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nacionalidade em Portugal
I
2. Antes de 1981, o direito da naciona-
lidade em Portugal estava codificado na
Lei nº 2.098, de 9 de julho de 1959. Apesar
da sua importância para a evolução desse
sector do sistema jurídico em Portugal2 ,
esse diploma não tinha constituído, no
entanto, uma viragem em relação à situa-
Rui Manoel Moura Ramos é Professor da ção precedente, tendo antes dado coerên-
Universidade de Coimbra e Juiz do Tribunal cia a um conjunto de disposições constan-
de Primeira Instância da União Européia em tes quer do Código Civil de 18673, quer de
Luxemburgo. leis posteriores.
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3. O sistema instituído por essa lei ba- to, a sua vontade de manter a nacionali-
seava-se, no que à nacionalidade originá- dade anterior. A aquisição forçada de uma
ria diz respeito, numa combinação do ius nacionalidade estrangeira, bem como a
soli e do ius sanguinis, em que a primazia aceitação não autorizada de funções pú-
era dada ao primeiro desses princípios 4 . blicas no estrangeiro e a prestação (nas
Assim, bastava ter nascido em Portugal mesmas circunstâncias) de serviço militar
para adquirir a nacionalidade portuguesa, a um Estado estrangeiro permitiam ao
solução essa conforme à concepção do Es- Conselho de Ministros determinar a per-
tado que considerava os territórios ultra- da da nacionalidade portuguesa, o que
marinos como parte do seu território e também podia acontecer a quem se com-
cujas necessidades de povoamento e de in- portasse apenas como estrangeiro ou
tegração populacional o aproximavam dos cometesse um crime contra a segurança
novos Estados. Mas o ius sanguinis desem- do Estado. Finalmente, permitia-se às
penhava igualmente um papel importan- pessoas que tivessem adquirido a nacio-
te, visto que aos filhos de pai português nalidade portuguesa por declaração dos
nascidos no estrangeiro podia ser atribuí- pais durante a sua menoridade que a ela
da a nacionalidade portuguesa mediante renunciassem quando maiores.
simples declaração, desde que registassem No entanto, a nacionalidade portugue-
o nascimento nos serviços consulares ou sa perdida nessas condições podia sempre
na Conservatória dos Registos Centrais, ser readquirida se o interessado manifes-
ou que estabelecessem domicílio em Por- tasse a sua vontade nesse sentido e esta-
tugal5. A existência de uma forte corrente belecesse domicílio em Portugal10. Mas,
migratória portuguesa estabelecida no nos casos em que a perda tivesse sido pro-
estrangeiro 6 justificava os cuidados do vocada por decisão governamental, era
legislador, que procurava desse modo necessário obter uma graça especial da
manter os laços dessas comunidades autoridade que a tivesse imposto.
com Portugal. 6. Para além do papel desempenhado
4. Para além do processo clássico de pelo ius soli, as soluções legais eram reve-
naturalização em que, a pedido do reque- ladoras de uma especial atenção à reali-
rente, a última palavra cabia ao poder dade da emigração11 e estavam em estrei-
público, desde que estivessem reunidas ta relação com as normas de direito subs-
determinadas condições, o acesso à nacio- tantivo (sobretudo do direito da família)
nalidade portuguesa era igualmente per- que consagravam a distinção entre filia-
mitido à mulher estrangeira 7 que se casas- ção dentro do casamento e fora do casa-
se com um português e aos filhos menores mento e sublinhavam o papel do marido e
do pai na sociedade familiar12. Por outro
do estrangeiro naturalizado. Mas qual-
lado, deixavam uma larga margem à in-
quer aquisição de nacionalidade8 podia
tervenção do poder público na definição
ser recusada se o Governo a tal se opuses-
do vínculo de nacionalidade e, excepto no
se com fundamento em condições pré-
que respeita à aquisição originária, não
definidas9, o que permitia afirmar o papel
manifestavam qualquer abertura à dupla
do Estado em matéria de nacionalidade.
nacionalidade13 .
5. A perda da nacionalidade decorria
automaticamente da aquisição voluntária
de uma nacionalidade estrangeira. O ca- II
samento de mulher portuguesa com um 7. O quadro que acabamos de traçar
estrangeiro implicava igualmente a per- sofreu profundas modificações com a Lei
da da nacionalidade portuguesa, salvo se nº 37/81, de 3 de outubro de 198114. Essas
a mulher manifestasse, antes do casamen- modificações tornaram-se necessárias
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pela falta de adaptação do regime legal go 26º, nº 3), e às incapacidades que atin-
anterior a determinadas opções feitas pelo giam os naturalizados, tornadas igual-
legislador quer na Constituição da Repú- mente inconstitucionais pela amplitude do
blica quer após a publicação desta, mas reconhecimento do princípio da participa-
igualmente como resposta a fenômenos ção dos cidadãos na vida pública (artigos
que exigiam respostas de política legisla- 48º, nº 4, e 12º, nº l). E o que acontecia com
tiva diferentes das que tinham inspirado a Constituição também sucedia com a le-
a Lei nº 2.098. gislação ordinária: basta lembrar que o
Por um lado, podia-se pôr a questão de Código Civil de 1966 tinha reatado com a
saber se a situação nacional portuguesa, velha tradição portuguesa favorável à
após a descolonização e os movimentos de adopção e a ausência de disposições a esse
população ocorridos desde os anos sessen- respeito em matéria de aquisição da nacio-
ta, não exigia uma certa reconsideração do nalidade portuguesa tornava-se daí em
papel dos dois principais princípios em diante inexplicável.
matéria de aquisição da nacionalidade (no 8. Se a nova realidade do Estado15 (ago-
sentido de que o primado reconhecido ao ra reconduzido à sua dimensão européia)
ius soli podia ser posto em causa) e da pró- justificava o papel atribuído ao ius sangui-
pria natureza do vínculo de nacionalida- nis, deixava no entanto de impor o relevo
de. Foi exatamente o que aconteceu, e é o conferido até então ao ius soli16 .
que explica o reforço da vontade do indi- Assim, em matéria de aquisição origi-
víduo na definição da relação de naciona- nária, o ius soli viu diminuída a sua im-
lidade (em conformidade com a constru- portância. Agora, o nascimento em Portu-
ção da Declaração Universal dos Direitos gal de um filho de progenitor17 estrangei-
do Homem, cujo artigo 15º afirma o direi- ro só é causa atributiva da nacionalidade
to de todos os indivíduos a uma naciona- portuguesa se o progenitor em questão já
lidade e proíbe as privações arbitrárias aí residir desde há pelo menos seis anos e
quer da nacionalidade quer do direito de se o interessado manifestar a vontade de
a alterar) ou ainda o reequilíbrio efectua- ser português. Esses requisitos destinam-
do entre o ius sanguinis e o ius soli, traduzin- se a impedir a aquisição originária da na-
do, deste modo, uma valorização do elemen- cionalidade portuguesa nos casos em que
to humano na construção do Estado. não há qualquer inserção significativa na
Por outro lado, a unidade do sistema comunidade local. Essa inserção é revela-
jurídico impunha de aí em diante uma da pela residência durante seis anos do (ou
harmonização do direito da nacionalida- dos) pai(s) estrangeiro(s) (elemento de fac-
de com determinados princípios aceites na to), mas não dispensa, tal como em rela-
ordem jurídica portuguesa. A Constituição ção aos filhos de portugueses nascidos no
de 1976 tinha consagrado a não discrimi- estrangeiro, a declaração de vontade do
nação dos filhos nascidos fora do casamen- indivíduo em causa (elemento psicológi-
to e a igualdade dos cônjuges (artigo 36º, co). Essa declaração só será supérflua se a
n os 3 e 4), o que tornava caducas tanto as pessoa nascida em Portugal for filha de
diferenciações estabelecidas entre o ius um progenitor português (torna-se, por-
sanguinis a palre e o ius sanguinis a marre tanto, automaticamente portuguesa de
como os efeitos decorrentes do casamento origem) ou se nascer em Portugal sem
para a aquisição e a perda da nacionali- possuir outra nacionalidade (o que se
dade da mulher casada. O mesmo se pas- explica pela necessidade de prevenção
sava em relação aos casos de privação da da apatridia).
nacionalidade, que deixavam de poder ter Por outro lado, e agora em relação ao
como fundamento razões políticas (arti- ius sanguinis, a filiação natural foi equipa-
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rada à filiação legítima, o que aparece causas de perda anteriormente previstas
como a conseqüência da pretendida coe- (aquisição de uma nacionalidade estran-
rência com os novos princípios constitu- geira, aceitação de funções públicas ou
cionais do direito da família18. prestação de serviço militar não autoriza-
Finalmente, registe-se outra alteração dos no estrangeiro, casamento, em certas
significativa em matéria de aquisição ori- condições, de mulher portuguesa com
ginária. Com efeito, a oposição à aquisi- estrangeiro, prática de um crime contra a
ção da nacionalidade deixou de existir segurança do Estado ou o comportamento
nessa matéria, o que reforça sensivelmen- como estrangeiro) desapareceram, en-
te o papel dos critérios do ius soli e do ius quanto tais, só podendo agora a perda
sanguinis, bem como a relevância da von- decorrer da renúncia à nacionalidade
tade do indivíduo que, como se viu19 , é, portuguesa, renúncia essa que só é admi-
nesse contexto, da maior importância. tida se o português em causa possuir outra
9. No domínio da aquisição derivada, nacionalidade.
ocorreram igualmente várias modifica- As novas soluções sublinham o refor-
ções. Assim, a realização do princípio de ço da importância reconhecida à vontade
unidade da nacionalidade no seio da fa- do indivíduo em matéria de nacionalida-
mília levou o legislador a prever que os de, importância que vai, nesse domínio da
estrangeiros que se casem com um nacio- perda da nacionalidade, até ao ponto de
nal português, bem como os filhos meno- paralisar qualquer intervenção do Estado
res de quem se torne português, possam a esse respeito. Paralisia essa que não afec-
adquirir, por simples declaração, essa na- ta apenas as medidas do governo com ca-
cionalidade. Há que sublinhar, porém, por rácter individual (e que corresponderiam,
um lado, que a aquisição da nacionalida- portanto, à imposição da perda da nacio-
de portuguesa fica ao alcance do cônjuge nalidade), mas também a previsão de si-
estrangeiro (e não apenas da mulher es- tuações de carácter geral que poderiam ser
trangeira) ou do filho (mesmo nascido fora causa de perda da nacionalidade. A perda
do casamento) de quem se torne português, da nacionalidade portuguesa só pode, por-
e, por outro, que tal aquisição deixa de ser tanto, ocorrer se o interessado – que tem
automática, sendo sempre necessária uma aliás que ter outra nacionalidade – preten-
manifestação de vontade nesse sentido do der renunciar à sua condição de português.
interessado20, 21. O facto de a perda se ter tornado uma
Se nesses casos as alterações foram renúncia reduziu a importância do insti-
importantes, porque se tratava de garan- tuto da reaquisição. Esta parece, com efei-
tir quer o respeito dos princípios da igual- to, menos justificada quando só a vonta-
dade dos cônjuges e da não discriminação de do indivíduo está na origem da perda
entre os filhos nascidos dentro e fora do da nacionalidade portuguesa. É por essa
casamento quer a vontade do interessado, razão que a reaquisição deixou de estar
já o regime da naturalização foi, ao invés, prevista de um modo geral.
muito pouco afectado. O legislador con- 11. Outro aspecto importante da refor-
tentou-se, nesse campo, em aumentar para ma de 1981 foi a posição assumida em re-
seis anos o prazo de residência em Portu- lação à dupla nacionalidade. Com efeito,
gal necessário para se poder solicitar a a Lei nº 37/81 encara essa situação com
nacionalidade portuguesa (prazo esse que evidente benevolência, não se preocupan-
era anteriormente de três anos)22 . do de modo nenhum em reduzir o seu
10. Em matéria de perda da nacionali- alcance. É o que se verifica claramente se
dade, pelo contrário, as modificações tive- se atentar no novo regime de perda da
ram uma grande amplitude. Assim, as nacionalidade portuguesa. Deixando de
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considerar para esse efeito a aquisição de aquisição derivada, mantendo-se os insti-
uma nacionalidade estrangeira, o legis- tutos da naturalização e da oposição à
lador aderiu a uma concepção do vínculo aquisição como os instrumentos de inter-
de nacionalidade que já não o concebe de venção da vontade do Estado na determi-
modo exclusivo, como expressão de um nação do vínculo de nacionalidade.
sentimento de lealdade, colocando-se ao Por outro lado, o direito da nacionali-
lado dos que admitem que a situação de dade acolheu os novos princípios que se
pertença a várias culturas, que caracte- tinham afirmado na ordem jurídica por-
riza algumas comunidades de estran- tuguesa e que aí tinham obtido mesmo
geiros, pode encontrar tradução no consagração constitucional. A igualdade
plano da nacionalidade23 . entre os pais e entre os cônjuges, tal como
12. Podemos agora fazer o inventário a não discriminação dos filhos nascidos
das principais características da reforma fora do casamento tornaram-se parâme-
de 1981. Dominada pelo objectivo de man- tros a respeitar em matéria de aquisição
ter os laços com o país de origem da popu- tanto originária como derivada.
lação portuguesa emigrada e uma vez que Finalmente, a redução do papel do ius
o ius sanguinis já era amplamente reconhe- soli, embora limitada, corresponde à mu-
cido, o legislador quebrou a unicidade do dança da estrutura do Estado, cujo terri-
vínculo de nacionalidade, aceitando a du- tório se tinha reduzido e no qual parecia
pla nacionalidade mesmo ao nível da pri- anunciar-se uma inversão dos movimen-
meira geração de emigrantes, o que afas- tos migratórios.
tou como causa da perda da nacionalida- Resta-nos analisar agora se as tendên-
de portuguesa a aquisição voluntária de cias dessa nova construção do vínculo da
uma nacionalidade estrangeira. Esse pas- nacionalidade portuguesa se mantêm.
so teve, evidentemente, conseqüências em
relação às outras causas de perda admiti- III
das nas quais transparecia uma concep-
13. Em contraste com as raras modifi-
ção de lealdade em relação ao Estado – foi
cações que tinha sofrido nos períodos pre-
o caso da aceitação de funções públicas e
cedentes, o direito português da naciona-
da prestação de serviço militar no estran-
lidade conheceu nova transformação,
geiro, bem como da prática de crimes con-
tra a segurança do Estado e o comporta- embora muito mais limitada, treze anos
mento como estrangeiro. Essas situações depois, com a Lei nº 25/94, de 19 de agosto
deixaram de ser causa de perda da nacio- de 1994.
nalidade portuguesa. Essa intervenção do legislador incidiu
Por detrás dessa alteração está a idéia na aquisição jure soli da nacionalidade, na
de que a nacionalidade constitui um di- aquisição decorrente do casamento com
reito do indivíduo de que este não deve ser um nacional português, na naturalização
privado. Essa idéia leva a um certo enfra- e na oposição à aquisição, podendo as al-
quecimento do papel do Estado na atribui- terações efectuadas ser reconduzidas a
ção da nacionalidade portuguesa e à cor- uma lógica unitária.
relativa importância acrescida que se re- Assim, e no que se refere aos três pri-
conhece à vontade do indivíduo nessa meiros institutos referidos, o legislador ou
matéria. É essa idéia que explica o papel condicionou o exercício dos direitos neles
conferido a essa vontade tanto para a atri- previstos a um período de residência em
buição da nacionalidade (agora, por via do Portugal, ou aumentou os prazos de resi-
ius soli, uma vez que, no caso do ius san- dência anteriormente já previstos 24 , ou
guinis, já estava presente) como para a qualificou, em todos os casos, essa residên-
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cia, que passa a supor um título válido de É preciso não esquecer que essa inter-
autorização de residência. venção legislativa teve lugar num momen-
Além disso, e agora no domínio da opo- to em que o movimento de imigração co-
sição à aquisição, precisou-se que o ônus nhecia uma nítida aceleração e em que,
da prova, no que se refere ao fundamento apesar da progressiva heterogeneidade da
essencial da oposição (a inexistência de população estrangeira residente em Por-
uma ligação efectiva à comunidade nacio- tugal, a corrente imigratória se caracteri-
nal), não recai sobre a Administração, mas zava pelo seu rejuvenescimento e pelo seu
sobre o interessado que é alvo da oposição. crescimento exponencial. Se, em 1987, a
14. O sentido das modificações opera- população estrangeira era, no que se refe-
das no sistema criado em 1981 revela-se, re à imigração legal, constituída por
assim, com toda a clareza. Trata-se de di- 89.778 pessoas, passou a 94.694 no ano
minuir o papel do ius soli na aquisição ori- seguinte27, continuando, a partir daí, sem-
ginária, de dificultar a aquisição pelo ca- pre a aumentar28. A importância da imi-
samento e a naturalização e de facilitar a gração clandestina levou, por outro lado,
oposição à aquisição. o governo a organizar, por duas vezes,
Para atingir esses objectivos, o legisla- processos especiais de regularização29 .
dor instituiu ou aumentou os períodos de Dito isso, se a restrição que realçamos
residência em Portugal dos interessados, constitui a resposta à pressão da imigra-
exigiu que essa estadia fosse legal e alte- ção, não se pode dizer que seja inocente
rou num ponto preciso o ônus da prova. no que se refere à caracterização do siste-
Relativamente aos prazos, o (de três ma estabelecido pela Lei nº 37/81. Com
anos) exigido para a aquisição da nacio- efeito, o peso do ius soli torna-se bem limi-
nalidade portuguesa em virtude do casa- tado, o que afecta o equilíbrio entre os dois
mento parece remediar uma falha do re- critérios de atribuição aí consagrado, mas
gime anterior e aparece como um instru- é sobretudo a intervenção do poder públi-
mento de combate ao flagelo dos casamen- co que reaparece em primeiro plano,
tos brancos, cujo único objectivo era o de quando se qualifica a residência, pela exi-
tornar possível a aquisição da nacionali- gência da posse de um título válido de
dade25. Em matéria de atribuição da nacio- autorização de residência, o que coloca o
nalidade iure soli e de naturalização, o direito da nacionalidade na dependência
aumento dos períodos de residência tem da política de imigração e enfraquece, de
como finalidade confessa dificultar o aces- certo modo, a natureza de direito funda-
so à nacionalidade portuguesa, o que se mental que tinha sido reconhecida ao
exprime igualmente na qualificação da vínculo de nacionalidade30 .
residência como residência legal, nos
três casos, e na alteração das regras so- IV
bre o ônus da prova em matéria de opo-
15. O que acabamos de expor fala por
sição à aquisição.
si, se pretendermos tirar conclusões sobre
Esse rigor acrescido não parece neces- a evolução recente do direito da naciona-
sário, pelo menos no domínio da naturali- lidade em Portugal.
zação, dado que a residência em Portugal Em primeiro lugar, confirma-se o ca-
é apenas uma condição do pedido de na- rácter não isolado desse ramo do direito e
turalização, que não dá de modo nenhum a sua dependência tanto em relação às
ao interessado o direito a tornar-se portu- opções mais gerais do legislador noutros
guês. Torna-se, assim, um pouco excessivo, domínios do sistema jurídico como em re-
levando portanto a uma restrição da na- lação ao meio em que essas regras produ-
cionalidade portuguesa26 . zem os seus efeitos. Assim, os novos princí-
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pios constitucionais mudaram a face do nalidade portuguesa. Abstrairemos, portanto, dos pre-
velho direito português da nacionalidade, ceitos (como os do Decreto-Lei nº 308-A/75, de 24 de
levando-o a seguir o percurso que, pouco junho de 1975) que tiraram as conseqüências no plano
da nacionalidade da descolonização e do acesso à in-
antes ou logo a seguir, foi efectuado pelos dependência dos territórios ultramarinos, que se trans-
seus congêneres europeus. A pressão dos formaram nos países africanos de língua oficial portu-
movimentos populacionais e as políticas guesa. Sobre esse diploma, v. RAMOS, Moura. Nacio-
estatais respectivas produziram importan- nalidade e descolonização: algumas reflexões a pro-
tes alterações, quer quebrando a unicida- pósito do Decreto-Lei nº 308-A/75, de 24 de junho. In:
Revista de Direito e Economia. v. 2, 1976. p. 121 e ss., e
de do vínculo de nacionalidade e reforçan-
Portugal: nationalité, décolonisation, conséquences. In:
do a natureza da nacionalidade como um Revue critique de droit interrational privé. [s.l. : s.n.],v. 67,
direito do indivíduo, quer relativizando a 1978. p. 179 e ss.
seguir essa evolução por meio do peso 2
A esse propósito, v. sobretudo RAMOS, Moura. A
acrescido reconhecido à intervenção do evolução do Direito da Nacionalidade em portugal. In:
poder público. Do Direito Português da Nacionalidade. Coimbra : Coim-
bra Editora, 1984, p. i e seguintes.
Por outro lado, reconhecer-se-á a con- 3
E cujas origens se encontravam nos textos consti-
vergência do sentido dessa evolução com tucionais aprovados após a revolução liberal em Por-
a vivida nos outros Estados europeus, ago- tugal – as Constituições de 1822 e de 1838 e a Carta
ra como resposta à pressão da imigração Constitucional de 1826 – e, mais cedo ainda, nas Orde-
por estes sofrida no período em causa. nações Filipinas, uma compilação legislativa do prin-
Uma resposta cujo caracter unitário não é cípio do século XVII (1603) publicada no período do
domínio espanhol em Portugal, mas cujo caracter vin-
camuflado pelas diferenças que as refor-
culativo foi confirmado logo após a Restauração (1640).
mas empreendidas em diversos países V. a obra referida na nota anterior.
apresentam. Com efeito, se a necessidade 4
Esse primado remontava à Carta Constitucional
de integração dos imigrantes levou, nal- de 1826, que tinha retomado as soluções da Constitui-
guns casos, a uma (re)introdução ou a um ção brasileira de 1824, outorgada pelo mesmo soberano.
reforço do ius soli31, essa via não estava em
5
Para os filhos de mãe portuguesa nascidos no
estrangeiro, porém, essa possibilidade só existia se se
causa em Portugal, já que esse princípio desconhecesse o pai, se este fosse de nacionalidade
desempenhava plenamente o seu papel na desconhecida ou incógnito. Além disso, o ius sanguinis
ordem jurídica portuguesa desde o início só intervinha se a filiação tivesse sido estabelecida nos
do período que nos ocupa. termos da lei portuguesa, e a filiação legítima e a filia-
Há que sublinhar, por último, que, ape- ção fora do casamento tinham tratamento diferente.
sar de um certo recuo, a evolução se pro-
6
Desde há muito, na América do Norte (Estados
Unidos e Canadá, essencialmente) e do Sul (designa-
cessou no sentido do reforço do vínculo de
damente no Brasil e na Venezuela) e, mais recentemente
nacionalidade, o que se torna claro se se (a partir do princípio dos anos sessenta), nos países da
comparar a sua substância com a que pos- Europa Central e Ocidental.
suía no início da evolução considerada. Se 7
No termo de uma evolução destinada a libertar, em
essa evolução não seguiu, é certo, um sen- certa medida, a nacionalidade da mulher da do marido,
tido único, nem por isso é menos verdade autorizava-se esta a não se tomar portuguesa, se mani-
festasse essa vontade antes do casamento, podendo desse
que, apesar da restrição introduzida na modo conservar a nacionalidade originária.
seqüência do aumento da pressão imigra- 8
Mesmo a aquisição originária.
tória, os passos dados em Portugal nesse 9
Essas condições eram, no domínio da atribuição
domínio foram no sentido de uma concep- da nacionalidade, a prática, em benefício de um Esta-
ção do vínculo de nacionalidade mais pró- do estrangeiro, de actos contrários à segurança exter-
xima da que é proposta pela Declaração na do Estado português e de crimes puníveis com pena
maior segundo a lei portuguesa, o exercício de funções
Universal dos Direitos do Homem. públicas ou a prestação de serviço militar num Estado
estrangeiro, ou ainda o facto de ter mais de duas gera-
Notas ções de ascendentes imediatos nascidos no estrangei-
ro e de não poder provar um conhecimento suficiente
1
Só nos interessaremos, neste trabalho, pelo qua- da língua portuguesa. O governo podia, ainda, opor-
dro geral que enformava a regulamentação da nacio- se à aquisição ou reaquisição da nacionalidade nas