolar (GPEDE). [ana.costa@ufms.br]

Daiani Damm Tonetto Riedner · Capítulo 2 · UFMS


Pedagoga. Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educa-
ção da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Líder do Grupo de
Pesquisa em Educação, Tecnologias e Formação Docentes (Edutec/UFMS).
[daiani.riedner@ufms.br]

Suellen Maria Monteiro Rosa Marcos · Capítulo 2 · UFMS


Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul – Campus do Pantanal. Professora da Rede Municipal de Ensino de Co-
rumbá/MS. Pesquisadoras do Grupo de Pesquisa em Pobreza, Educação e
Desempenho Escolar (GPEDE). [suellen_monteiro1@hotmail.com]

Hemilly Santos de Arruda · Capítulo 2 · UFMS


Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul – Campus do Pantanal. Professora concursada da Rede Municipal de
Ensino de Corumbá/MS. Pesquisadoras do Grupo de Pesquisa em Pobreza,
Educação e Desempenho Escolar (GPEDE). [hemilly_mily18@hotmail.com]

Itamar Mendes da Silva · Capítulo 3 · UFES


Professor Associado do Departamento de Teorias e Práticas Educacio-
nais do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo Ufes
atuando na graduação e pós graduação. Formado em pedagogia e filosofia,
é mestre e doutor em educação (Currículo) pela PUC/SP e Pós-doutor em
Políticas, Educação, Formação e Sociedade pela Universidade Federal Flu-
minense. É diretor Estadual da Seção Espírito Santo da Anpae (Gestão 2019
2021) Líder do Grupo de Pesquisa: Gestão, Trabalho e Avaliação Educacional
– Getae; Vice Coordenador do Laboratório de Gestão da Educação Básica
do Espírito Santo – Lagebes; membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
Paulo Freire GEPPF. Foi professor na educação básica; Diretor do Depar-
tamento de Apoio Acadêmico (2012 – 2016) e Diretor do Departamento de
Desenvolvimento Pedagógico (2016 – 2018) da Pró reitoria de Graduação
da Ufes; Conselheiro Estadual de Educação do Espírito Santo (2012 - 2015).
[itamar.mendes@ufes.br]

Caroline Falco Fernandes Valpassos · Capítulo 3 · UFES


Pós-doutorado em Política Social na Universidade de Brasília (UNB). Dou-
tora em Educação pela Universidade de São Paulo e mestre em Educação
pela Universidade Federal do Espírito Santo. É pedagoga pela Universidade
Federal do Espírito Santo. Consultora na área da Infância, parentalidade e
educação. Foi diretora da Associação Nacional de Política e Administração
da Educação, sessão Espírito Santo (Gestão 2017-2019). Atuou na Gestão
pública municipal como professora da Educação Infantil, dos Anos iniciais
do Ensino Fundamental, e como Técnica de Planejamento da Prefeitura Mu-
nicipal de Vitória. Foi Gerente de Informação e Avaliação Educacional na
Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo. [cacauvalpassos@gmail.
com]

Dulcinea Campos Silva · Capítulo 3 · UFES


Possui graduação em pedagogia. Mestrado e Doutorado em Educa-
ção pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora do Centro de
Educação e do Curso de Licenciatura em Educação do Campo no Campus
Goiabeiras. Membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa de Leitura e Escrita
do Espírito Santo (Nepales); do Laboratório de Gestão da Educação Básica
do Espírito Santo (Lagebes). Grupo de Estudos e Pesquisas da Educação do
Campo (Gepeces) e Membro do Comitê Estadual de Educação do Campo
do Espírito Santo (Comeces). [dulcampos@gmail.com]

Eliana Andrade da Silva · Capítulo 4 · UFRN


Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (1999), mestrado em Serviço Social pela Universidade Fe-
deral de Pernambuco (2002) e doutorado em serviço social pela UFPE (2008).
Realizou estagio doutoral na Universidade Nova de Lisboa (2006) e estudos
na Fundazione Instituto Gramsci- Roma (2006). Realizou recentemente está-
gio de Pós-doutorado em Ciências Sociais pela UFCG (2019). Atualmente é
professora associada do departamento de serviço social da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência de docência e pesquisa
na área de Serviço Social, com ênfase em Fundamentos do Serviço Social.
Tem realizado estudos sobre os seguintes temas: Estudos do pensamento
de Antonio Gramsci, Questão Agrária, Assistência Técnica e Extensão Rural.
[andradelili@yahoo.com.br]

Kilza Fernanda Moreira de Viveiros · Capítulo 4 · UFRN


Possui doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Gran-
de do Norte e mestrado em Pedagogia Profissional pelo Centro Federal
de Educação Tecnológica do Maranhão (1999). Atualmente é docente da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em História da Educação, História e Política da
Educação Infantil, Fundamentos da Educação e Pedagogia Social. Coordena
o Grupo de Pesquisa Educação, Pobreza e Desigualdade Social da UFRN.
Atua na docência do curso de Pedagogia e desenvolve pesquisa na área de
fundamentos da educação, História da educação e práticas sócio-culturais.
[kilza.fernanda@hotmail.com]

Moisés Domingos Sobrinho · Capítulo 4 · UFRN


Doutor em Sociologia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica)
e pós-doutorado na Universidade de Valencia (Espanha). Professor vincula-
do ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN. Foi visitante no
Departamento de Didática das Ciências Experimentais da Universidade de
Valencia e consultor externo do Projeto de Pesquisa "Las marginaciones per-
sonales y la utilidad del saber escolar", do mesmo Departamento. [moises-
-sobrinho@uol.com.br]
Rosângela Alves de Oliveira · Capítulo 4 · UFRN
Possui graduação em servico social pela Universidade Federal da Paraíba
(1987), mestrado em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (2004)
e doutorado em Sociologia – Kssel Universität (2008). Atualmente é efetivo
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área
de Serviço Social, com ênfase em Serviço Social e Politica Social, atuando
principalmente nos seguintes temas: economia solidária, desenvolvimento
sustentável, serviço social, mulheres, familias monoparentais e incubadora.
[rosalavesbr@hotmail.com]

Marli Alcântara Ferreira Morais · Capítulo 5 · UFMA


Doutora em Políticas Públicas (UFMA). Professora aposentada do De-
partamento de Serviço Social, coordenou a implantaçõ e execução da Ini-
ciativa EPDS/UFMA no estado do Maranhao, em parceria com a UNDIME e
a Coordenação Estadual do Programa Bolsa Familia na Educação/SEDUC.
[marliferrais@gmail.com]

Maria Aparecida Milanez Cavalcante · Capítulo 6 · UFPI


Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da
Universidade Federal do Piauí – UFPI (2019). Mestra em Sociologia pela UFPI
(2014). Graduada em Serviço Social pela UFPI (2011). Atualmente bolsista de
doutorado pelo Programa de Demanda Social da Coordenação de Aperfei-
çoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. [cida_milanez@hotmail.
com]

Célio Chaves Eduardo Filho · Capítulo 6 · UFPI


Graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Es-
pecialista em Saúde Mental. Atua na área de Assistência Social e Direitos Hu-
manos. Atualmente exerce a função de Analista de Políticas Públicas Sociais
na Prefeitura de Sobral – Ceará. [chaves.celio@gmail.com]
Josélia Saraiva e Silva · Capítulo 6 · UFPI
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Nor-
te. Professora Associada do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino
da Universidade Federal do Piauí. Docente do Programa de Pós-graduação
em Geografia da UFPI. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em
Ensino de Geografia(NUPEG). [joseliasaraiva@yahoo.com.br]

Aline da Paixão Furtado · Capítulo 7 · UFPA


Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Fede-
ral do Pará (UFPA). Mestra em Políticas Públicas de Educação pelo Programa
de Pós Graduação em Educação (PPGED/UFPA) da Universidade Federal do
Pará (UFPA). [afpfurtado@gmail.com]

Marilena Loureiro da Silva · Capítulo 7 · UFPA


Pós-doutoranda em Educação Ambiental e Justiça Climática conduzida
pelo GPEA/PPGE/UFMT (2019), Doutora em Desenvolvimento Sustentável
(2005). Professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos NAEA/UFPA e
Coordenadora do Grupo de Estudos em Educação, Cultura e meio Ambien-
te – GEAM/NAEA/UFPA. Atua na área de Educação, Gestão e Planejamento
da Educação e Desenvolvimento, Educação Ambiental, Educação e Sus-
tentabilidade Regional, Planejamento e Gestão para a Sustentabilidade do
Desenvolvimento. [marilenaloureiro@yahoo.com.br]

Doracy Dias Aguiar de Carvalho · Capítulo 8 · UFT


Doutoranda em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB), Mestre
em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e Assistente Social
da UFT. Membro dos grupos de Estudo e Pesquisa: Práxis Socioeducativa
e Cultural (UFT); Democracia, Sociedade Civil e Serviço Social (GEPEDSS –
UnB) e Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação, Desigualdade Social e
Políticas Públicas (NEPED – UFT). [doracy@uft.edu.br]
Roberto Fransciso de Carvalho · Capítulo 8 · UFT
PhD em Políticas Públicas e Formação Humana (Universidade do Estado
do Rio de Janeiro/UERJ); Doutor e Mestre em Educação pela Universidade
Federal de Goiás (UFG); Professor Associado da Universidade Federal do To-
cantins (UFT)/Campus Universitário de Palmas – Cursos de Filosofia e Teatro;
Membro do corpo docente do Mestrado Profissional em Educação da UFT
(PPPGE); Pesquisador na área de Política/Gestão Educacional e Currículo,
vinculado ao Grupo de Estudo e Pesquisa Práxis Socioeducativa e Cultural
(Líder) e Grupo de Pesquisa em Educação, Políticas Públicas e Desigualda-
des Sociais (GEPEDS) e Rede Universitas/Br. [rcarvalho@uft.edu.br]

Elizamara Josiene da Silva · Capítulo 8 · UFT


Curso de Licenciatura em Filosofia, UFT – Campus de Palmas; Desen-
volveu Pesquisa PIBIC/CNPq. Desistiu do Curso de Filosofia e Ingressou no
Curso de Engenharia Civil/UFT. [elizamaram@yahoo.com]

Adir Valdemar Garcia · Capítulo 9 · UFSC


Doutor em Sociologia Política (2005) pela Universidade Federal de Santa
Catarina – UFSC. Pós-Doutorado em Política Social (2018) pela Universidade
de Brasília – UnB. Professor do Departamento de Estudos Especializados
em Educação da UFSC. Coordena o Grupo de Pesquisa Educação, Pobreza
e Desigualdade Social da UFSC. [adir.vg@ufsc.br]

Jaime Hillesheim · Capítulo 9 · UFSC


Doutor em Serviço Social (2015) pelo Programa de Pós-graduação em
Serviço Social da UFSC. Pós-doutorado pelo Programa de Pós-graduação
em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS – 2017/2018). Professor do Departamento de Serviço Social da Uni-
versidade Federal de Santa Catarina. [jaime.h@ufsc.br]
Tânia Regina Krüger · Capítulo 9 · UFSC
Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco
(2005). Pós-Doutorado em Ciências Sociais pelo Centro de Estudos Sociais
– CES – Universidade de Coimbra (2018). Docente Associada dos cursos de
graduação e pós-graduação do Departamento de Serviço Social da Univer-
sidade Federal de Santa Catarina. [tania.kruger@ufsc.br]

Maria Izabel Ribeiro · Capítulo 10 · UFBA


Graduação em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Mestrado e Doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da UFBA
com Doutoramento Sanduíche em Ciências da Educação na Universidade
do Porto, Portugal. Professora da Faculdade de Educação da UFBA. Pesqui-
sadora do Grupo de Pesquisa EPIS – Educação, Política, Indivíduo e Socie-
dade: leituras a partir da Pedagogia, da Psicologia e da Filosofia. Membro
do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. [maria.ribeiro@
ufba.br]

Selma Cristina Silva · Capítulo 10 · UFBA


Licenciatura em Ciências Sociais e Bacharelado em Sociologia pela Uni-
versidade Federal da Bahia (UFBA). Doutora em Ciências Sociais pelo Pro-
grama de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFBA. Realizou Doutorado
Sanduíche na École des Hautes Édutes en Sciences Sociales, em Paris/Fran-
ça. Pós-doutorado em sociologia e bolsista do Programa Nacional de Pós-
-doutorado da Capes na UFBA. Professora da Faculdade de Educação da
UFBA. Professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Ciências
Sociais. Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades
(CRH) da UFBA. [selmacsj@gmail.com]

Thaís Goldstein · Capítulo 10 · UFBA


Graduação em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo (IP – USP). Aprimoramento em Saúde Mental Multiprofissional
(CAPS – PIDA/US). Mestre em Antropologia pela Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia. Doutora em Psicolo-
gia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo IP-USP. Professora da Fa-
culdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED – UFBA).
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa EPIS: Educação, Política, Indivíduo e So-
ciedade: leituras a partir da Pedagogia, da Psicologia e da Filosofia. Membro
do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. [gold.thais@
gmail.com]

Emília Santos · Capítulo 10 · UFBA


Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia. Especia-
lização em andamento em Psicopedagogia e Educação Especial pela Facul-
dade Venda Nova do Imigrante (FAVENI). [soraia16pr@gmail.com]

Henari Lima · Capítulo 10 · UFBA


Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades pela Universidade Fede-
ral da Bahia. Graduação em Pedagogia em andamento pela Universidade
Federal da Bahia. [henari.olima@gmail.com]

Kelly Silva · Capítulo 10 · UFBA


Graduação em Geografia pela Universidade Federal da Bahia.
[kellycrs92@gmail.com]

Taiane Santos · Capítulo 10 · UFBA


Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia. Especia-
lização em Psicopedagogia Institucional pelo Centro de Estudos Avançados
em Pós Graduação e Pesquisa, CESAP. Especialização em andamento em Al-
fabetização e Letramento nas séries iniciais e na EJA pelo Centro de Estudos
Avançados em Pós Graduação e Pesquisa, CESAP. [taianelopess@gmail.com]

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