Você está na página 1de 26

SOBREVIVI,

E A G O R A ?
Gerência geral: Rafael Cobianchi
Preparação e revisão: Rochelle Lassarot
Diagramação e Capa: Diego Rodrigues
Imagem de capa: Istock/Jay_Zynism
 
 
 
 
Este livro segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
 
 
 
Editora Canção Nova
Rua João Paulo II, s/n
Alto da Bela Vista
12.630-000
Cachoeira Paulista – SP
Tel.: [55] (12) 3186-2600
E-mail: editora@cancaonova.com
loja.cancaonova.com
Twitter: @editoracn
Instagram: @editoracancaonova
 
Todos os direitos reservados.
 
ISBN: 978-85-9463-018-6
 
© EDITORA CANÇÃO NOVA
Cachoeira Paulista, SP, Brasil, 2022
Renata Vasconcelos Leal

 
 
 
 

SOBREVIVI,
 
 
 
 

E A G O R A ?
NÃO ADIANTA SOBREVIVER SE NÃO HOUVER
UM PARA QUÊ
 
 
 
 
Sumário
Prefácio.................................................................................... 9
Introdução.............................................................................. 11
Capítulo 1............................................................................... 15
Você é um sobrevivente............................................................ 15
Capítulo 2.............................................................................. 27
Mar calmo não faz bom marinheiro.........................................27
Capítulo 3...............................................................................35
Sentido da vida e a busca da felicidade..................................... 35
Capítulo 4...............................................................................53
Testemunhos de sobreviventes.................................................. 53
Testemunho Marcelo Chaves...................................................54
Testemunho Robson................................................................57
Testemunho Rafael Vitto.........................................................60
Testemunho Macilene Barbosa.................................................64
Testemunha Alexandra Gonçalves............................................70
Testemunho Willian Guimarães...............................................75
Testemunho Evanildo Barbosa................................................. 81
Testemunho Edvânia Eleutério.................................................84
Testemunho Felipe Jardim.......................................................84
Capítulo 5.............................................................................. 85
Vida como missão....................................................................85
Meu testemunho......................................................................93
Referências............................................................................. 95
Parabéns, você é um sobrevivente! Se você chegou até aqui,
tem alguma história para contar. Você sobreviveu à covid-19
e pode ter sobrevivido a tantas outras ocasiões de morte, mas
não adianta só sobreviver se não houver um para quê. A falta de
sentido para viver está assolando a humanidade — por incrível
que pareça, até os cristãos. Também é comum ter encontrado
o sentido um dia e se perder novamente.
Não sei em qual situação você se encontra, mas sei que é
possível, apesar do sofrimento que assola sua alma, que tira seu
sono e derrama lágrimas, você encontrar a paz. Esse caminho
se define quando encontramos nosso sentido para viver, e aí
você suportará qualquer circunstância desta vida e se consolará
com sua brevidade, pois o sentido pleno de nossa existência
se revelará logo, valendo a pena cada segundo de nosso viver.
Prefácio
por Luzia Santiago

O
 
livro Sobrevivi, e agora? Não adianta sobreviver se não
houver um para quê é escrito por Renata Vasconcelos Leal,
missionária da comunidade há 23 anos, casada e mãe.
Este é seu segundo livro; o primeiro, intitulado Te prometo
ser fiel, na saúde e na doença, foi em coautoria com seu esposo,
Marcos Leal.
Desta vez Renata ouviu dezenas de histórias de pessoas que
sobreviveram a grandes sofrimentos, e, em cada história, em vez
do fracasso total, a vitória de Deus prevaleceu! O amor venceu
e sempre vencerá! E cada um desses sobreviventes que aqui vão
relatar sua experiência de provação narram como descobriram,
a partir da dor, seu sentido para a vida, para sua missão.
Eu também vivi um momento em minha vida de grande
tribulação. Eu também sou uma sobrevivente! Como já tes-
temunhei diversas vezes em várias ocasiões, fiquei viúva com
apenas 40 dias de casada e só pude superar essa dor em Deus e
com Deus. Diante desse sofrimento, eu encontrei o “para quê”

9
SOBREVIVI, E AGORA?

tinha sobrevivido e encontrei minha missão, que era doar toda


a minha juventude, toda a minha vida pelo Reino de Deus. E
hoje estou realizada por ter feito essa escolha após uma tragédia
que poderia me afundar, mas em vez disso escolhi viver para
anunciar aos outros o Cristo vivo entre nós!
Não importa qual sofrimento passemos nesta vida, não
podemos nos entregar. Deus nunca nos abandona e sempre
tem um propósito muito maior do que possamos imaginar. É
só acreditar!
Você vai chorar, rir e se emocionar com este livro. Você
vai viajar nas histórias dos sobreviventes e também vai repensar
sua vida e, com a graça de Deus, encontrar ou reencontrar sua
missão, porque o Céu nos espera. E espero que ao final você
decida, com a sua vida, testemunhar a fé na vinda gloriosa do
Senhor. Maranatá, vem, Senhor Jesus!

10
Introdução
R
elatos de sobreviventes são mesmo impressionantes.
Aviões caem, e simplesmente se sabe depois que houve
um passageiro que saiu ileso. Quantos vídeos viralizam
na internet mostrando cenas chocantes de um acidente e, por
centímetros, às vezes milímetros, aquela pessoa que seria o
“alvo” consegue escapar?
Os milagres acontecem a todo instante, todos os dias,
bem em frente a nossos olhos. Curas inexplicáveis de cânceres
avançadíssimos que somem depois de uma oração. Paralíticos
começam a andar depois de um louvor em frente às câmeras.
Cegos voltam a enxergar.
Comecei citando os milagres físicos, mas existe um ver-
dadeiro exército de sobreviventes de relacionamentos abusivos,
agressões psicológicas, lutos intermináveis, dores na alma que
fazem seres humanos normais verdadeiros heróis da resistência.
Quando tive câncer, lembro-me bem de me aproximar
de todos que descobriram o mesmo diagnóstico. Eu queria de
alguma forma ajudar, falar que já estava passando por isso e
que juntos venceríamos aquela doença. Lembro-me muito de

11
SOBREVIVI, E AGORA?

Carminha, irmã de nossa amiga tão querida Carmelita. Quando


eu soube que ela estava com câncer, logo quis vê-la; eu já es-
tava em outra etapa do tratamento, tinha terminado a químio
e lembro que dei de presente minha peruca para ela. Foi um
momento tão lindo que nunca vou esquecer, porque fez muito
mais bem a mim do que a ela. Eu clamei ao Céu por sua cura,
e um dia ela me entregou um bilhete que dizia, entre outras
coisas: “Que os desígnios de Deus sejam cumpridos.” Mesmo
com dor e em fase terminal, no seu bilhete dava para perceber
quão pura era sua alma.
Creio, pela fé, que ela partiu para o Paraíso, e eu chorei e
me perguntei: eu fiquei, Jesus. Assim como meu pai, a Kelly,
minha melhor amiga aos 15 anos, também morreu de câncer
e tantas outras pessoas. Por que eu sobrevivi?
Mas a grande resposta não estava no porquê, mas no para
quê. A Carminha me respondeu: “Que os desígnios de Deus
sejam cumpridos.” E comecei a entender que eu deveria fazer
valer essa minha segunda chance, porque entenda: não adianta
sobreviver se não houver um para quê.
No mundo pós-pandemia seremos todos sobreviventes:
uns da covid-19, outros do luto, outros da depressão, outros do
desemprego, outros da separação… A pandemia está sendo um
marco em nossas vidas; não seremos mais os mesmos. Seja qual
for a sua história, tenho certeza de que, se você se interessou
por este livro, você é um sobrevivente. Quero convidar você
a fazer um caminho independentemente de qual situação de
morte você escapou e a saber que só uma pessoa é capaz de lhe
dar o sentido de recomeçar. Não vou dizer que essa força virá

12
Introdução


de seus pensamentos, que virá de você mesmo somente. Não


vou falar também que, depois que você se reerguer, outras tem-
pestades não possam vir, mas vou afirmar que, quando caímos,
levantamos, porque o único capaz de nos reerguer das cinzas
é o Cristo Jesus, e não ideologias nem pensamentos positivos.
Eu lhe convido a olhar para o que aconteceu na sua histó-
ria, por mais duro que possa parecer, e entender que o Senhor
esteve com você. Entenda que você pode abraçar essa história
por mais espinhosa que ela possa se apresentar. E posso dizer
mais: você pode soltar o que lhe segura para seguir sua vida
mais leve e descobrir finalmente PARA QUE você sobreviveu.
Você aceita esta jornada? Se sim, então vamos começar.

13
Capítulo 1
VOCÊ É UM SOBREVIVENTE

“O senhor, então, respondeu a Jó, do


seio da tempestade.“ (Jo 38,1)

I
magine que eu lhe convidasse a disputar um concurso
com outras 300 milhões de pessoas? Agora mesmo você
iniciaria uma prova, e todos os demais estariam igualmente
preparados, como você, para ser aprovado. Vou colocar mais
um elemento nessa suposta competição: imagine se o resulta-
do fosse definir se você viveria ou não? O que você me diria?
Provavelmente que não ia ganhar, afinal de contas são 300
milhões de concorrentes! Ou você poderia arriscar com mais
otimismo, mas certamente todos se sentiriam desafiados com
o número de candidatos e, mais ainda, se sentiriam temerosos
se esse resultado valesse sua própria vida.

15
SOBREVIVI, E AGORA?

Pois é, meu caríssimo leitor, tenho uma ótima notícia para


você: está aprovado. Sim, a única vaga já é sua, você venceu
os outros 300 milhões que disputavam o prêmio de estar vivo.
Esse número não foi aleatório, 300 milhões é a quantidade
de espermatozoides do seu pai que lutaram bravamente para
fecundar o óvulo de sua mãe. E se você está lendo este livro
agora, você já nasceu um sobrevivente da provável prova mais
disputada do planeta e de sua vida também.
Todos somos sobreviventes! Todos temos uma história
para contar. Quero ouvir sua história e lhe convido a conhecer
as de algumas pessoas que se viram no limite, perto da morte,
e essa experiência de finitude (aqui na Terra) as fez rever toda
a sua vida.
Para escrever este livro ouvi dezenas de histórias emocio-
nantes de sobrevivência, e em todas elas existiam algumas coisas
em comum: a pessoa não esperava passar por aquele momento,
e todas, sem exceção, fizeram uma revisão de vida.
Eu tenho um filho de 8 anos, e ele tem pressa para viver
como a maioria das crianças da sua idade. Um dia, para tentar
ajudá-lo a viver melhor o tempo presente, falei para ele assim:
“O ‘amanhã’ todo mundo pensa nele, fala com ele, acha ele
muito importante, mas o ‘agora’ está triste, ninguém pensa
nele nem sequer fala com ele! O ‘amanhã’ não pode responder
às nossas chamadas porque ele não nos ouve, mas o ‘agora’ está
disponível e querendo atenção. O que é melhor: ficar com o
agora ou com o amanhã?” E ele riu.
Usei o sentido figurado como se o “agora” e o “amanhã”
fossem duas pessoas para meu filho entender, mas a lição é

16
Você é um sobrevivente

para todos nós, inclusive para mim. Santo Agostinho diz que
“o passado não existe mais, o futuro ainda não chegou, e o
presente torna-se pretérito a cada instante. O que seria próprio
do tempo é o não ser.”
Esse apego àquilo que não temos nos faz ficar apegados
a coisas totalmente desnecessárias. Quando nos vemos numa
situação limite em nossa vida, como um câncer, um acidente,
uma doença grave, um relacionamento abusivo, nos vemos
totalmente impotentes diante do fato.
As frases que mais se repetiram nas inúmeras entrevistas
que fiz foram: “eu não imaginava” e “foi de repente”. Não
é geralmente assim que alguém começa a contar algum fato
extraordinário?
O primeiro ponto que lhe convido a refletir neste livro é:
sim, somos totalmente impotentes sobre o que vai nos acontecer
daqui a dois segundos. Você pode e deve planejar suas férias;
eu mesma gosto muito de fazer isso, mas já entendi, a duras
penas, que todos os planos precisam e devem ser submetidos
à vontade soberana de Deus.
 
“Muitos são os planos no coração do homem, mas o que prevalece
são os propósitos do Senhor.” (Pv 19,21)
 
Abandonar-se é um exercício diário, mas nada nos ensina
mais quando somos pegos de surpresa por uma situação que
nunca imaginávamos passar.
Quando imaginamos que passaríamos os anos de 2020 e
parte de 2021 dentro de nossas casas, confinados e com tantas

17
SOBREVIVI, E AGORA?

restrições? Quando planejamos ficar com nossos filhos sem


escola e ter que se reinventar em home office improvisado? Em
tantos filmes futuristas de sucesso, a indústria cinematográfica
não chegou perto do que passamos.
De repente, famílias em todo o mundo começaram a
conviver 24 horas por meses dentro no mesmo espaço. Boa
parte dessas famílias só se encontravam no final do dia, após
um dia de trabalho ou na escola, e nos fins de semana. Mas o
cenário mudou tanto que, querendo ou não, gostando ou não,
tivemos que enfrentar a situação.
Assistimos aos noticiários, e as notícias (o número) de
mortes abalaram ainda mais quem já estava no limite: financeiro,
da paciência, de doenças e dos problemas emocionais.
Se você está lendo este livro, você é um sobrevivente da
covid-19. Mas você já se perguntou para que você sobreviveu?
Muitos lutam para sobreviver; lutar pela vida é uma atitude que
faz parte do nosso instinto. Podemos ver isso até em pessoas
com depressão. O pulso da vida está dentro de nós: queremos
viver! Isso é bom, e devemos usar essa força para viver em
muitas ocasiões que serão necessárias. Mas não adianta apenas
sobreviver se não houver um para quê.
Se até este instante você não tinha encontrado o sentido
de ter sobrevivido, então espero, com todo o meu coração, que
este livro lhe ajude a encontrá-lo. Porque, do contrário, você
será como aquele atleta premiado que exibe o troféu de vence-
dor, mas não sabe o que fazer com aquilo, fica vagando por aí
e sempre se lembrando daquele dia, mas que não mudou nada.

18
Você é um sobrevivente

Não estou dizendo com isso que não devamos lembrar


esses dias que passamos e estamos passando na pandemia, em
que todos nós fomos testados em várias áreas, mas não devemos
ficar a vida inteira que nos resta lembrando todos os dias da
pandemia. Ela veio e tem nos deixado ensinamentos, e agora
eu lhe convido a responder a esta pergunta: o que aprendi
com a pandemia?
Escreva a resposta e deixe em seu guarda-roupa. A pandemia,
para alguns, foi uma providência, mas para a grande maioria foi
um grande desafio em vários sentidos. Aqui na Canção Nova,
chamamos os momentos de sofrimento de “visitas de Deus” e
“tempos fortes”, e por que chamamos assim? Primeiro, porque o
nome já diz: é um tempo, vai passar! Segundo, por que é forte,
diz da característica do que estamos vivendo. E por que “visita
de Deus”? Porque Deus nos fala no sofrimento e, quando Ele
fala, algo acontece e muda: cura o coração, como uma agradável
visita que você não quer que vá mais embora.
Então, usando o termo que utilizamos aqui internamente,
posso lhe perguntar agora: “Deus está lhe visitando” há quanto
tempo? Como tem sido essa visita para você?
Você pode me dizer: Renata, para você pode ser simples,
mas você não tem ideia do que estou passando! Você não imagina
o que passei! Não tenho forças para levantar! Eu perdi pessoas
que amo, não sei como vou viver a partir de agora…
Eu posso lhe falar: não é por que somos consagrados a
Deus que não vivemos tribulações. Deus nos visita, e como
já refletimos aqui, se não estivermos fazendo aquele exercício
do abandono diário, essa visita nos pegará de surpresa mesmo.

19
SOBREVIVI, E AGORA?

Mas, se estivermos em sintonia com o Senhor, quando Ele nos


visitar, nos encontrará de portas abertas. Entretanto você pode
me questionar: Renata, então Deus quer que soframos? Eu
digo com toda a certeza que não. Ele nos fez para a felicidade
e nos quer felizes.
Mas como entender alguns questionamentos: por que o
justo sofre? Por que a pessoa boa morre cedo? Por que perdi
meu esposo, filho, ente querido? E tantas outras coisas que
podem vir a seu pensamento agora.
O sofrimento humano faz parte da nossa existência e é
fruto do pecado original. Os nossos primeiros pais não souberam
usar a liberdade que Deus amorosamente lhes deu, e esse rom-
pimento causou sofrimento, dor e terríveis tribulações. Como
diz Santa Catarina de Sena (1984, p. 66-67), doutora da Igreja,
em seu livro O diálogo: “Ao revoltar-se contra mim, o homem
criava uma rebelião dentro de si. Em consequência da perda
do estado de inocência, a carne se revoltou contra o espírito”.
Mas Deus não desiste do Homem, como diz Santo Agos-
tinho: “Amo o pecador, mas odeio o pecado.” Não devemos
associar o sofrimento ao abandono de Deus, ao contrário, deve-
mos nos esforçar para saber lidar com o sofrimento quando ele
acontecer, assim como nos narram as Escrituras na vida de Jó.
Você já conhece Jó. Era um homem afortunado, tinha
muitos filhos, esposa e era rico. Ele louvava a Deus de todo o
seu coração. Um dia, Satanás foi ao encontro de Deus e pediu
permissão para tirar tudo dele, dizendo: “Eu aposto que ele
lançará em rosto tuas maldições.” (Jó 1,11).

20
Você é um sobrevivente

Dito isso, Deus permitiu que Satanás tirasse de Jó seus


bens, mas não deixou que o demônio tirasse sua vida. E assim
ele perdeu tudo. Assim que recebeu a notícia da morte de seus
filhos e da perda de todos os seus bens, Jó disse: “Deus deu,
Deus tirou: bendito seja o nome do Senhor!” (Jó 1,21).
E mais uma vez, com a permissão de Deus, Satanás lançou
sobre Jó uma doença terrível.
Veja, Jó não esperava esse tempo forte em sua vida. Ele
estava vivendo normalmente, sua “rotina” estava acontecendo
dentro do programado: ele acordava, convivia com sua família,
dava ordens aos seus empregados e seguia louvando a Deus e
feliz com sua vida. Mas de repente uma tragédia aconteceu; não
só uma, mas várias ao mesmo tempo: ele perdeu filhos, fazendas,
empregados, alimentos, tudo ao mesmo tempo! Impossível Jó
compreender! Mesmo confuso e com o coração sangrando de
dor, nos narram as Escrituras: ele continuou bendizendo a Deus.
Porém, como se não bastasse tudo isso, alguns “amigos” de
Jó foram perturbá-lo (coloquei amigos entre aspas aqui porque
essa amizade se mostrou tóxica). Os “amigos” Elifaz, Bildade,
Zofar e Eliú começaram a sabatiná-lo.
Para os “amigos” de Jó prevalecia o pensamento original
do que hoje se chama a teologia da prosperidade, isto é, Deus
concede bens e riquezas a quem paga o dízimo com generosidade.
Esse era o pensamento também de Jó, por isso foi extremamente
desafiante para ele dar uma resposta àquele sofrimento de um
homem de fé.
Então os “amigos”, acreditando que estavam ajudando,
começaram a questionar Jó sobre seus pecados. Elifaz diz: “Re-

21
SOBREVIVI, E AGORA?

corda: qual inocente que pereceu? Onde se viu homens retos


desaparecerem?” (Jo 4,2).
E Jó vive um drama, porque até então acreditava que, se
fizesse tudo perfeito, não sofreria, e até aquele momento seguiu
todas as leis, mesmo assim estava sofrendo. E ele responde a seus
amigos: “Mesmo sendo eu justo, minha boca me condenaria;
se fosse inocente, ela me provaria perverso. Sou inocente? Eu
mesmo não o sei.” (Jó 9,20-21).
E várias rodadas de diálogos acontecem, e Jó permanece
firme. Veja bem: ele continua sem entender porque está sofrendo,
mas ele tem plena confiança de que Deus tem o controle de tudo.
Em um dos diálogos Jó responde:
 
Mas eu sei que MEU REDENTOR ESTÁ VIVO, no fim se
reerguerá por sobre o pó. E mesmo que tenham destruído a pele, na
minha carne, contemplarei a Deus. Eu, sim, hei de contemplá-lo!
Meus olhos O verão, Ele não será estranho! Meu coração se abrasa
dentro de mim. (Jó 19,25-27).
 
Jó tinha perdido tudo e estava sendo atormentado pelos
amigos. Ele não sabia também o porquê de estar sofrendo, mas
ele tinha certeza: o seu Deus não estava morto, Ele estava vivo!
Jó não tinha respostas para o que ele estava passando: ele estava
muito confuso, triste, enlutado! Você imagina que ele perdeu
esposa e sete filhos ao mesmo tempo? Um homem rico que se
tornou pobre. Mas a convicção de que há um Deus vivo o fez
permanecer fiel mesmo que aparentemente Deus pudesse tê-lo
abandonado. Jó não só afirma sua convicção num Deus vivo
como profetiza que: “Deus se erguerá por sobre o pó.”

22
Você é um sobrevivente

Essa afirmação já era uma perspectiva de Jó da ressurreição.


Estas duas convicções de Jó foram o caminho para seu reergui-
mento: de um Deus que está vivo e que lhe reerguerá sobre o pó.
Eu não sei por quais túneis escuros você tem passado,
quantas perdas você acumulou aí no seu coração, quantas
dores escondidas, quantas lágrimas que só você e Deus sabem
que rolaram pelo seu rosto. Não sei a quais situações de morte
você sobreviveu, mas se olharmos para esse personagem da Bí-
blia e, a exemplo dele, mantivermos essas duas convicções em
meio à tempestade, não tenha dúvidas de que você se levantará
das cinzas.
A primeira certeza que não devemos abandonar em meio
ao sofrimento é: ELE ESTÁ VIVO! Deus não morre quando
estamos sofrendo. Não deixe essa vela apagar, mesmo que, como
na vida de Jó, se aproximem pessoas e lhe façam questionar onde
está o seu Deus. Diga para si mesmo: Deus me responderá em
algum momento, porque meu Deus está vivo.
A segunda certeza é que, se Deus se erguerá das cinzas,
como é citado no livro de Jó como pré-anúncio da Ressurrei-
ção, nós também. Quando parecemos mais aniquilados, mais
derrotados, é aí que Deus se rebaixa para nos alcançar e nos
reerguer das cinzas.
Jó não tinha a mínima ideia de como Deus ia agir ou fazer,
mas ele sabia que o seu Deus se ergueria e ele também, por ser
sua criatura.
Cristo, quando pareceu mais derrotado, foi quando estava
próxima a vitória: “E mesmo que me tenham destruído a pele,
na minha carne, contemplarei a Deus.” (Jó 19,26).

23
SOBREVIVI, E AGORA?

Mas a cada sofrimento a alma de Jó se eleva mais a Deus.


A certeza de que seu “Redentor estava vivo” era tão forte que
abrasava seu coração. Abrasar significa que seu amor por Deus
ardia em seu peito. Mesmo em meio a tantas adversidades,
mesmo diante de tantas perdas, seu coração estava em sintonia
com o Senhor.
A certeza de Jó permanece, e ele começa a ter “conversas”
com o Senhor, até o dia que Deus falou no seio da tempestade:
“Quem é este que obscurece a Providência com discursos sem
sentido? Cinge teus rins que vou interrogar-te. […] ‘Algum
dia na vida deste ordens à manhã ou indicaste à aurora o seu
lugar […]’” (Jó 38,1-3.12).
E Deus faz um lindo discurso sobre sua sabedoria e gran-
diosidade e o quanto Ele sonda todas as coisas que criou. Se
você ainda não leu os capítulos 38 a 41 do livro de Jó, leia — é
lindo! O texto bíblico continua: “Quem está a denegrir a Pro-
vidência com discursos sem sentido?” (Jó 38,1).
Deus lembra a Jó todo o seu poder, lembra sua onipotência,
onisciência e onipresença. E, ao final, Jó dá sua resposta a Deus
(preste bem atenção): “Eu te conhecia só por ouvir dizer, mas
agora vejo-Te com meus próprios olhos” (Jó 42,5).
Muitos, quando têm conhecimento dessa história, se ape-
gam à parte da história que Deus restituiu os bens de Jó, mas o
maior milagre dessa história não foi somente a restituição dos
bens, mas o fato de Jó reconhecer que seu conhecimento de
Deus era raso. Jó faz a escolha de aprender com o sofrimento,
mesmo sem entender e não abrir mão da certeza: “meu Re-
dentor está vivo”.

24
Você é um sobrevivente

Foi essa escolha que fez Jó fazer uma ascese em sua vida
espiritual: ele cresceu, ele declara que vê Deus com seus próprios
olhos pela primeira vez.
A partir da história de Jó, podemos trazer essa lição para
a nossa vida. Não é o que as dores da vida fizeram com você,
mas o que você deixou elas fazerem com você.
Na vida de Jó, seu sofrimento era matéria-prima de oração,
mas muitas vezes não fazemos isso.
Certa vez São Francisco, andando com o frei Leão no frio
rigoroso, começou a refletir sobre a perfeita alegria e deu vários
exemplos do que não seria a perfeita alegria, inclusive se o frade
menor curasse em nome de Jesus, falasse em outras línguas etc.
Depois de São Francisco dar vários exemplos, o frei Leão então
perguntou: e onde está a perfeita alegria? Ele responde:
 
Quando nós estivermos em Santa Maria dos Anjos, tão molha-
dos pela chuva, enregelados pelo frio, enlameados de barro, aflitos
de fome e batermos à porta do lugar, e o porteiro vier irado e disser:
Quem sois vós? E nós dissermos: Nós somos dois dos vossos frades.
E ele disser: Vós não dizeis a verdade, aliás sois dois marotos que
andais enganando o mundo e roubando as esmolas dos pobres; ide
embora; e não nos abrir, e fizer-nos ficar fora na neve e na água,
com o frio e com a fome até de noite; então, se nós suportarmos
tanta injúria e tanta crueldade, e tantas despedidas pacientemente,
sem nos perturbarmos, e sem murmurar dele, e pensarmos humil-
demente que aquele porteiro nos conhece de verdade, que Deus o
faz falar contra nós; ó Frei Leão, escreve que aqui há perfeita alegria
(I FIORETTI…, [199-]).
 

25
SOBREVIVI, E AGORA?

Você pode me dizer: mas não consigo chegar a esse nível


de agradecer a Deus pelo sofrimento ou chegar a considerá-lo
a perfeita alegria. Reconheço que para chegar a isso é preciso
primeiramente a graça de Deus e a determinada decisão, como
dizia Santa Teresa D’ávila diante das provações.
Mas o exercício de estar em sintonia com Deus todos os
dias e querer aprender com Ele e Nele a graça do abandono pode
ser um caminho, e isso é para todos nós. Porque para escutar
a Deus no seio da tempestade como ele fez com Jó é preciso
muito treinamento antes da tempestade. É necessário aguçar
os ouvidos quando o mar está calmo, conhecê-Lo e buscá-Lo
mesmo quando está tudo bem, porque intimidade com Deus
não se improvisa.
Mesmo que não seja fácil, convido você agora a fazer uma
oração de louvor pela provação que está passando:
 
Senhor, eu quero te louvar, porque, assim como Jó, eu me
sinto ferido por tantas situações às quais tenho que sobreviver. Mas,
da mesma forma que aconteceu com Jó, eu quero ter um coração
abrasado. Reaviva, Senhor, a certeza de que tu estás vivo. Sim, tu
estás vivo! Quanto a esta situação, Senhor (cite a situação, nome
da pessoa), quero louvá-Lo porque decido que essa tribulação vai
me fazer ser mais teu e vou poder sair de uma espiritualidade rasa
para uma com raízes profundas que nada poderá abalar. Amém!

26

Você também pode gostar