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CRÉDITOS

Conteudista

Álvaro Kalix Ferro

Adriana Ramos de Mello

Coordenação - EaD

Daniella Gonçalves Cabeceira de Azevedo

Revisão

Kátia Carolina dos Santos

Design e Diagramação

Allan Mendes de Jesus


SUMÁRIO

Unidade I: A Evolução do Conceitos de Gênero e Direitos Humanos das Mulheres . . . . . . . . 1


Seção 1: Conceitos de Gênero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1. Apresentação: Gênero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.1 Diferença entre gênero e sexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.1.1. Aproximação conceitual: Gênero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.1.2. Histórico do conceito e seus desdobramentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2. O feminismo e as suas contribuições. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2.1. Patriarcado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Seção 2: História da Mulher na Sociedade Contemporânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.1. Reflexões iniciais sobre a desigualdade e a violência contra as mulheres no Brasil15
2.2. O papel da mulher no Brasil (fim do século XIX e início do XX ) e seu impacto nas
legislações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
O caso Ângela Diniz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.3. O movimento de mulheres e a Constituinte. A Constituição do Brasil de 1988. . . 22
2.4. A Constituição Federal e a Lei Maria da Penha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Seção 3: Direitos Humanos das Mulheres. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
3.1. Da Declaração Universal dos Direitos Humanos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3.2. A Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.3. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.4. Da Convenção da Mulher (CEDAW). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.4.1. O Comitê da Cedaw, seu papel e suas recomendações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.4.1.1 A Recomendação 33 da CEDAW. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31
3 .4 .1 .2 A Recomendação 35 da CEDAW . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33
3.5. Da convenção de Belém do Pará. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Re
ferências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43
Violência Doméstica - Unidade 1

UNIDADE I
A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE GÊNERO E DIREITOS
HUMANOS DAS MULHERES

Olá, cursistas, sejam bem-vindas (os) ao nosso curso sobre violência doméstica.

Nesta primeira unidade vamos estudar os conceitos de gênero e os principais

desdobramentos do conceito. Teremos acesso às principais autoras que os elaboraram,

aprenderemos um pouco sobre a história do feminismo e veremos quais contribuições

esses estudos trouxeram para a compreensão do fenômeno da violência de gênero e,

consequentemente, da violência doméstica.

O conteúdo desta unidade está subdividido em:

Seção 1. Conceitos de Gênero

Seção 2. História da Mulher na Sociedade Contemporânea

Seção 3. Direitos Humanos das Mulheres

Ao final da Unidade I, esperamos que vocês tenham conseguido apropriar-se dos

fundamentos normativos e da literatura relativos às questões de gênero, da história da mulher

na sociedade contemporânea e dos Direitos Humanos das mulheres, com vistas a correlacioná-

los com o trabalho judicial no que se refere à violência doméstica e familiar.

Vamos iniciar nossos estudos?

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Violência Doméstica - Unidade 1

Seção 1

Conceitos de Gênero

1. Apresentação: Gênero

Gênero diz respeito à forma como somos socializados, isto é, como as nossas atitudes,

comportamentos e expectativas são formados com base no que a cultura atribui como apropriado

ao sexo feminino ou masculino. Ele é formado, resumidamente, por um conjunto de características

sociais, culturais, políticas, psicológicas, jurídicas e econômicas atribuídas às pessoas de forma

diferenciada de acordo com o sexo. (LOURO, 1997)

Essas características são aprendidas e legitimadas em diferentes espaços: na família, na

escola, no grupo de amigos, nas instituições religiosas, no ambiente de trabalho, nos meios de

comunicação. (PISCITELLI, 2009)

1.1 Diferença entre gênero e sexo

Gênero não pode ser confundido com sexo, enquanto o primeiro trata-se de toda construção

social relacionada ao sexo biológico, o segundo são as diferenças anatômicas e biológicas entre

homens e mulheres, como por exemplo, genitálias e aparelho reprodutivo.

Joan Scott (1980), uma das principais estudiosas sobre o tema, esquematizou uma nova

forma de se pensar o gênero. A partir de uma crítica às concepções de gênero e sexo na época,

reforça uma utilidade analítica para o conceito de gênero para além de um mero instrumento

descritivo, chamando a atenção para a necessidade de se pensar na linguagem, nos símbolos e

nas instituições que eram vinculadas ao masculino e ao feminino e sair do pensamento dual que

recai no binômio homem/mulher, masculino/feminino.

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1.1.1. Aproximação conceitual: Gênero

Diferente do que ocorre com a conceituação biológica, a distinção de gênero está intimamente

ligada à construção social e sofre interferência histórica, temporal e no espaço.

Gênero, portanto, é fruto de uma construção predominantemente social. A mulher, por

exemplo, já esteve limitada ao espaço da esfera privada, do lar. Não lhe era permitido, a certo

tempo, estudar ou trabalhar fora de casa. Permanecia, por essa construção social, num patamar

inferior ao do homem, a quem competia o mando no lar, mas também todo o espaço público.

Ao excluir-se a mulher da esfera pública, emergia grave problema: a violência. O espaço

privado, locado à mulher, como tal, não poderia sofrer interferência do Estado ou, a grosso modo,

a interferência era mínima, o que contribuiu para a perpetuação dessa violência.

1.1.2. Histórico do conceito e seus desdobramentos

Afirma-se que a origem do conceito e a sua distinção do conceito de sexo surgiu no campo

médico, baseada em investigações com pessoas intersexuais realizadas por John Money (1952) e

Robert Stoller (1968). De acordo com Money:

(...) o comportamento sexual e a orientação sexual do sexo macho ou do sexo

fêmea não tem fundamento inato1. Stoller, por sua vez, afirma que gênero se

refere a grandes áreas da conduta humana, sentimentos, pensamentos e

fantasias que se relacionam com os sexos, mas que não tem uma base biológica2

Para Stoller, o sentimento de ser mulher ou homem é mais importante do que as


1 DORLIN, Elsa. Sexo, Género y sexualidades: instroduccion a la teoria feminista, p. 31 apud CRUZ, Rúbia Abs. Lei
Maria da Penha: a compreensão da violência de gênero no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de
Justiça, p. 12; apud PIMENTEL, Silvia. Gênero e Direito, Enciclopédia Jurídica da PUCSP, Tomo Teoria Geral e Filosofia
do Direito, Edição 1, abril 2017.
2 STOLLER, Robert. Sex and gender. P. VII, apud, FACIO, Alda; FRIES, Lorena. Género y derecho, p. 14. Apud PIMENTEL,
Silvia. Gênero e Direito, Enciclopédia Jurídica da PUCSP, Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, p. 1, Edição 1, abril
2017.

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características anatômicas.

Na área das ciências sociais, em 1972, Ann Oakley escreveu Sexo, Gênero e Sociedade, primeira

obra deste campo científico a utilizar gênero como construção sociocultural que transcende a

diferença biológica entre homens e mulheres bem como a binaridade masculino e feminino3.

Scott afirma, em Gênero, uma categoria útil para análise (1995)4, que gênero é fruto de

uma construção social, causando uma fissura na ideia de que a determinação do gênero dos

indivíduos seria consequência natural do sexo biológico. Afirma, ainda, que as definições do que

seja masculino e feminino são reflexos dos processos de socialização vividos pelos sujeitos.

Para Scott, gênero e poder estão interligados e as definições de gênero estão umbilicalmente

relacionadas às representações de poder em determinada conjuntura político-social. Além disso,

algumas dessas definições teóricas tinham ligação com doutrinas religiosas, educativas, políticas

ou jurídicas, que chancelam e acabam por perpetuar as definições do que seja homem e mulher,

masculino e feminino.

A autora afirma que é importante o estudo para problematizar o lugar da mulher em relação

ao homem no tempo e no espaço, tecendo críticas especialmente ao patriarcalismo, retratando

que gênero tem uma história. Para ela:

(...) o uso do conceito de gênero coloca ênfase sobre todo um sistema de relações

que pode incluir o sexo, mas que não é diretamente determinado pelo sexo, nem

determina diretamente a sexualidade. (SCOTT, 1995, p. 7).

Afirma Scott que é no campo das ciências humanas e da crítica, na linha pós-estruturalista,

que a discussão de gênero toma uma direção de categoria de análise, preconizando gênero como

3 FACIO, Alda. FRIES, Lorena. Ob. cit., p. 15. Apud PIMENTEL, Silvia. Gênero e Direito, Enciclopédia Jurídica da
PUCSP, Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, p. 1, Edição 1, abril 2017.
4 SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Educação & realidade, v. 20, p. 7.
PIMENTEL, Silvia. Ob. cit., p. 3.

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sendo elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças entre os sexos, e forma

de significar as relações de poder”.

Partindo deste contexto, é possível definir que as relações sociais entre homens e mulheres

foram construídas num cenário de disputa política, que num primeiro momento histórico

privilegiou os homens.

Tratando da temática, Judith Butler (1991), a partir da famosa frase de Simone de Beauvoir

(Não se nasce mulher, torna-se mulher), aduz que o gênero é desalojado do sexo. Afirma que,

fazendo uma junção da fraseologia de Sartre com a de Beauvoir poderíamos dizer que ‘existir’

nosso corpo em termos culturalmente concretos significa, pelo menos em parte, tornarmo-nos

nosso gênero (Butler, 1991, p. 139).

Rose Marie Muraro e Leonardo Boff (2002, p. 18), afirmam que:

Não basta constatar as diferenças. É imprescindível considerar como elas foram

construídas social e culturalmente. Em particular, como se estabeleceram as

relações de dominação entre os sexos e os conflitos que suscitam; a forma

como se elaboram os distintos papéis, as expectativas a divisão social e sexual

do trabalho; como foram projetadas as subjetividades pessoais e coletivas /

(MURARO; BOFF, 2002, p. 17)

Fato é que, os estudos sobre gênero revelam classificações diversas, inclusive, mas não

exclusivamente, aquela que será retratada mais adiante, as denominadas ondas do feminismo.

1.2. O feminismo e as suas contribuições

O movimento feminista é constituído de vários momentos que são chamados de ondas.

Entre o fim do século XIX e o ano de 1950, ocorre, no Ocidente, a luta pela igualdade de

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direitos civis e políticos entre homens e mulheres, inicialmente na Europa e América do Norte;

na URSS, pela luta por igualdade de direitos econômicos, sociais e culturais. Ocorreram, também,

os chamados movimentos sufragistas e as lutas operárias.

Nesse período, sexo e gênero eram considerados de origem biológica, geneticamente

herdados e imutáveis, tanto pelas características físicas como pelas sociopsicológicas que

distinguiam o macho da fêmea; o masculino do feminino.

Historicamente, a construção das identidades feminina e masculina reservou às mulheres o

ambiente privado e ao homem o espaço público. Segundo PIMENTEL, essa dicotomia de lugares e

hierarquia existentes entre homens e mulheres é justificada para manter as relações de poder que se

estabeleceram em favor dos homens, especialmente por inúmeras teorias essencialistas5. E acrescenta:

Durante e após as duas grandes Guerras Mundiais (1914-1918 e 1940-1945), a presença das

mulheres nos espaços sociais, laborais, científicos e culturais − ocupados até então quase

que exclusivamente por homens − produz profundas transformações nas práticas sociais e

mentalidades coletivas6, o que foi pavimentando o caminho para uma nova fase em que o

conceito de gênero passa a ser objeto de críticas, desconstruções e reconstruções. Em 1949,

Simone de Beauvoir, em sua paradigmática obra O segundo sexo, elaborou análise sobre a
mulher e buscou afastar qualquer determinação “natural” relativa à condição feminina ao

afirmar que: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico,

econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da

civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam

de feminino”7. O argumento central encontra-se na atribuição do caráter sociocultural às

diferenças existenciais entre homens e mulheres. Nesse sentido, ser homem ou ser mulher

não é um destino determinado biologicamente, mas antes uma construção social8.

5 PIMENTEL, Silvia. Ob. cit., p. 3.


6 SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado e violência, p. 145.
7PIMENTEL, Silvia. Ob. cit., p. 4.
8 PIMENTEL, Silvia. Ob. cit., p. 5.

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O movimento feminista não começou com Simone de Beauvoir, mas houve em diversos

momentos históricos anteriores iniciativas políticas de mulheres buscando alterar uma posição

subalterna na sociedade, a ponto de alguns estudiosos considerarem a existência de múltiplos

movimentos feministas.

Um desses exemplos são as chamadas sufragistas, que lutavam no início do século passado

para que as mulheres tivessem o mesmo direito de votar que era concedido aos homens, isto é, a

luta pelo sufrágio feminino.

A primeira onda foi chamada de “sufragismo”, ou seja, movimento voltado para estender o

direito do voto às mulheres. Esse movimento alastrou-se por vários países ocidentais.

Esta luta redundou em conquista a esse direito nos seguintes países: URSS, com a Revolução (1917);

Alemanha (1918); EUA (1919); Inglaterra (1928); Brasil (1932); França, Itália e Japão (1945); Suíça (1973).

Aqui no Brasil as mulheres conquistaram o direito ao voto em 1932 através do Decreto n.

21.076 instituído no Código Eleitoral Brasileiro, e consolidado na Constituição de 1934.

Um ano após foi eleita Carlota Pereira de Queiróz, primeira deputada federal brasileira,

integrante da assembleia constituinte dos anos seguintes.

Fonte: Foto da deputada Carlota Pereira

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No final da década de 1960 surge a “segunda onda”. É nesse segundo momento que

o feminismo, além das preocupações sociais e políticas, irá se voltar para as construções

propriamente teóricas.

A teoria essencialista sobre gênero (determinismo biológico) é criticada duramente por

construcionistas sociais, os quais ressaltam aspectos relacionais como dimensão fundamental de gênero.

No âmbito do debate que a partir de então se trava, entre estudiosas e militantes, de um

lado, e seus críticos ou suas críticas de outro, será engendrado e problematizado o conceito de

gênero (Louro, 1997).

Algumas obras hoje clássicas — como, por exemplo, “O segundo sexo”, de Simone Beauvoir

(1949), The feminine mystíque, de Betty Friedman (1963), Sexual politics, de Kate Millett (1969) —

marcaram esse novo momento.

A importância de Simone de Beauvoir, filósofa e escritora francesa, que em 1949 publicou um

livro inovador, O segundo sexo, no qual ela contestava o efeito das lutas feministas por igualdade

de direitos para eliminar a dominação masculina.

Ela considerava que eliminar a dominação masculina era muito mais do que reforma nas leis.

Ela acreditava que era mais importante combater o conjunto de elementos que impediam que as

mulheres fossem realmente autônomas: a educação que preparava mulheres para o casamento,

a maternidade e agradar aos homens; o caráter opressivo do casamento para as mulheres; o fato

de a maternidade não ser livre, já que não havia métodos contraceptivos que permitissem às

mulheres a escolha se desejavam ou não ser mães, isto é, de normas diferenciadas que permitiam

muito maior liberdade sexual aos homens; e ainda a falta de trabalhos e profissões dignas e bem

remuneradas às mulheres que dessem a elas a real independência econômica (Piscitelli,2009).

Simone considerava que a posição da mulher é uma construção social. Autora de uma das

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frases mais citadas pelas feministas: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.”

O segundo sexo é considerado precursor do feminismo da “segunda onda”.

Embora Simone de Beuavoir seja referência por lançar a pedra fundamental na construção

da teoria de gênero, não há, em sua obra, uma formulação específica de gênero como conceito.

Na segunda onda do feminismo o conceito de gênero se aprimora como construção social,

tempo em que foram desenvolvidas reflexões filosóficas e jurídicas, assim como pesquisas na área

das ciências sociais, especialmente história, sociologia, antropologia e ciência política.

O conceito de gênero desenvolvido pelo movimento feminista, nesta época, atribui grande

importância à socialização como instrumento de criação e manutenção de desigualdades entre as

pessoas. Além disso, a igualdade entre os sexos foi bastante defendida nessa segunda onda feminista.

Heleieth Saffioti, contudo, destaca a relação do patriarcado como elemento central da

desigualdade, ao afirmar: “Tratar esta realidade (a mulher na sociedade) exclusivamente em

termos de gênero distrai a atenção do poder do patriarca, em especial como homem/marido,

‘neutralizando’ a exploração-dominação masculina”.9

PIMENTEL leciona que as características comportamentais de cada indivíduo

são consideradas produtos das expectativas, exigências e performances,

implícitas ou explícitas, da sociedade em determinado tempo e espaço e que

ao afastar as justificativas biológicas, gênero permite descortinar as relações

de poder existentes na sociedade de raízes patriarcais , as quais privilegiam os

homens em diversos aspectos da vida privada e pública, e relegam as mulheres

a uma posição de subalternidade, situação de pobreza e de marginalidade

social, sendo ainda, em casos mais graves, à violência e ao feminicídio10

9 BUTLER, Judith. El género en disputa: el feminismo y la subversión de la identidad, p. 78.


10 PIMENTEL, Silvia. Ob. cit., p. 5.

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Os estudos de gênero realizados nos anos de 1960 e 1970 contribuíram sobremaneira para

desnaturalizar a opressão sofrida pelas mulheres. Nesse período, ainda, desenvolveu-se o ativismo de

gays, lésbicas, bissexuais e transexuais, estimulando o debate sobre sexualidades e orientação sexual.

Na década de 1980, a categoria gênero, ainda com foco na condição da mulher e na sua

emancipação, passa a se incorporar definitivamente nas mais diversas disciplinas, especialmente

das ciências sociais. Enquanto isso, nos idos de 1970, no Brasil, a luta das feministas contra a

ditadura torna-se um marco histórico.

PIMENTEL (2017), ao encerrar considerações sobre a segunda onda, afirma:

Em síntese, neste período, o conceito de gênero refere-se preponderantemente

ao aspecto sociocultural do ser mulher, captado como algo construído e não

exclusivamente biológico, não meramente dado. Nesta forma, o conceito foi

bastante estratégico para a luta das mulheres e conquista de seus direitos, pois

sua situação hierarquicamente inferior de subordinação social pôde não mais

ser vista como destino e, sim, como algo construído socialmente.11

A terceira onda do feminismo ocorre a partir dos anos de 1990. No contexto de nova ordem

mundial, da sociedade de informação, da pós-modernidade, surge, então, um questionamento

radical sobre o sistema binário de gênero.

Gênero e sexo passam a ser criticados como discursos normativos que conferem sustentação

ao dispositivo binário de gênero. O período consolida-se como um momento de ruptura do

sistema binário de gênero: homem/mulher; masculino/feminino.

Surge, desde então, a afirmação de novas identidades de gênero e também a ideia

de desconstrução dessa identidade de gênero, colocando em seu lugar a ideia de fluidez e

11 CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos
ao gênero. Estudos feministas, ano 10. Apud PIMENTEL, Silvia, ob. cit., p. 6

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Violência Doméstica - Unidade 1

performances de gênero.

A filósofa feminista Judith Butler, lembrando Monique Wittig, aduz que gênero é

pressuposto para que as pessoas possam adquirir significado dentro da linguagem.

Ao comentar a obra de Butler, PIMENTEL aduz que, para ela:

(...) o gênero não deve ser somente visto como a inscrição cultural de significado

em um sexo previamente dado; deve também indicar o aparato mesmo de

produção por meio do qual os próprios sexos são estabelecidos (...) A hipótese

de um sistema binário de gênero, em seu entender, sustenta implicitamente a

ideia de uma relação mimética entre gênero e sexo, na qual o gênero reflete o

sexo ou − ao contrário − é por ele limitado.

O trabalho de Butler foi considerado base fundamental da teoria queer. Sobre a teoria queer,

declarou Judith Butler:

Queer é um movimento que toma uma direção não esperada, que contesta as

normas dominantes, de modo que lésbicas, gays, intersex, bissexuais, trans,

trabalhadoras sexuais podem viver com menos medo no mundo (...) Há entre o

homem e a mulher diferenças hormonais, fisiológicas, nos cromossomos. Mas

embora trabalhemos [a sociedade] com pensamento binário há variações, um

continuum entre um e outro. Pesquisas revelam que biologia não é determinação,

que o gênero resulta de uma combinação única, em cada um de nós, de fatores

biológicos, sexuais, de função social, do auto-entendimento, da representação

de gênero. Descobriu-se que os hormônios são interativos e há várias maneiras

em que podem ser ativados. Inclusive o desenvolvimento dos neurônios está

ligado ao ambiente. O que acontece depende em parte da vida que se vive.”

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Violência Doméstica - Unidade 1

(Entrevista coletiva prévia à sua conferência no “I Seminário Queer – Cultura

e Subversões das Identidades”, realizado por Sesc e Revista Cult, setembro de

2015, UFSC)

A quarta onda do feminismo, por sua vez, vem demarcado pela interseccionalidade entre

gênero e outros marcadores sociais da diferença e desigualdade, tais quais classe, raça, etnia,

geração, orientação sexual, identidade de gênero.

Trata-se de buscar em outros marcadores sociais representativos de desigualdades e

diferenças, um recorte que se aproxime mais ainda da realidade opressora vivenciada pelas

mulheres, suas demandas e lutas específicas em sua concretude existencial, plural e diversa.

Isso porque foi constatado, a partir da história, que as reivindicações da mulher cisgênera,

branca, heterossexual, de classe média, a título de exemplo, não conseguiram abarcar as

especificidades e diferenças das pautas das mulheres negras, das mulheres em situação de

pobreza, das mulheres indígenas. Tampouco conseguiram abarcar as lutas e demandas das

mulheres lésbicas e transgêneras, mulheres com deficiência, mulheres refugiadas, mulheres

encarceradas, dentre outras.

Acerca da interseccionalidade, ensina Crenshaw: “é uma conceituação do problema que

busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos

da subordinação”12.

Crenshaw trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão

de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as

posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Cuida, ainda, da forma como as

ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo

12 DAVIS, Angela. As mulheres na construção de uma nova utopia, apud RIBEIRO, Djamila. Prefácio. Mulheres, raça
e classe. Apud PIMENTEL, Silvia, ob. cit., p. 6.

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Violência Doméstica - Unidade 1

aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento.

Essa autora aprofundou as bases teóricas dessa interação que envolve gênero, raça, classe,

dentre outros marcadores sociais.

PIMENTEL (2017) ao tratar de gênero, raça e classe, apresenta as valiosas palavras da Angela

Davis, grande ícone das lutas libertárias antirracista, feminista e contra a opressão de classe:

Claro que classe é importante. É preciso compreender que classe informa a

raça. Mas raça, também, informa a classe. E gênero informa a classe. Raça é a

maneira como a classe é vivida. Da mesma forma que gênero é a maneira como

raça é vivida. A gente precisa refletir bastante para perceber as intersecções

entre raça, classe e gênero, de forma a perceber que entre essas categorias

existem relações que são mútuas e outras que são cruzadas. Ninguém pode

assumir a primazia de uma categoria sobre as outras.

No Brasil, Heleieth Saffioti, afirma:

O gênero, a raça/etnia e a classe social, sendo todos fenômenos que estruturam

relações sociais , apresentam suas peculiaridades, porque se inscrevem no

domínio da história (...) o gênero, informado pela desigualdade social, pela

hierarquização e até pela lógica da complementaridade traz embutida a

violência (...) condiciona a percepção do mundo circundante e o pensamento13.

O desenvolvimento do conceito de interseccionalidade tem, com isso, possibilitado maior

amplitude e se revelado estratégico para lidar com as discriminações e desigualdades, bem como

a violência que assola a mulher.

13 SAFFIOTI, Heleieth I.B.; ALMEIDA, Suely Souza. Violência de gênero: poder e impotência, apud PIMENTEL, Silvia;
SCHRITZMEYER, Ana Lúcia P.; PANDJIARJIAN, Valéria. Estupro crime ou “cortesia”? Abordagem sociojurídica de
gênero, p. 19. Apud PIMENTEL, Silvia. Ob. cit., p. 7

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Violência Doméstica - Unidade 1

1.2.1. Patriarcado

E um sistema social na qual a diferença sexual serve como base da opressão e da subordinação

da mulher pelo homem, o poder patriarcal pode ser entendido em função do âmbito familiar,

como poder do pai sobre a esposa e sobre os filhos (Piscitelli, 2009).

Em termos mais amplos, o poder patriarcal diz respeito à dominação masculina sobre os

corpos das mulheres, para fins reprodutivos e sexuais.

Fonte: Propagandas Históricas

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Violência Doméstica - Unidade 1

Seção 2

História da Mulher na Sociedade Contemporânea

Olá, cursistas! Chegamos a segunda parte da Unidade I, aqui abordaremos as referências

históricas e também os movimentos sociais que desencadearam importantes mudanças

legislativas na busca de igualdade e de não discriminação à mulher.

Ao tratar do tema, Nolasco (2001, p. 33) assevera que a violência tem sido reconhecida, durante

séculos, como uma referência de masculinidade e usada como ferramenta pela qual o sujeito se

sentia reconhecido como homem. Ao longo da História, segundo Nolasco, a conquista pelo uso da

violência vem se distanciando do atributo da força física, mas continua a ser identificada como

potencial de dano causado.

O culto à masculinidade continua sendo reproduzido em legislações de diversos povos,

inclusive no Brasil. Desde o período colonial, é perceptível a identificação de domínio do masculino

sobre o feminino.

2.1. Reflexões iniciais sobre a desigualdade e a violência contra as mulheres no Brasil


O Brasil foi Colônia de Portugal entre os anos de 1532 e 1822, isto é, desde a primeira

expedição oficial até à proclamação da independência. Assim, o país “colonizador” teve forte

influência sobre a legislação brasileira.

Durante os anos de colonização, a Coroa Portuguesa era quem ditava as regras e costumes

a serem seguidos pelos moradores da Colônia, época em que foram inseridas normas culturais,

além do sistema jurídico, econômico, religioso e político vigentes em Portugal.

O Brasil foi, então, submetido às denominadas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas.

O Código Filipino, como chamadas as Ordenações Filipinas, é retratado como o documento

15
Violência Doméstica - Unidade 1

oficial a instituir a Justiça na Colônia brasileira do século XVI a XIX, primeira legislação que

cuidou de matéria penal, em vigor de 1603, quando impressa, até 1831, quando passou a vigorar o

Código Criminal do Império, aprovado em 1830.

As Ordenações Filipinas, em seu Título XXXVIII, davam tratamento mui diferenciado entre

homens e mulheres. Garantiam ao marido, literalmente, o direito de matar a mulher caso a

apanhasse em adultério14. Dizia, inclusive, que em caso de adultério, poderia o marido traído levar

consigo pessoas que o ajudassem a matá-la, desde que não fossem inimigos da adúltera por outra

causa que não o próprio adultério.

A permissão do assassinato da mulher na mera hipótese de adultério reflete a sociedade

com raízes machistas que aflorava à época, numa codificação que durou quase 230 anos.

Não havia nas Ordenações Filipinas um dispositivo com a mesma carga de consequência

caso o adúltero fosse o marido. Estudos indicam que no Brasil a violência, além de sistemática,

tem relação com essa tradição de cultura patriarcal, desenvolvida a partir da colonização, donde

havia a naturalização da condição de submissão total da mulher em relação ao homem. “O marido,

pai e demais figuras masculinas de autoridade exerciam o poder sobre as mulheres, controlando

suas vidas e limitando a sua esfera de vida ao ambiente doméstico” (DEL PRIORE, 2011, p. 160,

apud MELLO, 2018, p. 86).

Enquanto as mulheres adúlteras eram passíveis de sérios castigos e até de pena de morte, os maridos

em situação equivalente tinham as suas atitudes como simples aventuras passageiras, até justificadas

pelo comportamento poligâmico do marido. Cabia à mulher, apesar disso, manter a paz conjugal e do lar,

respeitar e manter a honra do marido, sob pena de ser, inclusive, morta, como antes mencionado.

A mulher no Brasil Colônia era vista como uma propriedade masculina. Isso iniciava-se na

14 Disponível em: https://www.diariodasleis.com.br/tabelas/ordenacoes/1-274-103-1451-04-05-38.pdf. Acesso em 11


set. 2018.

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Violência Doméstica - Unidade 1

relação pai e filha e, quando se casasse, perpetuava-se na relação marido e mulher. Essa dinâmica

implicava no dever da mulher em assegurar a honra do pai ao manter-se virgem e, depois, a honra

do marido, ao manter-se fiel. Nesse contexto, honra era um atributo nítida e essencialmente

masculino e que cabia à mulher preservar.

Assim, “a honra era construída como um bem do homem” (SABADELL, 1999, p. 80; apud

MELLO 2018, p. 86), pai ou marido, apesar de caber à mulher, com a vigília e abstinência do seu

corpo, a sua manutenção.

Na época das Ordenações Filipinas era permitido ao marido/pai, ainda, o enclausuramento

forçado de esposa e filhas. Era possível manter-se a mulher ou filha sob cárcere privado.

Quando de uma acusação de adultério, não era permitido à mulher sequer falar, muito

menos informar a sua versão dos fatos, já que, na hierarquização imposta pelo patriarcado, só

ao homem cabia a fala e a versão do ocorrido. Sem ter como se defender, a consequência, via de

regra, era punição injusta e legitimação do domínio masculino.

Proclamada a Independência, o Brasil deixou de ser uma colônia portuguesa e passou a

ter, por óbvio, necessidade de legislações próprias. Em 1830, então, adveio o Código Criminal do

Império, que passou a vigorar após a sua impressão em 1831.

Algumas coisas mudaram, tal qual a possibilidade de o marido poder matar a esposa apanhada

em adultério. Essa regra não foi encartada na legislação do Brasil Império. Do contrário, foi prevista

punição tanto ao marido quanto à esposa que matasse o cônjuge adúltero (pena de 1 a 3 anos).

Porém, algumas desigualdades ainda foram mantidas. Por exemplo, se o marido tivesse a

relação duradoura com uma amante, isso não seria considerado adultério, mas concubinato (art.

250 e seg. do Código Criminal de 1830), sem previsão de reciprocidade com relação à mulher.

Mais tarde, o Código Civil de 1916 considerou adultério, partisse do marido ou da mulher,

17
Violência Doméstica - Unidade 1

trazendo-o, inclusive, como causa a possibilitar o denominado desquite.

O referido Código ainda continha sérias desigualdades de tratamento entre homens e

mulheres. No Código Civil de 1916, vigente até 2002, na redação originária trazia a mulher como

relativamente incapaz para o exercício da cidadania. “Não tinha o direito de exercer o pátrio poder,

abrir conta bancária, fixar o domicílio do casal, estabelecer atividade comercial, viajar sem expressa

autorização do marido. Do ponto de vista legal, a mulher casada era equiparada ao silvícola e ao

pródigo, uma vez que o marido era formalmente o seu tutor” (CAMPOS e CORRÊA, 2007, p.72).

A mulher só conquistou o direito ao voto com a aprovação do Código Eleitoral em 1932, que

no seu art. 2º asseverou: É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na

forma desse Código (Decreto 21.076 de 24 de fevereiro de 1932).

Em 1962 adveio, em resposta ao tratamento discriminatório do Código Civil de 1916, o

Estatuto da Mulher Casada, fundado na orientação da Organização dos Estados Americanos

(OEA), na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Convenção Interamericana sobre a

Concessão dos Direitos Civis da Mulher.

A Lei do Divórcio n. 6.515 de 1977, aprovada após longa tramitação no Congresso Nacional,

isto é, cerca de 20 anos depois, possibilitou a dissolução do vínculo matrimonial.

Naquela época, por proposta do Senador Nelson Carneiro, criou-se no Congresso Nacional

uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para examinar a situação da mulher, o que acabou

servindo de poderoso instrumento à formalização de denúncias de discriminações praticadas

contra as mulheres no Brasil (CAMPOS e CORRÊA, 2007, p. 74).

Apesar de todos os avanços legais listados acima, o costume de matar a mulher em nome da

defesa da honra nos tribunais ainda perduraria.

18
Violência Doméstica - Unidade 1

2.2. O papel da mulher no Brasil (fim do século XIX e início do XX ) e seu impacto

nas legislações

No século XIX, o Brasil passou por muitas transformações, especialmente em razão do

capitalismo. Houve uma corrida do campo para a cidade, em busca de alternativas maiores de

convívio social; ocorreu a ascensão da burguesia e o surgimento de uma nova mentalidade (burguesa),

reorganizadora das vivências familiares e domésticas do tempo e das atividades femininas.

O casamento entre famílias ricas e burguesas servia para ascensão social ou manutenção

do status. A virgindade era como um dispositivo capaz de manter a posição da noiva como objeto

de valor econômico e político, sobre o que se assentava o sistema de herança e de propriedade

que garantia a linhagem da parentela. O cultivo à maternidade aparece em diversos romances da

época, como Senhora, de José de Alencar, Os Dois Amores, de Joaquim Manoel de Macedo, e Iaiá

Garcia, de Machado de Assis (MELLO, 2018, p. 87-88).

Até a metade do século XX, a divisão de tarefas entre os cônjuges era bem específica,

competindo ao marido o domínio e a força da sociedade conjugal, ao passo que à mulher cabiam

as tarefas típicas do lar, tais quais os cuidados domésticos, com os filhos e marido. A principal

função da mulher ainda era a procriação (maternidade).

Entretanto, a vida familiar destinava-se, especialmente, às mulheres das camadas mais

abastadas e o fato de ser casada significava um status privilegiado, pois a mulher pobre, em

contrapartida, não se via nesse ideário de família, já que o homem a quem se unia, normalmente

sendo pobre, não conseguia ser o único mantenedor da casa, tendo ela de ir à lida, isto é, trabalhar.

Como o lar era esse espaço sagrado das famílias, especialmente das mais abastadas, com

todos os mandos destinados ao marido/pai, as violências ocorridas em seu âmbito não eram tidas

como problema social e político, mas que dizia respeito só aos seus membros. Apesar do número

19
Violência Doméstica - Unidade 1

elevado de mulheres que sofriam maus-tratos e outras violências, a questão era vista como algo

privado, sem que o Estado pudesse interferir (LAGE, 2012, p. 287).

Perdurou, ainda, uma evidente discriminação: a legislação imperial, isto é, o Código Criminal

do Império, bem como aquela que a sucedeu, constava, quando do trato de crimes sexuais, a

preocupação em salvaguardar apenas aquela a quem denominava de “mulher honesta”, que pela

compreensão geral era recatada e tinha a conduta marcada pelo pudor e por uma sexualidade

controlada, restrita ao leito conjugal, ou seja, ao próprio lar.

Esse termo (mulher honesta) foi mantido em pelo menos uma tipificação penal até o ano

de 2005, diga-se, o art. 219 do Código Penal que se viu alterado pela Lei Federal 11.106/2005 que

também alterou, por razões óbvias, a nomenclatura dos chamados “Crimes contra os Costumes”

para “Dos Crimes contra a Dignidade Sexual”.

O termo “mulher honesta” representava um juízo de valor extremamente subjetivo que,

segundo MELLO (2018, p. 89), tem origem no patriarcado, limitando os crimes de posse sexual

mediante fraude e atentado violento ao pudor mediante fraude à proteção de determinadas

mulheres. Assim, pela interpretação decorrente do contexto cultural, as mulheres que viviam

profissionalmente do comércio do sexo e as consideradas socialmente promíscuas não estavam

protegidas pela tutela do Direito.

Essa discriminação era uma verdadeira afronta à Constituição Federal/88 e aos Tratados

Internacionais de Direitos Humanos das Mulheres ratificados pelo Brasil.

Na década de 1970 houve uma intensificação dos movimentos feministas no mundo e igualmente

no Brasil. Nesse tempo ocorreram muitas denúncias de casos de violência contra as mulheres e vários

debates surgiram, inclusive sobre a extensão e formas dessa violência, posto que eram praticamente

desconsideradas até então as violências emocional e psíquica a que eram submetidas.

20
Violência Doméstica - Unidade 1

O caso Ângela Diniz

Um dos casos de violência de maior repercussão – e que causou grande comoção

no Brasil – foi o assassinato de Ângela Diniz, em 30 de dezembro de 1976, por seu

namorado Doca Street, no Balneário Armação, em Búzios – RJ, após o rompimento da

relação por parte da vítima (ELUF, p. 91, 2017)

No primeiro julgamento pelo Tribunal do Júri, Doca Street foi absolvido sob a

tese defensiva de legítima defesa da honra. O resultado fez com que houvesse intensa

mobilização, inicialmente por parte dos movimentos feministas e, ato seguinte, por

parte da sociedade, reivindicando o fim da violência contra a mulher com o slogan

“quem ama não mata”, o que se referia à afirmação de Doca Street de que teria “matado

por amor”. A acusação recorreu da decisão e, em novo julgamento, houve a condenação

de Doca Street a 15 anos de prisão.

Nesses julgamentos, a defesa baseou-se no direito de Doca Street defender a sua

honra e impunha a Ângela Diniz o estereótipo de “vênus lasciva”, acusando-a de ter

diversos casos amorosos com outros homens e mulheres, o que seria inaceitável.

A luta por punição para o crime acima desencadeou significativas mudanças no que se

refere aos movimentos sociais feministas diante dos crimes perpetrados contra as mulheres e

que eram tidos como passionais no Brasil, tornando público o debate sobre a violência contra a

mulher e exigindo políticas públicas apropriadas ao enfrentamento dessa violência.

Um dos resultados mais visíveis desse movimento, sem dúvida, foi a criação e a instalação

21
Violência Doméstica - Unidade 1

das Delegacias de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM). Essas delegacias, porta de

atendimento inicial do Sistema de Justiça, visavam um tratamento mais atencioso e personalizado

à mulher vítima de violência, além, é claro, de dar maior efetividade à investigação. Apesar de

ter como objetivo prestar um atendimento mais humanizado à vítima, nos primórdios de sua

criação, havia pouca compreensão das relações e da violência de gênero das pessoas que eram

encaminhadas a essas unidades (RIFIOTIS, 2004).

2.3. O movimento de mulheres e a Constituinte. A Constituição do Brasil de 1988


O movimento de mulheres também esteve presente nos debates da Constituinte (BARSTED,

1994) de forma bastante acentuada. Ante o aprofundamento dos estudos sobre os direitos da mulher

tendo como foco os novos temas feministas, o atendimento nos grupos “SOS-Mulher” acabou por

credenciar mulheres a atuarem junto ao Poder Constituinte (SARTI, 1988) e estas foram convidadas

a expor nas comissões temáticas, movimento que recebeu o codinome de lobby do batom.

A luta das mulheres durante a década de 1980 gerou a inserção de direitos outrora não

abrangidos pelas constituições brasileiras na nova Carta Magna, a Constituição Federal de 1988,

que inclusive possibilitou a “realização e devida concreção de um novo Código Civil, devidamente

atrelado à igualdade almejada” (CAMPOS e CORRÊA, 2007, p. 75)

A Constituição Federal de 1988 contemplou, de modo textual, significativa sugestão desse grupo

de mulheres, isto é, o §8 do artigo 226, a saber: O Estado assegurará a assistência à família na pessoa

de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Esse dispositivo constitucional possibilitou, mais tarde, aquela que também seria fruto da

organização e do debate feminista, ou seja, a Lei n. 11.340/2006, chamada de Lei Maria da Penha,

uma das melhores e mais completas do mundo, segundo a ONU.

22
Violência Doméstica - Unidade 1

2.4. A Constituição Federal e a Lei Maria da Penha

Aliás, também com base nesse dispositivo que na Ação Direta de Inconstitucionalidade

(ADI) 4424 e na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 19, o Supremo Tribunal Federal

reconheceu a constitucionalidade da Lei Maria da Penha. O Ministro Dias Toffoli, ao proferir seu

voto no julgamento da ADI 4424, asseverou:


(...) No julgamento do HC nº 106.212, proferi um voto que iniciei lembrando as
Ordenações Filipinas, que vigoraram, em matéria penal, até 1830, quando da edição
do Código Penal do Império. E dizia um dispositivo das Ordenações o seguinte:
“Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar
assim a ela como o adúltero, SALVO SE o marido for peão e o adúltero, fidalgo”. A
evolução civilizatória relativamente à mulher aconteceu ao longo de todo o século
XIX e do século XX, principalmente. E a Constituição brasileira tem um ponto, sim,
específico que vai além do princípio mais amplo da dignidade, que é o já referido aqui
nos votos proferidos - especialmente no voto do eminente Relator -, § 8º do art. 226,
o qual estabelece que o Estado tem a obrigação, o dever de coibir a violência no seio
familiar e de criar mecanismos para tanto. Naquela oportunidade do julgamento
do habeas corpus, também lembrei a violência contra a criança. Naquele momento,
eu referi que o mais cruel criminoso, o mais vil bandido que se possa pensar, se
confessar um crime sob tortura, nós iremos, aqui, anular essa confissão. E o mais
vil bandido, que não tiver um advogado de defesa, Ministra Rosa, terá direito a um
defensor público para defendê-lo. Quem defende a mulher e a criança no seio familiar,
dentro da casa? Não há, ali, defensor dativo, não há um advogado a ser nomeado.
Manter a exigência de representação - penso que equacionou muito bem o eminente
Relator - para o início desse dever do Estado, que é coibir a violência doméstica,
vai de encontro ao comando contido no § 8º do art. 226 do texto constitucional. E
esse dispositivo não está, como todos, na Constituição por acaso. Lá está porque
faz parte de uma mudança cultural e civilizatória. Vejam, Vossas Excelências, que
eu citei uma lei. Pode parecer muito tempo, mas não faz duzentos anos, há menos
de duzentos anos atrás, ainda, no Brasil, podia o homem que encontrasse a sua
mulher em adultério matá-la, e ao adúltero, dependendo do seu status social. Mas

23
Violência Doméstica - Unidade 1

a ela, sempre, ele poderia matar. É um processo civilizatório e o Estado é partícipe


hoje dessa promoção, ao contrário do que foi no passado, quando discriminava.
Sem dúvida nenhuma, que, no caso, se aplica , igualmente, o princípio da dignidade
da pessoa humana, independentemente de sexo, origem, raça, cor etc, como está
no nosso texto constitucional. Por isso, Senhor Presidente, e fundamentando,
especificamente, o meu voto no art. 226, § 8º, da CF/88, para além do princípio da
dignidade da pessoa humana, já citado, eu acompanho o eminente Relator e julgo
procedente a ação.

Das lições emanadas pelo Ministro Marco Aurélio em seu voto proferido na ADI 4424, p.14,

percebeu-se a importância do movimento de mulheres na luta pelos seus direitos e contra a

violência, ao asseverar15: Representa a Lei Maria da Penha elevada expressão da busca das

mulheres brasileiras por igual consideração e respeito.

O movimento feminista, portanto, teve vital importância para as modificações legislativas e para

o reconhecimento de igualdade de direitos entre homens e mulheres assegurando, inclusive, com a

base constitucional, a possibilidade de ocorrência da chamada discriminação positiva que será tratada

em tópico próprio, quando da análise da Lei n. 11.340/2006, a denominada Lei Maria da Penha.

Seção 3

Direitos Humanos das Mulheres

Chegamos a terceira (e última) parte da unidade 1. Na seção 3 conheceremos normas de

direitos humanos (nacionais e internacionais) que tratam sobre os direitos das mulheres.

Para início, vale enfatizar que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789

sequer fazia menção às mulheres. Revoltando-se contra essa omissão, conta-se que a feminista

Olympe de Gouges escreveu, em setembro de 1791, a Declaração dos Direitos das Mulheres e da

15 ADI 4424, http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6393143. Acesso em 24 mar. 2019,


às 13h.

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Violência Doméstica - Unidade 1

Cidadão, defendendo igualdade de direitos, o que lhe custou a vida em uma guilhotina, em Paris,

em 1793. Sua história e o documento por ela lavrado fazem parte do acervo da Biblioteca Virtual

de Direitos Humanos a USP16.

Retrato de Olympe de Gouges

Apesar de os esforços para integração da mulher no cenário sociopolítico nos séculos XVIII

e XIX, apenas no século XX houve avanços.

A partir do século XX foram produzidos tratados e convenções com temas interligados

aos direitos das mulheres, mediante forte luta empreendida pelos movimentos feministas, a

reinvindicação do direito ao voto e a inserção da mulher no mercado de trabalho, já que antes lhe

era reservado o espaço privado, do lar.

3.1. Da Declaração Universal dos Direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos17, foi adotada e proclamada em Assembleia

Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.

Ali foi proclamado que:


16 Fonte: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-
da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-dos-direitos-da-mulher-e-da-cidada-1791.html
17 Declaração Universal dos Direitos Humanos

25
Violência Doméstica - Unidade 1

• Artigo 1: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados

de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

• Artigo 2: Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados

na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua,

de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento

ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto

político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse

país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.

As mulheres tiveram participação decisiva no texto da Declaração.

Saiba mais clicando nesse link.

Percebe-se, portanto, que desde àquela época a participação das mulheres é de extrema

importância para o reconhecimento dos Direitos Humanos.

3.2. A Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena

A Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, realizada na capital austríaca, foi o ponto

de partida para a Declaração e Programa de Ação de Viena, marcando o início de um esforço para

a proteção e promoção dos direitos humanos.

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Violência Doméstica - Unidade 1

O Conselho de Direitos Humanos da ONU (foto), em Genebra, é uma das conquistas do sistema
internacional da área nestes 20 anos. Foto: ONU/Pierre Albouy.

Veja a Declaração de Viena e Programa de Ação (com possibilidade de tradução ao

português) pelo seguinte link.

Foi nessa Conferência Mundial de Viena, em 1993, que se reconheceu que os direitos das

mulheres integram a categoria dos Direitos Humanos.

A Declaração e Programa de Ação de Viena foi descrita por Pillay como “o mais importante

documento sobre os direitos humanos produzido no último quarto de século e um dos mais

fortes documentos de direitos humanos dos últimos 100 anos”.

Veja o vídeo a seguir, relativo aos 20 anos da Conferência (2013), com a participação de

Malala Yousafzai (ativista de direitos educacionais), Nadine Labaki (atriz e produtora libenesa),

27
Violência Doméstica - Unidade 1

Salma Hayek (atriz e ativista), dentre outros, que tratam da igualdade de direitos entre homens e

mulheres e de outras temáticas.

3.3. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos

No Sistema Interamericano, temos as seguintes fontes precursoras:

a) Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 30/4/1948), inclusive

anterior à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10/12/1948;

b) Pacto de San José da Costa Rica, de 1969.

A mencionada Declaração Americana (item a, 1948) recebeu elogios por afirmar princípios da

universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos e a correlação entre direitos e deveres. Porém,

recebeu críticas, já que se apresentava, acima de tudo, como uma Carta de Princípios Morais, além

de usar um título inapropriado na visão da mulher, qual seja, Declaração de Direitos do Homem.

O Pacto de San José (item b, 1969), a seu turno, trouxe algumas referências à mulher, tais

quais a do art. 6º que proibia o tráfico de mulheres e o art. 17 que igualava homens e mulheres no

tocante ao matrimônio.

3.4. Da Convenção da Mulher (CEDAW)

Em âmbito mundial, também chamado de Sistema Global no Direito Internacional, a

primeira normativa que tratou especificamente, e de forma mais ampla, dos direitos humanos

das mulheres, sem dúvida foi a CEDAW, isto é, a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas

de Discriminação contra a Mulher, aprovada em Assembleia da ONU em 18/12/1979. Essa norma

também é chamada de Convenção da Mulher ou de Carta Magna dos Direitos da Mulher. Acesse-a

por este link.

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Violência Doméstica - Unidade 1

A CEDAW propõe-se a promover a igualdade de gênero e reprimir quaisquer discriminações

contra as mulheres nos Estados-parte.

A CEDAW é como se fosse a Carta Magna dos direitos das mulheres (em termos

principiológicos, especialmente). Obriga os Estados-parte ao dever de eliminar a discriminação

contra a mulher por meio da adoção de medidas legais, políticas e programáticas.

As obrigações nela citadas dizem respeito a todas as esferas da vida, tais como questões

relacionadas ao casamento e às relações familiares e incluem o dever de promover todas as

medidas apropriadas visando eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer

pessoa, organização, empresa e pelo próprio Estado.

Em face dessas obrigações, diversos Estados-partes (pelo menos 23), fizeram reservas ao

ratificarem esta Convenção. A maior parte das reservas diz respeito à clausula de igualdade entre

homens e mulheres na administração da família, por questões religiosas, cultural ou mesmo legal

de alguns Países membros.

O Brasil, por exemplo, ao ratificá-la em 1984, apresentou reservas ao artigo 15, §4º, e ao

artigo 16, §1º (a), (c), (g) e (h) da Convenção.

O artigo 15 assegura a homens e mulheres o direito de, livremente, escolher o seu domicílio

e residência. O artigo 16 estabelece a igualdade de direitos entre homens e mulheres no âmbito

do casamento e das relações familiares. Eles iam de encontro às normas do Código Civil de 1916,

que privilegiava o homem em tais circunstâncias, e, em razão disso, o Brasil não os admitiu,

fazendo tais reservas.

Em 20 de dezembro de 1994 (6 anos após a promulgação da CF/88), o Secretário-Geral das

Nações Unidas foi notificado pelo Governo brasileiro acerca da eliminação destas reservas (mas a

mudança legislativa abrangente veio somente em 2002, com o CC).

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Violência Doméstica - Unidade 1

Bangladesh e Egito, a respeito da preconizada igualdade entre homens e mulheres, acusaram

o Comitê de praticarem “imperialismo cultural e intolerância religiosa” ao imporem cláusula de

igualdade entre homens e mulheres na família.

3.4.1. O Comitê da Cedaw, seu papel e suas recomendações

O Comitê da CEDAW, junto à ONU, possui um comitê especializado que monitora o progresso

e a efetivação da Convenção nas normas e políticas adotadas pelos Estados signatários. Além

disso, emite Recomendações aos Estados-parte. De suas recomendações mais relevantes, cita-se:

• A Recomendação n. 12: determina a inclusão de relatórios periódicos com informações

sobre a legislação vigente para proteger a mulher da violência, medidas adotadas para erradicação,

serviços de apoio e dados estatísticos sobre essa violência e o número de mulheres vítimas.

• A Recomendação n. 19: trata de adoção de medidas para o combate à violência pública ou

privada, por meio de leis e outras medidas para proteção eficaz das mulheres contra a violência

• Recomendação n. 33: que trata do acesso à justiça – justiciabilidade – foi traduzida para o

português em 2015.

• Recomendação n. 35: recentemente publicada em parceria com o CNJ, que aponta a

violência de gênero contra as mulheres em todos os espaços e esferas da interação humana, seja

pública ou privada. Isso inclui família, comunidade, espaços públicos, local de trabalho, lazer,

política, esporte, serviços de saúde e as organizações educacionais e também nos ambientes

digitais. O texto tem o objetivo de contribuir para combater toda forma de discriminação e

violência contra a mulher, tanto de maneira preventiva e protetiva quanto repressiva.

30
Violência Doméstica - Unidade 1

3.4.1.1 A Recomendação 33 da CEDAW

A Recomendação 33 trata-se de uma normativa bastante densa e que cuida do acesso das

mulheres ao sistema de justiça (desde a polícia). Ela observa e aponta obstáculos e restrições que

impedem ou dificultam o acesso à justiça, ressaltando o contexto estrutural de discriminação

e desigualdade, especialmente em face de estereótipos, leis discriminatórias, falha sistemática

em assegurar que os mecanismos judiciais sejam física, econômica, social e culturalmente

acessíveis a todas as mulheres.

Ele requer atenção dos atores do sistema de justiça, a fim de que não se opere a revitimização

por órgãos oficiais. Constam recomendações de atuação nas esferas do Direito constitucional,

civil, de família, penal, administrativo, social e trabalhista.

Uma recomendação interessante é que se assegure que, casos de violência contra as

mulheres, incluindo violência doméstica, sob nenhuma circunstância sejam encaminhados

para qualquer procedimento alternativo de resolução de disputas. Na verdade, não se aceita

tergiversar com a violência.

Outra questão bastante destacada na Recomendação 33 é a dos estereótipos e preconceitos

criados em torno da mulher e que se reproduzem culturalmente. Em seu bojo, afirma que:

• Os estereótipos e os preconceitos de gênero no sistema judicial têm consequências de

amplo alcance para o pleno desfrute pelas mulheres de seus direitos humanos.

• Eles impedem o acesso das mulheres à justiça em todas as áreas do direito, e podem ter

um impacto particularmente negativo sobre as mulheres vítimas e sobreviventes da violência.

• Os estereótipos distorcem percepções e resultam em decisões baseadas em crenças e

mitos preconcebidos em vez de fatos relevantes.

• Com frequência, juízes adotam rígidos estândares (parâmetros) sobre comportamentos

31
Violência Doméstica - Unidade 1

que consideram apropriados para as mulheres, penalizando aquelas que não agem conforme

esses estereótipos.

• Os estereótipos também afetam a credibilidade dada às vozes, aos argumentos e aos

depoimentos das mulheres no sistema de justiça sejam por como partes ou testemunhas.

• Esses estereótipos podem levar juízes a mal interpretarem ou mal aplicarem as leis e isso

traz profundas consequências, por exemplo, no direito penal, quando resulta que perpetradores

de violações a direitos das mulheres não sejam considerados juridicamente responsáveis,

mantendo-se assim uma cultura de impunidade.

• Magistrados e árbitros não são os únicos atores no sistema de justiça que aplicam, reforçam

e perpetuam estereótipos. Promotores, agentes encarregados de fazer cumprir a lei e outros

atores permitem, com frequência, que estereótipos influenciem investigações e julgamentos,

especialmente nos casos de violência baseada no gênero, com estereótipos, debilitando as

declarações da vítima/sobrevivente e simultaneamente apoiando a defesa apresentada pelo

suposto perpetrador. Os estereótipos, portanto, permeiam ambas as fases de investigação e

processo, moldando o julgamento final.

A respeito dos estereótipos e preconceitos na esfera judicial, em módulo próprio serão

analisadas decisões judiciais que degradaram a Lei Maria da Penha, que também é baseada na

Convenção da Mulher e na Convenção de Belém do Pará, que será tratada a seguir.

32
3.4.1.2 A Recomendação 35 da CEDAW

A Recomendação geral n. 35 do Comitê CEDAW complementa e atualiza as orientações aos

Estados Partes estabelecidas na Recomendação geral n. 19, devendo ser lida em conjunto com

esta. Esclarece que a expressão “violência contra as mulheres com base no gênero” é usada como

conceito mais preciso que explicita as causas e os impactos em termos de gênero desse tipo

de violência. Esta expressão reforça a compreensão desse tipo de violência como um problema

social, e não individual, que requer respostas abrangentes, para além de eventos específicos,

perpetradores individuais e vítimas/sobreviventes.

A recomendação deixa evidente que a violência com base no gênero afeta as mulheres

ao longo do seu ciclo de vida e, portanto, as referências às mulheres no documento incluem

as meninas e adolescentes. Tal violência assume múltiplas formas, incluindo atos ou omissões

destinados ou suscetíveis de causar ou resultar em morte ou danos físicos, sexuais, psicológicos

ou econômicos para as mulheres, ameaças de tais atos, assédio, coação e privação arbitrária de

liberdade.

Consta do documento que “os Estados Partes” têm a responsabilidade de prevenir tais

atos ou omissões por parte dos seus próprios órgãos e agentes, nomeadamente através da

formação e da adoção, implementação e monitorização de disposições legais, regulamentação

administrativa e códigos de conduta. Têm também a responsabilidade de investigar, julgar e

aplicar as sanções legais ou disciplinares apropriadas, bem como de garantir reparação, em todos

os casos de violência contra as mulheres com base no gênero, incluindo os que constituem crimes

internacionais, e nos casos de falha, negligência ou omissão por parte das autoridades públicas.

Ao fazê-lo, deverão ter em consideração a diversidade das mulheres e os riscos das formas de

discriminação interseccional.

33
E nesse sentido, o comitê recomenda, dentre outras medidas, que os Estados Partes adotem

e implementem medidas legislativas eficazes e outras medidas preventivas adequadas para lidar

com as causas subjacentes à violência contra as mulheres com base no gênero, incluindo atitudes

patriarcais e estereótipos, desigualdades no seio da família e negligência ou negação de direitos

civis, políticos, econômicos, sociais e culturais das mulheres, bem como promover a capacitação,

ação e voz das mulheres.

E, desenvolver e implementar medidas eficazes, com a participação ativa de todas as

partes interessadas relevantes, como representantes das organizações de mulheres e de grupos

marginalizados de mulheres e meninas, a fim de combater e erradicar os estereótipos, preconceitos,

costumes e práticas, previstos no artigo 5.º da Convenção, que toleram ou promovem a violência

contra as mulheres com base no gênero e subjazem à desigualdade estrutural entre mulheres e

homens. Essas medidas devem incluir:

• A integração de conteúdos sobre igualdade de gênero nos currículos de todos os níveis

de ensino, públicos e privados, desde a primeira infância e em programas educativos

com uma abordagem de direitos humanos. Tais conteúdos devem ter como alvo

os papéis de gênero estereotipados e promover os valores de igualdade de gênero e

não discriminação, incluindo masculinidades não-violentas, garantindo ainda uma

educação sexual abrangente para meninas e meninos, adequada à idade, fundamentada

e cientificamente precisa.

• Programas de sensibilização que: promovam a compreensão da violência contra as

mulheres com base no gênero como um fenômeno inaceitável e nocivo, forneçam

informação acerca das vias legais de recursos disponíveis para a combater e estimulem a

denúncia dela e a intervenção dos que a ela assistem; combatam o estigma experienciado

34
pelas vítimas/sobreviventes de tal violência, e desconstruam as crenças comuns de

culpabilização das vítimas segundo as quais as mulheres são responsáveis pela sua

própria segurança e pela violência que sofrem.

Esses programas devem ter como destinatários mulheres e homens em todos os níveis

da sociedade; profissionais dos setores da educação, saúde, serviços sociais e aplicação da lei e

outros profissionais e organismos envolvidos em respostas de prevenção e proteção, inclusive ao

nível local; líderes tradicionais e religiosos; e autores de qualquer tipo de violência de gênero, de

modo a evitar a reincidência.

Outro ponto importante da Recomendação 35 trata da obrigação de que os estados tem de

garantir a educação, capacitação e formação obrigatórias, recorrentes e efetivas dos magistrados,

advogados e agentes da autoridade, incluindo pessoal médico forense, legisladores, profissionais

de saúde, nomeadamente na área da saúde sexual e reprodutiva, em particular dos serviços de

prevenção e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis e do HIV, e a todos os profissionais

das áreas da educação, serviços sociais e de bem-estar, incluindo os que trabalham com mulheres

em instituições como casas de acolhimento, centros de asilo e prisões, para lhes permitir prevenir

e combater adequadamente a violência contra as mulheres com base no gênero.

Esta educação e formação devem promover a compreensão dos seguintes aspetos:

• De que forma os estereótipos e preconceitos de gênero levam à violência contra as

mulheres com base no gênero e a respostas inadequadas à mesma;

• O trauma e seus efeitos, a dinâmica de poder que caracteriza a violência nas relações

íntimas e as diferentes situações das mulheres que experienciam diversas formas de

violência baseada no gênero, o que deve abranger formas intersecionais de discriminação

que afetam grupos específicos de mulheres e maneiras adequadas de interagir com as

35
mulheres em contexto laboral e de eliminar os fatores que levam à sua revitimização e

enfraquecem a sua confiança nas instituições e agentes do Estado; e

• Disposições jurídicas e instituições nacionais sobre a violência contra as mulheres

com base no gênero, direitos legais das vítimas/sobreviventes, normas internacionais e

mecanismos associados e as suas responsabilidades nesse contexto, o que deve incluir

a devida coordenação e o encaminhamento entre diversos órgãos e a documentação

adequada de tal violência, com o devido respeito pela privacidade e confidencialidade

das mulheres e com o consentimento livre e esclarecido das vítimas/sobreviventes.

No que tange ao direito de acesso à justiça, o Comitê recomenda que os Estados Partes

implementem medidas relativas ao exercício da ação penal e punição da violência contra mulheres

baseada no gênero, como assegurar o acesso efetivo das vítimas aos tribunais e garantir que as

autoridades respondem adequadamente a todos os casos de violência contra as mulheres com

base no gênero, inclusive através da aplicação do direito penal e, se for caso disso, da acusação

como crime público, a fim de submeter os alegados agressores a um julgamento justo, imparcial,

imediato e rápido, e da imposição de sanções adequadas. Além disso, não devem ser impostas às

vítimas/sobreviventes taxas ou custas judiciais.

3.5. Da convenção de Belém do Pará


Uma norma de vital importância para os Direitos Humanos das Mulheres, desta vez feita

no âmbito interamericano, é a Convenção de Belém do Pará.

Acesse a Convenção de Belém do Pará aqui neste link aqui, ou ou por esta via

deste documento.

36
Violência Doméstica - Unidade 1

A Convenção de Belém do Pará data de 9.6.1994. Motivação maior, reconhecimentos e

compreensões:

• a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades

fundamentais e limita total ou parcialmente a observância, gozo e exercício de tais

direitos e liberdades

• a eliminação da violência contra a mulher é condição indispensável para seu

desenvolvimento individual e social e sua plena e igualitária participação em todas as

esferas de vida

• a adoção de uma convenção específica, no âmbito dos Estados Americanos, constitui

positiva contribuição no sentido de proteger os direitos da mulher e eliminar situações

de violência contra ela

O objetivo primordial da Convenção de Belém do Pará é prevenir, punir e erradicar a

violência contra a mulher.

Primeiro Tratado Internacional de proteção dos direitos humanos a reconhecer, de forma

enfática, a violência contra a mulher como um fenômeno generalizado, que alcança, sem distinção

de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, um elevado número de mulheres.

Dentre os seus CONSIDERANDOS, citam (...)

• PREOCUPADOS por que a violência contra a mulher constitui ofensa contra a dignidade

humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres

e homens

• RECORDANDO a Declaração para a Erradicação da Violência contra a Mulher,

aprovada na 25ª Assembleia de Delegadas da Comissão Interamericana de Mulheres,

e afirmando que a violência contra a mulher permeia todos os setores da sociedade,

37
Violência Doméstica - Unidade 1

independentemente de classe, raça ou grupo étnico, renda, cultura, nível educacional,

idade ou religião, e afeta negativamente suas próprias bases

No seu Art. 1, essa Convenção aduz:


Artigo 1. Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a
mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como
na esfera privada.18
A Convenção de Belém do Pará, semelhantemente com o que acontece com a
Lei Maria da Penha19, informa as violências por si abarcadas, descrevendo-as
no seu Art. 2:
Artigo 2. Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física,
sexual e psicológica:
a. ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação
interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua
residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;
b. ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre
outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição
forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em
instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e
c. perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.
No tocante aos direitos, no Artigo 3 da Convenção de Belém do Pará afirma
que toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, gozando de direitos
fundamentais como vida, integridade, liberdade e proibição de tortura.
A Convenção ainda destaca o direito ao acesso a funções públicas e à participação nos

assuntos públicos, além de outros direitos previstos no Artigo 4, bem como gozo de direitos civis,
18 O termo gênero, então, é utilizado para: “demonstrar e sistematizar as desigualdades socioculturais existentes
entre mulheres e homens, que repercutem na esfera da vida pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles
papéis sociais diferenciados que foram construídos historicamente, e criaram polos de dominação e submissão.
Impõe-se o poder masculino em detrimento dos direitos das mulheres, subordinando-as às necessidades pessoais
e políticas dos homens, tornando-as dependentes.” (Teles e Melo, 2003:16). VIOLÊNCIA DE GÊNERO: relacional,
assimetria de poder, dominação/submissão. Previsão na Lei Maria da Penha: art. 5º
19 A Lei Maria da Penha, em seu art. 7, menciona, as violências física, psicológica, sexual, moral e patrimonial, mas
resguarda o reconhecimento de violências que possam ser diferentes destas, ao apor o termo “entre outras” no seu
caput.

38
Violência Doméstica - Unidade 1

políticos, econômicos, sociais e culturais do Artigo 5.

Quanto à desigualdade de gênero, o Artigo 6 estabeleceu dois aspectos para assegurá-la: o

direito a não ser discriminada de qualquer modo e o direito à valorização e à educação, rompendo-

se com padrões estereotipados de comportamento e costumes fundados em conceitos de

inferioridade ou subordinação. Para tanto, exige-se dos Estados-partes o compromisso em adotar

“medidas específicas e programas para modificar padrões baseados em conceitos de inferioridade

ou superioridade de gênero e ‘papéis estereotipados para o homem e a mulher’ (art. 8º)”20

Os deveres dos Estados signatários da Convenção de Belém do Pará estão apostos,

especialmente, em seu Artigo 7, a saber:


Artigo 7 Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a
mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora,
políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se
em:
a. abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar
por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e
instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação;
b. agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a
mulher;
c. incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas
e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar
a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas
adequadas que forem aplicáveis;
d. adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir,
intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique
ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade;
e. tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar
ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou
consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência
20 Fernandes, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha: o processo penal no caminho da efetividade: abordagem
jurídica e multidisciplinar, p. 24. São Paulo: Atlas, 2015.

39
Violência Doméstica - Unidade 1

contra a mulher;
f. estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada
a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo
acesso a tais processos;
g. estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para
assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição,
reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes;
h. adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência
desta Convenção.

Os deveres assumidos, em casos de violência, legitimam ingresso na Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, o que vem bem delineado no Artigo 12 da Convenção de

Belém do Pará21. Esse mecanismo de monitoramento representa um enorme avanço22, já que não

fica adstrito apenas aos sistemas de relatórios23.

O Caso “Maria da Penha Maia Fernandes x Brasil” foi levado à Comissão Interamericana

de Direitos Humanos24 por petição fundada nos Artigos 44 e 46 da Convenção Americana de

Direitos Humanos25 e o Artigo 12 da Convenção de Belém do Pará, recebendo na CIDH o n. 12.051

, sendo condenado o Brasil a cumprir as suas recomendações, dentre elas a de ajustar a sua
26

legislação atinente à violência contra as mulheres.

Por sua vez, a Lei Maria da Penha traz em seu preâmbulo, detalha o seu conteúdo e a sua

base convencional e constitucional:


21 Artigo 12. Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou qualquer entidade não-governamental juridicamente
reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, poderá apresentar à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos petições referentes a denúncias ou queixas de violação do Artigo 7 desta Convenção por um
Estado Parte, devendo a Comissão considerar tais petições de acordo com as normas e procedimentos estabelecidos
na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, para a apresentação e consideração de petições.
22 Mello, Adriana Ramos de. Feminicídio: uma análise sociojurídica da violência contra a mulher no Brasil, p. 39, 2ª.
Ed.. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico (GZ Editora), 2017.
23 Vide as diversas relatorias: https://www.oas.org/es/cidh/mandato/relatorias.asp
24 Sobre o que é e as funções e atribuições da CIDH, vide: https://cidh.oas.org/que.port.htm
25 Fonte: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm
26 Fonte: https://www.cidh.oas.org/annualrep/2000port/12051.htm

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Violência Doméstica - Unidade 1

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos

do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas

de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e

Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica

e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução

Penal; e dá outras providências.

CONCLUSÃO
Na Seção 1, tratamos de gênero a partir de uma aproximação conceitual. A seguir, foram

abordados os desdobramentos do conceito de gênero, bem como a importância do desenvolvimento

desse conceito para a compreensão da violência contra as mulheres. Além disso, conhecemos um

pouco da história do feminismo e seus momentos históricos, mais conhecidos como ondas. Por

fim, delineamos os conceitos de gênero, raça e etnia, bem como suas interseccionalidades.

Na Seção 2, foi vista a História da Mulher na Sociedade e a Violência, com reflexões iniciais

sobre a desigualdade e a violência contra as mulheres no Brasil. Abordamos brevemente a

importância do movimento feminista no Brasil e sua contribuição no tocante à Constitução do

Brasil de 1988 e na criação da DEAM.

Por fim, na Seção 3, embarcamos nos Direitos Humanos das Mulheres, a partir da Declaração

Universal dos Direitos Humanos, passando pela Conferência Mundial de Direitos Humanos de

Viena e adentrando rapidamente no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Além disso,

tratamos da Convenção da Mulher (CEDAW), a Carta Magna dos Direitos Humanos das Mulheres,

seu Comitê, o papel deste e suas recomendações. Detalhamos, também, as Recomendações 33 e

35 do Comitê CEDAW, até chegarmos, enfim, na Convenção de Belém do Pará.

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Violência Doméstica - Unidade 1

Dessa forma, chegamos ao fim desta Unidade I, desejosos de que tenha sido de grande valia

ao seu dia-a-dia!

Vamos adiante, persista! Ainda teremos mais 3 unidades! Grande abraço!

42
REFERÊNCIAS

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plurais/coordenação de Djamila Ribeiro).

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44

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