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RESUMO
Mais de 600 amostras de água de diferentes mananciais do semi-árido nordestino foram analisadas
e estudadas a partir do banco de dados do Laboratório de Análises de Águas e Fertilidade do Solo,
no Departamento de Solos e Geologia da Escola Superior de Agricultura de Mossoró. As análises
fisico-químicas permitiram avaliar a qualidade da água para irrigação, empregando-se índices clássicos
da literatura, como Índice de Saturação de Langelier, CE, RAS, RASaj e RAScor. Na maioria das
amostras estudadas observou-se que mais de 30% apresentam problemas devido ao risco de
sodicidade (RAS elevada). A maior incidência de água com problemas de salinidade (elevada CE) e
sódio ocorreu naquela proveniente de poços tubulares, que captam água de calcário ou aquíferos
abastecidos diretamente pelo lençol freático. Dependendo do modo como se calculou a RAS, algumas
amostras de água mudaram de classe, quando se empregou o ábaco desenvolvido pelo Laboratório
de Salinidade dos Estados Unidos (USSL).
ABSTRACT
More than 600 water samples from different aquifers in a semi-arid region of northeastern of
Brazil were studied. The analyses were conducted using a database of the Laboratory of Analysis of
Water and Soil Fertility of the Department of Soils and Geology of Escola Superior de Agricultura de
Mossoró. The analyses of physical and chemical properties allowed the evaluation of the quality of
the water for irrigation using classic indexes in literature such as Index of Saturation of Langelier
(ISL), Sodium Adsorption Ratio (SAR), SAR adjusted (SARaj) and corrected SAR (SARcor). A
large number of water samples presented salinity problems and high amounts of sodium in relation to
the bivalent cations Ca and Mg. The largest incidence of water with salinity and sodium problems
belonged to tubular wells. Depending on the way the SAR was calculated, some water samples shifted
class when the abacus developed by United States Salinity Laboratory was used.
¹Professor Adjunto, Escola Superior de Agricultura de Mossoró, CP 137 - CEP 59625-900. E-mail solos@esam.br. Mossoró, RN
²Mestrando da Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Solos. E-mail celsemy@solos.ufv.br
permanecendo, porém, os tipos listados na Tabela 1. Todas as de irrigação; este fato pode ser melhor observado na Figura 1.
amostras de água foram analisadas no Laboratório de Análises A grande maioria da água analisada, apesar de ser classificada
de Água e Fertilidade do Solo da Escola Superior de Agricultura como de alta salinidade (C3) recai na classe de baixo risco de
de Mossoró (LAAFS/ESAM). A metodologia das análises da sodicidade (S1) e, quando a salinidade se enquadra em
água corresponde à empregada pelo Laboratório de Salinidade excessivamente salina (C4) o risco de sódio migra para a classe
S2. Confirma-se, deste modo, a inexistência, em condições
do Solo dos Estados Unidos (Richards, 1954) com adaptação
naturais, das águas classificadas como C3S4, como afirma
de técnicas de leituras e detecção descritas no Manual de Método Bhumbla (1977). Esses dados reforçam a tese da necessidade
de Análises do Solo da EMBRAPA (Brasil, 1979). As de se recalcular a RAS para a água da região do presente estudo,
características físico-químicas da água foram efetuadas principalmente quando ela provém de mananciais que possam
empregando-se o software SMAAS, desenvolvido por Maia et apresentar elevados teores de carbonatos e bicarbonatos.
al. (1997). Os procedimentos eletrônicos para análise estatística
Tabela 3. Íons Ca2+, Mg2+ e dureza estimada das águas em aqüíferos das
dos dados foram executados com o emprego do software SAEG regiões da Chapada do Apodi e Baixo Açu, RN, em rios, açudes,
v. 4.0, desenvolvido pela Universidade Federal de Viçosa, MG. lagoas e poços tubulares
Para as equações de regressão propostas aplicou-se o teste de Região Ca2+(Meq/l) Mg2+(Meq/l) Dureza¹(Meq/l)
Média CV(%) Moda Média CV(%) Moda Média Moda
Durbin-Watson descrito em Draper & Smith (1981). Chapada do Apodi ¹ 6,66 91,7 1,00 5,90 109,0 1,00 41,2 6,62
Baixo Açu² 2,45 112,0 1,10 2,25 157,9 0,60 15,4 5,22
Quantidade de amostras
da água quando se comparam a média e o seu coeficiente de 200
variação enquanto os valores da moda evidenciam tendência de S1 S2 S3 S4
severas restrições para uso em irrigação, posto que adviriam Para águas de poços tubulares
problemas de infiltração e, por sua vez, a salinidade e sodicidade RASaj = 2,44** x RAS - 3,01; R2 = 0,8703
do solo poderiam aumentar. RAScor = 1,38** x RAS - 1,13; R2 = 0,9263
Tabela 4. Variação dos valores de média e moda da
condutividade elétrica (CE) e RAS calculada por diferentes Para águas de poços Amazonas (cacimbão)
métodos em áreas geográficas de aqüíferos da região de RASaj = 1,82** x RAS - 0,29; R2 = 0,8418
sedimentos do Estado do Rio Grande do Norte RAScor = 1,10** x RAS - 0,15; R2 = 0,9673
Característica Região da Chapada do Apodi Região do Baixo Açu Para águas superficiais (rios)
da água Média Moda Média Moda RASaj = 1,74** x RAS - 0,39; R2 = 0,9991
CE (dS/m) 2,51 0,62 1,18 1,03 RAScor = 1,05** x RAS - 0,16; R2 = 0,9993
RAS 3,67 1,20 3.30 1,60
RASaj 7,36 3,20 5,58 2,30 Tabela 5. Classificação da água para irrigação, dependendo dos
RAScor 4,34 1,40 3,44 1,50 critérios sugeridos por diferentes autores, empregando-se
métodos alternativos de cálculo da razão de adsorção de sódio
(RAS) e classes de condutividade elétrica (CE)
Deduz-se, do exposto, que a água das duas regiões
estudadas apresenta grau de restrição pela salinidade de ligeira Método de Classificação Chapada do Apodi (n =474) Baixo Açu (n= 151)
a moderada, posto que a CE variou dentro dos limites RAS RASaj RAScor RAS RASaj RAScor
Considerada a média dos valores obtidos para as características
estabelecidos por Ayers & Westcot (1991) cujos valores
Richards (1954) C4S2 C4S2 C4S2 C3S1 C3S2 C3S1
extremos são 0,7 a 3,0 dS/m. Por outro lado, quando se estima a UCCC, citado por PIZARRO (1985) C2S1 C3S1 C3S1 C2S1 C2S2 C2S1
sodicidade, dependendo do modo como a RAS é calculada Ayers & Westcot (1991)
¹
C1S2 C1S3 C1S2 C2S2 C2S2 C2S2
ocorrem ligeiras modificações que afetam, inclusive, o Considerada a moda dos valores obtidos para as características
enquadramento da água em diferentes classes de uso para fins Richards (1954) C2S1 C4S1 C2S1 C2S1 C3S1 C3S1
UCCC, citado por PIZARRO (1985) C1S2 C1S2 C1S2 C2S1 C2S1 C2S1
de irrigação. Os resultados permitem, ainda, inferir que os valores
Ayers & Westcot (1991)1 C2S1 C2S2 C2S1 C1S1 C1S1 C1S1
100 1
Considerando-se a combinação de classes de amplitudes dos valores de RAS e CE apresentados pelos
autores (RAS = 1 a 5 e CE = 1 a 3), avaliando-os conjuntamente, para interpretar a infiltração de água no
Freqüência acumulada (%)
solo. Grau de restrição para uso considerando-se a salinidade (C) medida pela CE : 1- nenhuma, 2- ligeira
75
a moderada; 3 - severa, dependendo do intervalo de valores de RAS (1: 0 - 3; 2: 3 -6; 3: 6 - 12; 4: 12 - 20;
Poço tubular 5: 20 - 40).
Poço amazonas
50
Água superficial Deste modo e se associando os resultados analíticos (Tabela
4 e Figura 1) com as expressões mencionadas, pode-se inferir
25
que muitos manaciais que podem apresentar baixa sodicidade
pelo cálculo da RAS simples podem, também, trazer problemas
0
0,00 1,00 2,00 3,00 4,00 5,00 6,00 6,00 ao solo (salinidade, dispersão, infiltração de água, condutividade
CE (dS/m) hidráulica) devido à combinação de valores baixos de CE com
Figura 2. Freqüência relativa acumulada dos dados de análises baixos valores de RAS. Quanto à possibilidade de afetar as
de água, estratificados à partir dos diferentes aqüíferos
estudados culturas devido apenas à salinidade observa-se, pela média e
moda da água, que ela pode causar graus de restrição de ligeiro
obtidos para a moda da salinidade (avaliada pela CE) da água a moderado (CE entre 0,7 e 3,0 dS/m) sendo que a água da
proveniente dos aqüíferos da Chapada do Apodi registram região da Chapada do Apodi apresenta menores problemas de
valores bem distantes em relação à média, o que deu, à curva de salinidade; contudo, deve-se observar que há grande dispersão
freqüência de dados, forma achatada em relação à curva Normal, dos valores observados em relação à média, na região (Tabela 4
demonstrando grande dispersão dos dados coletados nesses e Figura 2); também há possibilidade de ocorrência de água com
mananciais. Observa-se, pela Figura 2, que há mais de 70% de severos problemas de salinidade (CE superior a 3,0 dS/m). Por
probabilidade de ocorrer água (tanto para água superficial outro lado, em razão dos elevados valores de pH (moda superior
quanto para água de poços) com CE inferior a 3,0 dS/m, havendo a 7,0, chegando a se registrar valores superiores a 8,0) podem
tendência da água proveniente de poços amazonas com menor ocorrer problemas para os equipamentos usados na irrigação
salinidade (7% de probabilidade de ocorrer CE > 4,0 dS/m). (corrosão) ou precipitação de adubo na tubulação, adsorção de
Para as amostras provenientes da região do Baixo Açu, os nitratos (principalmente quando a água possui elevados teores
resultados demonstram maior homogeneidade dos dados em de CO32-), quando usadas na fertirrigação podendo o problema
relação à media de valores de CE, evidenciados pela proximidade se agravar com a obstrução de emissores quando o pH da água
dos valores da média e da moda (Tabela 4). Para os valores de é muito elevado. Injúrias às plantas podem ser causadas quando
RAS verifica-se que, em ambos os mananciais, há tendência de a relação Ca 2+/Mg 2+ é menor que a unidade. Os valores
dispersão dos dados em relação à média (Tabela 4). registrados de Índice de Langelier (ISL) positivos (Tabela 6)
Verificadas diferenças nas características fisico-químicas da corroboram com o risco de precipitação de íons carbonato na
água em função do manancial em que ela foi coletada procurou- forma de CaCO3, o que deve ser observado principalmente para
se, com os valores selecionados no banco de dados do LAAFS/ a água proveniente das regiões com predomínio de mananciais
ESAM, estratificar a água analisada e estabelecer modelos de influenciados pelo calcário (Baraúna, Gov. Dix Sept e Mossoró)
equação linear simples, capazes de prever estimativas de RAScor onde mais de 60% da água analisada apresentam valores de ISL
e RASaj. As que seguem foram ajustadas: positivos.
Tabela 6. Freqüência relativa nas características físico-químicas BHUMBLA, D.R. Chemical composition of irrigation water and
da água analisada nos diferentes municípios inseridos em áreas
sedimentares no Estado do Rio Grande do Norte its effect on crop growth and soil properties, In:
Procedência Relação Ca2+/Mg2= Índice Langelier Risco ALTO a SEVERO
WORTHINGTON, E.B. . Arid land irrigation in developing
(Município) <1,0 1,0 >1,0 <0,0 0,0 >0,0 pH CE HCO3 Cl- RAS countries.: enviromental problems and effects. Oxford:
Freqüência (%) Pergamon Press, 1977, p. 279 - 287.
Apodi 15,8 7,0 77,2 80,7 5,3 14,0 47,4 87,7 96,5 87,7 40,4
BRASIL. Ministério da Agricultura. Manual de métodos de
Açu 27,1 2,1 70,8 77,1 2,1 20,8 50,0 79,2 89,6 79,2 47,9
Baraúna 26,6 2,5 70,9 16,5 11,4 72,1 78,5 97,5 97,5 91,1 7,6 análises de solos. Rio de Janeiro: EMBRAPA/SNLCS, 1979.
Caraúbas 10,0 0,0 90,0 80,0 0,0 20,0 50,0 50,0 100 90,0 30,0 Paginação irregular.
Carnaubais 0,0 100 0,0 50,0 0,0 50,0 100 62,5 100 75,0 37,5
BURT, C.; O’CONNOR, K.; RUEHR. Fertigation. San Luis
Gov. Dix Sept 24,1 5,2 70,7 29,3 6,9 63,8 84,5 86,2 100 93,1 29,3
Grossos 15,6 0,0 84,4 40,6 0,0 59,4 90,6 87,5 96,9 87,5 62,5
Obispo: California Polytechnic State University, 1995. 296p.
Ipanguaçu 15,9 4,5 79,6 79,5 11,4 9,1 70,5 93,4 100 79,6 31,8 DAVIES, S.N.; DeWIEST, R.J.M. Water Quality. In. DAVIES,
Mossoró 36,4 0,8 62,8 25,5 8,8 65,7 77,8 84,5 97,9 93,7 59,0
S. N.; DeWIEST, R.J.M. Hydrogeology. New York, John
Upanema 18,8 3,1 78,1 56,3 6,2 37,5 78,1 90,6 96,9 50,0 31,3
Wiley & Sons, 1966. Chapter 4, p.96 - 128.
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CONCLUSÕES POLJAKOFF MAYBER, A.; GALE, J. Plant in saline
enviroments. New York: Springer-Verlag, 1975. p. 56 - 76.
1. A maioria da água dos mananciais da região sedimentar
DRAPER, N.R., SMITH, H. Applied regression analysis. New
do Rio Grande do Norte pode apresentar problemas, tanto
York: John Wilwy & Sons, 1981. 710p.
para os solos quanto para os sistemas de irrigação, quando a
irrigação pressurizada for empregada. FABER, H.; HATFIELD,W.D.; McCRADY, H.M Standard
2. Nos aqüíferos da região da Chapada do Apodi a água methods for the samination of water, sewage, and
de poços tubulares rasos (influenciados pelo calcário) e industrial wastes. New York: American Public Health
profundos (confinados no arenito) apresenta maiores Association, 1955.522p.
problemas, devido aos maiores valores de pH e à concentração HOLANDA, J.S. de; AMORIM, J.R.A de. Qualidade da água
de íons carbonatos. para irrigação. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
3. Há também, o risco de redução na eficiência das ENGENHARIA AGRÍCOLA, 26., 1997, Campina Grande.
adubações quando a água é empregada para aplicação Manejo e Controle da salinidade na agricultura irrigada.
simultânea de fertilizantes e/ou defensivos para tratos Campina Grande: SBEA/UFPB, 1997. Cap. 5, p. 137 –169.
fitossanitários (quimigação). Editado por Hans Raij Gheyi, José Elenildo Queiroz, José
4. Dependendo do modo de cálculo da RAS e/ou do
Francismar de Medeiros.
método empregado para classificação da água para fins de
MAIA, C.E.; MORAIS, E.R.C.; OLIVEIRA, M. de. SMAAS-
irrigação e quanto à capacidade de infiltração da água no
solo, ocorreram alterações no enquadramento da água em Software para manejo de áreas afetadas por sais. In:
classes específicas, principalmente quando se trabalhou com SIMPÓSIO NACIONAL DE RECUPERAÇÃO DE
água de áreas sob influência do calcário. ÁREAS DEGRADADAS, 3., 1997, anais. Ouro Preto:
5. A probabilidade de se observar água com CE > 3,0 dS/ Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 1997, p. 9 - 13.
m na área sedimentar do Estado do Rio Grande do Norte PIZARRO, F. Drenaje agrícola y recuperacion de suelos
ocorre na seguinte proporção: poços tubulares 27%; poços salinos. Madrid: Editorial Española, 1985. 542p
amazonas 16% e água de manaciais livres (açudes, rios e RHOADES, J.D., LOVEDAY, J. Salinity in irrigated agriculture.
riachos) 21%. In: STEWART, B.A., NIELSEN, D.R. Irrigation of
agricultural crops. Madison: American Society of
AGRADECIMENTOS Agriculture, 1990. p. 1091-1142 (Agronomy Series, 30)
RICHARDS, L.A. Diagnosis and improvement of saline and
Os autores agradecem à engenheira agrônoma Elis Regina alkali soils. Washington, D.C: United States Salinity
Costa de Morais, pela participação na elaboração do software
Laboratory, 1954. 160p. (United States Department of
empregado para manusear o banco de dados e pela digitação e
Agriculture Handbook, 60).
depuração de dados analíticos durante a condução da pesquisa.
RICHARDS, R.A. Improving crop production on salt affected
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