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ANTONIO ROBSON DE OLIVEIRA ALVES

NARRATIVAS DE CRIMES: VIOLÊNCIA, DESORDEM E BANDITISMO EM


MOSSORÓ NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1910 – 1930)

MOSSORÓ
2020
ANTONIO ROBSON DE OLIVEIRA ALVES

NARRATIVAS DE CRIMES: VIOLÊNCIA, DESORDEM E BANDITISMO EM


MOSSORÓ NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1910 – 1930)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais e Humanas, da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte,
para a obtenção do título de Mestre em Ciências
Sociais e Humanas.

ORIENTADOR: Dr. Francisco Linhares Fonteles


Neto

MOSSORÓ
2020
ANTONIO ROBSON DE OLIVEIRA ALVES

NARRATIVAS DE CRIMES: VIOLÊNCIA, DESORDEM E BANDITISMO EM


MOSSORÓ NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1910 – 1930)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais e Humanas, da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte,
para a obtenção do título de Mestre em Ciências
Sociais e Humanas.

Orientador: Dr. Francisco Linhares Fonteles Neto

Aprovado em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________
Professor Dr. Francisco Linhares Fonteles Neto (Orientador)
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN

________________________________________________
Professor Dr. Carlos Eduardo Martins Torcato
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN

_________________________________________________
Professor Dr. Tyrone Apollo Pontes Cândido
Universidade Estadual do Ceará – UECE
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

O48n Oliveira Alves, Antonio Robson de


Narrativas de Crimes: Violência, desordem e
banditismo em Mossoró na Primeira República (1910 -
1930). / Antonio Robson de Oliveira Alves. - Mossoró/RN,
2020.
136p.

Orientador(a): Prof. Dr. Francisco Linhares Fonteles


Neto.
Dissertação (Mestrado em Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais e Humanas).
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

1. Mossoró/RN. 2. Flagelados. 3. Cangaceiros. 4.


Imprensa. 5. Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais e Humanas. I. Fonteles Neto, Francisco Linhares.
II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III.
Título.
Para o meu amado filho,
Davi Lucas. Quando você
nasceu, eu renasci.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, que me deu forças, reanimando-me em


vários momentos dessa caminhada. A Ele seja dada toda glória, toda honra e louvor. Sem
a sua presença em meu viver, eu nada seria, nada teria, nada existiria, se, aqui estou, devo
ao pai criador que sempre me amou.
Aos professores do Departamento de História (DHI) da Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte (UERN), campus central, que fomentaram tantas discussões
essenciais, e formaram em mim um espírito crítico e pensante.
Ao professor Dr. Francisco Fabiano (UERN) e ao professor Dr. Lindercy Lins
(UERN), pelas contribuições cirúrgicas no embrião deste trabalho, ainda no projeto, que
me conduziram para outros olhares mais acurados sobre as fontes, a imprensa e a cidade.
Vocês foram, e são inspiração.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela
bolsa no primeiro ano do mestrado, que propiciou a um jovem estudante empenhar-se e
melhorar enquanto pesquisador e profissional.
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas
(PPGCSH), pela abertura de uma porta importante em minha vida. Agora, irei trilhar com
mais criticidade, alteridade e força os caminhos do meu ofício. Além disso, agradeço a
todos os docentes do programa, pelo profissionalismo e dedicação que fizeram desses
anos bastante produtivos e memoráveis.
Aos colegas do mestrado por todas as risadas, conversas e, claro, discussões que
foram vivenciadas ao longo desses anos. Ter sido colega e amigo de vocês, para mim, foi
uma honra e sempre levarei no meu coração aquilo que aprendi com cada um.
Ao Centro Educacional de Aprendizagem Moderna (CEAMO), por ser um espaço
que possibilita a discussão e onde aprendo todos os dias como ser professor e aluno ao
mesmo tempo. A cada professor, funcionário e, claro, aos meus alunos, agradeço pelo
que tenho vivido e aprendido.
À Karine Maria, integrante do grupo de pesquisa “Os espaços da Modernidade”,
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sob coordenação do professor
Dr. Raimundo Arrais. Karine não mediu esforços em auxiliar-me, concedendo-me acesso
ao acervo do jornal A República, tão essencial para o desenvolvimento deste trabalho.
Ao professor Dr. Carlos Torcato (UERN) e ao professor Dr. Marcos Bretas
(UFRJ), pelas ótimas contribuições na qualificação, as quais foram de suma importância
no bom desenvolvimento deste resultado.
Ao professor Dr. Francisco Linhares (UERN), meu orientador e amigo, que esteve
desde a concepção do projeto, no seu desenrolar e amadurecimento, até o momento em
que este deixa de ser embrião e desabrocha enquanto pesquisa cientifica. Suas
contribuições, críticas e sugestões foram o combustível que aqueceu este trabalho e, por
isso, devo minha gratidão. Obrigado, Linhares, és um exemplo de profissional e
pesquisador.
Agradeço, também, a cada amigo, de perto ou de longe, que sempre torceram por
mim, ajudando-me em todos os momentos difíceis, trazendo conforto e alívio em cada
situação. Quero externar meu agradecimento em especial a Tiago e a Marcos (Marquim),
que, no momento da aprovação no mestrado, vibraram comigo e, agora, ao caminhar ao
final deste, estão ao meu lado, apoiando-me.
Aos meus familiares, que sempre acreditaram na minha capacidade e
competência. Eu sempre pude encontrar em vocês palavras de alento e de encorajamento.
Nesse momento, demonstro gratidão ao meu avô Aldo (in memoriam), que, com seu jeito
bondoso e afável, fez-me querer ser um homem semelhante ao que ele foi.
Agradeço ao meu pai, José Robério, pelo apoio incondicional em todos os
momentos até aqui, por me ouvir, aconselhar-me e, mesmo distante, tentar ser presente.
O resultado desta investigação tem intima ligação com suas orações e palavras amigas,
pai.
Ao meu irmão, Mizael, que fez mais do que eu merecia, que foi além de suas
incumbências apenas para me ajudar desde o início de tudo. Aos momentos de idas ao
museu, de pesquisas na hemeroteca digital, de leituras e até sugestões, devo a você grande
parte desta pesquisa.
À minha amada mãe, Micilene, pelo ser que é, pelo ser que sempre foi e será. Eu
não tenho como expressar, em palavras, tudo aquilo que deveria ser dito, mas o não-dito,
fala, e fala muito. Obrigado por acreditar, orar, chorar, rir, brigar e por ser mãe, em todos
os momentos. Aqui jaz um pouco, muito pouco, do que se encontra no meu coração.
Agradeço ao meu pequeno e grande amor, Davi Lucas, filho amado, anjo em
minha vida. Seu sorriso e sua existência me concede diariamente oxigênio para viver. Sua
companhia me deu forças em todos os momentos de dificuldade e, apesar de ser tão
pequeno, possui a capacidade de transformar a tristeza em alegria, a tormenta em
calmaria.
Agradeço a minha amada esposa, Miriangela, por todo apoio dado do início ao
fim desse trabalho e por ser minha companheira em tantas tribulações e angústias.
Trilhamos há tanto tempo um caminho que ainda não sabemos aonde nos levará, mas
aonde ele nos levar, estaremos juntos, eu e você. Obrigado pelo cuidado, pela coragem e
pelo amor. Se estamos aqui, se chegamos até aqui, é porque nos ajudou o Senhor.
RESUMO

O período que compreende o final do século XIX e início do XX é arraigado por


movimentações no corpo social, transformações na economia e implantação do regime
republicano no Brasil. Nesse processo de mudanças, um dos veículos que se instala como
difusor dos ideários prevalecentes no período é o jornal. Dentro desse contexto,
Mossoró/RN desponta como uma das cidades mais importantes da região Oeste Potiguar,
no Rio Grande do Norte, fato que é percebido devido ao crescimento econômico advindo
das relações comerciais com as cidades mais próximas. Esta pesquisa visa percorrer as
páginas dos impressos que circulavam em Mossoró entre o final do século XIX e início
do XX, buscando entender as narrativas em torno dos flagelados da seca e sobre os
cangaceiros que, recorrentemente, apareciam em notícias, trazendo medo e apreensão
entre os munícipes. Nosso foco será perscrutar o olhar que é construído sobre a figura do
estrangeiro, que entra no solo citadino e se estabelece como hiato para o crescimento
local. Os retirantes, que vão ser noticiados no final do século XIX, aparecem como
destoantes para o progresso requerido e os cangaceiros, narrados pela imprensa nos
primeiros decênios do século XX, como perigosos e ultrajantes, fato que é percebido no
ataque de Lampião a Mossoró no ano de 1927 e que aparece massivamente nos impressos
aqui analisados.
Palavras-chaves: Mossoró/RN. Flagelados. Cangaceiros. Imprensa.
ABSTRACT

The period comprising the late nineteenth and early twentieth centuries is
accustomed by movements in the social body, transformations in the economy and
implantation of the republican regime in Brazil. In this process of changes one of the
vehicles that installs itself like diffuser of the prevailing ideas in the period is the
newspaper. It is within this context that Mossoró/RN emerges as one of the most
important cities of the West Potiguar region, a fact that is perceived due to the economic
growth coming from the commercial relations with the nearest cities. This research aims
to go through the pages of the printed ones that circulated in Mossoró between the end of
century XIX and beginning of the XX, seeking to understand the narratives surrounding
the flagelados of the drought and about the cangaceiros who recurrently appeared in news
bringing fear and apprehension among the citizens. Our focus will be to examine the look
that is built on the figure of the foreigner, who enters the city soil and establishes itself as
a hiatus for local growth. The foreigners, which will be reported at the end of the 19th
century, appear to be at odds with the required progress and the cangaceiros, narrated by
the press in the first decades of the 20th century, as dangerous and outrageous, a fact that
is noticed in Lampião's attack on Mossoró in 1927 and that appears massively in the
printed materials analyzed here.
Keywords: Mossoró/RN. Flagelados. Cangaceiros. Press.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 13

1.1 INQUIETAÇÕES E MOTIVAÇÕES .................................................................. 13

1.2 HORIZONTE TEÓRICO E FONTES.................................................................. 14

1.3 DISPOSIÇÃO DOS CAPÍTULOS ....................................................................... 21

1.3.1 Capítulo I - O contexto, a cidade e os personagens ...................................... 21

1.3.2 Capítulo II – Violência, medo e banditismo .................................................. 23

1.3.3 Capítulo III – A vitória, as incertezas e o moribundo .................................. 24

2 CAPÍTULO I – O CONTEXTO, A CIDADE E OS PERSONAGENS ................ 26

2.1 O CONTEXTO ..................................................................................................... 26

2.2 A CIDADE ........................................................................................................... 37

2.2.1 Uma cidade singular: Mossoró no final do século XIX e início do XX ....... 39

2.3 OS PERSONAGENS............................................................................................ 47

3 CAPÍTULO II - VIOLÊNCIA, MEDO E BANDITISMO .................................... 61

3.1 “TERRAS DESCONHECIDAS”: SERTÃO, SERTANEJO E O


CANGACEIRO.... ...................................................................................................... 61

3.2 NO CALOR DA NOTÍCIA: A IMPRENSA, O CANGAÇO E LAMPIÃO ....... 78

3.3 A TEMPESTADE SE AVIZINHA: RELATOS DA IMPRENSA SOBRE


LAMPIÃO EM 1927 .................................................................................................. 89

3.4 É CHEGADA A HORA: ATAQUE DE LAMPIÃO À MOSSORÓ EM


1927.............................................................................................................................93

4 CAPÍTULO III – A VITÓRIA, AS INCERTEZAS E O MORIBUNDO .......... 101

4.1 O LOUVOR À VITÓRIA: A RESISTÊNCIA MOSSOROENSE ESTAMPADA


NAS PÁGINAS DOS IMPRESSOS ........................................................................ 101

4.2 UM MORIBUNDO DISTINTO: JARARACA E OS RELATOS SOBRE SUA


PRISÃO E MORTE ................................................................................................. 108

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 120


6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 124
1 INTRODUÇÃO

1.1 INQUIETAÇÕES E MOTIVAÇÕES

O interesse pela temática que recai nesta pesquisa tem relação com o desejo de conhecer
o passado. O vínculo que tenho com a temática escolhida já vem sendo delineado desde o
período da graduação, momento oportuno para alicerçar nosso conhecimento histórico, ter
contato com a teoria que rege nosso ofício, além das dificuldades e incertezas que movem o
historiador. A pesquisa empreendida durante o processo que culminaria na Monografia teve
como espaço de amparo projetos de iniciação cientifica que moveram minha atenção para uma
relação intricada entre a cidade de Mossoró, a memória do cangaço e os usos que são feitos
destas pelo poder público local a fim de angariar recursos para a cidade1.
No processo seguinte, alguns trabalhos foram elaborados a partir da Monografia, os
quais foram sendo publicados no intuito de tornar conhecida a pesquisa empreendida durante
os anos da graduação2. No contato constante com os jornais do período que compreendem os
anos de 1970 e 1980, percebemos o apego aos primórdios do jornal O Mossoroense e à imprensa
de Mossoró na transição do século XIX para o XX. Com isso, nossa atenção voltou-se, de
imediato, para esses impressos, a fim de entender a importância destes para a propagação de
memórias e para a formação de uma identidade local pautada na luta, resistência e destreza do
povo mossoroense. Dessa feita, postulamos uma nova pesquisa, buscando entender as
narrativas na gênese da imprensa mossoroense. Nesse contexto, procuramos perceber os
entraves que constituíram sua escrita desde o início, entendendo o contexto histórico que
abarcava as notícias e os processos políticos que circundaram essas narrativas. Com isso,
visamos extrair informações importantes na compreensão dos mossoroenses, além de perceber
como estes se sentem em relação aos periódicos.

1
Os projetos em questão foram: “Labirintos da memória: os intelectuais e a construção da memória sobre o
cangaço em Mossoró”, no ano de 2014 e o projeto “Cangaço, Lampião e Turismo: a memória do cangaço a
serviço do turismo na cidade de Mossoró/RN”, com término no ano de 2016, além destes projetos de Iniciação
Cientifica, corroborou também o Programa de Iniciação à Docência – PIBID – que, tinha como norte, a discussão
da história local nas escolas parceiras, do qual também fiz parte, do ano de 2014 até 2017, todos os projetos e
atividades foram orientadas pelo professor Dr. Lemuel Rodrigues da Silva.
2
Os trabalhos em questão, foram: ALVES, Robson de Oliveira. A memória em foco: O uso da memória do cangaço
a serviço do turismo na cidade de Mossoró/RN. Temporalidades – Revista de História (UFMG), Edição 25, V.
9, N. 3 (set./dez. 2017); ALVES, Robson de Oliveira. LUGARES DE MEMÓRIA: A RELAÇÃO ENTRE A
MEMÓRIA E OS ESPAÇOS FÍSICOS EM MOSSORÓ/RN. Revista Eletrônica Discente História.com,
Cachoeira, v. 4, n. 8, p. 95-107. 2017; ALVES, Robson de Oliveira. Jornal O Mossoroense: construção da memória
do cangaço em Mossoró/RN durante a década de 1970. Aedos, Porto Alegre, v. 10, n. 23, p. 152-169, Dez. 2018
13
De imediato, somos direcionados ao jornal mais importante da história de Mossoró: O
Mossoroense. Este, desde seu primórdio, que data o final do século XIX, tem como base
principal grupos intelectuais que regem a política municipal desde o início do século XX. O
intuito era perceber como esse impresso, relacionando-o aos demais que circulavam no mesmo
período, narra os principais eventos e ocorrências da cidade. Ademais, como essa narrativa
obedecia a princípios norteadores desses grupos, e como esse impresso (e os demais) conduzia
seus escritos a favor desses sujeitos, postulando-os como pais da cidade, necessários para o
desenvolvimento e progresso de Mossoró3.
Baseando-se nisso, as pesquisas, em virtude das ações delituosas nos impressos
começaram a voltar-se a alguns momentos particulares. Para a imprensa local, esses crimes
atrasariam o progresso desejado e tão requerido pelas elites locais. Com isso, em vários
momentos, percebemos o tom agressivo e contrário que as notícias possuíam em relação às
contravenções, moldando o debate e buscando integrar um olhar tipificado da população em
relação a esses crimes. Destarte, entendemos que o discurso proferido pela imprensa, ao
enaltecer grupos políticos locais, tem relação profunda com se portar contra os crimes e se
estabelecer como porta-voz desse sentimento de revolta e sedição.
Nesse contexto, esta pesquisa foi, então, ganhando corpo conforme o apanhado de
fontes, que nos possibilitou formar questões importantes para a compreensão da história da
cidade, dos impressos e do crime no município. Dentre esses questionamentos, estão: Qual o
papel da imprensa em Mossoró? Qual sua função principal? Quais as estratégias narrativas que
são utilizadas pelos impressos na divulgação de notícias? Como o crime aparece dentro dessas
notícias? Quem são os sujeitos considerados criminosos em Mossoró? Como o combate ao
crime, perpetrado pela própria imprensa, contribuiu para o enaltecimento da cidade e,
consequentemente, dos grupos políticos locais? Diante dessas questões, este estudo surgiu, e
buscou, nestas páginas, investigar os pormenores da história de Mossoró e dos seus impressos.

1.2 HORIZONTE TEÓRICO E FONTES

3
O exemplo dessa assertiva é a família Rosado que se mantém no poder municipal desde o início do século XX,
desde então seus membros já compuseram não apenas os principais cargos políticos locais, como também do
Estado, estabelecendo um ideário na cidade de sujeitos que nasceram pra isso e que são essenciais para o
desenvolvimento mossoroense. Para uma discussão mais fundamentada, ver: FERNANDES, Paula Rejane. A
escrita de si do intelectual Jerônimo Vingt-un Rosado Maia: arquivos pessoais e relações de poder na cidade
de Mossoró (RN) – 1920-2005. Vitória. (Tese de Doutorado), 2014; SILVA, Lemuel Rodrigues da. Os Rosados
encenam: estratégias e instrumentos da consolidação do mando. Mossoró: Queima Bucha, 2004; FALCÃO,
Marcílio Lima. No labirinto da memória: fabricação e uso político do passado em Mossoró pelas famílias
Escóssia e Rosado (1902 – 2002). (Tese de Doutorado) USP, São Paulo, 2018.
14
A relação entre passado e presente, por vezes, configura-se como difusa e indefinida.
Nos tramites da pesquisa histórica, tal interação moveu olhares e mentes na busca por explicar
como o passado se liga, ainda, ao presente4 e, mais que isso, como essa interlocução redefine
visões e influencia ações. É pensando nessa interação intricada que Eric Hobsbawm busca
entender a relação existente entre os homens e o próprio passado. Para tanto, ele evidencia que
esse diálogo representa uma marca profunda das raízes culturais que perfazem a vida humana
em suas relações política/social e, nesse emaranhado inextrincável, o historiador tem como
responsabilidade inquirir sobre como esse passado influencia o presente e denota uma
similitude entre ambos. Desse modo, Hobsbawn escreve:

Todo ser humano tem consciência do passado (definido como o período


imediatamente anterior aos eventos registrados na memória de um indivíduo) em
virtude de viver com pessoas mais velhas. Provavelmente todas as sociedades que
interessam ao historiador tenham um passado, pois mesmo as colônias mais
inovadoras são povoadas por pessoas oriundas de alguma sociedade que já conta com
uma longa história. Ser membro de uma comunidade humana é situar-se em relação
ao passado (ou da comunidade), ainda que apenas para rejeitá-lo. O passado é,
portanto, uma dimensão permanente da consciência humana, um componente
inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana. O problema
para os historiadores é analisar a natureza desse “sentido do passado” na sociedade e
localizar suas mudanças e transformações (HOBSBAWM, 1998, p. 2).

Em consonância com as palavras desse historiador, entendemos, então, que o passado


não é inerte, ao contrário, é um ato permanente, destituído de uma força estática que o mantém
fixo, preso ao tempo e morto. A ramificação do passado circunscreve-se em torno dos agentes,
os quais vivenciaram, ouviram e reproduziram as histórias e experiências de um dado momento
histórico que era presente, mas que, logo, tornou-se passado. Dito isso, podemos inferir que tal
passado é vivido e não está apático quanto ao presente.
Olhar para o passado é sempre um desafio. Buscar compreender os processos históricos,
ocorrências que se sucederam e vivencias de outrem, inquieta-nos. De certo, a escrita da história

4
Várias obras e estudos buscaram tratar da questão do “tempo histórico”. Tal temática traz, dentro de seus densos
conceitos, a relação entre o passado e o presente. Nesse sentido, entender essa imbricada interação é, antes de tudo,
compreender como o tempo histórico nas mentalidades humanas se estabelece. Para Koselleck, em sua obra
“Vergangene Zukunf” (Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos), é na distinção existente
entre passado e futuro que o tempo histórico se constitui. Ver: KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado:
Contribuição à semântica dos tempos históricos; tradução, Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira; revisão
César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto-Ed. PUC-Rio, 2006. O historiador José Carlos Reis discute também,
como as noções sobre o tempo histórico evidenciam um dissenso entre os historiadores, como é o caso de Paul
Ricouer, dos Annales e de Koselleck. Ver: REIS, José Carlos. História & teoria: historicismo, modernidade,
temporalidade e verdade. Rio de Janeiro: Editora FVG, 2006, p. 198.
15
é um parto difícil5 e tentar explicar processos que não foram vivenciados por nós, mas por
outros, torna-se uma ação árdua e laboriosa. Edward Palmer Thompson, escrevendo sobre
sujeitos esquecidos e relegados ao acaso, informa-nos que

[...] a história não pode ser comparada a um túnel por onde um trem expresso corre
até levar sua carga de passageiros em direção a planícies ensolaradas. Ou então, caso
o seja, gerações após gerações de passageiros nascem, vivem na escuridão e, enquanto
o trem ainda está no interior do túnel, aí também morrem. Um historiador deve estar
decididamente interessado, muito além do permitido pelos teleologistas, na qualidade
de vida, nos sofrimentos e satisfações daqueles que vivem e morrem em tempo não
redimido (THOMPSON, 2012, p. 21).

Que história devemos contar? Talvez seja esse o ponto em que Thompson alicerçou suas
palavras. Temos como responsabilidade escrever sobre aquilo que muitos não quiseram,
desejaram ou tiveram interesse em fazer. Como ele – Thompson – fez em sua celebre obra A
formação da classe operária inglesa, em que, num discurso enfático, direciona nossa atenção
sobre alguns sujeitos que viviam à margem da pesquisa historiográfica. Assim, o autor nos diz
que:

Estou tentando resgatar o pobre tecelão de malhas, o meeiro luddita, o tecelão do


“obsoleto” tear manual, o artesão “utópico” e mesmo o iludido seguidor de Joanna
Southcott, dos imensos ares superiores de condescendência da posteridade. Seus
ofícios e tradições podiam estar desaparecendo. Sua hostilidade diante do novo
industrialismo podia ser retrógrada. Seus ideais comunitários podiam ser fantasiosos.
Suas conspirações insurrecionais podiam ser temerárias. Mas eles viveram nesses
tempos de aguda perturbação social, e nós não. Suas aspirações eram válidas nos
termos de sua própria experiência; se foram vítimas acidentais da história, continuam
a ser condenados em vida, vítimas acidentais (THOMPSON, 2011, p. 14).

Sejam os operários, pesquisados por Thompson, os loucos, pesquisados por Michel


Foucault6, ou ainda, a vida simples e ordinária de um estagiário de uma gráfica na França do
século XVIII, Nicolas Contat, pesquisada por Robert Darnton7, somos impelidos por
investigações que tiveram como interesse principal entender processos complexos, baseando-
se em sujeitos que vivenciaram essas realidades, mas que, na simplicidade de suas vidas, não
tiveram suas histórias contadas. Jim Sharpe, num artigo singular publicado no livro organizado
por Peter Burke, A escrita da História, aproxima-nos da história vista por baixo ao relatar sobre
a vida de um soldado chamado William Wheeler, o qual, através de cartas descreveu as

5
Ver: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado – Ensaios de teoria
da história. 1 ed. Baurú: EDUSC, 2007.
6
FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. Editora Forense Universitária, Rio de Janeiro/RJ, 1980.
7
DARNTON, Robert. O Grande Massacre de Gatos e outros episódios da História Cultural Francesa. 2ª. ed.
Rio de Janeiro. Graal. 1986
16
angústias, sofrimentos e realidades vividas durante a guerra. Sharpe busca mostrar que é
possível conhecer a história de um determinado evento e período partindo não do suntuoso e
tradicional, mas da percepção de um soldado comum e suas vivências8.
O panorama apresentado tem como escopo a escolha feita nesta pesquisa de pensar sobre
crimes, medo, sujeitos controversos e marginalizados. O criminoso é uma figura singular, traz
consigo inúmeros adjetivos e percepções do corpo social. Tais adjetivos e percepções são lhe
conferidos a partir de preceitos estabelecidos na sociedade que, quando quebrados, fomentam
medo, estranheza e repreensão. Émile Durkheim concede-nos uma visão sui generis sobre o
crime, pois, para ele, o crime “ofende certos sentimentos coletivos dotados de uma energia e de
uma clareza particulares” (DURKHEIM, 1978, p. 120). Em contrapartida, pensar o eco deixado
pelos delitos é partir para o campo da pena, das leis e do controle sobre o crime. Nesse cenário,
o sociólogo Marcos César Alvarez faz-nos refletir sobre a pena ser “a reação coletiva que,
embora aparentemente voltada para o criminoso, visa na realidade reforçar a solidariedade
social entre os demais membros da sociedade e, consequentemente garantir a integração social”
(ALVAREZ, 2004, p. 169).
O desejo de disciplinar, controlar e reprimir faz parte das políticas de controle social
contemporâneas, que, como pensou Foucault, não é mais no corpo, como no antigo regime,
através dos suplícios, mas na “alma”, dentro dos muros das prisões e na vida das pessoas
ordinárias, como nas fábricas, escolas e hospitais9. O ato de restringir e vigiar as ações do corpo
social fomenta, no Estado, a preocupação latente em controlar os impulsos transgressores dos
sujeitos. Tal coerção está dentro de um processo histórico longo e heterogêneo, como nos
mostra Muchembled, em seu estudo sobre a violência na Europa Ocidental desde a Idade Média
até a contemporaneidade, em que o autor conseguiu perceber as mutações ocorridas naquela
sociedade através de mutações de ordem cultural que possibilitaram mudanças nas ações dos
sujeitos em relação ao outro. Muchembled discorre que houve uma

Diminuição dos conflitos opondo jovens do sexo masculino, os da elite, que se


matavam, frequentemente, em duelo, assim como os do povo, que multiplicavam as
confrontações viris e os combates com arma branca nos lugares coletivos. As
explicações devem ser buscadas na mutação radical da noção masculina de honra e
no apaziguamento das relações humanas, primeiramente no lugar público, depois,
mais lentamente, na vida familiar, durante um processo de “civilização dos costumes”,
de que Norbert Elias se fez o teórico (MUCHEMBLED, 2012, p. 9).

8
Cf. SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter. A escrita da História: novas perspectivas.
Tradução de Magda Lopes. – São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992.
9
Cf. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977
17
Como aponta o autor, não foi um processo rápido, ao contrário, levou séculos para que
houvesse um remodelamento nos comportamentos individuais, levando os indivíduos a
modificarem suas relações e, com isso, a diminuição das mortes violentas passou a ser uma
realidade. Nesse viés, podemos tomar Nobert Elias como referência para se pensar as mudanças
comportamentais ocorridas na Europa no processo de longa duração, onde os costumes foram
os lócus principais para tal ocorrência. Elias é conhecido, comumente, pelo seu modelo de
abordagem que investiga as mudanças dos costumes na Europa, designado processo
civilizador10. Esse modelo revela que, durante vários séculos, houve modificações na estrutura
da sociedade, mudanças psicológicas que se materializaram em novos modos de
comportamento. Essa metamorfose, sofrida pela Europa, trouxe consigo uma diminuição dos
impulsos para uma racionalização do modo de se viver em sociedade.
O universo do cotidiano entraria em discussão e seria nele que o Estado usaria
mecanismos de regulação para aplacar os maus hábitos dos camponeses. É dentro desse
contexto que se percebe as modificações paulatinas no portar-se, na criação de procedimentos
à mesa e na companhia de outros, visando, com isso, inserir novas formas de agir e ser nos
indivíduos. O processo que Elias elenca como civilizador pode ser entendido como um regime
de pacificação que vai adentrando ao imagético, inserindo novos hábitos e concedendo
mudanças significativas coadunadas à vida das pessoas, tanto dos camponeses quanto da corte
da Europa. Tais vicissitudes, que trouxeram mudanças e alterações para o corpo social, fazem
parte de um interesse em controlar pulsões, desejos e ações que fomentariam o caos e a
incivilidade, fato que preocupava o Estado, tornando-se necessário mitigar essas emoções.
O panorama apresentado por Elias faz parte de um processo de longa duração11, assim,
as mudanças que ocorreram no interior dos sujeitos e perpassaram entre os séculos, alcançam a
nossa contemporaneidade, e aquilo que não se coaduna a elas, são excluídos, condenados e
marginalizados. O que não é civilizado é o inverso: incivilizado. Inúmeras populações nativas
da América Central e do Sul foram exterminadas sobre o pretexto de não comporem o panteão
civilizacional dos povos europeus. Aquilo que é incivilizado traz medo, causa estranheza e

10
ELIAS, Nobert. O processo civilizador: a formação do estado e civilização. Vol 2. São Paulo: Zahar, 1994
11
Na História, o que seria uma mensuração de tempo longa duração, passa a ser entendido também como conceito,
o qual ganhou maior espaço a partir dos Annales e Braudel. Nas palavras de José Carlos Reis “A longa duração é
a tradução, para a linguagem temporal dos historiadores, da estrutura atemporal dos sociólogos, antropólogos e
linguistas. Cf. REIS, José Carlos. História & teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de
Janeiro: Editora FVG, 2006, p. 198. Ver também as obras: DOSSE, François. A História em migalhas: dos
Annales à Nova História. 2ª ed. Editora da Unicamp, São Paulo, 1994. BRAUDEL, Fernand. História e Ciências
Sociais. Revista de História, vol. XXX, nº 62, São Paulo, 1965.
18
repulsa. Sob esses argumentos, o outro passa a ser figura exótica e sua extinção faz parte de um
projeto civilizador.
Baseando-se nisso, esta pesquisa envereda por um dos conceitos mais complexos e
estudados na História: o medo. Fomentar uma discussão que toma o medo como primazia é
enveredar pelos caminhos do imagético dos sujeitos que temem; seja a morte; seja o
esquecimento. É analisar, no curso da história, as transformações ocorridas pelo receio do
estranho, do outro. É perceber que, no percurso dos povos, a exclusão do outro sempre foi uma
política fundamental para a supressão de culturas e costumes 12. O medo não é algo irreal, não
é apenas um espectro que paira no ar e se estabelece no imagético das pessoas do acaso, ao
contrário, é enraizado nas pessoas. Isso fica evidente no título da obra de Jakov Lind, La peur
est ma racine (1974), que apresenta o medo de uma criança judia de Viena quando conhece o
antissemitismo, ou como diria Delpierre, em sua obra La peur et l’être, o medo “nasceu com o
homem na mais obscura das eras” (DELPIERRE, 1974, p. 27).
Através de Nobert Elias, em Os Estabelecidos e os Outsiders, aprendemos que é por
meio das relações de poder, concretizas em discursos e ações, que o status de estabelecido é
dado para uns e o de Outsiders é dado para o outro13. Como numa encenação, numa peça de
teatro, criamos personagens, representações que adentram ao imagético e que perfazem nosso
olhar sobre o outro14, instituindo visões construídas a partir de nossa visão de mundo,
angariadas das experiências vividas e que estão embutidas dentro de nós. O medo do outro, do
diferente, faz com que nos enclausuremos em nossas verdades e mundo. Zygmunt Bauman,
discorrendo sobre medo e insegurança, apresenta-nos a seguinte questão:

A insegurança moderna, em suas várias manifestações, é caracterizada pelo medo dos


crimes e dos criminosos. Suspeitamos dos outros e de suas intenções, nos recusamos
a confiar (ou não conseguimos fazê-lo) na constância e na regularidade da
solidariedade humana (BAUMAN, 2009, p. 2).

12
Fato comentado por Todorov e Serge Gruzinski quando retomam o extermínio ocorrido nas américas para a
implantação de uma nova cultura: a europeia. Ver: GRUZINSKI, Serge. La Colonización del imaginario:
Sociedad Indígenas y Occidentalización en el Mexico Español, Siglos XVI – XVIII. México: Fondo de Cultura
Económica, 1991; TODOROV, Tzvetan. A conquista da América. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
13
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os Estabelecidos e os Outsiders: sociologia das relações de poder a
partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000
14
Erving Goffman trabalha a ideia de que o “eu”, dentro da sociedade, cria representações de si mesmo e dos
outros, partindo da premissa que algumas coisas se apresentam como reais, e outras como encenações. Como numa
peça teatral onde os atores representam uma realidade que embora fictícia, possuem facetas da realidade, no caso
da vida física e real, os sujeitos representam aquilo que desejariam que se tornasse real, bem como suas visões dos
outros partem desse mesmo anseio, assim os indivíduos estão invariavelmente trocando informações sobre outros
e concedendo informes sobre sua própria vida (p.11). Cf. GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida
cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1985.
19
Baseados em um medo que se torna a premissa do nosso olhar para o outro, criamos o
criminoso. Tudo aquilo que não faz parte das nossas redes de parentesco, amizade e
conhecimento torna-se estrangeiro, passível de julgamento e condenação. Essa realidade é
percebida no Brasil desde o período colonial com os tribunais da inquisição, os quais relegavam
aos insurretos que iam contra o ordenamento religioso e jurídico o status de criminosos. Gizlene
Neder (2000) atribui a permanência do medo e da visão contra o diferente à herança histórica-
cultural das fantasias de controle total do absolutismo português, que desembocam em práticas
pedagógicas, jurídicas e religiosas que inculcam uma determinada visão sobre direitos,
disciplina e ordem. Para além da realidade colonial, no império, as revoltas e insurreições
geraram o medo de existir, a qualquer momento, uma revolução por parte dos escravos, e que
essa tomasse o rumo do que havia ocorrido no Haiti (1791 – 1804), onde os escravos tomaram
o poder e massacraram os seus senhores.
Uma ocorrência no período imperial que evidencia esse medo foi a Revolta dos Malês,
ocorrida em Salvador, na Bahia, em 1835. Segundo João José dos Reis (1986), alguns fatores
foram cruciais para que Salvador se tornasse palco de inúmeras revoltas: o aumento nas
importações de africanos, a intensificação do trabalho e o clima de divisão entre os
trabalhadores. Para Vera Malaguti Batista, a Revolta dos Malês “foi um marco no imaginário
do medo naquela época” (BATISTA, 2014, p. 25), fazendo-se presente até o período
republicano. O medo do negro é recorrente na história do Brasil, perpassando por todos os
regimes que regeram o país. No caso da República, a abolição da escravidão colocou o negro
como figura de impasse ao civilismo e progresso. As elites cariocas viam o caos perpetrado por
esse seguimento como hiato para os desígnios de crescimento e modernidade tão desejados15.
Observando a Mossoró do século XX, nosso recorte espacial, somos informados de uma
cidade que crescia e, com isso, surgia o medo do criminoso. A imprensa é, então, a fonte de
informação utilizada para conhecer esses sujeitos que começavam a adentrar nas notícias da
cidade. Assim, um dos nossos lócus de discussão é pensar o papel da imprensa na cidade,
buscando compreender sua função de divulgadora das ocorrências diárias. Nesse sentido,
focaremos a imprensa como fonte principal para se entender um passado que encontra
ressonância no presente.

15
Para se entender a visão que se tinha do negro nesse período, ver: MATTOS, Hebe; RIOS, Ana Maria Lugão.
Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania nos pós-abolição. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005. Para compreender como foi a relação do governo republicano no Rio de Janeiro em relação à
moradia e vida dos negros, ver: CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República
que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987
20
Os jornais são mananciais que jorram fatos substanciais, e oferecem um leque de
interpretações sobre os mais diversos eventos que sucederam. Para Capelato (1988, p. 13),
podemos acessar o passado através dos jornais, dado que estes “possibilitam ao historiador
acompanhar o percurso dos homens através dos tempos”. Extrapolando isso, Pesavento (2005,
p. 29) postula que o jornal é uma fonte imprescindível para a compreensão de um fato passado,
pois ele “estetiza o fato, ou seja, reorganiza a narrativa, encadeia o enredo, exprime um juízo
de valor”. Ainda nesse percurso, Luca e Martins (2006, p. 16) afirmam que a imprensa não se
limita apenas a informar o que aconteceu, mas “selecionam, ordenam, estruturam e narram, de
uma determinada forma, aquilo que elegem como fato digno de chegar até o público”.
Partindo desses apontamentos, nosso olhar para com a imprensa de Mossoró se
estabelece como crucial para acessarmos os fatos que essa julgou ser importante e de necessária
atenção dos seus munícipes. Perpassando os anos que compõem nossa atenção, ou seja, o final
do século XIX e primeiros decênios do século XX, alguns impressos são essenciais para
entendermos como se deram as notícias, os silenciamentos, os focos e as narrativas construídas
a partir dos sujeitos enfatizados pelos periódicos. Assim, os jornais que formam nossas
principais fontes de informação, são: O Mossoroense, O Brado conservador, O Nordeste, O
Comércio de Mossoró. A partir de tais escritos, fomentaremos uma discussão mais ampla,
introduzindo jornais vizinhos, como os da capital, Natal, além de outros que circulavam no
Ceará, Paraíba e Pernambuco, os quais contribuíram para que as ocorrências em Mossoró
fossem conhecidas por outros centros, como era comum acontecer no período, na triangulação
de informações entre os periódicos.

1.3 DISPOSIÇÃO DOS CAPÍTULOS

1.3.1 Capítulo I - O contexto, a cidade e os personagens

O período que compreende o final do século XIX e início do XX é arraigado por


movimentações no corpo social, transformações na economia e implantação do regime
republicano no Brasil. Nesse processo de mudanças, um dos veículos que se instala como
difusor dos ideários prevalecentes no período é o jornal. Diante disso, o crescimento das cidades
iria propiciar uma miscelânea de notícias que fomentariam o caráter confluente de uma
sociedade em ebulição. Problemas sociais, ao lado da ineficiência do governo central em lidar

21
com o alarmante número de conflitos internos que se proliferavam na região Norte e as disputas
políticas recorrentes no Sul e Sudeste do país, tornaram-se recorrentes nesse momento.
Com o crescimento das cidades, o sentimento de progresso aflorava. Os bondes, como
afirma Mattos (1989), conclamavam novos ares e instituíam vividos horizontes. Segundo
Gilberto Freyre, em Ordem e Progresso (1959), as ideias, atitudes, hábitos e valores durante os
últimos decênios do século XIX evidenciavam um desejo latente de mudança na estrutura do
país. Como difusor principal desses sentimentos envolventes, encontra-se a imprensa, que,
consoante Machado de Assis (1962), é a catedral da época moderna16. Frente a esse processo,
a imprensa vai firmando-se como agente motriz na propagação de notícias que contribuiriam
para a massificação de estereótipos sobre determinadas classes sociais e na disseminação de
enunciados sobre ordem e moral que adentrariam ao imagético citadino. Destarte, o jornal
coloca-se como guardião das tradições, disseminador da lei e da discrição.
Em Mossoró, cidade localizada no Estado do Rio Grande do Norte (RN), os finais do
século XIX e início do XX trariam um crescimento populacional bastante singular, advindos
do comércio do sal e do porto que foi construído na cidade para o escoamento do sal,
possibilitando um aumento gradativo no comércio local com outros centros urbanos17. Esse
crescimento trazia consigo problemas, tais como o aumento da criminalidade. Correlata a essa
ocorrência, os jornais locais prontificaram-se como prenunciadores da ordem e da moral,
estabelecendo, no ideário citadino, um sentimento de insegurança e de medo.
Neste capítulo, iremos trabalhar o contexto histórico em que Mossoró estava imersa
durante os primeiros decênios do século XX, discorrendo sobre seu crescimento econômico e
demográfico. Além disso, dissertaremos sobre a expansão da criminalidade, a qual encontrou
alicerce numa cidade em crescimento. Nesse cenário, os jornais locais ganham expressão ao
noticiar sobre os crimes e delitos que, corriqueiramente, apareciam como evidência do
desregramento latente na cidade. Entender esse contexto ajuda-nos a perceber a maneira como
os jornais locais portavam-se perante as mudanças ocorridas no período, e como estes vão
tornando-se elementos do cotidiano que transmitem valores e significação aos seus leitores.
Realizaremos, desse modo, uma análise da estrutura do jornal, o qual modificava-se
conforme a realidade que lhe abarcava, onde, nos anos iniciais do século XX, era possível

16
No tocante as visões de Machado de Assis sobre imprensa, ver: SILVA, Marcos Fabrício Lopes. Machado de
Assis, crítico da imprensa: o jornal entre palmas e piparotes. (Dissertação de Mestrado em Letras na Universidade
Federal de Minas Gerais – UFMG), Belo Horizonte/MG, 2005
17
Algumas obras são importantes para se pensar o período do crescimento populacional em Mossoró e de sua
expansão comercial, para isso ver: FERREIRA, Brasília Carlos. O Sindicato do Garrancho. 2. ed. Mossoró:
Departamento Estadual de Imprensa, 2000. (Col. Mossoroense. Série C, 1014)
22
perceber claramente o teor político que se instalava nas notícias. Havia um local específico para
noticiar sobre os delitos, que eram, comumente, embriaguez, desobediência policial e jogatinas,
além de os todos os tipos de ocorrências que perfaziam ações reprováveis e puníveis. Os
impressos desejavam tornar-se porta-vozes da população e se estabelecerem no imagético
citadino como protetores dos bons costumes e da moral, tornando-se, assim, refletores de como
os cidadãos deveriam portar-se perante a sociedade.

1.1.2 Capítulo II – Violência, medo e banditismo

Este capítulo debruça-se sobre o banditismo, que ganhou corpo nos impressos
nordestinos a partir da década de 1920, sendo Pernambuco, na época, a principal noticiadora da
ação dos grupos que infestavam os sertões dessa região. Para pensarmos com mais afinco sobre
o tema, devemos perscrutar um fenômeno que vai ganhar força nesse momento: o cangaço.
Entendemos que o cangaço é reconhecido pelas obras que destinam-se a analisá-lo como
um tema de notória importância para a história da região Nordeste do Brasil. Evidenciamos tal
assertiva não apenas pela quantidade de obras produzidas sobre esse tema, mas, principalmente,
pela relação existente entre o fenômeno e a possibilidade do uso das memórias envolvendo os
cangaceiros na construção de identidades para algumas cidades que vivenciaram as ações desses
grupos. Dessa feita, a produção historiográfica que cerca esse tema nos é salutar para as
construções narrativas, visões e representações diferenciadas em torno dos sujeitos envolvidos
no cangaço.
Pensando assim, o cangaço pode ser considerado um fenômeno, marcado por profundas
ações violentas, tanto por parte dos cangaceiros, como pela volante (tropas policiais, etc.),
violência institucionalizada, quiçá concedida a outrem.18 Assim, os eventos em torno dos
cangaceiros vão tornar-se bastante importantes na lógica da imprensa, pois as ações e feitos
despontam como passíveis de repressão e, por isso, os periódicos colocam-se como auxiliares,
na tentativa de mapear as andanças desses sujeitos.
Neste capítulo, os relatos sobre os atos dos cangaceiros fazem parte do nosso interesse
principal, uma vez que, entre 1922 e 1927, é possível perceber um considerável aumento nas
notícias, e isso gera preocupações latentes nas autoridades responsáveis pela contenção desse

18
Max Weber evidencia que o Estado detém o poder de atuar com violência, institucionalizando tal ação, agindo
com isso, para obtenção de mais domínio e influência, não diferindo do caso citado onde a volante, atuava com
violência para barrar os bandos, tornando sua ação, mesmo que tão violenta quanto a dos cangaceiros, normal, nos
sendo salutar o diálogo com Weber. Ver: WEBER, Max. A política como vocação. São Paulo. Martins Fontes.
2002
23
mal. O ano de 1927 é o âmago desta pesquisa, pois é o momento em que Lampião ataca
Mossoró, e é rechaçado, e parte para outros horizontes, fugindo da sua pavorosa derrota. A
imprensa local, bem como a imprensa de outros estados, aventura-se na construção de discursos
sobre o evento, e propicia variados enunciados, os quais atribuem a Mossoró altivez e
proeminência.

1.1.3 Capítulo III – A vitória, as incertezas e o moribundo

Por último, focaremos nas notícias que traziam a vitória como fato consumado, sendo
de suma importância sua exaltação e divulgação. Os telegramas e cartas que chegam a Mossoró
são evidências de como outros estados e personalidades públicas, interpretaram a resistência.
Dessa feita, o louvor aos feitos mossoroenses começam a pulular impressos de diversos estados,
desde o Ceará até o Rio de Janeiro, fazendo o nome de Mossoró ter ampla circulação e
instituindo novos ideários para a cidade.
Outro ponto a ser debatido aqui gravita em torno de Jararaca, bandido preso um dia após
o ataque de Lampião a Mossoró, e que engendrou debates na imprensa local sobre sua pessoa
e suas ações enquanto bandido. A prisão é amplamente noticiada pela imprensa local e pelos
itinerários dos estados vizinhos. Em Pernambuco, por exemplo, a notícia da prisão do
cangaceiro é recebida com alegria, pois, naquele Estado, Jararaca é tido como elemento
perigoso, tão temível quanto Lampião. Sua morte, todavia, não recebe atenção, apenas algumas
matérias sucintas trazendo o ocorrido como um fato comum e justificável pela vida errante que
ele tinha.
Essa visão que se tem do cangaceiro como sujeito bestial e sem empatia encontra
alicerce nas teorias criminais que circularam desde o final do século XIX e início do XX no
Brasil. O olhar tipificado do corpo social recai sobre aqueles que quebravam as regras de
convivência e do status quo que estava embutido no imagético da sociedade. É nesse sentido
que, a partir do século XX, iria expandir-se o uso da força policial sobre muitos segmentos
marginalizados e estereotipados, os quais reforçam uma visão ainda muito particular dos
poderes vigentes de teorias que veiculam imagens sobre sujeitos baseados na cor da pele e do
local onde habitavam19.

19
Ver: BRETAS, Marcos Luiz. A Polícia Carioca no Império. Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
v.12, n.22, p. 219-234, 1998; ______________. Polícia e Polícia Política no Rio de Janeiro dos anos 1920.
Arquivo História da Revista do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v.3, p. 25-34,
1997.
24
Assim, nosso olhar se alicerçou nos discursos da imprensa de Mossoró que buscavam
justificar a morte do cangaceiro, fomentando narrativas que traziam as ações de Jararaca como
cruentas e sanguinárias, contrapondo com a coragem e civilismo dos soldados e da população
que pegou em armas para enfrentar seres bestiais. O brilho da resistência não poderia ser
esfacelado pela morte de um indivíduo que, em vida, não valorizou a ordem e que, na verdade,
tinha predisposições para ser criminoso, sujeito sem coração e desumano.

25
2 CAPÍTULO I – O CONTEXTO, A CIDADE E OS PERSONAGENS

2.1 O CONTEXTO

Por que algumas pessoas fogem às regras de sociabilidade? Por que alguns preferem
seguir o caminho incerto do crime e da violência? Por que desejos sádicos, cruentos e
desalmados habitam a mentalidade e os corações dos sujeitos? Essas questões partem do
pressuposto que é possível explicar os atos delituosos cometidos por criminosos ao longo da
história. Pensar nessas indagações é inquirir sobre os sujeitos que escolhem desviar-se do
caminho da normalidade e enveredarem-se pelo caótico submundo do crime. Este causa
fascínio, estranheza, seduz e provoca. Nele, é possível encontrar múltiplos sentimentos que se
atraem e se distanciam, fomentam incertezas e movem nossa atenção.
Seguindo os rastros deixados pelo sangue de inúmeras vítimas no curso da história,
somos levados a diversos crimes que causaram repulsa, instauraram dúvidas e fomentaram
angústias e medos daqueles que se viram atrelados a estes. Um exemplo claro dessa assertiva
reside num caso singular ocorrido na França, o crime clássico de Pierre Rivière, jovem francês
que assassinou sua mãe e os seus dois irmãos mais novos, analisado pela equipe de pesquisa
coordenada por Michel Foucault20. Esse crime faz-nos entender como um delito pode adentrar
ao imagético das pessoas e incutir inúmeros questionamentos, além de fomentar discussões
acaloradas sobre as motivações para a realização deste, acerca do estado psicológico do
malfeitor, em relação às vítimas, as peculiaridades da vida dos sujeitos envolvidos no crime, e
as possíveis aplicações da lei para esse evento. Uma figura emblemática desde os primórdios,
o criminoso é, nesse caso, estudado minuciosamente, buscando-se entender sua mente, vícios e
características incomuns que o coloque à margem do corpo social, além de o descrever como
um hiato no oceano de leis e normas que devem ser seguidas.
Pierre Rivière é, assim, um caso particular, incomum e destoante de uma realidade que
se tenta viver: tranquila, pacata e serena. Foucault apresenta-nos uma realidade que, embora
distante temporalmente, aproxima-se um de fato contemporâneo: o estudo do criminoso e do
crime. Na pesquisa empírica empreendida por Foucault e sua equipe, somos levados à mecânica
dos modos de atribuição de sentido às ações criminosas e as suas consequências sociológicas.
É, perceber, portanto, a construção de sentidos a partir das causas e das escolhas livres no campo

20
Cf. FOUCAULT, Michel (Org.). Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. São
Paulo: Graal, 2007.
26
das explicações do crime na justiça francesa, analisadas à luz do dossiê do caso, o qual continha
todos os documentos produzidos neste: instruções jurídicas, diversos depoimentos, laudos
periciais, dados sobre a vida do assassino na prisão e de sua eventual morte. Os questionamentos
direcionadas ao criminoso são sobre sua vida pessoal, tentando, assim, chegar a desvios que
denotem a este, desde sua gênese, o caráter impetuoso e amoral de sua empreitada. Quem é
Pierre Rivière? Segundo as descrições de Foucault, era um jovem trabalhador rural que viveu
na França do século XIX, momento em que degolou sua mãe, grávida de seis meses, e sua irmã
e seu irmão, mais jovens que ele. Como é de se esperar, um crime com tais características
chocou a pequena aldeia de Rivière, provocando debates intensos e acalorados.
Com base nas descrições que são fomentadas pelos textos que compõem o livro
organizado por Foucault, um questionamento aparece como crucial no período do crime, e tal
questão foi amplamente arguida pelos juristas, médicos e a sociedade em geral: afinal, Rivière
é um louco ou cometeu esse crime tão horrendo em lucidez? Essa premissa é salutar, pois nos
aproxima de debates ainda em evidência: o criminoso louco não é cruel, é, antes de tudo, um
sujeito em delírio, distante da realidade que lhe cerca. Suas ações são pautadas pela
imprevisibilidade e inconstância de uma mente perturbada. Nesse sentido, o crime cometido
por Rivière, apesar de cruel, banal e horrendo, foi praticado num estado mental que invalida a
imputação de um julgamento contra a moral do criminoso. No caso do criminoso não-louco,
quando suja suas mãos com sangue, seu crime revela sua índole, seu caráter desonesto e um
coração resoluto e maléfico.
Eric Hobsbawm, em seu estudo clássico sobre o banditismo social21, elenca alguns
fatores que possibilitam a formação de grupos foras da lei, de sujeitos reconhecidos por seus
crimes e até amados por representarem uma rebeldia. O autor descreve esse banditismo como
fenômeno que encontra respaldo histórico em quase todos os lugares do mundo e que sua
extensão se alicerça na luta contra as disparidades e desigualdades emanadas dos espaços nos
quais esses sujeitos estão inseridos. O autor aborda, ainda, diferentes tipos de bandidos, os quais
podem ser os ladrões nobres e os vingadores. Nesse sentido, é possível perceber que existem
inúmeras percepções sobre o banditismo e acerca de como esse fenômeno adentra os nossos
dias.
Para além do banditismo estudado por Hobsbawm, temos, na história, inúmeros sujeitos
que adentraram no imaginário social por descumprirem os preceitos estabelecidos pela
sociedade. No caso do Brasil, somos impelidos a visualizar diversos crimes que ocorreram nas

21
Cf. HOBSBAWM, Eric. Bandidos. Editora forense, Rio de Janeiro. 1975
27
diferentes épocas que circundam o país. Desde o período colonial, passando pelo Império, início
da República, até os nossos dias, vários crimes fomentaram percepções diversas e ganharam
espaço dentro da história da nação, trazendo olhares díspares que buscaram explicar cada morte,
atentado e ação.
No caso do Brasil colonial, podemos asseverar ser esse um dos períodos mais obscuros
quando se estuda a criminalidade. Momento marcado pela concentração de poder nas mãos de
poderosos locais, os quais exerciam a justiça que lhes era pertinente em detrimento da legislação
portuguesa vigente. Quando se trata do ruralismo brasileiro no período colonial, retomamos as
discussões implementadas por Gilberto Freyre, em sua célebre obra Casa Grande & Senzala
(2013) e Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (1995), os quais afirmam que esse
fato é um resquício da colonização portuguesa que não trouxe nenhuma inovação em termos de
agricultura. Contrariamente a isso, por um longo período, tal agricultura permaneceu relegada
à monocultura da produção de açúcar e trancafiada em seus potentados.
Dentro desse quadro de forte influência rural, não é de se admirar que a justiça pessoal
seja um dos motores desse mundo fechado e introvertido. Sérgio Buarque de Holanda descreve
essa cena em um dos primeiros relatos sobre a forma como esse tipo de justiça era aplicada
nesse período. Nesse contexto, o autor descreve:

Nesse ambiente, o pátrio poder é virtualmente ilimitado e poucos freios existem para
sua tirania. Não são raros os casos como de um Bernardo Vieira de Melo, que,
suspeitando a nora de adultério, condenando-a à morte em conselho de família e
manda executar a sentença, sem que a Justiça dê um único passo no sentido de impedir
o homicídio ou de castigar o culpado, a despeito de toda a publicidade que deu ao fato
o próprio criminoso (HOLANDA, 1995, p. 82).

Holanda exibe nessa passagem o poder contido no patriarca, entendido por ele como um
sistema de patriarcado rural. Esse senhor, detentor de poder conferido pelo seu status local de
proprietário de terras, faz o que deseja e nada lhe acontece. O autor continua sua arguição sobre
esse tipo de ação, mostrando ser comum “nos domínios rurais, [pois] a autoridade do
proprietário de terras não sofria réplica. Tudo se fazia consoante sua vontade, muitas vezes
caprichosa e despótica (HOLANDA, 1995, p. 80).
Para além do que podemos verificar nas discussões de Holanda sobre o meio rural que
possibilitou a manutenção do poder dos donos de terras no período colonial, outro ponto que
pode ser abordado é o próprio processo de povoamento e imigração português. Segundo Del
Priore,

28
O padrão de imigração portuguesa majoritariamente masculina promoveu uma forma
de miscigenação marcada por relações profundamente desiguais. Na ‘falta de mulher
branca’, índias e negras foram vítimas de um encontro onde a violência física e mesmo
o estupro, consagrava a união entre os sexos (DEL PRIORE, 2015, p. 44).

Essa prática, comum no período, concede-nos um exemplo de como as relações sociais


eram vivenciadas. O patriarca, senhor e proprietário de terras, tinha ao seu dispor não apenas a
autoridade e a legislação sob sua herdade, mas também aquilo que poderia ser usado para sua
alegria e prazer. Tal cenário evidencia um lastro de ocorrências que descrevem os sujeitos
detentores do poder no período colonial, o local de uso desse poderio e aqueles que sentiram,
na pele, o uso do controle e pujança desses indivíduos.
Mantendo nossa atenção ainda sobre o período colonial e utilizando as palavras de
Marcos Bretas, no que concerne pensar a relação entre crime e as preocupações principais do
período, podemos postular que:

Dois tipos de crime podem ser destacados dentro desse quadro colonial: o primeiro,
grande preocupação do Estado e dos administradores, é o banditismo nas estradas.
Num mundo onde começa a se afirmar a circulação de riquezas, onde o ouro sai das
Minas para os portos, esta é uma grande preocupação. Os caminhos isolados
favorecem bandos que atacam e desaparecem nos grandes esconderijos das matas. O
outro elemento a ser considerado, passa por um dos registros mais importantes do
comportamento colonial, os arquivos do Santo Ofício. Aqui muitos elementos da
moral ficam aparentes, controle da sexualidade e, ao mesmo tempo, a existência da
transgressão, demonstrando como valores são diversos em todas as experiências
sociais (BRETAS, 2018, p. 18).

As preocupações que se alastraram no período discutido por Bretas evidenciam o Estado


buscando cercear bandos que começam a trazer medo e apreensão nas áreas que possuíam ouro
e riquezas diversas. Essa relação entre crime e feitor faz com que a atenção seja voltada, cada
vez mais, para esse tipo de ação, fomentando o cuidado com a propriedade, que passa a ter
ainda mais importância no Brasil. Em consonância com esse tipo de crime, podemos elencar,
também, o crime contra a moral. O Santo Ofício recebia, constantemente, acusações de práticas
pecaminosas que iam de encontro aos preceitos estabelecidos pela Igreja no período. Assim, a
moralidade seria um dos vetores de precaução em que o Santo Ofício pesaria seus julgamentos,
recrudescendo penas mais severas sobre os imorais e hereges22.

22
Para uma leitura mais concisa sobre o Santo Ofício, sua atuação, penas e como se davam os processos
inquisitoriais, ver: VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil. 3ª
Edição – Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2011. Outra obra salutar, para o mesmo fim, ver: MELLO E
SOUZA, Laura. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1986
29
O período do Império, no Brasil, foi marcado por inúmeras mudanças em virtude da
chegada da família real em 1808, e com ela a comitiva que traria, para o país, novos ares e
olhares. Num momento de instabilidade política, trazida pelos constantes levantes ocorridos na
colônia com as conspirações ocorridas, sucessivamente, em Minas (1789), Rio de Janeiro
(1792), Bahia (1798), o momento requeria atenção por parte da coroa para suplantar a onda de
insatisfação que pululava a elite colonial. Somente em 1808, com algumas medidas em terras
brasileiras, os ânimos começaram a ser acalmados, momentaneamente. Medidas, como a
abertura dos portos (1808) e a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido em 1815,
fomentaram novas aspirações em uma colônia que sonhava em ser grande.
Mesmo diante de algumas melhorias, a insatisfação fazia-se presente numa parcela da
população do Brasil. Emilia Viotti da Costa observa esse panorama da seguinte maneira:

O impulso dado à economia a partir da abertura dos portos tomara mais aparente o
caráter obsoleto das instituições coloniais remanescentes que entravam na livre
expansão comercial da economia. Aos olhos da população brasileira o monopólio dos
cargos administrativos pelos portugueses parecia cada vez mais odioso. Tudo isso
multiplicava os pontos de atrito e aumentava os motivos de insatisfação (COSTA,
1999, p. 41).

Diante dessas dissoluções, a imprensa torna-se um dos mecanismos de importância na


divulgação e extensão desses constantes conflitos. Podemos asseverar que é a partir da Imprensa
Régia, fundada no Rio de Janeiro em 1808, que a imprensa no Brasil tem sua gênese23.
Entretanto, ela só ganha maior extensão durante o Primeiro Reinado de Dom Pedro I, em que a
vida política vai fazer parte dos escritos da imprensa. Moreira descreve a difusão dos jornais
nesse período nas províncias como elemento que modifica e concede novos designíos para o
Brasil. Assim,
Os jornais difundiram-se pelas províncias, tornando-se presentes no cotidiano das
pessoas em lugarejos diversos, por vezes ligados por caminhos ínvios, redefinindo as
posições que os sujeitos tinham de si e do mundo que os cercava. Ao passo que
organizavam os espaços do debate político propriamente dito, a imprensa caminhava,
modificando as relações que os indivíduos estabeleciam com os poderes e instituições
locais (MOREIRA, 2011, p. 141).

Nesse prisma, é possível perceber uma relação intrínseca da imprensa brasileira em sua
nascente com a vida política, buscando trazer à tona os embates que ocorriam no cenário

23
Ver: CARVALHO, Kátia de. Imprensa e informação no Brasil no século XIX. Ciência da Informação – Vol
25, número 3, 1996
30
nacional e localizando essas discussões nas próprias províncias24. Nessas circunstâncias, é
possível asseverar que os impressos “se constituíram num dos principais ingredientes da vida
política e elemento em torno do qual forjou-se uma linguagem marcada pela combatividade e
doutrinação” (MOREIRA, 2011, p. 144).
Num momento marcado pelos embates políticos, conflitos sociais e crescimento dos
centros urbanos, o século XIX daria cada vez mais espaço para os impressos crescerem e
expandirem suas influências. Apesar da crescente importância, o aumento no número de leitores
ainda era uma dificuldade nos Oitocentos, devido ao analfabetismo comum no período em
questão. O que possibilitava a circulação das informações contidas nos impressos era a
oralidade. Marialva Barbosa apresenta-nos essa cena com a seguinte exposição:

A leitura, em voz alta, em torno da família e amigos, no ambiente da casa ou,


silenciosamente, no trajeto de casa para o trabalho e vice e versa, nos bondes, nos
trens, ao ar livre, e das duas formas, no ambiente privado do trabalho, nas horas vagas
do dia, coloca em evidência uma sociabilidade particular. Muitos sabem ler, sem saber
escrever. Outros não sabem ler, nem escrever mas tomam contato com os sinais
impressos naquelas páginas (BARBOSA, 1998, p. 4).

Essa realidade, tão comum no Brasil imperial, demonstra os modos operandi do circuito
de leitura e de apropriação dos impressos, os quais foram fomentadores de um momento
particular da nossa história. Como a autora aponta, “os jornais têm, seguramente, mas ouvintes
do que leitores e são, certamente, mais ouvidos do que lidos” (BARBOSA, 1998, p. 4). Nas
teias da significação do texto lido e interpretado, é visível o poder contido no leitor (ouvinte),
pois ele interpreta o exposto conforme sua realidade. Para Roland Barthes, o texto não é o
resultado de um trabalho, na verdade, a leitura constitui-se como fundamento crucial e final do
texto. O que ocorre é que o leitor, no ato de leitura e interpretação dos signos contidos no texto,
escreve outra narrativa que concede ao texto lido uma nova apreensão25. Nesse percurso, ainda
segundo Robert Darnton, é possível salientar que a leitura se constitui não apenas como uma
habilidade que alguns possuem em detrimento de outros, mas uma maneira de criar
significados, que se difere de cultura para cultura (1992, p. 218). Assim, nos Oitocentos, os
impressos lidos e compartilhados através da oralidade evidenciavam a preocupação por uma
parte cada vez mais crescente da população em se manter informada das peripécias do Brasil.

24
Sobre a relação entre imprensa e política, ver: DINES, Alberto. O papel do jornal: uma releitura. 4. ed. São
Paul: Summus, 1986; SOBRINHO, Alexandre José Barbosa. O problema da imprensa. 4. ed. São Paulo: EdUSP,
2003.
25
Ver: BARTHES, Roland. O rumor da língua. Lisboa: Edições Setenta, 1987, p. 27 – 29
31
O século XIX é singular para se pensar no avanço da imprensa em todo o mundo. Briggs
e Burke assinalam que nesse período havia uma preocupação com as “massas” por parte dos
impressos, e estes, segundo os autores, “ajudavam a moldar uma consciência nacional”
(BRIGSS; BURKE, 2006, p. 11). Nesse contexto, as notícias acompanham as necessidades
prevalecentes no corpo social. Walter Lippmann aponta que, nesse mesmo período, houve “a
aparição da imprensa de massas e a adequação de sua estrutura e lógica interna ao modelo
capitalista de produção” (LIPPMANN, 2008, p. 122). Assim, as notícias acabam tornando-se
parte integrante da vida social, compondo e perfazendo relações interpessoais, além de
fomentarem uma atmosfera de integração social e avanços na nação.
Apesar do foco principal da imprensa nos Oitocentos ser a política, temos alguns casos
que destoam desse fim. Certos crimes começam a aparecer em notícias detalhadas e repletas de
particularidades que faziam o leitor prender-se ao noticiado. Um caso particular ocorreu no ano
de 1847, em que a cantora Eugênia Mège, conhecida no Rio de Janeiro, foi assassinada pelo
marido, sendo tal fato noticiado pelo Diário do Rio de Janeiro, em sua coluna Repartição de
Polícia. Para além desse evento, podemos citar o famoso e famigerado caso da rua do Arvoredo,
ocorrido em 1864, em Porto Alegre. Naquela eventualidade, começam a desabrochar histórias
sinistras de assassinatos cometidos por José Ramos e Catarina Palse. Esse crime ganha novos
contornos quando, na casa do açougueiro e policial José Ramos, foram encontrados inúmeros
cadáveres, fato que serviu de justificativa para a população acreditar, mais tarde, que se
produziam linguiças dos corpos das vítimas26.
Dentro desse quadro, outro crime insere-se entre os mais memoráveis do período, o
assassinato de Maria da Conceição, cometido pelo desembargador Pontes Visgueiro no
Maranhão. Nesse caso, em que a paixão ardente, os ciúmes exacerbados e as separações
constantes fizeram-se constantes, o então desembargador, com 60 anos de idade, matou sua
esposa de forma cruel e, após matá-la, cortou o corpo dela em pedaços para guardar num baú.
Esse caso trouxe comoção nacional quando veio à tona o que ocorreu com Maria da Conceição
e seu corpo27. Seja no caso da rua do Arvoredo ou no fatídico assassinato cometido pelo
desembargador no Maranhão, a imprensa volta sua atenção para casos particulares que
fomentam ações reprováveis e que devem ser conhecidas por todos.

26
Para adentrar mais nos detalhes desse crime que intrigou o Brasil no período imperial, ver: PESAVENTO,
Sandra Jatahy. Catarina come-gente: linguiça, sedução e imaginário. In: Os sete pecados da capital. São Paulo:
Hucitec, 2008, p. 23 – 90.
27
Sobre a repercussão do caso e para uma discussão acentuada sobre a função do Direito nessa ocorrência, ver:
MORAIS, Evaristo de. O caso Pontes Visgueiro. Um erro judiciário. São Paulo: Siciliano, 2002.
32
No Brasil, a transição do século XIX para o XX trouxe consigo o crescimento das
cidades e o avanço do crime como preocupação latente de uma sociedade bastante diversificada
e constituída por vários grupos sociais distintos. Esse período coincide com a transformação da
imprensa em empresa capitalista28, erigida sob os desígnios que eram expostos e vivenciados
pelo corpo social. Tal cenário propiciou o aumento das notícias de crimes, os quais se
avolumavam com os mais diversos títulos29, e fomentou o sentimento de insegurança após a
abolição da escravidão, tomando o negro, recém liberto, como potencialmente perigoso e um
possível criminoso.
Os discursos que viriam a ser proliferados pelos jornais sobre os negros e demais grupos,
tidos como “classes perigosas”, conceito fomentado por Sidney Chalhoub, tinham como intuito
disseminar uma visão de medo em relação a esses sujeitos. Eram perigosos, seguindo as
arguições de Chalhoub, porque eram pobres, por desafiarem as políticas de controle social no
meio urbano e por serem considerados propagadores de doenças30. Um exemplo claro desse
tipo de notícia foi publicado pelo jornal Correio da manhã, do Rio de Janeiro, no ano de 1911,
o qual dizia:

Um corpo negro guardando alma ainda mais negra: duas crianças e um homem
vítimas de terrível degenerado.

(...) O negro Frederico Moraes, de 26 anos, (...) sem profissão e conhecido desordeiro
(...) sacando de uma navalha, atirou a lâmina de encontro ao ventre de Manoel ferindo-
o (...). O corpo do morto não escapou, sendo sacrilegamente atirado ao chão. (...)
Fugiu o miserável (Frederico Moraes), correndo, desatinadamente, e entrou no prédio
n. 26, residência do trabalhador da Alfândega Joaquim Juvêncio. (...) Ali chegado,
entrou em um quarto, onde se achavam adormecidos o pequeno Antenor, de 6 meses,
e a menina Maria Augusta de 5 anos, filhos do infeliz Joaquim Juvêncio. Não teve
coração o perverso e covarde negro. Alçou a navalha, feriu Antenor na região
occipital, e depois, como terrível fera, lançou-se sobre Maria. (...) Após o delito, o
famigerado negro procurava fugir, a todos ameaçando (CORREIO DA MANHÃ,
1911, p. 1).

O título é taxativo: “um corpo negro guardando alma ainda mais negra”. É um corpo
negro, horrendo e repleto de mazelas advindas da escravidão que guarda uma alma odienta,
sanguinária e animalesca. O negro Frederico Moraes, como a notícia revela, é um sem profissão
e desordeiro conhecido. A narrativa apresenta Frederico como uma fera que não tem coração,

28
Para uma compreensão sobre esse momento, ver: OTTONI, Ana Vasconcelos; SANT’ANNA, Marilene
Antunes. O crime no Brasil através dos “cronistas policiais” da imprensa. In: Os crimes e a história do Brasil:
abordagens possíveis. Gian Carlos (Org.). Maceió: EDUFAL, 2015, p. 307
29
Ver: SCHWARCZ, Lilia. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadãos de São Paulo no final do
século XIX. São Paulo: Cia das Letras, 1987
30
Ver: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996
33
além de o retratar como covarde e perverso. Tais enunciados dão voz aos sentimentos que se
formulariam diante daquela ocorrência, e o jornal se torna um veículo singular no que à
expansão desse julgamento.
Os discursos não são neutros, fomentam e agudizam sentimentos que estão no cenário
cotidiano e os jornais os potencializam. Foucault, analisando os discursos de forma conceituada,
parte da seguinte hipótese:

Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo


controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de
procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu
acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (FOUCAULT,
2012, p. 8 – 9).

Nas palavras do autor, o discurso pode ser entendido dentro de uma cadeia de signos
que se conecta a outros discursos, num sistema em que tanto registra quanto reproduz e perpetra
valores da sociedade. O discurso não diz respeito apenas a palavras soltas, espalhadas e
relegadas ao acaso, ao contrário, possui funções claras que visam exprimir anseios, desejos e
interesses. Para Foucault, “o discurso, longe de ser [...] [um] elemento transparente ou neutro
no qual a sexualidade se desarma e a política se pacifica [...] [é antes,] um dos lugares onde elas
exercem, de modo privilegiado, alguns de seus mais temíveis poderes” (FOUCAULT, 2012, p.
9). Assim, é dentro do discurso que se intensificam projetos e políticas de exclusão voltadas a
distanciar segmentos marginalizados da cadeia social, fomentando, com isso, a disparidade
entre os vários grupos que compõem o etos da sociedade.
Os discursos adentram ao cotidiano, nutrindo sentimentos, incutindo certezas e
atribuindo visões sobre a realidade social. De forma, muitas vezes, imperceptível, o discurso
encouraça visões sobre sujeitos, classes e seguimentos da sociedade que se tornam excluídos
por um poder que lhes são impostos, um poder simbólico, que entra pelas lacunas do eu social
em formação, estimulando olhares estereotipados e obstinados sobre o outro, o estrangeiro, o
diferente.
Nessa trama, o final do século XIX seria sintomático na expansão dos discursos
proferidos pelos impressos, adentrando no imagético citadino e perfazendo visões e olhares
acerca dos diversos grupos sociais. Período denominado por alguns pesquisadores como “idade
de ouro da imprensa”31, a transição do século XIX para o XX trazia consigo, para o Brasil, uma
expansão das ideias que circulavam na Europa, principalmente na França. Nesse caso em

Ver: CHARLE, Christophe. Le Siècle de la Presse (1830 – 1939). Paris: Seuil, L’Univers Historique, 2004;
31

SMYTHE, Ted Curtis. The Gilded age Press (1865 – 1900). Westport: Praeger Publishers, 2003
34
particular, temos não apenas notícias do velho continente, mas um modelo possível de ser
seguido no jornalismo. Valéria Guimarães esboça esse panorama ao afirmar que “a chegada
diária de telegramas com suas novidades, combinada com a importação tradicional de jornais
estrangeiros, estimula o mercado da imprensa, ao mesmo tempo em que introduz novos
modelos de jornalismo” (GUIMARÃES, 2016, p. 1). Corroborando com a expansão da
imprensa e das ideias, os jornais franceses serviram de modelo e inspiraram principalmente os
jornais de São Paulo e Rio de Janeiro, principais motores informativos do Brasil.
Esse momento marca também a inserção dos faits divers nos jornais brasileiros. Esse
tipo de narrativa jornalística se inseriu nos impressos do país no final do século XIX e início do
século XX. O dicionário Pierre Larousse define os faits divers como uma rubrica jornalística,
em que é possível encontrar uma miscelânea de “notícias que correm o mundo”32. No caso
brasileiro, essa rubrica poderia vir sob outros títulos, como fatos diversos, notícias diversas,
dentre outros. Os faits divers, no momento de crescimento da imprensa, acompanharam as
modificações no corpo dos jornais e se estabeleceram dentre essas mudanças. O contexto em
questão nos mostra as particularidades dos impressos brasileiros na transição entre os séculos
XIX e XX, além de evidenciar o estabelecimento das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo
como os principais centros informativos e os seus jornais, modelos a serem seguidos por outros
em território nacional.
Os faits divers estabelecem-se como cruciais no tocante às publicações sobre crimes e
delitos no âmbito citadino. Na parte do jornal reservada às variadas notícias, os crimes
despontam, inicialmente, como uma ocorrência relacionada ao crescimento das cidades e o
olhar da população para essa área, muitas vezes, era mínima e sem expressão. Assim, com um
tom dramático e pitadas sensacionais, os faits divers tornam-se usuais, e sua função extrapola
as simples notícias diversas, acentuando-se, nesse contexto, sobre crimes que começavam a
inflamar o medo na população e perpetrar a apreensão social. Apesar de serem enredos simples
e que não esboçavam complexidade em sua escrita, os faits divers pululavam os jornais e
fomentavam, constantemente, no século XIX, o desejo pelo sangue nos impressos. O caminho
entre ficção e realidade era uma barreira facilmente quebrada pelos faits divers, pois com um
enredo simples, palavras de fácil entendimento e uma lógica de rápida assimilação, essas

32
Faits divers: “Sob esta rubrica, os jornais reúnem com arte e publicam regularmente notícias de todo tipo que
correm o mundo: pequenos escândalos, crimes horrendos, suicídios por amor, pedreiros caindo do quinto andar,
assaltos à mão armada, chuva de gafanhotos ou de sapos, naufrágios, incêndios, inundações, aventuras burlescas,
raptos misteriosos, execuções, casos de hidrofobia, antropofagia, de sonambulismo e de letargia. As salvações nele
aparecem em abundância e os fenômenos da natureza intervêm milagrosamente...” LAROUSSE, Pierre. Grand
Dictionnaire Universel, 1872, t. 8, p. 58.
35
narrativas, por meio de tons dramáticos e apelativos, reativam sentimentos e agudizam variadas
sensações nos seus leitores. Em tais escritos, existia sempre uma relação entre bem e mal e uma
luta constante entre os malfeitores e aqueles que se colocam na labuta para vencê-los33.
O terreno arenoso e intricado das notícias com tons de sensação, alicerçado no circuito
narrativo dos faits divers, auxilia-nos na compreensão da crescente atenção dada aos impressos
na transição do século XIX para o XX. Boris Fausto (2001) aponta que os primeiros decênios
do século XX são cruciais para a propagação de notícias com tons sensacionais, e que tais
notícias encontram guarida no crime para tal feito. O autor discorre sobre o crescimento das
cidades e acerca da dilatação nas notícias de crime, fato que pode ser considerado como um
processo de “naturalização” dessas ações, além de postular que estas estavam ganhando espaço
entre o público letrado dos grandes centros.
Fausto (2011) também traz uma cena que marcou o início do século XX em São Paulo:
o conhecido caso do restaurante chinês. Na manhã do dia 2 de março, por volta das seis e
quarenta e cinco, o lituano Pedro Adukas, cozinheiro do restaurante chinês, chega ao
estabelecimento para abrir o local, o qual encontrava-se na rua Wenceslau Braz, próximo à
Praça da Sé. Naquele dia, manhã de quarta-feira de cinzas, algo estava errado, o cadeado que
trancava o portão não estava colocado da mesma maneira. Quando conseguiu entrar, depois de
bater palmas e não ser atendido, Pedro Adukas deparou-se com uma cena horripilante: no salão
de refeições do restaurante, encontravam-se postados no chão e ensanguentados os corpos de
dois funcionários e do dono do restaurante, o Sr. Ho-Fung e sua esposa, Maria Akiau. Saindo
de lá, certamente atordoado e num frisson terrível, Adukas corre para a Central de Polícia mais
próxima. Nesse momento, ocorreria uma longa investigação para entender o que de fato teria
acontecido no restaurante naquele dia.
Boris Fausto vai centrar sua atenção sobre como o caso vai sendo noticiado e ganhando
novos contornos conforme os jornais vão tendo acesso aos levantamentos da investigação feita
pela polícia. As manchetes dos impressos são variadas, dotando aquele evento com inúmeros
significados para os populares. Através de adjetivos, como “chacina”, o medo iria perfazer-se
num misto de apreensão e curiosidade. Pensar sobre esse crime é notar os caminhos percorridos
pela imprensa no início do século XX e perceber os enfoques que começam a ser dados nesse
momento. Nessa conjuntura, Fausto elenca que:

33
Sobre os faits divers na França e sua relação com o crime, ver: KALIFA, Dominique. L’encre et le sang: récits
de crimes et société à la Belle Époque. France: Fayard, 1995.
36
O crime do restaurante chinês passara sem dúvida a integrar o rol dos grandes crimes
ocorridos em São Paulo. O que seriam os grandes crimes? Em poucas palavras,
episódios semelhantes aos que hoje assim rotulados, que se destacam pela exuberância
sangrenta, por envolver paixões amorosas, pela importância dos protagonistas, ou por
tudo isso junto. A diferença entre o passado e o presente se encontra na banalização,
mesmo desses crimes, provocada pela multiplicação dos casos, o que reduz seu
impacto. Duram pouco nas imagens da televisão, nas páginas dos jornais, em uma ou
outra sessão dos tribunais do júri. (FAUSTO, 2009, p. 39).

Com base nessas questões, somos direcionados ao recorte espacial que remonta essa
pesquisa: a cidade de Mossoró, situada no interior do Rio Grande do Norte, no período que
compreende o final do século XIX e início do XX, enfatizando os decênios iniciais do XX.,
Entendemos esse o momento como um período de aquecimento da imprensa local, e em que
alguns eventos começam a empreender novas formas de organização social e perpetrar medo
na população, conjuntura da invasão de Lampião, ocorrido em 1927, notícia largamente
noticiada na cidade, no Estado e em outros centros urbanos do Nordeste no período. Mossoró,
cidade que possui uma história avultada de eventos que perfazerem uma identidade local de
cidade aguerrida, forte e resistente, tem como resquício do passado os vários números
publicados pelos jornais locais no período: O Mossoroense, Correio do Povo e O Nordeste.
Esses impressos, cada um em sua particularidade, ajudam-nos a entender os percalços
de uma cidade que tentava ser moderna e alcançar os grandes centros urbanos vizinhos no
período. Num crescimento tímido, mas real, Mossoró, não diferente do que acontecia com
outras cidades do seu porte na época, encontrou eventos que pulularam as páginas dos jornais
locais e se alicerçaram no imagético citadino. Nesse contexto, na cidade, novas visões se
estabeleceram, formando uma relação intricada entre os escritos postergados pela imprensa e
os anseios dos munícipes que a cada dia mais desejavam se ver livres do atraso incutido nas
ações delituosas e descritas pelos jornais. Vencer o crime seria avançar rumo ao progresso e
civilismo. Seria vencer o atraso e percorrer os pastos verdejantes do moderno.

2.2 A CIDADE

Os espaços que formam uma cidade não se restringem ao concreto que foi usado para
erguer prédios e alicerçar vigas, nem ao árduo trabalho de profissionais que investiram tempo
em construções urbanas. Na verdade, podemos pensar esses espaços com outro olhar,
perscrutando a subjetividade e representatividade de práticas e experiências que estão ligadas
aos sujeitos que, ao longo dos anos, as produziram e as vivenciaram. Devemos refletir não
apenas no material que está ali a amostra, mas também no subjetivo, o imaterial. Os rituais, as
37
manifestações e as imagens fazem parte de um patrimônio imaterial que podemos nomear de
herança simbólica. Dessa forma, deve-se pensar sobre a construção, mantimento e perpetuação
desses espaços não apenas como coadjuvantes na paisagem urbanística de uma cidade, mas
como refletores de um passado, que trazem conotações vividas para o presente.
Olharemos para o passado, para Mossoró no final do século XIX, que se firmando como
um empório comercial, é visada pelos retirantes que viam nesse espaço um lugar de esperança
e alento para a fome e miséria que dilaceravam sua existência. É a Mossoró do início do século
XX que os cangaceiros decidem invadir para roubar e suplantar a destreza e imponência de um
lugar ímpar em sua região. Esses sujeitos são largamente mapeados, suas ações, feitos e
querelas passam a compor as principais matérias feitas pela imprensa ainda em
desenvolvimento.
Para Raymond Williams, em O Campo e a Cidade, há uma diferença crucial para se
pensar o hiato existente no que se entende por ambos os espaços – campo e cidade. Segundo o
autor, historicamente,

O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida – de paz, inocência e
virtudes simples. A cidade associou-se à ideia de centro de realizações – de saber,
comunicações, luz. Também constelaram-se poderosas associações negativas: a
cidade como lugar de barulho, mundanidade e ambição; o campo como lugar de
atraso, ignorância e limitação (WILLIAMS, 2011, p. 11).

Seguindo o argumento de Williams, podemos elencar dois tipos de pensamento sobre a


cidade: um olhar positivo, que verifica o progresso com o avanço do urbano, em detrimento do
atraso que é revelado pela vida no campo; e uma visão negativa, que encontra na cidade um
local de tumulto, sem controle ou contenção. É possível verificar que, em Mossoró, ambos os
olhares são postulados pela imprensa, ora revelando a positividade do crescimento urbano que
trazia consigo utensílios da modernidade, em que asseverava um espaço de progresso e alinhado
aos centros que começavam a crescer naquele momento, e, noutro instante, tecendo críticas e
revelando o medo desse crescimento trazer consigo o aumento da criminalidade, chamando a
atenção para outros sujeitos que poderiam ofuscar o brilho do progresso que se queria vivenciar.
Essa cidade, que é dúbia, pode ser, para os seus munícipes, vista sob diversos ângulos.
Pesavento atenta para essas possibilidades ao dizer que a cidade:
Propicia aos seus habitantes representações contraditórias do espaço e das
sociabilidades que aí têm lugar. Ela é, por um lado, luz, sedução, meda da cultura,
civilização, sinônimo de progresso. Mas, por outro lado, ela pode ser representada
como ameaçadora, centro de perdição, império do crime e da barbárie, mostrando uma
faceta de insegurança e medo para quem nela habita. São, sem dúvidas, visões

38
contraditórias, de atração e repúdio, de sedução e rechaço, que, paradoxalmente,
podem conviver no mesmo portador (PESAVENTO, 1999, p. 19).

As ambiguidades que perfazem a percepção dos sujeitos na cidade passam por uma
construção daquilo que se acredita está sendo vivenciado. É a alegria de ver a energia elétrica
clarear as noites mal iluminadas, mostrando o avanço em relação as luzes de querosene que
deixavam o ar fétido e escuro. É o medo dos flagelados, do caos que pode ser perpetrado por
homens e mulheres que, diante da fome, podem cometer os crimes mais temerários possíveis.
É o gozo de poder dirigir automóveis, de se sentir moderno com a direção na mão e o vento a
tocar o rosto. É o horror das ocorrências postuladas pelos jornais que traziam, em letras
garrafais, os sanguinários cangaceiros, desalmados e descivilizados. Em Mossoró, essas
realidades são contemporâneas e evidenciam uma cidade heteróclita, marcada pelas vicissitudes
da realidade vivida.

2.1.1 Uma cidade singular: Mossoró no final do século XIX e início do XX

Em 1871, no dia 25 de março, uma tímida notícia aparece entre tantas outras no jornal
O Cearense, sobre uma prisão ocorrida em Mossoró, Rio Grande do Norte. Dizia-se, na nota,
que “em Mossoró foi violentamente preso e recolhido a enchovia da cadeia do crime o
administrador da meza de renda d’aquella cidade o Sr. Chaves Filho, não obstante o previlegio
de que gosa como official da guarda nacional” (O CEARENSE, 1871, p. 2). Mas qual foi o
crime que cometeu o Sr. Chaves Filho? Não somos informados nesse jornal, nem em outros do
período, entretanto o que é possível salientar em relação a notícia é o fato de Mossoró despontar
como um dos polos de atenção que regeria a região onde está situada.
Para além da notícia que trazia uma ocorrência na cidade de Mossoró, viajantes e
cronistas já escreviam sobre as terras que seriam essa cidade na primeira década do século XIX,
como fica claro na descrição do viajante inglês Henry Koster, em 1810, sobre a fazenda de
Santa Luzia, local onde nasceu Mossoró. Koster, em passagem pelo arraial de Santa Luzia,
disse ter encontrado “uma igreja cercada de casas pequenas e baixas (...) calculou seus
habitantes entre duzentos e trezentos” (KOSTER, 1978, p. 121). Nas descrições do viajante,
esse arraial começa a crescer, ainda rústico, e tem sua economia assentada, principalmente, na
criação de gado, fato que só foi possível com o processo de expansão territorial advindo da

39
interiorização do Brasil, começado ainda no período colonial34. O viajante inglês veio para essas
terras em busca de se curar de uma tuberculose, percorrendo o litoral e o sertão. Koster “partiu
de Pernambuco, cruzou a Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará até chegar no Maranhão”
(FONTELES NETO, 2018, p. 212).
As narrativas do viajante vão ainda descrever uma figura pitoresca e arraigada de
simbologias e superstições: o sertanejo. Para ele, é um sujeito que se adaptou às vicissitudes
estabelecidas na região árida e paupérrima de sua habitação. As descrições de Koster vão se
perfazendo diante das vestimentas e de como esses indivíduos se portavam com suas armas e
nas suas montarias. Esse é o sertão, local onde surge mitos e lendas, vilões e heróis. Gustavo
Barroso, apoiando-se no Dicionário de Língua bunda de Angola, atribuiu a gênese da palavra
“sertão” ao vocábulo “muceltão”, mudado rapidamente para “celtão” e, depois, “certão”, cuja
significação, em latim, seria locus mediterraneus, que quer dizer “lugar entre terras, interior,
sítio longe do mar, mato distante da costa” (BARROSO, 1983). Nas palavras de Erivaldo
Fagundes Neves,

O sentido de sertão se expressa na dupla ideia “espacial de interior” e “social de


deserto, região pouco povoada”, transcendendo qualquer “delimitação espacial
precisa”. O imaginário de “sertão”, construído por viajantes, missionários e cronistas,
“mais do que oposição a litoral, se constituíra “em contraste com a ideia de região
colonial”. Por muito tempo, “a conotação de deserto e de tudo o que se encontra
distante da civilização” permeara o pensamento social brasileiro. A “ideia da distância
em relação ao poder público e a projetos modernizadores” seria “denominador comum
dos vários significados atribuídos à palavra sertão”, integrando “o mesmo campo
semântico de incorporação, progresso, civilização e conquista” (NEVES, 2003, p.
156).

Esse é o local onde floresce o arcaico, a incivilidade. É o espaço da miséria, da tristeza,


do desalento. Esse é o sertão que há tempos se fazia pensar ser um lugar de selvagens, flagelados
e cangaceiros. É o lugar onde não há liberdade de pensamento e expressão, pois o clientelismo
e coronelismo não deixam esses prosperarem. É o espaço da fé cega, onde o misticismo possui
lugar de destaque e arrebata os corações dos incultos35. O sertão não cabe na idealização da
civilidade, pois essa está restrita aos grandes centros, e o que se encontra além disto, portanto,
é relegado ao atraso, e deve ser vencido. Nesse contexto, escreveu-se a obra de Guimarães Rosa,

34
Caio Prado Júnior elenca alguns fatores para essa interiorização do Brasil no período colonial e posteriormente,
no Império. Entre eles podemos asseverar a necessidade de distanciar a criação de gado do cultivo da cana-de-
açúcar, fator que propiciou o surgimento de um comércio que viria a ser importante nos sertões do Brasil: a
pecuária. Ver: PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. – 1ª ed. – São Paulo: Companhia
das Letras, 2011
35
Ver: ARRUDA, G. Cidades e Sertões: entre a história e memória. Bauru: Edusc, 2000
40
Grande Sertão: veredas, buscando mostrar um sertão diferente, não mais dentro do quadro de
sentidos anteriormente dados, mas um local que estava recebendo o progresso. O sertão de
Guimarães Rosa não se matava “gente”, como no período do cangaço. Além disso, os feitos
dos jagunços, os bandos de valentões, já estavam esvaindo-se, pedindo esmolas, não tinham
mais o espaço que anteriormente os acolhia.
O desejo de vencer o arcaico sertão fazia-se presente na obra de Rosa no intuito de
mostrar que, agora, quem regeria aquele local seria o Governo Nacional, que aquele passado
retrogrado ficou para trás e o que resta para o futuro é a crença num sertão repleto de mudanças
e caminhando para o progresso. O sertão de Rosa está em toda o lugar, é do tamanho do mundo,
ultrapassa as fronteiras regionais, nacionais, não se contém, nem se fecha, é tudo num misto
espacial e cultural que transcende o físico e se alastra nos corações e imagéticos. Como aponta
Albuquerque Júnior,

Até o início do século XX, o sertão era todas as terras que ficavam distantes das
aglomerações urbanas que se distribuíam por todo o litoral brasileiro. O sertão estava
em todas as províncias, em todos os estados, terras que eram de todos, terras que eram
de ninguém. O sertão era visto e dito na literatura, nos discursos jornalísticos como o
outro da civilização, do progresso, do adiantamento, da ilustração (ALBUQUERQUE
JÚNIOR, 2019, p. 21).

Esse é o espaço onde Mossoró se estabelece. No sertão, distante da capital, entre grandes
centros urbanos, no sertão que está em todos os lugares, mas que, apesar disso, é um espaço de
incertezas e que trazia, em seu escopo, inúmeros estereótipos36. Uma cidade alicerçada, como
descreveu Koster, sobre a criação de gado e a expansão de fazendas. O que concedia essa
particularidade a essas terras era o rio que corria na região, conhecido como Rio Mossoró e o
Rio Upanema. Aqui,

Muitas fazendas de gado às margens dos rios Mossoró e Upanema, entre outras, as
das barrocas à margem esquerda do rio Mossoró, pertencente a Domingos Francisco,
Sargento-Mor morador nas Russas [...] a do Carmo, pertencentes a Nossa Senhora do
Carmo, de Pernambuco [...], a fazenda Pintos à margem direita do Mossoró,
pertencente a Fuão Pinto da Paraíba do Norte, a de Santa Luzia e Barra de Mossoró
pertencente ao Sargento-Mor Antônio de Souza Machado; as da Ilha de Dentro e Góis
pertencentes, aos primitivos Cambôa; a da Ilha de Fora do Tenente-Coronel João
Joaquim Guilherme de Melo; a do Camurupim da família Guilherme a do Sítio
Ausentes, Picada e Serrote pertencentes aos primeiros membros dessas famílias [...]
(SOUZA, 1979, p. 9–10).

36
Outra discussão fomentada por Célia Nonata da Silva, remonta os sertões dentro do contexto republicano e como
esse espaço ganhou novos contornos e visibilidade. Ver: SILVA, Célia Nonata. O estranho sertão da primeira
república. Revista Sertões. Mossoró-RN, v.1, n.1, 2011
41
Essa é a configuração do local onde seria Mossoró, rodeada de rios que contribuíram
para a edificação de fazendas, as quais, ao longo do tempo, vão tornando-se maiores, atraindo
outros fazendeiros interessados na possibilidade da criação de gado e agricultura, até, então,
formar uma pequena localidade já reconhecida na região. No ano de 1855, numa tentativa de
organização e maior dinâmica geográfica na localidade, é criado o código de postura, no intuito
de homogeneizar a construção de casas, ruas e comércios, os quais deveriam seguir um padrão.
Assim os artigos se dispõem:

Artigo 18° - Os lojistas, taberneiros, donos de açougues e lavradores, são obrigados a


ter pesos e medidas aferidas na forma do padrão da Câmara, e verificada a falsidade
deles, pagarão os donos das medidas ou pesos 4$rs. de multa, ou dois dias de prisão.
Artigo 20° - Ninguém poderá vender gênero de qualquer natureza que seja, estando
com princípio de corrupção assim como carne proveniente de rês mordida de cobra,
ou atacada de mal triste, qualquer outro mal contagioso; sob pena de 16$rs. ou 8 dias
de prisão (PINHEIRO, 1991, p. 10).

Diante da configuração requerida, é notório o interesse de modernizar Mossoró,


multando aqueles que descumprissem tais designíos. Apenas em 1870, no dia 11 de novembro,
a então pequena vila é elevada a cidade, a qual já contava com uma praça comercial. Esse era
o nascedouro de uma localidade ímpar que se distinguiria das pequenas cidades ao redor. Nesse
cenário, cresce Mossoró, com uma nova configuração econômica, pois

O ciclo do gado não era mais a economia hegemônica, a cidade cumpria a função de
empório comercial que fez surgir outros capitais e outros sujeitos sociais,
representados pelo comerciante, comprador e exportador. Nascia, assim, uma
burguesia mercantil, relativamente dinâmica, que impunha uma nova organização do
espaço urbano, no intuito de consolidar a função de entreposto comercial de uma
significativa região, a qual envolvia grande parte do sertão do Rio Grande do Norte,
Paraíba e Ceará. É nesse momento que surgem os primeiros arranjos no espaço da
cidade, seja através de políticas públicas, por iniciativa privada ou por ambas
associadas (FELIPE, 2001, p. 17).

Essa mutação na economia traria novos horizontes para a cidade, além de outros atores
que fomentariam uma nova história em Mossoró. Esta não é mais uma pequena cidade que tinha
como principal meio econômico a criação de gado, ao contrário, estabelecem-se novos arranjos
que trazem ganhos consideráveis, os quais possibilitaram que a gênese de uma burguesia
mercantil tomasse as rédeas das decisões econômicas e políticas no munícipio. No curso da
década de 1870, um evento mudaria, de forma considerável, o curso da história de Mossoró: a
grande seca de 1877.

42
A seca de 1877 trazia consigo não apenas cenas tristes de famílias inteiras suplantadas
pela fome e miséria, mas, por nos aproximar de uma parte da história de Mossoró que foi
construída em cima desse estado calamitoso, pensar a seca é visualizar as diferentes percepções
que os sujeitos vivenciaram sobre aquele momento. É perscrutar os ânimos abalados dos
sertanejos padecedores de fome e mergulhados na miséria que procuravam formas para
sobreviver. É indagar sobre os sujeitos que conseguiram, através da mão de obra dos sertanejos
famintos, enriquecer, aumentar seu comércio e expandir seus negócios. As secas que
sobrevieram em Mossoró tiveram essa função dúbia: para uns, miséria, tristeza e morte; para
outros, riqueza, destreza e alegria.
É inconteste que a seca de 1877 trouxe para a economia de Mossoró novos ares e
caminhos repletos de possibilidades. O êxodo rural proporcionou à cidade um crescimento
demográfico que incutia no poder público local, preocupação e requeria sua atenção. Milhares
de flagelados rumaram para Mossoró em busca de subsistência e alento para a fome que
estavam passando. Estes sertanejos, maltrapilhos e desventurados, formavam um exército de
desempregados que, segundo os dados de Guerra (1909), nesse momento

Existiam em Mossoró, no fim de dezembro, cerca de vinte e cinco mil pessoas, cuja
ocupação única era terem fome, e morrerem de miséria ou de peste e que a tudo
expunham-se para receber um litro de farinha. Dessa população adventícia, rara era a
pessoa que vestia uma camisa sã, ou vestidos sem remendos; muitos, que antes eram
possuidores de média abastança, estavam agora ali esmolando de porta em porta, por
haverem atingindo a máxima miséria; e vão caindo mortos em seus casebres
improvisados, ou pelas ruas e calçadas, d’onde são levados para o cemitério, para a
valla comum, por homens pagos para o transporte, e que com o cadáver atado a uma
vara, sobre o ombro de dos carregadores, seguem a cantarolar, no desempenho da
lúgubre missão (GUERRA, 1909, p. 38).

Com base nos números apresentados por Guerra, o aumento da população e as doenças
que provinham do estado calamitoso que os sujeitos se encontravam fez com que o poder
público local redobrasse sua atenção e cuidado para que não houvesse saques, assassinatos e
desordens no munícipio. Todavia, essa situação concedia aos comerciantes locais uma nova
área a ser explorada: a mão de obra abundante dos flagelados e os lucros advindos da compra
de gêneros alimentícios pelo poder público local, numa política assistencialista implementada
pelo governo imperial para ajudar os famintos. Essas possibilidades aumentaram o lucro dos
comerciantes e fizeram desses indivíduos ricos e opulentos.

43
Essa nova configuração nas relações sociais se deu na mentalidade dos sujeitos que as
vivenciaram de forma adaptável ao momento e às circunstâncias. Para Albuquerque Júnior, as
secas de 1877 – 187937 denotaram novas organizações que precisavam ser entendidas e

Tanto a elite agrária como os homens pobres desta sociedade, se deparam com uma
crise que significa transformações em curso nas relações sociais, mudanças no seu
espaço, que devem ser explicadas simbolicamente. Nova realidade, que se coloca
como novo código a ser decifrado e decodificado por cada grupo social. Nova
realidade, realidade de mudança que precisava ser apreendida por novos discursos,
que tentem arrancar desta a “verdade”, a verdade que estava por trás de tais
acontecimento (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1988, p. 64).

Com base nisso, esse momento marca o florescer de um comércio pautado na


exploração, no ganho com a miséria e o crescimento baseado na perda, perda de vidas, de
futuros e de esperanças. Quando essa seca terminou, os resquícios que essa deixou foram
perceptíveis na cidade de Mossoró e região. Agora, novas possibilidades estavam em jogo e,
por isso, devem ser utilizadas para o crescimento do comércio local. Segundo Ferreira (2000),

Terminada a seca, os comerciantes dispõem de grandes capitais, com os quais


passariam a investir em outras atividades econômicas, como por exemplo, na indústria
de sal... Data de 1877 a exploração regular das salinas locais, montado em dois pilares,
os capitais concentrados a partir do comércio e a mão-de-obra retirante que é
incorporada às salinas como força de trabalho quase gratuita (FERREIRA, 2000, p.
43).

O novo momento que seria vivido por Mossoró era de euforia com o comércio do Sal,
produto que aqueceu relações comerciais com outros centros urbanos e colocou a cidade entre
as principais da região nesse tipo de comércio. Havia uma preocupação por parte da elite
comercial em organizar a geografia mossoroense para que pudesse explorar o comércio do sal
e expandi-lo. Por isso, a atenção se voltou ao porto de Areia Branca, pertencente à cidade, no
intuito de fazer com que esse pudesse dispor de condições necessárias para o aumento das
embarcações que viriam para a compra do sal e sua comercialização. Com um desenvolvimento
latente, a cidade passou a ser destino de estrangeiros que tinham intuito em fazer parte do
avanço econômico e comercial vivido em Mossoró. Assim, chegavam no porto “113
embarcações nacionais e 143 estrangeiras (inclusive 11 vapores), sendo 33 norueguesas, 30

37
Segundo Albuquerque Júnior, esse momento marca um olhar pejorativo para a região Norte, que passaria a ser
denominada de “Norte Seco”. Ver: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Palavras que calcinam, palavras
que dominam: a invenção da seca do Nordeste. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Marco Zero,
vol. 15, n. 28, p. 103, 1995
44
inglesas, 20 alemãs, 17 dinamarquesas, 10 suecas, 6 holandesas, 4 portuguesas, 1 americana, 1
francesa e 1 russa” (LIRA apud GUERRA, 1960, p. 27).
Com um desenvolvimento desse porto, outras construções viriam fomentar o desejo de
tornar Mossoró conhecida e respeitada entre as cidades da região. Um exemplo disso deu-se já
no início do século XX,

Com a criação de instituições culturais, bibliotecas, clubes literários, semanários,


jornais, grupos de teatro amadores e sala de projeção cinematográfica sinalizavam os
novos hábitos da modernidade local que se completavam com a criação dos colégios
para instrução secundária, no caso, o Colégio Sete de Setembro, criado em 1900 e o
Colégio Diocesano Santa Luzia, em 1901 (FELIPE, 2001, p. 51).

O progresso só seria possível com o incremento, ao lado do avanço econômico e da


cultura, nesta o poder público municipal investiria massivamente, buscando conceder a
Mossoró novos olhares que instituiriam a cidade entre as mais importantes da região no tocante
à cultura. Esse é o momento de guinada massiva da imprensa local, sustentáculo do moderno e
a responsável pela expansão do sentimento de prosperidade vividos na cidade.
O início do século XX é singular no que se refere às obras de melhoria em
estabelecimentos públicos, como também na chegada de elementos que caracterizavam o
progresso rumo ao moderno. Isso fica evidente nas palavras de Oliveira (2014):

Obras como a reforma do mercado público, em 1903, tornando-o mais limpo e


ventilado; a criação de um grupo escolar no ano de 1908, e em 1922 a chegada da
Escola Normal; o primeiro automóvel a rodar em Mossoró em 1912; o término da
construção da tão sonhada estrada de ferro, em 1915; e a implantação da energia
elétrica em 1916, tudo isso foi incorporado como sintomas do moderno, e possuir tais
melhorias significava que junto com esses elementos poderia se chegar à
modernidade. (OLIVEIRA, 2014, p. 49 – 50).

Com base nos elementos prenunciadores do moderno, Mossoró caminhava rumo ao


progresso, que era o desejo das elites locais. Um hiato para essa sonhada realidade já vinha
sendo combatido desde o final do século XIX com ações que visavam deslocar os flagelados
para espaços remotos e periféricos da cidade38, assim como com o combate ao crime que seria
um entrave para as vicissitudes da modernidade buscada.

38
Desde a seca de 1877 se acresceram estratégias para distribuir o montante de flagelados advindos dos estados
vizinhos e migrantes do próprio estado em zonas mais afastadas e distantes do centro urbano de Mossoró, o intuito
era que a cidade não perdesse a beleza que tentava ser construída, através dos abarracamentos e casas paupérrimas
feitas pelos flagelados. Ver: MACIEL, Francisco Ramon de Matos. Territórios da seca: ordenamento e resistência
na cidade de Mossoró na seca de 1877. Revista Espacialidades [online]. 2015, v. 8, n.1, p. 164 – 192
45
Nesse pensamento de progresso, um agente que iria contribuir para controlar o perigo
das noites escuras e vazias era a energia elétrica. Instalada em 1916, continha, em sua
representação, o símbolo do novo, em detrimento das antigas iluminações que advinham de
lampiões repletos de querosene. A energia elétrica, ao contrário do querosene, não tinha cheiro,
não emitia fumaças, simbolizando algo limpo, higiênico e hodierno. Todavia, nas palavras de
Fernandes (2014), nem todos os cidadãos poderiam usufruir dessa benesse do progresso, apenas
os que pudessem arcar com as despesas necessárias de sua instalação. Para isso, o jornal O
Mossoroense propagou inúmeras matérias no intuito de fomentar a importância da energia
elétrica, e de como essa seria o prenúncio do moderno que a cidade tanto precisava39. Assim, a
luz elétrica entraria para o rol do progresso e desejo dos munícipes, que, ao possuir esse
apanágio, estariam indo contra o crime. Como descreve Fernandes:

Além de proporcionar conforto ao lar, a presença da luz artificial prolongava o dia de


modo a possibilitar que as pessoas fizessem mais uso da noite para trabalhar, para
divertir-se no Club Dramático Familiar ou nos cineteatros, para ficar mais tempo na
rua que se tornava menos perigosa, melhor dizendo, seu perigo passava a ser
controlado sob a presença da luz (FERNANDES, 2014, p. 40 – 41).

A luz elétrica viria para fortalecer uma luta contra o crime e suas peripécias. O moderno
seria o prenunciador do civilismo, visando estabelecer um entrave com os atos criminosos
ordinários das noites mal iluminadas. O jornal traria, em seu corpo narrativo, matérias que
instigavam o desejo pela mudança e o sentimento de se avizinhar um novo tempo, repleto de
conforto e comodidade. O jornal O Mossoroense vai mudando o tom de suas notícias conforme
as necessidades do dia se impunham. Assim, propagandas e matérias sobre elementos da
modernidade que começaram a adentrar no imagético citadino, bem como as notícias sobre
saques, e demais incidentes sobre as secas, vão dando lugar ao banditismo que floresce a partir
da década de 1920 e se formata como a preocupação maior da imprensa local.
A partir da década de 1920, o jornal O Mossoroense esboça uma atenção especial ao
banditismo do cangaço. Diversas notas aparecem no corpo do periódico, trazendo novidades
quanto ao paradeiro dos grupos de malfeitores. Essa forma de noticiar mostra um desejo de
criar uma geografia do cangaço, onde os jornais circunvizinhos participam também trazendo

39
A propaganda publicada no dia 09 – 05 – 1917, com o título “A luz eletrica. Exigencias d’uma filhinha” trazia
uma mensagem apelando para os leitores que pensassem na importância de ter a luz elétrica e como isso apontava
para uma mudança que dantes deveria ter ocorrido na cidade. Ver: Jornal O Mossoroense 09 – 05 – 1917, n°441,
p. 2, c. 5.
46
notas diversas sobre a localidade dos grupos e suas ações40. Além dessas informações trocadas,
havia a publicação de telegramas que eram enviados dos estados expondo a localização desses
sujeitos. Essa união contra o banditismo concede ao jornal o título de propagador do civilismo
contra as bestialidades cometidas pelos bandos, fomentando uma visão de parceria entre os
estados e os meios de comunicação da época.
As mudanças de foco da imprensa mossoroense demonstram interesse em abarcar aquilo
que mais atraia a população. Os personagens dessa trama formam um almanaque importante
para se entender as ênfases e silenciamentos que recobrem a imprensa local naquilo que se
julgava ser mais importante de noticiar e fomentar. Mas quem são os personagens que a
imprensa focou nos idos da história da cidade de Mossoró e, mais especificamente, no final do
século XIX e início do XX? Quais suas ações que requereram atenção e foco dos impressos?
Quais construções narrativas são fomentadas a partir desses sujeitos? Tais questionamentos são
fundamentais para que possamos alcançar as peculiaridades de uma imprensa ainda pequena,
buscando desenvolver-se e se estabelecer dentro de um circuito informativo já em crescimento,
com inúmeros jornais tanto na capital, Natal, como nas redondezas. Dessa feita, são perceptíveis
as mudanças que ocorriam paulatinamente nos periódicos, as quais visavam implementar
discussões que encontravam respaldo na população, preocupada, no final do século XIX, com
os flagelados e, já no século XX, com o banditismo no sertão, formado pelos cangaceiros.

2.3 OS PERSONAGENS

Quem são os moradores de Mossoró? De que tipo de gente essa cidade é formada? Uma
matéria publicada no ano de 1873, no jornal Correio do Assú, responde-nos essas indagações:

Missão em Mossoró

Missionou por alguns dias em Mossoró o capuchinho Fr. Fideles, tendo-se já d’ali
retirado para Pernambuco.
Fr. Fideles sendo testemunha ocular do estado degradante da estacada de carnaúbas
que ali serve de marcar a área em que devem ser sepultados os corpos dos fieis,
empregou os necessarios esforços para a construcção de mais um decente cemiterio,
animando o povo a concorrer para obra tão pia e necessaria.
O povo de Mossoró é sem duvida um povo catholico, de boa vontade se prestará á
concorrer com seu obulo e com seus esforços para essa obra de geral interesse; mas
falta-lhe um director espiritual nas condições de bem o poder guiar (CORREIO DO
ASSÚ, 1873, p. 3 – grifo nosso).

40
O Mossoroense 4 de dezembro de 1920, p. 1; O Mossoroense 13 de abril de 1922, p. 1; O Mossoroense 22 de
setembro de 1922, p. 1; O Mossoroense 20 de dezembro de 1922, p. 1.
47
Mossoró é, nas palavras do impresso, uma cidade de povo católico, do bem e zeloso
pelas tradições da cristandade. Lugar valoroso não apenas pela praça comercial que já se
destacava, mas pelos sujeitos que habitam essa localidade. Para o itinerário, apesar de pequeno,
o município destaca-se pela destreza de um povo singular que semeia o bem e trilha os caminhos
da paz. Os moradores de Mossoró seriam pacíficos, detentores de uma moral ilibada, pautada
nos preceitos do cristianismo que, como coloca a notícia, adentra ao solo citadino sob os
cuidados do Fr. Fideles.
Mossoró, durante o final do século XIX e início do XX, configurou-se como um empório
comercial. Essa cidade, localizada entre a capital do Estado, Natal, e a capital do Ceará,
Fortaleza, viu seus anais serem redigidos inicialmente apenas como uma cidade de intercurso,
sem grande expressão. Todavia, conforme a produção de sal crescia, bem como com a chegada
de empreendedores e a construção da estrada de ferro, passa por uma dinamização em sua
economia, fator que possibilitou o crescimento de sua importância em escala regional e
estadual41. Nesse panorama, a cidade começa a enfrentar problemas com o contingente de
flagelados que, fugindo da fome, rumavam aos centros urbanos em busca de subsistência. Nas
palavras de Felipe Guerra e Theóphilo Guerra, existiam, no fim de dezembro de 1877, “cerca
de 25.000 pessoas, cuja a principal ocupação era ter fome e morrerem de miséria ou de peste”
(GUERRA; GUERRA, 1909, p. 38).
Uma situação degradante e calamitosa, esse é o olhar construído sobre a seca que atingiu
Mossoró em 1877. Para além das colocações de Felpe Guerra e Theóphilo Guerra, temos a
narrativa de Francisco Fausto de Souza, que estabelece a chegada dos retirantes a Mossoró em
junho de 1877. Esses sertanejos não respeitavam a propriedade dos homens “civilizados”, os
costumes imaculados de uma cidade cristã e hodierna. As criações de gado que se estabeleciam
nos limites da cidade foram atacadas para saciar a fome que atormentava os flagelados. A
prostituição ocorria abertamente, tornando-se prática comum no solo que outrora fora puro e
impoluto. Souza descreve essa situação da seguinte maneira: “milhares de donzelas foram
desvirginadas aqui por indivíduos sem escrúpulos, sem humanidade, que se aproveitando da
miséria dessas infelizes criaturas, as seduziam a troca de uma migalha qualquer” (SOUZA,
2001, p. 104).

41
Para saber mais, ver: ROCHA, Aristotelina Pereira Barreto. Expansão urbana de Mossoró (período de 1980
a 2004): geografia dinâmica e restruturação do território. – Natal, RN: EDUFRN Editora da UFRN, 2005. p. 23 –
46
48
As descrições que fomentadas em relação aos flagelados e a cidade de Mossoró vão
além do solo citadino. Na cidade vizinha, Assú, o jornal local, Brado Conservador42, faz um
prenúncio do caos que se avizinhava no ano de 1877, com o levante de pobres maltrapilhos que
rumaram para Mossoró em busca de encontrar guarida e alento. Em matérias que tinham por
título “De Mossoró nos dizem”, o jornal noticiava delitos que eram cometidos em decorrência
da fome, como fica claro nesta descrição:

[...] Na noite de hontem para hoje os habitantes de S. Antonio accommetteram uma


barcaça que chega a aquelle porto com gêneros do Governo da Parahyba, e a poderam-
se a fortiori de quarenta e quatro saccas com farinha, dez das quaes foram tomadas
hoje pela madrugada pelo Theodomiro com quatro retirantes que agora pela manha
acabaram de chegar a esta cidade, trasendo presos e escoltados trez dos salteadores
(O BRADO CONSERVADOR, 1877, p. 3).

Essa notícia remete ao ajuntamento de sujeitos que tinham o intuito de saquearem os


alimentos que vinham de outras províncias em socorro à seca. Com essa premissa, podemos
dizer que uma das primeiras formas de manifestação de massa dos sertanejos no espaço citadino
foram os “saques”43, os quais se alastraram por todo o período de estiagens, fomentando uma
urgência por parte do governo central em lidar com os constantes levantes de flagelados nos
centros urbanos, como é o caso de Mossoró.
Os flagelados, noticiados, recorrentemente, no jornal, aparecem como figuras
potencialmente perigosas. Entretanto, não são apenas eles que cometem crimes e ações
reprováveis, como fica evidente no seguinte trecho do Brado Conservador:

Assassinato casual
Da povoação da Areia-branca, do termo de Mossoró, nos dizem o seguinte, em data
de 26 de Julho ultimo:
Hoje ás 5 horas da tarde o 2º piloto da barca allemã H. Doofe, que naufragou, há
pouco, no lugar das – Urcas – desfechou casualmente um tiro que fez destampar o
craneo do infeliz Cassiano dos Santos, de 21 annos de idade, solteiro, residente nesta
povoação; isto por occasião de achar-se o mesmo piloto manobrando uma arma de

42
Esse impresso, de suma importância para se entender o período, teve sua primeira impressão publicada no dia
28 de setembro de 1876, sendo o proprietário desse periódico, o coronel Antônio Soares de Macedo. Ver:
FERNANDES, Luiz. A imprensa periódica no RN de 1832 a 1908. 2ª ed. Natal – RN: Fundação José Augusto
– Sebo Vermelho, 1998, p.125
43
Edward Palmer Thompson e George Rúde, em seus estudos sobre o campesinato na Inglaterra e França nos
séculos XVIII e XIX, buscaram explicar como as ações da multidão camponesa se organizavam durante os motins
de fome, os quais entendem que tais ações são práticas coletivas que possuem um caráter político de união,
irmandade e mutualidade, onde esses sujeitos se organizam seguindo protocolos e normas de organização que
concede as ações perpetradas por estes como objetivas, visando um bem comum no seio dos grupos. Ver os livros
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum. São Paulo: Companhia das Letras, 2005 e RUDÉ, George, F. E. A
Multidão na História: estudos dos movimentos populares na França e Inglaterra, 1730-1848. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1999
49
fogo que para isso recebeu do soldado de polícia José Bernardo (O BRADO
CONSERVADOR, 1877, p. 2).

Esse assassinato, fato inesperado, encontra espaço no periódico por causa de seu caráter
abrupto. Uma notícia desse porte faz com que as pessoas criem laços de afeição ao morto.
Jovem, solteiro e residente na localidade, suas raízes naquela povoação merecem atenção dos
moradores, e o jornal externa sua visão sobre o fato narrando o ocorrido com o infeliz. Dessa
feita, a notícia em questão nos indica que o tema “assassinato” pode esboçar inúmeros
sentimentos e mover a sensibilidade da população, nesse caso, o olhar se voltaria para o jovem
Cassiano dos Santos.
Mediante a recorrência de atos noticiados sobre diversas ações, seja num assassinato
incomum e casual ou nas ocorrências perpetradas pelos flagelados, é certo que os impressos,
bem como o poder público das localidades que enfrentaram esses casos, encontraram nesses
sujeitos a possibilidade de criar o estigma de criminoso. Com receio de que a ociosidade e a
vadiagem se estabelecessem entre o número alarmante de flagelados, o poder público de
Mossoró, ao lado da elite econômica local, decide construir obras públicas e empregar a mão
de obra dos sertanejos. Não apenas em Mossoró, mas em todo o país, o receio da ociosidade e
vadiagem já pululava naquele período, fato que fazia com que as autoridades redobrassem suas
atenções sobre vários grupos sociais, como era o caso dos negros, mendigos e ciganos44.
A figura dúbia do flagelado aparece constantemente nos periódicos, pois a situação em
que estes se encontravam os impelia para uma vida errante e criminosa. Os jornais narram seus
feitos, mas buscam, também, chamar a atenção dos populares para o quadro desumano em que
os flagelados se encontravam. Para isso, matérias incisivas são publicadas atacando o governo
que não dava atenção aos “pobres de Cristo”45 que padeciam de fome:

Cumpre igualmente que as mesmas commisões reclame do poder competente remédio


a nudez, está companheira inseparável da fome, que expondo a carne humana a aos
rigores da estação, fere a moral publica e oferece a sociedade um espetáculo assaz e
contristador.
Seria, pois de grande alcance que o Governo fizesse empregar em fazendas alguns
contos de reis, para serem distribuídos pela classe indigente, que coitada! [...] se vê na

44
Para uma compreensão mais aguçada sobre a vadiagem e os grupos considerados vadios, ver: MARTINS, Silvia
Helena Zanirato. Artífices do ócio: mendigos e vadios em São Paulo (1933-1942). Londrina: EDUEL, 1998;
KARVAT, Erivan Cassiano. A sociedade do trabalho: discursos e práticas de controle sobre a mendicidade e
vadiagem em Curitiba, 1890-1933. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998; GIANNATTASIO, Gabriel. Existências
em transfiguração: olhares sobre a vadiagem e vidas transgressoras. Antíteses, Ahead of Print do vol. 1, n. 2, jul.-
dez. de 2008.
45
Cf. ALVES, Ítala Raiane. Sociabilidades transgressoras: álcool, jogo e vadiagem em Mossoró na I República.
(Monografia de graduação em História – UERN), 2010. A autora apresenta o “coitadinho que merece ajuda”,
buscando mostrar como os periódicos vão estabelecendo um olhar de piedade para com a situação dos flagelados.
50
dura contingência de esmolar semi-nua o pão da caridade pública que quase nunca
procura o pobre em sua choupana (BRADO CONSERVADOR, 1877, p. 1).

Essa matéria tinha como pretensão cobrar atitudes práticas do poder público em relação
aos flagelados, apontando que era necessário dar assistência às famílias maltrapilhas antes que
estas infestassem a cidade e trouxessem doenças, miséria e desordem social. Conviver com o
caos dessa situação requeria muito de uma cidade ainda em desenvolvimento que buscava
estabelecer-se entre as demais, mas que, para isso, seria mister vencer as vicissitudes impostas
pelas agruras da escassez que atingia os sertanejos.
Encontramos recorrentemente resquícios do olhar de muitos periódicos para a questão
da seca e dos flagelados. Um caso particular foi a matéria feita pelo jornal Correio de Natal,
que, em 1878, conclamava a atenção para os flagelados e a situação causticante que estes
viviam. Assim, o noticiário, falando de Mossoró e Macau, espanta-se ao relatar ter em Mossoró
cerca de “50 mil emigrantes; em Macáu contão-se talvez não menos de 20 mil, e tudo isto espera
que o governo lhes dê o necessario para não morrer de fome”. O jornal continua na mesma
página e denota que para suplantar essa situação o governo “acaba de mandar empregar ou
utilisar em Macáu e Mossoró essa força desperdiçada, em obras publicas” (CORREIO DE
NATAL, 1878, p.1).
Seja como for, esses sujeitos são usados como força de trabalho pelo poder público na
província e nas cidades, caso que, em Mossoró, rendeu benesses aos comerciantes locais. Um
exemplo disso pode ser encontrado no jornal O Conservador de Natal, que, ainda no ano de
1877, expunha os gêneros alimentícios que eram distribuídos para as cidades em combate às
secas e a mortandade. No caso de Mossoró, esta recebeu “cem saccas de farinha; dez ditas de
arroz; vinte ditas de milho; dez ditas de feijão; vinte peças de madapolão; vinte ditas de
algodãosinho; duas ditas de algodão americano; quatorze ditas de chita” (O CONSERVADOR,
1877, p. 3). Tais gêneros eram repassados para os flagelados para que pudessem sobreviver aos
percalços da fome e da miséria.
As matérias do O Brado Conservador trazem uma dimensão do cenário caótico em que
Mossoró se encontrava. Atribuindo aos flagelados o mal vivenciado pela cidade, uma matéria,
publicada no dia 11 de fevereiro de 1878, aproxima-nos da desordem instalada no município:

Olhae, de fundo desses abysmos onde se revolve a miséria, onde geme os nus, os
famintos, os desamparados, é que vai sair o roubo, o furto, o assassinato e a
prostituição. É dahir que rebentam essas pavorosas cratéras que, em momentos de
profunda convulsão social, incendiam as povoações, devastam os campos e lançam
em todas as partes o grito sedicioso e atribulado do desespero e da agonia, como ora
se vê. [...] e vós que, deixastes debateram-se solitários no frio da nudez e na fome das
51
mizerias, sem lhes estender as mãos affectuosa para aliviar o desespero da sua agonia,
forjaes então cadêas e levantes cadafalsos para punir e estrangular as victimas em
nome da vindicta social (BRADO CONSERVADOR, 1878, p. 2 – grifo nosso).

Cuidar do miserável, do necessitado e do indigente deveria ser uma preocupação de


todos, para que estes desalentados não entrassem na vida bandida. Pedintes de costume, os
sertanejos já traziam consigo a experiência da mendicância em tempos difíceis, mas, nestes, era
comum serem amparados por familiares próximos, sem a necessidade de rumarem para outros
lugares para serem assistidos46.
Assim, as preocupações postuladas pelo O Brado Conservador e tão temidas pela
população, vão ocorrendo. Esse impresso vai demonstrar um olhar criterioso para a questão
moral que em períodos de seca eram burlados pela presença de andrajos que constrangiam a
moralidade da época, “rapariguinhas de 12 e 15 annos vagueião pelas ruas da cidade esmolando
o pão envolvidas em farrapos que mal amparam uma ou outra parte do corpo! A miséria
imporá!” (O BRADO CONSERVADOR, 1879, p. 2). Assim, com tom de acusação, o periódico
tinha o intuito de tornar público a situação conturbada que a cidade estava enfrentando.
Em consonância com os acontecimentos de Mossoró, além do Rio Grande do Norte,
outro estado que sofreu amargamente com os problemas ocasionados pelas secas foi o Ceará.
A multidão de flagelados que adentrava a capital, Fortaleza, evidencia o caos que esses sujeitos
estavam vivendo. Frederico de Castro Neves, informa-nos que houve três ondas de secas no
final do século XIX (1877, 1889, 1900), seguida pela de 191547. Segundo o autor, a “invasão”
de retirantes nos anos de 1877-1880 foi alarmante, como cita na seguinte passagem:

A “invasão” de retirantes em 1877-80 – que, segundo alguns observadores, chegou a


mais de 114.000 quando a população da cidade mal atingia 25.000 pessoas – provocou
uma das desordens urbanas e sociais mais graves em Fortaleza já experimentou. A
presença destes pobres, famintos e doentes, no mais grave estágio em que ainda é
possível sobreviver, exigiu uma imediata e radical mudança nos costumes e
comportamentos, nos hábitos pessoais e cotidianos e, especialmente, no uso social de
equipamentos urbanos, afetando profundamente a vida dos habitantes da capital
(NEVES, 2005, p. 144).

46
Cf. MAIA, Mônica E. Nunes. A necessidade e o chicote: seca e saque em Limoeiro do Norte/CE (1950 – 1954).
(Dissertação de Mestrado – UFC), 2005
47
Sobre a seca de 1915, ver: RIOS, Kênia Sousa. Isolamento e poder: Fortaleza e os campos de concentração na
seca de 1932. – Fortaleza: Imprensa Universitária, 2014. _______________________. Engenhos da memória:
narrativas da seca no Ceará. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2014. Na literatura uma obra singular que reconta
a seca de 1915 é O Quinze, de Rachel de Querioz. Cf. QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 75ª ed. – Rio de Janeiro:
José Olimpo, 2004.
52
Esse cenário revela os problemas que a população de Fortaleza estava encarando com a
presença dos flagelados. Um dos medos recorrentes no tocante à massa que abarrotava as ruas,
era a do aumento da criminalidade que se alardearia pelo estado em que esses sujeitos se
encontravam: famintos e desatinados. Com isso, os jornais focalizavam o caos perpetrado pelo
problema dos flagelados, colocando esses sujeitos como a principal causa da desordem e falta
de higienização de Fortaleza, fato que é percebido também em Mossoró.
No ano de 1880, uma notícia aparece no jornal O Brado Conservador, sob o título
“negócio de Mossoró”. Essa nota vem à público da seguinte forma:

Vou levar ao conhecimento do publico um facto aliás escandaloso que dá a ideia


perfeita dos maiores absurdos que se praticam dentro da cidade de Mossoró á sombra
da lei e pelas proprias autoridades publicas.
O Sr. Alf. João da Fonseca Varella, Delegado daquelle termo, arvorendo-se de Catão,
proibiu jogos dentro da cidade e no mercado publico, ameaçando matter tudo na
cadeia; no entanto ao passo que assim procedia, consentia de publico e no proprio
mercado, jogos de toda natureza, sendo feito por aquelles que lhe davam no peito e
eram seus apadrinhados!...
No principio prohibia até o innocente jogo de vispora nas casas de família, depois
dava licença para toda qualidade de jogos publicos.
Assim tambem procede o fiscal da câmara Laurentino Martins da Silveira, multando
a uns por que jogão, e jogando, até na casa do Mercado Publico, com outros parceiro
com quem se mette na carraspana para insultar a Deus e ao mundo.
Alem disto, fez prisões por causa da multa, só para o irmão que é Carcereiro despescar
os bolsos dos pobres que lhe cahem nas unhas e tem de pagar a indebita carceragem...
(O BRADO CONSERVADOR, 1880, p. 4).

A notícia em questão trazia à tona os jogos proibidos como foco de atenção e passível
de reflexão, acusando, inclusive, as autoridades de praticarem tais ações, levianamente, na
surdina. Apesar de proibidos, como evidencia a matéria, os jogos continuavam a ser praticados
por aqueles que eram colegas do delegado João da Fonseca Varella. A reportagem acusa,
portanto, a cooperação do próprio delegado com as ações proibidas. Não acaba aqui, ao
contrário, as acusações continuam e se acentuam sob os auspícios do fiscal da câmara
Laurentino Martins da Silveira, o qual é acusado de praticar jogos com colegas, mas que multa
outros pobres que desejam fazer o mesmo. O sentimento de revolta continua e conclama os seus
leitores a perceberem a prática reprovável e condenável dos que assim o faziam. Essa matéria
evidencia o desejo de ir além da notícia, fomentando uma crítica enfática aos que deveriam
cumprir a lei, mas que a deturpam e extrapolam suas funções em nome do compadrio e da
camaradagem.
A dinâmica dos jornais circundava os principais eventos que julgava importante
noticiar. O tema da seca e do flagelo retornava sempre que uma nova ocorrência aparecia para

53
ser noticiado. Um jornal do Seridó, por nome de O Povo, publicou, no dia 6 de abril de 1889,
uma notícia que trazia um levante de retirantes. Essa notícia dizia:

Constando que cerca de 2,000 retirantes existentes em Mossoró se sublevaram contra


as autoridades e atacaram ao comercio, seguio para ali em comissão o Dr. Chefe de
Policia com uma força de 20 praças, afim de acalmar o tumulto. É alguma cousa:
cabem 100 retirantes á cada praça!” (O POVO, 1889, p. 3).

Assim, o medo de revoltas com essas características faz parte da narrativa e invoca
temores de ações assim continuarem acontecendo. Outra notícia com as mesmas características
é registrada pelo mesmo impresso, sendo essa no dia 3 de novembro de 1889:

A’ fome – No dia 10 deste, em Mossoró, os indigentes apertados pela fome atacaram


o deposito de farinha que ali havia para socorros, e a destribuiram entre si. A policia
interveio; e ainda houve alguma pancadaria. O Sr. Targino Nogueira depois disto
deliberou-se a socorrer o povo. A necessidade não tem lei, e com famintos não se
brinca (O POVO, 1889, p. 3).

O medo que é perpetrado por essas ações já vinha estabelecendo-se desde a seca de
1877, como aponta Neves (2005):

Concretamente, o medo da população urbana, expresso por seus intelectuais e


jornalistas, era de que os retirantes, em desespero, atacassem as propriedades, as casas
e os estabelecimentos comerciais em busca de comida, para satisfazer sua fome animal
e biológica e, embriagados pela violência desencadeada, destruíssem o próprio tecido
social (NEVES, 2005, p. 119).

E as notícias sobre essa mesma situação aparecem recorrentemente em outros


periódicos, pululando e trazendo um cenário de desespero que os mossoroenses enfrentavam.
Outro jornal que mostrou esse quadro de debilidade foi o da capital Natal, A República, que, no
dia 21 de outubro de 1889, faz a seguinte publicação recebida de Mossoró:

Os soccorros

De Mossoró recebemos o seguinte telegrama:

Povo em desespero. Armazens do governo cheios de farinha. Mulheres armadas de


machados, atacão depositos, arrombão portas e tirão farinha. Commissão parece
reservar soccorros pagamento de votos (A REPÚBLICA, 1889, p. 1).

Num tom de petição, o telegrama conclamava a atenção de todos para a situação


degradante que estava se vivenciando em Mossoró perante o caos perpetrado pela seca e pelas
suas influências. Para além dessa situação, a nota tinha como intenção provocar indignação para

54
o caso da compra de votos que era feito com os viveres que deveriam ser distribuídos. Essa nota
prolonga-se e, em determinado momento, o telegrama denota revolta com a situação, como fica
aparente na seguinte passagem:

Mas aqui, tendo sempre presente o espectaculo doloroso da nudez e da fome –


mulheres cambaleantes e esqueleticas, creanças anemicas e esqueleticas, gente
enferma e desgraçada – é desumano – é criminoso esquecer o grande problema da
secca por amor de uma causa indeccente que chamão politica, dando a esta palavra,
que representa os interesses mais vilaes e elevados da sociedade, uma accepção baixa
e sordida (A REPÚBLICA, 1889, p. 1).

O medo por parte dos populares em relação a uma possível revolta dos retirantes era
justificável com base na desgraça que estes estavam vivenciando. Como forma de contribuição
para essa situação perpetuar-se havia a prática de trocas de alimentos pelo voto. Esse
assistencialismo provocava indignação, e o telegrama reporta esse sentimento que se fazia
presente no coração daqueles que visualizavam essa ação como desumana e perversa,
merecendo ser reprovada e arduamente criticada, como na matéria publicada pelo impresso.
No início do século XX, a atenção que era dada aos flagelados e à questão da seca,
comum nos impressos, dá lugar a crimes comuns que começam a despontar na cidade. O jornal
O Mossoroense endossa matérias que retratavam as ocorrências policiais no município, os
crimes, pequenas transgressões, ofendiam, em sua maioria, a “moral” e os “bons costumes”,
não podendo passar despercebidos pelos populares. Uma publicação datada do dia 31 de
dezembro de 1902 retrata essa situação:

Pelo Delegado José Gomes Franco foram effectuadas neste mez as seguintes prisões:
Dia 12 – Vicencia Fideliz, por imbriaguez e offensa a moral publica; Dia 13 – Thomaz
Acta por insolência; Dia 19 – Margarida de Tal e Felesmina Pereira, ambas por
insolencias, Dia 25 – Salustiano Pedreiro, por embriaguez; Dia 29 – José Avelino, por
insolencias praticadas no Upanema, deste districto (O MOSSOROENSE, 1902, p. 4).

Essa notícia revela a preocupação que começa a despontar nos impressos de Mossoró,
onde a atenção é dada as informações repassadas pelo delegado de polícia em sua função. Os
atos reprováveis em questão, sete no total, indica-nos o cuidado que é dado a questões morais,
em que a embriaguez48 é arduamente reprovada, bem como as insolências, desacatos que não
podem ser aceitos pelas autoridades policiais.

48
A repressão a embriaguez se tornou uma das maiores preocupações da polícia no período retratado, para uma
maior compreensão sobre o assunto, ver: FONTELES NETO, Francisco Linhares. O álcool, “esta maldita
essência”: notas sobre as tentativas de combate policial à prática de consumir bebidas alcoólicas em Fortaleza nas
décadas de 1910 – 1920. História e Perspectivas, Uberlândia, jul/dez. 2013
55
Com o adventício da República, a imprensa mossoroense manteria sua atenção às ações
consideradas reprováveis, e dentro destas, os flagelados apareciam como figuras esquecidas e
que mereciam a atenção do novo regime político vigente, fato que não ocorrerá de forma
concisa no regime imperial. Assim, é fomentado um discurso crítico ao governo republicano,
como fica evidente na notícia a seguir:

Na noite 11 do corrente, roubaram o armazém de viveres do Sr. Miranda. Começamos


a experimentar as consequências do indiferentismo do governo da República, que não
garante a vida ao povo, a quem deixa morrer a fome, e assim, autoriza o roubo, e
quanta espécie de crime se possa imaginar. Agora o roubo, a noite e as occltas, mais
tarde, o ataque de dia, e a mão armada! Maldição! (O MOSSOROENSE, 1904, p. 3).

É justamente esse o receio da imprensa: que os flagelados comecem a roubar, e cometer


mais delitos baseados na sua fome e miséria. O jornal não mede palavras ao colocar a culpa
sobre os auspícios do governo da República, que, segundo essa, deveria tomar conta desses
indivíduos e, por consequência, ajudar a cidade a enfrentar a seca e a fome.
Os jornais locais, O Mossoroense e o Comércio de Mossoró, eram periódicos que
traziam para a população os anseios e problemas citadinos. O Comércio de Mossoró teve
duração de apenas cinco anos, de 1902 até 1907, tinha como intuito publicar notícias voltadas
ao interesse dos comerciantes locais, os quais, em sua maioria, faziam parte da elite letrada da
cidade. Já O Mossoroense, o primeiro de Mossoró, teve seu início no ano de 1872, funcionando
até 1875, e retornando apenas em 1902. Esses jornais eram destinados à elite letrada da cidade,
que dispunha de grande influência e detinha o comércio local.
Ambos os jornais traziam constantemente notícias sobre os flagelados e acerca da fome
que se arregimentava na cidade. Segundo esses periódicos, as pessoas “caiam mortas”,
evidenciando um cenário penoso e funesto.

Pela primeira vez, nesta terra, mesmo na crise actual, o povo infringiu os seus hábitos
de reconhecida fieldade e praticou uma acção reprovada e criminosa, arrombando uma
porta do armazém de cereais em que sociam os Snrs. Vicente Motta & C. e Francisco
Antonio M. de Miranda e dali roubando na noite de 11 para 12 do corrente 56 volumes
de farinha, milho, arroz e café, únicos que restavam das vendas daquele dia. Cumpre
as autoridades empregar a sua actividade e vigilância afim de que não nos falhe, em
uma Cidade policiada as necessárias garantidas e segurança ao direito de propriedade
(O COMÉRCIO DE MOSSORÓ,1904, p. 3).

O que podemos notar é uma descrição que foca nos saques feitos ao comércio local. Ao
conclamar a atenção policial, o jornal se coloca como propagador das vozes destes sujeitos,
bem como se põe ao lado da população diante daquele momento de incertezas e instabilidade.

56
Diante desse quadro, uma ocorrência começa a despontar em Mossoró: a circulação de
dinheiro falso. O jornal O Comércio de Mossoró, que tinha como principal função a proteção e
cuidado para com os comerciantes locais, sendo o veículo de informação destes, noticia esse
evento de forma preocupante e incisiva:

Tem apparecido pelo sertão notas falsas da nova emissão, dos valores de 5$000, 10$,
50$000. Distinguem-se facilmente as notas falsas das verdadeiras pelo seguinte modo:
olhando-as através da luz não apresentam o algarismo branco do seu valor que as
verdadeiras têm, isto nas notas de 5$000 e 10$. As de 50$000, falsas, conhecem-se
pelo grosseiro das tintas, pois são mal acabadas ao passo que as verdadeiras são bem
feitas (O COMÉRCIO DE MOSSORÓ, 1905, p. 3).

O alerta é dado para que os populares tivessem cuidado com as notas falsas, atentando-
se para os pormenores que estas apresentavam seria possível perceber a diferença em relação
às notas originais. Com base nessa leitura, é notório o cuidado que o impresso postula em sua
notícia, buscando precaver os cidadãos mossoroenses e, consequentemente, os comerciantes
locais, de uma possível fraude nas notas e, com isso, perda financeira.
Um perigo recorrente que é atestado pelo O Comércio de Mossoró é o caso dos roubos.
Mossoró, vivenciando um crescimento singular no início do século XX, começa a ser alvo de
ações criminosas que suplantavam a honradez dos comerciantes locais. Nesse contexto, O
Comércio de Mossoró não mede esforços, se coloca no encalço dos malfeitores e reitera seu
posicionamento contrário aos descalabros do roupo contra a propriedade e comércio local,
defendo, com isso, sua posição e status de periódico comercial.

Vez por outra os amigos do alheio estão saqueando os negociantes retalhistas nesta
Cidade. Não há muito o sr. Francisco Duarte estabelecido com a venda a retalho na
rua do Rio, foi victima dessa Brincadeira. O Sr. Honorato Sant'Anna, um homem
pobre, com pesada família, teve a sua venda roubada por algum perverso
desconhecido. Ultimamente os Srs. Paschoal & Borges, uns mocos que agora
escarreiravam a sua vida commercial. Foram roubados em Rs...949$000, dinheiro que
na véspera deveriam ter remettido para Pernambuco, e tem encontrado saque sobre
aquella Praça, como procuraram. Cumpre que a policia esteja attenta para que não se
desenvolva nesta Cidade, a perigosa indústria do roubo, até ha pouco desconhecida
nesta honrada terra (O COMÉRCIO DE MOSSORÓ, 1905, p. 3 – grifo nosso).

Como fica evidente na notícia, os amigos do alheio, nome dado a vadios, gatunos ou
ladrões no período inicial da República49 estavam fazendo vítimas em Mossoró. O tom

49
Segundo Ana Porto, os amigos do alheio, foram personagens largamente noticiados nos jornais e faziam-se
presentes também, nos processos criminais em São Paulo no início do século XX. Ver: PORTO, Ana Gomes.
Amigos do alheio: vadios, gatunos e ladrões em São Paulo no início da República. História e Perspectiva,
Uberlândia (49), jul/dez. 2013
57
apelativo da narrativa, ao dizer que o Sr. Honorato Sant’Anna era pobre e tinha uma pesada
família para sustentar, visa conclamar a atenção dos populares para esse crime odiento e
reprovável. O restante da notícia relata outros eventos que são passíveis de crítica e condenação
e, nesse caso, a polícia deve ter cuidado, atendando-se para o perigo de se desenvolver em
Mossoró a indústria do roubo. Esse tipo de notícia visava aproximar os leitores das disparidades
ocorridas na cidade e, certamente, possuíam uma ampla aceitação, pois dando o nome das
vítimas, o impresso fazia-se conhecer os desventurados que sofreram com aquelas ações.
O medo espreitava a cidade anteriormente pacata e hodierna que, agora, agitava-se
perante os casos que apareciam recorrentemente nos impressos. Segundo Doriam Borges,

O medo do crime tem sido vivenciado por muitos grupos sociais em diferentes
contextos. Diferentes estímulos têm influenciado populações a mudarem suas rotinas
ou viverem aterrorizadas. Um desses estímulos é a crença de que se é um alvo atrativo
para uma ocorrência criminal (BORGES, 2011, p. 14).

O medo de a qualquer momento ser vítima de uma ação criminosa faz com que os
impressos divulguem mais ainda os delitos cometidos na cidade e nas cercanias. Esse método
de publicação encontra guarida numa Mossoró em crescimento e que visava estabelecer-se
enquanto empório comercial. Desse modo, vencer o crime impondo ordem se institui como um
dos motores que a imprensa local iria se alicerçar.
Enquanto os distúrbios sociais se avolumam na cidade, os impressos em cenário
nacional ganham novas características e contornos. Valéria Guimarães atesta essas
transformações no seio editorial e narrativo dos impressos a partir da mudança do século XIX
para o XX, em que estratégias discursivas começam a ser utilizadas para angariar mais leitores
e estabelecer novas áreas de influência desses impressos (2007, p. 323 – 349). Como exemplo
dessa assertiva, temos o caso das transformações urbanas que acontecerão nos principais
centros urbanos da época, como é o caso do Rio de Janeiro, onde os principais jornais 50 vão
focalizar na depreciação das favelas e cortiços ao fomentarem um discurso contra esses espaços,
afirmando serem estes lugar onde as classes perigosas habitam51.

50
Tomamos como principais impressos para essa informação, os jornais: Correio da Manhã, Gazeta de Notícias,
Jornal do Brasil, Jornal do Commercio e O Paiz. Segundo Marialva Barbosa, juntos esses periódicos alcançavam
uma tiragem de cerca de 150 mil exemplares. Ver: BARBOSA, Marialva. Os donos do Rio. Imprensa, poder e
público. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2000.
51
Cf. MATTOS, Romulo Costa. As “Classes Perigosas” Habitam as Favelas: um Passeio pela Crônica Policial no
Período das Reformas Urbanas. Desigualdade & diversidade (PUCRJ), v. 5, p. 149-170, 2009.
58
Em 1911, um crime é singularmente noticiado pelo jornal O Mossoroense. Desejoso de
chocar o público, o impresso apresenta o crime como uma “perversidade”. Desse modo, a
matéria se desenvolve:

O indivíduo Manoel Luiz Dantas, vulgarmente conhecido péla denominação - Padre


- aggrediu, no dia 22 do corrente o cidadão João Pinto de Freitas, no logar Picada
deste município, onde ambos residem, fazendo-lhe ferimentos na cabeça e peito
esquerdo, e ferindo também a mulher do mesmo paciente com um golpe na mão, dado
com o mesmo facão com que vibrara os golpes em seu inditoso marido que, por
felicidade pode escapar à fúria de seu malfeitor, fugindo do theatro da agressão. Padre
acha-se preso e é de esperar-se que da acção da justiça de nossa terra emane a
verdadeira punição, para o tal indivíduo cujos rnáos bofes são conhecidos por gente
que relata factos desta ordem, praticados por tal scelerado: tendo elle uma filha que
chupava o dedo pollegar da mão direita, esse carinhoso pai cortava-lhe a extremidade
desse dedo, em cruz, espremia-o e salgava-o em seguida, como castigo por tão
innocente habito, da criança. É o terror dos próprios filhos a quem costuma castigar
barbaramente. É merecedor de severa punição um tal indivíduo (O MOSSOROENSE,
1911, p. 2).

Perverso, esse é o indivíduo Manoel Luiz Dantas, vulgo, Padre. Sujeito que não tinha
piedade nem dos próprios filhos, agiu com extrema crueldade ao atacar João Pinto de Freitas e
sua esposa. O crime narrado pelo O Mossoroense ganha maior apelação quando fomenta o
ocorrido com a criança do acusado. Buscando trazer um olhar condenatório para com os feitos
do facínora, o impresso utiliza-se de meios persuasivos em sua narrativa para que os populares
apoiem a condenação, que, como preconiza o jornal, deve ser severa.
No caso dos impressos de Mossoró, o medo do crime se faz presente nas narrativas da
imprensa que focalizou, durante os anos finais do Império, no flagelado. Uma figura que ora
ganhava a compaixão e piedade dos populares, noutro momento medo e repulsa. Essa
duplicidade de percepções sobre o flagelado é notória nas matérias tanto da imprensa local,
como das notícias que foram sendo exploradas ao longo do texto. A transição do século XIX
para o XX ainda teria esse personagem como sendo o mais temido e noticiado, mas outros
crimes começam a despontar no munícipio, e os jornais locais narram e estabelecem suas visões
contrárias e apelativas, principalmente, cobrando da força policial ação rápida e enérgica contra
os sufrágios que vinham acontecendo.
Nosso primeiro personagem é o flagelado, que trouxe consigo inúmeras apreensões e
medo. É sua figura que causava repulsa, mas também espírito caridoso. Ele instituía em si
variadas percepções do corpo social que o recobria de preceitos, fomentando sobre este um
olhar condenatório pelo simples fato de padecer de fome. Em Mossoró, e como ficou visível
nos discursos jornalísticos de outros impressos, esse personagem merece nosso cuidado, pois
pode rebelar-se e, num ímpeto do seu instinto, acabar ferindo e matando para sobreviver. Tais
59
relatos são os que a imprensa de Mossoró e região se centraram no final do século XIX e início
do XX.
Outros crimes vão sendo veiculados pela imprensa além das ações dos flagelados. A
atenção não é dada a um sujeito específico, mas aos crimes diversos que começam a acontecer
na cidade. O crescimento urbano confluía para isso, pois, com o avanço econômico e expansão
demográfica, Mossoró estava suscetível aos inúmeros contraventores que quisessem ganhar sua
vida aqui. Conforme os crimes se alastram, os impressos possuíam novas ocorrências para
relatar e noticiar. O cotidiano, então, passa a prevalecer e tomar conta dos noticiários, agora,
ficando lado a lado das notícias políticas, antes bem mais valorizadas.

60
3 CAPÍTULO II - VIOLÊNCIA, MEDO E BANDITISMO

3.1 “TERRAS DESCONHECIDAS”: SERTÃO, SERTANEJO E O CANGACEIRO

O início do século XX é um período imbuído de transformações latentes e que podem


ser arroladas a um contexto de mutações políticas e sociais que se estabeleceram na história do
Brasil. Enquanto os grandes centros do Sudeste se estabeleciam como faróis do
desenvolvimento, sendo o Rio de Janeiro, à época, o mais reluzente e impetuoso, no Norte,
ainda sofrendo e lutando contra os efeitos das secas causticantes de outrora, serpenteia entre a
expansão de suas capitais e riqueza cada vez mais avultada nas mãos dos latifundiários, e a
pobreza, que atingia uma parcela numerosa da população.
Um dos exemplos dessa realidade caótica no início do regime republicano ocorreu sob
a gerencia do Presidente Prudente de Morais, a conhecida guerra de Canudos no interior da
Bahia, ocorrida nos idos de 1897, e que trazia em seu escopo o grito dos esquecidos e renegados,
os miseráveis que se faziam valer de sua força física para enfrentar os desatinos de uma
república sem povo, bestializada52. Jacqueline Hermann (1997), nos alerta para um manancial
de obras literárias, textos jornalísticos e ensaios, que versam sobre a guerra de Canudos e
transmitem variadas interpretações que recorrentemente veem o sertanejo como um soldado
fanático, que luta “pela terra e contra o latifúndio”. (1997, p. 16) Hermann, em outro texto,
encaminha nosso olhar para a obra clássica de Euclides da Cunha, Os Sertões, assim dizendo:

A busca de explicações para a necessidade do extermínio de uma população que


chegou a se estimar em 25.000 sertanejos miseráveis e mal armados produziu
inúmeros trabalhos, dos quais, certamente, o clássico de Euclides da Cunha foi o que
mais contribuiu para a saga conselherista fosse conhecida e discutida dentro e fora do
Brasil (HERMANN, 1996, p. 1).

Euclides da Cunha, repórter do jornal Estado de São Paulo, veio para Canudos em
agosto de 1897, para cobrir a última expedição das tropas do governo contra o arraial de Belo
Monte, logo após a morte do comandante, Antônio Moreira César. Esse evento, seguindo as
arguições de Heloísa Maria Murgel Starling (2008), mudou drasticamente a história de Canudos
e da nascente República, pois o extermínio massivo da população não demoraria a acontecer, e

52
José Murilo de Carvalho endossa uma discussão primorosa sobre os primeiros anos da República no Brasil
utilizando a célebre frase de Aristides Lobo, “o povo assistiu bestializado a proclamação da República”. Carvalho
nos leva aos conflitos sociais e políticos que propiciaram um regime sem a participação da sociedade, apenas de
grupos específicos no poder. Ver: CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República
que não foi. – São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
61
Cunha, não só cobre esse evento, como também fomenta sua visão sobre os episódios de tristeza
e carnificina perpetrados pelas tropas do governo (2008, p. 135). Assim, Cunha, termina sua
obra:

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento
completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao
entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram
quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam
raivosamente 5 mil soldados (CUNHA, 1984, p. 265).

Pensar Canudos é um exercício crucial quando o nosso intento é refletir sobre o


sertanejo. Sertão, conceito já discutido anteriormente, é antes de mais nada, espaço não
litorâneo, em alguns escritos, incivilizado, antiquado. É um conceito ambíguo, suspenso sob
inúmeras interpretações que trabalham na dicotomia entre miséria e abundância, modernidade
e arcaísmo, desigualdade e democracia, belo e feio, paz e intranquilidade 53. Um sertão
rechaçado e invisível, é assim interpretado em muitas obras literárias, como vidas secas (1938),
de Graciliano Ramos, o qual com seus personagens: Fabiano, sua mulher sinhá Vitória, os dois
filhos e a cachorra Baleia, serpenteiam pelo cálido terreno infrutífero, que não lhes concedia
vida nem oportunidades. É um lugar penoso, que por dificultar a existência dos seus, os joga
para uma vida de infortúnios e incertezas.
Os primeiros relatos de Pero Vaz de Caminha já designava às terras distantes do litoral
como sertão, lugar desconhecido, bravio e incerto. Nessa construção imagética sobre o espaço
distante do litoral florescem inúmeras visões que vão se arrolando ao medo do diferente e
estranho. Nesse mundo novo encontrado por Portugal e que constantemente estava numa guerra
entre o bem e o mal, Deus e o diabo54, os espaços ganham vida e os seus habitantes cor, forma
e aparência conforme a sua localização. Assim, nas descrições de Schwarcz e Starling (2018,
p. 47), “sertão era o local da falta e da ausência de ordem”, mas que isso, é um território
desconhecido que gerava desconfiança.

53
Para entender as dicotomias existentes e que são essenciais para entender o conceito Sertão, ver: LIMA, Luiz
Costa. Terra ignota: A construção de Os sertões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997; SOUSA, Candice
Vidal e. A pátria geográfica: Sertão e litoral no pensamento social brasileiro. Goiânia: Editora UFG, 1997.
54
Para uma compreensão sobre as constantes disputas discursivas e imagéticas entre colonos (povos indígenas) e
colonizadores (portugueses), ver: MELLO E SOUZA, Laura. O diabo na terra de Santa Cruz: Feitiçaria e
religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009; MELLO E SOUZA, Laura.
Inferno atlântico: demonologia e colonização - séculos XVI-XVIII. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1993. Ver também algumas obras que tiveram uma circulação massiva na Europa no período dos primeiros
contatos com os povos indígenas e que movimentaram a imaginação europeia: THEVET, de André. As
singularidades da França Antártica. Lisboa: [s.n], 1878. MONTAIGNE. “Os canibais”. Ensaios. Trad.. Sérgio
Milliet. São Paulo: Abril Cultural, 1972.
62
Esse lugar inóspito gerou um sujeito bastante caricato e diferenciado, que conhecendo
o terreno, se tornou uma de suas características.

A caminhar com o sol ardendo na fronte, um rosto magro e moreno que denuncia a
bravura e a força de um corpo franzino, com o bornal de couro pendurado no ombro
e os pés escaldados no ardente solo pedregoso, é desenhado o principal personagem
típico do nordeste brasileiro: o sertanejo (CARMO, 2017, p. 1).

Nas variadas descrições com as quais nos deparamos sobre a figura do sertanejo, as
narrativas dos viajantes e cronistas são as que mais contribuem para uma aproximação entre a
aridez da caatinga e desse espaço adverso, com os homens que aqui habitavam. Assim, obras
como a do inglês Henry Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil, publicado em 1816, dos
alemães Spix e Martius, Viagem pelo Brasil (1817 – 1820), publicado em 1823, e do alemão
Avé-Lallement, Viagem pelo Norte do Brasil, publicado em 1859, denotam visões bastante
singulares que reforçam a imagética do sertanejo como personagem principal desse ambiente
díspar.
Com uma visão sui generis, os viajantes esboçam um olhar exótico sobre o sertanejo.
Henry Koster ao escrever sobre essa figura, realizam comparações que enaltecem o modo de
vida desse, pois diferentemente do “peão das terras vizinhas ao rio da Prata, o sertanejo tem
sempre com ele a mulher e os filhos, vivendo em comparativo conforto” (KOSTER, 1978, p.
212). Seguindo as arguições de Koster, o sertanejo lhe parece ser um sujeito apegado ao lar e
aos seus poucos viveres, gosta de conversar sobre “seu gado e sua mulher” e que por isso, figura
ser ciumento e vingativo (KOSTER, 1978, p. 206 – 208).
Koster ainda faz descrições sobre um aspecto muito importante da vida dos sertanejos:
a religião.

[...] creio que o sertanejo é uma boa raça de homens. São tratáveis e sensíveis à
instrução, excetuando em matéria religiosa; nesse particular são fundamente
convencidos [...] São extremamente ignorantes e poucos possuem os mais modestos
rudimentos de instrução. A religião está limitada à observância de certas fórmulas e
frequente repetição de certas cerimônias e algumas orações, crença nas encantações,
relíquias e outras cousas da mesma ordem. Os sertanejos são corajosos, sinceros,
generosos e hospitaleiros. Quando se lhes pede um favor, não o sabem negar. Entrando
em negócios de gado, ou qualquer outro, o caráter muda. Procurarão enganar-vos,
olhando o sucesso como prova de habilidade, digna de elogio [...] (KOSTER, 1978,
p. 208).

A relação com o sagrado é algo percebido como característico desse homem, que mesmo
rudimentar no seu modo de viver, guarda os preceitos da crença no alforje de sua existência e
representa o mundo a sua volta com base na fé e nos ensinamentos emanados desta. Assim,
63
Koster revela o caráter bravio e generoso do sertanejo que se estabelece na fronteira de sua fé
e na coragem para vencer as intempéries impostas pelo seu habitat.
Os relatos dos alemães Spix e Martius, em sua obra Viagem pelo Brasil, revelam
detalhes sobre o sertanejo já abordados por Koster, ao descrevê-lo como hospitaleiro, corajoso
e honesto. Uma diferença apontada por Spix e Martius, é na forma de falar dos sertanejos, os
quais aparentam ser incultos, além de possuírem uma forma de se vestir bastante rudimentar e
modesta. Dessa forma, os viajantes descrevem características singulares e que devem ser
levadas em consideração pelos seus leitores:

O sertanejo é criatura da natureza, sem instrução, sem exigências, de costumes simples


e rudes. Envergonhado de si próprio e de todos que o cercam, falta-lhe o sentimento
da delicadeza moral, o que já se demonstra pela negligência no modo de vestir; porém,
é bem intencionado, prestativo, nada egoísta e de gênio pacífico. A solidão e a falta
de amor espiritual, arrastam-no para o jogo de cartas e dados e para o amor sensual,
no qual, incitado pelo seu temperamento insaciável e pelo calor do clima, goza com
requinte. O ciúme é quase a única paixão que o leva ao crime. Ademais, só a mínima
parte dos sertanejos é de origem puramente europeia; a maioria consta de mulatos, na
quarta ou quinta geração; outros são mestiços de índios com negros ou de europeus
com índios. Escravos negros são raros, devido a miséria geral dos colonos; os
trabalhos na lavoura e da criação de gado são feitos pelos próprios membros da família
(SPIX; MARTIUS, 1976, p. 66).

Com essas afirmativas, os viajantes esmiúçam a constituição étnica dos sertanejos,


fomentando uma composição mestiça numa relação entre europeus, negros e índios, sendo estes
dois últimos grupos, a maior relação. A preocupação em rotular e descrever as características
físicas do povo brasileiro, foi um dos pilares de inquirição de Martius, que, em outro escrito
importante, intitulado: O Estado de Direito entre os autóctones do Brasil (1982), reforça uma
narrativa preocupada em pensar as tribos indígenas, descrevendo rituais, as línguas distintas e
os costumes destes povos. Num momento ímpar da história nacional, onde os desígnios era de
construir uma unidade para a nação, e incutir os alicerces do progresso numa sociedade em
meio ao Império português, foi criado o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), em
1838, que visava, dentre tantos interesses, transformar o Brasil de uma ex-colônia, a uma nação,
fundamentada numa consciência histórica construída a partir dos interesses portugueses55.

55
Em um estudo clássico, Manoel Luís Salgado Guimarães, faz uma síntese criteriosa sobre o IHGB e o Projeto
de construir uma identidade nacional, ver: GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. O Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro. n. 1, 1988. Outra
contribuição importante no que concerne pensar o IHGB na construção identitária brasileira, é: CEZAR,
Temístocles. L’écriture de l’histoire au Brésil au XIXe siècle. Essai sur l’utilisation des modèles anciens et
modernes de l’historiographie. Historiografías. Revista de Historia y Teoría, v. 2, p. 45-65, 2011.

64
Nesse intento do IHGB, Martius se estabelece como figura importante; num texto
intitulado: Como se deve escrever a História do Brasil (1840), nos deparamos com uma escrita
pautada numa visão exótica e singular da população brasileira e das variadas relações étnicas
que se estabeleceram aqui. Esse escrito é importante, pois venceu o concurso feito pelo IHGB
em 1840, e mostra que a visão prescrita por Martius se alinhava aos cânones defendidos pelo
Instituto. Assim, a visão que se estabelecia e era amplamente difundida nos escritos dos
oitocentos, tinha como principal argumento pensar a população brasileira como difusa e o
sertanejo fazia parte desse olhar, onde sua formação se dava numa relação entre negros e
indígenas e isso explicaria sua adaptabilidade ao ambiente, bem como aos costumes pouco
parecidos com os europeus.
Outro relato que vem arrolado as ideias europeias vigentes nos oitocentos sobre o Brasil,
é do viajante alemão Robert Avé-Lallemant, que em suas andanças pela região Norte, traçou
inúmeros relatos com apontamentos sobre a geografia, fauna e flora e com descrições sobre a
população, na qual se debruçou atentamente. Um dos relatos mais contundentes do viajante se
deu sobre os moradores da vila de Pão-de-Açúcar, lugarejo situado na margem alagoana do rio
São Francisco:

Moram como porcos, como porcos vivem e são indolentes como porcos. E essa
preguiça faz-se tanto mais por sentir negar-lhes a Natureza tudo o que é preciso para
o conforto da vida. Alhures a necessidade torna o homem inventivo; no São Francisco
faz o povo preguiçoso, estúpido e sóbrio até a fome. Preferem morrer na necessidade
e sob vexatória carência, a suportar a terrível e vergonhosa catástrofe: o trabalho
(AVÉ-LALLEMANT, 1961, p. 311).

Num tom agressivo, o olhar do alemão sobre os habitantes do pequeno vilarejo denota
uma visão bastante corriqueira, a qual se alinhava aos preceitos difundidos na Europa do século
XIX, pois o medo do trabalho, como é apontado no relato, e nas próprias palavras de Avé-
Lallemant, ao descrever o povo do rio São Francisco como sendo preguiçosos, pode ser
encontrado na taxonomia biológica de Carolus Linnaeus (1707 – 1778), que dividiu a espécie
humana em quatro grupos:

(a) Índios americanos – coléricos, rígidos, obstinados, possuem cabelos pretos e lisos,
rosto severo, barba rala e pele cor de cobre. Estariam contentes apenas quando em
liberdade e seriam regulados pelos constumes e tradições; (b) Europeus – gentis,
inventivos e inteligentes. Teriam cabelos loiros ou marrons e olhos azuis. Seriam
governados pelas leis; (c) Asiáticos – melancólicos, severos, rígidos e avarentos.
Teriam cabelos e olhos escuros e seriam governados por opiniões; (d) Africanos –
relaxados, espertos, preguiçosos e negligentes (LIMA; SANTOS, 2016, p. 219).

65
Os africanos, segundo a descrição contida na divisão, são considerados preguiçosos e
indolentes, Popkin (1999) ainda infere que possuem a pele, os cabelos e os olhos escuros, e
seriam regidos por caprichos. Essa segmentação foi bastante difundida durante vários anos e
corrente na Europa. No caso do Brasil, onde a população em sua maioria nascerá das múltiplas
interações entre europeus, africanos e indígenas, era comum o trato de uma parcela dessa
população, como as considerando inferiores e aproximando-as das exposições e ideários
europeus. Assim, Avé-Lallemant alicerça sua narrativa numa percepção bastante comum da
época, ao proferir palavras como preguiçoso, estúpido e sóbrio, o alemão se firma na premissa
de que o povo em questão herda o gene das relações étnicas que compõem o Brasil.
Embora Avé-Lallemant demonstre um desapreço e até rispidez ao comentar sobre os
moradores da vila de Pão-de-Açúcar, próximo ao rio São Francisco, ele atenua um pouco as
palavras ao falar sobre o sertanejo, comentando acerca da vida árdua e sem conforto dessa figura
caricata que encontrou:

Numa natureza como essa, tendo à sua disposição recursos próprios que não procura
absolutamente melhorar, ou aumentar, leva o vaqueiro do sertão uma vida precária,
solitária, miserável, cuja rude forma exterior negligencia também a vida íntima ou
espiritual. Além do seu gado, das suas moléstias e acidentes, nada emociona essa raça
de homens na sua maioria fuscos, de sangue africano e índio, sobretudo deste último.
Para eles não existe um mundo exterior, uma história, nenhum fato, quando não chega
diretamente a ele. E um viajante é sempre um acontecimento, sobretudo um europeu.
Oferecem-lhe hospitaleiramente o rancho e lhe dariam algo que comer, se eles
próprios o tivessem. Enquanto têm leite e queijo, estão abundantemente providos
como os vaqueiros dos Alpes (AVÉ-LALLEMANT, 1961, p.317-318 – Grifos
nossos).

Inicialmente o viajante retrata a precariedade e pobreza que os sertanejos viviam, sendo


solitários é possível entender o valor que esse dava aos poucos viveres que dispunha, por isso
o ser vaqueiro, ou seja, que cuida do gado, ganha nos relatos dos viajantes, um lugar de
destaque. Nesse interim, os relatos de Avé-Lallemant se relacionam com a visão que vai se
delineando sobre o Norte do Brasil nos oitocentos, onde a geografia árida, a seca devido à falta
de chuvas e os seus habitantes, se entrecruzam numa junção inseparável e ao falar de um desses
três representantes do Norte, é apontar para o outro.
Nos idos dos oitocentos uma figura que aparece nos itinerários é a do dono de terras.
Seja durante o período colonial, onde os donos de engenhos perfaziam um poder local, outrora
já comentado, ou os fazendeiros, detentores de reses de gado, e por conseguinte, influenciador
local e personagem proeminente. Os vaqueiros, na singeleza de sua vida, mantinham laços de
dependência e respeito em relação aos senhorios que numa troca de interesses, cediam parte de

66
sua terra para o vaqueiro e sua família, na qual, estes podiam cultivar uma pequena plantação
para sua subsistência e cuidar do gado do senhor, formando vínculos de compadrio e de defesa
militar, quando necessário.
Já no período colonial somos informados que estes donos de terras recebiam o nome de
homens bons, os quais possuíam um papel fundamental na ordem e controle dos pequenos
vilarejos e províncias, impondo, através das Câmaras Municipais, os seus interesses e
propagando nas cercanias, o seu poder e nome.56 Essa difusão que se dava, fazia com que esses
indivíduos se tornassem conhecidos e temidos, prontos para agir em função de sua honra
quando julgassem necessário. Assim, era comum que fazendeiros, proprietários de engenhos e
de outras paragens armassem pequenos contingentes de homens para proteger seu potentado e
fazer valer a sua autoridade.
Embora durante o período colonial existisse uma máquina burocrática criada por
Portugal com a função de cuidar e organizar o domínio da coroa no Brasil, o vasto território
impedia que houvesse fiscalização e controle efetivo em cada área, daí as arguições de Caio
Prado Júnior nos são salutares para pensar esse fato:

A complexidade dos órgãos, a confusão de funções e competência; a ausência de


método e clareza na confecção das leis, a regulamentação esparsa, desencontrada e
contraditória que a caracteriza, acrescida e complicada por uma verborragia abundante
em que não faltam às vezes até dissertações literárias; o excesso de burocracia dos
órgãos centrais em que se acumula um funcionalismo inútil e numeroso, de caráter
mais deliberativo, enquanto os agentes efetivos, os executores, rareiam; a
centralização administrativa que faz de Lisboa a cabeça pensante única em negócios
passados a centenas de léguas que se percorrem em lentos barcos a vela; tudo isto, que
vimos acima, não poderia resultar noutra coisa senão naquela monstruosa, emperrada
e ineficiente máquina burocrática que é a administração colonial (PRADO JÚNIOR,
1977, p. 333 – 337).

Nas palavras do autor, alguns fatores podem ser arrolados para pensar a ineficiência da
“monstruosa máquina burocrática” criada por Portugal, como é o caso da ausência na clareza
das leis, que corroboravam para que estas fossem deixadas de lado em terras distantes, assim
como num funcionalismo repleto de ineficiência devido ao excesso de burocracia em que estava
imerso. É possível, aludir, ainda, uma pontuação feita por Prado Júnior ao citar a distância de
Lisboa em relação ao Brasil, fato que contribuía na demora da tomada de decisões importantes

56
Para uma maior compreensão sobre os homens bons, ver: COMISSOLI, Adriano. Os “homens bons” e a
Câmara de Porto Alegre (1767 – 1808). (Dissertação de Mestrado em História) – Universidade Federal
Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, 2006. Ver também: CUNHA, Fernando. Elites Políticas Municipais no
Brasil-Colônia: Homens-bons da Curitiba setecentista. (Dissertação de Mestrado em História) – Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, 2003.
67
que dependiam da coroa; assim, com o absentismo operante entre a metrópole e a colônia, bem
como com o crescimento populacional dessa última em evidência, torna-se essencial a figura
de sujeitos que pudessem ocupar a ausência portuguesa, fato que levou muitos proprietários de
terras a ocuparem espaços de destreza e imporem seus interesses nos espaços mais tenros da
colônia.57
Na organização da colônia portuguesa podemos elencar fatores que propiciavam o poder
nas mãos de homens com essas características, posto que o vasto território, com propriedades
extensas sob o domínio de poucos, formou núcleos privados, que sob o mando do pater58 se
encobriam de ações individualistas que eram perpetradas por estes e que entravam no
imaginário local, firmando sua importância em suas terras e cercanias. Assim, através da
concessão de sesmarias, portugueses nobres, comerciantes e militares a serviço da coroa,
começam a se firmar nas terras brasis e iniciar um processo de relações sociais que circundavam
seus interesses e estavam sob a sua supervisão e aceitação.
Durante o período imperial, esse mandonismo começa a receber nomes diversos com
base no seu lugar de origem. Na maior parte do Brasil, recebeu a alcunha de coronelismo, no
Rio Grande do Sul de caudilhismo e no vale do São Francisco de chefismo.59 Embora com
designações diferentes, o foco é pensar no poder de ação desses sujeitos que vai se fortalecendo
conforme as redes de dependência vão se avolumando no limiar da história tanto do Império,
como na República.
Com a vinda da família real para o Brasil em 1808, modificações vão se arregimentando
no vasto território que logo se tornaria Império. O ideário de modernidade se estabelece a partir
das mudanças estruturais que vão dando cor e brilho a cidade que receberá o rei e os nobres da
corte portuguesa: Rio de Janeiro. Estradas alagadas são pavimentadas, saneamento, iluminação,
rede de abastecimento de água potável, dentre tantas melhorias físicas, buscavam tornar o Rio,
uma cidade bela e intocável. Porém, como assevera Lilia M. Schwarcz (2008, p. 6), “se a vila
se modificou para se vestir como capital do império português, as permanências são evidentes.

57
Numa discussão bastante importante, Maria de Fátima Silva Gouvêa, num texto primoroso, recorre a
historiografia para mostrar como vários autores ao longo dos anos, vem mostrando as dificuldades enfrentadas por
Portugal para manter o controle sobre a colônia e como isso vai criando brechas para outros atores sociais imporem
suas individualidades na construção política e social da colônia, no caso do texto em questão, a autora trabalha
com o Rio de Janeiro na transição do século XVIII para o XIX. Cf. GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Redes de
Poder na América Portuguesa: o caso dos Homens Bons do Rio de Janeiro (1790 – 1822). Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 18, n. 36, p. 297 – 330, 1998
58
Remontando a história antiga, tal sujeito era na formação da Grécia, o líder principal do núcleo familiar,
exercendo papel jurídico, administrativo e religioso.
59
Essas designações podem ser encontradas no texto: CARONE, Edgard. Coronelismo: Definição Histórica e
Bibliográfica. Revista de Administração de empresas (FGV). n. 11, v. 3, p. 85 – 92, 1971.
68
Suas casas e traçados coloniais, suas festas tomadas por costumes africanos, seus hábitos
alimentares orientais... nada permite duvidar de um universo obrigatoriamente plural”. Nesse
misto de transformações é comum atritos e revoltas começarem a despontar, tanto na capital do
Brasil, como no restante da colônia. O Rio de Janeiro, por exemplo, “era uma cidade de 60.000
habitantes, o censo de 1821 já apontava para uma população em torno de 79.321 pessoas,
contando o alto número de estrangeiros que fixaram residência (em torno de 100.000 mil
pessoas)” (MEIRELLES, 2015, p. 12).
É com essa mudança no cenário nacional que inúmeras ocorrências vão se
desabrochando no Império, instituindo a criação de mecanismos para contensão de revoltas e
controle sobre a volátil sociedade que queria tornar-se cada vez mais livre. No período
regencial, momento de agravamento de motins e dissidências, nasce a Guarda Nacional no ano
de 1831. Após a abdicação de D. Pedro I, ascende ao poder estadistas liberais que buscavam
encontrar alternativas para o controle das revoltas e, para isso, optaram pela criação de um
mecanismo de coerção e em contrapartida, iniciaram um processo de desmantelamento do
exército com a intenção de extinguir as antigas milícias e extirpar as ordenanças de origem
colonial que ainda se encontravam enraizadas no exército.60
Com isso, a Guarda Nacional ganha um fator político, visto que os soldados que iriam
compor esse novo corpo seriam mais aptos por possuírem um comportamento de distinção,
sendo civil e politicamente, recatados e equilibrados. Com efeito, o objetivo era formular um
corpo obediente que trabalhasse em prol dos interesses da nova elite política brasileira.
Obviamente o termo “nacional” visava dar corpo ao projeto de integrar a nação sob o mesmo
regimento repressivo e mostrar um interesse por parte dos novos dirigentes em centralizar as
decisões e ações que tanto se esfacelaram sob o mando de D. Pedro I. Embora o intento fosse
uniformidade e aplicar a extensão da Guarda Nacional de imediato em todo o território, isso
não foi possível, ficando, no início, restrito apenas no centro-sul, e só depois é que chega nas
demais localidades do Império.61
Esse novo corpo coercitivo possuía de forma geral algumas características que nos são
salutares para entendermos como o título de coronel e a importância dada a proprietários de
terras, bem como de políticos das várias localidades onde essa guarda vai ser criada, vão se

60
Ver: CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro das sombras:
política imperial. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003; DORATIOTO, Francisco. General Osorio:
a espada liberal do Império. São Paulo, Companhia das Letras, 2008.
61
Para ver mais sobre o processo de implementação da Guarda Nacional na região Norte (Nordeste), acessar:
SILVA, Wellington Barbosa. Sob o império da necessidade: Guarda Nacional e policiamento no Recife
oitocentista (1830-1850). CLIO. Série História do Nordeste (UFPE), v. 28.2, p. 1-17, 2010.
69
entrelaçar com o militarismo nascente nesse momento e contribuindo para que estes poderosos,
arregimentassem em suas mãos mais poder e força, assim, seguindo as arguições de Jeanne de
Castro:

A Guarda Nacional estava subordinada às autoridades civis que, no município, era o


juiz criminal mais antigo, na falta deste, o juiz de paz mais velho. Na escala regional
seguia-se, hierarquicamente o presidente da província e, na escala nacional, o ministro
da Justiça, na Corte. Eram formadas Guardas Nacionais nas paróquias e curatos do
município, cabendo às câmaras municipais a organização dos corpos, com o
alistamento dos cidadãos, inscritos nos livros de matrícula, por ela subministrados.
Outro elemento municipal, o juiz de paz, formava o conselho de qualificação,
composto de seis eleitores do distrito, dentre os mais votados e, quando não houvesse
número suficiente de eleitores, podia completá-lo o juiz de paz, convocando novos
elementos (CASTRO, 1977, p. 175).

Respeitando uma burocracia bastante robusta, a Guarda Nacional não pertencia a


qualquer um, ao contrário, seguia uma lógica de posição e importância das autoridades em
exercício. Nossa atenção, todavia, se alicerça sobre os municípios que possuíam as guardas,
nestes, como é possível ver no texto acima citado, era de responsabilidade das câmaras
municipais organizar o corpo, como também alistar os membros que iriam compor as guardas.
Como discutimos anteriormente, um dos sujeitos que possuíam lugar de destaque nas
câmaras municipais eram os homens bons, que, em sua maioria, consistia em proprietários de
terras, latifundiários, que usavam do seu poder local para instituir seus interesses nestes espaços
públicos. A Guarda Nacional, assim, passa a fazer parte de um emaranhado político onde sua
maior patente, a de coronel, passa para as mãos destes senhorios. Nasce então, uma das figuras
mais emblemáticas e discutidas da história brasileira: o coronel. Edgar Carone, assevera sobre
esse posto dado aos mandatários locais:

Em cada um dos nossos municípios existia um regimento da Guarda Nacional. O posto


de Coronel era geralmente concedido ao chefe político da comuna... Eram, de
ordinário, os mais opulentos fazendeiros ou os comerciantes e industriais mais
abastados, os que exerciam, em cada município, o comando – em – chefe da Guarda
Nacional (1977, p. 85).

Nesse interim, os proprietários de terras vão se alicerçando e estabelecendo conexões


que seriam cruciais no mantimento do seu poder. Tal urdidura, ultrapassou os interstícios da
história brasileira, se fortalecendo numa conexão mais vivida ainda durante o período
republicano. Na verdade, o “o coronelismo passou a significar um complexo sistema de
negociação entre esses chefes locais e os governadores dos estados, e destes com o presidente
da República”, mas que um simples sistema, a figura do coronel possuía importante função,

70
pois “seria um dos elementos formadores da estrutura oligárquica tradicional baseada em
poderes personalizados e nucleados, geralmente, nas grandes fazendas e latifúndios brasileiros”
(SCHWARCZ; STARLING, 2018, p. 322).
Na trama de ação dos coronéis, correlacionamos seu exercício e mando à figura outrora
discutida: o vaqueiro. Em grande parte da literatura que versa sobre esses sujeitos, existe uma
aproximação que liga o mando de um sobre o outro, bem como a ação deste ordenado em
obediência ao mandatário. Embora estejamos lidando com um dos conceitos mais debatidos ao
longo da história – coronelismo – e que ganhou destaque através da obra de Victor Nunes Leal,
Coronelismo, enxada e voto, de 1948, nos é salutar pensar não no sistema intricado em que
estes senhores proeminentes estão inseridos, mas na relação deles com os seus subordinados.
Assim, o contexto em que redobramos nosso olhar é do início do século XX, momento em que
a conjuntura política, social e econômica brasileira passava pela mutação de uma República
gerida por militares para um momento de projeção de políticos civis ligados ao café e por isso,
próximos ao campo.
É através de Campos Sales (1898 – 1902) que a política dos governadores62 se
estabeleceria no cenário nacional e concederia maior poder aos mandatários locais. Num
federalismo bastante presente, os primeiros decênios do século XX trariam novos arranjos
políticos que priorizavam a normatização constitucional do regime, limitação da participação
popular, presentes na restrição da cidadania, cedida a poucos homens letrados, e num
falseamento da representação política que estava submersa por um federalismo desigual63.
Montado o palco, a atuação dos coronéis viria a ser potencializada com base na Constituição
Federal de 1891, que atribuía aos estados a organização dos municípios, desde que fosse
garantida a estes autonomia para que pudessem cuidar dos seus próprios interesses (art.68). É
nesse artigo constitucional que reside o poder local, este que não poderia ser questionado e
como Campos Sales mesmo assinou, através da política dos governadores, não haveria
interferência do poder Executivo.

62
Esse é o termo utilizado para descrever o arranjo político promovido pelo presidente Campos Sales e os
governadores e presidentes estaduais que visava a não interferência presidencial nos conflitos regionais em troca
do pleno controle do Executivo sobre o Congresso. Para saber mais sobre o pensamento e formação de Campos
Sales, ver: CORRÊA, Arsênio Eduardo. O pensamento político de Campos Sales. Revista Estudos Filosóficos.
nº 3, 2009, p. 142 – 153; ver também, a obra crucial e bastante lúcida sobre Campos Sales, a política dos
governadores e os coronéis: LESSA, Renato. A invenção republicana: Campos Sales, as bases e a decadência da
Primeira República Brasileira. 3. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2015.
63
Os pormenores dessas características presentes na Primeira República, podem ser acessados e mais aprofundados
em: VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. Unidos perderemos: a construção do federalismo republicano brasileiro.
Curitiba: CRV, 2017
71
No que tange sua força local, deve-se ter em mente que o coronel não se resume apenas
a latifundiários, na verdade, o bacharelismo adentrou a essa função de proeminência nos
municípios, sendo que muitos coronéis eram advogados, médicos, engenheiros que já exerciam
suas profissões nos próprios municípios. A estrutura desses poderosos é rebuscada e ampla,
Maria Efigênia Lage de Resende assim escreve:

Ocupada a liderança no seu município, o coronel, de quem todos dependem, tem sua
base de poder local estruturada a partir de alianças com “pequenos coronéis”,
geralmente líderes nos distritos que compõem o município, com as “personalidades”
locais – médicos, advogados, padres, funcionários públicos, comerciantes e
farmacêuticos, entre outros –, além de uma guarda pessoal, formada por capangas e
cabras. Em caso de necessidade, ele não hesita em organizar milícias privadas
temporárias, mobilizadas em situações de confronto armado com coronéis rivais e
mesmo contra governantes de seus estados. Parte do sistema, a capangagem e o
cangaço desempenham um enorme papel nas lutas políticas municipais (RESENDE,
2018, p. 96).

Essa liderança se relaciona com a posição de destaque que o coronel possuía dentro dos
municípios e lugarejos que dependiam direta ou indiretamente de sua pessoa. Vários são os
casos em que estes sujeitos interferiam na política a nível estadual, fato que instituía, em muitos
momentos, instabilidade até no processo político em âmbito nacional64. Assim, com sua guarda
pessoal, os coronéis utilizavam da repressão e do medo para conseguir ter os seus propósitos
conquistados e manter sua posição de destaque perante outros coronéis de menor expressão. É
nesse emaranhado de relações que o cangaço ganha novas expressões e usos, se fazendo
necessário para muitos coronéis que se utilizavam desses “cabras” como forma de provocar as
mais tensas sensações nos adversários.
Essa relação – coronelismo e cangaço – já conta com um arsenal conciso de estudos que
buscam trazer luz sobre os meandros que tecem o contato entre os bandos e os coronéis, fato
que é percebido na transição do século XIX para o XX e que ganha força conforme os coronéis
se sentiam ameaçados de perder o seu mando nos municípios e para isso se alicerçavam nas
armas das trupes que encarregavam-se de reprimir e fazer valer a sua autoridade. É no início do
século XX que uma das figuras mais emblemáticas e conhecidas da história do banditismo no
Brasil vai ser elevada: Lampião. Se o cangaço enquanto fenômeno endêmico da região Nordeste

64
Sujeitos como o Padre Cícero, tido por muitos como coronel em Juazeiro do Norte, e também José Pereira Lima,
coronel importante da cidade de Princesa e que resistiu com ferrenha força contra João Pessoa, na Paraíba, são
exemplos de como esses homens de posses e terras, se utilizavam do seu poder para comandar jagunços com a
intenção de fazer dos seus ideários respeitados e temidos. Para uma discussão maior sobre o assunto, ver:
CARONE, Edgard. A revolta de Princesa: uma contribuição ao estudo do mandonismo local, Paraíba, 1930.
Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, (21), 110 – 114, 1979; NETO, Lira. Padre Cícero: poder, fé e
guerra no sertão. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. v. 1. 558p
72
possui várias obras que visam explicá-lo, um dos agentes responsáveis por esses estudos foi
Lampião.
Virgulino Ferreira da Silva, conhecido como Lampião, é uma figura complexa e
bastante biografada. Aclamado por uns e odiado por outros, o rei do cangaço, como é lembrado,
tornou-se símbolo de desordem e coragem nos sertões nordestinos no início do século XX.
Embora o cangaço não tenha começado com ele, é através de suas ações que esse fenômeno se
tornou conhecido e estudado. Um exemplo de expansão do conhecimento do cangaço além das
fronteiras brasileiras se encontram numa publicação da revista britânica The Economist, que no
ano de 1993, fez uma menção ao famoso cangaceiro: “Lampião, Brazil’s backlands bandit of
the 1920s, is still remembered fondly in some parts as an occasional justice- maker.” (THE
ECONOMIST, 1993, p. 45). No trecho citado, a revista relembra um dos fatos mais comentados
sobre a vida do cangaceiro: que ele é lembrado em muitas partes como símbolo de luta pela
justiça.
A ambiguidade existente no cangaço e nas visões que vão ser construídas dos
cangaceiros é algo visível na literatura sobre o tema. Ações de grupos no sertão nordestino é
algo que antecede e muito o próprio Lampião e os seus “cabras”, embora os escritos destes
sejam escassos e pouco acessíveis. Exemplo vivaz dessa assertiva é a obra intitulada Cabeleira,
publicada em 1876 de Franklin Távora, a qual remonta sobre a vida errante de José Gomes,
conhecido comumente como Cabeleira. Távora insere em sua narrativa, elementos que se
tornariam fundantes para se pensar nos bandos que surgiriam após Cabeleira, como é o caso da
vingança como fator crucial para a entrada na vida do crime, bem como a traição como agente
impulsionador dos delitos65. Seguindo o rastro deixado por Távora, Rodolpho Theophilo narra,
em sua obra Os Brilhantes de 1885, sobre a vida de Jesuíno Brilhante, epíteto de Jesuíno Alves
de Melo Calado, inserindo outro ator no campo do banditismo que ainda veria outros elementos
crivarem sua história.66
Cabeleira e Jesuíno Brilhante encenam um enredo repleto de sedução e fascínio, pois
suas ações vão ser lembradas como corajosas e até, em alguns momentos, bondosas. A
construção do “bom bandido” se faz presente nos escritos que se debruçaram sobre estes,
glorificar e expandir suas ações vão ser essenciais nesse intento. Assim, cantigas, contos,
cordéis, e afins, vão recontar façanhas e histórias sobre estes bandoleiros e que embora pouco
relembrados, jazem como importantes para se pensar em ações delituosas que já ocorriam por

65
Ver: TÁVORA, Franklin. O cabeleira. São Paulo: Ática, 1988.
66
Ver: THEOPHILO, Rodolfo. Os brilhantes. Brasília: Instituto Nacional do Livro/MEC, 1972.
73
onde passavam. Outro nome que se ergue com tenacidade é o de Antônio Silvino, que viu seu
nome ser inscrito como um dos cangaceiros mais importantes entre o final do século XIX e o
início do XX, onde sua atuação foi massivamente publicada pela imprensa que tinha como
pretensão mapear e dar nota de suas ações67. Os contos vão ser muitos e evidenciam o olhar que
vai ser construído acerca das ações desse sujeito, num trecho escrito no livro As proezas de
Antônio Silvino, que tem como autor Leandro Gomes de Barros, publicado no ano de 1908, traz
palavras do cangaceiro de como enveredou na vida errante do cangaço:
Eu hoje podia ser
Um distinto cavalheiro
Mas a justiça faltou-me

Devido a não ter dinheiro,


Meu pai foi assassinado
Eu para me ver vingado
Fiquei sendo cangaceiro

Eu achei um desaforo
E uma falta de ação
Um cabra matar meu pai
E nem dar satisfação
Matei e o fiz em postas
Abri ele pelas costas
Arranquei-lhe o coração (BARROS, 1908, p. 2).

Em formato de poema, as razões para entrar na vida do crime perpassam pela


necessidade de vingar a morte do pai, que em valentia ferrenha estripa o mal feitor arrancando-
lhe o coração em ação enérgica e resoluta. Rodolpho Theophilo escreve uma menção parecida
sobre Jesuíno Brilhante:

A sua família, como todas as famílias sertanejas, não deixava de ter suas rixas,
intrigas, motivadas em sua maioria pela política. O Brilhante, entretanto, vivia alheio
às lutas, porque seu gênio, como ele dizia, não dava para brigar [...]. Uma mudança
radical havia se operado naquela criatura. Portador da neurose de homicídio, herdada
de um de seus ascendentes maternos, mas, até então, em estado latente, Jesuíno teria
talvez logrado viver sem matar, se não tivesse sido testemunha do assassinato de seu
parente (THEOPHILO, 1972, p. 76).

Seja Jesuíno, ou até Antônio Silvino, as justificativas para o ingresso no banditismo é


bastante recorrente na literatura, existem eixos explicativos que visam dar conta das motivações
destes sujeitos no início de sua carreira criminal, alguns abordam que o meio em que estes
viviam formaram a índole criminosa desses indivíduos, outros buscam elucidações na ciência,

67
Para uma compreensão e maior discussão sobre a vida e feitos de Antônio Silvino, ver: WIESEBRON, Marianne
L. Antônio Silvino, cangaceiro do Nordeste: sapériode d'activités, 1897-1914, Thêse de troisiême cycle, janvier
1980; QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. Os cangaceiros. São Paulo. ed. duas cidades, 1977; BAPTISTA, Pedro.
Cangaceiros do Nordeste. Parahyba do Norte, Livraria São Paulo, 1929
74
como é o caso da Antropologia Criminal, como forma de mostrar as ações destes como doença
ou predisposição para o crime, e ainda existe o eixo explicativo que entende o cangaço e as
ações destes grupos como sendo uma insurreição classista68.
Estes homens servem como inspiração, retratando as lutas constantes num momento
onde a pobreza se sobressai, os bandoleiros, assim, vão se tornar figuras hercúleas e que se
firmam através de contos escritos em seus nomes. “O imaginário sertanejo deu formato de
epopeia às narrativas dos confrontos entre valentes, mitologizados como símbolos da coragem
do homem sertanejo” (BARROS, 1998, p. 160). A dinâmica dos escritos sobre os cangaceiros
entra numa esteira de trabalhos que vão ser desenvolvidos na literatura por diversos autores que
homogeneízam discursos na intenção de criar um espaço ímpar e diferente, nasce nesse interim
o Nordeste. No pós-1910 o saudosismo, aliado a memória, resgata tradições, hábitos e práticas
que intentam construir um produto a ser conhecido e reconhecido enquanto espaço69 de
destaque, repleto de representações que vão se delineando conforme os escritos desses autores
se desenrolam. Durval Muniz de Albuquerque Júnior trata o cangaço como um dos
componentes que integram a construção regional, uma identidade que é forjada sob os auspícios
de obras que faziam parte da literatura do Norte.70
Essa literatura ganha uma marca diferenciada: ela, em grande parte, foi escrita por
autores contemporâneos dos cangaceiros, e por isso, suas narrativas são repletas de paixão e
entusiasmo. Gustavo Barroso é um exemplo desse tipo de autor, cearense e contemporâneo de
Lampião e Silvino, Barroso escreveu inúmeras obras sobre assuntos relacionados ao Nordeste,
inserindo nessas discussões o cangaço com primazia.71 A importância dos seus escritos se
inserem na construção folclórica que é dada ao cangaço e dos seus representantes, como
responsáveis pelo alvorecer de um conjunto de ações que podem ser lidas como revoltas de um
povo cansado do julgo da miséria que lhes era imposta. As críticas que recaem sobre Barroso

68
Para uma compreensão mais extensa dessas motivações, ver: CARNEIRO, Gabriel de Campos. No Rastro dos
Cangaceiros: em busca de novas trilhas para a apreensão de um movimento social. (Dissertação de Mestrado) –
Universidade de Brasília/UNB, Brasília, 2010.
69
Enquanto espaço, estamos nos alicerçando no conceito trabalhado por Michel de Certeau que denota uma
amplitude maior para espaço em detrimento de lugar. O espaço é um lugar onde existe a modificação constante da
ação humana. É no espaço que os indivíduos constroem suas vivencias e essas interações modificam esse espaço,
pois ele é constituído e delimitado por esses agentes. Sendo assim, não é algo meramente físico, mas é também
simbólico. Para uma maior discussão, ver: CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1994
70
Para compreender melhor como o cangaço se tornou um dos elementos representativos do Nordeste, ver:
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. Recife, PE: FJN, Ed.
Massangana, São Paulo, SP: Cortez, 2001
71
Para compreender a visão de Barroso sobre o cangaço, ver: BARROSO, Gustavo. Heróis e bandidos. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1917; ___________________. Almas de lama e de aço. São Paulo. ed. Melhoramentos,
1930
75
são inúmeras e, em sua maioria, se assentam no pouco uso do autor de fontes confiáveis, fato
que é perceptível em trabalhos como À margem da história do Ceará de 1962, bem como em
sua primeira obra Terra do Sol, de 1912, na qual já versa em poucas linhas sobre o cangaço.
Em consonância com Barroso e bastante influenciado por esse, nos deparamos com os
escritos de Xavier Oliveira que em sua obra Beatos e Cangaceiros. História real, observação
pessoal e impressão psychologica de alguns dos mais celebres cangaceiros do Norte, de 1920,
reconta como, em sua visão, os cangaceiros da região do Cariri enveredavam na vida do
cangaço e tinham ações honráveis por causa da influência do Padre Cícero e de beatos locais
que corroboravam para que estes ‘’cabras’’ não cometessem violência desenfreada. No calor
do momento, outro autor que conduz a sua escrita baseada na vivência e contato com os
cangaceiros foi Manoel Candido, que escreveu a obra Factores do Cangaço de 1910 a 1930,
publicada no ano de 1934, e que remonta a partir do seu lugar de origem, Pernambuco, os
eventos que levaram Antônio Silvino, Sinhô Pereira e Lampião a entrarem na vida do cangaço.
A partir da década de 1930, José Lins do Rêgo começa a escrever sobre seu contato com
os cangaceiros. Literato importante, suas obras entram num panorama de manuscritos que
versam sobre o regionalismo e apresentam o cangaço como um dos polos principais que
caracterizam esse espaço. Assim,

Em Franklin Távora e José Lins, o interesse pela figura do cangaceiro surge, portanto,
no mesmo solo ideológico e cultural que informa suas concepções de espaço e de
literatura regionais. O cangaceiro, como tipo legendário da tradição cultural popular
nordestina, constitui uma das expressões mais genuinamente regionais,
representando, por extrapolação, o que o país tem de mais peculiar em suas raízes
(FARIAS, 2006, p. 186).

É importante visualizarmos que o cangaço nas obras de Lins do Rêgo é algo que vai
ganhando cores e tons conforme os anos de sua produção vão se desenhando. A primeira obra
que cita de forma ainda tímida o cangaço é no romance memorialístico Menino de Engenho
(1932), e seguindo o contato com esse tema noutra obra Fogo Morto (1943) e por fim, dedica
um volume exclusivo para o fenômeno em Cangaceiros (1953). É nesse cenário que
percebemos a transformação de um elemento social “externo” para “interno”, modificando o
fato para outra dimensão, como é proposto por Antônio Candido em Literatura e Sociedade
(2014): “saímos dos aspectos periféricos da sociologia, ou da história sociologicamente
orientada, para chegar a uma interpretação estética, que assimilou a dimensão social como fator
de arte” (CANDIDO, 2014, p. 17).

76
Nessa trilha que seguimos até aqui nos envolvemos em diversas obras que versaram
sobre o cangaço de forma ora participativa, comprando suas ações e acatando seus feitos, ou
acusativa, instigando questionamentos e asseverando julgamentos. Transitamos por obras
memorialísticas, bem como literárias, que massificaram ideários sobre os cangaceiros e num
instinto de mapear acabaram orquestrando a construção de uma identidade para estes indivíduos
que tinha como espaço de ação os sertões das provinciais no ainda Império, do Norte, que tinha
como principais representantes Cabeleira e Jesuíno Brilhante, e na República, já no processo
de construção do Nordeste, nascem nomes famosos como Antônio Silvino, Sinhô Pereira,
Lampião e Corisco.
É a partir destes últimos dois agentes citados: Lampião e Corisco, que o cangaço entra
em outro ciclo onde alguns autores entendem como mais violento e de maior extensão.72
Embora reconhecidamente mais truculenta e atroz, a atuação de Lampião e do seu bando
ganhou inúmeras menções honrosas, sendo transformado através da literatura de cordel num
mito e herói.

O cangaceiro é o herói por excelência (...). Nas obras cordelianas contemporâneas, é


visto como o tipo heroico legítimo, maior do que a vida, verdadeiro cavaleiro do sertão
(...) Mais do que em qualquer outro tema do cordel, vê-se aqui o processo folclórico
de idealizar a realidade, convertendo-a em mito ou lenda (CURRAN, 2001, p. 61).

Não é apenas a visão dos cordelistas, memorialistas e literatos que descrevem essas
características, há uma visão romanesca sob a figura do bandoleiro que faz justiça com as
próprias mãos, Francisco Pernambucano de Mello insere essa percepção ao narrar as razões
para o ingresso na vida errante do cangaceiro: “(...) o cangaço figura como última instância de
salvação para homens perseguidos. Representava nada mais que um refúgio, um esconderijo,
espécie de asilo nômade das caatingas” (MELLO, 2004, p. 89), essa lógica seguida por Mello
é bastante usual e perfaz o olhar que muitos dispunham sobre os que enveredavam por esse
caminho, Hobsbawm em seu estudo clássico Bandidos, assim escreve:

São heróis, não a despeito do medo e horror que inspiram suas ações, mas, de certa
forma, por causa delas. São menos desagravadores de ofensas do que vingadores e
aplicadores da força; não são vistos como agentes de justiça, e sim como homens que
provam que até mesmo os mais fracos e pobres podem ser terríveis (HOBSBAWM,
1975, p. 54).

72
Para um panorama da ação e de como o cangaço ganhou novos contornos com Lampião e Corisco, ver:
CHANDLER, Billy Jaynes. The Bandit King: Lampião of Brazil. Texas A & M University Press, 1978; MELLO,
Francisco Pernambucano de. Quem foi Lampião. Zurich, Stahli, Recife, 1993; MACEDO, Nertan. Lampião,
Capitão Virgulino Ferreira. Editora Renes, Rio de Janeiro, 1975; SOARES, Paulo Gil. Vida, paixão e morte
de Corisco, o Diabo Louro. L & PM Editores, Porto Alegre, 1984.
77
Nas descrições feitas por Hobsbawm existe variadas possibilidades para se pensar o
bandido. Ele é fruto de algo, que em dados momentos é atribuído ao meio em que este vivia,
noutros, a um acaso em sua vida, o levando a vingança, aos infortúnios e intempéries. O fato é
que ao discutirmos sobre estes sujeitos estamos lidando com narrativas plurais que dificilmente
seria possível elencar um caminho apenas para compreensão das razões ou motivos para o
ingresso no cangaço. Se são heróis, mitos, lendas, bandidos, facínoras ou malfeitores, o tempo
até aqui mostrou que é impossível bater o martelo, até porque, não somos feitos juízes sob suas
vidas, ao contrário buscamos desnudar aquilo que ainda nos cabe conhecer sobre seus feitos e
ações.
No percurso até aqui seguimos um eixo de discussão que visou salientar a importância
do espaço – sertão do Norte e posterior Nordeste – de sujeitos, vaqueiro, sertanejo e por
conseguinte, cangaceiro, este último sendo invariavelmente ligado a figura do coronel, sob a
qual também comentamos, buscando compreender que embora tanto o espaço quanto os
sujeitos já foram massivamente discutidos por outros autores, salientamos a necessidade de
alicerçar os nossos argumentos perante o solo que outrora já fora pavimentado. A partir desse
momento iremos enveredar por notícias e matérias da imprensa que faziam frente às
movimentações dos bandos de cangaceiros e que massificaram ideários, provocando em alguns
momentos, medo e inquietação nos seus leitores.

3.2 NO CALOR DA NOTÍCIA: A IMPRENSA, O CANGAÇO E LAMPIÃO

O nome de Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, ecoa até os nossos dias como
figura complexa e ambígua. Os debates que gravitam em torno de sua pessoa e feitos remontam
o período de sua atuação, onde vários memorialistas e literatos escreviam epopeias e contos
sobre suas façanhas e peripécias, as quais ainda sobrevivem no tempo e no espaço. A história
de vida de Lampião também foi alvo, ao longo dos anos, de inúmeras intrigas e burburinhos, o
que é dado é que ele nasceu em Serra Talhada (PE) nos idos de 1897/8, sua família, os Ferreira,
entraram num conflito com os Saturninos, família rival e que fez com que Lampião desde cedo
tivesse contato com as intrigas e embates entre famílias no sertão, algo corriqueiro e
caracterizador do período de sua nascença.73 Além das contendas com os Saturninos, Lampião

73
As rixas entre famílias é algo, no Brasil, que remonta desde o período colonial, tornou-se uma tônica na história
brasileira e ganha no período de transição do Império para República novos contornos conforme a força dos
coronéis é ampliada, para saber mais sobre, ver: CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade,
78
tem em sua trajetória uma marca de vários enfrentamentos com perseguidores de cangaceiros,
como os Nazarenos, de Floresta (PE); em 1923, também com o coronel Zé Pereira, em Princesa
(PB); em 1924, noutro conflito, enfrentou Clemente Quelé, conhecido perseguidor de
cangaceiros, em Triunfo (PE).
Esses combates mostram o quanto o cangaceiro se tornou experimentado e por causa
destes, conhecido em toda região circunvizinha. Outro evento de igual importância na vida de
Lampião foi o seu encontro com o Pe. Cícero em Juazeiro do Norte no ano de 1926. Esse
encontro tinha como pretensão unir forças contra a Coluna Prestes que circulava o Brasil desde
o ano de 1925 e que visava derrubar da presidência Arthur Bernardes74, assim, essa reunião
entre estas duas figuras memoráveis arregimenta para Lampião uma nova página e um novo
título que iria ser lembrado durante sua trajetória: a de Capitão. Fato singular na vida do
cangaceiro, sua passagem em Juazeiro do Norte rendeu inúmeros relatos tanto em jornais, como
em folhetos de cordéis, que eternizaram esse momento. Com o nome já avultado Virgulino
Ferreira não perdeu tempo e posou como famoso para fotos e, “distribuiu muitas dessas
fotografias com o seu autógrafo e fez questão de posar ao lado de toda a sua família [...]”
(LUSTOSA, 2011, p. 63).
No ano de 1927, na cidade de Mossoró (RN), o cangaceiro enfrentou uma forte
resistência saindo com baixas em sua trupe, pois morreu Colchete e Jararaca. No ano de 1929
conheceu sua companheira Maria Bonita em Paulo Afonso (BA); e em 1938 combateu a volante
chefiada pelo tenente João Bezerra, essa que partiu de Piranhas (AL) rumando para à Gruta de
Angico, em Poço Redondo (SE), local onde em combate, tombou Lampião. Embora tenhamos
traçado um pouco do caminho trilhado pelo mais famoso cangaceiro, suas ações e feitos, fazem
parte de um longo repertório cultural que institui discussões acaloradas ainda em nossos dias.
Além de pesquisas que visam dar conta de sua vida nos pormenores das evidências, os lugares

modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918 – 1940). Campinas, SP: Editora da UNICAMP, Centro de Pesquisa
em História Social da Cultura, 2000; MELLO, Evaldo Cabral de. O Nome e o Sangue – uma parábola familiar no
Pernambuco Colonial. 2ª ed., Rio de Janeiro: Topbooks, 2000; SILVA; MENEZES ALMEIDA. Laços de sangue:
crimes e família na história do Brasil. In: SILVA, Gian Carlo de Melo. Os Crimes e a História do Brasil:
abordagens possíveis. Maceió: EDUFAL, 2015
74
“[...] O levante tenentista de maior repercussão foi a Coluna Prestes/Miguel Costa, que varreu o país de 1925 a
1927 [...]. Se o motivo imediato era derrubar o governo do presidente Arthur Bernardes, outras demandas tinham
fôlego maior. Seus membros exigiam o voto secreto, a reforma do ensino público, a obrigatoriedade do ensino
primário e a moralização da política. Denunciavam, também, as miseráveis condições de vida e a exploração dos
setores mais pobres. A Coluna era fruto da união do grupo de tenentes paulistas (vinculados a Miguel Costa) com
os militares sublevados no Rio Grande do Sul e comandados por Luís Carlos Prestes. Este último logo se
converteria em símbolo do espírito de mudança que animava os tenentes, ganharia a admiração dos setores médios
urbanos e se converteria no Cavaleiro da Esperança, tendo a Coluna suas fileiras engrossadas pela entrada de
voluntários vindos de diferentes pontos do país.” (SCHWARCZ; STARLING, 2018, p. 348)
79
que tiveram contato com Lampião acabaram se tornando zonas privilegiadas, vendendo itens
relacionadas ao cangaceiro, além de se colocarem dentro do circuito do turismo cultural.75
Nessa pesquisa Lampião passa a ser investigado como figura de destaque entre os
bandidos de sua época, nosso olhar se volta principalmente para os idos da década de 1920 que
é o período onde sua atuação vai ser amplamente noticiada pelos impressos e o medo sobre suas
ações proliferadas nos lugares em que este passou e nos circunvizinhos que ouviam falar sobre
seus feitos. A imprensa entra como agente motriz na busca pelo paradeiro do cangaceiro,
movendo inúmeras páginas de matérias e notícias que eram requintadas com palavras atrativas
com o intuito de aguçar o interesse dos leitores. Fato importante nessa lida é que só no ano de
1922 as notícias começam a aparecer sobre o cangaceiro, ainda de forma bastante tímida, pois
seu nome não era conhecido e suas ações pouco visíveis, como fica evidente no trecho extraído
do jornal A Província, pequeno periódico com publicação bissemanal que circulava na cidade
de Recife, Pernambuco: “Consta que os cangaceiros de Lampeão voltaram do sertão
pernambucano e acham-se agora no município alagoano Paulo Afonso” (A PROVINCIA, 1922,
p. 3), essa é a primeira notícia que o nome de Lampião aparece nesse impresso, tal ocorrência
é datada do dia 23 de setembro e faz parte de um espaço importante nos periódicos que eram
os telegramas.
Assim, Lampião já não se encontrava mais em Pernambuco, mas estava rumando para
outros lugares, estendendo suas ações. Embora pouco conhecido, a notícia do jornal A Província
carrega uma informação crucial: “os cangaceiros de Lampião”, isso quer dizer que nesse
momento e através desse informe, Lampião não estava atuando só, como já chefiava um bando.
No dia 10 de outubro do mesmo ano, as ações do cangaceiro aparecem em outro telegrama
vindo de Alagoas: “O bandido Lampeão saqueou hontem um morador do logar Baixa, perto de
Jatobá” (A PROVINCIA, 1922, p. 3), e no dia 24 de outubro, o periódico traz a seguinte
chamada em letras garrafais:

O GRUPO CHEFIADO PELO CANGACEIRO ‘LAMPEÃO’ ESTA EM ALAGOAS


O dr. Secretario do Interior do visinho Estado de Alagoas em telegrama que hontem
transmitio ao sr. Desembargador Silva Rego, chefe de polícia, disse ter feito perseguir
o grupo de cangaceiros, chefiado pelo celebre faccinora “Lampeão”, que acaba de

75
Para uma discussão mais abrangente sobre o tema do turismo cultural, pensando esse dentro de uma dinâmica
de políticas públicas do Estado voltados para essa área, ver: CALABRE, Lia. Políticas Culturais no Brasil:
balanço e perspectivas. Terceiro encontro de estudos multidisciplinares em Cultura - III ENECULT, UFBa,
Salvador, 2007; BÓLAN, Eduardo Nivón. La política cultural. Temas, problemas y oportunidades. México:
CONACULTA/FONCA. 2006; SOUZA, Lincoln Moraes de. Políticas públicas: introdução às atividades e
análise. Natal: EDUFRN, 2009; JOBERT, Bruno; MULLER, Pierre. L’Etat en action: Politiques publiques et
corporatismes. Paris: Presses Universitaires de France, 1987.
80
assassinar o coronel Luiz Gonzaga, em Belmonte, visto lhe constar estar o mesmo
faccinora em territorio daquele Estado.
A policia pernambucana tambem saiu no encalço do referido grupo (A PROVINCIA,
1922, p. 8).

A chamada da notícia enfatiza o nome de Lampião como chefe do bando e no decorrer


do telegrama temos alguns termos sendo utilizados para descrever o cangaceiro: celebre e
facínora. O assassinato do coronel Luiz Gonzaga entra no rol de crimes que Lampião e seu
bando vinham cometendo no território alagoano, e como o final da notícia atesta, a polícia de
Pernambuco embrenhava-se na luta e encalço do cangaceiro. O ato de ceifar a vida do coronel
Luiz Gonzaga ganhou notoriedade em outro periódico pernambucano, dessa vez, no Jornal de
Recife76que no dia 21 de outubro (1922), lançou a seguinte manifestação:

Recebemos hontem, de Belmonte, o seguinte despacho telegraphico sobre os factos


occoridos:
Cidade hoje madrugada foi atacada pelo grupo de Tibertino Ignacio, Lampeão, ordem
na ordem, com certeza, família Pereira, com maior responsabillidade Yoyô Maroto,
residente neste municipio, inimigo do coronel Luiz Gonzaga.
Houve grande resistencia do referido coronel. Parte do grupo entrou na casa, roubaram
destruiram tudo e assassinaram com barbaridade o coronel Luiz Gonzaga (JORNAL
DE RECIFE, 1922, p. 3).

É notório que esse caso ganhou extensão devido a vítima ser um coronel e o uso da força
desmedida por parte do bando é atestada com o termo “barbaridade”, para comentar como se
deu o crime. O papel desses impressos nesse momento vai ser crucial para a expansão do
conhecimento das ações de Lampião e seus ‘’cabras’’, a imprensa pernambucana, já bastante
sólida e articulada, desponta como a mais informativa entre as outras dos estados vizinhos.
Nesse momento há uma articulação forte contra o banditismo e a imprensa se estabelece como
sendo porta-voz e propagadora das medidas dos estados e mapeia os lugares onde o bando de
Virgulino Ferreira passa.

76
O Jornal de Recife, publicou seu primeiro número em 1859, e possuía como princípios basilares: “instruir e
deleitar, moralizando, tal é o fim a que se dirige o Jornal do Recife”. Ainda em seu escopo de criação, o jornal
alerta para o fato de escreverem para “qualquer inteligência” e para todas as classes sociais. Seu nascimento se
inscreve no período de Segundo Reinado onde a imprensa começa a gozar de maior liberdade e atenção, coisa não
vista e possível sob o mando de D. Pedro I, no Primeiro Reinado. Assim, o Jornal de Recife se alicerça como um
dos pilares de notícias da capital pernambucana, possuindo, no seu início, um teor literário, pois suas matérias
eram em primazia, publicação de trechos de livros, bem como poemas, essa lógica muda conforme os eventos e
mudanças sociais vão se desenrolando, como é o caso da Guerra do Paraguai (1864 – 1870), a abolição da
escravidão (1888) e o advento da proclamação da República (1889). Se ainda dentro do Império esse periódico
envolvia-se em questões sociais de amplitude na época, na República esse alicerça suas matérias sob os principais
eventos em ocorrência, por isso, a partir da década de 1920, até um pouco antes, o periódico já noticiava sobre o
banditismo no sertão e os seus propagadores. Cf. NASCIMENTO, Luiz do. História da Imprensa de
Pernambuco (1821 – 1954). Imprensa Universitária – Universidade Federal de Pernambuco, 1966
81
A perseguição implementada pelas volantes policiais contra Lampião, encontra na
década de 1920, uma República buscando sua consolidação e por isso, precisando manter a
ordem e estabelecer sua posição contra os bandidos. Dessa forma, uma operação é montada em
conjunto para deter o avanço das agitações perpetradas por Lampião e seu bando, sete estados
da região Nordeste, auxiliados pelos governos da União, iniciam uma caça ao cangaceiro que
resistiu e orquestrou inúmeros embates conseguindo se esgueirar e fugir das volantes. Diante,

Dos seguidos insucessos das forças policiais, cresciam os rumores entre os sertanejos,
soldados e imprensa de que Lampião seria dotado de poderes sobrenaturais. Teria o
corpo fechado, seria invulnerável e invencível. Este aspecto que aqui denominamos
de “figuração mística do cangaço” remete para as formas de representação imagética
de Lampião (CLEMENTE, 2013, p. 136).

Esse misticismo em torno da figura de Lampião faz com que sua imagem e feitos
ganhem enorme divulgação e amparo perante os sertanejos. Baseado nesse crescimento do
bandido Virgulino, vários homens são convocados para o combate ao cangaceirismo e são
chamados de exército de sertanejos que se colocam contra as ações de Lampião, porém, se
existiam aqueles que eram contra, também coexistiam os coiteiros, que auxiliavam o
cangaceiro, dando avisos prévios e seguindo a frente da trupe ensinando melhores caminhos a
atalhos para fugas e assaltos.77
Uma notícia que atesta a inserção da imprensa como auxiliar no combate ao banditismo,
pode ser encontrada no jornal Diário de Pernambuco78, que no dia 26 de junho de 1923, na
seção Fatos Diversos, publicou a seguinte matéria:

Repressão ao banditismo

O coronel João Nunes, commandante da Força Publlica recebeu hontem telegramma


do tenente-coronel Antonio Quintino de Lemos, commandante das forças volantes
operando no sertão, communicando que devido a energica atuação dessas mesmas
forças nenhum assalto ou roubo se tem verificado ali, ultimamente.

77
Para saber mais sobre os exércitos dos sertanejos e também sobre os coiteiros, ver: VILLELA, Jorge Luiz Mattar.
Operação anti-cangaço: As táticas e estratégias de combate ao banditismo de Virgulino Ferreira, Lampião. Revista
de Ciências Humanas, Florianópolis, n. 25, p. 93 – 116, 1999
78
O Diário de Pernambuco foi fundado em 7 de novembro de 1825 que no seu início fora criado como folhas de
anúncios, como forma de propagandear itens à venda em Recife e região. Seu primeiro proprietário foi o jornalista
Antônio José de Miranda Falcão, que participou da confederação do equador (1824), mostrando interesse, através
das páginas do jornal, em começar a lidar com questões políticas e sociais, coisa que o fez com o decorrer do
tempo nesse impresso. Mergulhou no início da República em vários embates com o Jornal de Recife, sendo este,
contrário ao Diário de Pernambuco, ambos buscavam se estabelecer como o principal meio de comunicação de
Recife, luta que perdurou por várias décadas até o Diário de Pernambuco conseguir se firmar como o maior jornal
pernambucano, existindo até os dias atuais, sendo o jornal mais antigo ainda em circulação em toda a América
Latina. Para uma compreensão maior sobre este impresso, ver: SILVA, Silvio Porfirio. A notícia no jornal O Diário
de Pernambuco (1825 – 1925): uma abordagem histórica. Revista Temática. Ano IX, n. 12, dezembro, 2013
82
Quando ao paradeiro do bandido Lampeão, affirma-se com fundamento que elle se
acha entre Villa Bella, Floresta e Belmonte. A extensão do territorio, porém, não tem
permittido encontral-o (O DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 1923, p. 4).

Essa troca de informações faziam parte do conjunto de ações criadas para o combate ao
cangaceirismo, nota-se que tais medidas não encontravam fácil aplicação pois, como essa
notícia mostra, o território muitas vezes impedia que houvesse a captura e apreensão do
cangaceiro, além disso e como citado, ele contava com o auxílio de muitos coiteiros, bem como
de coronéis que dando guarida e proteção em seu potentado, acabavam utilizado do trabalho
desses asseclas para o seu próprio benefício.
Notícias que traziam os pormenores dos conflitos também ganham grande visibilidade,
pois não só deixam os leitores inteirados dos eventos, como mostram a força das volantes em
ação, no Jornal Pequeno (PE)79, na transcrição de um telegrama no dia 13 de agosto de 1923,
essa lógica é divulgada e ganha o nome de “eficiência da ação policial”:

Contra o banditismo

O exmo. sr. dr. governador do Estado recebeu hontem, do coronel João Nunes,
commandante da Força Publica, um telegramma communicando que o grupo chefiado
pelo celebre Lampeão, teve um encontro com uma das forças volantes, que lhe andam
no encalço, havendo demorado tiroteio.
Os celebres cangaceiros Satyro e Bello ficaram mortos, internando-se os demais pela
catinga, um delles ferido.
Accrescenta o commandante que as forças, distribuidas por diversos pontos,
continuam a realisar o plano de envolver o bando de faccinoras (JORNAL
PEQUENO, 1923, p. 1).

Essa notícia traz à tona a capacidade de repressão, por parte das forças policiais contra
os bandidos que, celebres por serem conhecidos, acabam perdendo sua vida no confronto. Essas
mortes entram na notícia como forma de mostrar que a ação pode ser encarada como bem
sucedida e por isso, deve-se manter a atenção sobre estes ‘’cabras’’, que ganham a mata numa
fuga com um ferido. Fato interessante sobre as ações dos cangaceiros e das notícias em torno
dessas é que elas se mantêm de forma cronológica e ganhando cada vez mais notoriedade
conforme o nome de Lampião e de seu bando vão se tornando mais conhecidos. Um exemplo
disso é o que o Jornal Diário de Pernambuco, publicou no dia 27 de março de 1924:

79
O Jornal Pequeno nasceu no ano de 1898, filho da República, carregou consigo, nos primeiros anos, ideais
republicanos e a defesa pela garantia de uma participação popular ativa, a qual não vai ser atendida nos primeiros
anos do regime republicano, fato comentado pelo impresso em algumas oportunidades, entrando na dinâmica dos
impressos do Recife, esse jornal começa a partir da década de 1920, publicar várias matérias que tinham como
escopo as ações das volantes contra o banditismo, se fortalecendo nesse período e passando a angariar vários
leitores. Ver: NASCIMENTO, Luiz do. História da Imprensa de Pernambuco (1821 – 1954). Imprensa
Universitária – Universidade Federal de Pernambuco, 1966
83
O BANDITISMO NO INTERIOR

O desembargador chefe de policia recebeu hontem do major Theophanes Torres,


commandante de uma força volante, ora em Villa Bella, o seguinte despacho:
“communico que hontem pelas 10 horas, no logar “Lagoa Vieira” deste município,
distante 12 leguas, tive um encontro com o grupo de bandidos chefiado pelo famoso
“Lampeão” com o qual a força sob o meu commando travou forte tiroteio.
Os bandidos logo se puzeram em fuga pela Serra da Catinga, conduzindo feridos
inclusive Lampeão, esse, parece em grave estado. Ali ficou morto um cavallo
pertencente aos bandidos. Sahi na perseguição ao grupo pelos rastros de sangue
deixado pelo caminho. Depois de uma legua, no logar denominado “Barros” fui
surprehendido de emboscada, resultando novo tiroteio, sahindo varios bandidos
feridos, sendo que desta vez tres praças de pollicia de minha força sahiram tambem
feridas sendo duas em estado grave. Logo providenciei na remoção das praças feridas,
deixando de continuar a perseguir os bandidos (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 1924,
p. 4).

Lampião já é chamado de famoso, nesse momento a luta que o major Theophanes Torres
vivenciou com o bando ganha um tom incrível num relato repleto de detalhes e aventura. A
realidade se mistura com o entusiasmo e os feitos de repressão, ganham sinais de força ao relatar
os feridos que não conseguiram suportar a força da volante, embora tenham conseguido fugir.
O sangue ainda podia ser encontrado na mata, evidencia factual da capacidade de reação dos
policiais nesse embate, vencer o famoso Lampião não seria fácil e esperar resistência por parte
dele deve ser algo sempre presente na tropa que nessa luta teve seus feridos também.
As notícias que podem ser arroladas dos jornais pernambucanos são inúmeras e em
grande medida tinham como títulos: “perseguição ao banditismo”, “feitos de Lampião”, “o
banditismo no interior”, “perseguição a Lampião”, “sobre o banditismo”, entre outros. Esse tipo
de notícia muitas vezes vinha na parte designada para os fatos diversos ou nos telegramas, mas
alguns casos ganhavam espaço de matéria única e com uma chamada especial e atrativa, como
uma encontrada no Jornal Pequeno, datada do dia 26 de agosto de 1924, que dizia: “o
governador do Estado recebe telegramma communicando a morte de ‘Lampião’ e outros”, com
uma notícia dessas o objetivo é de mostrar que o invencível e já aclamando Lampião tombara
num combate com as forças policiais, no decorrer da nota, salienta que esse malfeitor trazia
medo e causava horror por onde passava, elencando os Estados de sua atuação, como “nosso
Estado (Pernambuco), Parayba, Rio Grande do Norte e Ceará”, segue dizendo que “para dar
combate ao bandoleiro, foi estabelecida uma convenção entre os governadores dos citados
Estados”, e por fim termina relatando que Lampião e outros cangaceiros foram mortos na
Paraíba numa ação conjunta e bem estruturada dos Estados Nordestinos (JORNAL PEQUENO,
1924, p. 3).

84
Embora essa matéria traga a morte de Lampião, o fato é que ele não foi morto nesse
combate, na verdade, notícias como essas sobre sua morte, paradeiro e afins, não eram
incomuns, apareciam nos impressos e contribuíam mais ainda para a visão do cangaceiro ser
invencível, quando ele aparecia novamente causando desordens e se fazendo valer de seu nome.
Os periódicos pernambucanos são fontes importantes para visualizarmos a dinâmica de notícias
sobre o cangaceiro, porém esse tipo de notícia não se resumia apenas a Pernambuco, é possível
encontrar relatos também na imprensa cearense, como nessa narrativa do jornal A Ordem:
Trabalho e Justiça80, publicada no dia 17 de setembro de 1925:

Proezas do Lampeão
Fortaleza, 15 – O famigerado Lampeão, acompanhado de 35 cangaceiros, conseguiu
envolver a polícia parahybana e penetrar no município de Princesa, neste Estado,
assassinando, ali, quatro amigos do deputado estadual cel. José Pereira e ferindo a
mais dois soldados (JORNAL A ORDEM, 1925, p. 1).

A despeito da ação de Lampião no território paraibano, o essencial no telegrama


publicado no jornal A Ordem, é que este tinha como princípio informar os feitos do famigerado
cangaceiro tão próximo ao território cearense, seria um alerta para possíveis ataques e afrontas
desses “cabras”. Os assassinatos cometidos pelo bando causa consternação principalmente por
estes serem atrelados a figura de um deputado conhecido e aclamado no território paraibano, o
coronel José Pereira, além disso, mostra o quanto Lampião com sua horda estavam bem
equipados, enfrentando a força policial da Paraíba e também os jagunços do próprio coronel.
Com essa ação, é possível aludir que Lampião continua atuante e encontra-se
embrenhado na caatinga dos Estados da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, denotando a
necessidade de uma atenção redobrada para seus atos. No dia 28 de outubro de 1925 um
telegrama do pequeno município de Maurity (CE), conta que Lampião com seu bando estavam
apenas a dois quilômetros de distância da cidade, fato que causava um grande alarme nos
munícipes pois o lugarejo contava com apenas “2 sargentos e uma praça da Força Publica” (A
IMPRENSA, 1925, p. 1). Nesse mesmo impresso, jornal A Imprensa: Orgam do Partido
Democrata Sobralense81, temos outro telegrama na mesma página do anterior relatando que o

80
O Jornal A Ordem foi fundado na cidade de Sobral no ano de 1916 para servir de órgão oficial ao Partido
Republicano Conservador de Sobral, seu funcionamento se deu até o ano de 1940, e dentro dos anos de atuação
de Lampião e seu bando, publicou inúmeras matérias condenando os feitos do cangaceiro, bem como daqueles que
o ajudavam, inclusive, tecendo críticas a figuras cearenses que eram famosas por ajudar cangaceiros. Para saber
mais sobre esse periódico, ver: LIMA, Jorge Luiz Ferreira. Espectros de lutadores: história, memória e imprensa
em Sobral/CE no início do século XIX. Outros Tempos, Vol. 13, n. 21, 2016
81
O jornal A Imprensa:Orgam do Partido Democrata Sobralense, tinha sua publicação uma vez por semana e
pertencia ao Partido Democrata de Sobral, CE. Jornal com caráter combativo, deteve nos anos de sua duração,
uma enorme aceitação e circulação na zona norte do Ceará e tinha como diretor, no seu início José Passos Filho.
85
cangaceiro contava com 34 homens armados e tinha passado em Murity rumando para outros
lugarejos, bem municiado e equipado. O interesse do impresso em informar e mapear os passos
do bando no Ceará, descrevendo os fatos em Murity e sua debandada para outros espaços, ganha
uma nova informação, nesse caso, pessoal do próprio Lampião: “consta que o famoso
cangaceiro Lampeão está cego de um olho”. (A IMPRENSA, 1925, p. 4) Seja os telegramas
publicados na primeira página do jornal, com intento de mostrar a atuação do grupo no Ceará e
o que estes causavam por onde passavam, ou, o pequeno informe escrito na última página,
versam sobre algo em comum: Lampião estava no Ceará e sua estadia ali exigia atenção e
cuidados.
Na primeira página do jornal A Ordem (CE), no dia 19 de novembro de 1925 uma notícia
contando as “proezas de Lampeão” são publicadas:

O celebre bandido Lampeão, depois de zombar da policia cearense, mandando carteis


de desafios, asseverou haver vindo ao Carìry recrutar gente para fazer uma declaração
de guerra official aos Estados da Parahyba e Pernambuco. Adiantou que era seu plano
formar um grupo de 1000 homens, estando o seu estado do maior já estabelecido,
figurando elle no posto de coronel (A ORDEM, 1925, p. 1).

Essa matéria ganha a primeira página do impresso pois carrega um fato singular:
Lampião zombou da força policial do Ceará e ainda revelou o que fazia por essas cercanias. O
cangaceiro revela também que sua vinda para esses lados da região era para construir uma força
que pudesse debelar com os Estados da Paraíba e Pernambuco, ambos no encalço do cangaceiro
desde sua entrada na vida do cangaço. O contingente requerido, 1000 homens, já estava sendo
montado e seu posto, de coronel, assegurado, mostrando assim, sua capacidade de organização
e sua indiferença aos oficiais cearenses que não conseguiram lhe capturar.
Como mostrado na matéria anterior, Lampião estava circulando nos Estados, montando
uma força maior, ora roubando, trazendo desalento por onde passava e acrescendo seu nome já
tão conhecido e falado. No dia 20 de fevereiro de 1926, um telegrama é publicado no jornal A
Imprensa (CE), que narrava uma perseguição implementada pela polícia pernambucana e que
culminou na morte do próprio Lampião (A IMPRENSA, 1926, p. 1). Essa informação nos é
salutar para visualizarmos as andanças do cangaceiro nas fronteiras e espaços de sua atuação.
Esgueirando-se na vegetação, imprimindo uma vivência própria e resistência calcada no
conhecimento da área, Lampião desponta como uma figura que já ganha espaço singular nos

Para saber mais, ver: ARAÚJO, Oswaldo. Imprensa do passado. Revista do Instituto do Ceará, p. 112 – 116,
1974.
86
periódicos e informações que traziam suas ações passam a receber atenção e em muitos casos,
até a primeira página dos impressos.
Se por um lado a notícia de fevereiro trazia a morte de Lampião como certa, outra do
dia 27 de março mostra o contrário: “o bandoleiro Lampeão continua impunemente na zona do
Cariry”. (A IMPRENSA, 1926, p. 1) Como já comentado anteriormente, matérias que traziam
o fim do cangaceiro eram recorrentemente publicadas nos impressos, nesse caso, logo se tornou
visível a imprecisão da notícia saída em fevereiro, visto que o bandoleiro Lampião já retornava
para as fronteiras do Ceará e Paraíba, circulando e causando arrepios em suas marchas. Não é
de se admirar que a imprensa do Rio Grande do Norte comece também a formular matérias
sobre estas ações e pensar nos atores sociais que instituíam o medo através de atos cruentos,
como era o caso dos cangaceiros.
Na capital norte-rio-grandense, Natal, o jornal A República82aparece como um dos
principais veículos do Estado, inscrevendo-se como canal de matérias com viés político e
partidário, por isso, as notícias sobre cangaço demoram a aparecer no impresso, mesmo assim
uma matéria foi publicada no dia 7 de agosto de 1926 sob o título “o cangaceiro a luz da
criminologia”, na qual o autor Mario Coriolano se alicerça nas teses de Jeseph Maxwell,
lançadas numa obra intitulada Le crime et la société de 1909, que visava, no campo da
criminologia, pensar o criminoso com base em teorias raciais que determinariam suas ações
baseadas na predisposição destes para o crime. Nas narrativas de Coriolano, “o cangaceiro,
homicida e ladrão, é um composto característico de tendencias oppostas e inconciliaveis. Delle
podemos dizer que espanta pelo contraste”, a ambiguidade apontada por Coriolano tem um
reflexo na complexidade que ele aponta de se entender as razões para o ingresso na vida do
crime, porém, mesmo assim, ainda intenta criar caminhos para se pensar estes sujeitos:
“producto do meio, por receber em cheio as influencias mesologicas, é tambem um producto
de si mesmo, herdeiro infeliz de todas as taras ancestrais que lhe maculam a raça”. (A
REPÚBLICA, 1926, p. 1. Grifos nossos)

82
O jornal A República foi fundado no ano de 1889, no dia 1 de julho, por Pedro Velho de Albuquerque Maranhão,
esse que viria a ser o primeiro governador republicano do RN. Como o próprio nome já aludia, o impresso seria
um forte veículo de cunho político e que serviria como enunciador da nova era enfrentada pelo Brasil: um novo
regime político, a República. Esse jornal é considerado um patrimônio público, pois é considerado o primeiro
órgão oficial de imprensa no Estado. Mais que um simples meio de comunicação, o periódico veiculava
informações sobre a família Albuquerque Maranhão fortalecendo essa oligarquia e os colocando como pioneiros
do progresso e avanço que o novo regime trazia. Para maiores informações, ver: COSTA, Bruno Balbino Aires
da; FERNANDES, Saul Estevam. Capítulos de História Intelectual do Rio Grande do Norte. Editora IFRN,
Natal, 2018
87
A visão propagada pelo impresso nessa matéria ainda cita o nome de Antônio Silvino e
do próprio Lampião para exemplificar o que o autor entende como infelizes e bestiais, figuras
abomináveis e que devem sofrer todos os tipos de repressão. Nesse mesmo mês de agosto, o
jornal A República volta a divulgar ações políticas, como é o caso da visita do senador
Washington Luis que despertava o desejo ardente da classe política norte-rio-grandense de se
colocarem no cenário nacional como figuras de igual importância. Apenas no dia 2 de outubro
daquele ano, que outra publicação sobre o cangaço volta a ter a atenção do periódico:

Invasão de cangaceiros
Luiz Gomes, 30 – Chegou agora mesmo aqui, em automovel, o sr. Alexandre Pinto,
commerciante em Cajazeiras, dizendo que o grupo que atacou aquella cidade foi o
chefiado por Sabino, à frente de 22 homens.
Os bandidos mataram cinco pessoas, havendo grande tiroteio em plena rua, não
podendo penetrar no grosso commercio, O major Sacheira, commerciante ali, foi
baleado.
Fizeram grandes roubos e as maiores depredações, incendiando varias casas de
famílias.
Depois de cinco horas de renhida lucta, os bandidos se retiraram em direção a
Boqueirão, onde acampavam no povoado, voltando depois para o sitio Baixa Grande,
proximo a Cajazeiras, ha duas leguas, onde se encontram.
O povo de Cajazeiras não sofreu maiores saques no commercio devido á bravura do
seu delegado, tenente Elias Vicente, que enfrentou os bandidos, expulsando-os do
centro da cidade (A REPÚBLICA, 1926, p. 2).

O impresso noticia um ataque feito a Cajazeiras, cidade próxima ao Rio Grande do


Norte, onde um grupo de malfeitores invadindo a cidade, proporciona momentos de medo e
tensão, através de atos reprováveis, os cangaceiros, sob chefia de Sabino, trocam tiros no meio
da rua e mataram, em sua ação, cinco pessoas, fato que exige preocupação pois estes devem ser
perseguidos e presos, não podendo tal feito ser deixado de lado. A publicação desse telegrama,
vindo de Luís Gomes (RN) – cidade que fica a 63 km de distância do ocorrido – exibe a
preocupação que o periódico teve em relatar algo próximo ao RN e que teve proporções
alarmantes, tornando necessário o cuidado e precaução para que isso não venha a ocorrer
também no Estado.
Essa notícia serve de alerta para futuras lutas que pareciam se avizinhar da realidade do
Rio Grande do Norte, que até então, pouco tinha enfrentado embates com cangaceiros, diferente
do que já vimos em Pernambuco, na Paraíba, e também em outros estados do Nordeste. A união
destes estados contra o banditismo precisava ser alinhada e repensada, sendo necessário criar
ações para o combate dos malfeitores. No dia 17 de dezembro de 1926, um telegrama é
reportado no jornal A República que tinha o intento de reunir estes estados e pensar em planos
de ação. Sob o título de “combate ao banditismo”, a mensagem era uma convocação do

88
governador de Pernambuco, Estácio Coimbra, aos governadores dos demais estados do
Nordeste, bem como dos seus chefes de polícia, finalizando esse pedido dizendo que
“precisamos assentar severas medidas para o combate ao banditismo que infestam os sertões”.
(A REPÚBLICA, 1926, p. 1) Com base nesse chamado, seria essencial a participação ativa
dessas personalidades públicas para criarem um desfecho melhor do que estes estavam
enfrentando com o cangaço, e no mesmo mês, no dia 30 de dezembro, a reunião acontece:

Banquete aos chefes de policia do Nordeste

Recife, 29 - O governador Estacio Coimbra offereceu, hontem, no Palacio do


Governo, um jantar aos chefes de policia dos Estados do Nordeste, que se encontram
nessa capital tratando das medidas necessarias ao combate ao cangaceirismo.
O governador Estacio Coimbra saudou os homenageados, em nome dos quaes
agradeceu o dr. Benicio Filho, chefe de policia desse Estado.
Estiveram presentes ao jantar os chefes de policia dr. Ernani Bastos, de Alagoas; dr.
Madureira Pinho, da Bahia; dr. Julio Lyra, da Parahyba; dr. Benicio Filho, do Rio
Grande do Norte, e dr. José Pires de Carvalho, do Ceará (A REPÚBLICA, 1926, p.
2).

Concretizada a reunião, os pontos alinhados tinham como princípio fomentar uma caça
mais aguçada, implementando dura resistência aos cangaceiros que serpenteavam pelas
fronteiras dos estados nordestinos. Desde o ano em que Lampião começa a despontar nos
impressos, 1922, até o ano de 1926, encontramos com relatos que vão ganhando corpo e força,
onde o cangaceiro, pouco reconhecido no início, começa a ter suas andanças divulgadas,
aumentando sua fama e se tornando figura sempre presente no ideário dos sertanejos.
Percorrer pelas narrativas da imprensa dos estados próximos ao Rio Grande do Norte
nos concede uma dimensão da importância que Lampião e seu bando vão ganhando até chegar
no ano de 1927, no qual o ataque a cidade de Mossoró vai ser realizado. Não é difícil notar que
o nome do cangaceiro já era conhecido e afamado, por isso, os relatos sobre suas ações vão
ganhando detalhes cada vez mais singulares e essas informações são essenciais na construção
do medo que vai ser prenunciado ante sua vinda para o Estado e para Mossoró.

3.3 A TEMPESTADE SE AVIZINHA: RELATOS DA IMPRENSA SOBRE LAMPIÃO


EM 1927

O jornal cria e recria, suas notícias instituem visões e fomentam representações daquilo
que o discurso proferido no impresso busca internalizar. Existe interesses, não no singular, mas
no plural, seja de informar e deformar, ou de agredir, amenizar, também de acudir, ou matar; o

89
fato é que as notícias podem muito e nesse muito, inflamam corações e mentes nas mais diversas
possibilidades. Podemos inferir que as notícias se estabelecem dentro de um domínio
discursivo, “usamos a expressão domínio discursivo para designar uma esfera ou instância de
produção discursiva ou de atividade humana. Esses domínios não são textos nem discursos, mas
propiciam o surgimento de discursos bastante específicos”. (MARCUSCHI, 2002, p. 23, grifo
nosso) Estamos lidando com uma produção discursiva que consegue imprimir seus interesses e
ampliá-los numa vasta dimensão, pois sejam os leitores dos impressos ou aqueles que ouvem
essas notícias, acabam fazendo parte de um domínio que se coloca como verdadeiro e único.
Se concebemos o cangaço enquanto um fenômeno social que ganhou amplitude e
divulgação através da imprensa, devemos perscrutar o papel da notícia enquanto agente
disseminador de suas ações. Assim, a notícia “é uma versão de um fenômeno social, não a
tradução objetiva, imparcial e descomprometida de um fato. Qualquer redator ou relator de um
fato é parcial inclusive ao escolher o melhor ângulo para descrevê-lo, como se recomenda nas
redações” (LUSTOSA, 1996, p. 21), fica patente que a notícia através dos seus criadores reforça
e almeja interesses particulares, e no caso das publicações sobre Lampião, o número de notícias
vai aumentando conforme a fama desse cangaceiro se arregimenta, evidenciando com isso que,
Lampião vendia, e vender faz parte dos interesses.
No ano de 1927, as publicações sobre o cangaceiro ganham volumosas proporções, pois
suas andanças continuam a serem mapeadas e publicizadas pelos impressos. Em fevereiro, no
dia 3, o cangaceiro volta à cena, aparecendo na Paraíba e impondo medo no município de
Piancó, “affirma-se que o celebre bandido estava acompanhado por 130 capangas, acha-se a
tres kilometros da cidade de Brejo dos Santos. A população daquella localidade está alarmada,
sem defesa que possa enfrentar o perigoso bandido” (A ORDEM, 1927, p. 1). A nota chama
atenção pois traz o sentimento de medo que os munícipes de Brejo dos Santos estavam sentindo
ao terem conhecimento que Lampião estava perto.
No dia 5 de fevereiro daquele ano, foi publicada uma matéria no jornal A Província
(PE), com duras críticas ao governo do Ceará que não estava empenhada na perseguição a
Lampião:

“LAMPEÃO” NO CARIRY – QUAL PROPOSITO DA POLICIA CEARENSE


NAO PERSEGUIR O BANDIDO?
Fortaleza, 3 - O bandoleiro “Lampeão”, á frente de seu grupo, invadiu novamente o
Cariry.
O governo do Estado não tomou a menor providencia afim de evitar a entrada do
perigoso faccinora em territorio cearense.
Os jornaes, a proposito dessa nova incursão do bandido, atacam com violencia a
atitude das auttoridades deste Estado que estão fugindo ao compromisso assumido no
90
convenio recem-firmado em Recife, entre, os Estados do nordeste, para a captura do
bandido e consequente pacificação da zona sertaneja.
“Lampeão” invadiu o Ceará sem embargos. O bandoleiro encontra-se accoitado, com
o seu grupo, no sitio do coronel Sant’Anna, grande fazendeiro na zona do Cariry e pae
do futuro deputado federal dr. Juvencio Sant’Anna (A PROVÍNCIA, 1927, p.1).

Essa notícia faz parte de um cenário onde o empenho e ação contra os cangaceiros eram
vistos como dever de todos e aqueles que não se alinhavam a essas premissas deveriam ser
alertados e criticados. Esse telegrama veio da capital do Ceará, Fortaleza, ou seja, não era
apenas uma visão do Estado de Pernambuco, mas um olhar de dentro do próprio Ceará exigindo
retratação e maior interesse em capturar Lampião. Tais pressupostos são colocados em
evidência para mostrar que não serão toleradas medidas covardes que afrontam o bom tratado
entre os estados, sendo de importante contribuição o envolvimento de todos nessa luta.
Lampião não para suas ações, e o mês de fevereiro é um exemplo tenaz da extensão dos
seus atos que ganham tons dramáticos, como a que foi publicada no mesmo dia – 05 de fevereiro
– no jornal A Província:

“Lampeão”
o bandido em aperto
O sr. dr. Eurico de Souza Leão, Chefe de polícia, recebeu hontem do seu colega do
Ceará, dr. José Pires de Carvalho, communicação de que o tenente Bezerra, da policia
daquele Estado, que estava em perseguição ao grupo de Lampeão, ao passar no sitio
Guariba, de propriedade de Francisco Chicote, foi barbaramente atacado por este
individuo.
A força sob seu commando reagiu, travando-se, então, um tiroteio, que durou 28 horas
e da qual resultaram mortes de um soldado de um civil e de 11 cangaceiros inclusive
Francisco Chicote.
As forças parahybanas e pernambucanas, commandadas pelos tenentes Costa Gomes
e Antonio Francisco auxilliaram efficazmente as forças cearenses.
Na casa de Francisco Chicote foram encontradas varios cangaceiros feridos e
pertencentes ao grupo de Lampeão.
Parece que o plano do bandido Chicote foi deter a força, que persguia Lampeão,
permittindo que este della se distanciasse (A PROVÍNCIA, 1927, p. 1).

Esse acontecimento nos é salutar para compreender a visão que vai sendo construída em
torno dos sujeitos que tinham algum contato com Lampião, na verdade, Francisco Chicote é
retratado, nesse impresso, como um bandido que estava tentando dar cobertura ao cangaceiro,
mas que seu intento foi reprimido e Chicote teve o fim almejado pelas tropas policiais que
estavam perseguindo Lampião. Todavia, esse fato é singular pois foi noticiado em outro
impresso, no jornal A Ordem (CE), no dia 12 de fevereiro, uma versão diferente da que foi
enunciada pelo A Província, vejamos:

91
Fortaleza, 5 – O Cearà publica hoje uma telegrama de Juazeiro dizendo que as forças
parahybanas em perseguição a Lampeão acompanhadas perigosos cangaceiros
conjunctamente policiais Pernambuco e Ceará atacaram a residencia de Francisco
Chicote, fazendeiro do municipio de Brejo dos Santos, rezultando no fuzilamento de
Francisco Chicote e 14 pessoas que estavam em sua companhia, inclusive filhos e
genros.
Essa açao abalou profundamente a população do Cariry, portanto Chicote não era
criminoso nem bandido, tendo resistido ataque policiais Pernambuco, Ceará e
Parahyba suppondo estar cercado do grupo de Lampeão do qual estava ameaçado.
Consta Lampeão abandonou Serra do Matto regressando para Pernambuco via Jardim
(A ORDEM, 1927, p. 4).

Uma ação louvada por um e questionada por outro, o que nos importa é compreender
que o nome de Lampião se atrela ao fato e por isso, ganha notoriedade. Se Francisco Chicote
estava protegendo ou pensando estar enfrentando Lampião, é algo que ainda hoje é discutido
em cordéis, em obras literárias e até em pesquisas históricas 83, mas a relação que esse evento
possui com o avanço nas empreitadas contra o cangaço mostram que todos aqueles que
estiverem no caminho serão rechaçados com igual força e repressão. Nos relatos do jornal A
Ordem, a região de moradia de Francisco Chicote, o Cariri, encontrava-se de luto, resignados
com essa imensa fatalidade.
É possível visualizarmos o valor que é dado a tudo que gravitava em torno do nome de
Lampião. Em abril, no dia 24, o Diário de Pernambuco (PE), publicou uma matéria que
anunciava a divisão do grupo de Lampião em pequenos subgrupos, informando na coluna
“combate ao banditismo”, que através de um telegrama essa informação deve ser tida como
importante no combate aos malfeitores que agora poderiam ser mais facilmente rechaçados.
(DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 1927, p. 3) Esse cerco parece que começa a se fechar numa
prisão descrita pelo mesmo periódico no dia 15 de maio, sob o título “protectores de Lampeão”,
os indivíduos “Jonas Ferreira, João Marinho e Raphael Januario”, foram levados a prisão por
darem abrigo por 13 dias a Lampião na cidade de Sant’Anna do Ipanema (PE). (DIÁRIO DE
PERNAMBUCO, 1927, p. 2)
Os impressos com essa circulação de notícias sobre o cangaceiro passam a projetar seu
nome e instituir gradativamente sentimentos difusos, ampliando o medo e apreensão dos
sertanejos que diariamente se informavam sobre suas ações. É mister que com a expansão da
fama de Lampião as notícias iriam se alicerçar sobre sua pessoa, pois “a notícia se define como
o relato de uma série de fatos a partir do fato mais importante ou interessante; e de cada fato, a
partir do aspecto mais importante ou interessante” (LAGE, 2000, p. 16), A tempestade se

83
Para saber mais sobre O fogo das Guaribas, ver: MACEDO, Joaryvar. Império do Bacamarte. Fortaleza:
Editora UFC, 1990; ANSELMO, Otacílio. A Tragédia de Guaribas. Itaytera, Crato, 1972.
92
avizinhava de Mossoró (RN), pois como o Diário de Pernambuco anunciou anteriormente,
Lampião encontrava-se com o grupo dividido, possivelmente buscando desmembrar o olhar da
polícia para outros polos de procura, ou para ampliar sua zona de atuação, ou ainda, buscar mais
‘’cabras’’ para suas astúcias, porém nesse interim ele se encontra com Sabino Gomes e também
Massilon Leite e rumam para o Rio Grande do Norte, numa ação desmedida e fustigante.

3.4 É CHEGADA A HORA: ATAQUE DE LAMPIÃO À MOSSORÓ EM 1927

Não é de se assustar que o simples fato de Lampião estar próximo ao Rio Grande do
Norte já causava arrepios e espanto naqueles que ouviam tais rumores. Em 1927, suas ações
que já estavam sendo mapeadas desde 1922 e publicadas periodicamente nos impressos, passam
a ganhar mais visibilidade e por isso, maior conhecimento dos sertanejos. Esse fato deve ser
levado em consideração principalmente no Rio Grande do Norte que teve pouco contato com
grupos de cangaceiros, principalmente aqueles ligados a Lampião. Jornais como A República,
de Natal, com viés político, pouco voltou sua atenção para os telegramas que pululavam os
impressos do Ceará, Paraíba e Pernambuco, citando os mais próximos, assim como os jornais
que circulavam em Mossoró no ano de 1927, sendo estes O Nordeste, O Correio do Povo e O
Mossoroense, que também não tinham como foco principal noticiar sobre os bandos e o
combate ao cangaceirismo, voltando-se principalmente para publicações de cunho municipal, e
quando muito, telegramas que versavam sobre personalidades políticas.
Porém essa realidade estava para ser mudada quando um grupo de cangaceiros invade
o Rio Grande do Norte e transforma o receio de um ataque, numa realidade cruel e dolorosa.
Esse evento aconteceu em Apodi, na época, cidade pequena, mas que detinha importância nos
seus arredores e que já encontrava distinção pelo comércio em desenvolvimento, bem como era
conhecida pelo povo pacato e ordeiro. Tal episódio se deu no dia 10 de maio de 1927 e acendeu
a chama da discussão contra o cangaceirismo, pondo fim a tranquilidade que outrora ainda era
possível ser vista em terras norte-rio-grandenses. O jornal A República, no dia 12 de maio,
encabeça a primeira publicação sobre esse caso:

OS BANDIDOS INVADEM O NOSSO TERRITÓRIO

Roubos e depredações em Apody

O Governo do Estado toma energicas providencias para repelir os audaciosos


malfeitores

93
Despachos telegraphicos do interior informam haver sido assaltada, ás primeiras horas
da manhã de ante-hontem, por um grupo de cerca de vinte cangaceiros, chefiado pelos
celebres Francisco Pereira e Sabino, a cidade de Apody, onde o bando criminoso, pelo
inesperado do ataque, poude causar sensiveis damnos e a morte de um commerciante,
cujo o nome até o presente se ignora.
Varios estabelecimentos commerciaes daquella cidade foram incendiados pelos
assaltantes, inclusive o do coronel Francisco Pinto, prefeito do citado municipio.
Os prejuizos materiaes resultantes dos incendios e roubos foram consideraveis, mas
nos faltam ainda elementos para um calculo mesmo approximado, pois os bandidos
inutilizaram o apparelho telegraphico daquella cidade, dificultando assim a
transmissão de informes a respeito do assalto.
O contingente da Policia Militar que se encontra no serviço de repressão ao
banditismo, nas fronteiras, achava-se no momento em Alexandria, um dos pontos
visados (A REPÚBLICA, 1927, p. 1).

O jornal A República traz essa publicação na primeira página, chamando a atenção dos
seus leitores para uma invasão que não se deu, como de costume, nos outros estados, mas sim
“no nosso território”. O olhar, atenção e cuidado, devem se voltar para os nossos limites e
fronteiras, aponta o impresso, mais que isso, uma ação desmedida como essa deve ser
amplamente informada para que os bandidos sejam perseguidos e não retornem mais. Esse
impresso era um dos porta-vozes do governo estadual, colocando em evidência que esse –
governo – estava tomando medidas enérgicas contra os malfeitores. No mesmo número e dia,
o impresso publicou algumas mensagens de outras cidades que externavam seu apoio para
Apodi e traziam novas informações sobre os cangaceiros e possíveis intentos deles:
Augusto Severo, 10 – Pelas três horas da madrugada de hoje um grupo de cerca de
vinte cangaceiros atacou a cidade de Apody, incendiou a casa do coronel Francisco
Pinto, soltou os presos detidos na cadeia daquella localidade, carregou quatro fuzis e
munições, roubou diversas pessoas, procurando o capitão Jacyntho, que se acha em
Alexandria.
Declararam os bandidos que iam atacar Caraùbas. Estamos preparados para reagir. O
grupo quebrou o aparelho telegraphico, estando também interrompido o serviço para
Patú.

Pau dos Ferros, 11 – Ao ter noticia do ataque de dezesete bandidos em Apody chega
também telegramma de Cajazeiras de que o grupo de Chico Pereira procura invadir o
nosso Estado. Estão actualmente aqui seis praças de guarda a nove presos da cadeia.
É sabido que permanecem em Pereiro cerca de dezoito criminosos, alguns
pronunciados neste Estado, não havendo nenhuma força resistente ali. É conveniente
vir ainda um official com reforço para o destacamento daqui (A REPÚBLICA, 1927,
p. 1).

Essas mensagens de cidades também do Rio Grande do Norte mostram a dimensão que
o ataque a Apodi ganhou. Ambas buscaram através de informações, trazer luz aos possíveis
paradeiros dos bandidos e alertar para ações que poderiam ocorrer ainda. O jornal A República
continuou a notícia sobre o ataque a Apodi, elevando a posição do Presidente do Estado, José
Augusto, e do chefe de polícia, Benício Filho, que, para o impresso, rapidamente moviam-se
para “expulsar os bandidos, e deste modo tranquillizar as populações do interior ameaçadas”.
94
(A REPÚBLICA, 1927, p. 2) Outro aspecto importante da notícia sobre esse ataque, é a visão
construída de A República, ao fazer lembrar que os “cangaceiros que puzeram em saque a
cidade de Apody e trazem intranquillas constantemente atemorizadas, cidades e vilas do
interior, limítrophes com os Estados vizinhos, são criminosos que, dali procedem e invadem os
nossos municipios”, (A REPÚBLICA, 1927, p. 2 – Grifos nossos) como expresso no discurso
jornalístico, esses criminosos não são daqui, ou seja, o Rio Grande do Norte é terra de gente
pacata e honesta, na verdade, esta corja, advém de outros estados e por isso, agem de forma
covarde contra um povo humilde e brando.
Se esse caso motivou espanto e foi bastante discutido pelo jornal A República de Natal,
não seria diferente do que ocorreria em Mossoró, sendo que neste caso, essa cidade ficava
apenas a alguns quilômetros de distância do ocorrido em Apodi. Não tardou para que os
impressos em circulação na cidade começassem a publicar matérias sobre o evento e fortalecer
o ideário de um perigo constante, em relação a possíveis ataques de cangaceiros a cidade. No
dia 14 de maio de 1927, o jornal O Nordeste traz uma notícia aterradora: em Apodi, no dia 10
de maio, daquele ano, um bando invadiu à cidade, causando grandes transtornos para os
munícipes. Depredações, arruaças e toda a sorte de desordens foram perpetradas pela trupe que
desde às 3 horas da madrugada atuaram livremente, indo embora apenas às 11 horas da manhã.
(O NORDESTE, 1927, p.1) Com riquezas de detalhes, O Nordeste, implementa matérias mais
vividas do que o jornal A República, com orientações diferentes, o primeiro já fazia trabalho
com características mais populares, possuindo um menor teor político, diferente do segundo
que, como já comentamos, detinha um viés altamente político.
O Nordeste, embora pequeno e de poucas tiragens, se tornou conhecido na cidade de
Mossoró através da ação de seu fundador, o jornalista, poeta, músico, e político, José Martins
de Vasconcelos, fundado no ano de 1917 e circulando até os idos de 1936. Esse impresso logo
se tornou importante na proliferação de notícias sobre os bandos que circulavam em torno do
Rio Grande do Norte. José Martins de Vasconcelos, fundador e proprietário de O Nordeste,
detinha importância e era bastante conhecido na cidade, fato que fazia com que esse impresso
tivesse circulação nas diversas camadas sociais do munícipio. No decorrer de sua existência, o
periódico se colocou em defesa do meio ambiente, fazia publicações com intenção de estimular
a cultura de Mossoró e louvava àqueles que se alinhavam a sua defesa da cultura.84

84
A história de O Nordeste se confunde com a de seu fundador, José Martins de Vasconcelos, até porque, esse era
o redator, repórter e editor do impresso, fazendo de tudo para que a circulação desse impresso não decaísse. Para
uma maior compreensão sobre O Nordeste e o seu fundador, ver: NONATO, Raimundo; WANDERLEY, Walter.
(Orgs.). Jornalista Martins de Vasconcelos, um homem de muitas lutas. Mossoró: Coleção Mossoroense e
Pongetti, 1974; NONATO, Raimundo; LEMOS, Cosme. Dois depoimentos sobre Martins de Vasconcelos.
95
A publicação desse impresso, no dia 14 de maio, contando as peripécias vivenciadas em
Apodi surtiu efeito imediato, causando abalo e medo em Mossoró, trazendo à tona a
possibilidade de um ataque à cidade. Os dias correram e os ânimos ainda estavam exaltados,
por causa dessa onda de insegurança, o prefeito da época, Rodolfo Fernandes, reporta uma
mensagem aos munícipes através do jornal O Nordeste no dia 30 de maio, com o título
“Segurança Pública – Aviso da Prefeitura de Mossoró para tranquilidade das famílias e do povo
em geral”:

A prefeitura de Mossoró avaliando o desassossego de muitas famílias e apreensões no


espírito púbico, pelos boatos alarmantes sobre os bandidos que assaltaram algumas
localidades do Estado, declara, para tranquilidade de todos que o Governo do Estado
tem tomado as providências para defender todos os munícipios dos referidos
bandidos. [...] De nossa parte podemos afirmar que a nossa preocupação é de tal
ordem, em garantir a segurança da cidade, que toda a nossa atividade nesses últimos
dias, se tem aplicada em dispor a defesa, com a louvável e benemérita cooperação dos
cidadãos mossoroenses que, para isto, não regateiam esforços (O NORDESTE, 1927,
p. 1).

Como fica evidente nas palavras do prefeito, reportadas pelo jornal, o sentimento era de
medo de um possível ataque, era necessário se unir para combater o mal que se avizinhava e
tentava cercear a paz e a calma daquela cidade. Assim, inicia-se um processo de preparação, e
o timoneiro desse esquema seria o prefeito Rodolfo Fernandes. No dia 22 de maio, uma matéria
é publicada no jornal O Mossoroense85, a qual indicava a articulação do prefeito em montar
uma guarda municipal com a criação da Lei Municipal nº 85, que “autorizava criar um corpo

Mossoró: Coleção Mossoroense, 1964; MUNIZ, Caio César. 100 poetas de Mossoró. Mossoró: Coleção
Mossoroense, 2000; NASCIMENTO, Geraldo Maia do. Fatos e vultos de Mossoró. Mossoró: Coleção
Mossoroense, 2002; VASCONCELOS, José Martins de. Obras completas. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti
Editores e Coleção Mossoroense, 1956.
85
A história do jornal O Mossoroense se confunde com a própria história de Mossoró. No seu início que data de
17 de outubro de 1872, com o nome de O Mossoroense, o jornal nasceu para combater e fazer oposição ao partido
conservador que liderava a política local e também a Igreja Católica. O impresso contava com a participação ativa
de figuras conhecidas em Mossoró na época, Jeremias da Rocha Nogueira, José Damião de Souza Melo e Ricardo
Vieira do Couto. É possível visualizarmos o intento do impresso já no seu cabeçalho: “semanário, político,
commercial, noticiozo e anti jesuítico”. Como era comum, nesses pequenos impressos, as notícias contidas nele
se baseavam nos eventos que ocorriam ao derredor, se preocupando em trazer aquilo que seria de interesse popular
por se tratar das cidades vizinhas. Depois da morte de Jeremias da Rocha Nogueira, em 1901, um de seus filhos,
João da Escóssia, assume o cargo principal do periódico. Esse é o momento em que O Mossoroense muda de nome
e passa a ser chamado de Jornal O Mossoroense e também entra na sua segunda fase, momento ímpar de
crescimento e importância na cidade. Em 1917, João da Escóssia se afasta do impresso, por motivos de doença, e
após sua morte, Francisco Pinheiro de Almeida Castro tornou-se seu sucessor, ficando no comando até 1921, seu
sucessor foi Rafael Fernandes Gurjão, sendo este diretor político e redator chefe, ficando no cargo de 1922 até
1930 e como gerente do impresso, quem assumiu nesse período foi Augusto da Escóssia, filho de João da Escóssia,
ficando na função até 1934. Para saber mais sobre o Jornal O Mossoroense, ver: AUGUSTO, Cid. Escóssia.
Fundação Vingt-un Rosado. Coleção Mossoroense. Série “C”, volume 989 – janeiro/98; FERNANDES, Paula
Rejane. Mossoró: uma cidade impressa nas páginas de O Mossoroense (1872 – 1930). Dissertação de Mestrado
(Universidade Federal de Campina Grande), 2009.
96
de Guardas Municipaes, com o effectivo que entender necessário para a defesa do Município,
podendo dissolve-lo quando se normalize a presente situação pelo afastamento ou extinção do
banditismo” (O MOSSOROENSE, 1927, p.2). Já era de conhecimento dos mossoroenses o
interesse de Lampião em invadir a cidade, desde o ataque a Apodi, no dia 10 de maio, que esse
boato circulava e causava frisson nos munícipes e gerava cuidado do poder público local.
Assim, no início de junho o que antes era apenas boato se confirma e Lampião juntamente com
outros cangaceiros já conhecidos na época, Massilon Leite e Sabino Gomes, começam a seguir
para invadir Mossoró.
Câmara Cascudo, em sua obra Viajando o Sertão de 1934, narra a feroz empreitada do
bando de Lampião rumo à Mossoró:

Os cangaceiros viajavam a cavalo. Uma cavalaria de hunos, descrita por Manoel Brion
em sua biografia de Átila, estaria magnificamente evocada. Galopavam cantando,
berrando, uivando, disparando fuzis, guinchando, tocando os mais disparatados
instrumentos, desafiando todos os elementos. Derredor os animais despertavam
apavoridos. Galos cantavam, jumentos zurravam, o gado fugia. Neste ambiente de
tempestade a coluna voava, derrubando mato, matando quem encontrava, alumiando,
com os fogos da destruição depredadora, sua caminhada fantástica (CASCUDO,
1934, p. 60).

A reação dos animais prenunciava a obstinação de um plano envolto no desejo de


solapar uma cidade interiorana, mas que já tinha sua fama bem construída ao seu derredor. O
bando entra em uma marcha, a marcha de Lampião, como escreveria Raul Fernandes (2007),
para assaltar Mossoró. Raimundo Nonato, memorialista que desenvolveu pesquisas sobre esse
ocorrido, descreve que o tempo relâmpago para o bando chegar em Mossoró, algo em torno de
cem horas, evidencia um desejo enérgico de mostrar poder, imponência e coragem, Nonato,
assim descreve:

Esse tempo relâmpago de menos de cem horas, tanto quando levou o grupo de
“Lampião” no Rio Grande do Norte, permitiu, contudo, à malta desenfreada percorrer
um número de léguas quase inacreditável, pois cobriu, em uma viagem batida de
quatro dias apenas, um percurso que anda perto de 400 quilômetros, com uma
poderosa cavalaria de montada, apetrecho de guerra, prisioneiros, animais de muda e
mais de 60 combatentes, poderosamente armados, para qualquer eventualidade
(NONATO, 1998, p. 12).

Se Lampião galopava em direção a Mossoró com toda fúria e destreza, na cidade o plano
era de dificultar a ação do bandoleiro, para isso uma defesa foi montada, além dos praças, que
iriam pulular as ruas, criou-se estratégias em torno da cidade para a defesa:

97
Entre os planos arquitetados estava o zoneamento do centro da cidade com o auxílio
de trincheiras, feitas de fardos de algodão na residência do prefeito, no prédio do
correio e telégrafo, casas comerciais e Banco do Brasil. Enquanto isso, grande parte
da população, em razão das experiências de outros vilarejos e cidades atacadas por
Lampião - famosas na imprensa pernambucana pelo uso da violência, fugiu para Areia
Branca, cidade litorânea distante 50km de Mossoró (FALCÃO, 2018, p. 45).

Com base no conhecimento sobre os atos de barbaridade e ferocidade de Lampião e seu


séquito, a população de Mossoró começa a se dissipar. Uma fuga que partia do medo e da
incerteza, não dava pra esperar que o mais famoso cangaceiro chegasse para fugirem, era
necessário proteger a parentela, as poucas posses e por isso, partem em retirada, deixando a
saudade do seu lugar de origem e cobertos de dúvidas sobre o que iria se processar naquela
cidade.
No mês de junho de 1927 o bando de Lampião cruza a fronteira do Ceará com o Rio
Grande do Norte e a primeira cidade que encontra pela frente é Luís Gomes, no trajeto até
Mossoró fez alguns prisioneiros, como é o caso de Dona Maria José, de Luís Gomes e de
Antônio Gurgel, comerciante conhecido em Mossoró e região. No percurso fez várias
depredações em lugarejos e vilas, aumentando a apreensão e o medo dos que em Mossoró
esperavam a chegada do cangaceiro. O jornal O Mossoroense, indica que o enfrentamento entre
as forças resistentes e o bando de Lampião ocorreu no fim da tarde de 13 de junho de 1927.
Aquele episódio ficou conhecido como “Batismo de Fogo de Mossoró”, estabelecendo um novo
ideário para a cidade e tornando-a conhecida e aclamada em toda região. Essa peculiar batalha
teve como resultado a morte de Colchete e o ferimento, prisão e morte de Jararaca.
Essa vitória ganhou as páginas de diversos jornais em todo o território nacional que
traziam em suas matérias a bravura do povo mossoroense e a exaltação do prefeito Rodolfo
Fernandes. Inúmeros telegramas chegam a Mossoró congratulando a resistência, mensagens e
votos de afeto e respeito pela vitória ante o temerário Lampião. O êxtase da vitória é sentido de
longe por Alberto Maranhão86, que da Capital da República envia um telegrama dando os
“parabéns pela defesa e desejava votos de tranquilidade de seu nobre povo” (O
MOSSOROENSE, 1927, p. 2). Outra figura importante, Dom José Pereira Alves, bispo
diocesano de Natal, enviou as “bênçãos e applausos nobres pela generosa atitude dos queridos
padres na hora heroica na defesa cathólica da Cidade” (O MOSSOROENSE, 1927, p. 2). Da
Paraíba, dois telegramas são singulares, um foi de Antônio Queiroga, que comenta a ocorrência
como “um fato inusitado para o combate ao cangaceirismo no Nordeste” (O MOSSOROENSE,

86
Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão foi governador do Rio Grande do Norte (1900-1904 e 1908-1914)
e deputado federal (1927-1929).
98
1927, p. 2), o outro telegrama veio de Campina Grande, onde sete mossoroenses87, congratulam
a cidade “pelo denodo com que houveram diante da reação ao sinistro grupo de Lampião” (O
MOSSOROENSE, 1927, p. 2).
O jornal O Mossoroense torna-se o porta-voz principal desses telegramas, tornando-os
conhecido pelo público leitor. Essa atitude evidencia o desejo do impresso de fomentar uma
destreza ao feito ocorrido em Mossoró. O louvor da resistência passa a ser uma constante nos
impressos da cidade, exemplo disso, é a matéria publicada pelo jornal Correio do povo88 no dia
19 de junho de 1927 sob o título “Avé! Mossoró!”, a qual remonta toda a bravura e coragem
daquela ação que culminou na vitória mossoroense:

Intemerada gleba, unida e forte


Na batalha quebrasse a vil magia
De Lampeão, cujo estandarte e guia
É a pilhagem, o sangue, o luto, a morte.
Heróica Mossoró – honra do Norte
Venceste, com denodo e galhardia
O fero bando de rapina
Que só te desejava infausta sorte.
Ensarilhaste armas de combate,
Tocas para o abismo heroico de rebate
Marchaste para a lucta e para a glória!
Na punga conquistaste áureos thesoiros
Doiram-te a fronte immarcessíveis loiros,
Heraldicos emblemas da victória!
(CORREIO DO POVO, 1927, p. 2).

O trecho mostra a intrepidez de Lampião em querer assaltar Mossoró, representando-o


como figura sanguinária e temível. Todavia, essa cidade não poderia ser suplantada com
facilidade, pois a “honra do Norte”, como a matéria denota, possui coragem e ousadia. O louvor
a essa resistência torna-se audível como símbolo de um povo singular e que instaura novos
horizontes simbólicos para a cidade, como por exemplo, a de um povo resistente.

87
João Franco Filho, Orlando Rangel, Torres Galvão, João Aprígio Pereira, Joaquim Azevedo, João André e
Arthur Cardoso.
88
O Correio do Povo foi fundado no ano de 1925, tinha uma circulação diária e possuía um raio de ação que
compreendia Mossoró e cidades vizinhas. O primeiro proprietário do impresso foi o senhor José Octávio, escritor
e jornalista de renome na cidade. José Octávio informou, já no primeiro número do impresso, que a intenção do
jornal era ser independente, dedicado à causa de Mossoró e das cidades vizinhas. O slogan do jornal era: “Mossoró
acima de tudo”, evidenciando, como o próprio nome do impresso já dizia, ser um correio informativo para o povo.
Esse impresso se envolveu em questões polêmicas em sua época, como era o caso do saneamento básico de
Mossoró, a cobrança de um hospital para a cidade, calçamento, arborização, segurança, e o principal problema,
falta de iluminação elétrica. Assim, esse periódico funcionou como difusor dos problemas que precisavam serem
solucionados e por isso, ganhou notoriedade durante sua circulação. Para um maior conhecimento sobre, ver:
VIANA, C. J. A. Religião e cangaço na cidade de Mossoró. Dissertação de Mestrado (Universidade Presbiteriana
Mackenzine). São Paulo, 2011
99
A representação de Lampião e consequentemente de sua trupe nos versos publicados
pelo jornal, faz parte de um contexto onde o bandido é imaginado e visto como um animal sem
coração. As descrições que são formuladas posterior ao ataque do bando à Mossoró vão se
alicerçando na caracterização de uma resistência viril, forte e civilizada, ao lado que, o bando,
torna-se símbolo do arcaico, descivilizado e animalesco. Fomentar discursos que tragam tais
características para os bandidos tornou-se recorrente para idealizar uma imagem de destreza
aos que combateram e venceram.
Após o ataque, Jararaca, um dos integrantes do bando de Lampião, ferido em combate,
é preso e levado a cadeia pública municipal. José Leite de Santana, nome do cangaceiro, tornou-
se então uma figura exótica, diferente dos presos comuns. É o mais temível criminoso que pisará
na cadeia da cidade e isso não iria passar despercebido pela população, nem pela imprensa local
que encontra nessa ocorrência a oportunidade de entrevistar e tornar público as peripécias da
vida desse sujeito.
Várias publicações vão surgir em louvor a ação corajosa dos resistentes mossoroenses,
em favor da honra demonstrada em tal evento. Jornais de outros estados reportam mensagens e
publicam textos falando da vitória orquestrada por Mossoró ao bando de Lampião, momento
ímpar que teve como resultado positivo, a morte de um bandido, e a prisão de outro, Jararaca,
tão temerário quanto o próprio Lampião. A partir desse momento, iremos enveredar pelas
notícias pós o ataque e verificar como essas vão ser postuladas na cidade e em outros lugares,
bem como perscrutar o que restou desse ataque: o bandido Jararaca que agora preso, é um
exemplo vivaz da vitória e por isso, deve ter sua vida publicizada e suas palavras eternizadas
através dos impressos.

100
4 CAPÍTULO III – A VITÓRIA, AS INCERTEZAS E O MORIBUNDO

4.1 O LOUVOR À VITÓRIA: A RESISTÊNCIA MOSSOROENSE ESTAMPADA NAS


PÁGINAS DOS IMPRESSOS

O evento do dia 13 de junho de 1927 em Mossoró, ascendeu a chama do heroísmo, da


destreza e da imponência. A cidade que nesse período já galgava espaço como polo comercial,
disputando principalmente com Campina Grande (PB), ganha a atenção de vários estados
vizinhos e até distantes que começam a proliferar matérias sobre o feito mossoroense.
Telegramas vão chegando à cidade com mensagens amistosas e afáveis, fazendo com que o
furor da resistência se tornasse aprazível.
Poucos dias após o evento sucedido em Mossoró, jornais começam a publicar sobre a
resistência, como é o caso da notícia lançada no jornal A Ordem (CE), no dia 16 de junho de
1927, que dizia:

O celebre bandido Lampeão atacou a cidade de Mossoró, sendo heroicamente


repellido. Nessa ocasião foi preso o conhecido gatuno Jararaca.
Por ocasião do tiroteio morreu o bandido Colhote – o menino de ouro – como era
conhecido no bando de Lampeão e, considerado o mais celebre na historia do crime.
Na lucta Lampeão perdeu oito homens e os restantes fugiram aterrorizados (A
ORDEM, 1927, p. 1).

A resistência heroica é divulgada no Estado vizinho, Ceará, o impresso expressa a força


implementada pelos mossoroenses e a capacidade de repelir o bandido mais conhecido naquele
período. Na ocasião, a narrativa de A Ordem ainda menciona a prisão de Jararaca, adjetivado
como “conhecido gatuno”, e ainda cita o caso de oito mortes, tentando criar em torno do evento,
um cenário de maiores perdas para Lampião e seu bando. Esse mesmo periódico lançou outra
matéria no dia 23 de junho, agora, com mais informações e trazendo à tona outros aspectos do
embate:

As 19 horas a cidade, que estava defendida por mais de 300 homens ás ordens do
proprio chefe de Policia do Estado, foi novamente atacada, pelo grosso das forças de
Lampeão, cerca de 155 cangaceiros bem montados e bem armados.
O choque foi violento, mas os bandidos foram, em pouco, repellidos.
A’s 22 horas voltaram a atacar a cidade, prolongando-se o tiroteio até 1 hora da
madrugada, quando cessou, por completo, o fogo.
Parece ter havido serias baixas no lado dos atacantes; comtudo não foi possivel apurar
o numero de mortos e feridos.
Os defensores da cidade bem entricheiradoos, não soffreram uma baixa siquer.
O numero de forças concentradas em Mossoró, para a perseguição dos bandoleiros
está aumentando a todo o momento.
101
Chegam noticias de que, pela chapada do Apody, sahidas de Páo de Ferros, desceram
para Mossoró cerca de 120 praças da Policia do Estado sob o commando do capitão
Jacinto Tavares (A ORDEM, 1927, p. 2).

A riqueza de detalhes que o impresso trouxe com essa nova notícia colocava os seus
leitores nas portas do combate, possibilitando a imaginação de uma luta ferrenha, repleta de
emoção e reveses. O número dos combatentes chamava a atenção: 300 do lado da resistência,
comandada pelo chefe de polícia do Estado do Rio Grande do Norte, mostrando organização e
empenho do próprio Estado na luta, e 155 cangaceiros, bem armados, montados e rígidos, tal
duelo de forças exige um cenário propicio, e assim é construído nas narrativas, pondo o primeiro
contato das tropas com a malta às 22 horas, ou seja, na escuridão da noite, confronto esse que
perdurou, segundo o impresso, até uma hora da manhã.
Embora nos relatos que circularam em Mossoró e foram atestados pela imprensa local,
haja uma discrepância nos números citados pelo jornal A Ordem, nos é salutar compreender as
ambiguidades que vão sendo construídas a partir de um mesmo evento. Sua amplitude e
extensão relaciona-se ao fato de se estar resistindo a Lampião, nome que circulava bastante nos
periódicos. Aproveitando o ensejo, na quarta página, do dia 23 de junho, o impresso continuou
acompanhando Lampião de perto e conta as novas investidas do cangaceiro que no caso, voltou
sua atenção para os territórios cearenses: “A columna sinistra aterra os sertões cearenses,
Iracema ameaçada pelo bandido-Lampeão, declara guerra ao Ceará” (A ORDEM, 1927, p. 4).
Após sua expulsão do Rio Grande do Norte, o caminho seguido por Lampião e seu bando foi
para a cidade de Limoeiro do Norte, visando reestabelecer sua força, a trupe, mesmo com suas
perdas, reforça sua coragem ao trilhar pelas terras cearenses.
O ataque de Lampião a Mossoró e a resistência da cidade, foram noticiados também em
Recife (PE), no dia 21 de junho, no jornal Diário de Pernambuco, o qual colocou como título
“O ataque de ‘Lampeão’ á cidade de Mossoró”, continua com as seguintes colocações: “Todos
os jornaes tratam hoje, do ataque de ‘Lampeão’ á cidade de Mossoró, responsabilisando o
governo central pelos desatinos dos bandoleiros contra a família brasileira, nos sertões do
Nordeste.” (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 1927, p. 1) No discurso proferido pelo impresso a
crítica é contundente ao governo central que não agia para coibir as ações dos cangaceiros, na
verdade, essa nota traz consigo o interesse de elevar as lutas contra o banditismo que era uma
ação conjunta dos estados nordestinos e que não estava contando com o auxílio do governo
central, o caso de Mossoró tornou-se um exemplo disso, pois a resistência ocorreu sem a devida
atenção do governo central, exigindo união entre os munícipes contra a horda dos cangaceiros.

102
O Diário de Pernambuco no dia 3 de julho, publica uma matéria com mais detalhes do
embate entre os cangaceiros e Mossoró, num telegrama vindo da capital, Natal:

A INVASÃO DO GRUPO DE LAMPEÃO EM MOSSORÓ

Diante da heroica resistencia que lhes foi offerecida em Mossoró, o grupo de


cangaceiros chefiados por Lampeão abandonou o projecto de assaltar aquella cidade,
e rumou em direcção a Limoeiro, no Caerá. Durante 48 horas a população
mossoroense esteve ameaçada pela sanha feroz dos scelerados que infelicitam os
sertões do Nordeste. Varias tentativas fez o temível criminoso para invadir aquella
cidade que é o centro commercial mais opulento do interior do Estado, verificando,
porém, diante da bravura do povo e da força policial que alli está, serem baldados os
seus esforços para expugnal-a.
Todo o Estado acompanhou com emoção e denodo a coragem dos valentes defensores
da invicta cidade; que acaresceram com os episódios dramatticos de sua resistencia,
mais uma bella pagina ás tradições de heroísmo e intrepidez de nossa gente (DIÁRIO
DE PERNAMBUCO, 1927, p. 2).

Mossoró é o centro das atenções nesse telegrama, a ação corajosa e honrável, é título de
alegria para o Estado. Vindo da capital Natal, essa mensagem é pronunciada como forma de
mostrar a ousadia do bando facínora que intentaram contra a maior cidade do interior do Estado,
mas que não conseguiram lidar com a força intrépida dos resistentes. Uma publicação
formulada pela imprensa pernambucana sobre Lampião chamava muito a atenção, pois notícias
sobre o paradeiro do cangaceiro, a dinâmica dos seus ataques e a brutalidade de seus atos, foram
há muito relatadas nos impressos tanto da capital, Recife, como nos periódicos menores das
cidades interioranas. O caso de Mossoró se torna um feixe de luz no mar sombrio do furor do
bandido, tornando qualquer ato de resistência, louvável e importante na luta contra essa horda.
Outro impresso de Pernambuco que noticiou sobre a resistência mossoroense, foi o
Jornal de Recife, que no mês de junho de 1927, publicou mais de 20 matérias sobre as ações de
Lampião e seu bando, todavia, a atenção do impresso se dava em cima do feito mossoroense
em ferir, mortalmente, Jararaca, bandido natural daquele Estado, e propagador de inúmeras
ações delituosas, fato que fez com que esse periódico, comemorasse a prisão e os ferimentos
do facínora. Além desse evento, o impresso se alicerçou em outras notícias, como é o caso de
Lampião ter rumado para o Ceará, apontando a necessidade de haver uma nova coligação e
perseguição ao cangaceiro, que julgava o jornal, estava em clara desvantagem por causa do
ocorrido em Mossoró.
Os eventos ocorridos em Mossoró chegam também na Bahia, que através do jornal O
Combate89, de Vitória da Conquista, republicam várias notícias e telegramas para o

89
Esse impresso tinha como nome secundário “vespertino, independente, político, noticioso e reacionário”, nasce
na década de 1910, como resposta ao desenvolvimento de uma imprensa cada vez mais aquecida contra os
103
conhecimento dos seus leitores. A primeira dessas, data do dia 16 de junho, ou seja, apenas três
dias depois do evento em Mossoró:

IMPEDINDO A PASSAGEM MALEFICA DE LAMPEÃO

O governo acaba de tomar energicas providencias, no sentido de impedir que o bando


de Lampeão, que irrompeu em Mossoró pratique massacres e devastações.
O bando está muito bem municiado e a despeito de ha alguns trinta dias estar reduzido
á cerca de 30 homens, hoje é composto de 70 (O COMBATE, 1927, p. 6).

O impresso esboça atenção para o fato de Lampião ter sido rechaçado, mas o cuidado
maior do periódico é divulgar informações sobre o cangaceiro e não necessariamente, sobre
Mossoró, isso se dá, porque Lampião era uma figura de destaque, de primazia, e o olhar sobre
ele e seus feitos, faziam parte de uma gama de notícias que pululavam os impressos nordestinos.
Já no dia 20 de junho, outra notícia sobre o embate sai em um novo número do periódico:

O bandido Jararacá, preso ha dias quando do ataque de Lampeão á cidade de Mossoró,


fez gravíssimas e importantes declarações á policia.
Foram detidos mais os seguintes cangaceiros, Luiz Leão, contando apenas 15 annos
de idades e “Colchete”, sendo que ambos foram levemente feridos, tendo fallecido
hontem o segundo (O COMBATE, 1927, p. 6).

A notícia versa sobre as prisões que ocorreram no embate de Mossoró, indicando que o
bandido, Jararaca, fez declarações importantes sobre o bando, deixando um tom de mistério e
incertezas sobre essas revelações, mas que isso, a matéria ainda conta sobre os feridos que
foram dois, segundo o impresso, o Luiz Leão, e o Colchete. Porém, seguindo as notícias da
própria imprensa de Mossoró, da luta ocorrida na cidade, Colchete morreu, e Jararaca saiu
ferido e preso logo após o evento. O Combate ainda descreve que Colchete veio a morrer no
dia de ontem, ou seja, no dia 19 de junho, mas o que ocorreu foi a morte de Jararaca, a qual será
ainda analisada nesse trabalho.
Em Mossoró, a imprensa local não deixa de noticiar sobre a empreitada audaciosa de
Lampião e traz outros fatos em torno do evento, buscando fazer uma cronologia dos locais por
onde o bando passou até chegar na cidade, bem como saber os pormenores do pensamento dos
cangaceiros em relação a cidade e ao seu povo. O jornal Correio do Povo, publicou no dia 3 de

desatinos do governo central, os quais demonstravam desapreço. Embora as tiragens desse impresso fossem
poucas, fato interessante é que tinha circulação na capital, Salvador. Para saber mais, ver: BAHIA, José Péricles
Diniz. Ser Bahiano na medida do Recôncavo: o jornalismo regional como elemento formador de identidade.
Tese de Doutorado (Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura & Sociedade da Universidade
Federal da Bahia). Salvador, 2009
104
julho, uma entrevista com dona Maria José, onde ela conta os detalhes dos dias sofridos que
passou sob as armas de Lampião e seu bando, e de como conseguiu sobreviver aos momentos
intempestivos do trajeto de onde foi sequestrada em sua casa, na fazendo Arueira, próximo a
Pau dos Ferros, até ser solta no Estado do Ceará. O relato conta também, sobre como o bando
é desordenado, e que o bandido, segundo ela, mais perverso era Sabino Gomes. (CORREIO
DO POVO, 1927, p.1) Com base nos relatos de dona Maria José, o ponto em que o impresso
foca é na perversidade e desorganização do bando, como pontos a serem postergados,
evidenciando que a frente que lutou contra Lampião estavam vencendo a horda do medo e da
indiferença.
A resistência mossoroense é louvada, ganha destreza e se perfaz como sendo o polo
norteador da cidade, que passa a ser vista não apenas como um entreposto comercial, ou apenas
como cidade de importância no interior, mas ganha visibilidade pela firmeza e coragem do seu
povo, Raimundo Nonato publicou, em seu livro Lampião em Mossoró (1998), vários telegramas
e cartas que chegaram a cidade como forma de engrandecer a ação dos resistentes e congratular
o prefeito Rodolfo Fernandes, pela perspicaz defesa. Do Rio Grande do Norte, as mensagens
começam a chegar já no dia 13 de junho, vindas de Macau, já no dia 14 de junho, mais
mensagens começam a chegar na cidade, dessa vez, recebidas de Natal, Lages, Areia Branca e
Canguaretama; no dia 15, vieram de Caicó e no dia 16, de Apodi. De outros estados e capitais
também chegaram mensagens de entusiasmo, como é o caso da Bahia, nos dias 17 e 18, do
Ceará no dia 18 e Maceió no dia 20. (NONATO, 1998, p. 46 e 47)
Figuras ilustres e de renome também reconhecem o feito mossoroense e mandam
mensagens de estima; do Rio de Janeiro, no dia 14 de junho, chega um telegrama de Alberto
Maranhão90, que dizia: “Parabéns pela defesa de Mossoró, votos para que voltem a
tranquilidade de seu nobre povo”; também, do Rio, no dia 13 de junho, chega uma mensagem
de Rafael Fernandes Gurjão91, dizendo: “Muitas preces, felicidades para o povo da nossa terra”;
e de Lages (RN), no dia 14, de Eloy de Sousa92, com o seguindo recado: “Solidário com as
agonias nobre cidade de Mossoró, felicito ao ilustre amigo pela resistencia que os mossoroenses
animados pela sua coragem souberam opor aos assaltos dos bandidos na tarde de ontem. Receba
e transmita aos heroicos munícipes comovido e fraternal abraço”. (NONATO, 1998, p. 47 e 48)

90
Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão, foi um político de importância no Rio Grande do Norte, sendo
governador do Estado entre os anos de 1900 a 1904, e de 1908 até 1914. No período da mensagem estava no Rio
de Janeiro, capital, e mandou a mensagem como forma de engrandecer o prefeito, Rodolfo Fernandes, seu amigo.
91
Foi prefeito de Mossoró no ano de 1929, e eleito governador do Estado do Rio Grande do Norte no ano de 1935
92
Foi um conhecido jornalista, e também Deputado Federal em diversas legislaturas, bem como Senador da
República pelo Estado do Rio Grande do Norte.
105
Essas mensagens foram publicadas como uma forma de evidenciar o louvor ao feito
mossoroense e circunscrever esse ato na história não apenas da cidade, como do próprio Estado.
A resistência a Lampião não poderia ser encarada como algo pequeno e sem importância, na
verdade, tal realização precisava de amplitude e grandeza. Os telegramas e cartas que chegaram
a Mossoró, fomentam essa pujança, descrevem o momento de euforia e êxtase que os munícipes
e as autoridades públicas locais estavam vivenciando, embora o perigo ainda estivesse por perto
e pudesse voltar a atacar a cidade a qualquer momento, nada poderia apagar o brilho da façanha
em expulsar do solo norte-rio-grandense o facínora mais conhecido da época e o uso dos
impressos locais, e também estaduais, se assentaram nessa possibilidade.
O trabalho dos impressos, nesse sentido, começam a trilhar na construção de um feito
histórico: a resistência ao bando de Lampião. Esse feito deve ser passado para a posteridade
com altivez e formosura. Deve constituir um discurso uno, com características essencialmente
fortes e indiscutíveis. A cidade de Mossoró passa a se configurar muito mais que apenas um
lugar físico na geografia norte-rio-grandense, mais que uma zona econômica ou até mesmo,
maior cidade do interior do Estado, passando a figurar um espaço de acontecimentos que
diferenciam essa cidade de outras, isso molda o imaginário, institui diferentes percepções, como
assegura, Pesavento:

(O imaginário) é esse motor de ação do homem ao longo de sua existência, é esse


agente de atribuição de significados à realidade, é o elemento responsável pelas
criações humanas, resultem elas em obras exequíveis e concretas ou se atenham à
esfera do pensamento ou às utopias que não realizaram, mas que um dia foram
concebidas (PESAVENTO, 2007, p. 11 e 12).

No caso de Mossoró, a construção imagética em torno do ataque de Lampião, perpassa


pelos discursos proferidos pela imprensa local, bem como da visão heroica atribuída ao evento,
e divulgada pelos periódicos de outros estados. No dia 30 de julho de 1927, na revista O
Malho93, da então Capital Federal do Brasil, Rio de Janeiro, saiu uma imagem com a foto do
bando que atacou Mossoró, sob o título “O malho no interior”, a imagem refletia o olhar da
revista em torno do banditismo que era latente no Nordeste brasileiro, o exotismo que é visível

93
A Revista O Malho, foi uma revista ilustrada que tinha, na sua concepção, a ideia de ser um canal humorístico,
criando sátiras políticas, como agente de sua narrativa. A primeira edição data de 1902, e circulou por mais de
cinquenta anos, tendo sua última publicação datada de 1952. Seu fundador foi Crispim do Amaral, artista
pernambucano que ganhou notoriedade devido a sua capacidade de criar caricaturas vividas sobre a situação
brasileira na época, para saber mais, ver: TEIXEIRA, Luiz Guilherme Sodré. O traço como texto: A história da
charge no Rio de Janeiro de 1860 a 1930. Edições Casa de Rui Barbosa, coleção Papéis Avulsos, n. 38, 2001;
LAMARÃO, Sergio. As revistas como fonte para a história da cidade do Rio de Janeiro. Revista do arquivo geral
da cidade do Rio de Janeiro. n. 6, 2012
106
nas roupas, armas e formas de se portarem para a imagem, concede a revista e aos impressos
do Sul, visões antagônicas sobre o cangaço e seus agentes, no caso, Mossoró entra na notícia
pois o nome dessa cidade já circulava em alguns impressos da capital do Brasil devido,
principalmente, ao comércio do Sal e ao porto construído para facilitar esse negócio.

Figura 1 - O famoso grupo de bandidos chefiados por ‘Lampeão’ que atacou Mossoró em junho

Fonte: Revista O Malho, Rio de Janeiro (1927).

Numa posição que indicava estarem prontos para a batalha, a imagem foi tirada em
Limoeiro, no Ceará, após o ataque de Lampião a Mossoró. O bandoleiro Jararaca, preso em
Mossoró, fez algumas indicações dos nomes de cada um dos cangaceiros, sendo os mais
importantes, Sabino (número 1 – em pé), Lampião (número 5) e Massilon (número 7), estes que
foram os responsáveis pelas frentes de ataque a cidade. Essa imagem, publicada também no Rio
de Janeiro, foi revelada em Mossoró, e usada no interrogatório de Jararaca como forma de
entender mais sobre o bando, a dinâmica de ação dos cangaceiros e os seus respectivos nomes.
Essa publicação que saiu no Rio de Janeiro mostra a amplitude que esse evento trouxe
para Mossoró e para os seus resistentes, mas que isso, fomentar esse evento seria dar
visibilidade a força e a pujança mossoroense, o louvor a vitória, constitui, a partir dos meses
seguintes ao ataque, como elemento fundante de um discurso que cada vez mais glorificava a
cidade e os seus representantes. Todavia, ainda resta uma figura a ser pensada e questionada
dessa ocorrência, o cangaceiro, Jararaca, que preso, era uma fonte de informação, mas a sua
107
estadia na prisão local, trazia dúvidas, gerava medo nos munícipes e movimentava a opinião do
povo em torno de sua pessoa e feitos enquanto bandoleiro, afinal, como deixar vivo um homem
que causou tanta dor e sofrimento em várias famílias nordestinas? Como ouvir uma voz que
calou tantas outras? O que fazer perante um sujeito que mais parece uma besta selvagem e
desalmada? Essas dúvidas causaram discussões e fizeram o ataque de Lampião render mais
questionamentos e inquirições. Conheceremos mais sobre José Leite de Santana, o Jararaca, e
suas peripécias nos impressos de Mossoró e de outros estados sobre sua pessoa e ações.

4.2 UM MORIBUNDO DISTINTO: JARARACA E OS RELATOS SOBRE SUA PRISÃO


E MORTE

Personagens de destaque volta e meia figuram na história, sejam suas ações reprováveis,
ou admiráveis, seja pelo ardor de seu patriotismo, ou pelo furor de sua rejeição pela nação, fato
é que homens e mulheres ao longo dos anos, são biografados, lembrados e rememorados pelas
suas atitudes e comportamentos. No caso do Brasil, possuímos enlace com sujeitos que
redigiram sua vida em eventos ambíguos e que fomentam discussões acaloradas ainda em
nossos dias. Falaremos de um que teve sua história lavrada em ambivalências e que mesmo
diante do seu fim, ainda faz permanecer sua memória, o cangaceiro Jararaca.
José Leite de Santana, conhecido comumente como Jararaca era natural do Estado de
Pernambuco94, afoito e intrépido, esse cangaceiro ficou conhecido como um dos mais valentes
e sanguinários que compunha o bando de Lampião. As ações de Jararaca foram largamente
noticiadas pela imprensa pernambucana, sendo o ano de 1927 o que as ocorrências aparecem
massivamente. O Jornal Pequeno publicou uma matéria no dia 7 de abril de 1927, apontando
uma ação perpetrada por Jararaca, a matéria dizia:

O grupo de “Jararaca” ataca a villa de Carnahyba de Flores sendo repellido pela força
da policia e batido

Estamos informados de que, ha quatro dias, o famigerado bandoleiro Jararaca, que


chefia um dos grupos em que se acha dividido o pessoal do bandido Lampeão, atacou

94
Alguns memorialistas apontam a cidade de Buíque, em Pernambuco, como local onde nasceu Jararaca.
Raimundo Nonato em sua obra Lampião em Mossoró, transcreveu o depoimento dado por Jararaca as autoridades
locais e aponta essa cidade como a de nascimento do cangaceiro, ver: NONATO, Raimundo. Lampião em
Mossoró. 7º Edição, 1998, Coleção o Mossoroense. Concordando com Nonato, Geraldo Maia do Nascimento
também assinala Buíque como cidade natal de Jararaca, ver: NASCIMENTO, Geraldo Maia do. Jararaca: prisão
e morte de um cangaceiro. 1° Edição, Natal/RN: Edições Sebo Vermelho, 2016. Já Luís da Câmara Cascudo, em
sua obra Flor de Romances Trágicos, alega ter sido em Pajeú das Flores, Pernambuco, o nascimento de Jararaca,
ver: CASCUDO, Luiz da Câmara. Flor de Romances trágicos. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1982.

108
pela madrugada, a prospera villa de Carnahyba de Flores (JORNAL PEQUENO,
1927, p. 4).

Essa notícia revela a proeminência de Jararaca ao colocá-lo como um dos principais


nomes do bando de Lampião. A partir desse momento o jornal vai começar a publicar variadas
matérias sobre o cangaceiro, mostrando seus intentos e ousadia. No mesmo mês de abril, no dia
21, daquele ano, mais uma notícia circula no jornal sobre Jararaca: “communico av. exc. que
Livino Ignacio, commandando destacamento Sambambia cercou, hontem, grupo bandido
Jararaca, lugar Porteira. Travou-se forte tiroteio entre praças grupos composto 8 bandidos”
(JORNAL PEQUENO, 1927, p. 3).
Outro impresso que pode ser citado ao postular matérias sobre Jararaca foi o Jornal de
Recife, que já no início do ano de 1927, no dia 15 de janeiro, encabeça uma notícia revelando a
luta contra o banditismo, apresentando Jararaca, ao lado de outros cangaceiros, como “celebres
criminosos” (JORNAL DE RECIFE, 1927, p. 3). No dia 15 de fevereiro daquele ano, o jornal
aponta, ainda, para as “novas façanhas de bandidos no interior do Estado”, expondo um ataque
perpetrado por Jararaca no lugar chamado de Jeritacó a um caminhão carregado de mercadorias
e comerciantes que partiram de Rio Branco em busca de Floresta, mas no meio do caminho se
depararam com “um grupo de bandidos chefiado por Jararaca, cangaceiro de confiança de
Lampião” (JORNAL DE RECIFE, 1927, p. 4). Em maio, no dia 11, outra notícia pulula as
páginas desse impresso, dessa vez Jararaca aparece compondo um grupo:

O grupo de Lampeão reunido aos de Jararaca, Jurema e Moços Gôdes, apareceu


domingo no logar Pedreiras, munícipio de Villa Bella e imediatamente seguio rumo
de S. Francisco onde sofreu serio tiroteio das forças pernambucanas chefiadas pelo
aspençado Augusto Gouveia. Não conseguindo penetrar n’aquella localidade seguio
em demanda de Queixada onde prendeu por algumas horas, o prefeito de Belmonte e
sem commetter quaisquer depredações rumou para o municipio de Salgueiro
perseguido pelas forças sob o commando dos tenentes Pimentel, João Gomes,
sargentos Arlindo Rocha e Affonso (JORNAL DE RECIFE, 1927, p. 4).

Esse momento mostra Jararaca chefiando um grupo que ao lado de outros instauram
medo no interior de Pernambuco. Essa notoriedade de Jararaca vai revelando um cangaceiro de
destaque, que diante de suas ações logo ganhou reconhecimento no mundo do crime e, por isso,
passou a chefiar seu próprio bando, se unindo, nos seus intentos, a outros bandos, inclusive ao
de Lampião.
O terror causado pelas ações do célebre bandido vai ganhando contornos pela sua união
com outros cangaceiros mais experimentados, como é o caso de Lampião e também de Sabino,
como fica evidente na notícia do dia 24 de maio de 1927:
109
Exmo. sr. dr. Washington Luís – presidente Republica. – [...] população sul Estado
estão presos immensos terror ercursões depredações terríveis grupos bandidos
chefiados celebres faccinoras Lampeão, Jararaca, Sabino e outros que vem
assombrando com innominaveis attentados sertões do nordeste brasileiro (JORNAL
DE RECIFE, 1927, p. 6).

O apelo feito ao presidente denota o medo que as ações dos bandidos estavam causando
na população, a narrativa segue e apresenta a incapacidade do governo central em lidar com o
crescimento destes bandos, que circulavam livremente pelas fronteiras áridas do sertão
nordestino. Jararaca, um dos mais temidos é então representado ao lado de Lampião como um
facínora que assombra e causa horror por onde passa.
As narrativas dos impressos pernambucanos indicam como Jararaca era visto pelos
periódicos e descrito de forma cada vez mais contundente e grosseiro, agudizando o imaginário
da população, estabelecendo olhares mais apreensivos. O ataque ocorrido em Mossoró e sua
ação naquela cidade viriam potencializar o medo já existente e conceder um olhar todo
estereotipado e singular sobre o cangaceiro. Preso no dia 14 de junho, com ferimentos advindos
da tentativa de despojar o cangaceiro Colchete, que fora morto em combate em Mossoró pelas
forças resistentes, Jararaca ficou impossibilitado de seguir o bando que saíra em fuga do Estado
rumo ao Ceará, por essa razão foi levado a Cadeia Pública do município, onde teve seus
ferimentos tratados e um processo lento, mas positivo de melhora. Todavia, no dia 19 de junho
Jararaca é retirado da cadeia sob a justificativa de ser transferido para Natal, sendo, na verdade,
levado até o cemitério local e assassinado pelos guardas que estavam lhe escoltando.
Um evento dúbio e que causou vários burburinhos, pois não se sabia ao certo o fim do
cangaceiro, histórias vão sendo arroladas sobre o que de fato poderia ter acontecido, mas nada
de concreto chegava até o ouvido da população. Raimundo Nonato, descreve o que poderia ter
acontecido naquela fatídica noite, do dia 19, pois, a viagem deveria ter sido finalizada ao
chegarem na capital, Natal, mas no meio do caminho, ao entrarem no cemitério, os policiais
mostraram ao cangaceiro:

Uma cova, aberta lá num canto, quase fora do ‘sagrado’ e lhe perguntaram se ele sabia
pra que era aquilo... Foi quando Jararaca falou froncado e destemido:
- Saber de certeza não sei não, mas porém estou calculando... Não é pra mim? Agora
isso só se faz porque eu me vejo nesta circunstância, com as mãos inquirida e
desarmado! Um gosto eu não deixo pra vocês: é se gabarem de que eu pedi que não
me matassem. Matem! Matem!, que matam mas é um home! Fique sabendo que vocês
vão matar o home mais valente que já pisou nesta terra (NONATO, 1998, p. 129).

110
A narrativa de Nonato sobre o ocorrido evidencia um caráter essencial sobre Jararaca: a
coragem. Sua fibra e ousadia perfazem a sua identidade. Não pedir clemência ante a morte
iminente o transforma numa figura ímpar, onde nem mesmo os seus carrascos entenderam a
situação que estavam vivenciando, pois sua valentia era tamanha que não pediu perdão, nem
misericórdia. Mantém-se com isso, a ideia do cangaceiro intrépido e audaz e sua história de
ataques e ações, corroboram no intento de o estabelecer com tais características.
O cangaceiro, que outrora servia de encantamento e distração para a população que ia a
prisão vê-lo, estava morto, apagava-se a voz altiva de um agente fora da lei, do perverso e
famigerado Jararaca. Na prisão, até os próprios guardas queriam mostrar o troféu de tê-lo
apreendido, e o fizeram na fotografia exposta abaixo:

Figura 2 - Jararaca preso em 1927

Fonte: Museu Lauro da Escóssia. Acervo do autor (2020).

A morte do cangaceiro por um processo de silenciamento, onde os jornais locais não


noticiaram trazendo a real ocorrência para os munícipes. Ao contrário nota-se uma exaltação a
vitória sob o bando e essa morte não poderia suplantar o brilho desse êxito. No dia 16 de junho,
dois dias antes da morte de Jararaca, vários jornais de estados vizinhos conclamam a vitória

111
mossoroense, trazendo uma exultação pela coragem e firmeza no combate ao bando de
Lampião. O Jornal de Recife, na matéria do dia 16 de junho, exalta Mossoró pela vitória e
discorre sobre a prisão de Jararaca:

Após trez investidas á cidade de Mossoró os bandidos recuaram para o Ceará,


deixando trez mortos e um prisioneiro que é o celebre bandido Jararaca, tido como
mais perverso que Lampeão.
Mossoró está agora, guarnecida por mais de duzentos soldados e civis (JORNAL DE
RECIFE, 1927, p. 2).

Além do Jornal de Recife, outro impresso que traz a notícia da investida de Lampião e
prisão de Jararaca foi o Jornal Pequeno, na matéria do dia 15 de junho, onde trazia em letras
garrafais o nome de Jararaca como figura principal daquela matéria:

A prisão de “Jararaca.” foi feita quando pelo ataque á cidade de Mossoró

O illustre dr. Eurico de Souza Leão, chefe de policia, acaba de receber do seu collega
do Rio Grande do Norte, telegramma annunciando a prisão do famanaz bandido
Jararaca, que os nossos sertões tanto conhecem, pelas suas innumeras façanhas
commettidas no territorio pernambucano.
Jararaca é, talvez, mais audacioso, mais sanguinario, mais perigoso do que Lampeão.
Há muito que o bandido constítuia um dos grupos em que Lampeão tem por costume
dividir o seu bando.
Agora, quando pelo ataque a Mossoró, no Rio Grande, attentado commettido por
Lampeão, Jararaca estava presente.
Mossoró defendeu-se com heroismo, pela policía que ali estava e pelo povo que aderiu
ás forças (JORNAL PEQUENO, 1927, p. 3).

Essa descrição reportada pelo jornal nos aproxima de uma visão que vai sendo postulada
sobre Jararaca: mais sanguinário e mais perigoso que o próprio Lampião. Tal visão faz com que
aquela prisão seja ainda mais louvada, pois o mal que antes pairava sobre os sertões do
Nordeste, agora iria se encontrar enclausurado numa cela, sem poder cometer os atos de
barbaridade tão acostumado a perpetrar. A matéria aproveita para elogiar a população e a polícia
que com bravura venceu e pôs para correr o bando temível de Lampião.
Nesse cenário de exultação em que se encontravam os jornais principalmente de
Pernambuco nos ajudam a entender o pavor que a população daquela Estado tinha de Jararaca.
O jornal A Província, no dia 16 de junho, fez uma matéria bastante descritiva sobre a prisão e
os relatos do próprio Jararaca.

O bandido “Jararaca”, que se acha ferido gravemente, declarou a policia que


“Lampeão” dispunha, no momento do ataque, de 53 homens bem montados e
municiados.

112
Accrescentou ter “Lampeão” projectado o ataque a Mossoró na supposição de que a
cidade não offereceria forte resistencia. [...] Foi encontrada em poder de “Jararaca” a
importancia de 450$000, bem como grande quantidade de munição. Faz parte do
grupo, actualmente, tendo estado presente ao ataque a Mossoró, o bandoleiro
Massilon (A PROVÍNCIA, 1927, p. 3).

As declarações de Jararaca mostram a organização do bando e sua relação de confiança


com Lampião, assim como a frustração que o bando teve ao não ter conseguido sair bem-
sucedido na tentativa de invasão. As posses que foram encontradas com o cangaceiro mostram
sua destreza nos ataques até chegar em Mossoró, pois os cangaceiros podiam ficar com aquilo
que eles conseguissem roubar por onde passavam.
No Ceará a vitória de Mossoró ecoou no jornal A Ordem, que também no dia 16 de
junho publicou uma nota sobre a ocasião:

Mossoró, 16. – O celebre bandido Lampeão atacou a cidade, sendo heroicamente


repellido. Nessa occasião foi preso o conhecido gatuno Jararaca.
Por occasião tiroteio morreu o bandido Colchete – o menino de ouro – como era
conhecido no bando de Lampeão e, considerado o mais celebre na historia do crime
(A ORDEM, 1927, p. 1).

O impresso apresenta a morte de Colchete e o coloca como um dos piores do bando de


Lampião, tal feito, assim como o relato dos demais jornais em trazer Jararaca como cruento,
tão sanguinário quanto Lampião, é para engrandecer a vitória que diante de sujeitos bestiais,
agiu com firmeza e imponência. Os jornais de Pernambuco e A Ordem do Ceará, trazem em
suas narrativas o desejo de vencer o banditismo e encontraram na vitória mossoroense um
exemplo da possibilidade de enfrentar tal mal.
Em Mossoró, o jornal Correio do Povo, no dia 19 de junho – dia da morte de Jararaca –
exalta a vitória de forma contundente, mostrando um sentimento de alegria e satisfação:

A Nossa ordeira, pacata, laboriosa e nobre cidade foi atacada e assediada pelo maior
número de bandidos do Nordeste, sob a chefia de Lampião, Sabino, Massilon e
Jararaca, chefes de cangaceiros que se colligaram para levar a effeito a empreitada
terrível e sinistra de saquear Mossoró, a mais opulenta e rica cidade do Rio Grande do
Norte. A imensa fama de riqueza aqui acumulada e o seu amor pelo trabalho, a paz e
a ordem despertaram, no espírito de feras daquelles bandidos, apetites vorazes de
saque e de sangue. Os seus planos miseráveis, porém foram frustrados. A população
civil em cooperação com a polícia mostrou e affirmou a pujança de Mossoró, que
também aguerrida e marcializada, indo muito e formidavelmente de armas na mão,
nas trincheiras e na rua (CORREIO DO POVO, 1927, p.1).

Essa matéria, publicada no último dia de vida de Jararaca, contribui para entendermos
o contexto em que a morte do cangaceiro se situa. É diante de uma vitória inesquecível e
memorável. Uma cidade com características singulares, ordeira, pacata e nobre, viu suas ruas
113
serem invadidas por bandidos com “espírito de feras”, buscando saquear e sobrepujar a
conhecida e afamada Mossoró. O jornal reafirma a importância de Mossoró em âmbito estadual,
elencando-a como a cidade mais vultosa, fato que despertou o interesse dos asseclas. Jararaca
é um desses sujeitos e sua morte, que ocorreria na noite daquele dia, não poderia ofuscar o
fulgor da vitória e dos vitoriosos.
A morte de Jararaca ficou submersa de incertezas e dúvidas. No dia 19 de junho, à noite,
ele foi levado pelos policiais que iriam escoltá-lo para Natal, todavia no dia seguinte logo ouve-
se boatos de sua morte. Não havia consenso, nem uma nota na imprensa sobre o ocorrido e isso
gerou bastante inquietação na cidade e de imediato várias versões para tal ocorrência começam
a aparecer e se proliferar entre os munícipes. O silenciamento sobre a morte e os fatos em torno
dessa ocorreram para que a pujança da vitória não fosse apagada diante de um assassinato cruel
perpetrado pela força policial que vitimou o cangaceiro.
Assim como enalteceram a vitória mossoroense, os jornais vizinhos também noticiaram
a morte de Jararaca. O tom das notícias revela a satisfação na morte do cangaceiro, um alívio
para os que temiam suas ações. No dia 22 de junho, o jornal A Província traz uma nota bastante
sucinta sobre os cangaceiros que morreram no combate em Mossoró e, diferente da outra
notícia, na qual trazia Jararaca como ferido e algumas informações que o próprio cangaceiro
deu, nessa o nome dele não é enfatizado como nas demais notícias anteriores. A reportagem
dizia:

Agora mesmo por occasião da primeira visita de Lampeão ao Rio Grande do Norte
ficaram mortos em combate por forças e população do Estado os cangaceiros Jararaca,
Colchete e Patrício Preto, além de outro que não foi possível identificar pelo grupo
sepultado nas proximidades de Victoria. Temos preso além disso o bandido
Bronseado que pertencia ao grupo de Massilon hoje alliado de Lampeão (A
PROVÍNCIA, 1927, p. 1).

Diferente da primeira matéria, do dia 16 de junho, a qual trazia Jararaca ferido e algumas
informações dadas pelo mesmo, essa matéria mostra o nome de Jararaca entre os mortos, não
trazendo nenhuma informação sobre a ocorrência. O Jornal de Recife, o qual no dia 16 de junho
também publicou uma matéria descrevendo a vitória de Mossoró sob o bando de Lampião e a
prisão de Jararaca, sendo esse, nas palavras do impresso, “mais perverso que Lampeão”, na
matéria publicada no dia 22 de junho o jornal comete um erro ao dizer que Jararaca morreu no
Ceará:

Telegramma do Ceará, aqui chegado, diz que Lampeão foi cercado por 240 praças
tendo havido um forte tiroteio no qual morreu o bandido Jararaca.
114
Accrescenta o despacho que os cangaceiros atacaram a localidade Iracema (JORNAL
DE RECIFE, 1927, p. 2).

A notícia aborda os combates que estavam sendo travados por Lampião no território do
Ceará depois da investida em Mossoró, aponta para uma possível morte de Jararaca nesse
embate. O jornal só viria trazer o local real da morte de Jararaca na edição do mês de julho, no
dia 15, a qual em uma matéria intitulada “banditismo”, elenca os feitos de Lampião no Rio
Grande do Norte e o seu trajeto até Mossoró. No dia 13 de junho, segue o jornal “o grupo atacou
a Cidade de Mossoró, onde foi energicamente repellido, morrendo o bandido de apellido
Colchete e ficando preso o celebre Jararaca que já morreu em consequência de graves
ferimentos” (JORNAL DE RECIFE, 1927, p. 1). Estas matérias indicam a indiferença dos
jornais em noticiar a morte de Jararaca, a qual por ter sido ocasionada pelos agentes do Estado,
ganhou um tom negativo e que poderia ser vista de forma escusa pela população.
O jornal O Nordeste de Mossoró publicou uma matéria singular, no dia 22 de julho de
1927, a qual trazia a morte de Jararaca e asseverava uma visão repulsiva a vida e as obras
realizadas pelo cangaceiro em vida, conclamando a população a não ter pena de sua morte, nem
deixar o brilho da resistência morrer diante do ocorrido.

O fogo cessou depois de uma hora e em breves minutos já o povo fervilhava nas ruas,
curiosos, enquanto, arrastando para a Praça da Matriz traziam o bandido “Colchete”,
morto na trincheira do cel. Rodolfo Fernandes, onde sahira balleado mortalmente o
terrível “Jararaca” que falleceu dias depois.
É pena que este monstro não tivesse sido morto quando capturado, no dia seguinte,
também suplicado como fêz a muitos inocentes, arrancando unhas, furando olhos,
esquartejando cadáveres, arrancando miolos! Não pagaria, por si e pelos seus
cadáveres arrancando miolos! Não pagaria por si e pelos seus comparsas do crime, os
desvirginamentos, os estupros e as sevicias praticadas na terrível devassa aos lares
indefesos! Ter compaixão de “Jararaca” é esquecer o instinto de conservação, é negar
o direito de vingança natural contra os monstros da humanidade! A humana criatura
que desde tanto, que semeia a desgraça por instinto de perversidade, só pode merecer
o linchamento que é a lei da razão do povo, em contrário às blandícias da lei escrita,
que, por vezes, constitui o próprio crime, gera bandidos pelas injustiças que
dissemina! É isto talvez uma ofensa às instituições do direito, mas é uma verdade da
razão humana. A fera mata pelo instinto de sua espécie, e por isto está em grau
superior ao facínora de profissão que tem juízo e raciocínio, que mata e sacrifica por
esporte, para ver a queda ou para roubar, ou para reagir contra quem lhe foge aos maus
desejos cúpidos e lascivos!
O bando de “Lampião”, na hora presente, constitui um caso único na história da
humanidade, dentro de seu programa macabro de tôda espécie de crimes. É de praxe
o incêndio às propriedades, sempre que é possível a desonra, pelos modos mais
repugnantes. Os tiranos ordenam a nudez a senhoras e virgens, dançam com elas e
consumam, bestialmente, os mais torpes atos de erotismo! É, por cumulo,
testemunham êsses atos, muitas vezes, os próprios maridos, pais e irmãos das vítimas!
E tenha-se compaixão de gente tão infame, como “Jararaca” (O NORDESTE, 1927,
p. 1).

115
Através desse trecho é possível perceber a percepção da imprensa local sobre a morte
do cangaceiro: é justificável e deveria, na verdade, ter ocorrido antes. O cangaceiro já era para
ter sido morto assim que capturado e terem feito o mesmo suplicar por sua vida. Essa visão é
fundamentada na vingança, no desejo de vingar a dor de pais, maridos e irmãos, que viram suas
esposas e filhas serem deflagradas pelas mãos desse sujeito; vingar os assassinatos sanguinários
e inescrupulosos que ceifou a vida de muitos durante sua trajetória. Não é possível, segue a
narrativa, ter compaixão de Jararaca, todas as suas ações são injustificáveis e se não fosse as
leis que produzem este tipo de sujeito, este já teria sido morto, pois, como diz o jornal, “só pode
merecer o linchamento que é a lei da razão do povo, ao contrário das blandícias da lei escrita”.
Esse juízo que é criado em torno da imagem de Jararaca, do bandido cruento, bestial e
animalesco, fomentado pela matéria do jornal mossoroense e que também encontrou respaldo
nos demais citados dos estados vizinhos, encontra alicerce na percepção que se tinha no período
do criminoso, advindo das teorias da criminologia que buscava estudar e entender o homem
criminoso95. O principal teórico que pensou este tipo de sujeito foi Cesare Lombroso com sua
obra O Homem Delinquente96, na qual defende que alguns homens estariam mais aptos e
destinados ao crime, sendo o criminoso biologicamente determinado para cometer más ações
por razões hereditárias97.
Para Lombroso esses sujeitos errantes, que cedo começam a praticar delitos e crimes
possuem um gene criminal, predeterminados a viverem uma vida de desregramentos. É possível
verificar essa assertiva quando ele menciona um “delinquente nato”, em sua narrativa:

No feto, encontram-se frequentemente certas formas que no adulto são


monstruosidades. O menino representaria como um ser humano privado de senso
moral, este que se diz dos frenólogos um demente metal, para nós um delinquente
nato. Há nisso a violência da paixão. [...] sendo a demência moral e as tendências
criminosas unidas indissoluvelmente, explica-se porque quase todos os grandes
delinquentes tiveram de manifestar todas as medonhas tendências desde a primeira
infância (LOMBROSO, 2007[ 1º ed. 1876]).

Com base na narrativa de Lombroso, desde o feto já há uma disposição para o crime que
irá ser consumada na fase adulta onde as monstruosidades ocorrem. No caso do Brasil, a
criminologia foi recebida com pompa e alegria entre os intelectuais do fim do século XIX. As

95
Os principais expoentes foram Cesare Lombroso (1835-1909), seu discípulo Enrico Ferri (1856-1929) e o jurista
Rafael Garofalo (1852-1932).
96
Ver: LOMBROSO, Cesare (2007[1876]). O homem delinquente. São Paulo: Ícone.
97
Conferir: FONTELES NETO, Francisco Linhares. A criminologia e a polícia no Brasil na transição do século
XIX para o XX. Passagens: Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica. Rio de Janeiro: Vol.
8, n°.3, setembro-dezembro, 2016
116
ideias de Lombroso começaram a ser discutidas e seus ideais abraçados por muitos médicos e
juristas do período. A Faculdade de Direito do Recife se estabeleceu como principal proponente
dessa teoria. Dessa feita, a geração que se formou tinha como escopo as teorias criminais
lombrosianas. Todavia, na Europa, essas teorias já tinham caído em desuso devido ao fracasso
em tentar explicar o criminoso por características internas e físicas, no Brasil estas serviram
para identificação criminal e para manter muitos segmentos da sociedade sob direta vigilância
e olhar moderador do Estado.
É possível aproximarmos esse olhar sob o criminoso e, no nosso caso, de Jararaca,
quando verificamos as narrativas que vão sendo veiculadas pelos jornais depois de sua morte,
como fica evidente na matéria publicada pelo jornal O Nordeste, no dia 22 de julho de 1927,
passados um mês da morte do cangaceiro. A matéria visa chamar a atenção para a formação
dos chamados “monstros sociais”, buscando evidenciar que existem fatores que possibilitam os
desajustes sociais.

Monstro? Sim, o fascinora, perigoso e perverso – o monstro humano. Elle foi ou é


uma vitima dos homens ou de uma iníqua e perfila aplicação da lei. E por isso é
monstro, senão por índole ou por influencia do meio.
Neste, caso teve escola ou não. Como vitima, se pode agir e ser, ou o próximo do
oprimido, que incarna sua magua, tornou-se rebelde, e afronta o opressor. Dado o
primeiro passo na trilha do crime ou desse acto evidente que o atirou a perdição, por
negar-lhe o direito ou ferir-lhe illicitamente, sobra a sua severidade, a punição.
Começa a formação quase sempre do monstro, pela insensatez dos homens, se não é
vendo pela moleza do gênio. Aquelle agora poderá tornar-se o terror das populações,
praticando toda sorte de crimes hediondos. Este deixa-as em paz... sofrendo a sua
miséria!
Se o homem torna-se possível de penalidades, esta deve ser eficientemente equitativa.
Antes moderada que draconiana. O réo cumpril-a-à convicto que houve justiça e
poderá rehabilitar-se.
Ao contrário, (e no máxime se não a merece) torna-se mau, piora e está
definitivamente formado o monstro! E no seu intimo, no seu coração, onde outrora
um sentimento bom palpitava ou onde apenas poderia gritar a vingança relativa, quase
commum, rebenta e altera o ódio em lavas de crueldades! Já ahi todos, inimigos ou
estranhos serão victimas de sua sanha. Todos temos, nesse ultimo caso, o direito de
exterminar o facínora, porque se tornou nocivamente prejudicial a commum, a
estabilidade da sociedade; e mais direito temos ainda de enforcar ao injusto, ao
causador dessa obra macabra, forjada a sombra das posições, quase sempre legaes!
Deve-se combater e extinguir o monstro fabricado pela opressão, como o expontaneo,
por atavismo ou circunstâncias do meio, desde que causem perturbações, molestas e
sinistras a ordem e a paz do povo (O NORDESTE, 1927, p. 1).

Segundo o impresso, a formação dos monstros sociais pode seguir alguns fatores,
destacando que pode ser ou por influência do meio que cerca esses indivíduos ou por índole. A
matéria continua e elenca o que pode ser algo vindo de dentro do sujeito: “começa a formação
quase sempre do monstro, pela insensatez dos homens, se não é vendo pela moleza do gênio”.

117
Ao continuar a publicação, há uma justificativa para “exterminar o facínora”, porque esse se
tornou prejudicial a paz da comunidade e estabilidade da sociedade. Essa notícia busca justificar
o ocorrido com Jararaca ao postular que matar esses indivíduos é normal e deve ser algo
estimulado, pois são monstros sociais, que nasceram com algo interno, advindo da índole e que
faz parte do gênio destes sujeitos.
O caso de Jararaca e sua morte pelas mãos dos policiais locais deveria ser justificada
pela vida errante e pela bestialidade das ações do cangaceiro que em vida, como foi narrado
através dos jornais de Pernambuco, principalmente, não teve compaixão de agir contra a
população. O jornal O Nordeste publica outra matéria, dessa vez conclamando a população a
ter compaixão do estado em que se encontravam os soldados que lutaram pela ordem da cidade
contra os cangaceiros.

Conhecendo as dificuldades com que o governo do Estado se vem debatendo, neste


momento, de grandes gastos com a repressão aos bandidos que assolaram as nossas
terras, sob a chefia de Lampeão, a imprensa local, representada pelo “O Nordeste”,
“O Mossoroense” e “Correio do Povo” promoveu entre o commercio e classes
conservadoras, uma subscrição, a fim de manter uma mesada diária aos soldados do
Esquadrão, aqui destacados, cujas diárias são exíguas e insuficientes para a
manutenção dos mesmos.
E, assim, desde 4 do corrente se vae mantendo essa nobre ação do povo mossoroense
a situação monetária dos soldados, ou que sejam estes incorporados ao Esquadrão,
daremos os nomes dos benfeitores e a nota da importância arrecadado (O
NORDESTE, 1927, p. 1).

A matéria, publicada no mesmo dia e edição da comentada anteriormente, sobre os


“monstros sociais”, no dia 22 de julho de 1927, visa chamar a atenção da população para os
verdadeiros passíveis de comoção: os soldados, que passavam por uma situação difícil diante
do rendimento que lhes era pouco. A matéria nos ajuda a entender o desejo da imprensa local
em fomentar o cuidado que se deve ter com aqueles que lutaram contra o banditismo, mover a
atenção dos populares não para a morte de Jararaca e suas peripécias, mas para os soldados que
agiram com honra em prol do bem comum. Com essa matéria podemos perceber que houve um
desejo de silenciar a morte do cangaceiro e retirar dos assassinos a culpa, pois Jararaca não
merecia compaixão. Assim, entender esses discursos, percebendo suas particularidades,
atentando-se para os silenciamentos, fazem parte da inquirição que nos envolvemos nesse
momento, onde a figura de José Leite de Santana, passa a ser imortalizada como cruento,
sanguinário e malfeitor.
Embora esse fato seja perceptível com base nos elementos discursivos dos impressos,
em Mossoró ouve um processo de alteração nessa visão que se coadunou ao fato da morte de

118
Jararaca ter sido desumana e impiedosa. No mesmo lugar onde o cangaceiro foi morto, há um
processo de peregrinação não sistematizada, onde muitos rezam por sua salvação e o veem
como alvo de oração para que esse encontre o caminho do bem e da paz. É fato que existe uma
dicotomia latente nas visões sobre o cangaceiro, ora retrato como animal, sem escrúpulos e
alma, noutro, encarado como vítima de uma ação desmedida, covarde e reprovável, o fato é que
sua vida e morte nos servem de fonte para compreendermos a dinâmica de notícias da imprensa
mossoroense e de outros estados sobre sua pessoa. Seja bandido, herói, vítima ou carrasco,
Jararaca, Lampião e sua trupe que trilharam pelas fronteiras de Mossoró, firmaram-se como
elementos constitutivos da história local, a qual, alicerça-se num passado, glorioso, glorificado,
ambíguo e eternizado.

119
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É certo que a escrita e a leitura fazem parte de uma densa e complexa relação que partem
de mentalidades e particularidades dispares, tanto dos que escrevem, como dos que leem.
Perscrutar a abstrusidade imanente na relação entre o que escreve e o que lê certamente é um
desafio, pois ambos figuram ações subjetivas (o ato de refletir, problematizar e questionar) e
objetivas (escrever, discursar, etc.), e é nesse intricado vínculo que notamos os mistérios98 que
percorrem essas práticas.
Destarte, somos impelidos a refletir sobre os aspectos que denotam uma similitude entre
o escritor e o seu leitor. Nesse viés, é importante entendermos que tanto o escritor, como leitor,
possuem um aspecto convergente: o lugar social99. Ambos possuem raízes em espaços que lhes
concedem influências, os fornecendo crédito e pujança. Esse lugar transcende o físico e o
objetivo, transitando nas áreas da subjetividade humana, sendo, nesse viés, um espaço
simbólico e representativo. São múltiplas as intervenções desse lugar, pois esse faz parte
indissociável da cultura humana em suas ligações com os costumes e práticas que influenciam
os homens em seus discursos e ações. Está vinculado às inferências políticas que perfazem a
dinâmica humana de escolhas e postura. Assim sendo, podemos inferir que o lugar social, no
âmbito da relação entre o leitor e o escritor, possui uma importância crucial para
compreendermos as ligações e predisposições que se enumeram entorno desses sujeitos.
Pensar o escritor e o leitor é algo importante dentro da dinâmica histórica, são sujeitos
que estão numa dança de posições que se entrecruzam e se distanciam, mas que certamente se
unem a partir de interesses em comum: conhecer, saber, aprender, noticiar, vender, ganhar. Os
adjetivos que se relacionam nessa junção entre interesse de um e ganho do outro, fazem dos
impressos um lócus de eximia importância na lógica da narrativa. É através da imprensa que
aquele que visa conhecer, pode se inteirar do que está acontecendo a sua volta, e é a própria
imprensa que vende essa possibilidade de informação. É nela, por ela, e para ela. Tomamos

98
Robert Darnton, delineia alguns pontos bastante cruciais sobre o denso solo da leitura, elencando fatores que
fazem da ação subjetiva de ler um impetuoso terreno misterioso. Sendo assim, o historiador que busca compreender
os padrões de leitura de determinados agrupamentos culturais dispares do seu, precisa, em primeiro momento,
entender que o modo de interpretação de mundo desse grupo faz parte da sua maneira de ler esse mundo. Assim
sendo, suas percepções do seio social que lhes abarca está concatenado as suas leituras. Porém, Darnton nos alerta
para o traiçoeiro perigo de não sabermos lhe dá com as características desses leitores, pois antes de buscarmos
saber o que eles liam, devemos compreender quem eles são, enquanto sujeitos advindos de experiências sociais e
interlocuções culturais. Destarte, primeiro sabe-se quem são, depois o que leem e posteriormente como
compreendiam o que liam. Ver: DARNTON, Robert. A questão dos livros: presente, passado e futuro. Tradução:
Daniel Pellizari. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, 231p.
99
Não está se afirmando que ambos possuem um lugar físico igual, mas que são influenciados por um lugar, seja
esse institucional, cultural, político, dentre outros.
120
nessa pesquisa a imprensa como principal fonte para se conhecer um passado. Um passado,
porque ele é construído, é rememorado e não pode ser aqui entendido enquanto fixo e apático.
A imprensa é um documento, e Jacques Le Goff (2003), nos alerta para o fato de que nenhum
documento é inocente, sendo crucial o olhar acurado para que sua interpretação ocorra de forma
coerente e não se caia apenas no discurso da própria fonte.
Na historiografia brasileira havia um descredito em se estudar o passado por meio da
imprensa, Tânia Regina de Luca (2008), aponta que ainda na década de 1970, havia poucos
estudos que tinham a imprensa como fonte, embora, segundo a autora, houvesse uma
preocupação em se estudar a imprensa. Segundo Maria Helena Rolim Capelato (1988), a
obsessão dos historiadores em busca da verdade acabou levando uns ao descrédito em relação
aos impressos e outros a tê-los como fontes irretocáveis da verdade. Nesse repertório,
alicerçamos esse escrito entendendo a possibilidade de se conhecer facetas do passado através
do impresso, pois, esse é, uma fonte que nos leva a conhecer os ditames e ocorrências que se
procederam em períodos antes de nós.
Os periódicos que usamos nessa pesquisa são de variadas correntes políticas, e se situam
em diferentes períodos históricos. O recorte temporal, que teve como início o final do século
XIX, e fim, nos primeiros decênios do século XX, nos concederam variadas interpretações
sobre o momento em que esses impressos estavam inseridos. Como é comum na dinâmica do
jornalismo, as notícias falavam sobre a realidade a sua volta, aquilo que seria de interesse, estes
julgavam, dos seus leitores, que no final do século XIX, não passava de um punhado da
população dos lugares de sua circulação.
O nosso recorte espacial, Mossoró/RN, tinha como principal motor econômico, o
comércio do sal, sendo o porto de Areia Branca, sua ligação com o mundo exterior. Essa
Mossoró do final do século XIX, começava a despontar como empório comercial, rivalizando
com cidades como Campina Grande (PB), e Sousa (PB). Em um passado já regozijado, por
causa da abolição da escravidão que ocorreu em 1883, os anais de sua história já fervilhavam
nos impressos como vetores de um progresso, periódicos como O Brado Conservador e O
Mossoroense, exaltavam a história local e faziam de Mossoró um espaço de renome e de
preponderância. Não é de se assustar que nesse interim, o cuidado para com essa cidade seja
cada vez maior e isso gerou discursos contrários a tudo que podia vir de fora e aviltar essa
pureza, somos levados então, para o nosso primeiro sujeito que teve o olhar crucificador dos
impressos locais: o flagelado.

121
As secas causticantes que assolaram o Nordeste durante o ciclo de 1877/1879 pareciam
maltratar a vegetação e os que dependiam dessa para sobreviver. É nesse momento que os
grandes e médios centros urbanos passam a ser o lugar de encontro daqueles que morriam de
fome e miséria. Mossoró vai encarar essa realidade com levas de flagelados vindo do Ceará, e
também de outros espaços mais interioranos do Rio Grande do Norte, fato que recebeu a atenção
e o cuidado dos impressos em alertar para o perigo desses sujeitos que, por sua condição de
mendicância, poderiam causar desordens e proporcionar motins. Com base nisso, nosso
primeiro capítulo se alicerçou nos relatos da imprensa local, que diga-se, ainda estava em
construção, sobre esses sujeitos e suas ações que causavam, com base nos enunciados
discursivos dos periódicos, medo e aversão.
Seguindo no rastro das narrativas da imprensa, concebemos um novo cenário a partir da
década de 1920, onde os jornais se firmariam na perseguição ao banditismo que vai ganhar com
Lampião, uma maior dimensão. Aumentamos o nosso corpus documental e avaliamos
publicações advindas de Pernambuco e Ceará, principalmente, tal ação teve como principal
intenção, enumerar as peripécias do bando de Lampião e verificar como os impressos vão
aumentando suas notícias sobre o cangaceiro e como seus discursos vão se tornando mais
alarmantes sobre suas ações. Da primeira publicação, datada de 1922, até o ano de 1926,
visamos mostrar algumas notícias que atestavam o progresso do bandido nos variados estados
do Nordeste, chegando ao ano onde o foco do capítulo dois foi dado: 1927.
Nesse ano (1927), estabelecemos uma visão mais estendida da ação do cangaceiro, que
vai circular mais próximo ao Estado do Rio Grande do Norte e ser figura de proeminência nos
impressos. No dia 13 de junho daquele ano, o contato dele com a cidade de Mossoró foi intenso,
repleto de ocorrências e fato massivamente relatado nos jornais locais e de outros estados. A
partir desse momento, fizemos uma relação daquilo que a imprensa local publicava e dos outros
periódicos, embora com alguns desencontros de informação, o que é passível de entendimento,
pois os telegramas que eram publicados traziam essas ambiguidades, mesmo assim, havia uma
relação de interesse mútuo: louvar a vitória sobre Lampião.
Com base nessa premissa, formou-se arcabouço de discursos que pulularam impressos
diversos, instaurando novos olhares sobre a cidade e que transformou o agente perigoso,
Lampião e sua horda, em atores, numa encenação onde os resistentes também faziam parte do
enredo e saíram vitoriosos. O medo abre espaço para a euforia e a crença no poder da cidade e
de seus munícipes. Os relatos da imprensa serviriam como auxiliadores dessa força que

122
arrebatava corações e mentes em prol do avanço mossoroense rumo ao desenvolvimento; ao
eterno.
Todavia, algo ainda restou do ataque, não uma memória, nem um pensamento, ou algo
subjetivo, mas sim um ser físico, que ainda respirava no solo mossoroense e mostrava em seu
próprio corpo, as marcas do embate. A figura era José Leite de Santana, conhecido como
Jararaca, franzino e baixo, não parecia ser aquilo que as matérias pernambucanas falavam:
“mais perigoso que Lampião”, na verdade, Jararaca estava sendo tratado na prisão e sua melhora
aparente, o fez acreditar que sua vida seria restaurada e esse poderia voltar a sua vida normal,
mas isso não foi possível, uma vez que no dia 19 de junho, no cemitério local, sua vida foi
ceifada pela própria polícia local.
Esse evento não poderia suplantar o afã da vitória e a robustez do louvor dado aos
resistentes e a cidade, e por isso, um silenciamento é visualizado e tomou conta da cidade por
meses a fio. A morte de Jararaca gerou dúvidas e incertezas na população, mas nas autoridades,
formulou a oportunidade de utilizar um discurso ferrenho contra aqueles que tinham compaixão
desse bandido, e a imagem do delinquente nato, entra como justificador do seu extermínio. É
assim que fechamos o terceiro e último capítulo, pensando naquilo que foi construído, no que
foi elevado, a vitória sobre Lampião e no que foi omitido, a morte de Jararaca. A escolha do
que noticiar faz parte da lógica da imprensa e a de Mossoró, não fugia a essa congruência.
A imprensa mossoroense agiu, dentro da nossa pesquisa, como modeladora de discursos
que se faziam contrários aos forasteiros, aos outsiders. O flagelado que veio e ajudou a construir
a cidade no período onde a seca era latente, e a fome predominante, foi motivo de medo, de
repressão e apreensão. O cangaceiro que veio, se constituiu num perigo altivo, movendo todas
as forças possíveis para que houvesse a sua contenção. É o flagelado, é o cangaceiro, é o
discurso cru, que formula, deforma, que cria imaginários, estabelece medos e tensões, e esses
são os grupos que na transição do século XIX e XX, ganharam a atenção dos impressos locais.

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IV. Jornais e Revistas


Jornal O Nordeste (1927)

Jornal O Mossoroense (1904 – 1927)

Jornal O Comércio de Mossoró (1902 – 1907)

Jornal O Brado Conservador (1877 – 1879)

Jornal Correio da manhã (1911)

Jornal O Cearense (1871)

Jornal O Conservador (1877)

Jornal O Povo (1889)

Jornal A República (1889 - 1927)

Jornal Correio do Povo (1927)

Jornal O Jornal (1924)

Jornal Diário de Pernambuco (1922 - 1927)

Jornal O Combate (1927)

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Jornal A Ordem (1925 - 1927)

Jornal Correio de Natal (1878)

Jornal A Província (1922 - 1927)

Jornal do Recife (1922 - 1927)

Jornal Pequeno (1923)

Jornal A Imprensa (1925)

Revista The Economist (1993)

Revista O malho (1927)

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