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ANTÔNIO R.

SIQUEIRA

Edição do Autor
2013
© 2013 Antônio Rodrigues Siqueira

Editor
Vânio Alves Limiro

Projeto Gráfico | Capa


Vânio Alves Limiro

1º edição – Abril 2013

Proibida a reprodução deste livro por


qualquer meio sem a devida permissão,
podendo ser usado apenas para citações

Impressão
Gráfica Renascer – Anápolis GO

Acabamento
Editora Visão – Goiãnia GO

Siqueira, Antônio Rodrigues


Plantando Igrejas Saudáveis / Antônio Rodrigues Siqueira
Anápolis, 2013
Dedico este livro à minha esposa Adriana
Siqueira, e meus filhos Jonathan e Rebeca, que
são meus parceiros no ministério.
SUMÁRIO

Apresentação ..............................................................................................9

Parte 1
Fundamentação teológica para a plantação de igrejas saudáveis

Capítulo 1
O fundamento da missão da Igreja no antigo testamento ....................13

Capítulo 2
Fundamentos da missão da Igreja no novo testamento .......................19

Capítulo 3
A missiologia de Lucas / Atos .............................................................31

Capítulo 4
A missão na perspectiva de Paulo .......................................................49

Capítulo 5
O chamado missionário na perspectiva bíblica ...................................57

Capítulo 6
Diferenças entre a teoria e a prática missionária da igreja ..................63

Parte 2
Aspectos práticos na plantação de igrejas saudáveis

Capítulo 7
A nobre missão de plantar igrejas ......................................................71

Capítulo 8
Elementos necessários na plantação de igrejas saudáveis ...................75

Conclusão .................................................................................................97

Bibliografia ...............................................................................................99
APRESENTAÇÃO

Porque plantar igrejas? Já não as temos em demasiado?


Muitas pessoas questionam a necessidade de continuar
plantando igrejas, alegando que já temos muitas igrejas.
Convivemos com uma força desproporcional de
expansão do evangelho. Há regiões com grande oferta de
igrejas e a há outras com poucas. Há, ainda, lugares que não
contam com a presença da igreja. Essa injustiça faz com que
alguns convivam com o privilégio de ter uma igreja perto de
casa, enquanto outros jamais poderão visitar uma comunidade
cristã.
Plantar igrejas não é uma atividade para aventureiros
e nem deve ser realizada como temos visto em nossos dias.
Temos presenciado o surgimento de muitas “igrejas”, que
aparecem como fruto de divisões eclesiásticas, outras por
oportunismo comercial de seus líderes inescrupulosos.
A plantação de igrejas saudáveis é a única forma de
continuarmos a divulgar a mensagem de Cristo ao mundo de
forma saudável e salutar. Como numa lavoura, a escolha do
solo, o preparo, a escolha da semente, são determinantes para
o sucesso da plantação, na plantação de igrejas também. É
preciso que haja planejamento na escolha do local, na melhor
estratégia para aquela localidade, a escolha da pessoa certa
para aquela realidade.
As experiências de plantação de igrejas saudáveis que
estão dando certo são aquelas que deixaram o impulso e se
planejaram com oração, estudo de campo, análise da sociedade
e definição dos objetivos desejados na plantação de uma
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igreja. Cremos que a plantação de uma igreja saudável requer


consciência teológica, preparo e planejamento.
Plantar igrejas é com certeza um elemento necessário
para a continuidade da expansão do evangelho de Jesus Cristo
na face da terra.
Pretendemos neste trabalho comprovar essa ideia.
Primeiro pela demonstração da fundamentação bíblica da
missão da igreja, tanto no Velho Testamento quanto no Novo
Testamento. Apresentamos também a incoerência existente
entre a nossa teoria e prática missionária. Por fim, fazemos
uma análise dos elementos que são necessários na plantação
de igrejas saudáveis.

Anápolis, primavera de 2013.


Antônio R. Siqueira
Parte 1

FUNDAMENTAÇÃO
TEOLÓGICA PARA
A PLANTAÇÃO DE
IGREJAS SAUDÁVEIS
CAPÍTULO 1

O FUNDAMENTO DA
MISSÃO DA IGREJA NO
ANTIGO TESTAMENTO

N
o que diz respeito à missão, principalmente se
aderimos à compreensão tradicional da missão como
envio de pregadores a lugares distantes, o Antigo
Testamento não traz indicações de que os crentes da antiga
aliança fossem enviados por Deus para cruzar fronteiras
geográficas, religiosas e sociais a fim de conquistar pessoas
para a fé em Javé. (BOSCH 2002, p.35). O livro de Jonas, de
certa maneira, não encaixa no conceito tradicional, até porque
o profeta não foi enviado a proclamar boas novas de salvação,
mas juízo. Ora, Jonas não estava interessado na tarefa.
Ainda assim o Antigo Testamento é fundamental para a
compreensão de missão no Novo Testamento (BOSCH, 2002,
p.35). Deus é o grande missionário do Antigo Testamento.
Nele é revelado o envolvimento de Deus com as nações. O
Deus de Israel é o criador e Senhor do mundo inteiro.

Deus está tão preocupado com as nações quanto com


Israel. As nações esperam pelo Senhor e confiam Nele
(Is 51.5). A glória do Senhor é manifesta a todas elas
(Is 40.5). Todas as nações da terra são convidadas a
olharem para o Senhor e serem salvas (Is 45.22). O servo
de Javé é conhecido como luz para os gentios (Is 42.6;
49.6). Uma estrada é construída do Egito e da Assíria
até Jerusalém (Is 19.23) e as nações são encorajadas
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a subirem até ao monte do Senhor (Is 2.5) e trazerem


consigo presentes ao Senhor (Is 18.7). A finalidade disto
é cultuar ao Senhor (Sl 96.9; Is 19.25; 25.6-8) (BOSCH,
2002, P.36).

Deus se identificou com Israel com o objetivo de se


revelar ao mundo. Assim, podemos concluir que o objetivo
da eleição é o serviço. O amor de Deus supera as fronteiras
culturais, religiosas, raciais e linguísticas e o seu desejo é que
todos tenham a oportunidade de seguir a Cristo.
Veremos a seguir um breve resumo do que cada época do
Antigo Testamento representa no desenvolvimento da missão.

I. O PROTO-EVANGELHO
A graça é o aspecto do caráter de Deus que sempre
norteou a relação da humanidade com seu criador. Adão
existiu, antes da queda, em um estado de relacionamento com
Deus baseado na graça.
O ato da criação, a doação da vida, a concessão de dons
são elementos da graça de Deus presentes na humanidade
antes da queda. A graça de Deus é o elemento do caráter de
Deus que permite ao homem criado a permanência na presença
de Deus e também o relacionamento em profundidade com o
seu Criador.
A graça de Deus permeia toda a trajetória do plano
salvífico de Deus para a humanidade, uma vez que no ato da
queda, Adão rejeitou a vida na graça, optando por viver sem
a graça. No ato de rebelião à graça o homem passou a existir
num estado de desgraça e de separação da presença e glória
de Deus. Paulo confirma esse princípio afirmando que “todos
pecaram e foram destituídos da glória de Deus” (Rm 3.23).
Por outro lado, Pedro afirma que “o Deus de toda graça nos
restituiu à sua glória” (1 Pe 5.10).
Em Gn 3.15 encontramos a primeira menção da ação
salvadora de Deus pela promessa de um redentor. A promessa
deste redentor sustenta cinco fatos:
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1. A salvação é operada por Deus, portanto fruto da


graça;
2. A salvação triunfará sobre o pecado. Não existe
dualismo: a ação de Deus triunfará sobre o pecado e o
diabo;
3. A salvação afetará toda a humanidade. Isso não quer
dizer que todos serão salvos, mas que a salvação é
eficiente para todos;
4. A salvação só é possível pelo mediador;
5. A salvação está relacionada ao sofrimento do redentor.
O inimigo deverá ferir seu calcanhar.

II. O PERÍODO PATRIARCAL


O chamado de Deus a Abraão revela a intenção de
Deus em trabalhar com as nações. Ao estabelecer uma aliança
com Abraão, Deus está separando um povo para si, que o
representaria entre a humanidade.
A base da promessa de Deus a Abraão é “em ti serão
benditas todas as nações da terra” (Gn 12.1-3). Essa promessa
vai sendo transferida aos descendentes de Abraão, Isaque, Jacó
e Judá (Gn 26.4; 28.14; 49.10).
O desenvolvimento do plano salvador de Deus no período
patriarcal se desenvolve em duas perspectivas, a eleição e a
vocação de Abraão.
A eleição de Abraão é resultado da graça de Deus. Numa
decisão livre de Deus, Ele decide retirar Abraão de sua terra e
conduzi-lo rumo a uma terra desconhecida. A causa da eleição
é notoriamente suscitar um povo que de forma obediente
represente Deus entre as demais nações e assim possam
abençoá-las.
A vocação de Abraão é resultado imediato de sua eleição.
Ninguém que tenha sido escolhido por Deus pode se eximir da
responsabilidade que esse chamado implica. Eleição e vocação
são dois temas que estão intimamente relacionados. A eleição
trata da nossa identidade e de quem somos, enquanto que a
vocação trata da nossa missão, da nossa função no reino. A
16 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

estrutura de 1 Pedro 2.9-10 enfatiza essa afinidade, Vós sois...


a fim de que. Na primeira parte do versículo ele declara a
nossa identidade: vós sois raça eleita, nação santa, sacerdócio
real, povo de propriedade exclusiva de Deus. E na segunda
metade há uma clara declaração de nossa missão “a fim de
proclamardes as virtudes daquele que vos chamou...”.
Ao entrar em aliança com Abraão Deus tinha como
objetivo estabelecer um povo exclusivamente seu, zeloso e de
boas obras. Por outro lado, Abraão ao aceitar a aliança com
Deus sabia que deveria responder positivamente ao Deus que
o chamara. A resposta esperada por parte de Abraão implicava,
primeiro, em ter de renunciar uma série de aspectos de sua
vida. Abraão renunciou pátria, família, seu conforto pessoal
para partir em rumo desconhecido. Às vezes renunciar implica
em ir para onde não sabemos. Renúncia é um princípio de fé.
Só podemos renunciar quando cremos de verdade naquele que
nos chamou, quando sabemos que aquele que nos chamou é
poderoso para terminar a boa obra que começou em nós. O
jovem rico é um exemplo de alguém que não quis renunciar.
Segundo, Abraão teria de se submeter inteiramente ao
chamado do Senhor. Abraão partiu em submissão ao chamado
do Senhor. Submissão é fruto de serviço e obediência.
Submissão é uma resposta ao fato de se sentir amado. Sendo
amado por Deus então me submeto a Ele. Se você puder negar
a bondade e a misericórdia de Deus por você ai então você
pode dizer não ao Senhor.

III. O PERÍODO MOSAICO


Em Êxodo 19.4-6 encontramos um texto central, pois
revela a constituição de Israel como servo de Deus. A eleição
de Israel é para o serviço, ou seja, ser testemunha de Deus
entre as nações. A função da vocação sacerdotal é interpor
entre Deus e os homens, tanto para a intercessão, como para a
transmissão dos oráculos de Deus.
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No pacto com Abraão Israel se torna povo de Deus;


enquanto que no pacto com Moisés, Israel se torna servo de
Deus entre as nações.

IV. O PERÍODO DAVÍDICO


Davi é reconhecidamente aquele que deu forma à nação
de Israel. Ele deu contornos finais à geografia da terra santa,
organizou o culto, foi o mentor do templo, embora não seja o
construtor. Foi a partir dele que Jerusalém passou a ser o centro
religioso de Israel e esse fator foi preponderante para que Israel
cumprisse sua missão de ser sacerdócio real entre as nações.
Quando Salomão fez sua oração de consagração do templo,
deixou muito claro o desígnio e o propósito missionário do
templo (1 Rs 8.43, 60)
Os salmos, em sua maioria escritos por Davi, enfatizam
a necessidade de que toda a terra louve, adore e sirva ao Senhor
(Sl 67; 86. 9-10).

V. O PERÍODO PROFÉTICO
A mensagem dos profetas, especialmente Isaías, é muito
clara quanto ao seu impulso missionário. Entre os profetas
menores podemos citar Sofonias (2.11; 3.20), Habacuque
(2.20), Joel (2.28) e Amós (9.7-12). Entre os profetas maiores
Isaías é o grande representante. Em quase todo o seu livro
encontramos referências à missão de Israel para com o resto do
mundo. Em Isaías encontramos alguns dos textos missionários
mais notáveis do Antigo Testamento.
Numa perspectiva geral, a palavra dos profetas deixa
claro que Israel tem uma mensagem destinada ao mundo e
era essa a responsabilidade da nação-servo. O profeta Isaías
resume isso com três ideias sobre a missão de Israel:
1. Designação divina: Jeová é a fonte e a origem da
missão (Is 43.21);
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2. Centralidade divina: Deus é o centro e a essência da


missão (Is 44.6);
3. Universalidade: Essa missão era destinada a todas as
nações: (Is 40.5; 42.1,6-7,10; 45.22-23; 49.6,26; 51.4-
5; 52.10,15).
CAPÍTULO 2

FUNDAMENTOS DA MISSÃO DA
IGREJA NO NOVO TESTAMENTO

A
missão no Novo Testamento traz consigo notas do Antigo.
Ela não é dissociada da missão veterotestamentária, o
que temos no Novo Testamento é o prosseguimento da
ação missionária do Deus do Antigo Testamento.

I. A VISÃO MISSIONÁRIA DE JESUS NA


PERSPECTIVA DOS EVANGELISTAS.
Os evangelhos são documentos missionários para a igreja.
Eles foram escritos para ajudar as comunidades a recuperar a
visão da missão que Jesus havia dado à igreja. Todos os quatro
evangelhos foram escritos tardiamente. Marcos, por exemplo,
o primeiro dos escritos entre os evangelhos, é datado de 60
a.C. (WALLACE, 1998. p 1).
O Evangelho de João é o que mais deixa em evidência
o compromisso missionário de Deus. Por mais de 60 vezes é
usado o verbo ou substantivo correspondente a enviar, envio
ou enviado. Um texto chave para esta compreensão é o da
delegação que Jesus faz aos discípulos quando afirma: “Assim
como o Pai me enviou, eu também vos envio”.
Lucas relata o ministério de Jesus focalizando a
preocupação do Mestre por aqueles que estão perdidos. Ele é o
único evangelista a descrever as parábolas em que Jesus ensina
a necessidade de encontrar aqueles que estão perdidos.
20 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

Mateus é escrito para uma comunidade de cristãos


judeus que estavam perdendo a visão do comprometimento
com Jesus, o Messias. O evangelho de Mateus, como afirma
Bosch, é tanto um documento pastoral como missionário, pois,
se por um lado procura confortar os cristãos, por outro redefine
as convicções missionárias deixadas pelo Messias (BOSCH,
2002. p. 85).

II. AS CARACTERÍSTICAS DA MISSÃO DE


JESUS
Para compreendermos essas convicções missionárias
de Jesus, iremos abordar o texto de Mateus 9.35-38 como
um referencial daquilo que Jesus nos deixou como modelo a
seguir.

1. A MISSÃO DE JESUS É INCLUSIVA.


Pelo modelo de Jesus aprendemos que a missão é
inclusiva. O Divino Mestre percorria todos os povoados, vilas
e cidades. No contexto de Mateus, as cidades e povoados
percorridos por Jesus são na Galiléia. Este fato é profundamente
significativo, pois Galiléia era marginalizada pelos judeus do
sul (Judéia), devido à miscigenação que ocorrera com o povo
galileu. A Galiléia era chamada de “Galiléia dos gentios” e de
lá era corrente dizer não havia nenhum profeta. Para uma ala
do judaísmo Jonas não era considerado profeta, pela natureza
do seu ministério. Era uma forma de ofensa discriminatória
chamar alguém de Galileu.
Ao embrenhar por estes lugares, Jesus está dando um
modelo de ação para a igreja. Esse modelo exige que tenhamos
em mente um evangelho inclusivo, o que nos leva a entender
um evangelho que chega de forma compreensível e acessível
a qualquer nível da sociedade. A igreja não tem o direito de
eleger aqueles que devem receber o evangelho. Não podemos
fechar os olhos, fingir que não vemos aqueles que a sociedade
insiste em fazer de conta que não existe.
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O evangelho não é para uma elite ou para um grupo


especial, mas deve ser anunciado em todos os lugares. O homem,
não importando sua condição social, moral ou intelectual, é
alvo do evangelho. Portanto, onde existe humanidade ali está
um campo missionário. Temos então de ir onde o ser humano
está.

2. A MISSÃO DE JESUS É PERCEPTIVA.


O modelo missionário aplicado por Jesus é também
perceptivo. Sempre encontramos relatos da capacidade de
Jesus para conhecer e compreender a realidade das pessoas. No
texto de Mateus 9 o evangelista fala que Jesus viu a multidão
e se compadeceu dela. Esta ideia de compaixão é muito forte
e denota a capacidade de compreender a extensão da dor e
do sofrimento de alguém. Compaixão tem a ver com algo que
sentimos no mais profundo do nosso íntimo.
É muito importante essa habilidade de “ver” para o
desenvolvimento de um ministério efetivo. O “ver” revela
como devemos agir. O “ver” gera atitude. No caso de Jesus ele
viu e se compadeceu. A insensibilidade é resultado de vermos
e não sentirmos compaixão. Se não somos sensíveis, nossas
atitudes serão de desprezo, rejeição, inação e repelência.
Como igreja nós somos ensinados nesse modelo de Jesus:
envolvermos movidos pela percepção da realidade humana. O
que Jesus viu naquela multidão foi descrito por Mateus em três
estágios:
Primeiro eram os aflitos. Note que a palavra sugere
alguém muito machucado e que, devido aos ferimentos, está
agonizando de dor. O que Jesus vê é uma multidão que agoniza
diante de tanto sofrimento e pecado. Os traumas causados pela
queda estão ardendo e a dor é tão grande que essas pessoas
expressam em seus semblantes a dor. Estão com a alma doída.
Segundo, eram os exaustos. As pessoas que Jesus vê
estão machucadas e à beira da morte. O melhor exemplo de
exaustão que encontramos na Bíblia, talvez seja o do homem
que foi assaltado e deixado semimorto na margem do caminho,
na parábola do bom samaritano.
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Terceiro, eles eram como ovelhas que não tem pastor.


Essa é uma expressão de cunho político (Nm 27.15-17; I Rs
22.17). Deus levantou líderes para guiar Israel, para que as
ovelhas do seu rebanho não ficassem sem pastor. Jesus está
denunciando o descaso das autoridades, que abandonaram o
povo à própria sorte.
A percepção de Jesus é ampla, ou seja, não é restrita a
algumas áreas da vida do homem. Como igreja do Senhor Jesus
nós precisamos aprender a perceber a realidade do homem e
da sociedade que nos cerca. Sem essa percepção não teremos
condições de amar e ajudar essas pessoas porque nos faltará o
princípio básico que é o de compreender a verdadeira realidade
do ser humano.

3. A MISSÃO DE JESUS É ENVOLVENTE.


No texto de Mateus 9, após perceber a realidade do
homem, Jesus convida seus discípulos para que vejam a mesma
realidade. O convite é para que se veja a seara. A seara é toda
a realidade do homem. O convite de Jesus é para que vejamos
o homem em sua miséria e desconforto, situações produzidas
pelo pecado que o escraviza.
A fórmula como Jesus determina para que possamos nos
inteirar desta realidade é orar. Ninguém pode orar por uma
causa a não ser que esteja envolvido com ela. E ninguém pode
estar envolvido com uma causa sem orar por ela. Aqueles que
oram são os mesmos que são enviados. Comumente oramos
para que Deus levante e envie pessoas, mas nem sempre
estamos conscientes de que para orar é preciso estar envolvido.
Quem ora já está comprometido.

4. O CONCEITO DE SEMEADOR NA VISÃO DE JESUS


O conceito de Jesus sobre a semente é profundo. Ele a vê
como algo dinâmico e vivo. O semeador, de forma decidida e
convicta, saiu a semear. Isso nos sugere um processo dinâmico
de produção de vida.
Todo semeador quando sai para semear tem um processo
a seguir, desde a escolha e preparo do solo onde plantar até o
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lançar da semente, pois ele sabe que da semente virá algo vivo.
A semente, embora inerte, está carregando em si, incubado,
algo vivo.

5. AS CARACTERÍSTICAS DO SEMEADOR NA VISÃO


DE JESUS.
O semeador é alguém de ação. O verbo “saiu” indica que
este homem decidiu por os pés para fora de casa, para fora do
lugar tranquilo em que estava e partiu para a ação.

a) Não se semeia onde quer.


Apesar da impressão que se trata de uma ação fortuita e
casual, o semeador não saiu a esmo, por aí, semeando ao
acaso. Talvez não fosse necessário mencionar que ele sai
preparado e pronto para jogar a semente, numa ação contínua
e processual e incessante. A ação deste semeador é contínua,
gradativa e planejada, ou seja, tem rumo certo, ainda que não
necessariamente de forma sistematizada.
A verdade que salta aos olhos é que a mensagem do
evangelho, assim, como a semente, deve ser espalhada, mas
nem sempre ela será frutífera, pois nem sempre cairá em solo
preparado, fértil e bem cuidado.

b) A semeadura é marcada pela obediência.


Uma característica marcante no semeador é a obediência.
O lavrador que não obedece às regras do tempo está fadado a
ter uma colheita pífia. Ele tem que obedecer a época de arar,
adubar e plantar, pois caso contrário corre o risco de perder a
época certa em que a sua plantação desfrutará das chuvas e do
sol na medida certa.

c) Paciência.
No processo da semeadura, a paciência é uma virtude
indispensável. Neste processo existem tarefas que são
dependentes do semeador, mas o surgimento da nova planta
não depende da sua capacidade, vontade ou ação. Ele terá que
esperar pelo processo natural definido pelo Criador.
24 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

Não depende do semeador a aceleração do processo de


colheita, pois ela tem o tempo certo e, por mais esforço que
o semeador empreenda, não fará adiantar esse processo. Da
mesma forma, no reino do Senhor, nós os semeadores não
podemos interferir no processo de nascimento da semente.
Por mais ansiosos que estejamos pelo novo nascimento das
pessoas, nosso trabalho consiste em “semear” e não o de fazer
brotar e produzir frutos.
Cada planta tem seu ciclo de nascimento, crescimento e
produção e isso não depende do agricultor. Assim é também
na tarefa de semear o evangelho, cada coração tem seu ciclo
de nascimento crescimento e produção, e isso independe da
nossa vontade, por isso a paciência é virtude indispensável ao
semeador.

d) Persistência.
Continuando essa comparação entre o semeador e o
pregador, podemos verificar que a persistência é outro elemento
indispensável em ambos os casos. Às vezes se planta e a chuva
não vem e então há a necessidade de replantar; ou, quando
uma praga atinge a plantação, isso vai exigir do agricultor um
novo esforço.
Da mesma forma, na semeadura do evangelho temos que
plantar e replantar quantas vezes se fizer necessário, até que
tenhamos êxito em nossa pregação.

6. O ENVIO NO MODELO DE JESUS

a) O movimento de Deus em direção à humanidade.


O envio de Cristo para a humanidade demonstra um
movimento de Deus em direção à humanidade, no desejo de
vê-la restaurada. Deus toma a iniciativa da salvação do homem
e isso se dá pela encarnação de Cristo e pela missão dada à
igreja.
O destino do Filho de Deus foi o mundo de Deus: “Assim
como o Pai me enviou”. “Assim como tu me enviaste
ao mundo, também eu vos enviei ao mundo”. O Cristo-
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homem veio ao mundo dos homens. Não a um mundo


ideal, mas ao mundo tal e qual ele é. Ele se reduziu a
uma cultura particular – ou, dito de outra maneira, a
um espaço-tempo-recado. Por que toda cultura está
limitada pela geografia, pela história e pela situação de
pecado. Jesus enviou sua igreja “como ele foi enviado”
ao mundo da história, da geografia e do pecado, o qual,
no entanto, é o mundo de Deus, o mundo das Escrituras.
(ARANA, 1992, p.83)

III. OS EVANGELHOS E A PREOCUPAÇÃO


COM OS PERDIDOS
Compreendemos, pelo estudo da Teologia Sistemática,
que toda a criação foi afetada pelo pecado. Toda criação foi
amaldiçoada por causa da queda, e assim podemos afirmar
que o homem causou um prejuízo universal. Jesus intervém
em nossa história para trazer de volta o homem que caiu no
pecado. Jesus não veio apenas para restaurar a nossa alma,
mas para reconstruir tudo aquilo que foi afetado pelo poder do
pecado.
O texto de Lucas 15 é composto de três parábolas. Em
todas elas temos semelhanças: Todas falam de algo de valor
que se perdeu, falam do esforço daquele que sofreu a perda
em reencontrar o bem perdido e todas falam da alegria e júbilo
quando o bem perdido é encontrado.
Fica muito evidente que a intenção de Jesus ao contar
essas histórias, que há goza no coração de Deus quando o
perdido é encontrado. Podemos definir o perdido como todo
aquele que não está numa íntima relação com Deus, e sempre
que alguém restabelece o vínculo com Deus, há júbilo no céu.

IV. A VISÃO DA GRANDE COMISSÃO


O texto de Mateus 28.18-20, comumente conhecido
como “a grande comissão” é o clímax, e ao mesmo tempo
uma síntese de vários temas abordados no decorrer de todo o
26 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

evangelho. Um exemplo desta abordagem é o da participação


dos gentios na genealogia de Jesus.
A visita dos magos no nascimento de Cristo e a sua
estadia no Egito por conta da perseguição estabelecida por
Herodes, exemplificam a proclamação universal da mensagem
de Cristo.
Vejamos a grande comissão na perspectiva estrutural do
texto de Mateus 28.18-20

1. A AFIRMAÇÃO DA AUTORIDADE DE JESUS.


A autoridade de Cristo é a afirmação que domina toda
a passagem de Mateus 28.18-20. As expressões, portanto
e eis que sinalizam que toda a passagem, tanto a ordem
(vão e façam), quanto a promessa (estarei convosco), estão
diretamente ligadas a afirmação da autoridade de Jesus.

2. A ORDEM DO DISCIPULADO.
Dois aspectos básicos do discipulado são revelados por
Jesus. O batismo como iniciação e a instrução como processo de
desenvolvimento dos novos convertidos na fé que abraçaram.

3. A PROMESSA DA PRESENÇA DE JESUS.


Como resultado de sua autoridade, e também como
garantia, Jesus promete sua presença constante com os
discípulos. Mateus não registra nada nos últimos capítulos
sobre o retorno de Jesus, provavelmente por que do seu ponto,
O Mestre não teria que voltar, porque nunca se ausentou de
seus discípulos.

4. A BASE DA GRANDE COMISSÃO ESTÁ NO


SENHORIO, PODER E AUTORIDADE DE CRISTO.
Jesus ressuscita e recebe de Deus-Pai a posição de
soberania absoluta. Nas palavras de Estevan Kirschener
(KIRSCHENER, 1996, p.38) este ato expressa a concessão
divina de seu poder e autoridade para agir.
A autoridade de Jesus não é um assunto novo e inédito
em Mateus. No decorrer do evangelho encontramos este tema
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 27

sendo amplamente explorado pelo evangelista. Mateus aborda


a autoridade de Jesus em dois momentos bem específicos: no
período pré-ressurreição e no período pós-ressurreição. A
autoridade do período pré-ressurreição é encontrada em fatos
e ocasiões como no ensino de Jesus (7.29), na sua capacidade
de perdoar pecados (9.6-8). A autoridade no período pós–
ressurreição é “autoridade conferida a partir da ressurreição e
é expandida tanto no céu como na terra; é autoridade cósmica,
universal em seu alcance e abrangência” (KIRSCHENER,
1996. p.36).
Depois da ressurreição Jesus assume a autoridade
cósmica (no céu e na terra) e universal que lhe é de direito. É
esta autoridade que se torna a base para a missão universal que
está prestes a ser anunciada. Ir e fazer discípulos preconiza o
Senhorio de Cristo entre as nações para que, posteriormente,
este senhorio seja sobre as nações.
O senhorio universal de Cristo exige uma missão que
seja universal.

5. O PROCESSO DO DISCIPULADO ÉAMETODOLOGIA


USADA NA GRANDE COMISSÃO.
A comissão de Jesus se baseia em sua autoridade absoluta
e sua funcionalidade se dá pelo discipulado. No Evangelho de
Mateus, fazer discípulos significa levar alguém a experimentar
um novo relacionamento com Cristo, na mesma proporção que
os discípulos já possuíam. Isto implica em chamar homens e
mulheres para seguirem a Jesus. Fazer discípulos não é apenas
confrontar ou desafiar o ouvinte, mas se responsabilizar pelo
que acontece ao receptor da mensagem.
Fazer discípulo não é uma ação destinada a um único
povo ou região. Embora Mateus 10.5 demonstre uma visão
limitada, existem outras referências no mesmo Evangelho que
antecipam o anúncio de Mt 28.18-20. Entre elas estão: Mt
8.11; 21.43; 22.8-10; 26.13.
Batizando e ensinando são adjetivos que dependem do
verbo principal, sem, contudo, levar a mesma força imperativa
28 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

do verbo. São dois particípios modais que expressam modo


ou maneira pela qual a ação do verbo principal se desenvolve.
Assim, batizando e ensinando, especificam o que está envolvido
no fazer discípulos. Os dois particípios não expressam um fim
em si mesmo. São características daquilo que a missão implica.
O batismo que Jesus estabelece com o discipulado deriva
seu significado e relevância da obra redentora de Cristo. É o
rito de iniciação, que representa a identificação e compromisso
com o Cristo morto e ressurreto. Este batismo tem a ver com
o relacionamento desses que foram feitos discípulos com a
Trindade.
O particípio ensinando impõe aos discípulos um papel
até então dos mestres. Não se trata de ensinar ideias abstratas,
mas de ética. Já na expressão todas as coisas que vos ordenei;
não se trata de ensinar tudo que Jesus falou, mas de ensinar a
obediência. Ensinado a obedecer.
Essa obediência é confirmação da autoridade de Cristo.
Fazer discípulo só é ato completo quando se leva uma vida em
que os mandamentos de Jesus são observados.

6. A GRANDE COMISSÃO TEM A GARANTIA DA


PRESENÇA DE CRISTO ATÉ O FIM DOS TEMPOS.
Esta é uma promessa com ares de certeza. O clímax do
evangelho termina como o livro começou, com a menção da
presença permanente de Jesus com os discípulos. Em Mateus
1.23 encontramos o Emanuel – Deus conosco. Algumas
implicações são importantes aqui:
• A presença permanente de Cristo é garantida por sua
autoridade absoluta;
• Sua presença é o equipamento necessário para o
desempenho da missão;
• Não há qualquer possibilidade de que presença de
Jesus esteja condicionada ao sucesso da missão;
• A presença de Jesus é a motivação para o desempenho
da missão proposta
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 29

V. MISSIO ECCLESIAE
As missões no passado carregavam na linguagem
centralizada nas igrejas da Europa e Estados Unidos. Era
a nossa missão, a nossa igreja, os nossos missionários.
A partir de Willingen (Alemanha 1952) passa a pensar
no missio Dei. A missão é de Deus e não nossa. “O
movimento missionário do qual fazemos parte tem com
fonte o Deus Trino”. A ideia desenvolvida era a de que
Deus era ao mesmo em Jesus o que envia e o enviado.
Deus enviou o Filho, que enviou o Espírito, que envia a
igreja ao mundo. Posteriormente, veio também a ênfase
no missio ecclesiae, ou seja: Não existe participação em
Cristo sem a participação na sua missão. (BARRO, 1999.
p 1)

Fora da igreja não existe missão. É dentro do contexto do


corpo de Cristo que se manifesta o poder para a proclamação do
evangelho. No livro de Atos somos informados da capacitação
do Espírito Santo (At 1.8). Neste texto a ênfase de Jesus é sobre
o grupo de discípulos. Quando ele diz: Recebereis poder, está
se referindo ao grupo, ou seja, fora do âmbito do corpo não há
poder do Espírito.
CAPÍTULO 3

A MISSIOLOGIA DE
LUCAS / ATOS

D estacar a teologia de missão de Atos parece uma tarefa


razoavelmente simples, uma vez que ler os atos dos
apóstolos somos remetidos a um período de expansão
da igreja. No entanto a tarefa não é tão simples.
No desejo de abranger essa dimensão do livro é que
propomos, em primeiro lugar, entender a cosmovisão de seu
autor. Queremos neste estudo compreender um pouco mais de
Lucas, que é mais do que médico e historiador, é na verdade
um grande teólogo. Em seguida faremos um resumo do que
seriam alguns princípios missionários do livro de Atos.

I. A IMPORTÂNCIA DOS ESCRITOS DE


LUCAS PARA A COMPREENSÃO DE SUA
VISÃO MISSIONÁRIA.
Lucas tem uma compreensão de missão diferente
de Mateus e Paulo. No entanto é inegável a importância
que desempenha o texto da “grande comissão” de Mateus,
especialmente no sentido de dar à igreja ocidental uma
fundamentação bíblica da missão da igreja.
Outra passagem do Novo Testamento tem tomado lugar
no debate sobre o fundamento da missão da igreja. Estamos
falando da versão dada por Lucas do episodio ocorrido em
Nazaré, terra natal de Jesus, quando este na sinagoga aplica
a si mesmo e ao seu ministério a profecia de Isaias 61.1s. De
32 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

acordo com (BOSCH, 2002, p. 113) para efeitos práticos, Lc


4.16-21 substituiu a “grande comissão” de Mateus como texto
chave não só para entender a missão do próprio Cristo, mas
também a da igreja.

1. OS FATORES QUE OCASIONARAM OS ESCRITOS


DE LUCAS.
Lucas talvez seja o único autor gentílico entre os escritos
do Novo Testamento e as razões e as circunstâncias que
motivaram a escrita de dois e não apenas um documento, não
pode ser ignorado e nem desprezado neste momento em que
nos propomos entender a sua percepção da missão de Cristo
legada à igreja.
Assim como Mateus, os escritos de Lucas foram anotados
provavelmente na década de 60 D.C, (podendo ser até a década
de 80 D.C) muito provavelmente usando as mesmas fontes,
sendo uma delas o evangelho de marcos.
Nos anos que se passaram muitas coisas aconteceram.
Fatos marcantes ocorreram, dentre eles, como destaca
(BOSCH, 2002, p.114): “a igreja cristã, que iniciara como
um movimento de renovação do judaísmo (...) já não estava
atraindo um número significativo de judeus para a fé em Jesus
Cristo”. Para todos os efeitos práticos, havia se tornado uma
igreja gentílica.
Outro elemento importante é que a igreja havia
experimentado um grande impulso missionário com Paulo.
Esse foi um momento de transição, havia agora uma igreja que
já contemplava a segunda geração de convertidos, e que em
muitos casos sofriam com alguns dilemas em relação à fé. Um
desses dilemas dizia respeito à volta de Cristo, prometida e
aguardada com muito fervor pela primeira geração de crentes.
O surgimento de movimentos heréticos também criou
abalos nessa igreja, que, mesmo tendo se expandido, parecia
sofrer um momento de estagnação. (BOSCH, 2002) diz que:
A fé da igreja era posta a prova em pelo menos duas
frentes: a partir de dentro, houve um esmorecimento do
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 33

entusiasmo; a partir de fora, havia hostilidade e oposição


tanto da parte de judeus quanto de pagãos.

Talvez o principal dilema enfrentado pela igreja nessa


nova fase seja o da identidade: Quem somos nós? Qual a nossa
relação com o judaísmo? Somos uma nova religião ou uma
renovação do judaísmo? A tentativa de ajudar esses novos
crentes talvez tenha sido a motivação de todos os evangelistas.
A história precisava ser compreendida, a fé revigorada, e
é nesse sentido que, segundo (BOSCH, 2002), Lucas ofereceu
essa reinterpretação de um modo singular. Ele sustentou que
os cristãos do seu tempo não estavam em situação menos
vantajosa do que os primeiros discípulos de Jesus; que o
Senhor ressurreto ainda estava com eles, particularmente
através de seu Espírito, o qual os orientava continuamente para
assumirem novas aventuras.

2. A ÊNFASE DOS ESCRITOS DE LUCAS.


Não compreendemos Atos como um texto tardio,
resultado de uma reflexão posterior de Lucas, mas como um
texto intencionalmente escrito, ou seja, desde o princípio Lucas
desejava escrever dois volumes. Isso fica claro na maneira
como ele estrutura seus escritos. No evangelho, Lucas faz uma
única menção à missão aos gentios (Lc. 24.47). Essa missão
foi deixada para ser mencionada no segundo livro, porque essa
tarefa é da igreja e não do Jesus terreno. Conforme (BOSCH,
2002) o Evangelho nos leva até o limiar dessa missão. O livro
de atos contará essa história em detalhes.
Lucas apresenta Jesus como o filho do homem, rejeitado
pelos judeus e oferecido aos gentios. Nesta apresentação
Jesus é visto como o salvador universal. Esta visão encaixa-
se perfeitamente com o tema e propósito de Atos, porque, nos
relatos do livro, Lucas está intensamente envolvido com Paulo
na missão aos gentios.
Neste desenvolvimento certos temas são presentes nos
escritos lucanos, como fala (BOSCH, 2002):

O ministério do Espírito Santo, a centralidade


do arrependimento e do perdão, da oração, do
34 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

amor e da aceitação dos inimigos, da justiça,


da equidade nos relacionamentos interpessoais.

A ênfase de Lucas em seus escritos não recai somente


sobre temas relevantes, mas também sobre classes de pessoas.
Ainda de acordo com (BOSCH, 2002), no topo da lista, ao
menos no que diz respeito ao Evangelho, estão os pobres.
Também deve ser observada a ênfase na associação de Jesus
com as mulheres, os coletores de impostos e os samaritanos,
uma assombrosa ultrapassagem da barreira social e religiosa
existente na sociedade patriarcal de sua época.
Todo o ministério de Jesus e seus relacionamentos com
grupos e pessoas marginalizadas testemunham, nos escritos de
Lucas, que a compaixão de Jesus ultrapassa fronteiras, atitude
que a igreja é chamada a imitar.

II. ELEMENTOS DE COMPOSIÇÃO DA VISÃO


MISSIONÁRIA DE LUCAS
1. O RELACIONAMENTO ENTRE A MISSÃO AOS
JUDEUS E A MISSÃO AOS GENTIOS.
O relacionamento entre a missão aos judeus e aos gentios
é presente em todo o pensamento lucano.
Lucas certamente tem uma compreensão
teológica geral de uma missão aos judeus
e gentios, mesmo que a forma como ele
desenvolve isso nem sempre satisfaça as
exigências ocidentais modernas de coerência
lógica. (BOSCH, 2002.p 117).

Essa forma sutil de Lucas abordar um tema tão importante


é possível de ser percebido em quatro movimentos:

a) O desenvolvimento geográfico que ele dá aos dois livros.


Uma das maneiras que temos de compreender a unidade
entre as duas obras de Lucas é observarmos como ele faz uso
da geografia. No Evangelho, Lucas relata o ministério de Jesus
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 35

em três estágios diferentes, todos eles divididos pela geografia.


A primeira parte do livro mostra o ministério de Jesus na
Galiléia (4.14-9.50); a segunda parte do evangelho narra a
descida de Jesus da Galiléia para Jerusalém (9.51-19.40) e
a última parte descreve as atividades de Jesus em Jerusalém
(19.41, até o fim). A partir daí Jerusalém se torna o centro das
narrativas de Lucas.
Em Atos encontramos a mesma configuração, com a
igreja se desenvolvendo em três fases. Tomando como base o
texto de Atos 1.8, vemos que a ordem de Jesus estabelece essas
fases de avanço simultâneo para a igreja.
Uma das maneiras que temos de esboçar o livro de
Atos é através da geografia. Os capítulos iniciais de Atos se
preocupam em relatar o nascimento da igreja em Jerusalém; a
segunda parte do livro relata a expansão da igreja em Samaria
e região, enquanto que a terceira parte expõe o avanço da igreja
para todas as regiões, chegando até na capital do império.
Dessa forma podemos montar um esboço de Lucas e Atos a
partir da geografia.

b) A interpretação que Jesus dá ao texto de Isaias 61.


No texto de Lucas 4 a reação dos ouvintes é muito
forte. Por um lado eles estão com muita expectativa, por outro
lado há uma reação muito forte ao discurso de Jesus. Segundo
(BOSCH, 2002) isso se dá pelo fato de “Jesus apropriar-se,
de maneira confiante e enfática, de uma profecia do Antigo
Testamento e a aplicar à sua pessoa e seu ministério”. O
Espírito do Senhor está sobre ele e o ungiu.
Mas o que chocou tanto aqueles que ouviram a Jesus?
(BOSCH, 2002) sugere que ele lhes comunicou, entre outras
coisas, que Deus era não apenas o Deus de Israel, mas também,
de igual modo, dos gentios. Deus não está vinculado a uma
nação, e isto é uma tônica de Atos, em que o evangelho é
pregado sem distinção. O fato de os judeus rejeitarem a Jesus
em Nazaré também tem um significado especial em Atos,
uma vez que, repetidamente, no livro de Atos o evangelho
é oferecido aos judeus, que o recusam e, como resultado, os
apóstolos se voltam aos gentios.
36 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

c) Os encontros de Jesus com os samaritanos.


Com relação aos samaritanos, a postura de Lucas também
é relevante. De acordo com (BOSCH, 2002), Marcos não faz
qualquer referência a samaritanos, ao passo que Mateus só
registra a proibição de Jesus de entrar em qualquer cidade
samaritana (Mt 10.5).
Lucas, por outro lado, faz diversas referências dessas,
das quais pelo menos algumas são altamente significativas para
o propósito de Lucas – Atos, ou seja, mostrar que a missão aos
samaritanos foi o início da missão aos gentios e fazia parte do
plano divino.
Lucas menciona pelo menos três encontros de Jesus com
os samaritanos na parte central do seu evangelho. A primeira
menção em 9.51-56. Nesse episódio Jesus envia mensageiros
para preparar hospedagem numa cidade samaritana, mas seus
habitantes recusam hospedar o Mestre. Isto provoca a ira de
Tiago e João, que pedem a Jesus que mande fogo do céu para
consumir os samaritanos, mas são repreendidos pelo Filho de
Deus. Essa atitude de João e Tiago pode ser compreendida à
luz da história desses dois grupos de Israel: Os samaritanos são
considerados impuros por profanarem o templo e pela matança
de um grupo de judeus.
O que é incompreensível é a atitude de Jesus, o que
reflete, segundo (BOSCH, 2002), uma negação explícita e
ativa por parte de Jesus na lei da retaliação, apontando assim
para uma missão que ultrapassaria as fronteiras israelitas.
A segunda menção de Lucas aos samaritanos é na
parábola do bom samaritano. (10.25-37). Precisamos ter em
mente que para o judeu do tempo de Jesus o samaritano era um
representante da não humanidade. Ele é um inimigo de Deus.
É este sujeito que Jesus enaltece como aquele que oferece
amparo ao que está à margem do caminho. Este evento sugere
que fora do circulo religioso judaico, existe ação graciosa, que
aqueles considerados profanos podem se tornar portadores de
bondade e misericórdia.
A terceira menção que Lucas faz aos samaritanos em
seu evangelho é na cura dos dez leprosos (17.11-19). Neste
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 37

episódio dez homens se aproximam de Jesus e pedem que sejam


curados. Os doentes eram nove judeus e um samaritano. Todos
são enviados ao sacerdote e apenas um retorna para agradecer
a Jesus pelo benefício recebido, justamente o samaritano. A
palavra de Jesus ao homem grato é que ele fora salvo por causa
da manifestação de sua fé. Isso “aponta claramente para o
fato de que a salvação também veio a esse povo desprezado”
(BOSCH, 2002.p, 121).

d) A atitude positiva de Lucas para com os judeus


Lucas não é tão duro com os judeus como foi, por
exemplo, Mateus. Ele tenta manter um clima de cortesia
e simpatia. Em Lucas os fariseus nunca são chamados de
hipócritas ou de guias de cegos. Lucas relata que Jesus, por
três ocasiões diferentes, esteve na casa de fariseus e faz essas
narrativas para “exaltar a atitude de Jesus, não com a intenção
de censurá-lo. Só em Lucas o crucificado ora dizendo: Perdoa-
lhes porque não sabem o que fazem” (BOSCH, 2002.p, 122).
O desejo de Deus sempre foi, a partir de Israel, revelar
sua glória ao mundo, e, com a aceitação do evangelho, esses
judeus crentes cumprem a vontade de Deus: Eles são o renovo.
Com isso podemos afirmar que a missão aos gentios não foi
uma mudança de rota, os gentios não foram procurados porque
os judeus rejeitaram o evangelho.
Lucas não descreve a igreja cristã como uma espécie de
terceira raça, que se somaria aos judeus e gentios. Para ele,
antes, a comunidade cristã consiste dos judeus convertidos,
aos quais se acrescentaram gentios convertidos. A igreja cristã
não começou como uma entidade nova no dia do pentecostes.
Naquele dia muitos judeus tornaram-se o que verdadeiramente
eram: Israel.
Subsequentemente os gentios foram incorporados
a Israel. Os cristãos gentílicos são parte de Israel, não um
novo Israel. Não há ruptura na história da salvação. Não se
converter significa ser expurgado de Israel. A conversão
significa participação na aliança com Abraão. A igreja nasce
no seio do Israel antigo, não como um intruso reivindicando
38 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

prerrogativas. (BOSCH, 2002.p, 127).

2. O INTERESSE PELOS POBRES E MARGINALIZADOS


Uma leitura simples do evangelho de Lucas revela a grande
preocupação do evangelista com os grupos marginalizados da
sociedade de sua época. (1.53; 6.20,24; 12.16-21; 16.19-31;
19.1-10). Todos esses eventos são encontrados somente em
Lucas. Na versão lucana do Pai Nosso ele diz “perdoa nossas
dívidas”, dando uma conotação monetária, enquanto Mateus
usa “perdoa nossas ofensas” termo que sugere mais uma
questão relacional.
Lucas, ao contrario de Mateus e Marcos, faz uso
constante da palavra “ptochos” (Dez vezes em Lucas e cinco
vezes em Mateus e Marcos).
Se não tivéssemos Lucas provavelmente teríamos
perdido uma parte importante, se não a mais importante,
da tradição protocristã e sua imensa preocupação com
a figura e mensagem de Jesus como a esperança dos
pobres. (SCHOTTROFF & STEGEMANN apud BOSCH,
2002.p, 130).

a) Quem é o pobre?
A etimologia da palavra pobre tem conexão com “fardo”,
“peso”. No grego antigo eram usadas duas palavras para definir
o pobre. A primeira (penēs) se refere ao homem que não tem
condições de viver com sua renda, mas tem que trabalhar com
as próprias mãos. A segunda é (ptochos) que é a palavra usada
para aquele que é pobre o suficiente para mendigar, e que
precisa de socorro.
Essa concepção grega migra para as páginas do Antigo
Testamento. Na concepção hebraica (penēs) se emprega
para aqueles que são oprimidos jurídica e economicamente,
enquanto (ptochos) é aquele que precisa de esmolas.
Existe uma clara concepção no Antigo Testamento que
Deus faz prosperar aqueles que são justos, que guardam os
seus mandamentos, mas apesar dessa convicção a pobreza
sempre existiu entre o povo judeu. Segundo o Novo
Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, o
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 39

empobrecimento da população era entendido não só com um


problema social, mas também religioso, pois era compreendida
como resultado da quebra da lei divina (BROWN, 1989). O
Novo Dicionário da Bíblia amplia essa discussão, esclarecendo
outras causas para a pobreza existente entre o povo israelita.
A pobreza dos mesmos pode ter sido causada por meio
de desastres naturais que conduzira a más colheitas, por
meio de invasões de inimigos, por meio de opressão
por parte de vizinhos poderosos, ou por meio de usura
extorsiva. (DOUGLAS, 1995)

A relação para com o pobre sempre teve uma atenção


especial por parte de Javé. Foram criadas leis claras em relação
ao pobre, que deveriam ser observadas pelos ricos, para que se
estabelecesse a justiça social. A lei estipulava que:
• Se alguém, por motivo de dívidas, tivesse que ser
vendido como escravo, no ano do jubileu deveria ser
liberto;
• O produto da colheita no ano do descanso era do pobre;
• Era expressamente proibido explorar ou oprimir o
pobre;
• O próprio Javé se proclama como o protetor dos pobres.

A visão teológica revela que o pobre é aquele que sofre


a injustiça, a opressão. Como a pobreza era concebida como
fruto indireto da desobediência a lei de Javé, a pessoa que se
tornou pobre porque outros desobedeceram a lei, era então
considerada injustiçada e podia buscar em Javé o alívio de suas
necessidades. Diante dessa volta constante a Javé, passou-se a
considerar também a ideia de que pobre é todo aquele que se
volta a Deus buscando socorro.
Não podemos simplesmente espiritualizar essa
definição, como fazem alguns estudiosos. A palavra ptochos
é um termo geral, abrangente que traduz a ideia de todos os
que se encontram em uma situação de desvantagem, engloba
a todos os que por algum motivo vivenciam a miséria e se
tornam necessitados.
40 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

b) Qual a mensagem aos pobres?


Lucas reúne todos os marginalizados sob a figura do pobre
e o faz com a intenção de mostrar que eles são necessitados de
boas novas.
A construção do texto de Lucas 4 é muito rica e precisa
de nossa atenção: Primeiro, para a citação de Isaias 61.1. Este
texto é uma profecia aos judeus que retornam do exílio, com
o objetivo de encorajá-los “assegurando que Deus não se
esquecera deles, mas virá em seu socorro introduzindo o ano
aceitável do Senhor”. (BOSCH, 2002.p.132). Em segundo
lugar temos que considerar a inserção feita por Lucas, de parte
do texto de Isaias 58.6 “colocar em liberdade os cativos”.
Esse texto encontra-se num perfil social, uma critica social que
Isaias faz do seu povo.
Ele encontra-se no contexto da crítica profética de
discrepâncias sociais existentes em Judá, da exploração
dos pobres pelos ricos. Mesmo num dia de jejum os
ricos perseguem seus próprios interesses, fazem seus
empregados trabalharem mais duramente (v.3) e altercam
com aqueles lhes devem dinheiro (BOSCH 2002).

A realidade dos judeus que voltam do exílio é terrível,


muitos perderam todos os seus bens e em alguns casos, se
venderam ou venderam seus filhos para pagar o tributo cobrado
pelo rei persa. Os oprimidos de Isaias 58.6:
Devem ser entendidos como as pessoas que
estão economicamente arruinadas, que haviam
se tornado escravos e não tinham esperança
de escapar das garras sufocantes da pobreza.
(BOSCH, 2002.p.133).

Somente a boa nova do ano aceitável do Senhor poderia


alentar algum tipo de alivio a tais corações.

c) Zaqueu e Barnabé: Paradigmas para os cristãos ricos.


Ao contrário da mensagem de alguns teólogos da
libertação, que pregam um evangelho para os pobres, nem
Jesus, nem o evangelho é preferencialmente para os pobres ou
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 41

qualquer outro grupo isolado. Lucas deixa em evidência que


Jesus se relaciona com pessoas ricas. O livro de Atos registra
que pessoas de posse se juntaram a igreja.
O evangelho traz a manifestação da justiça em todos
os seus sentidos, o que inclui o aspecto social, sendo assim
o evangelho de Jesus deve promover a boa convivência entre
pobres e ricos. A clara intenção de Lucas é:
Que as pessoas ricas e respeitáveis se
reconciliem com a mensagem e o modo de vida
de Jesus e de seus discípulos; quer motivá-los
para uma conversão que esteja de acordo com
a mensagem social de Jesus. (SCHOTTROFF &
STEGEMANN apud BOSCH, 2002).

O teor dessa mensagem pode ser observado no contraste


que Lucas faz entre dois personagens do evangelho, Zaqueu e
o jovem rico; e outros dois Atos, Barnabé e Ananias. Ananias e
o jovem são homens ricos que, em confronto com a mensagem
de Jesus, reagem negativamente; enquanto que Zaqueu e
Barnabé, que também são homens ricos, em confronto com
a mesma mensagem, reagem positivamente. Analisando esses
personagens fica ainda mais evidente o contraste, se tomarmos
como paradigma Zaqueu e o jovem rico.
De um lado temos um homem zeloso e cumpridor da
lei, moralmente aceito e reconhecido em seu meio social, um
homem exemplar, do qual todos tinham plena convicção de
que seria aceito no reino de Deus. Do outro lado temos um
homem que é cobrador de impostos, que socialmente tinha um
estilo de vida desonroso e que todos tinham certeza seria um
dos habitantes do Sheol.
Lucas não condena o fato de ser rico. A questão levantada
por ele é que o cristão deve ser rico seguindo a conduta social
de Jesus, como fizeram Barnabé e Zaqueu.
Tanto Isaias 58.5, quanto o evangelho de Lucas
dirigem-se aos ricos. Ambos desejam inspirá-
los a realizar feitos extraordinários e de amplas
conseqüências, a renunciar a grande parte
de suas posses e desistir de cobrar dividas, e
42 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

a dar esmolas de modo geral, aliviando dessa


maneira, a difícil situação dos membros pobres
da comunidade. Isaias 58.5-9 falou ao estrato
superior da comunidade imediatamente depois
do exílio, em meio a uma grave crise social;
Lucas dirige sua obra de dois volumes ao estrato
superior da comunidade helenística. (ALBERTZ
apud BOSCH, 2002.p, 135).

3. A COMPREENSÃO DE ARREPENDIMENTO,
PERDÃO E SALVAÇÃO.
É muito frágil a argumentação de que o evangelho seja
para este ou aquele grupo. O evangelho é para o ser humano
caído e excluído da presença de Deus. Sendo assim pobres e
ricos carecem da graça de Cristo para a obtenção de livramento
de seus pecados e o cancelamento de sua dívida com a justiça
de Deus.
Os pobres são pecadores como todas as outras
pessoas, porque, em última análise, a pecaminosidade
está enraizada no coração humano. Assim como os
materialmente ricos podem ser espiritualmente pobres,
os materialmente pobres podem ser espiritualmente
pobres. (BOSCH, 2002.p.136).

Lucas faz uso intenso de soteria e soterion nos dois


volumes de sua obra, seis vezes no Evangelho e duas vezes
em Atos. Dos outros evangelistas, João só as utiliza uma vez,
enquanto Mateus e Marcos não fazem uso delas nos seus
escrotos.
Do ponto de vista de Lucas, a salvação tem Cristo como
o sujeito principal. Entre os sinóticos, Lucas é o único a chamar
Jesus de salvador (Lc 2.11; At 5.31; 13.23).
A salvação em Lucas “inclui a transformação total da
vida humana, o perdão do pecado, a cura das enfermidades e
a libertação de qualquer tipo de escravidão.” (BOSCH, 2002.
p, 139). Que tipo de libertação ou transformação os judeus e
gentios precisam experimentar em sua vida para alcançar a
salvação? A mensagem dos apóstolos, especialmente Pedro,
indica que é necessário se arrepender de seus pecados. Para
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 43

Bosch “judeus e gentios têm pecados diferentes” (BOSCH,


2002. p, 138). Os judeus por terem participado na morte de
Jesus (At 2.36-40), enquanto os gentios devem se arrepender
da adoração aos ídolos (Rm 1.18-32).
O pecado na teologia lucana é está relacionado á conduta
moral, em particular no que diz respeito ao meu semelhante.
Isso já se torna evidente no relato Lucano acerca do
ministério de João Batista (3.10-14). De igual maneira o rico
da parábola (16.19-31) é considerado pecador porque não
mostra compaixão para com Lázaro. O sacerdote e o levita são,
por implicação, retratados como pecadores na medida em que
ignoraram os apuros em que se encontra o a pessoa que caiu
nas mãos de salteadores (10.30-37). O filho pródigo (15.11-32)
pecou contra o céu e contra seu pai, por sua conduta, porém,
mais ainda pela maneira como tratou o pai. (BOSCH, 2002. p,
138).
A ampliação do conceito de salvação nos mostra
que o ato de redenção “implica a reversão de todas as más
conseqüências do pecado, tanto contra Deus, quanto contra
o próximo. Ela não tem só uma dimensão vertical.” (BOSCH,
2002.p, 140).
A salvação não pode ser compreendida como um ato
isolado no coração da pessoa, isso torna a salvação subjetiva
demais, enquanto Lucas nos demonstra que a salvação deve
ser um elemento de objetividade, relembrando os princípios
de retribuição presentes na lei de Moises. “A libertação de
também é libertação para; do contrário não é expressão da
salvação. E a libertação para sempre implica em amor a Deus
e ao próximo.” (BOSCH, 2002. p, 140).
Isso significa que não podemos reduzir os efeitos da
salvação na conduta de uma pessoa. A salvação deve ser tratada
como algo maior do que tem sido pregado em nossos dias.
Qualquer pessoa que reduza o seguimento de
Jesus a um empreendimento do coração, da
cabeça e de relações interpessoais privadas
restringe o seguimento de Jesus e trivializa o
próprio Jesus. (SCHOTTROFF & STEGEMANN
apud BOSCH, 2002.p, 140).
44 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

Em Lucas, Jesus é apresentado como aquele que se volta


para o necessitado, marginalizado, e lhe dá um lugar no reino
de Deus. Assim, a missão da igreja no livro de Atos é uma
missão salvadora, como foi a obra do Senhor.

4. O MINISTÉRIO DE JESUS QUE VISA SUPLANTAR


A VINGANÇA
A mensagem inaugural do ministério público de Jesus,
numa sinagoga na Galiléia, era uma mensagem de libertação,
do anúncio do “ano aceitável do Senhor”. O messias anunciado
pelos profetas e esperado por Israel era um libertador. “as
pessoas criam que o messias restabeleceria a dinastia de Davi
e libertaria o povo de toda opressão estrangeira” (TROCMÉ,
2004. p.13).
A quebra de expectativa gerada por Jesus se deu quando
ele para seu discurso sem enunciar a frase seguinte, que
anunciaria ao dia da vingança.

Quando Jesus leu o livro de Isaías (61) na


sinagoga, a congregação provavelmente
esperava que ele anunciasse vingança contra
os inimigos, especialmente contra os romanos.
Uma vingança que seria o passo preliminar
rumo à época de libertação. Eles estavam
esperando ardentemente um sermão com
impulso revolucionário e talvez as palavras
iniciais de Jesus: “Hoje se cumpriu a Escritura
que acabais de ouvir”, atiçou ainda mais essa
expectativa. (BOSCH, 2002. p,143).

Ford chama a nossa atenção para o fato de que a missão


de Jesus, a partir do ponto de vista de Lucas, tem um aspecto
que vem sendo negligenciado ao longo do tempo, que é o
aspecto da pacificação, da retribuição não violenta ao mal; da
futilidade e natureza autodestrutiva da vingança e do ódio.
Ao longo do seu evangelho, Lucas detalha como essa
atitude pacificadora de Jesus foi vivenciada. O apóstolo deixa
claro que a missão de Jesus é de compaixão para com os pobres
e marginalizados, até mesmo para o inimigo. “Ele é o ungido
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 45

de Deus que anunciará um ano de favor, tanto para os judeus,


quanto para os seus oponentes” (BOSCH, 2002. p, 144).
A mensagem do messias suplanta a vingança e em
episódios como a atitude de Jesus para com os samaritanos,
em que Tiago e João pedem para descer fogo do céu, diante
da recusa em dar hospedagem a Jesus é uma evidência de que
Jesus não quer adotar sentimentos vingativos. Outro episódio
relatado por Lucas que destaca essa atitude pacificadora de
Jesus é encontrado no capítulo 13.1-5. Os ouvintes de Jesus
esperam que ele exprima sua reprovação aos romanos, mas
ao invés disso Jesus usa essa situação para chamá-los ao
arrependimento no lugar do sentimento de vingança. A
própria atitude de Jesus diante de seus algozes ressalta o
seu compromisso com a não violência. Seu comportamento
nos eventos que ocorreram durante sua crucificação e morte
ressalta a completa ausência do sentimento de vingança.
Sua oração, juntamente com a palavra de perdão
dirigida aos criminosos da cruz, ambos relatados somente por
Lucas, mostra que, mesmo ao sofrer a morte de um escravo
e criminoso, Jesus voltou-se em amor e perdão para os
marginalizados e inimigos, vivenciando assim, uma ética que
era completamente contrária à ideologia militante, tanto dos
opressores quanto dos oprimidos. (FORD apud BOSCH 2002.
p, 145-146).
Lucas está convencido de que o evangelho de Jesus é
pacificador, que estimula o perdão e o amor aos inimigos. No
reino de Cristo não há espaço para a vingança e o ódio.

III. OS PRINCÍPIOS MISSIONÁRIOS DE ATOS


Atos é uma continuação de Lucas. A motivação de Lucas
ao escrever Atos é continuar mostrando os atos de Jesus através
do seu Espírito na vida dos crentes. Lucas mostra o surgimento
da igreja, a descida do Espírito e ampliação do reino de Deus,
ainda que debaixo de perseguição. O livro mostra ainda, a
transição da igreja de Jerusalém, Antioquia para Roma. Atos é
um livro de movimento, começa com a igreja judaica e termina
com a igreja gentílica.
46 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

Da compreensão da mente de Lucas como teólogo e do


objetivo do autor em escrever esse livro, podemos extrair os
seguintes princípios missionários do livro de Atos.

1. A SIMULTANEIDADE DA MISSÃO
Uma grande confusão que se estabelece em nossa mente,
com relação ao desenvolvimento da missão: Ela é simultânea?
Ou progressiva?
A missão da igreja deve ser local e global ao mesmo
tempo. (Atos 1.8). A manifestação de Atos 2, revela que o
enchimento do Espírito é para capacitar a igreja ao cumprimento
da missão. A igreja por mais santa e consagrada, continua
imperfeita e incapaz de conduzir a obra de Deus, por essa
razão ela é capacitada por Deus com a plenitude do Espírito.
Deus capacitou a igreja com poder e autoridade. Poder
é a capacitação que necessitamos para realizarmos a tarefa
que nos foi designada. Sem este poder não temos como levar
adiante uma tarefa que é maior que a nossa capacidade de
ação. O mecanismo que Deus nos deu é a simultaneidade:
“tanto em”, “como em”. A igreja, portanto, só pode agir na
dinâmica do Espírito. A igreja que não cumpre a missão de ir
a todos os lugares ao mesmo tempo não tem em si a habitação
do Espírito.

2. A MISSÃO TEM COMO BASE A IGREJA LOCAL.


Missões é basicamente uma responsabilidade da igreja
local. Ela é o celeiro de missionários, é dela que saem os
recursos para missões e por ela devem ser administrados. Ela
é quem deve se preocupar com grupos não alcançados em sua
cidade, região e mundo. (DEL PINO, 1993.p.55).
Essa tarefa de fazer discípulos em todas as partes é
trabalho da igreja, enquanto corpo de Cristo.
A missão da igreja, e por tanto das igrejas,
é proclamar o evangelho de Cristo e reunir
os crentes em igrejas locais onde podem ser
edificados na fé e tornados eficazes no serviço, e
assim implantar novas congregações no mundo
inteiro. (HESSELGRAVE, 1995. p.13).
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 47

A igreja local é a base de toda o operação de Deus,


porque nela encontramos o material humano necessário para o
serviço. O livro de Atos nos relata que na igreja em Antioquia
haviam pastores e mestres.
Os primeiros enviados da igreja não vieram de
organizações paraeclesiásticas, mas sim da igreja. Além do
mais sabemos que é na igreja que o poder de Deus age. A
capacitação do Espírito é para o cristão. Os crentes da igreja de
Antioquia serviam ao Senhor quando receberam a incumbência
de enviar a Barnabé e a Saulo.

3. A PRIORIDADE MISSIONÁRIA DA IGREJA É


FAZER DISCÍPULOS.
A prioridade da igreja é fazer discípulos. Essa foi a
tarefa que Jesus nos incumbiu. Como já citamos acima fazer
discípulos implica em conduzir todo homem a obedecer a
Cristo. A missão da igreja consiste em levar a humanidade
a estado de obediência ao Criador. O que encontramos no
livro de Atos é exatamente essa preocupação. Por todos os
lugares por onde Paulo passou anunciando o Evangelho fica
evidente que ele priorizou o ensino dos fundamentos da fé.
Isso é mais claro e evidente nos casos de Corinto, em que ele
passou dezoito meses, provavelmente na consolidação da fé
dos novos convertidos. Em Éfeso, ele ficou por mais de três
anos ensinando o evangelho.
CAPÍTULO 4

A MISSÃO NA
PERSPECTIVA DE PAULO

I. A MOTIVAÇÃO MISSIONÁRIA DE PAULO


Ninguém jamais conseguiria sofrer tantas privações e
provações como Paulo sofreu sem que sua motivação fosse
realmente verdadeira.
O que motivou Paulo a sair por toda a bacia do
mediterrâneo anunciando uma mensagem que parecia loucura
para os gregos e era desprezada pelos judeus? Paulo estava
motivado por suas convicções teológicas. Essas convicções
foram tão fortes que o impulsionou a ir pelo mundo pregando
o evangelho e plantando igrejas.
Davi Bosch sugere que três motivos missionários agiam
em Paulo, o senso de preocupação, o senso de responsabilidade
e o senso de gratidão. Augustus Nicodemos em seu artigo
intitulado “Paulo um plantador de igrejas – Repensando os
fundamentos bíblicos da obra missionária”, afirma que a
motivação do Apóstolo dos Gentios para sair por pelo império
anunciando o evangelho e plantando novas igrejas era a sua
convicção teológica. Ainda de acordo com Nicodemos são três
as convicções teológicas de Paulo que o movia na expansão
do evangelho. Primeiro era a convicção de que os últimos dias
haviam chegado, a segunda convicção era a de que a igreja
encarna a plenitude das promessas de Deus e, terceiro, era a
convicção de que Deus o havia chamado para edificar essa
igreja.
50 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

II. A POLÍTICA MISSIONÁRIA DE PAULO


Segundo John Stott “a maior diferença entre Paulo e nós
é que ele fundava igreja enquanto nós fundamos organizações”
(STOTT, 1990. p, 234).
Podemos dizer que a política missionária de Paulo girava
em torno de três eixos centrais: o ensino apostólico, o cuidado
pastoral e confiança em Deus.

III. A ESTRATÉGIA MISSIONÁRIA DE


PAULO – O EXEMPLO DE CORINTO
A cidade de Corinto localizava-se num istmo estreito
de apenas seis quilômetros de largura, que faz a interligação
do sul da Grécia com o restante do país.
Esta posição geográfica privilegiada fez com que a
cidade de Corinto se transformasse num dos principais centros
comercias do mundo antigo. Como diz Prior (1985, p. 11) por
terra todos passavam por ela, pelo mar os marinheiros preferiam
usar os portos de Lequeu e Cencréia, que flanqueavam a
cidade nos dois extremos do istmo, isto para não circundar as
perigosas águas do cabo de Maleia, um percurso de mais de
320 quilômetros.
Nero, imperador romano (40-66 D. C), tentou de
forma frustrada construir um canal neste istmo, para facilitar a
navegação naquela região. O canal de Corinto só foi terminado
em 1893.

1. CORINTO ERA UM CENTRO RELIGIOSO


Corinto tornou-se uma cidade próspera, e também
licenciosa. Viver em Corinto era sinônimo de licenciosidade,
a evidência disso é que os gregos tinham uma palavra para
designar uma vida de libertinagem: korinthiazein, isto é viver
como um Corinto. (PRIOR, 1985, p.11) A licenciosidade de
Corinto era evidenciada em sua prática religiosa. A religiosidade
dos corintos era caracterizada por alguns aspectos:
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 51

a) Culto dedicado à glorificação do sexo.


A cidade estava ao pé do Acrocorinto, uma montanha
com mais de 560 metros de altura, sobre a qual se encontrava
o grande templo de Afrodite, a deusa grega do amor.
O templo contava com mil sacerdotisas do templo, que
eram prostitutas cultuais, que sempre ao cair da tarde desciam
à cidade para oferecer seus serviços sexuais.

b) Culto dedicado à glorificação do corpo.


Além do templo de Afrodite, no centro da cidade estava
o Templo de Apolo. Ele era o deus da música, do canto e da
poesia; o deus Apolo representava o ideal da beleza masculina.
Em Corinto havia estátuas e frisos de Apolo nu. Essas esculturas
“exibiam virilidade e inflamavam seus adoradores masculinos
a prestarem devoção através de demonstrações físicas com os
belos rapazes a serviço da divindade. Corinto era, portanto, um
centro de prática homossexual.” (PRIOR, 1985, p.12)

c) Culto sincretista
Ao pé do Acrocorinto realizava-se também o culto a
Melicertes, que era o deus patrono da navegação. Esse deus
era o mesmo adorado na cidade de Tiro, também conhecido
como “Baal”, essa divindade que foi inserida em Israel por
Acabe quando se casou com Jezabel, filha do rei de Tiro e
Sidom. (1 Reis 17).
Tanto o culto a Afrofite e a Melicertes eram cultos que
receberam a influência das religiões orientais. Em Corinto a
religião havia se misturado de tal forma, que não havia mais
uma identidade cultual.

2. CORINTO ERA UM CENTRO COSMOPOLITA


Corinto era um ponto de parada natural da rota de
Roma para o Oriente e o lugar onde se encontravam várias
rotas de comércio. A antiga Corinto foi totalmente destruída
pelo romano Mummius Achaicus em 146 a.C. Quando um
século mais tarde a cidade foi reerguida como colônia romana,
reconquistou rapidamente muito da sua grandeza anterior. A
52 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

colônia era uma pequena Roma plantada em terras habitadas


por outros povos e fora escolhida para ser um centro de vida
romana e manter a paz.
Como a nova cidade era colônia romana, naturalmente
seus habitantes eram romanos. No começo os gregos pareciam
relutantes com esta nova cidadania, mas aos pouco retornaram
em grande número. A cidade atraiu também homens de muitas
raças orientais, incluindo uma população judia tão grande que
poderia ter uma sinagoga. Farrar descreve a cidade da seguinte
maneira:
Essa população híbrida e heterogênea de
gregos aventureiros e romanos burgueses, com
uma mistura marcante de fenícios; essa massa
de judeus, ex-soldados, filósofos, mercadores,
marinheiros, escravos, libertos, comerciantes,
vendedores ambulantes e promotores de todas
as formas de vícios. (FARRAR, apud, PRIOR,
1985, p.12)

Corinto foi caracterizada como uma colônia “sem


aristocracia, sem tradição e sem cidadãos bem estabelecidos”.
(PRIOR, 1985, p.13). Corinto experimentava no primeiro
século os mesmos desafios que enfrentamos em nossa
sociedade moderna. Já no primeiro século a cidade de Corinto
era agitada e cheia de violência. Paulo enfrentou em Corinto
os mesmos dilemas e desafios que temos em nossas cidades
modernas como Rio de Janeiro, São Paulo ou Nova Iorque.

II. O TRABALHO MISSIONÁRIO DE PAULO EM


CORINTO
Em vista destes fatores, não nos surpreende descobrir
que Paulo foi ter entre eles com temor e tremor. (PRIOR, 1985,
p. 13). O fato de ele destacar o seu “temor e tremor” deveria
indicar que ele considerava Corinto uma cidade assustadora.
Paulo ficou por dezoito meses em Corinto (Atos
18:1‑18), essa foi uma das maiores estadias de Paulo em um
único lugar, com exceção de Éfeso. A partir daí podemos
destacar alguns fatos sobre seu ministério.
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 53

1. AS ESTRATÉGIAS DE PAULO PARA PENETRAR NA


SOCIEDADE CORINTIANA

a) Estabelecer contato com gente comum (At 18: 2,3)


Paulo precisava ser introduzido na sociedade. Chegar
alugar uma casa e apresentar-se ao prefeito como missionário,
parece não ser a melhor pedida. Seu contato com Áquila e
Priscila foi sobremodo estratégico. (At 18:2-3). Primeiro
porque seria muito comum um novo comerciante se estabelecer
na cidade, buscando dias melhores. Segundo, porque ele
precisava garantir sua subsistência e terceiro, porque sendo
comerciante Paulo poderia penetrar com mais facilidade no
dia-a-dia da sociedade de Corinto.
Ele somente se dedicou ao ministério de tempo integral
depois da chegada de Timóteo e Silas, depois que ele já havia
penetrado o suficiente na estrutura da sociedade. Paulo nos
ensina com isso, que quanto maior a identificação entre o
mensageiro e o ouvinte, maior a possibilidade de êxito na
comunicação, daí a sua preocupação em estabelecer pontes
com o seu público, associando-se a cidadãos comuns.

b) Semear em solo já preparado (At 18:4)


Verifique que Paulo faz a mesma coisa em todas as
cidades por onde passou, com exceção de Filipos, onde não
foi à sinagoga, mas ao “lugar de oração” (At 16.12-13; 17.1;
17.10; 17.16-17; 18.4). Porque Paulo ia à sinagoga?
Peter Wagner lança uma luz quando caracteriza três
tipos de pessoas que frequentavam a sinagoga: judeus, como
sempre atrelados ao cerimonialismo e ao legalismo, frutos de
sua má interpretação da lei; prosélitos, aqueles que se tornaram
judeus por opção, algo como se naturalizar em outro país; e os
tementes a Deus, como Tito Justo, que morava ao lado da
sinagoga. Este grupo é caracterizado pela expectativa do algo
mais, estavam saturados com o estilo de vida de Corinto, mas
achavam o preço do judaísmo alto demais. Eles queriam o Deus
dos judeus, a ética dos judeus, mas rejeitavam o fanatismo e a
intolerância dos judeus.
54 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

c) Apresentar um evangelho puro (At 18: 5,8)


O judaísmo, mal interpretado, com seus aparatos
legalistas não conseguiu fisgar os tementes a Deus. Paulo
apresentou Cristo como Senhor. Paulo apresentou uma
mensagem enxuta, nem mias nem menos do que deus exigiu
e exige.
O cristianismo é uma proposta muito mais radical,
mas também muito mais simples. A justificação pela fé em
contrapartida ao emaranhado sacrificial; a motivação interna
da obediência, em contrapartida ao legalismo hipócrita; a
igualdade entre todos, nivelados pela cruz, em contrapartida
ao sectarismo arrogante dos judeus. Estes eram alguns pontos
que tornavam o cristianismo uma possibilidade mais honesta
penetrante àqueles que esperavam bases sólidas para suas
vidas.
De fato, as pessoas têm sido afastadas do evangelho
não pelo evangelho em si, mas por sua embalagem. Há cristãos
que confundem sua cultura com o evangelho, isto é, valorizam
mais a embalagem do que o conteúdo.

d) Depender absolutamente de Deus (At 18: 9-10)


Os primeiros resultados foram desfavoráveis (At 18:6).
A possibilidade do desânimo do apóstolo Paulo é eminente.
Deus se apressa em estimulá-lo e o faz de duas maneiras:
Providenciando resultados positivos (At 18:8) e falando com
ele pessoalmente (At 18:9-10).
A certeza da presença de Deus é inegociável em
qualquer empreendimento do reino de Deus. Jesus sabia disso
e nos deixou a promessa: “Estarei com vocês todos os dias”
(Mt 28:20). Deus se apressa em tirar o medo do apóstolo: “Não
temas”. Receio que o oposto da fé não seja a dúvida, mas o
medo. O medo nos impede de avançar, nos faz mais cautelosos
conosco mesmo do que com a obra de Deus, nos convida
aos patamares onde nos sentiremos seguros e deixamos de
depender dos livramentos do Senhor. Pessoas medrosas são
péssimas empreendedoras, não arriscam, não lançam suas
sementes.
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 55

Deus também faz com que Paulo anteveja o sucesso do


seu ministério: “Tenho muito povo nesta cidade” (At 18.10).

e) Consolidar o trabalho mediante o ensino sistemático da


Palavra de Deus (At 18.11).
O texto de Atos 18.11 afirma que Paulo ficou em
Corinto ensinando a Palavra de Deus. O discipulado, portanto,
faz parte do processo missionário. Precisamos aqui fazer
duas considerações: A primeira, a Bíblia ensina que o alvo do
discipulado é o não cristão; na segunda, temos de considerar
as fases do discipulado:
A fase do TESTEMUNHO visa conduzir pessoas à
conversão. Em seguida vem a fase da INTEGRAÇÃO, que
pretende fazer o convertido comprometer-se com o corpo de
Cristo. A terceira fase é a MATURIDADE, que implica em
estabelecer, à luz da Palavra de Deus, um alicerce sólido para
o novo convertido. Finalmente a fase da REPRODUÇÃO,
quando o discípulo passa a fazer discípulos. Provavelmente
Paulo ficou em Corinto o tempo necessário para cobrir as
quatro fases.
CAPÍTULO 5

O CHAMADO MISSIONÁRIO
NA PERSPECTIVA BÍBLICA

D e certa forma todos nós como cristãos somos chamados


para cumprir a missão. Somos chamados para executar
a tarefa da evangelização, uma vez que a grande
comissão é dada a todos os discípulos de Jesus. Quanto a
isso não há nenhuma dúvida. Timóteo Carriker faz a seguinte
afirmação:
Quando se fala em ‘missões’ um dos problemas
mais complexos, um verdadeiro quebra-cabeças
para os jovens que estão considerando um
ministério transcultural é a questão de um
chamamento missionário. (CARRIKER, 1993).

Nossa intenção neste momento não é esgotar o assunto,


mas servir de facilitador, deste assunto que é tão complexo e,
ao mesmo tempo, desafiador. Buscaremos uma compreensão
bíblica do que seria um chamado missionário, e também nos
preocuparemos em analisar alguns aspectos práticos deste
chamado em nossos dias. Vejamos algumas considerações
bíblicas sobre o chamado:

I. O CHAMADO NO VELHO TESTAMENTO.


O verbo kaleo - chamar é usado no Velho Testamento
com vários sentidos. É usado para dar nomes a coisas, como
em Gn 1:5, para nomear pessoas (Gn 25:26), cidades (2 Sm
5:9) e até mesmo para qualificar coisas ( Is 35:8).
58 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

É também o verbo usado para descrever o chamamento


da parte de pessoas de posição superior aos seus subordinados.
Neste caso o chamado assume a forma de ordem, e não um
mero convite (Jó 13.22). Nesta modalidade de chamada,
espera-se que os homens a ouçam e obedeçam.
O chamado no Velho Testamento em geral responde a
quatro princípios gerais.

1. COMPREENDER QUE O CHAMADO RECEBIDO


VEM DA PARTE DE DEUS.
Nem sempre a pessoa está preparada para receber
um chamado. A experiência de Samuel (1 Sm 3.1-10), nos
revela que nem sempre se tem a compreensão do que está
acontecendo. Mesmo estando vivendo dentro do santuário,
aprendendo aos pés de Eli, Samuel teve dificuldades de saber
quem na verdade falava com ele. O que demonstra que nem
sempre estamos preparados para entender o chamado de Deus.

2. O CHAMADO PODE SER INICIALMENTE


RECUSADO.
Temos dois casos que exemplificam este princípio.
Um deles é o de Abraão. Segundo o texto de Atos 7.2-3, O
patriarca foi chamado em Ur dos Caldeus, mas resistiu a este
chamamento até a morte de seu pai em Harã, quando não se
opôs mais ao chamado de Deus (Gn 12.1-4). Jonas é o outro
exemplo. Quando foi chamado por Deus para ir a Nínive,
recusou veementemente, partindo para o lugar mais longínquo
do mundo antigo, tentando assim resistir ao chamamento de
Deus.

3. AQUELES QUE SÃO CHAMADOS QUASE SEMPRE


SE SENTEM INCAPAZES PARA TAL TAREFA.
Moisés e Jeremias exemplificam este princípio. Quando
Moisés foi chamado por Deus para voltar ao Egito, libertar
seus irmãos da escravidão e conduzí-los à terra prometida, sua
resposta foi alegar que se considerava inapto para a tarefa.
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 59

Jeremias, diante da Palavra do Senhor de que havia


sido designado profeta antes mesmo do seu nascimento,
reage com o mesmo argumento de Moisés. Este sentimento
de incapacidade é relevante, pois revela que as pessoas
envolvidas no chamamento têm consciência do que significa
ser chamado por Deus. É nesse sentido que temos a afirmação
de Guilherme Kerr: “Deus é que declara alguém profeta, e a
igreja reconhece, concorda e usufrui deste ministério. Quem a
si mesmo se declara profeta, em geral não o é”. (KERR, 2000).

4. O CHAMADO É DEFINIDO POR SEU CONTEÚDO


E FORMA.
Este grupo de palavras - Kaleo e seus derivados - não
ocorre em todas as narrativas de chamado (Jz 6.13; Is 6:1-8),
talvez porque o chamamento não se caracteriza por uma forma
gráfica. Deus fala ao homem, a quem, por seu conhecimento
prévio, deseja incumbir de uma tarefa, que pode ser política ou
profética (Is 48.14-15) e pode ser definida imediatamente ou
mais tarde. (BROWN, 1981).
O chamado é o meio pelo qual Deus transforma homens
sem nenhuma capacidade em instrumentos de sua vontade. De
acordo com Oswaldo Prado, nunca podemos esquecer que a
vocação nada mais é que um momento histórico em que se
concretiza algo que já aconteceu no coração de Deus antes da
fundação do mundo. (PRADO, 2000).

II. O CHAMADO NO NOVO TESTAMENTO.


O Novo Testamento corrobora aquilo que o velho define
sobre o chamado, ou seja, Deus continua chamando as pessoas
que Ele quer chamar para a realização de seus propósitos
salvíficos.
O Novo Testamento talvez amplie alguns princípios já
elaborados no Velho Testamento. O chamado de Jesus aos seus
discípulos é no sentido de “fazer uma chamada imperiosa a um
indivíduo, ou a um grupo existente e mais ou menos definido
como discípulos”. (BROWN, 1981).
60 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

Isto nos ajuda a compreender a ideia do chamado


específico. O chamado não é entendido por Jesus como um
fim em si mesmo, mas como o meio de realizar os propósitos
de Deus entre os homens.
Outro aspecto interessante e que precisa ser analisado
é que o chamado está sempre vinculado à Igreja. O Novo
Testamento não abre possibilidade para o autochamamento.
A igreja é que concede o aval do chamado. Em At 13:1-3
ocorre exatamente isto, onde se lê que o Espírito Santo separa
a Barnabé e a Saulo e a igreja avaliza este chamado, impondo
as mãos, abençoando e enviando estes irmãos.

III. O CHAMADO NA VISÃO DE PAULO.


Eleição e vocação são dois aspectos inseparáveis na
visão de Paulo. Ele entende a vocação:
Como sendo o processo através do qual Deus
chama aqueles a quem já elegeu e nomeou, para
saírem da escravidão deste mundo afim de que
Ele os justifique e os santifique, trazendo-os ao
serviço d´Ele”. (BROWN, 1981).

A vocação sempre vem de Deus e Ele tem sempre um


propósito quando vocaciona alguém. É assim que Paulo
descreve o seu chamado para ser apóstolo. Quando ele se
declara ‘chamado para ser apóstolo’ está ressaltando o fato de
que deve a sua posição de apóstolo a uma vocação especial da
parte de Deus.

IV. O CHAMADO MISSIONÁRIO EM NOSSOS


DIAS.
Existem muitas dúvidas sobre aquilo que chamamos de
vocação missionária. Nem sempre aparece um anjo trajando
roupas verde-limão, nem sempre acontece aquilo que a Bíblia
preconiza como modelo.
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 61

Na tentativa de esclarecer um pouco este assunto o Pr.


Oswaldo Prado em seu livro Do Chamado ao Campo nos
apresenta alguns modelos.
1. O MODELO DE PEDRO (MT 4.18-19 )
Aquele mais clássico de todos, em que a pessoa sente um
impulso de deixar tudo o que está fazendo e se envolve com a
obra missionária, geralmente de tempo integral.
Este modelo é o mais comum na história da igreja
e, talvez por isso, o mais aceitável pela maioria dos líderes
evangélicos. Com certeza grande parte dos missionários de
hoje trazem consigo este perfil.

2. O MODELO DE PAULO.
O modelo de Paulo é bem diferente daquele que foi
usado para definir grupo apostólico.
Diferente dos pedros e paulos, os que adotam este
modelo resistem muito para seguir a Jesus, mas quando o
fazem, tornam-se exemplos de dedicação e testemunho no
serviço missionário.

3. O MODELO PROFISSIONAL
O mundo está se fechando para o trabalho missionário.
Existem três grandes blocos religiosos no mundo, o islamismo,
o hinduísmo e o budismo, e nestes blocos as portas para a
entrada de missionários no estilo de Pedro estão quase que
totalmente fechadas.
Precisamos incentivar os vocacionados para missões a
buscar uma formação universitária, pelo menos técnica, antes
de serem enviados ao campo. Isto seria de tremenda relevância
para o desenvolvimento de uma estratégia missionária,
especialmente junto aos países mais resistentes.
A igreja que deseja envolver seus membros em missões
precisa estar atenta para este modelo. Chegamos ao momento
em que não basta uma boa formação teológica.
A igreja missionária deve estar aberta para, nos próximos
anos, enviar alguns de seus melhores profissionais para pregar
o evangelho em lugares estratégicos do mundo.
62 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

4. O MODELO DO NÃO CHAMADO.


Esta é uma forma não usual de chamado, mas que
permanece em nossos dias. São aqueles que reconhecem sua
vocação missionária sem, no entanto terem necessariamente
passado por uma experiência clara de chamado.
Um exemplo deste modelo de chamado é o do Dr. Dick
Hills fundador da Overseas Crusades International, no Brasil
conhecida como SEPAL. Durante 18 anos como missionário
na china, ele diz: “Eu nunca fui chamado para a China, Deus
me deu o dom do ensino”. Sua visão de ministério estava
firmada na seguinte convicção:
Seu chamado é aquilo que você tem que ser, e
que é determinado por seu dom. Seu chamado
nunca muda, sua direção pode mudar. Se você
está preocupado quanto ao seu chamado, é
tempo de se preocupar com o seu dom. (PRADO,
2000).

Sempre é bom lembrar que Deus trabalha de maneira


incomum e precisamos estar abertos para as surpresas que Ele
nos proporciona.
CAPÍTULO 6

DIFERENÇAS ENTRE
A TEORIA E A PRÁTICA
MISSIONÁRIA DA IGREJA

A
prática missionária nem sempre é reflexo de nossa
crença. Existe uma relativa diferença entre a teoria e
a prática missionária, e esta diferença se evidencia em
três áreas bem definidas.
Dois conceitos errados, em especial, têm sido muito
prejudiciais à prática missionária.
O Primeiro, é que fazer missões têm sido algo entendido
como uma tarefa especial, para pessoas extraordinárias. Nada
poderia estar mais distante do propósito de Deus. A Bíblia
ensina que o método de Deus é usar o tolo, o fraco, e as pessoas
menosprezadas do mundo para trazer glória para Si (1 Cor.
1:26-31). O propósito de Deus é realizado por pessoas simples
que acreditam e servem a um Deus extraordinário.
Paulo foi considerado durante muito tempo como o
missionário ideal, exatamente pela falta de compreensão de
muitos, de que a expansão do evangelho no primeiro século
foi realizada principalmente por pessoas como Barnabé,
Silas, Marcos, Priscila e Áquila, Epafrodito, e uma grande
quantidade de outros cristãos anônimos. Deus pretende usar
a todos - a Marcos, Epafrodito, como também a Paulo - para
realizar a missão Dele.
Se formos levar a cabo a missão de Deus durante nossa
vida, temos que apagar de nossas mentes a ideia que só as
pessoas extraordinariamente talentosas são as missionárias.
64 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

Tal pensamento desencoraja a pessoa de se identificar com


missões a não ser que ele pense que ele tenha uma doação
extraordinária e chamada. Este tipo de pensamento coloca
uma aureola em cima da cabeça do missionário, quando isso
acontece é impossível para ele medir até o ideal.
O segundo conceito, também equivocado, nutrido por
essa mentalidade pequena, é que missões podem ser realizadas
por meio de procuração. Alguns pensam que os missionários
são os seus substitutos na evangelização mundial. Eles se
sentem satisfeitos em orar por missionários, por apoiá-los e os
encorajá-los. Todas estas coisas deveriam ser feitas, mas fazê-
las não alivia cada cristão da responsabilidade de ser envolvido
diretamente na missão de Deus.
Missões através de procuração tem sido o procedimento
operacional normal em muitas igrejas. Tomando como
exemplo, no caso dos batistas, alguns deixam missões a cargo
das Mulheres em Ação e esperam que elas se responsabilizem
pelo envolvimento da igreja em missões. Em outros tempos
era esperado que a Junta de Missões Nacional e a Junta de
Missões Estrangeira assumissem a responsabilidade completa
por cumprir o mandato que Deus deu a todos seus discípulos.
Alguns cristãos entendem que se derem parte de seus
salários como donativos para missões estarão exonerados
da responsabilidade de evangelizar o mundo. Missionários,
agências missionárias e juntas missionárias são expressões
práticas da preocupação dos cristãos e igrejas locais, mas
sozinhos eles não podem cumprir a obrigação que Deus deu
para todo cristão e para toda a igreja. Nem todos podem ser
um missionário, mas todos podem estar em missão para Deus.

I. MOTIVOS OU METAS ERRADAS DA


MISSÃO
1. MOTIVOS IMPUROS
a. Imperialismo. Tornar os nativos sujeitos de autoridades
coloniais.
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 65

b. Aculturamento. Missão como transferência da cultura


superior do missionário.
c. Romantismo: Desejo de ir a países exóticos.
d. Colonialismo. Anseio de exportar nossa confissão de fé e
ordem eclesiástica a outros territórios.

2. MOTIVOS TEOLOGICAMENTE ADEQUADOS,


PORÉM INCORRETOS.
a) Ênfase somente da conversão.
Destaca-se apenas o valor da decisão e do compromisso
pessoais, porém tende a estreitar o reino de Deus de modo
espiritualista e individualista ao total de almas salvas.

b) Motivo escatológico.
Fixa o olhar das pessoas para o reino de Deus como
uma realidade futura, mas, em sua ânsia de apressar a sua
vinda de Jesus, não se tem interesse nas exigências dessa vida.

c) Motivo do plantio de igrejas.


Acentua a necessidade de reunir uma comunidade das
pessoas comprometidas, porém tende a associar a igreja com
o reino de Deus.

d) Motivo filantrópico.
A igreja é desafiada a buscar justiça social neste mundo,
mas equipara o reino de Deus a uma sociedade melhorada. A
filantropia deve ser uma atitude da igreja, não uma metodologia.

II. ESTRATÉGIAS EQUIVOCADAS


Segundo o missiólogo Carlos DelPino a realidade do
movimento evangelístico e missionário da igreja brasileira
exemplifica os disparates nas estratégias missionárias do
povo de Deus. Um fundamento inadequado sempre produzirá
uma prática missionária inadequada. As informações abaixo
ilustram os equívocos de estratégias.
66 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

1. DISTRIBUIÇÃO DA FORÇA MISSIONÁRIA


a) 91% dos missionários são enviados para o mundo cristão
b) 8% dos missionários são enviados para o mundo não
cristão, porém evangelizado.
c) 1% dos missionários é enviado para o mundo não
evangelizado.

2. DISTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
a) 95% dos recursos são usados nas atividades domésticas
b) 4,5% dos recursos são usados em campos missionários do
mundo evangelizado
c) 0,5% dos recursos são usados para alcançar os não
alcançados
d) A média de contribuição financeira da igreja brasileira para
a obra missionária é de 0,50 centavos.

III. FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA


MISSIONÁRIA
De acordo com (BOSCH, 2002), Alguns fundamentos
precisam ser levantados para a prática de uma missiologia
bíblica:

1. Toda a existência cristã deve ser caracterizada como


existência missionária. A igreja começa a ser missionária
não através de sua proclamação universal do evangelho,
mas através da universalidade do evangelho que ela
proclama.

2. A natureza missionária da igreja não depende simplesmente


da situação na qual ela se encontra em dado momento,
mas está baseada no próprio evangelho. A justificação e
fundamentação das missões no exterior, bem como das
missões no próprio país, “residem na universalidade da
salvação e na indivisibilidade do reinado de Cristo”. A
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 67

diferença entre missões no exterior e no próprio país não é


uma diferença de princípio, mas de alcance.

3. Temos de distinguir entre missão (no singular) e missões


(no plural). O primeiro conceito designa a Missio Dei
(missão de Deus), ou seja, a auto-revelação de Deus como
Aquele que ama o mundo, o envolvimento de Deus no e
com o mundo, a natureza e atividade de Deus. A Missio
Dei enuncia a boa nova de que Deus é um Deus para as
pessoas e pelas pessoas. Missões são os empreendimentos
missionários da igreja. Designam formas particulares,
relacionadas com tempos, lugares ou necessidades
especifica, de participação na Missio Dei.

4. A Igreja-em-Missão pode ser descrita em termos de


sacramento e sinal. Ela é sinal no sentido de indicação,
símbolo, exemplo e modelo; é sacramento no sentido de
mediação representação ou antecipação. Não é idêntica ao
reino de Deus, mas também não deixa, mas também não
deixa de estar relacionada a ele; é um antegosto de sua
vinda. Vivendo a tensão criativa de, ao mesmo tempo, ser
chamada para fora do mundo e ser enviada ao mundo, ela é
desafiada a ser o jardim experimental de Deus na terra, um
fragmento do reino de Deus, tendo as primícias do Espírito.

IV. RECONHECENEDO O PAPEL


MISSIONÁRIO DA IGREJA
Diante dos conceitos expostos acima, a visão sobre
missão da igreja é ampliada e passamos a compreender a igreja
em suas funções missionárias específicas. Para (BOSCH,
2002) são pelo menos três as maneiras de reconhecer o papel
da igreja:

1. A IGREJA É ESSENCIALMENTE MISSIONÁRIA.


Esta é a declaração que encontramos em 1 Pedro 2.9. A
igreja não é a remetente, mas a remetida. A igreja existe para
68 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

ser enviada e edifica-se visando à sua missão. A missão não se


constitui numa atividade periférica de uma igreja estabelecida,
ou numa causa piedosa que pode ou não ser atendida. Trata-
se de um dever que é de toda a igreja. Visto que Deus é um
Deus missionário, o povo de Deus é missionário. A atividade
missionária não uma ação da igreja, mas uma igreja em ação.

2. A IGREJA É POVO PEREGRINO DE DEUS.


A igreja é chamada para fora do mundo e enviada de
volta ao mundo. Ela não tem residência fixa aqui, está em
uma residência temporária. Está permanentemente a caminho,
dirigindo-se aos confins da terra.

3. A IGREJA É SACRAMENTO E SINAL.


Na visão de Paulo a sua própria missão é serviço
sacerdotal do evangelho e desafiou a comunidade cristã a se
oferecer como sacrifício vivo a Deus.
Parte 2

ASPECTOS
PRÁTICOS NA
PLANTAÇÃO DE
IGREJAS
SAUDÁVEIS
CAPÍTULO 7

A NOBRE MISSÃO DE
PLANTAR IGREJAS

A percepção de alguns cristãos é a de que o Brasil é um


país evangelizado e que não há mais necessidade de expandir,
mas sim agora seja a hora manter o que já conquistamos. O
Brasil vive uma desigualdade na distribuição do evangelho.
As regiões norte, centro-oeste e sudeste contam com uma
farta acessibilidade ao evangelho, em quase todos os lugares
existem pelo menos duas ou três denominações evangélicas.
Enquanto isso na região nordeste, especialmente no agreste; e
na região sul, os desafios são enormes.

I. OBSERVAÇÕES GERAIS SOBRE A IGREJA


BRASILEIRA ATUAL
É importante fazer algumas observações gerais, sobre
a igreja Evangélica brasileira, apresentadas pelo movimento
Brasil 2010. (KRAFT, 1996). Estes dados revelam a urgência
e a necessidade d•e retomarmos a eficácia do movimento
evangelístico da igreja:
• A igreja tem crescido mais entre os pobres que entre os
ricos;
• Vários grupos étnicos ainda não foram alcançados (tanto
imigrantes quanto tribos indígenas);
• As regiões Norte e Centro Oeste têm a maior presença
evangélica, enquanto que nas regiões Nordeste e Sul estão
as menores taxas de presença evangélica. A região sudeste
traz os maiores desafios em virtude da grande urbanização
e as grandes concentrações populacionais do país.
72 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

• A igreja evangélica brasileira não está bem distribuída. Em


todas as cidades e áreas rurais, encontram-se lugares com
muitas igrejas e outras com poucas;
• Em 2002, em um domingo típico, aproximadamente 6,5%
da população brasileira estava presente em uma igreja
evangélica (lembrando que isso indica assistência de cultos
e não necessariamente número de convertidos, pois nem
todos que freqüentam cultos são membros). A freqüência
média das igrejas evangélicas no Brasil é de 70 pessoas.
Note que esta porcentagem está bem abaixo do numero de
pessoas que se identificam como evangélicas no senso de
2000, que é de 15% e indica que existe um número alto de
pessoas que não estão ativos na igreja, embora se declarem
evangélicos;
• Na década de 80 o grupo religioso que mais cresceu foi o
das pessoas que se declaravam sem religião. Nos anos 90
o grupo que mais cresceu foram os evangélicos. Isso pode
significar que ser evangélico está se tornando uma opção
mais aceitável dentro da sociedade brasileira.

Estes dados apontam para alguns objetivos que


precisam ser encarados pela igreja brasileira. O que precisa ser
feito para alcançarmos o Brasil com o evangelho? De acordo
com a estratégia elaborada pelo movimento Brasil 2010, para
que o Brasil seja evangelizado se faz necessário:
• Implantar 100 mil novas igrejas. O ideal é que a igreja seja
como panificadoras, uma em cada 1 km;
• Identificar os lugares que ainda não foram alcançados;
• Motivar a igreja para plantar novas igrejas em lugares
estratégicos;
• Preparar líderes para as igrejas já existentes e para as que
vão surgir;
• Mobilizar ações missionárias para aqueles grupos que não
serão atingidos naturalmente.
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 73

II. A IMPORTÂNCIA DO MINISTÉRIO DE


PLANTAÇÃO DE IGREJAS
Algumas pessoas serão lembradas na historia, outros
nem sequer saberemos de sua existência. Como nos informa
o Pr. Juracy:
Jesus poderia ser lembrado por ter iniciado
o mais poderoso partido político da história,
a melhor escola de filosofia ou uma empresa
multinacional. Mas ele preferiu iniciar a maior
força transformadora da realidade, uma igreja.
Sua vida foi dedicada a preparar plantadores de
igrejas. (BAHIA, 2006, p.9).

A igreja como ordenada por Jesus constitui-se com


a maior força que se conhece na história da humanidade. A
obra iniciada por Jesus, na região mais pobre de Israel, com
as pessoas mais insignificantes daquela sociedade, abalou o
mundo em menos de cem anos. O segredo para a transformação
do mundo é a igreja local saudável na doutrina, metodologia,
liderança, nos relacionamentos e no culto.
O ideal é que a igreja esteja próxima daqueles a quem
ela quer atingir. O projeto Brasil 2010, é ousado nesse ponto
ao sugerir que se alcance o alvo de ter uma igreja acessível a
cada pessoa, em todo país, nesta geração.
O alvo é ter o Reino de Deus estabelecido em um lugar
através de um saudável e eficaz ministério do Seu Corpo, a
Igreja. Isto significa que nós precisaremos de um adequado
número de igrejas que falem a linguagem e que ministrem às
necessidades étnicas e sociais dos muitos subgrupos de pessoas
que se consideram brasileiros. Desta forma, confirma-se a
necessidade da criação de muitas e igrejas novas e saudáveis.
(KRAFT, 1996, p.19).
O Projeto Brasil 2010 começou em 1996, como
resultado do Congresso de Evangelização Mundial de Berlim.
De acordo com o projeto, para que, em 2010, o Brasil tivesse
uma presença evangélica adequada, nós precisaríamos ter
duzentas e nove mil igrejas plantadas naquele ano. Esta
74 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

necessidade mostrou que cento e cinquenta mil novas igrejas


precisariam ter sido plantadas entre 1996 e 2010.
Uma igreja para cada mil pessoas é um grande
propósito. A igreja local é a melhor agência de transformação
da realidade e, se queremos um mundo melhor e mais pessoas
na eternidade com Jesus Cristo, é preciso plantar milhares de
novas igrejas. (BAHIA, 2006, p.9).
O escritor Juracy Bahia, sugere que um ousado
programa de plantação de igreja é uma excelente ferramenta
para dinamizar uma igreja ou uma denominação (BAIHA,
2006).
A estrutura denominacional deve servir as igrejas locais
para que possam se multiplicar saudáveis. Um programa de
plantação de igrejas colabora para diminuir divisões e disputas
denominacionais. Algumas pessoas precisam trabalha mais
ou darão trabalho. Algumas igrejas locais precisam entender
que plantar novas igrejas não enfraquece a sede. É como doar
sangue. As igrejas recompõem rapidamente os membros que
são enviados para iniciar novas igrejas. (BAHIA, 2006, p. 10).
CAPÍTULO 8

ELEMENTOS NECESSÁRIOS
NA PLANTAÇÃO DE
IGREJAS SAUDÁVEIS

I. PESSOAS CERTAS
Nenhuma tecnologia, muito menos uma teoria
sociológica ou filosófica pode produzir uma igreja saudável.
O processo de nascimento e crescimento de uma planta é
resultado do esforço do agricultor, que prepara a terra lança
a semente, mas não são da sua competência a germinação, o
crescimento e a frutificação.
É muito difícil para nós, seres humanos aceitarmos o
ensino bíblico de que a obra de Deus através da igreja pode
ser realizada somente pela energia concedida pelo Espírito
Santo. É que isso é um fato que frustra o nosso desejo carnal
de receber honra e louvor, glória e reconhecimento. (TOZER,
1999, p.9).
Em 1 Coríntios 3.7, Paulo enaltece a obra de Deus,
pois nem quem planta nem quem rega é alguma coisa, mas
Deus que dá o crescimento. Toda a glória do nascimento e do
crescimento pertence a Deus que a faz frutificar, pois conforme
Charles Wagner, nenhum ser humano pode regenerar uma
pessoa, somente Deus pode trazer uma pessoa das trevas para a
luz, do poder de satanás para Deus, mas Ele usa pessoas como
instrumentos (WAGNER, 1991, p.20).
Na verdade Deus até que tem sido muito bondoso e
compassivo conosco. Mas não existe possibilidade alguma
76 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

de Ele ceder diante de nosso orgulho humano e da nossa


carnalidade. É por isso que a sua Palavra procura acabar
com o orgulho da carne, insistindo que compreendamos e
confessemos que não são os dons humanos, não são os talentos
humanos que podem realizar a obra final e eterna de Deus
(TOZER, 1999, p.9).
Juracy Bahia esclarece mais ainda esta questão quando
diz que Deus chama, unge e usa homens para liderar igrejas
locais. Uma igreja não pode ser plantada de forma impessoal,
nada pode substituir a pessoa do ministro de Deus nesse
processo (BAHIA, 2006, p.9).
Ao contrário da agricultura não temos como mecanizar
o processo de plantio. Por trás do processo de expansão da
igreja sempre haverá uma pessoa comprometida com Deus.
Para plantar uma igreja não são necessários apenas
empresários ou estrategistas e sim homens que escutam
Deus, que falam com Deus e que falam de Deus. Este obreiro
não precisa ser necessariamente um pastor ordenado, mas
precisaria demonstrar os traços do caráter de um líder cristão.
(BAHIA, 2006, p. 10).
A questão a ser discutida é que tipo de pessoa Deus
escolhe pára esta tarefa. Encontramos nos escritos de Paulo
algumas recomendações que traçam o perfil de um líder. Ele
nos fala de algumas virtudes altamente recomendáveis para
quem quer exercer o ministério, qualidades que devem ser
encontradas em homens e mulheres que desejam servir a Deus
na obra de expansão do evangelho.

1. PESSOAS QUE TENHAM INTIMIDADE COM DEUS


Para anunciar a salvação precisa-se conhecê-la, se
alguém anuncia a Deus espera-se que se conheça o Deus que
se está anunciando.
O plantador de igrejas há de ser um ministro
comprometido com o propósito de plantação de uma igreja
específica e demonstrará ser honrado homem de Deus, saudável
emocionalmente, capacitado, persistente, trabalhador árduo e
confiante na providência divina. A plantação de uma igreja é
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 77

uma obra sobrenatural e exigirá de seus trabalhadores íntima


comunhão com Deus. (BAHIA, 2006, p. 9).
De acordo com Jeson (apud BAHIA, 2006,p.9) a
liderança não pode ser desenvolvida a menos que o ministro
de Deus demonstre a semelhança de Cristo em sua própria
vida. Robert Murray M’Cheyne disse que “o seu sucesso será
proporcional a sua santidade”. Outro pensador disse:
Um homem santo será uma arma poderosa nas
mãos de Deus. Aquele que sabe como vencer em
oração junto a Deus, terá o céu e a terra a sua
disposição. (apud BAHIA, 2006, p.9).

Observando a vida de José, aprendemos com ele que


servir a Deus flui de um relacionamento com Deus. Quando
foi tentado pela esposa de Potifar, a resposta de José foi:
“Como poderia eu cometer algo tão perverso e pecar contra
Deus?” Nenhuma pessoa que mantenha uma relação amistosa
com o pecado pode verdadeiramente ser usada por Deus.
Esse processo se dá porque o primeiro efeito do pecado é
interromper o nosso relacionamento com Deus. Essa perda
de relacionamento promove em nós a perda dos ideais de
Deus para a nossa vida. Em conseqüência, um segundo efeito
imediato do pecado é que passamos a colocar nossos valores
em primazia.
José tomou três atitudes importantes, que devem ser
seguidas por todos aqueles que desejam ter um relacionamento
sério com Deus.
1) Deixou Deus habitar em sua vida. “O Senhor estava
com José”.
2) Evitou a aparência do mal. Não é vergonhoso fugir do
pecado, vergonhoso é ser dominado por ele. (Gn 39.10)
3) Pagou um alto preço por fazer opção pela santidade.
(Gn 39. 19-20).

2. PESSOAS COM ESTABILIDADE EMOCIONAL


Na lista de qualificação para o ministério que Paulo faz
para Timóteo (1 Tm 3.2-7), no verso 3 aparecem “não dado ao
78 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

vinho1, não violento2, porém cordato3 e inimigo de contendas”4,


o que indica a necessidade de estabilidade emocional na vida
de um líder cristão. São quatro marcas que se contradizem e
indicam o estado de uma pessoa emocionalmente equilibrada.
As duas primeiras expressões, que são negativas, falam
da necessidade de controlar-se a si mesmo. O líder não deve ser
alguém que se deixa dominar por emoções negativas, no caso
aqui a falta de moderação e a raiva. Espera-se que ao invés
disso o líder deva ser um moderador, sensato e pacificador.
Estas duas últimas qualidades expressam o comportamento de
alguém que subjuga o seu ser.
O ministério de plantação de igreja é uma rede de
influência de pessoas. Uma infinidade de pequenas coisas causa
impacto espiritual e cria ou destrói a atmosfera necessária para
o surgimento da nova igreja. É neste contexto que o escândalo
é tão fortemente condenado por Jesus. O que sinceros homens
de Deus constroem durante décadas pode ser destruído por
um gesto impensado de um líder e toda pessoa que prejudica
a germinação da Semente tem sobre ela um tremendo peso
espiritual. (BAHIA, 2006, p.11).
Pessoas emocionalmente saudáveis são capazes de
romper com as limitações e dificuldades porque são conscientes
de suas limitações, não ignoram suas fraquezas, nem tampouco
subestimam sua capacidade. Paulo é um exemplo de alguém
que parece ter desenvolvido um equilibrado senso de si
mesmo. Robert Orr diz que “conhecer-se faz parte do caráter”
porque só assim poderemos lidar com a parte má do nosso ser
e mesmo tempo podemos realizar algo com a parte boa.
Para (BAHIA, 2006, p.11) um plantador de igreja bem
resolvido terá tendência de plantar igrejas saudáveis. Seguindo
essa linha de raciocínio podemos ainda compreender o valor
da autoestima no ser humano.

1 μὴ πάροινον – dado ao vinho, propenso para a intemperança (falta de moderação)


insolente, dominador, mesma ideia de Tito 1.7.
2 μὴ πλήκτην – pessoa violenta, briguenta, uma pessoa pronta para atacar a outra.
3 ἐπιεικῆ - conveniente, justo (ideia de fair play) gentil e paciente.
4 ἀφιλάργυρον – uma pessoa não briguenta, não contenciosa, sem disposição para
a briga (pacífica).
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 79

A autoestima positiva capacita, confere energia e


motiva. Ela nos inspira a realizar e nos permite ter prazer e
orgulho de nossas realizações. Ajuda também a nos erguer
com mais rapidez após uma queda, deixando-nos com mais
energia para começar de novo. (ORR, 1994, p.60).
Muitos líderes têm usado de um subterfúgio que além
de ser tremendamente perigoso e nocivo para o reino de Deus
é desprovido de aprovação bíblica, que é “livrar-se” daqueles
que são considerados “problemas” na igreja, enviando-os
para abrirem novas igrejas. No livro de Atos encontramos
dois momentos da igreja que exemplificam como devemos
investir em pessoas saudáveis para a expansão da igreja. Num
primeiro momento, quando floresce a igreja em Antioquia,
os irmãos de Jerusalém enviam o que tinham de melhor para
dar prosseguimento à obra que se realizava naquela cidade.
Semelhantemente, anos mais tarde a saudável igreja de
Antioquia envia seus dois principais líderes para ministério de
plantação de igreja.

3. PESSOAS APTAS PARA ENSINAR


Outra marca que encontramos na lista de Paulo é que o
líder precisa ser apto para ensinar, isto é, que tenha habilidade
para transmitir conhecimento. O Dicionário Internacional
de Teologia do Novo Testamento nos faz saber que o verbo
disdasko – ensinar sugere a ideia de fazer alguém aceitar
alguma coisa. Ela não denota puramente a comunicação do
conhecimento e da habilidade, mas principalmente instrução
quanto ao viver. Paulo nos ensina que o obreiro de Deus deve
ser alguém que manuseia bem a palavra da verdade, sendo
assim capaz de abrir caminhos para que os outros possam
seguir.
A tarefa daquele que ensina é expor os princípios da
fé. Segundo (BROWN, 1992, p.51) os homens que detinham
esse ofício tinham a tarefa de explicar aos outros a fé cristã e
de providenciar uma exposição cristã do AT. Observa-se no
uso desta palavra que o mestre assume a responsabilidade pela
edificação da igreja no dia-a-dia.
80 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

Sabemos que ninguém pode dar aquilo que não possui.


Portanto, nessa tarefa de edificar a igreja, equipando os santos
para o exercício do ministério (Ef 4.11-12), o obreiro deve
buscar a capacitação necessária. Segundo (BAIHA, 2006, p.12)
quanto melhor a formação do obreiro, melhores condições terá
de plantar igrejas. O plantador de igrejas não precisa ser o
detentor de todo conhecimento, mas deve buscar os recursos
necessários para produzir o melhor alimento para o rebanho.
O bom líder é sempre um aprendiz. Não sabe tudo e o
admite. Considera cada erro, da decisão errada e cada passo
em falso como uma oportunidade para aprender, em lugar de
ser o fim do mundo! Ser ensinável é essencial para uma relação
mais profunda com Deus, com os outros e consigo mesmo.
(OOR, 1994, p. 61).
Aquele que deseja ensinar não deve ser um neófito, mas
alguém maduro na fé, que possa ensinar com a experiência
pessoal com Deus. A Escritura sugere que aqueles que estão
colocados na posição de líder precisam desenvolver o seu dom
espiritual (1 Tm 4.14).

4. PESSOAS COM MATURIDADE


O líder plantador de igrejas deve demonstrar
maturidade. As palavras a seguir fazem refletir:
Um dos indícios do amadurecimento é
a capacidade de discordar sem se tornar
desagradável. Para isso é necessário a graça.
De fato, tratar os pontos conflitantes com tato
é um dos maiores empreendimentos da graça.
Infelizmente, quanto mais envelhecemos tanto
mais irritadiços nos tornamos, em nossas reações,
tediosos, obstinados e frágeis. Por alguma
estranha razão, isto se aplica especialmente aos
cristãos evangélicos. Seria natural que a igreja
fosse o único lugar onde houvesse tolerância,
tato, espaço para dissidências e discussão aberta.
Mas não é assim! É um raro prazer encontrar
aqueles na família de Deus que envelheceram
na graça e também no conhecimento... Escreva
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 81

suas críticas no pó, os seus elogios em mármore.


(SWINDOL, apud, BAHIA, 2006).

5. PESSOAS COM CARÁTER EXEMPLAR


Como pessoas pecadoras podem se tornar exemplo
para outros pecadores? Precisamos desmistificar aqui algumas
questões:
• Não estamos falando de perfeição; o líder erra, mas não
persiste no erro, é ensinável, como já vimos.
• Temos que lidar com a questão entre caráter e reputação.
Nossa reputação é forjada por terceiros e não temos
controle sobre ela. Nossa maior preocupação é com o “o
que pensam” sobre nós. Vale lembrar que a reputação de
Jesus não era a das melhores, uma vez que a reputação
nem sempre expressa a verdade dos fatos. Nosso caráter,
por outro lado, é o que realmente somos; e ele é moldado
por Deus.

Evidentemente, o caráter irá refletir em nossa reputação,


se bem que às vezes isso não acontece, porque uma pessoa
pode ser perseguida no trabalho, politicamente, tendo assim
a sua imagem denegrida e aqueles que não a conhecem “por
dentro” farão seu juízo baseado na sua reputação e não em seu
caráter. Nossa preocupação deve ser a de termos um caráter
exemplar.
Segundo a passagem de 1 Timóteo 3.2-7 existem duas
áreas de nossa vida onde se percebe com maior ênfase a ação
de um caráter exemplar, são elas:

a) Qualificações morais.
Ser irrepreensível; esposo de uma só mulher, e
temperante. Algumas palavras traduzem para nós a condição
que se espera de uma pessoa que seja moralmente qualificado.

• Axios (digno). Aquilo que equilibra a balança. De


acordo com (BROWN, 1983, p. 212), essa palavra é
um termo relativo que compara duas entidades, sejam
pessoas ou objetos, por medir o menor em contraste
82 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

com o maior. Quando o menor se equipara com o


maior o padrão é digno.
• Artios. Esta palavra originalmente era usada como
“apropriado”, “útil”. Na matemática se usava essa
palavra para indicar números “pares”. De acordo com
o DITNT, o derivado mais antigo dessa palavra é o
verbo katartizo – por em ordem –restaurar – mobiliar –
preparar – equipar. Estes vários significados têm uma
origem comum no sentido básico de tornar próprio ou
tornar digno.
• Orthos. Significa, literalmente, ficar de pé, reto,
verdadeiro. Segundo (BROWN, 1983, p. 215), orthos
é usado em sentido figurado de comportamento
eticamente correto.

Estas três palavras em conjunto refletem o que


chamamos de uma pessoa moralmente sadia. Parece que a
estabilidade moral está profundamente relacionada com a
capacidade de ser sóbrio em relação às dificuldades, limites
e condições de se manter de pé. O caráter exemplar se vê
no equilíbrio entre virtudes bem definidas e a consciência dos
limites de cada um. Isto torna o homem capaz de delimitar
suas ações.

b) Estabilidade familiar.
Que governe bem a sua casa. O primeiro lugar onde
nossa liderança é reconhecida é dentro de nosso lar. Está
na maneira como guiamos nossos filhos, como cuidamos de
nossa esposa. Para (HOCKING, 1993, p. 111) aqueles que
foram dotados do dom da liderança espiritual, como é patente,
deveriam cuidar das necessidades espirituais das pessoas sob
a sua liderança.
Nossos dias são marcados por líderes com famílias
desgastadas. Os casos de divórcios já não são raros,
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 83

infelizmente. É papel daquele que é líder espiritual cuidar


de sua família e isso envolve prover as necessidades físicas,
mas também proteção emocional e espiritual, dos perigos que
enfrentam no decorrer da vida. (ORR, 1994) faz a seguinte
observação:
Frequentemente encontramos pessoas que
acabaram derrotadas no cumprimento do
propósito de Deus para elas por terem se
casado com o cônjuge errado. Ao se casarem,
planejavam ter um “ajudador”; mas, em lugar
disso, encontraram severa oposição quanto ao
que Deus as havia chamado a fazer. Infelizmente
tiveram que deixar o ministério porque seus
companheiros ou companheiras se rebelaram
contra Deus e contra eles.

Quando Paulo fala dessa qualificação do líder,


certamente tem o desejo de estabelecer um principio claro:
Ninguém pode ser líder se não começar com aqueles que nos
são mais próximos. Como no caso de Davi, que primeiro teve
sua liderança reconhecida em casa, pela unção de Samuel,
depois teve sua autoridade reconhecida pela tribo de sua
família, para finalmente ser reconhecido como rei de todas as
tribos de Israel.

6. A IMPORTÂNCIA DA INTERATIVIDADE
A vivência em grupo é uma necessidade humana. A
capacidade de interagir é requisito básico para aquele que se
propõe a plantar uma igreja.
Tornar-se uma pessoa que construa bons relacionamentos
exige grandes investimentos da nossa parte. Investimentos de
gentileza, cortesia, amor, consideração, compreensão, entre
outros que geram confiança, solidez em uma relação. A verdade
é que não se podem construir relacionamentos no sistema fast-
food, nossos relacionamentos precisam de investimento em
longo prazo.
84 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

Segundo (COVEY, 2008, p. 228) para este investimento


precisamos fazer depósitos em uma conta bancária emocional.
Ele sugere seis tipos de depósitos:
1) Compreender o indivíduo. Tentar compreender
o indivíduo talvez seja um dos depósitos mais
importantes que alguém possa fazer. Segundo
(COVEY, 2008), nossa tendência é projetar nossa
experiência de vida naquilo que acreditamos que
as pessoas querem ou precisam. Projetamos nossas
intenções no comportamento dos outros. Ele destaca
ainda a importância de compreendermos o outro
em profundidade, como indivíduos, “trate a todos
igualmente, tratando cada um de forma diferente”.
2) Prestar atenção aas pequenas coisas. Covey descreve
este ponto afirmando que:
As pequenas gentilezas e cortesias são muito
importantes. A falta de cortesia, o descaso ou
desrespeito, mesmo mínimo, provocam um
afastamento considerável. Nos relacionamentos,
as pequenas coisas se equivalem as grandes
coisas.

3º) Honrar compromissos. Honrar uma promessa, de


acordo com Covey, é um depósito enorme, enquanto que
romper com o prometido é uma retirada imensa.

4º) Esclarecer as expectativas. As causas de quase


todas as dificuldades de relacionamento se encontram em
expectativas ambíguas ou conflitantes em torno de metas
e papéis. (COVEY, 2008) demonstra essa importância
quando afirma:
Por isso, quando se começa uma nova relação,
é importante colocar na mesa todas as
perspectivas. As pessoas envolvidas vão julgar
um ao outro conforme as perspectivas. E se elas
sentirem que suas expectativas básicas foram
violadas, a reserva de confiança diminui.
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 85

5º) Demonstrar integridade pessoal. A integridade


pessoal gera confiança. (COVEY, 2008) afirma que uma das
maneiras mais importantes de se demonstrar integridade é
ser leal a quem não está presente. A sua convicção sobre a
integridade é expressa na afirmação de que:
A integridade, em uma realidade interdependente,
é apenas o seguinte: tratar a todos conforme
o mesmo conjunto de princípios. A partir daí,
as pessoas confiarão em você. Talvez elas, no
começo, não valorizem a experiência de contato
com a verdade que esta integridade provoca.
Encarar a verdade exige bastante coragem, e
muita gente prefere seguir o caminho mais fácil,
hostilizando e criticando, traindo a confiança
e participando de fofocas sobre os outros,
pelas costas. Mas, a longo prazo, as pessoas
confiara em você e respeitarão a sua postura,
se for honesto, gentil e franco. Você se importa
o suficiente com elas para adotar essa postura.
E ser de confiança, dizem, vale mais que ser
amado. A longo prazo, estou convencido de
que ser de confiança conduzirá também a ser
amado.

6º) Pedir desculpas sinceras quando se faz uma retirada.


Pessoas inseguras não podem fazer isso, pensam que pedir
desculpas é sinal de fraqueza e uma oportunidade para
que os outros se aproveitem disso.

O líder com boa interatividade sabe que a capacidade


de interagir aumenta a eficácia do trabalho. Podemos concluir
esta etapa fazendo uso das palavras de (COVEY, 2008, p. 241).
Criar a unidade necessária para administrar
eficazmente uma empresa, uma família ou um casamento
requer muita força de vontade e coragem em nível pessoal.
Nenhuma quantidade de trabalho administrativo ou técnico,
voltado para as massas, pode compensar a falta de nobreza no
caráter para os relacionamentos pessoais.
86 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

II. BOA ADMINISTRAÇÃO DA OBRA


MISSIONÁRIA
Jesus nos adverte que ninguém deve iniciar uma obra
sem a devida preparação, para não passar pela vergonha de
começar e não ser capaz de concluir sua empreitada. Por
outro lado, a administração pode também constituir um
empecilho para a obra de Deus. Isso acontece quando em
nome do planejamento nos tornamos incapazes de ousar no
reino de Cristo. Algumas vezes retardamos a obra de Cristo
porque temos medo de assumir riscos, nos falta convicção
de agir no mover do Espírito, pois somos em certos casos,
demasiadamente precavidos e nem sempre a precaução é sinal
somente de responsabilidade, mas de falta de fé. Quando a
precaução sinaliza falta de fé ela precisa ser reavaliada.

1. A IMPORTÂNCIA DA BOA ADMINISTRAÇÃO


Ressaltada a preocupação com o uso da precaução
como forma de esconder a falta de ousadia no reino de Cristo,
nos cabe falar da boa administração. Aquela que sob a direção
de Cristo nós conduzimos as coisas do reino. Segundo
(HOCKING, 1993. p 113), a administração é conceito que se
faz mister em todas as organizações. É um trabalho pelo qual
poucos agradecem e que raramente é apreciado. Mas é algo
que precisa ser feito.
A igreja com certeza poderia avançar com mais eficiência
se não convivêssemos com uma excessiva desorganização
estrutural. De acordo com (ORR, 1994, P. 5).
Parecemos competentes e ordeiros no papel, mas a
verdade é que vários de nossos ministérios simplesmente
não estão indo a parte alguma por falta de liderança e bom
gerenciamento, somada à falta de uma boa e adequada
comunicação.
A boa administração produz eficiência e eficácia no
desenvolvimento do ministério que desenvolvemos, assegura
crescimento e promove saúde para a organização.
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 87

2. OS SINAIS DA BOA ADMINISTRAÇÃO


A boa administração pode ser visualizada, percebida
no dia-a-dia da organização, assim como podemos perceber a
falta de administração. Podemos dizer que a boa administração
apresenta os seguintes sinais:

a) Direcionamento.
Uma das palavras do Novo Testamento que corresponde
a ideia de administração é governar - κυβερνήσεις. O significado
original dessa palavra é pilotar, referindo ao capitão do navio.
No grego clássico essa palavra era usada para descrever uma
pessoa que possuía conhecimento do tempo, dos sinais do céu,
das correntes marítimas. Sem o uso das modernas ferramentas
de navegação era imprescindível o conhecimento dos sinais do
tempo para manter uma embarcação no rumo certo.
Nesse sentido compreendemos que aqueles que
exercem a liderança são como o piloto de um navio, que usa de
seus conhecimentos para manter a embarcação no rumo certo.
É responsabilidade do piloto estabelecer o rumo certo, e isso
é feito pela Palavra de Deus.

b) Tomada de decisão.
De acordo com (HOCKING, 1993. p. 114) a capacidade
de tomar decisões é uma importante função do dom de
administração ou governo. Algumas vezes isso envolve ajustar
métodos, práticas, equipe, sustento financeiro, etc., para que o
navio siga seu curso.
Tomar decisões é algo que fazemos todos os dias,
mas precisamos de habilidade para que possamos fazer
de forma consciente. Cada decisão que tomamos tem suas
conseqüências, imediata ou não. Vivemos o fruto de nossas
decisões. (HOCKING, 1993 p. 115) nos faz a seguinte
consideração:
Aqueles dotados do dom da administração
ou governo, portanto, também deveriam se
preocupar com quaisquer métodos ou práticas
que prejudiquem essa meta. Eles devem
88 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

concentrar sua atenção naquilo que conduz os


crentes à maturidade.

c) Prestação de contas.
Uma das razões porque acreditamos na boa
administração é que no ministério cuidamos de pessoas, e
aqueles que cuidam da igreja precisam desenvolver um senso
de responsabilidade e prestação de contas. Quando o líder toma
uma decisão, seja qual for o nível, afetará a vida de muitas
pessoas.
A questão central, segundo (HOCKING, 1993. p, 115)
é que o timoneiro não é o dono do navio, mas tão somente
contratado do proprietário para que o navio chegue ao seu
destino em segurança. Deus nos tem chamado para cuidar de
seu rebanho e Pedro nos adverte que não devemos fazer isso
com dureza ou rispidez, mas com amor como o de Cristo (1
Pe 5.1-2).

III. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO


Para (BAHIA, 2006) bons e sinceros homens de Deus
estão trabalhando duro, mas em círculos. Fazem a manutenção
do trabalho com zelo, mas poderiam fazer mais se tivessem um
projeto claro de trabalho.
Um planejamento estratégico procura estabelecer
objetivos, metas, estratégias para alcançar cada meta,
orçamento, cronogramas, avaliações. Aqueles que querem
se tornar bem sucedidos devem pensar no final, antes de se
engajarem no começo. Como já dizia Abraão Lincoln: “se
pudéssemos saber primeiro onde estamos e para onde vamos,
poderíamos decidir melhor o que fazer e como fazê-lo”.
De acordo com (OOR, 1994) o planejamento estratégico
é o processo de se estabelecer e ajustar o propósito, os objetivos
primários e secundários, e os alvos da organização. Ele
sugere os seguintes passos na elaboração de um planejamento
estratégico:
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 89

1. Estabelecer o propósito da organização: “porque estamos


aqui?”.
2. Estabelecer o objetivo primário: “como atingiremos o
nosso propósito?”.
3. Estabelecer os objetivos secundários: “como cumpriremos
nosso objetivo primário?”.
4. Estabelecer alvos: “como cumpriremos nossos objetivos
secundários?”.
5. Estabelecer a declaração de missão: “qual é nossa visão,
propósito, objetivo primário, nosso negócio, nossa filosofia
básica?”.
6. Avaliar a cultura, a ambientação, as necessidades externas
da comunidade e seus clientes: “que necessidades e
circunstâncias específicas dentro da nossa esfera de
influência requerem nossa atenção especial?”.
7. Determinar os recursos necessários: “quanto custa
cumprir cada alvo e objetivo?”.
8. Determinar como obter os recursos necessários: “como
poderemos conseguir os recursos necessários?”.
9. Determinar possíveis obstáculos e como transpô-los:
“o que poderá nos impedir de realizar nosso propósito?
Como transporemos os obstáculos?”.
10. Determinar possíveis consequências: “que consequências
podemos esperar?”.
11. Determinar a política financeira, do pessoal e de
procedimento da organização: ”que diretrizes necessitamos
a fim de controlar as atividades e alvos?”.
12. Estabelecer padrões: ”que condições precisam ser
cumpridas para se atingir os alvos e os objetivos?”.

De forma bem prática (BAHIA, 2006), aplica o


planejamento estratégico no processo de plantação de igrejas,
nas seguintes áreas:

1. Na escolha do local. Segundo (BAHIA, 2006) o plantador


de igrejas só tem uma vida e não deverá usá-la em um lugar
que não seja estratégico;
90 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

2. Na construção do templo. Para (BAHIA, 2006) não existem


templos definitivos e o plantador de igrejas não deve medir
o tamanho da igreja pelo tamanho do templo;
3. Na definição de um estilo. Cada igreja deve ter sua
identidade definida e ser fiel a ela.
4. Na definição do público alvo.

A plantação de uma igreja não é uma tarefa para


aventureiros, nem para quem não tenha um compromisso
sério com Deus, estabelecido pela firme convicção de que fora
chamado por Deus para tal incumbência.
O mundo clama por uma ação urgente do povo de
Deus, levando a luz, o sal e a esperança para essa geração
que está em processo de autodestruição, pelo aumento da
iniqüidade e o contínuo afastamento de Deus. Somente a
plantação de igrejas saudáveis, como comunidades que
expressam e testificam a presença do reino de Deus entre os
homens, conforme anunciado por Jesus: O tempo é chegado,
o Reino de Deus está próximo. Arrependam-se e creiam nas
boas novas! (Mc 1.15 – NVI). Somente isto pode restaurar a
humanidade e estabelecer a glória de Deus.
Resta-nos o desafio de proclamarmos o evangelho,
insta quer tenhamos tempo ou não, precisamos plantar igrejas,
não como forma de competição, ou de maneira comercial,
mas como estratégia de tornar a Palavra de Deus acessível
ao homem que está perdido na escuridão. A igreja precisa se
apresentar como um farol que guia o navegante perdido ao
porto, nesse caso, Jesus Cristo, o Redentor.
Não temos como negar e nem alegar a ignorância para
tal compromisso, pois as Escrituras deixam claro a ordem e a
promessa de Jesus: Foi me dada toda a autoridade nos céus e
na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações,
batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,
ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu
estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos. (Mt 28.19-20
– NVI).
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 91

IV. CUIDADOS NECESSÁRIOS COM AQUELES


QUE VÃO
Hoje nos deparamos com um desejo ardente de enviar
missionários que é animador. Mas este ardor não pode produzir
leviandade na hora do envio, por isso é comum nos depararmos
com candidatos mal preparados.
Candidatos mal preparados hoje são missionários
frustrados amanhã. O tempo que o missionário gasta se
preparando em sua terra, é tempo economizado no local onde
ele será enviado. Não podemos confundir pressa com urgência,
é comum ouvir falar de pessoas que esperaram por décadas
antes de serem enviadas aos seus campos.
Por outro lado não podemos confundir preparo com
procrastinação. A demora pode ser tão danosa quanto a pressa.
A demora destrói sonhos, quebra o ímpeto, cansam aqueles
que estão envolvidos no processo.

1. PROVIDÊNCIAS A SEREM TOMADAS PARA A


FORMAÇÃO DO CANDIDATO.

a) Estabelecer metas claras e atingíveis.


Uma das primeiras providências a serem tomadas
na formação do candidato é estabelecer metas claras e que
poderão ser alcançadas. Este cuidado torna o processo
transparente e com menor possibilidade de frustrações. A falta
de planejamento obstrui a realização da obra missionária (Lc
14:28-33).
Tanto missionários como pastores querem
que suas igrejas cresçam e desejam que
suas congregações expandam em missão,
mas não estão dispostos a pagar o preço de
uma administração cuidadosa, intencional,
disciplinadora e visionária. (VAN ENGEN,
1996).

Existe muita resistência em nosso meio quando


falamos em planejamento, talvez porque para muitos isto é
92 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

perfeitamente desnecessário, uma vez que Deus está na frente


de tudo, e se for da vontade dele tudo vai dar certo.
O ideal é que o candidato e a igreja/agência saibam
antecipadamente quais os passos serão dados desde o
recrutamento até o envio; saibam quais os procedimentos legais
que precisam ser tomados, se possível que tenham inclusive um
plano de trabalho no campo, definindo qual a responsabilidade
do missionário no campo, para que no retorno se possa medir
o trabalho do missionário.

b) Estabelecer a preparação adequada.


Uma segunda providência que precisa ser tomada na
formação do candidato é estabelecer um preparo adequado.
Uma das principais causas de retorno precoce dos missionários
é a falta de preparo adequado.
O Dr. William Taylor, secretário da comissão de Missão
da WEF escreveu o seguinte:

Calcula-se que da força missionária global,


um missionário em cada 20 (5,1% da força
missionária) deixa o campo para voltar para
casa a cada ano. Destes que saem, 71%o
fazem por motivos evitáveis. O que estes
números nos dizem? Se estimamos a atual força
missionária internacional transcultural de
longo prazo em 150.000 pessoas – um numero
bastante conservador – uma perda anual
de 5,1% representa 7.650 missionários que
deixam o por ano. Para um período de 4 anos
este número pula para 30.600. este é o total de
perdas missionárias, somados todos os motivos.
A porcentagem evitável de 71% de 30.600
representa 21.726 missionários. (TAYLOR,
1998).

2. A EFICÁCIA NA PREPARAÇÃO MISSIONÁRIA.


O índice de perdas apresentado por William Taylor
é algo inaceitável. Devemos pensar em maneiras de reduzir
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 93

este retorno prematuro. É preciso ser eficaz na preparação


missionária.
a) Um processo de discipulado eficiente.
Segundo a missionária e professora de missões
Margaretha Adiwardana:
A igreja local é vital porque provê o contexto
para o preparo pessoal dos futuros missionários,
ajudando os candidatos a confirmar seu
chamado para missões. Uma igreja que
discípula seus missionários conhece-os bem.
Ela pode acompanhar os candidatos pelo
processo de treinamento anterior ao campo
e dar sugestões específicas para o programa
de cada um. Em seu contexto os candidatos
podem por em prática o que estão aprendendo.
(TAYLOR, 1998).

b) Uma boa formação acadêmica.


Trata-se de um modelo bem conhecido e aplicado no
mundo ocidental. O treinado recebe o ensino teórico visando
alcançar seu credenciamento acadêmico. O fator preponderante
neste modelo é a busca do conhecimento.

c) A formação do caráter do candidato.


É importante que estejamos preocupados com a
espiritualidade de nossos candidatos, mas não podemos perde
de vista outras áreas de sua vida. É preciso conhecer o caráter
daquele que estamos enviando ao campo. Portanto é de suma
importância que se invista em tempo e convivência.
É preciso que sejam levantadas questões relacionadas
ao caráter do candidato, questões relacionadas ao casamento,
como se lida com o sexo oposto, se problemas do passado
estão bem resolvidos, como o candidato lida com dinheiro,
qual é a sua disposição quanto a ser submisso, se é equilibrado
doutrinariamente, como reage à pressão; dentre outras questões
que revelaram o interior do candidato.
94 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS

Estas questões precisam ser respondidas antes do envio


e, se for necessário, é melhor adiar este envio. Tempo gasto
aqui é tempo poupado no campo.
A crise do caráter é tão grande hoje no meio evangélico,
que podemos não nos envergonhar do evangelho, mas com
certeza nos envergonhamos de ser evangélicos.

d) Compreender que o ciclo de treinamento e cuidado com


o vocacionado nunca termina.
O cuidado da igreja local com seu missionário prossegue
durante todo o tempo em que ele estiver servindo ao Senhor
em algum lugar deste mundo. (PRADO, 2000).
Apresentamos algumas ideias práticas que podem
ajudar a igreja a fazer este trabalho continuado junto ao seu
missionário, não permitindo assim que o vinculo se rompa.

1º) Mantenha aberta a linha de comunicação. Com


a modernidade e a tecnologia que estamos vivendo,
ninguém precisa viver isolado. Com a facilidade da
internet podemos manter contato diário com o nosso
missionário. Recentemente participamos de uma
conferencia missionária em que o missionário pode falar
ao vivo com a igreja, por telefone, no meio do culto
fazendo seus pedidos de oração e interagindo com a igreja
que estava reunida, foi uma experiência encantadora.
A igreja que realmente é comprometida com
missão sabe da importância de uma carta, de um e-mail,
um telefonema. E quem está do outro lado sabe muito
bem a importância disto.

2º) Vá visitar a ovelha que está no campo.


Depois de um tempo no campo, o missionário como
qualquer outra ovelha do seu rebanho precisa receber
uma visita. Está será uma oportunidade para:
 Demonstrar carinho
 Levar presentes
 Ouvir o missionário
 Dar ânimo
PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 95

 Reafirmar o compromisso da igreja com ele


 Conhecer a realidade em que ele vive
 Está não é a oportunidade para cobrar resultados

3º) Missionário também tem direito a férias.


Geralmente, quando retorna a seu país, o missionário
tem sua agenda abarrotada de compromissos com
igrejas e mantenedores, que nem sempre tem tempo para
descansar, sem contar que muitas igrejas, ao saber que o
missionário está de férias, cortam o sustento.
Visitar os mantenedores é importante assim com
ter tempo para ficar com a família, visitar amigos, ir à
praia, ter profissionais de saúde providenciados pela
igreja para atendê-los.
O nosso modelo de enviado é o Senhor Jesus. Deus
envia o Filho e o Filho envia os discípulos. Ao que nos
parece Jesus não ficou aguardando ser convocado, mas
se prontificou a ser enviado. Assim sejamos nós.
CONCLUSÃO

A plantação de uma igreja não é uma tarefa para


aventureiros, nem para quem não tenha um compromisso
sério com Deus, estabelecido pela firme convicção de que fora
chamado por Deus para tal incumbência.
O mundo clama por uma ação urgente do povo de
Deus, levando luz, sal e esperança para essa geração que está
em processo de autodestruição, pelo aumento da iniqüidade e
o contínuo afastamento de Deus.
E necessário e urgente plantar igrejas saudáveis,
comunidades que expressem e testifiquem a presença do reino
de Deus entre os homens, conforme anunciado por Jesus: O
tempo é chegado, o Reino de Deus está próximo. Arrependam-
se e creiam nas boas novas! (Mc 1.15 – NVI). Somente assim
é possível restaurar a humanidade e estabelecer a glória de
Deus.
Resta-nos o desafio de proclamar o evangelho, insta
quer tenhamos tempo ou não. Precisamos plantar igrejas,
não como forma de competição, ou de maneira comercial,
mas como estratégia de tornar a Palavra de Deus acessível
ao homem que está perdido na escuridão. A igreja precisa se
apresentar como um farol que guia o navegante perdido ao
porto, nesse caso, Jesus Cristo, o Redentor.
Não temos como negar e nem alegar a ignorância para
tal compromisso, pois as Escrituras deixam claro a ordem e a
promessa de Jesus: “foi me dada toda a autoridade nos céus e
na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações,
batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,
ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu
estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mt 28.19-
20 – NVI).
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