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SUPERANDO

A DOR DA
PERDA DE QUEM
VOCÊ AMA
Gerência geral: Rafael Cobianchi
Capa: Diego Rodrigues
Preparação, diagramação
e revisão: Decápole/Bruno Castro

Editora Canção Nova


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Todos os direitos reservados.

ISBN: 978-65-88451-72-4 

© EDITORA CANÇÃO NOVA


Cachoeira Paulista, SP, Brasil, 2021
Padre Licio Vale e
Rodrigo Luiz dos Santos

SUPERANDO
A DOR DA
PERDA DE QUEM
VOCÊ AMA
Uma ajuda no processo de
transformação do luto em
uma doce lembrança
Diante da inevitável, cruel e inesperada angústia
que sentimos nesta pandemia de Covid-19, ratifico a Deus
o meu agradecimento pelo dom de viver mais um dia.
Dedico este livro à memória dos meus pais Maria
Nilza de Araújo Vale e Elias Pereira Vale (que morreu por
suicídio e é o grande responsável pelo meu amor, estudo
e dedicação à suicidologia), pelos mais lindos presentes
que poderiam me ofertar: a ternura e o amor verdadeiro
a mim dedicado.
Minha eterna gratidão ao jornalista e amigo Ro-
drigo Luiz dos Santos, que me convidou para fazer parte
do sonho dele e que conduziu com grade excelência a
coordenação deste projeto!
E, por fim, claro que ofereço esta leitura e todo o meu
respeito às milhares de famílias em luto por alguém que
perdeu essa guerra contra o vírus, por todos que tiveram
que silenciar suas dores ou que não conseguiram dizer o
último adeus ou receber as condolências de amigos.
O luto é uma das experiências mais dolorosas e
intensas que qualquer ser humano pode vivenciar e tes-
temunhar. Contudo, quando a dor não couber mais no
coração e a lembrança escorrer pelos seus olhos, o tempo se
encarregará de transformar essa dor em saudade e, assim,
perpetuará a memória de quem se foi. Que as páginas
deste livro colaborem para a compreensão de que o amor
nunca morrerá.
Pe. Licio de Araújo Vale

***
Dedico esta obra especialmente à minha esposa
Adelita Stoebel. Diante do falecimento de sua mãe, em
2019, passei a refletir sobre a perda daqueles que mais
amamos. Graças à fé, encontramos a fortaleza para seguir
em frente certos da Ressurreição, revendo fotos e recordando
as boas lembranças.
Agradeço ao Pe. Licio por sua amizade e por ter
aceitado o convite para agregar a esta obra o seu conheci-
mento no assunto e sua experiência pessoal. Seu sacerdócio
evidencia um Jesus sempre atento a cada irmão.
Por fim, minha solidariedade a todas as vítimas
desta pandemia e a você que busca alívio para a dor
de ter perdido alguém que você amava. O segredo para
encarar a escuridão da morte é um intenso trabalho de
amor. Com muito carinho, compartilhamos com você esta
obra com uma saudação de paz ao seu coração.
Rodrigo Luiz dos Santos
Sumário
Prefácio................................................................ 9
Introdução.......................................................... 13
1. O luto............................................................... 17
O que sentimos quando estamos de luto?........ 18
Sentimentos comuns no processo de luto........ 19
Outros sentimentos comuns............................ 21
As cinco fases do processo de luto.................... 22
O luto é um processo normal?......................... 27
O que é o luto complicado?............................. 30

2. Como o cristão deve lidar com o luto,


de acordo com a Bíblia?.................................... 33
O significado cristão das lágrimas.................... 40

3. Fé e amor para superar o luto..................... 45


Reflexões de Santo Agostinho sobre a morte.... 52
A vida vence a morte....................................... 57
4. Admitir perdas................................................. 61
Luto por suicídio e posvenção......................... 66
O abandono do meu pai................................. 72
5. Testemunho...................................................... 91
A esperança cristã não é só individual.............. 96
Esperança e compromisso moral...................... 102
Considerações finais......................................... 105
Referências.......................................................... 109
Prefácio

C om muita satisfação, faço o uso da palavra


para aqui apresentar, de forma breve, porém,
lisonjeada, este precioso livro dos queridos Pe.
Licio de Araújo Vale e Rodrigo Luiz dos Santos
(Comunidade Canção Nova). Nesta obra os au-
tores abordam, com sensata maestria, a desafiante
realidade do luto, apresentando instrumentos
inteligentes para que possamos enfrentá-lo.
Geralmente, o luto se configura por uma
perda experienciada, a qual gera uma grande
ausência e dor no coração. Ele pode acontecer
quando perdemos uma pessoa, um trabalho, uma
amizade, uma condição de vida que nos era impor-
tante, enfim, quando enfrentamos uma mudança
brusca na vida.

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SUPERANDO A DOR DA PERDA DE QUEM VOCÊ AMA

Ele sempre nos retira de nossa “zona de con-


forto” e nos obriga a buscar novas razões e signifi-
cados para a existência, podendo nos conduzir a
um profundo amadurecimento, ou a uma intensa
involução em nosso processo de maturação. A
chave será sempre a forma como lidamos com
ele e os passos que empreendemos para reagir a
ele da melhor maneira possível.
É natural sentirmos dor e angústia quando
perdemos algo ou alguém, e não podemos nos
eximir de vivenciar esse processo com todas as suas
fases e demandas específicas. Contudo, é preciso
compreender que devemos escolher não morar no
luto para sempre. É necessário percorrê-lo pacien-
temente e dele aprender preciosas lições; todavia,
faz-se ainda mais necessário saber gradativamente
se “reinventar” depois das perdas, fazendo a vida
prosseguir após o processo que nos causou dor e
nos privou do que nos era amado e importante.
É fato que a fé cristã pode nos ajudar mui-
to na elaboração do luto e na degustação de seu
processo, oferecendo-nos eficazes ferramentas para
que possamos crescer com as perdas e ausências,
utilizando, assim, o luto em nosso favor.

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PE. LICIO DE ARAÚJO VALE E RODRIGO LUIZ DOS SANTOS

Jesus não nos deu uma resposta superficial ao


drama do luto e da morte; antes, Ele enfrentou e
venceu essa situação a partir de dentro, vivencian-
do a perda e a morte em sua existência histórica.
Em todas essas realidades, Cristo apontou para a
verdade da ressurreição, conduzindo-nos a uma
fé madura que nos possibilita olhar além da fini-
tude e dos absurdos deste mundo passageiro, e
assim nos faz crer que temos um destino eterno
e bem-aventurado na presença de Deus.
Jesus chorou e sofreu o luto quando seu
amigo Lázaro morreu. E Ele mesmo enfrentou
a morte corporal advinda de uma injusta conde-
nação. Contudo, Ele triunfou sobre todas essas
realidades a partir de dentro, vencendo o drama
da morte e do mal pela força do amor, do perdão
e da fé no Pai Criador.
Os soldados romanos que O mataram ti-
raram tudo Dele, menos a Sua liberdade de per-
manecer livre para amar até o fim, e para crer
que o Deus que nos ressuscita tem bens eternos
preparados para nós, os quais ninguém pode rou-
bar ou destruir.

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SUPERANDO A DOR DA PERDA DE QUEM VOCÊ AMA

Somos convidados a enfrentar o luto como


fez Jesus: crendo na ressurreição e deixando-se em
tudo sustentar pela presença e pelo amor do Pai,
que nos dá condições de também amar até o fim.
Com o Nazareno, aprendemos que o que vence o
mal não é o ódio, a revolta ou a vingança, mas o
amor, o perdão e o olhar constantemente voltado
ao Deus que nos criou para a eternidade, e que
estará sempre conosco para nos ajudar a superar
nossas lutas e dores em meio à nossa finita existência.
Uma vida de constante configuração ao Cris-
to nos possibilitará o triunfo sobre a absurdidade
da dor e da perda, inaugurando em nossa alma
um novo horizonte de sentido e esperança dian-
te daquilo que nos faz sofrer. Entreguemo-nos
inteiramente ao Deus que venceu a morte e que
ressuscitou, e creiamos que, com Ele, será sempre
possível superar e recomeçar depois do luto, visto
que Deus tem sempre algo novo para nos confiar
em lugar daquilo que a vida retirou de nós.
Deus abençoe sua jornada de superação!

Pe. Adriano Zandoná


Comunidade Canção Nova

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Introdução

A morte é um fenômeno considerado cheio


de mistérios e temido pelo ser humano.
Diante dela, fica evidente toda a fragilidade de
cada um de nós. O indivíduo apresenta uma
grande dificuldade de falar sobre a morte e acei-
tá-la como algo natural, pois ela traz consigo
a quebra de um vínculo – algo foi arrancado,
deixando no lugar um vazio, uma solidão e, tam-
bém, um sentimento de perda. É justamente
esse sentimento que, em alguns casos, torna o
processo de luto tão doloroso.
A morte sempre foi considerada um desafio
a se viver consciente e intensamente. Ela nos
mostra que nosso tempo é limitado, por isso
nos convida a aproveitar o tempo. Devemos tirar

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SUPERANDO A DOR DA PERDA DE QUEM VOCÊ AMA

proveito do tempo que nos é concedido, de modo


que isso corresponda à nossa verdadeira essência.
A perda de alguém que amamos nos faz de
novo pensar no que significa viver, levando-nos
a perguntar: “Em que consiste a minha vida?
Que marca pessoal da minha vida quero deixar
gravada neste mundo? Que gosto tem a vida?”.
O pensamento da morte e o próprio luto
têm o propósito de intensificar nossa vida, para
que a experimentemos com todos os sentidos. E
seu propósito é honrar os nossos antepassados, fa-
zê-los lembranças vivas e presentes, testemunhas
de uma esperança que transcende este mundo.
No luto queremos conforto, o qual descende de
lealdade e pressupõe solidez, estabilidade.
Como consolador, não devo fazer que espe-
rem ouvir de mim palavras piedosas, e sim, devo
simplesmente estar ali, deixar que o outro ex-
presse seu luto, suportar seu choro, seu desespero,
sua desesperança e, apesar de tudo, continuar a
seu lado. Quem está de luto perde o chão. Por
isso, precisa de pessoas que sejam firmes, fortes,
que se mantenham fiéis a ele durante o luto, para

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PE. LICIO DE ARAÚJO VALE E RODRIGO LUIZ DOS SANTOS

que, assim, também possa encontrar uma nova


forma de se reerguer e retomar sua vida.
Este livro foi escrito com o objetivo de
ajudar você, leitor, a entender e a viver o luto,
quando a morte levar desta vida alguém que
você ama, e ao mesmo tempo lembrá-lo que a
fé em Cristo Ressuscitado e o amor são capazes
de ressignificar a perda e transformar a dor, a
tristeza e a saudade em amor, alegria e presença.
Desse modo, finalmente se poderá encontrar o
conforto e tornar-se consolador para as pessoas
enlutadas. Assim, professaremos a nossa fé na
promessa de Deus: “Eu enxugarei todas as lá-
grimas dos seus olhos” (Ap 21,4).

Os autores

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1. O luto1
O luto precisa ser vivido para ser superado.

O luto é um conjunto de reações que


sentimos diante de uma perda muito
significativa. Pode ser uma mudança de cidade,
desemprego, o término de um relacionamento
– mas, normalmente, ele está ligado à perda de
alguém que amamos.
Essa perda pode nos desestabilizar e provo-
car muita dor. É importante que a pessoa enlu-
tada possa ser acolhida na sua dor, porque cada
um de nós tem um tempo próprio para elaborar
o que está sentido.

1
Texto de Pe. Licio de Araújo Vale.

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SUPERANDO A DOR DA PERDA DE QUEM VOCÊ AMA

O luto é único e singular. Portanto, ele não


tem um período determinado para terminar,
nem um roteiro pré-estabelecido a ser vivido e
cumprido. É sempre bom lembrar que ele é um
processo natural e essencial para a reconstrução
e ressignificação da perda.
Trata-se de um processo amargo, mas é ne-
cessário ser vivido para que consigamos continuar
seguindo em frente e retomando aos poucos o
controle da nossa vida.
Ele precisa ser vivido para ser superado.

O que sentimos quando


estamos de luto?

Uma série de emoções e reações acontecem


quando se está enlutado. Elas nos atingem em
todos os aspectos da nossa vida, ou seja, fisi-
camente, intelectualmente, emocionalmente e
espiritualmente. Estamos nos referindo à tristeza,
raiva, ansiedade, fadiga, culpa, solidão, fraqueza,
déficit na memória, alterações nos padrões de

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PE. LICIO DE ARAÚJO VALE E RODRIGO LUIZ DOS SANTOS

apetite e sono, aumento ou perda da fé, iso-


lamento e o sentir-se injustiçado, isto é, não
merecedor daquela perda ou dor.
Com o luto, a realidade, a nossa zona de
conforto, desaba. Tudo parece ser injusto e in-
controlável.
É importante percebermos que as reações
diante e durante o luto estão intimamente ligadas
ao grau de vínculo e importância que tínhamos
com o que ou quem perdemos. Outro fator que
impacta a intensidade das reações é a condição
da perda – se foi repentina ou gradativa.

Sentimentos comuns
no processo de luto

Há alguns sentimentos comuns no luto.


Conhecê-los pode ajudar você a entender o que
o enlutado está vivendo, lembrando que a pessoa
pode sentir outras emoções até mesmo de ma-
neiras diferentes de como as descrevemos aqui.

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SUPERANDO A DOR DA PERDA DE QUEM VOCÊ AMA

Tristeza: é o sentimento mais comum, e mui-


tas vezes aparece pelo choro. Também é comum
sentir que será difícil rir de novo ou se alegrar.
Raiva: sensação de frustração e injustiça, e
vontade de querer achar um responsável pela
morte. É comum se revoltar contra o mundo,
contra Deus ou contra si mesmo.
Culpa e autocensura: aparecem como senti-
mento de não ter sido bom o suficiente, de desejar
ter feito algo diferente ou mesmo de ter evitado
a morte do ente querido. Às vezes, aparece como
uma cobrança dura consigo mesmo.
Ansiedade: pode ser uma sensação de in-
segurança, de que algo ruim vai acontecer, de
medo ou de culpa por algo que foi feito ou dito.
Pode aparecer também como irritabilidade, in-
quietação, insônia, coração acelerado, tensão
muscular e sudorese.
Choque: é aquela sensação de ficar congelado,
como se o tempo em volta parasse. Ocorre mais
frequentemente no caso de morte inesperada.
Alívio: no luto também é possível ter sen-
timentos positivos e tranquilidade. Esses senti-
mentos não devem ser julgados.

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PE. LICIO DE ARAÚJO VALE E RODRIGO LUIZ DOS SANTOS

Saudade: desejar que o ente querido volte ou


querer se encontrar com ele também é normal.
Às vezes é uma saudade mais dolorida, outras
vezes, mais suave.
Torpor: não é esquisito não sentir nada, ou
sentir um vazio. A ausência de sentimentos tam-
bém é normal.
Cansaço: coisas mais simples podem virar
exaustivas. A pessoa se sente com pouca energia
e sem disposição.
Solidão: é normal se sentir sozinho mesmo
com gente ao redor ou mesmo querer ficar iso-
lado por um tempo.

Outros sentimentos comuns

Como já vimos, são comuns mudanças no


sono (dormir demais ou ter insônia) e no ape-
tite (comer excessivamente ou perder a fome),
baixa libido, falta de concentração, dificuldade

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SUPERANDO A DOR DA PERDA DE QUEM VOCÊ AMA

em tarefas que antes eram simples e memória


prejudicada.2
Os enlutados por suicídio têm esses senti-
mentos potencializados e acrescidos de vergonha,
estigma, responsabilidade e procura incansável
por uma explicação da morte cruel.
Existe também o luto antecipatório. Ele se
inicia, por exemplo, quando se tem o diagnóstico
de uma doença incurável, fazendo a pessoa viven-
ciar o luto antes da própria morte. Há também o
luto coletivo que ocorre em catástrofes naturais
ou humanas que abalam todo o mundo, como
o tsunami no Japão.

As cinco fases do processo de luto

Diversos estudiosos fizeram análises do pro-


cesso de luto, mas o modelo mais conhecido é o
das cinco fases de Elisabeth Kübler-Ross: negação,
raiva, negociação/barganha, depressão e aceitação.

2
Adaptado de Worden, 1991, citado por Melo, 2004.

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PE. LICIO DE ARAÚJO VALE E RODRIGO LUIZ DOS SANTOS

Essas fases não são necessariamente conse-


cutivas, podendo ocorrer em ordens diferentes
ou até coexistir, ou seja, com mais de uma fase
ocorrendo ao mesmo tempo. Entenda:

1ª fase: Negação
Neste primeiro estágio, o indivíduo nega
a perda. Ele acha que é algum engano ou uma
pegadinha, acredita que isso não pode estar acon-
tecendo e que a perda não é real.
Por exemplo, quando meu pai morreu por
suicídio, eu, nessa fase, acreditava piamente que
iria “trombar” com ele na rua a qualquer mo-
mento. Falaremos sobre a história do suicídio
do meu pai mais adiante.
Essa fase ocorre logo após a notícia ou per-
cepção da perda, sendo um mecanismo de defesa
que serve para amenizar a dor naquele momento
e preparar a pessoa para a dor emocional que
ainda está por vir.
Essa fase pode durar desde alguns minutos
até, em casos graves, meses ou anos. Quando
dura tanto tempo, pode-se pensar na possibi-

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SUPERANDO A DOR DA PERDA DE QUEM VOCÊ AMA

lidade de um luto complicado, que deve ser


identificado e tratado por um profissional da
saúde mental.

2ª fase: Raiva
Em um segundo momento, há um senti-
mento de grande revolta. Trata-se do estágio da
raiva. Nessa fase, o indivíduo pode tornar-se
agressivo e tentar culpar algo ou alguém pelo
que está ocorrendo.
É frequente que a pessoa culpe médicos(as)
que cuidaram do seu ente querido pela sua morte
ou sinta raiva da pessoa que deu as más notícias,
ou de situações e pessoas que provocaram a morte,
por exemplo.
Nessa fase, também são comuns questiona-
mentos como: “Por que isso está acontecendo
comigo?”, “Por que não poderia ser outra pes-
soa?”, “Por que Deus fez isso comigo?”, “Por
que Deus não atendeu o meu pedido e não o(a)
curou?”. Embora não haja respostas reais para
esses questionamentos, eles ajudam a pessoa a
lidar com o sofrimento da perda.

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PE. LICIO DE ARAÚJO VALE E RODRIGO LUIZ DOS SANTOS

3ª fase: Negociação/barganha
O terceiro estágio é a barganha, em que a
pessoa tenta negociar com figuras divinas ou com
outras pessoas a fim de evitar a perda, mesmo
que ela já tenha ocorrido.
É nesse momento que a pessoa promete ser
uma pessoa melhor, por exemplo, em troca de um
milagre para reviver um ente querido. No caso
de términos de relacionamentos, pode-se pensar
também nas promessas de ser um melhor com-
panheiro, tentando adiar o fim daquela relação.

4ª fase: Depressão
É neste momento que a depressão se instala,
dando início ao quarto estágio do luto. A pessoa
sente uma tristeza tão intensa que passa a se
isolar, pensa sobre a vida, sente a dor de não ter
mais aquela pessoa/objeto, chora com frequência,
entre outros comportamentos.
Apesar de ser uma das partes mais sérias do
processo de luto, essa fase permite que a pessoa
comece a elaborar seus sentimentos em relação

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SUPERANDO A DOR DA PERDA DE QUEM VOCÊ AMA

à perda. Antes disso, até mesmo na fase da bar-


ganha, a pessoa ainda sofre com algum tipo de
negação, recusando a fatalidade da perda.
A pessoa entra em contato com seus verda-
deiros sentimentos e começa a trilhar o caminho
para a aceitação.

5ª fase: Aceitação
A última fase do luto não indica o fim do
sofrimento, mas sim uma melhor capacidade de
elaborar e expressar essa dor. A pessoa aceita a
perda como um fato consumado, não mais ques-
tionando, tentando negociar ou culpar alguém.
Em geral, quando se chega nesse estágio,
considera-se que o luto está sendo superado. A
verdade é que a dor da perda não vai embora
por completo, mas nessa fase já é possível seguir
em frente, dando um fim ao processo de luto e
começando o processo de ressignificar a perda.

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O luto é um processo normal?

A principal questão que se coloca quando


falamos de luto é se ele é um processo normal.
Partindo do pressuposto de que o ser huma-
no cria ligações afetivas profundas com outros
(pessoas, animais, objetos, lugares) para a sua
existência emocional e bem-estar, a perda provoca
inevitavelmente uma ruptura desse bem-estar e
evoca vulnerabilidade e fragilidade emocionais.
Perder alguém é como perder uma parte de nós
mesmos. Assim, qualquer perda que coloque em
risco a rotina e a segurança, bem como outros
fatores, cria um processo de luto que é, acima
de tudo, necessário e normal.
Podemos definir o luto como um processo
normal, que é elaborado pelo ser humano – e
algumas espécies animais – quando ocorre uma
perda significativa.
Viver plenamente a vida implica lidar com
a sua antítese, a morte – e, invariavelmente, com
as perdas decorrentes dessa mesma morte. Se-
gundo Barbosa (2010), a perda poderá ser real
ou simbólica. A perda real envolve a morte de

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SUPERANDO A DOR DA PERDA DE QUEM VOCÊ AMA

uma pessoa, de um animal ou a perda de um


objeto querido. A perda simbólica envolve a
perda de um ideal (por exemplo, a liberdade)
ou a perda de uma expectativa (por exemplo,
não ser correspondido por alguém por quem se
nutre carinho e amor).
O luto ocorre em qualquer etapa do desen-
volvimento humano, apresentando, claro, nuan-
ces em termos da sua interpretação, integração
e adaptação. Contudo, o luto é um processo
universal (acontece com todas as pessoas em
qualquer parte do mundo), inevitável (perante
a perda, o ser humano irá necessariamente viver
um processo de luto) e individual (cada pessoa
vive o luto à sua maneira). É esta subjetividade
implícita ao processo de luto que o torna exclu-
sivo, do ponto de vista do acompanhamento que
se deve oferecer.
O luto é uma experiência quase sempre
dolorosa, e talvez a mais difícil que o ser humano
experimenta na sua existência. Quando acontece
a perda, cada pessoa procura uma resposta para
o seu sofrimento, no sentido de conseguir se
ressignificar e reajustar-se a uma nova realidade,

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sem a pessoa (ou animal, objeto, ideal ou expec-


tativa) que tanto amava.
Poderíamos, em resumo, afirmar que a per-
da e o luto se traduzem assim:

• Uma experiência individual e única. O


sofrimento varia de pessoa para pessoa:
cada uma sofre à sua maneira.

• Um processo universal que pode ocorrer


em qualquer etapa da nossa vida.

• Aprender a viver, mas nunca a esquecer.


A dor da perda poderá ser equivalen-
te ao amor que sentíamos pela pessoa
que morreu.

• Sofrer e aceitar as diversas manifestações


como parte integrante da perda.

• Ressignificar a perda, transformando a


dor em amor.

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SUPERANDO A DOR DA PERDA DE QUEM VOCÊ AMA

O que é o luto complicado?

De acordo com Franco (2010), o luto com-


plicado caracteriza-se quando a pessoa experi-
menta uma desorganização prolongada, que a
impede de retomar suas atividades cotidianas
com a mesma qualidade de antes da perda. No
luto complicado, continuam presentes, por mui-
to tempo, sentimentos intensos, tais como: so-
matizações frequentes (a pessoa transforma a dor
em doenças físicas), mudanças comportamentais
ou de estilo de vida que tendem ao isolamento,
episódios depressivos, comportamentos auto-
destrutivos, baixa autoestima.
Quando estes mecanismos se tornam de-
masiado intensos ou até prolongados, por mui-
to tempo, podemos encontrar dificuldades na
elaboração do luto. Quando o luto paralisa a
nossa vida, quando ficamos muito tempo fixa-
dos numa das fases acima citadas, considera-se
o luto como complicado. Então, muitas vezes,
torna-se necessário o acompanhamento de um
profissional de saúde mental (psicólogo ou psi-

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PE. LICIO DE ARAÚJO VALE E RODRIGO LUIZ DOS SANTOS

quiatra) para ajudar no processo de elaboração


e ressignificação.
Não existe, contudo, um tempo certo para
a elaboração de um luto, embora nos primeiros
meses o sofrimento possa ser mais evidente e di-
fícil de gerir. Até o fim da vida, a pessoa enlutada
poderá experimentar fases de alívio contrastadas
por fases de enorme angústia. A saudade será
sempre um fator que permitirá à pessoa em luto
entrar em contato com a perda e estará, prova-
velmente, presente para o resto da vida.
Há ainda um tipo de luto pouco falado: o
luto não reconhecido ou não autorizado. Trata-se
de toda perda significativa que a própria pessoa
ou a sociedade tem dificuldade de reconhecer ou
perceber como importante para o indivíduo. É
o que acontece, por exemplo, com a perda de
um animal de estimação. Normalmente, nessa
situação o enlutado ouve frases como: “Mas era
só um cachorrinho...”, ou “Compra outro que
passa”. O luto não reconhecido pode acontecer
também em caso de aborto espontâneo, separa-
ção conjugal, demissão do emprego etc.

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SUPERANDO A DOR DA PERDA DE QUEM VOCÊ AMA

Também pode ser considerada como luto


não reconhecido ou não autorizado a dificulda-
de com mudanças, seja de moradia, de escola,
de cidade, ou com a chegada da aposentadoria.
No luto não reconhecido, essas perdas podem
ser mal elaboradas e vividas. Como resultado,
gera-se ainda mais dor, quando a própria pessoa
que está em luto não percebe, não reconhece ou
nega a sua dor.

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