Você está na página 1de 84

1

REDIDENCIA ITAJUBA ARTIGOS 2022

NAM MIOHO RENGUE KIO NAM MIOHO RENGUE KIO NAM MIOHO RENGUE KIO

1. Braz MS, Franco MHP. Profissionais Paliativistas e suas Contribuições na Prevenção de Luto Complicado. psicologia: Ciência e Profissão, v.37
n.1, Jan/Mar: 90-105. 2017.

2. Castro EK, Bornholdt E. Psicologia da Saúde X Psicologia Hospitalar: Definições e possibilidades de inserção profissional. Psicologia Ciência e
profissão, 2004, 24(3), 48-57.

3. Hermes HR, Lamarca ICA. Cuidados Paliativos: uma abordagem a partir das categorias de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 18(9): 2577-
2588,2013.

4. Kovács M J. O caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. bioét. (Impr). 2014; 22 (1):94-104.

5. Lustrosa M A. A família do paciente internado. Rev. SBPH, vol. 10. n. 1. Rio de Janeiro, junho, 2007.

6. Portela M. - Acolhimento: estratégia ou função - wordpress.com/2015/01/26.

7. Prado A J F, Silva E A, Almeida V A, Junior R F Ambiente médico: o impacto da má notícia em pacientes e médicos – em direção a um modelo
de comunicação mais efetivo. Rev. Med. (São Paulo), 2013, jan-mar, 92 (1):13-24.

8. Rossi L B, Guareshi N M F. A Psicologia Hospitalar e as Equipes Multidisciplinares. Rev. SBPH, vol. 7. n. 1. Rio de Janeiro, junho, 2004.

9. Schmidt B et al . Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Estud. psicol. (Campinas),
Campinas , v. 37, e200063, 2020

10. Signorini T, Ferretti F, Silva MEK. Práticas em Psicologia na Saúde Pública: aproximando cenários e contextos. Psicologia: Ciência e Profissão
2021, v.41nspe2, e194293,1-13

11. Silva MJP. O papel da comunicação na humanização da atenção à saúde. Revista Bioética, v.10, n.2: 73-88. 2002.

12. Silva TPS, Sougay EB, Silva J. Estigma social do comportamento suicida: reflexões bioéticas. Rev. biot. (Impr.). 2015; 23 (2):419-26.

Artigos:
1- Profissionais Paliativistas

2- Psicologia da Saúde X Psicologia Hospitalar

3- Cuidados Paliativos: uma abordagem a partir das categorias de saúde

4- O caminho da morte com dignidade

5- A família do paciente internado

6- Acolhimento: estratégia ou função

7- Ambiente médico: o impacto da má notícia em pacientes e médicos – em direção a um modelo de comunicação mais efetivo

8- A Psicologia Hospitalar e as Equipes Multidisciplinares

9- Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19).

10- Práticas em Psicologia na Saúde Pública: aproximando cenários e contextos.

11- O papel da comunicação na humanização da atenção à saúde

12- Estigma social do comportamento suicida: reflexões bioéticas

NAM MIOHO RENGUE KIO NAM MIOHO RENGUE KIO Nam mioho rengue kio
2

1- Profissionais Paliativistas e
suas Contribuições na
Prevenção de Luto Complicado

Resumo
Os cuidados paliativos buscam qualidade de vida baseada principalmente na prevenção e alívio do sofrimento
de pacientes que possuem doenças ameaçadoras de vida, englobando as esferas de ordem física, psicossocial
e espiritual. Além disso, estende-se ao pós-morte do paciente, oferecendo suporte à família no processo de luto.
Esta pesquisa qualitativa teve como objetivo compreender e analisar a formação dos profissionais em relação
ao processo de morrer do paciente e as percepções daqueles em relação às suas contribuições para a
prevenção de luto complicado da unidade de cuidado. A Teoria do Apego fundamentou teoricamente este
estudo. Participaram voluntariamente profissionais de saúde que integram formalmente equipes de cuidados
paliativos. Foi utilizado um questionário autoaplicativo para obtenção de dados acadêmicos, profissionais e de
cursos realizados, e uma entrevista semiestruturada. A análise das informações colhidas nas entrevistas foi
realizada através de transcrição e categorização das mesmas, seguida de análise de conteúdo. Os resultados
confirmaram que a formação dos profissionais em relação ao processo de morrer é escassa. Ademais,
observou-se que os profissionais de saúde que trabalham em cuidados paliativos possuem comportamentos de
apego, os quais são identificados como naturais nesse contexto, o que acaba por dificultar a percepção de que
são importantes contribuições para a prevenção de luto complicado da unidade de cuidado. Diante desses
resultados, a presente pesquisa trouxe a relevância sobre a necessidade da inserção das temáticas morte e
morrer na educação dos profissionais de saúde, o que pode contribuir para melhor assistência à unidade de
cuidado nos seus processos de luto.

Cuidados Paliativos; Unidade de Cuidado; Luto Complicado; Profissionais de Saúde

Introdução
O despreparo dos profissionais de saúde e as dificuldades pessoais diante da morte e do processo de morrer
retiram o direito do paciente e da família de expressar nesse momento pensamentos, sentimentos, preferências,
pendências que, por sua vez, estão diretamente relacionados com o processo de luto, seja ele antecipatório ou
pós-óbito do paciente. Sabe-se que a educação para morte direcionada aos profissionais de saúde e, no caso,
aos membros de equipes multidisciplinares de cuidados paliativos, ocorre raramente. Dessa forma, é relevante
e importante ter um olhar crítico em relação à formação desses profissionais, através de treinamentos e
educação continuada, a fim de que possam estar mais bem preparados para vivenciar e lidar com as demandas
naturais e inerentes do contexto de adoecimento, morte e luto (Liberato, 2015). Isso pode contribuir para uma
melhor assistência ao paciente e à sua família no processo de morrer, corroborando para a prevenção de lutos
complicados. Nesse sentido, a presente pesquisa pretendeu investigar se há uma associação entre a formação
dos profissionais paliativistas acerca dos processos de morte e morrer com a percepção deles sobre seus
comportamentos e atuações, e o quanto reconhecem que estes podem ter uma influência e colaboração no
desenvolvimento de processos de luto adaptativos da unidade de cuidado (paciente e família).

Cuidados paliativos
3

A World Health Organization –WHO (2004), em 2000, definiu os cuidados paliativos, enfocando uma qualidade
de vida baseada principalmente na prevenção e no alívio do sofrimento de pacientes que têm doenças
ameaçadoras da vida e englobando as esferas de ordem física, psicossocial e espiritual. A definição da WHO
para cuidados paliativos, focados no alívio e na prevenção de dor para uma boa qualidade de vida para o
paciente e sua família, enfatiza a também a necessidade de cuidados paliativos logo na detecção da doença,
juntamente com o tratamento curativo (modificador da doença), e não apenas no final de vida ( Lanken et al.,
2008; Matsumoto, 2012; Melo, & Caponero, 2009).

Utilizar cuidados paliativos desde o início do tratamento curativo possibilita, para o paciente e sua família,
contato com a equipe de profissionais responsáveis e, à medida que a doença crônica progressiva evolui e o
tratamento curativo perde sua eficácia em controlá-la ou modificá-la, os cuidados paliativos se tornam mais
necessários, até figurarem como exclusivos em virtude do quadro de incurabilidade ( Lanken et al., 2008; Maciel,
2008). Esse funcionamento propicia a construção de um vínculo de confiança entre a tríade paciente-família-
equipe, o que facilita e contribui para a articulação e o desenvolvimento de planos estratégicos de assistência
integral e contínua.

Neste estudo, levamos em consideração o caráter didático de funcionamento dos cuidados paliativos. No dia a
dia, observa-se que isso não é possível em razão de questões econômicas e da escassez de mão de obra
especializada, o que impede que uma equipe de cuidados paliativos acompanhe todos os pacientes com
doença crônica progressiva, ameaçadora e limitante da vida. Ocorre que, em sua maioria, as equipes de
cuidados paliativos entram no cenário quando já não há uma proposta de modificação ou estabilização da
doença, ou seja, quando o tratamento será conduzido em uma linha de um cuidado paliativo mais exclusivo, no
sentido de priorização de medidas de conforto. Nessa perspectiva, serão discutidos e recomendados objetivos
de tratamento que visem o conforto e as limitações terapêuticas para o paciente. Esta pesquisa, mais
especificamente, tratou de discussões de cuidados paliativos e limitações terapêuticas, buscando elucidar o
caráter fútil ou de baixo ou nenhum resultado que determinadas condutas podem ter frente aos objetivos
propostos, como será discutido mais adiante.

Cuidados paliativos e comunicação


De acordo com Forte (2009), muitas vezes o profissional de saúde não sabe como abordar o paciente e a
família sobre cuidados paliativos, ou teme fazê-lo, o que torna clara a importância da comunicação e suas
respectivas estratégias nesse momento. Um estudo prospectivo realizado com 164 famílias de pacientes
internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com o objetivo de correlacionar os níveis de satisfação da
família com a percepção sobre a forma como recebeu informações da equipe de saúde e com a assistência que
o paciente recebeu durante sua internação na UTI, constatou que informações insuficientes determinaram o
descontentamento. A acessibilidade aos médicos foi verificada como determinante principal de insatisfação,
sendo associada a conflitos que dizem respeito a prognósticos. Logo, constatou-se que a satisfação da rede
familiar e sua compreensão acerca da UTI podem melhorar com uma maior acessibilidade aos médicos e à
equipe de saúde (Fumis, Nishimoto, & Deheinzelin, 2008). Faz-se necessário acrescentar que o fato de a
equipe ser mais acessível às famílias, em relação as suas necessidades, emoções e dúvidas, contribui para o
desenvolvimento e a construção de um vínculo de confiança (Silva, 2001) e base segura.

Em cuidados paliativos, mais especificamente, muitos estudos têm sugerido que as conferências familiares,
também conhecidas como relação deliberativa, são a melhor forma de abordar e conversar com a família sobre
objetivos de tratamento e limitações terapêuticas, pois promovem um compartilhamento da carga de decisão e
suporte à família (Carlet et al., 2004), buscando-se sempre um consenso entre familiares e equipe. Tais
conferências configuram-se como um espaço aberto para escuta da família, sendo possível conhecer e
compreender seus pensamentos, sentimentos, medos, angústias e, a partir disso, responder a tais
necessidades, além de ajudar a promover o enfrentamento da situação – o que reverbera em segurança da
rede familiar em relação aos cuidados com o paciente e com a equipe.

Decisão compartilhada e a teoria do apego


Nesse panorama da decisão compartilhada, pode-se discutir o apego adulto, conceituado na Teoria do Apego
de John Bowlby. De acordo com esse autor, na primeira infância o comportamento de apego caracteriza-se
pelas ações da pessoa em alcançar ou manter a proximidade com um indivíduo específico e considerado como
mais apto para lidar com o mundo (Bowlby, 1989). Logo, tenta-se de buscar e usar esse indivíduo como uma
referência de base segura para explorar o desconhecido e como refúgio de segurança nos momentos de medo
(Main, 2001). O apego adulto, por sua vez, é definido como a tendência do indivíduo em fazer esforços
importantes a fim de procurar, manter proximidade e contato com uma pessoa ou pessoas específicas, que
4

ofereçam potencial subjetivo para segurança física e/ou psicológica ( Sperling, & Berman, 1994) –
diferentemente do apego de infância, esse tipo de apego envolve maior reciprocidade.

No contexto de compartilhamento de decisão sobre cuidados paliativos e objetivos de tratamento e limitações


terapêuticas para o paciente, os membros da rede familiar sentem-se com sua segurança ameaçada, já que
percebem esse momento como uma possibilidade de morte iminente. Em razão das peculiaridades de estresse
desse período, o apego adulto dessas pessoas será ativado e a forma como ele se apresentará e se configurará
vai variar de acordo com o modelo operativo interno de cada um, correlacionado ao contexto das relações e
pela interação entre os indivíduos (Sperling, & Berman, 1994). Logo, pode-se pensar que indivíduos com apego
seguro, os quais tiveram suas necessidades atendidas na infância, se sentindo seguros e, sabendo que tinham
uma figura que fornecia proteção e segurança (Ainsworth, 1991), tornaram-se pessoas com um nível de
organização maior, primordial para a situação de tomada de decisão.

Além disso, pode-se pensar que tais pessoas terão uma tendência a serem mais empáticas e abertas às
discussões com a equipe sobre a melhor conduta a ser seguida em relação ao paciente, podendo inclusive
construir uma relação na qual sentem-se seguros com a assistência dos profissionais. Nesse sentido, a equipe
pode significar uma base segura para os familiares, na medida em que responde às necessidades emocionais
(escuta, acolhimento, validação dos sentimentos e pensamentos) e às dúvidas que podem aparecer ao longo do
processo. No caso de pessoas com o apego inseguro ambivalente, ou seja, aquelas com um padrão de apego
inseguro, caracterizado por situações em que suas necessidades foram atendidas em alguns momentos, mas
em outros não, o que pode ter provocado falta de confiança em relação aos cuidadores, cuidados,
disponibilidade e responsividade (Ainsworth, 1991), pode-se pensar em uma tendência à ambivalência em
relação às discussões com a equipe quanto aos cuidados paliativos. Em outras palavras, essas pessoas
apresentam-se mais desorganizadas, oscilando em relação à confiança na equipe, procurando-a e escutando-a
em alguns momentos, mas em outros afastando-se. Já para aqueles com um padrão de apego inseguro
evitativo, os quais não tiveram suas necessidades atendidas na infância, tornando-se, muitas vezes, adultos
autossuficientes (Ainsworth, 1991), pode-se pensar em uma tendência a uma relação mais distante com a
equipe. Esses não estão claramente abertos às discussões sobre condutas, preferindo resolver por si mesmos
as questões em pauta.

Por fim, para os indivíduos que têm apego desorganizado, os quais tiveram experiências negativas durante o
seu desenvolvimento na infância (fatores de risco, como abuso ou maus-tratos, entre outros) ( Ainsworth, 1991)
e que, na vida adulta, em situações de estresse vivenciam um conflito sem conseguir manter a estratégia
adequada para lidar com a situação que os assusta (Main, 2001), pode-se pensar que eles têm um alto grau de
desorganização, incompatível com a situação de tomada de decisão, havendo uma tendência a se mostrarem
perdidos e sem referências da melhor conduta a ser tomada em relação ao paciente. Com experiência em
equipes de saúde e a vinculação que as mesmas possibilitam, Araujo e Negromonte (2010) apontam para a
importância do vínculo entre equipe e unidade de cuidado, mesmo que sua visão parta da posição oposta à do
paciente, o que ressalta ainda mais a importância de o profissional de saúde se ver como protagonista de
destaque na vinculação com o paciente.

O processo de luto e suas implicações


De acordo com Bowlby (1990), o luto é a resposta à ruptura de um vínculo significativo, no qual havia um
investimento afetivo entre o enlutado e o ente que se foi, elucidando que a dimensão do luto seja proporcional
ao grau de apego, considerando-se fatores relacionados à perda e seus significados. Diante desse cenário, o
enlutado vivencia uma série de mudanças relacionadas ao meio social, familiar, econômico, entre outras, de
maneira particular e singular, as quais vão estar associadas a como o enlutado experienciou o processo (de
doença, separação conjugal, mudanças geográficas etc.).

Por conseguinte, tal processo constitui-se como uma experiência subjetiva, ou seja, dotada de significado,
inserida em uma cultura e multideterminada (Franco, 2010). Falar em múltiplos fatores que constituem o
desenvolvimento desse processo e contribuem para que ele ocorra é identificar o significado e ou função de
determinada pessoa, animal ou coisa; o tipo de relação e vínculo estabelecido; em caso de morte, a idade e o
tipo de morte (naturais ou esperadas, acidentais ou inesperadas e suicídios), se existe o corpo e se foi possível
realizar os rituais funerários significativos para a família; crises vitais do enlutado; como foi a vivência durante o
processo de rompimento, em caso de morte, separações conjugais ou conflitos familiares, por exemplo; se
recebeu apoio efetivo e afetivo e se existe algum recurso espiritual ( Barbosa, 2010 Franco, 2002). Enfim, são
variáveis que podem influenciar na forma como esse luto será vivido e administrado e, por consequência,
contribuir tanto para o desenvolvimento do luto normal ou complicado.
5

Luto normal e luto complicado


A intenção neste estudo de discorrer e diferenciar um processo de luto normal de um processo de luto
complicado não foi calcada na construção de um pensamento patológico para o luto, mas na importância de se
estar atento às pessoas enlutadas por morte em relação às suas organizações psíquicas, cognitivas, sociais,
entre outras, principalmente para a prevenção de desorganizações dessas ordens, e não somente quando já
estão instaladas. Por conseguinte, o levantamento dos fatores de risco e proteção para o desenvolvimento do
luto complicado, além de uma avaliação clínica, faz-se relevante para uma visão integrada do indivíduo inserido
no contexto, se antevendo ao luto complicado, proporcionando intervenções precoces, bem como o
encaminhamento a serviços especializados, planejamento e desenvolvimento de ações preventivas ( Souza,
Moura, & Pedroso, 2010). Além disso, Bromberg (2000), Ruschel (2006) e Shear et al. (2011) pontuam que a
evolução do luto complicado pode vir a desencadear alterações no bem-estar de saúde. Disso se destaca a
relevância do tema e a necessidade da avaliação psicológica como ferramenta de prevenção para as pessoas
enlutadas. Rando et al. (2012) seguem a mesma linha de raciocínio e confirmam o que vem sendo discutido
neste estudo: 10% a 20% dos casos de luto não segue o curso normal de acomodação da perda, o que acaba
por criar transtornos que merecem avaliação clínica (Prigerson, 2004).

O luto normal, segundo Barbosa (2010), Franco (2010) e Ruschel (2006), é o processo pelo qual o indivíduo
compreende e aceita a perda do ente querido, adaptando-se à condição de viver sem aquela pessoa.
Evidentemente, esse tipo de luto permite que o enlutado fique triste, chore, sinta saudades. A questão não é
não sentir a perda, mas como é ela é sentida e administrada.

De acordo com Franco (2010), o luto complicado caracteriza-se quando a pessoa experimenta uma
desorganização prolongada que a impede de não retomar suas atividades com a qualidade anterior a
perda. Worden (2013) destaca manifestações que podem estar presentes no processo do luto complicado:
expressão de sentimentos intensos que persistem mesmo muito tempo após a perda; somatizações frequentes;
mudanças radicais no estilo de vida que tendem ao isolamento; episódios depressivos, baixa autoestima e
impulso autodestrutivo. Nesse sentido, vale questionar quais seriam os fatores de proteção e de risco para o
desenvolvimento do luto complicado, pontuando que os primeiros não isentam e não blindam o indivíduo de
viver e sentir a morte de um ente querido, porém podem auxiliar no sentido de tornar essa vivência um processo
razoável e saudável. Ressalta-se que os fatores de risco e proteção devem estar alinhados e compreendidos a
partir do contexto, da cultura, personalidade, função e do significado que o indivíduo narra para si mesmo sobre
tal acontecimento. Logo, eles podem variar de acordo com as variáveis citadas, ou seja, um mesmo fator pode
ser considerado de risco ou de proteção. Além disso, mesmo que seja identificado um fator de risco ou proteção
não significa que ele necessariamente vai ter efeito no processo de luto, e sim que há uma possibilidade de ser
protetor ou complicador.

A relevância de tal indagação tem como base não só a prevenção do luto complicado, mas também de
transtornos psicológicos, alterações endócrinas e neuroendócrinas e alterações psicofisiológicas (sono, apetite,
nível de cortisol, mudanças comportamentais em relação ao padrão anterior) que podem ser decorrentes
daquele. No Quadro 1 estão elencados os fatores de proteção que podem auxiliar na prevenção do luto
complicado; no Quadro 2 estão relacionados os fatores de risco que podem ser complicadores e contribuir para
o desenvolvimento do luto complicado – tais proposições sugerem padrões, não certezas.

Quadro 1    Fatores de proteção que podem auxiliar na prevenção do luto complicado.


Fator Por quê?

Apego seguro Pessoas demonstram maior organização e capacidade para integrar as (novas) informações; tendem a ativar a resiliência.

Qualidade do Uma relação sem conflitos e sem pendências tem um potencial complicador menor.
vínculo

Tipo de apoio Adequado, necessário, suficiente (Franco, 2002) e comunicação entre membros satisfatória. Configura-se como um apoio saudável e
6

Fator Por quê?

(como é percebido continente.


pelo enlutado;
avaliação subjetiva)

Realização de Importante para o processo de separação e despedida; auxilia no fechamento do ciclo (Franco, 2002).
rituais

Luto antecipatório Permite despedidas, resolução de pendências, início da construção de novos significados, identidades, relações (Franco, 2014; Gillies &
Neimeyer, 2006).

Tipo de morte Morte por doença crônica, sem sofrimento, por exemplo, situação na qual as pessoas tiveram tempo de se despedir do ente querido, de
resolver questões e pendências.

Luto reconhecido Valoriza a própria dor e a dor do outro, é empático. Importante decodificar o significado do luto para cada um, ou seja, tornar um código
pelo enlutado e comum entre o enlutado e quem o rodeia, para que possa ter seu luto reconhecido. Permite que a pessoa viva o processo de luto, ora
pela sociedade orientada pela perda, ora para a reparação (modelo do processo dual) (Stroebe, & Schut, 1999) e a manutenção de um vínculo saudável
(Klass, & Walter, 2001) sem necessariamente haver um rompimento definitivo.

Resiliência Não só como uma expressão de ação após a morte de um ente querido, mas antes disso. Nesse sentido, é importante contextualizar a
situação, as pessoas envolvidas, utilizando a resiliência como uma estratégia: capacidade de se perceber, a partir das habilidades, a fim de
criar alternativas possíveis – depende da personalidade do enlutado, do seu senso de competência e se foi desenvolvido um apego seguro. A
flexibilidade e a criatividade são características importantes na resiliência.

Quadro 2    Fatores de risco que podem ser complicadores e contribuir para o desenvolvimento do luto
complicado.
Fator Por quê?

Apego inseguro Pessoas mais desorganizadas e com contradições, sem encorajamento para avaliar as situações e identificar que estratégia deve
ser ativada. Como consequência, acabam por repetir padrões comportamentais fracassados.

Qualidade do vínculo Relação com conflitos e pendências ou relação de dependência entre o enlutado e o ente querido (Bromberg, 2000) tem potencial
complicador maior.

Ciclo vital Morte de crianças e jovens (Franco, 2002).

Tipo de apoio (como é Inadequado, abusivo, insuficiente (Bromberg, 2000; Worden, 1998); comunicação entre membros comprometida.
percebido pelo enlutado;
avaliação subjetiva)
7

Fator Por quê?

Tipo de morte Morte repentina (Bromberg, 2000; Franco, 2002; Parkes, 1998); violenta (Franco, 2002; Parkes, 1998); doença aguda, suicídio
(Bromberg, 2000; Parkes, 1998). Não permite despedidas, ajustes na relação. Muitas vezes pensa-se no sofrimento da pessoa.
Pode variar de acordo com significado, por exemplo, o homicídio de um menino de 18 anos que morava em um bairro violento e
perigoso: caracteriza-se por uma morte repentina e violenta, porém coerente com algo que podia acontecer nessa realidade (isso
relativiza o repentino).

Não localização do corpo Não há a possibilidade de realizar rituais que gostaria; dificulta a aceitação da morte do ente querido.

Manutenção do vínculo de Enlutado mantém vinculação com quem morreu com idolatria. Não vive o processo dual de perda e reparação. Pode haver
forma idolatrada dificuldade para retomar atividades anteriores com a mesma qualidade, de construir novos significados a partir da nova
configuração.

Condições prévias da Rígido, dificuldade de adaptação a condições novas, transtorno psiquiátrico (depressão, por exemplo) podem ser fatores
personalidade e saúde complicadores.
mental do enlutado

História de vida Enlutado que tem na sua história de vida perdas múltiplas e sucessivas (Bromberg, 2000; Worden, 1998).

Luto antecipatório Afastamento do ente querido com possibilidade de morte iminente, não permitindo expressar sentimentos, resolver pendências;
pode gerar culpa no enlutado após a morte da pessoa.

Pessoa que morreu e Morte do cônjuge (Bromberg, 2000). De acordo com Holmes e Rahe (1967), em cujo estudo pontuaram eventos considerados
respectivo significado estressores (considerando as mudanças que ocorrem e os respectivos reajustes sociais), a morte do cônjuge está em primeiro lugar
como um evento estressor (100 pontos). A morte de um ente próximo está em quinto lugar (63 pontos). Isso significa que tais
rompimentos de vínculo podem ser fatores complicadores.

Luto não reconhecido ou Não há valorização da própria dor ou da dor do outro, havendo uma quebra de empatia. Não permite que a pessoa viva o seu
não franqueado pelo processo de luto. Quando o enlutado é quem não reconhece o seu luto, ele está se defendendo disso. A questão de gênero
enlutado e pela sociedade também entra nesse aspecto quando, por exemplo, existe a convenção social de que o homem não pode chorar, o que impede
uma maior expressão de sentimentos por parte dele.

Ressalta-se que esses fatores podem variar de acordo com cultura, contexto, personalidade e significado que o
enlutado confere ao acontecimento. Especificamente no contexto dos cuidados paliativos, essa avaliação pode
ser realizada uma vez que, em sua maioria, os familiares vivem processos de luto antecipatório. Nesse sentido,
a equipe pode reconhecer a presença destes fatores e se o significado dado pode funcionar como protetor ou
complicador do luto. Além disso, uma observação crítica dasTabelas 1 e 2 permite vislumbrar uma
sistematização dos fatores (complicadores ou protetores) que se mostra como de grande valia para o
desenvolvimento da avaliação e discussão psicológica não só quando há o rompimento de um vínculo
significativo, mas também na sua iminência, pensando mais uma vez no caráter preventivo do fenômeno do luto
complicado.

A vivência do luto no contexto de cuidados paliativos


A discussão a respeito da vivência do luto no contexto dos cuidados paliativos, mais especificamente, traz
consigo particularidades importantes: o luto antecipatório da unidade de cuidado. O luto antecipatório permite
8

que a pessoa viva e experimente a perda sem ela ter ocorrido efetivamente. Logo, permite as despedidas, a
resolução de pendências, o início da construção de novos significados, identidades e relações ( Franco,
2014; Gillies, & Neimeyer, 2006).

A forma como cada indivíduo vai vivenciar esse cenário está relacionada ao significado que este credita à
relação com o familiar doente e à situação de perda, além da maneira como percebe o mundo e como se
percebe no mesmo– modelo operativo interno (Sperling, & Berman, 1994). Franco (2014), diante deste contexto,
destaca o quão importante os cuidados paliativos são para a prevenção de luto complicado, uma vez que o luto
antecipatório pode ser trabalhado, respeitando e considerando o papel fundamental da família no processo de
adoecimento e do luto. Conforme salientam Hudson et al. (2012), há uma exigência atual de diretrizes
relacionadas ao luto e suporte psicossocial nessa área em relação a orientação e educação sobre o luto para a
unidade de cuidado. Ainda de acordo com este autor, garantir que as necessidades dos familiares sejam
devidamente avaliadas está entre os dez marcadores de qualidade de fim de vida.

Formação dos profissionais de saúde em relação ao processo de morrer e de


morte
Observa-se que o significado da morte e como ela é percebida é um construto sociocultural, político e, por que
não, econômico? Isso quer dizer que envolve leis, valores, recursos humanos e dinheiro. A morte é igual para
todos, mas a forma como ela ocorre não. Mais do que isso, a morte, que é um processo, pode ser vivenciada de
diferentes formas a depender da classe social, poder aquisitivo, personalidade e tantas outras variáveis. Por
conseguinte, está-se falando de fatores extrínsecos e intrínsecos. Em relação às questões internas, estudo
realizado por Forte (2011), com médicos intensivistas das 11 UTIs do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC-
FMUSP) investigou as associações entre características dos médicos e a variabilidade de condutas em fim de
vida em UTI. Para tanto, foram apresentados dois casos clínicos, nos quais os médicos eram solicitados a dizer
o que fariam e por que, sendo investigados também seus valores. Os resultados demonstraram que idade,
interesse e educação em cuidados paliativos estão relacionados à variabilidade de condutas no final de vida.
Constatou-se que 44% dos médicos agem de forma diferente daquilo em que realmente acreditam, utilizando
mais de suporte avançado de vida do que julgam necessário, com receio de problemas de ordem legal. Nesse
sentido, pode-se questionar o quanto os profissionais de saúde estão preparados e orientados para lidar com a
morte, com o processo de morrer e as decorrências do mesmo no seu dia a dia, e o quanto, em suas
formações, foram munidos de conhecimento e experiência para lidar com tais situações. Esses
questionamentos convergem com indagações relacionadas aos processos de educação e à necessidade de tal
conhecimento.

No que tange à formação dos profissionais de saúde em relação ao processo de morrer, Kovács (2003) pontua
que, principalmente na área médica e da enfermagem, há uma maior valorização do saber técnico em relação à
formação humanista, o que afasta o tema da morte como foco de aprendizado. Outros estudos confirmaram
isso. Pesquisa realizada no curso de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão ( Gurgel, Mochel, &
Miranda, 2010) realizou um monitoramento da formação acadêmica do aluno. Constatou-se que existe uma
formação voltada para o tema da morte, porém é considerada insuficiente, sendo necessário um
aperfeiçoamento na prática profissional. Tal pesquisa apresentou um argumento interessante: o afastamento
acadêmico da tanatologia pode ser reforçador de práticas supersticiosas e obstinadas. Essa análise pode ser
associada ao que Forte (2011) traz quando verifica que a variabilidade de condutas em final de vida em relação
a suporte avançado de vida está relacionada à educação em cuidados paliativos. Essa visão elucida a
importância de se ter conhecimento sobre futilidade terapêutica e práticas obstinadas.

Em relação aos cuidados paliativos, mais especificamente, são escassos os estudos sobre educação para
morte direcionados aos profissionais que compõem a equipe. Kovács (2003) afirmou que, em relação aos
trabalhos na área de Psicologia, ocorre o mesmo. Faz-se importante pontuar que uma equipe preparada para o
processo de morrer do paciente constitui-se como um fator de proteção para um luto complicado da unidade de
cuidado na medida em que pode representar uma base segura através de comportamento de continência
emocional, acolhimento, escuta, responsividade às necessidades de ordem espiritual, social.

Este estudo pretendeu: a) Compreender e analisar a formação dos profissionais que integram equipes
multidisciplinares de cuidados paliativos acerca do processo de morrer do paciente; b) Compreender as
percepções dos profissionais de saúde acerca de suas contribuições para prevenção de luto complicado da
unidade de cuidado; c) Investigar se há uma associação entre a formação dos profissionais paliativistas em
relação aos processos de morte e morrer com a percepção de que seus comportamentos podem contribuir para
prevenção de luto complicado da unidade de cuidado.
9

Método
Para compreender a complexidade da construção dos significados e as percepções dos profissionais de saúde,
as relações com o contexto no qual se produzem, valores e crenças, foi utilizado o método qualitativo nesta
pesquisa.

Participantes
A amostra por conveniência foi utilizada para a escolha dos participantes da pesquisa e foi constituída por
profissionais da área de saúde que integram formalmente equipes multidisciplinares de cuidados paliativos. Ao
todo foram entrevistados sete profissionais, das seguintes especialidades: uma médica, uma psicóloga, uma
enfermeira, uma farmacêutica clínica, uma musicoterapeuta, uma assistente social e uma fonoaudióloga.
Pertencem a equipes diferentes, trabalham em instituições públicas e privadas e algumas são docentes em
cursos de cuidados paliativos. A maioria teve sua formação inicial da década de 1990.

O critério de exclusão foi o profissional não integrar formalmente equipes multidisciplinares de cuidados
paliativos. Elucida-se que encontrar pessoas que integrem equipes de cuidados paliativos não é uma tarefa
fácil, visto que tais equipes ainda são escassas e muitas vezes não são formalmente constituídas, ou seja,
muitos profissionais não são exclusivos das equipes e acabam por atuar como equipe de apoio. Disso decorreu
a dificuldade de entrevistar profissionais de certas especialidades. O intuito de entrevistar apenas pessoas que
integrassem formalmente equipes de cuidados paliativos teve o objetivo de observar e perceber a
particularidade de quem trabalha e vivencia esse dia a dia.

O acesso aos entrevistados foi feito por meio da rede de contatos profissionais das autoras. Vale ressaltar,
contudo, que não foram entrevistados profissionais que estivessem trabalhando na equipe de uma das autoras
desta pesquisa, em atenção ao cuidado de não enviesar o estudo.

Estratégias para obtenção de respostas dos participantes


De início, utilizou-se como instrumento um questionário autoaplicativo referente a dados acadêmicos,
profissionais e principais cursos realizados pelo profissional. A seguir, a fim de apreender a complexidade do
nosso objeto de estudo, realizou-se uma entrevista individual semiestruturada, registrada em gravação sonora,
que permitiu “enumerar de forma mais abrangente possível as questões que o pesquisador quer abordar no
campo, a partir de suas hipóteses ou pressupostos, advindos, obviamente, da definição do objeto de
investigação” (Minayo, 1994, p. 121). A pergunta disparadora da entrevista solicitou que o profissional relatasse
o histórico de sua formação e sua trajetória profissional (incluindo entrada na equipe de cuidados paliativos),
acreditando que essa questão inicial poderia proporcionar ao participante o contato com suas percepções
acerca do seu trabalho nos cuidados paliativos e com o processo de morrer do paciente e a importância disso
para a prevenção do luto complicado da unidade de cuidado. Deve-se enfatizar que a entrevista
semiestruturada não foi seguida de forma rígida e que serviu apenas como um fio condutor, o que proporcionou
maior liberdade para entrevistador e participante.

Estratégias para compreensão das respostas dos participantes


A análise das respostas passou pelas seguintes etapas: transcrição das entrevistas, que foi produzida de forma
fidedigna e literal, com o intuito de poder compreender a construção dos raciocínios e percepção das emoções.
Além disso, é importante frisar que houve sigilo completo quanto ao nome dos entrevistados, cidades e
instituições de ensino e trabalho, utilizando-se de iniciais correlacionadas à profissão de cada um. A seguir, foi
realizada pré-análise, seguida da categorização a partir de oito temáticas, advindas da literatura e experiência
das autoras nesse campo de atuação. Não obstante, as pesquisadoras não se limitaram a essas temáticas, na
medida em que permitiu que pudessem surgir categorias emergentes: a) Formação, trajetória acadêmica
profissional, entrada da equipe de cuidados paliativos; b) Compreensão dos profissionais sobre o papel da
comunicação nos cuidados paliativos; c) Percepções dos profissionais sobre suas contribuições e atuações em
cuidados paliativos; d) Percepções dos profissionais acerca de suas contribuições e atuações no processo de
morrer do paciente; e) Compreensão dos profissionais sobre processo de luto; f) Estratégias de enfrentamento
utilizadas pelos profissionais; j) Percepções dos profissionais acerca de suas contribuições na prevenção de luto
complicado; g) Histórias pessoais relacionadas ao tema de cuidados paliativos; h) Posteriormente foram feitos o
tratamento e a interpretação dos resultados.

Foi utilizada a análise de conteúdo, que se constitui como “[...] um conjunto de técnicas de análise das
comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”
10

(Bardin, 2002, p. 38). Tais procedimentos permitiram conhecer o significado das palavras dos profissionais de
saúde e extrair os significados presentes na comunicação. A partir disso, foi feita uma verificação do que era
comum e diferente às respostas dos profissionais em relação a cada categoria temática e como isso se
articulava, incluindo os estudos da literatura.

Resultados e Discussão
Nesta seção são apresentados e discutidos os aspectos temáticos derivados da categorização utilizada,
buscando relacionar umas com as outras, no sentido de ser coerente com a complexidade do objetivo do estudo
proposto.

Formação, trajetória acadêmica profissional, entrada da equipe de cuidados


paliativos
Com base no que foi apresentado em relação às formações dos profissionais de saúde, pôde-se destacar
algumas considerações, relacionando-as com a trajetória profissional e ingresso destes em equipes de cuidados
paliativos, como se discutirá mais adiante. Os entrevistados foram unânimes em revelar que na graduação não
tiveram ou tiveram pouca informação sobre cuidados paliativos e processo de morrer do paciente, havendo
privilégio para a abordagem tecnicista, o que converge para o que foi constatado na literatura.

Todos os profissionais iniciaram suas atividades em unidade gerais e o contato com pacientes graves e em fase
de final de vida foi o que acabou conduzindo-os para os cuidados paliativos. Essa questão ilustra o que foi
discutido na introdução, quando se argumentou sobre a prática dos cuidados paliativos no Brasil: na maioria das
vezes iniciado em um processo de final de vida do paciente e não concomitante ao diagnóstico e no curso na
doença. Isso também é demonstrado e confirmado por Azoulay et al. (2012), os quais destacaram que na
Europa os cuidados paliativos são realizados em sua maioria na UTI, ou seja, com pacientes graves e em risco
de vida, visto que não há muitos especialistas que praticam cuidados paliativos (dentro e fora da UTI).

Apesar de apenas a fonoaudióloga e a médica possuírem especialização em cuidados paliativos, e a psicóloga


e musicoterapeuta terem feito cursos específicos sobre o processo de morte e morrer, pôde-se perceber que os
profissionais de forma geral têm buscado se aprimorar, por meio de leituras e cursos complementares
relacionados aos cuidados paliativos e sua área de atuação. Foi identificado na pesquisa que a motivação para
tal aprimoramento está calcada na percepção de necessidade de aprofundamento, que é exigida a partir da
oportunidade de trabalho e da consequente vivência, experiência e contato com outros profissionais. Foi
evidenciado que o sentimento de satisfação e contentamento em buscar conhecimento e trabalhar na área não
tem apenas a vivência dos cuidados paliativos como fonte propulsora, sendo necessária uma identificação do
profissional com esse tipo de trabalho e com o perfil do paciente.

Compreensão dos profissionais sobre o papel da comunicação nos cuidados


paliativos
No emaranhado em que se constitui a prática dos cuidados paliativos, os entrevistados foram unânimes ao
considerar a comunicação como ponto importante para o desenvolvimento e manejo do trabalho, no sentido de
ser mais humano e não somente técnico. Isso inclui a realização de conferências familiares e a necessidade,
muitas vezes, de mais de uma conferência. Verificou-se que tais conferências são realizadas como uma
estratégia de comunicação, no sentido de prover esclarecimentos acerca do diagnóstico, evolução do quadro e
prognóstico, e estabelecer acordos entre equipe e unidade de cuidado em relação aos objetivos do tratamento,
além de poder proporcionar suporte psicossocial. Por conseguinte, tal constatação vai ao encontro do que foi
explanado na introdução deste estudo (Hudson et al., 2015). Apesar disso, foi identificado que essas reuniões
não fazem parte do dia a dia de todos os profissionais, devido à falta de condições de trabalho, outras
responsabilidades e à dificuldade de contexto e de habilidade. Vale ressaltar que em todos os discursos
apresentados evidenciou-se a preocupação com a unidade de cuidado e a prestação de assistência e inclusão
da mesma no tratamento. As autoras analisaram que tal fato contribui para o desenvolvimento de uma base
segura para paciente e família.
11

Percepções dos profissionais sobre suas contribuições e atuações em cuidados


paliativos
Seguindo a linha de discussão do que foi apresentado nas entrevistas, é importante contemplar e considerar o
que os participantes explicitaram sobre a contribuição e atuação da sua profissão nos cuidados paliativos e o
que difere de outras especialidades. Independente da prática profissional específica de cada um, foram
identificados determinados aspectos, os quais compõem e podem ser reconhecidos nos pressupostos dos
cuidados paliativos: trabalhar e perceber o paciente com respeito e considerando-o de forma integral, em todas
as suas dimensões e necessidades, e contemplando seu grupo familiar. Tal percepção pode ser entendida
como norteador e referência para a prática de cada um.

As descrições das atuações de trabalho demonstraram, pois, uma preocupação com a pessoa que está doente,
e não apenas com a doença. Há uma valorização da rede de apoio, valores, desejos e biografia. Percebe-se
claramente que os profissionais extrapolam para além de sua técnica de trabalho, estando atentos para o todo
do paciente. As autoras observaram que tais comportamentos são caracterizados como de apego seguro, pois
acabam por gerar acolhimento, consistência e continência às necessidades da unidade de cuidado.

Sobre as formas de atuação narradas pelos profissionais no que tange a sair da zona de conforto do seu
conhecimento tecnicista, observou-se que os argumentos revelaram a existência de um trabalho multidisciplinar,
e quem sabe interdisciplinar, na medida em que o médico, por exemplo, se preocupa com a ansiedade do
paciente por falta de informação. Assim, constatou-se que os entrevistados se percebem como membros
inseridos em uma equipe multidisciplinar. Falam de si sempre inseridos em uma equipe. Verificou-se, portanto,
que o trabalho em equipe possui significados e funções, como promover trocas, tanto de informações para
respaldo de atuação técnica, como de sentimentos e sensações em momentos difíceis. Ademais, os
entrevistados demonstraram que existe um trabalho em conjunto, seja para controle de sintomas, seja para a
estruturação e desenvolvimento do serviço. Essas vivências revelaram que a própria equipe representa uma
base segura para os membros que a compõe.

Percepções dos profissionais acerca de suas atuações no processo de morte do


paciente
Percorrendo o que foi discutido sobre as atuações e o trabalho em equipe em cuidados paliativos, verificou-se
novamente que o tema da morte se mostra presente. Investigou-se, pois, a atuação dos profissionais mais
especificamente nesse momento, conforme expresso no relato seguinte:

[...] esse trabalho do psicólogo na [...] fase final de vida e luto [...] a equipe... junto com o psicólogo... tem que tá
alinhada na comunicação e na boa assistência [...] às vezes você tem que... emprestar a sua voz pro paciente
que não tá conseguindo falar [...] porque no fim de vida... [...] as pendências têm que ser resolvidas [...] o
sofrimento faz parte... eh... o que a gente conseguir diminuir melhor... né... mas exterminar o sofrimento do
outro ninguém consegue (P., psicóloga).

A psicóloga, assim como a fonoaudióloga, destacou a possibilidade de dar voz ao paciente na fase final da vida,
isto é, auxiliá-lo para que possa se comunicar no que concerne aos seus desejos, medos e fantasias, incluindo-
o nesse processo quando for seu desejo. A musicoterapeuta, da mesma forma, trouxe a preocupação em
escutar o paciente, assim como favorecer a expressão de seus pensamentos e sentimentos por meio da
música, o que pode ser caracterizado como um trabalho de elaboração de luto antecipatório da unidade de
cuidado (Franco, 2014; Gillies, & Neimeyer, 2006), como pode ser observado na seguinte transcrição:

[...] a grande estratégia é ouvir com cuidado [...]. com perguntas que sejam mais... é... relativas a processo de
final de vida [...] encorajar o paciente a resgatar a história dele com essa família [...] vem como um recurso (a
música)... que às vezes é fundamental... pra pacientes que não conseguem falar [...] e aí na dedicatória dessas
canções... eles falam tudo que não conseguem falar [...] mas fica aquela coisa do registro do afeto... do amor...
e isso acaba sendo muito importante... pra as famílias (MU., musicoterapeuta).

Verificou-se que, assim como a psicóloga, a enfermeira trouxe em seu discurso, além de outras considerações,
a presença do sofrimento da família como algo que é natural e presente no momento de perda de um ente
querido. A assistente social também trouxe a sua percepção, que, analisada juntamente com as demais
apresentadas anteriormente, demonstrou que na fase final de vida do paciente o esforço e as atividades em
equipe para manter o conforto e para assistir à unidade de cuidado, da mesma forma, configuram-se como
12

comportamentos de apego seguro que acabam por contribuir para o desenvolvimento de uma base segura para
paciente, família e equipe.

Compreensão dos profissionais sobre processo de luto


O contexto de fase final de vida discutido acima traz à tona a questão do processo de luto e como este é
compreendido pela unidade de cuidado e profissionais. Os entrevistados foram questionados sobre suas
compreensões e entendimentos a respeito do que é um processo de luto:

Não é um luto sem dor... evidentemente... NE... acho que dor sempre estará presente quando acontece a
perda... mas eu entendo que depois de um momento... de um sofrimento mais intenso... a família consegue
continuar a sua trajetória... retoma suas atividades e guarda dentro do coração a saudade pelo que partiu... mas
ela consegue continuar vivendo (AS., assistente social).

Com base na análise dos discursos, pôde-se observar que os profissionais compreendem o luto normal como
decorrente da ruptura de um vínculo e muitas vezes acompanhado do sentimento de tristeza, que é entendido
como algo natural e adequado ao contexto. Além disso, surgiu a questão da necessidade e possibilidade de
reconstrução da vida. Tais conclusões podem ser entendidas à luz do modelo do processo dual, que permite a
compreensão de que ao mesmo tempo que não há uma linearidade no processo de luto há a possibilidade de
construções de significados no processo de oscilação entre as tarefas voltadas pela perda e aquelas voltadas
para a restauração (Stroebe, & Schut, 1999).

Estratégias de enfrentamento utilizadas pelos profissionais


Vale ressaltar que nessa discussão sobre atuações e contribuições dos profissionais na fase final de vida do
paciente, três entrevistadas (médica, assistente social e psicóloga) destacaram a necessidade de haver
disponibilidade e envolvimento, porém com limite, como se pode observar no relato da médica a seguir. De
acordo com Liberato (2015), a percepção do limite é importante na medida em que proporciona que a unidade
de cuidado compreenda que em alguns momentos o profissional não conseguirá resolver todas as questões e
necessidades surgidas. Tal fato auxilia para que paciente e família também possam ser autores e responsáveis
por suas escolhas e frutos das mesmas. Isso foi identificado como estratégia de enfrentamento, a qual contribui
para a saúde mental e física dos profissionais, assim como prevenção de burnout:

[...] mas eu não fico mais... né ...indo lá ...nem buscando mais coisas... que é uma forma de me proteger [...] é
muito envolvimento... não é que eu não me envolva agora... lógico... a gente se emociona... abraça... chora […]
mas tem que ter uma coisa que não te desgaste tanto... né ...assim... preencher também a vida lá fora com
coisas boas... fazer outras atividades (ME., médica).

Outros comportamentos citados pelos demais profissionais também podem ser caracterizados como estratégias
que auxiliam no enfrentamento na fase final de vida do paciente: o próprio trabalho em equipe e a valorização
do trabalho pelo outro (colega); ter empatia pela situação da unidade de cuidado, que acaba por auxiliar na
aceitação da situação de perda; valores de família em relação à finitude; conhecimento e estudos; psicoterapia;
realização de atividade física e religião.

Percepções dos profissionais acerca de suas contribuições na prevenção de luto


complicado
Adentrando mais especificamente no objeto de estudo desta pesquisa, entre todos os entrevistados, a psicóloga
foi a única que citou especifica e espontaneamente a temática do luto sem ter de ser questionada efetivamente
sobre isso quando falado sobre fase final de vida. A assistente social e a musicoterapeuta verbalizaram
momentos e situações de despedida e resolução de pendências presentes no luto antecipatório ( Gillies, &
Neimeyer, 2006), porém sem explicitarem que se tratava de um processo de luto. Os entrevistados, em razão da
falta de espontaneidade em discorrer sobre o luto (com exceção da psicóloga), foram indagados de forma
direta, a partir de explanações da pesquisadora, sobre como percebem a influência de sua atuação no processo
de luto da unidade de cuidado, no sentido de contribuição para prevenção de luto complicado. A fonoaudióloga
concluiu confirmando a percepção trazida pelas autoras, a partir do discurso dela, de que a depender da
postura do profissional e da equipe, há uma influência positiva no processo de luto da unidade de cuidado, o
que pode ser compreendido como fator de proteção para o luto complicado. A assistente social compartilhou da
mesma percepção da fonoaudióloga e enfatizou situações em que o apoio é fundamental. As atuações citadas
por estas duas profissionais podem ser caracterizadas como comportamentos de apego, os quais já foram
citados: escuta, acolhimento, apoio, preocupação com o que é importante para o outro (conforto, alívio de
13

sintomas ou resolução de alguma pendência), que, por sua vez, podem contribuir para a construção de uma
base segura. Esse aspecto também pôde ser observado e identificado nas entrevistas com a musicoterapeuta,
psicóloga e médica.

Ao explorar o que foi apresentado anteriormente, a autora destaca a comunicação (conferências familiares,
escuta, favorecimento de expressão de sentimentos, acolhimento) mais uma vez presente como uma questão
relevante. Ou seja, pode ser considerada como um fator de proteção para o luto complicado, quando se
apresenta clara, coesa, coerente e responsiva às necessidades da unidade de cuidado, isso porque resulta em
uma sensação de obtenção de senso de controle para a unidade de cuidado ( Franco, 2014). Além disso, foi
destacado por alguns entrevistados (fonoaudióloga, médica e farmacêutica clínica) o respeito à diversidade
cultural, às crenças e aos valores e como esses aspectos também guiam as atuações dos profissionais, assim
como influem no processo de luto. Tal constatação vai ao encontro do que foi abordado na Introdução, no
sentido de observar e perceber os fatores de risco e proteção para o luto complicado de acordo com o contexto,
cultura e significado que é dado.

Tomando como base o que foi discutido sobre as percepções dos profissionais a respeito das suas
contribuições para o processo de luto da unidade de cuidado, as autoras constataram que a atuação e os
comportamentos dos profissionais não têm como atenção primária o luto, ou seja, o trabalho não é guiado
visando à prevenção do luto complicado. As autoras compreenderam que a atenção e o trabalho do luto da
unidade de cuidado é uma parte dos cuidados paliativos, que fica mais evidente na fase final de vida do
paciente – apesar de o luto antecipatório não necessariamente estar presente apenas nessa fase. Os valores e
pressupostos dos cuidados paliativos determinam comportamentos e formas de atuação (apoio, escuta,
disponibilidade, orientação, entre outros) que inevitavelmente acabam por ser compreendidos como fatores de
proteção para o luto complicado. O fato de serem atuações e posturas rotineiras, não apenas em fase final de
vida do paciente, pode dificultar a percepção da dimensão e importância que esses comportamentos podem
promover para um processo de luto normal e adaptativo para além da esfera hospitalar. Essa questão também
pode ser entendida pele viés da formação dos profissionais, uma vez que se constata que estes tiveram pouca
ou nenhuma base nas suas graduações sobre os processos de morte e morrer. Tal fato, por conseguinte,
corrobora para que os membros de equipes de cuidados paliativos não saibam, não identifiquem e não
reconheçam que seus comportamentos podem auxiliar na prevenção de luto complicado. Liberato (2015), diante
desse contexto, pontua a necessidade de se pensar na formação dos profissionais de saúde, através de um
processo educativo e contínuo, para que os mesmos se sintam habilitados e competentes no cuidado com
àqueles que sofrem.

Considerações finais
A realização desta pesquisa permitiu concluir e evidenciar que as formações dos profissionais de saúde ainda
são calcadas em um saber técnico e que há muito pouco ou nada sobre como lidar com o processo de morrer
de quem se cuida. Não obstante, observou-se que os profissionais que trabalham em cuidados paliativos,
devido aos pressupostos do mesmo e de uma vivência de fazer cuidados paliativos em final de vida, foram
buscar aprender, por necessidade de aprofundamento, sobre como cuidar da unidade de cuidado integralmente,
estando atentos às necessidades de cada um, o que acaba por perpassar o saber técnico. Disso florescem
comportamentos que são caracterizados como de apego, que resultam no desenvolvimento de uma base
segura e que podem ser compreendidos como fatores de proteção para um luto complicado da unidade de
cuidado. Estes comportamentos, frutos da prática dos cuidados paliativos, são identificados e percebidos como
de rotina e naturais neste contexto, o que pode dificultar a percepção dos profissionais sobre a dimensão e
influência positiva e adaptativa destes para a prevenção de luto complicado. Isto pode ser entendido pela falta
de conhecimento sobre o processo de morrer e processo de luto, por isso a importância da educação dos
profissionais em relação a estes assuntos. As autoras compreendem que a percepção dos membros da equipe
sobre a influência de suas ações no processo de luto pode contribuir para a busca de aprimoramento e
qualificação diante do processo de morrer do paciente.

Ressalta-se que os participantes foram questionados sobre experiências pessoais em cuidados paliativos,
porém estas informações não foram utilizadas com o cuidado de que os objetivos do estudo não fossem
desviados. Este fato foi considerado uma limitação. Ademais, uma outra limitação da pesquisa foi o não acesso
aos profissionais das áreas de fisioterapia e nutrição, os quais em sua maioria fazem parte do corpo de
colaboradores dos hospitais, porém não têm a inserção formal nas equipes de cuidados paliativos.
14

Por fim, o presente estudo permitiu que as autoras pudessem pensar em investigar a questão do
acompanhamento pós-óbito como fator de proteção para luto complicado, na medida em que pode ser utilizado
como ferramenta de identificação de fatores de risco e proteção para luto complicado. Além disso, tal
acompanhamento pode acabar por evidenciar o quanto os profissionais de saúde, através de seus
comportamentos de apego, podem ser considerados fatores de proteção para luto complicado.

2- Psicologia da saúde x psicologia


hospitalar: definições e
possibilidades de inserção
profissional
No presente trabalho, apresentamos a definição de Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar, esta última
como especialidade exclusivamente brasileira. Refletimos, também, sobre a formação acadêmica, o mercado de
trabalho e a realidade da saúde no País. Consideramos que existem incongruências entre a formação de base,
a nossa realidade social e a inserção de psicólogos no ramo da saúde. Discutimos a inclusão da Psicologia
Hospitalar na Psicologia da Saúde, área ampla que utiliza os conhecimentos das Ciências Biomédicas,
Psicologia Clínica e Psicologia Comunitária para intervir em distintos contextos no âmbito sanitário.
15

Psicologia hospitalar; Psicologia da saúde; Formação profissional; Mercado de trabalho; Realidade social
brasileira

O questionamento sobre Psicologia Hospitalar x Psicologia da Saúde começou com a experiência do doutorado
no exterior, onde descobrimos, surpreendidas, que a tão difundida especialização na Psicologia, denominada no
Brasil de Hospitalar, é inexistente em outros países. A aproximação ao que seria no Brasil a Psicologia
Hospitalar é denominada Psicologia da Saúde em outros países. Entretanto, esses dois conceitos não são
equivalentes, em primeiro lugar, pelo próprio significado de tais termos – saúde e hospital. Enquanto saúde se
refere a um conceito complexo relativo às funções orgânicas, físicas e mentais (WHO, 2003), hospital diz
respeito a uma instituição concreta onde se tratam doentes, internados ou não. Assim, o próprio significado da
palavra saúde leva-nos a refletir sobre a prática profissional centrada na intervenção primária, secundária e
terciária1 . Já quando nos referimos ao hospital, automaticamente, pensamos em algum tipo de doença já
instalada, só sendo possível a intervenção secundária e terciária para prevenir seus efeitos adversos, sejam
eles físicos, emocionais ou sociais.

Essas diferenças fizeram-nos refletir sobre a nossa própria formação e prática profissional, o que fez surgir
algumas perguntas:

• O que é, afinal, Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar? Existem diferenças?

• Qual a origem desses dois conceitos?

• A formação básica universitária e a pós-graduação preparam o psicólogo para a atuação nessas áreas?

• A nossa formação é condizente com a demanda e as necessidades do País na área da saúde?

• O mercado de trabalho consegue absorver esses profissionais?

A partir dessas perguntas, no decorrer do trabalho, buscamos aporte teórico como base para refletir sobre cada
questionamento proposto .

O que é Psicologia da Saúde

A Psicologia da Saúde tem como objetivo compreender como os fatores biológicos, comportamentais e sociais
influenciam na saúde e na doença (APA, 2003). Na pesquisa contemporânea e no ambiente médico, os
psicólogos da saúde trabalham com diferentes profissionais sanitários, realizando pesquisas e promovendo a
intervenção clínica. Complementar a essa definição, o Colégio Oficial de Psicólogos da Espanha (COP, 2003)
conceitua a Psicologia da Saúde como a disciplina ou o campo de especialização da Psicologia que aplica seus
princípios, técnicas e conhecimentos científicos para avaliar, diagnosticar, tratar, modificar e prevenir os
problemas físicos, mentais ou qualquer outro relevante para os processos de saúde e doença. Esse trabalho
pode ser realizado em distintos e variados contextos, como: hospitais, centros de saúde comunitários,
organizações não-governamentais e nas próprias casas dos indivíduos. A Psicologia da Saúde também poderia
ser compreendida como a aplicação da Psicologia Clínica no âmbito médico.

A Psicologia da Saúde já é uma área consolidada internacionalmente, e, no Brasil, está conquistando cada vez
mais seu espaço. Historicamente, a American Psychological Association (APA, 2003) foi a primeira associação
de psicólogos a criar um grupo de trabalho na área da saúde em 1970. Em 1979, foi criada a divisão 38,
chamada Health Psychology, cujos objetivos básicos são avançar no estudo da Psicologia como disciplina que
compreende a saúde e a doença através da pesquisa e encorajar a integração da informação biomédica com o
conhecimento psicológico, fomentando e difundindo a área. A APA publica, desde 1982, a revista Health
Psychology, a primeira oficial da área. Seguindo a tendência, em 1986, formou-se, na Europa, a
European Health Psychology Society (EHPS, 2003), uma organização profissional que visa a promover a
pesquisa teórica e empírica e suas aplicações para a Psicologia da Saúde européia. Cada país-membro possui,
ainda, sua associação de Psicologia da Saúde, que realiza atividades como congressos, simpósios, pesquisas
etc. Foram criadas várias revistas especializadas: British Journal of Health Psychology (Reino Unido), Revista
de Psicologia de la Salud (Espanha), Psicologia della Salutte (Itália), <i>Gedrag & Gezondheid</I> (Bélgica),
entre outras.
16

Na América Latina, a Psicologia da Saúde também está desenvolvendo-se em alguns países. O primeiro
encontro de profissionais da área da saúde ocorreu em 1984, em Cuba, reuniu cerca de 1000 psicólogos
interessados e foi um marco propulsor para o avanço e o reconhecimento da área (Remor, 1999). A partir
desses encontros, constitui-se a ALAPSA, (2003), uma associação que reúne diversos países latino-
americanos. Os congressos promovidos pela ALAPSA são recentes, sendo que o primeiro deles ocorreu em
2001, no México, e o segundo, em 2003, na Colômbia (Flórez-Alarcon, 2003). Vinculados à ALAPSA, alguns
países latino-americanos possuem também sua própria associação de Psicologia da Saúde, como, por
exemplo, Colômbia, Cuba, México, Venezuela e Brasil (ALAPSA, 2003). A Psicologia da Saúde na América
Latina teve um rápido crescimento em recursos humanos, mas uma insuficiente incorporação dos psicólogos
nos setores de saúde. Apesar disso, essa área é a que mais absorveu psicólogos nos últimos 15 anos, no Brasil
e em outros países latino-americanos, principalmente na Argentina, mas a produção científica continua escassa.
Em nível mundial, as pesquisas em Psicologia da Saúde estão sendo incrementadas, e 90% delas
correspondem aos países europeus, Estados Unidos, Japão e Austrália. Já na América Latina, percebe-se uma
insuficiência de estudos que possibilitem intervenções rápidas para os problemas de saúde de cada região,
respeitando suas especificidades e contextos socioeconômicos. Além disso, a formação profissional do
psicólogo latino-americano é limitada em nível de pós-graduação (Sebastiani, 2000). Várias situações existentes
na América Latina refletem também a posição brasileira da Psicologia da Saúde.

No Brasil, a própria denominação Psicologia da Saúde já é problemática, suscitando discussões de como


denominar uma área que aplica os princípios de Psicologia a problemas de saúde e doença. É recorrente a
confusão de terminologias, como Medicina Psicossomática, com o tema em questão - Psicologia Hospitalar
(Kerbauy, 2002) – e com Psicologia Clínica.

A confusão entre o que seria a área clínica, a área da saúde e também a Psicologia Hospitalar não é somente
de ordem semântica, mas também de ordem estrutural, ou seja, estão em jogo os diferentes marcos teóricos ou
concepções de base acerca do fazer psicológico e sua inserção social. Justamente dessas diferenças, e/ou
antagonismos teórico-ideológicos, surge uma Psicologia da Saúde (Yanamoto & Cunha, 1998). Considerando
essas possíveis confusões, é importante esclarecer, também, o conceito de Psicologia Clínica.

O especialista em Psicologia Clínica (CRP, 2003) também atua na área da saúde em diferentes contextos, além
do consultório particular, inclusive em hospitais, unidades psiquiátricas, programas de atenção primária, postos
de saúde etc., prevenindo doenças no âmbito primário, secundário e terciário. Como se pode observar, esse
conceito, de fato, está intimamente associado ao que é Psicologia da Saúde. Furtado (1997), nesse sentido,
argumenta que os limites da Psicologia Clínica também são tênues, e o próprio ensino universitário é
diversificado em seu planejamento. A autora chegou a essa conclusão a partir de um estudo que analisou o
plano das disciplinas em 10 universidades do Rio Grande do Sul. Apesar das imprecisões entre essas duas
áreas, é importante diferenciá-las. A Psicologia Clínica centra sua atuação em diversos contextos e
problemáticas em saúde mental, enquanto a Psicologia da Saúde dá ênfase, principalmente, aos aspectos
físicos da saúde e da doença (Kerbauy, 2002).

Enfim, a Psicologia da Saúde, com base no modelo biopsicosossocial, utiliza os conhecimentos das ciências
biomédicas, da Psicologia Clínica e da Psicologia Social-comunitária (Remor, 1999). Por isso, o trabalho com
outros profissionais é imprescindível dentro dessa abordagem. Essa área fundamenta seu trabalho
principalmente na promoção e na educação para a saúde, que objetiva intervir com a população em sua vida
cotidiana antes que haja riscos ou se instale algum problema de âmbito sanitário. O trabalho é multiplicador,
uma vez que capacita a própria comunidade para ser agente de transformação da realidade, pois aprende a
lidar, controlar e melhorar sua qualidade de vida. Dessa maneira, torna-se evidente que a Psicologia da Saúde
dá ênfase às intervenções no âmbito social e inclui aspectos que vão além do trabalho no hospital, como é o
caso da Psicologia Comunitária (Besteiro & Barreto, 2003; Gonzalez-Rey, 1997).

O que é Psicologia Hospitalar

De acordo com a definição do órgão que rege o exercício profissional do psicólogo no Brasil, o CFP (2003a), o
psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar tem sua função centrada nos âmbitos secundário e terciário de
atenção à saúde, atuando em instituições de saúde e realizando atividades como: atendimento
psicoterapêutico; grupos psicoterapêuticos; grupos de psicoprofilaxia; atendimentos em ambulatório e unidade
de terapia intensiva; pronto atendimento; enfermarias em geral; psicomotricidade no contexto hospitalar;
avaliação diagnóstica; psicodiagnóstico; consultoria e interconsultoria.
17

Para que possamos entender o surgimento e a consolidação do termo Psicologia Hospitalar em nosso país, é
importante ressaltar que as políticas de saúde no Brasil são centradas no hospital desde a década de 40, em
um modelo que prioriza as ações de saúde via atenção secundária (modelo clínico/assistencialista), e deixa em
segundo plano as ações ligadas à saúde coletiva (modelo sanitarista). Nessa época, o hospital passa a ser o
símbolo máximo de atendimento em saúde, idéia que, de alguma maneira, persiste até hoje. Muito
provavelmente, essa é a razão pela qual, no Brasil, o trabalho da Psicologia no campo da saúde é denominado
Psicologia Hospitalar, e, não, Psicologia da Saúde (Sebastiani, 2003).

É importante ressaltar que nós nos deparamos com dificuldades para encontrar material teórico e pesquisas na
literatura científica internacional sobre a Psicologia Hospitalar como campo específico. Uma das razões seria
que essa denominação é inexistente em outros países além do Brasil (Sebastiani, 2003; Yanamoto, Trindade &
Oliveira, 2002). Yanamoto, Trindade e Oliveira (2002) e Chiattone (2000), inclusive, explicam que o termo
Psicologia Hospitalar é inadequado porque pertence à lógica que toma como referência o local para determinar
as áreas de atuação, e não prioritariamente às atividades desenvolvidas. Se já existe fragmentação das práticas
e dispersão teórica da Psicologia, a adoção do termo Psicologia Hospitalar caminha no sentido oposto à busca
de uma identidade para o psicólogo como profissional da saúde que atua em hospitais (Yanamoto, Trindade &
Oliveira, 2002).

Diferente do Brasil, em alguns outros países, a identidade do psicólogo especialista está associada à sua
prática e não ao local em que atua. A APA (2003) e o COP (2003), por exemplo, demarcam o trabalho do
psicólogo em hospitais como um dos possíveis locais em que atua o psicólogo da saúde. Especificamente na
Espanha, Rodríguez-Marín (2003) e Besteiro e Barreto (2003) definem que o marco conceitual da Psicologia da
Saúde é o que deve servir de base para a Psicologia Hospitalar. Entretanto, definição parecida a essa é a da
brasileira Chiattone (2000), que diz que a Psicologia Hospitalar é apenas uma estratégia de atuação em
Psicologia da Saúde, e que, portanto, deveria ser denominada “Psicologia no contexto hospitalar”. Rodríguez-
Marín (2003) esclarece que a Psicologia Hospitalar é, então, o conjunto de contribuições científicas, educativas
e profissionais que as diferentes disciplinas psicológicas fornecem para dar melhor assistência aos pacientes no
hospital. O psicólogo hospitalar seria aquele que reúne esses conhecimentos e técnicas para aplicá-los de
maneira coordenada e sistemática, visando à melhora da assistência integral do paciente hospitalizado, sem se
limitar, por isso, ao tempo específico da hospitalização. Portanto, seu trabalho é especializado no que se refere,
fundamentalmente, ao restabelecimento do estado de saúde do doente ou, ao menos, ao controle dos sintomas
que prejudicam seu bem-estar.

Rodriguez-Marín (2003) sintetiza as seis tarefas básicas do psicólogo que trabalha em hospital:

1) função de coordenação: relativa às atividades com os funcionários do hospital; 2) função de ajuda à


adaptação: em que o psicólogo intervém na qualidade do processo de adaptação e recuperação do
paciente internado; 3) função de interconsulta: atua como consultor, ajudando outros profissionais a
lidarem com o paciente; 4) função de enlace: intervenção, através do delineamento e execução de
programas junto com outros profissionais, para modificar ou instalar comportamentos adequados dos
pacientes; 5) função assistencial direta: atua diretamente com o paciente, e 6) função de gestão de
recursos humanos: para aprimorar os serviços dos profissionais da organização.

Chiattone (2000) ressalta, contudo, que, muitas vezes, o próprio psicólogo não tem consciência de quais sejam
suas tarefas e papel dentro da instituição, ao mesmo tempo em que o hospital também tem dúvidas quanto ao
que esperar desse profissional. Se o psicólogo simplesmente transpõe o modelo clínico tradicional para o
hospital e verifica que este não funciona como o esperado (situação bastante freqüente), isso pode gerar
dúvidas quanto à cientificidade e efetividade de seu papel. Desse modo, segundo a autora, o distanciamento da
realidade institucional e a inadequação da assistência mascarada por um falso saber pode gerar experiências
malsucedidas em Psicologia Hospitalar.

A partir das definições expostas de Psicologia da Saúde, que pode se confundir com a Psicologia Clínica e com
a Psicologia Hospitalar, encontramos semelhanças no que tange às formas de atuação prática dos especialistas
dessas distintas áreas. A psicoterapia individual ou grupal, por exemplo, é uma tarefa que pode ser
desenvolvida dentro dos três campos citados. Contudo, percebemos também particularidades fundamentais. A
Psicologia Clínica propõe um trabalho amplo de saúde mental nos três níveis de atuação – primário, secundário
e terciário - e a Psicologia da Saúde também propõe um trabalho abrangente nesses mesmos níveis, mas
aplicada ao âmbito sanitário, enfatizando as implicações psicológicas, sociais e físicas da saúde e da doença.
No que diz respeito à Psicologia Hospitalar, sua atuação poderia ser incluída nos preceitos da Psicologia da
18

Saúde, limitando-se,entretanto, à instituição-hospital e, em conseqüência, ao trabalho de prevenção secundária


e terciária.

Algumas Considerações Sobre a Formação Profissional, a Realidade Brasileira e o Mercado de Trabalho

Para que o psicólogo esteja capacitado a trabalhar em saúde, é imprescindível refletir se sua formação lhe dá
as bases necessárias para essa prática. A aprendizagem não deve ser só teórica e técnica, pois o psicólogo
tem que ser comprometido socialmente, estar preparado para lidar com os problemas de saúde de sua região e
ter condições de atuar em equipe com outros profissionais.

Segundo Sebastiani, Pelicioni e Chiattone (2002), a formação do psicólogo na América Latina e no Brasil está
vinculada basicamente ao tratamento individual baseado no modelo clínico, que é a base de sua identidade
profissional. Entretanto, devido à grande demanda de trabalho existente no âmbito sanitário, muitas vezes
profissionais mal- preparados seguem trabalhando no antigo modelo clínico individual e atuam na área da
saúde sem ter conhecimento das ferramentas necessárias para uma atuação coletiva de prevenção e
intervenção.

No Brasil, a formação em Psicologia é deficitária no que se refere aos conhecimentos da realidade sanitária do
País, à participação em pesquisas e em políticas de saúde, indispensáveis para a determinação da sua prática
e para o aprimoramento da especialidade (Dimenstein, 2000; Sebastiani, 2003). Essa formação elitista distancia
o aluno e o profissional das demandas sociais existentes, não os habilitando para lidar com o sofrimento físico
sobreposto ao sofrimento psíquico, a injustiça social, a fome, a violência e a miséria (Chiattone, 2000). Em
conseqüência, enquanto as classes privilegiadas têm acesso ao tratamento psicológico, as classes menos
favorecidas ficam desassistidas, pois o tratamento clínico gratuito em instituições públicas e clínicas-escola não
abarca as necessidades de grande parte da população. Muitas vezes, são ensinadas teorias incompatíveis com
a demanda e a realidade social, promovendo uma concepção de sujeito desvinculada do seu contexto
sociopolítico e cultural. Obviamente, essas incongruências na formação de base geram dúvidas quanto à
cientificidade da tarefa do psicólogo em alguns casos onde a realidade é a da extrema pobreza, já que a
graduação em Psicologia dá ênfase ao modelo psicodinâmico e suas implicações clínicas, voltadas para a
população mais privilegiada. Em síntese, a formação em Psicologia deixa praticamente de lado temáticas
relacionadas às questões macrossociais relativas à saúde, contribuindo para a manutenção das estruturas
sociais e das relações de poder sem utilizar todo o seu potencial questionador e transformador (Almeida, 2000;
Dimenstein, 2000).

A falta de pesquisas na área também não privilegia ações de prevenção de saúde e, sim, ações emergenciais.
Tal situação distorce o trabalho profissional, provoca o afastamento entre acadêmicos e profissionais e não
contribui para a ampliação da prática e para a incorporação de psicólogos recém-formados que querem
trabalhar na área. Com a necessidade crescente de demonstração das evidências dos resultados das
intervenções psicológicas – o que se chama prática baseada em provas – o desenvolvimento da pesquisa
básica e aplicada é imprescindível (Ulla & Remor, 2003). As evidências dos bons resultados das intervenções
psicológicas, além de propiciarem avanços no atendimento direto às pessoas, também abrem campo de
trabalho ao psicólogo. Um exemplo seria o caso de alguns governos de países europeus que decidiram custear
o tratamento psicológico através da saúde pública sempre que se cumpram critérios de eficácia, efetividade e
eficiência.

Então, qual seria a formação indicada para os psicólogos que desejam trabalhar no âmbito da saúde? Besteiro
e Barreto (2003) afirmam que a formação do psicólogo da saúde deve contemplar conhecimentos sobre: bases
biológicas, sociais e psicológicas da saúde e da doença; avaliação, assessoramento e intervenção em saúde,
políticas e organização de saúde e colaboração interdisciplinar; temas profissionais, éticos e legais e
conhecimentos de metodologia e pesquisa em saúde. Com relação ao psicólogo da saúde que atua
especificamente em hospitais, é indispensável um bom treinamento em três áreas básicas: clínica, pesquisa e
programação. Com relação à a área clínica, o psicólogo deve ser capaz de realizar avaliações e intervenções
psicológicas. Na área de pesquisa e comunicação, é necessário saber conduzir pesquisas e comunicar
informações de cunho psicológico a outros profissionais. Por fim, quanto à área de programação, o profissional
deve desenvolver habilidades para organizar e administrar programas de saúde. Com essa formação integrada,
é possível melhorar a qualidade da atenção prestada, garantir que as intervenções implantadas sejam as mais
eficazes para cada caso, diminuir custos e aumentar os conhecimentos sobre o comportamento humano e suas
relações com a saúde e a doença (Ulla & Remor, 2003).
19

Neste momento em que somos incitados a refletir sobre nossa profissão para aperfeiçoar nossos modelos de
atuação profissional, como ocorre com a Psicologia da Saúde, é importante considerar sempre o aspecto social
em que estamos inseridos, compreendendo a realidade do nosso país. O Brasil é o país das contradições, ao
mesmo tempo em que é a décima primeira economia mundial, portanto, um país rico, ao passo que 1/3 de sua
população é pobre, melhor dito, miserável (WHO, 2003). Um terço de aproximadamente 170 milhões de
pessoas significa que 55 milhões vivem abaixo da linha da pobreza. Para termos uma dimensão ainda mais
clara dessa dura realidade, podemos pensar que é como se toda a população dos nossos vizinhos Argentina,
Chile e Uruguai fossem miseráveis, isto é, aqueles que não possuem as condições mínimas de moradia,
alimentação, educação e saúde. O Brasil também é o país das contradições em si mesmo, ou seja, são também
gigantescas as diferenças econômicas e educacionais da Região Sul/Sudeste e da Norte/Nordeste/Centro-
Oeste. Enfim, é uma nação rica com muitos pobres, como ilustra a tabela:

Como podemos observar a partir desses dados, a situação do nosso país é alarmante devido principalmente às
desigualdades existentes. Isso exige de nós, como profissionais e cidadãos brasileiros, em primeiro lugar, um
conhecimento profundo dessa triste realidade. Conhecendo a situação que se apresenta, a consolidação de um
trabalho de promoção da saúde pode tornar-se efetivo. Entretanto, nós, enquanto profissionais da saúde,
estamos preparados para essa realidade? Acreditamos que, em muitos aspectos, não. Parece-nos, às vezes,
que os profissionais da Psicologia são um “retrato” da desigualdade da sociedade brasileira, com suas práticas
elitistas que beneficiam uma pequena parcela da população. Um exemplo seria a utilização indiscriminada da
prática da psicoterapia individual, em contextos em que a população ou tem outras necessidades mais básicas,
ou até não chega à instituição por falta de recursos. Confirma essa idéia a recente pesquisa realizada sobre o
perfil do psicólogo brasileiro (CFP, 2003b), mostrando que 54,9% dos psicólogos que exercem a profissão
trabalham na clínica em consultório particular, enquanto apenas 12,4% dos profissionais atuam em Psicologia
da Saúde e 0,6% são pesquisadores.

Queremos esclarecer que consideramos a prática psicoterápica individual fundamental, e, sem dúvida, um dos
pilares da Psicologia. Entretanto, é indispensável que sua indicação seja correta. O que questionamos neste
trabalho é o uso indiscriminado de tal modalidade de intervenção em determinados setores ou contextos em
que existem outros tipos de intervenção mais condizentes com as necessidades dos indivíduos. Como exemplo,
pensamos em duas situações em que a indicação de psicoterapia individual é questionável: a primeira, no
contexto hospitalar, e a segunda, na comunidade. Situação 1: num determinado hospital, digamos que exista
grande demanda para o setor da Psicologia com pacientes internados e se privilegie o trabalho individual.
Tendo em vista a dificuldade de atender todos os pacientes, o setor decidiria, de acordo com seus próprios
critérios, atender apenas alguns pacientes, enquanto outros ficariam excluídos desse tipo de ajuda. Situação 2:
digamos que, num posto de saúde, exista, na sala de espera do ginecologista, várias mulheres infectadas pelo
HIV. O setor da Psicologia decide, por sua vez, oferecer inscrição na lista de espera para atendimento individual
psicoterápico. No entanto, essas pessoas seriam chamadas para atendimento, na melhor das hipóteses, dentro
de um mês. A partir desses exemplos hipotéticos, mas que podem ocorrer na realidade, é provável que seja
mais produtivo realizar trabalhos grupais (em suas distintas modalidades) enfocando a problemática comum nos
dois casos.
20

Nesse sentido, Moura (2003), refletindo sobre “a psicologia que temos e a psicologia que queremos”, analisa
essa prática tradicionalmente empreendida pelos psicólogos. Com a diminuição da procura de clientes para os
seus consultórios particulares devido ao empobrecimento da população, os psicólogos foram obrigados a
trabalhar com pessoas cada vez mais carentes. Isso gerou o que a autora denominou uma “crise na Psicologia”,
a partir da discrepância entre as propostas terapêuticas e a realidade do Brasil. A prática profissional passou a
ser questionada no que tange à eficácia e adequação da Psicologia frente às questões de ordem social.
Dimenstein (2000) afirma, ainda, que muitos dos problemas dos quais o psicólogo passou a deparar-se
escapam do domínio da clínica, pois referem-se às condições de vida da população. Tais dificuldades passaram
a ser um entrave para as atividades de assistência pública à saúde tendo em vista a falta de preparo nessa
área.

Para mostrar tais discrepâncias, dois estudos empíricos relatam a prática de psicólogos no contexto hospitalar.
No primeiro estudo (Yanamoto & Cunha, 1998), foram entrevistadas cinco psicólogas, no segundo (Yanamoto,
Trindade &Oliveira, 2002), participaram 25, todos atuando em hospitais no Rio Grande do Norte. Foram
analisados os seguintes aspectos: formação acadêmica, trajetória profissional, caracterização das atividades
realizadas e avaliação do trabalho realizado nos hospitais. Dentre os resultados principais, aparece uma
formação universitária deficitária e não condizente com a prática profissional, condições adversas de trabalho e
práticas que, muitas vezes, não se distinguem do fazer clínico tradicional em consultório privado. Observa-se
que todos os profissionais que trabalham diretamente com os pacientes desenvolvem atividades psicoterápicas
em suas diversas modalidades: breve, de apoio, individual ou grupal .

Levando em conta a realidade de nosso país e de nossa profissão, perguntamo-nos: onde poderia se inserir o
psicólogo para abrir novas frentes de mercado de trabalho de acordo com as necessidades da população?

Um dos primeiros passos seria a inserção do psicólogo em equipes de saúde interdisciplinares. A interlocução
entre os diversos saberes seria a maneira de oferecer um cuidado mais completo, eficaz e de acordo com as
necessidades da população (Almeida, 2000; Kerbauy, 2002). Além da utilização de suas práticas e técnicas
usuais, o psicólogo também poderia participar politicamente das decisões sanitárias. Relacionado a isso,
algumas mudanças já se percebem. Por exemplo, nos últimos anos, o Conselho Federal de Psicologia vem
trabalhando para transformar essa situação, tentando sensibilizar a categoria profissional para o
desenvolvimento de ações sociais em distintas áreas da Psicologia (Conselho Federal de Psicologia, 1994).
Assim, estudos sobre a prática profissional do psicólogo, no Brasil, têm apontado para dois movimentos
contrários: por um lado, a supremacia de atividades classificadas como pertencentes ao âmbito da clínica; por
outro, a emergência de movimentos buscando novas formas de inserção profissional.

O relato de Miyazaki et al. (2002) esclarece como pode ocorrer um processo de mudança permitindo maior
inserção profissional de acordo com a realidade do País. Descrevendo o desenvolvimento e estágio atual do
serviço de Psicologia de um hospital em São José do Rio Preto, os autores explicam a evolução de uma equipe
de psicologia eminentemente clínica individual para um trabalho dentro dos moldes do que seria a Psicologia da
Saúde. A intervenção individual não dava conta da demanda, e então foi instalado um programa denominado
Aprimoramento em Psicologia da Saúde. Este possuía duração de dois anos e combinava a prática à pesquisa
em Psicologia da Saúde. Segundo o relato, a atuação foi realizada em equipes interdisciplinares, abrangendo
os níveis primário, secundário e terciário de atendimento. As intervenções se davam no ambulatório, no
hospital, em centro de saúde-escola e na comunidade, sempre combinadas com pesquisas que justificassem
suas ações. O hospital, na atualidade (2002), possuía 40 psicólogos (docentes, contratados e aprimorandos).

A partir dessas idéias, evidencia-se o quanto urgem revisões e atualizações, tanto ao nível de formação
profissional quanto de estratégias de inserção dos psicólogos. É preciso romper com a “prática do silêncio”, que
compreende o indivíduo isolado da sociedade (Moura, 2003), e elaborar um modelo profissional que considere a
ação histórica dos homens. A Psicologia é uma ciência jovem, e sua participação histórica nos programas de
saúde tende a ser tímida. Queremos destacar a importância de podermos discutir, compreender e assumir a
função e o papel que nos cabe para transformar a realidade sanitária no País. O próprio psicólogo necessita
dessas reflexões para que, efetivamente, torne seu trabalho vetor nos programas de saúde e abra espaço para
a atuação de novos profissionais nessas equipes.

Em última análise, acreditamos que, se o indivíduo não pode vir até o psicólogo, o psicólogo pode ir até ele.
Isso significa entrar em contato com a dura realidade do nosso país. Conhecendo a população brasileira, os
psicólogos podem utilizar seus conhecimentos para chegar a todos, independentemente de seus recursos: os
que têm condições e desejam um tratamento particular, e também aqueles que nem sequer sabem o quanto
poderiam ser ajudados por profissionais dessa área.
21

Considerações Finais

No presente trabalho, procuramos esclarecer e sintetizar o que é a Psicologia da Saúde e a Psicologia


Hospitalar. Aprofundando o estudo e os fundamentos dessas áreas, chegamos à conclusão que a Psicologia
Hospitalar brasileira, tal como é descrita, estaria incluída na área mais abrangente da Psicologia da Saúde. Para
justificar nosso posicionamento, construímos uma tabela em que se resumem as principais semelhanças e
diferenças entre Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar a partir do material já apresentado.

Como se verifica na tabela, a Psicologia da Saúde amplia a atuação do psicólogo hospitalar. Contudo, é
possível que, em muitos hospitais do Brasil, os psicólogos realizem seus trabalhos em distintos setores de
acordo com a definição da Psicologia da Saúde. No Brasil, entretanto, oficialmente, essa definição não existe
como especialização oficial definida pelo CRP, ao contrário da Psicologia Hospitalar, que é uma especialidade.

Nós nos perguntamos: essa definição exclusivamente brasileira de “Psicologia Hospitalar” é adequada?
Pensamos que, como essa denominação já está consolidada na linguagem dos psicólogos e de outros
profissionais da saúde brasileiros, parece óbvio que permaneça. No entanto, estamos de acordo com Chiattone
(2000), Yanamoto e Cunha (1998) e Yanamoto, Trindade e Oliveira (2002) quando declaram que seria mais
adequado referir-nos à Psicologia no contexto hospitalar como um trabalho que faz parte da Psicologia da
Saúde. Além disso, consideramos importante ressaltar que essa denominação pode ser inadequada se
tratarmos a Psicologia da Saúde como sinônimo de Psicologia Hospitalar, pois intervenções em saúde que
necessitariam ser realizadas fora do hospital poderiam não ser supridas, principalmente aquelas relativas à
prevenção primária. Todas essas questões estão diretamente associadas às reais necessidades e demandas
da população brasileira.

A polêmica sobre a existência de uma área única abrangente ou de duas áreas distintas, Psicologia Clínica ou
Psicologia da Saúde, é tema de debate internacional (Yanamoto, Trindade & Oliveira, 2002), e claro, deve ser
prioritariamente nacional. Nossa inquietude frente às mencionadas contradições das áreas de especialização e
ainda da existência de uma Psicologia Hospitalar brasileira foi a mola propulsora para a presente reflexão.
Estando fora do Brasil, vimos “de longe”, e assim, de maneira distinta, nossa realidade, tanto de país quanto de
profissão. Justamente por acreditarmos no desenvolvimento do Brasil e da Psicologia propomos este
questionamento. Mais que respostas, temos perguntas. Mais que certezas, temos inquietações. Mais que
conformismo, temos a esperança neste país, dito em desenvolvimento, em que existem realidades de primeiro e
terceiro mundo que se chocam constantemente. /// Recebido em 27/03/02. Aprovado em 08/08/04

3- Cuidados paliativos: uma


abordagem a partir das categorias
profissionais de saúde
22

O Cuidado Paliativo surge como uma filosofia humanitária de cuidar de pacientes em estado terminal, aliviando
a sua dor e o sofrimento. Estes cuidados prevêem a ação de uma equipe interdisciplinar, onde cada profissional
reconhecendo o limite da sua atuação contribuirá para que o paciente, em estado terminal, tenha dignidade na
sua morte. Este artigo trata a questão da morte e do morrer, tanto na visão tradicional como na
contemporaneidade, e como o cuidado paliativo tem sido tratado nas categorias de trabalho de medicina,
serviço social, psicologia e enfermagem. A metodologia deste trabalho consiste na revisão bibliográfica de
artigos localizados na base de dados Scielo, revistas eletrônicas e livros técnicos relacionados com o tema. A
análise dos artigos apontou para uma carência de disciplinas que tratem da temática da morte nos currículos
profissionais, para poucos serviços de cuidados paliativos na sociedade brasileira e para barreiras que se
colocam a esse novo olhar ao paciente terminal. Esta pesquisa visa ampliar a discussão dos cuidados paliativos
na saúde pública, e fornecer subsídios a futuros estudos que tratarão da temática.

Morte; Cuidado paliativo; Humanização; Equipe interdisciplinar

Introdução

O termo "cuidados paliativos" é utilizado para designar a ação de uma equipe multiprofissional à pacientes fora
de possibilidades terapêuticas de cura. A palavra "paliativa" é originada do latim palliun que significa manto,
proteção, ou seja, proteger aqueles em que a medicina curativa já não mais acolhe. Segundo o Manual dos
Cuidados Paliativos1, a origem do mesmo se confunde historicamente com o termo "hospice" - abrigos que
tinham a função de cuidar dos viajantes e peregrinos doentes. Essas instituições eram mantidas por religiosos
cristãos dentro de uma perspectiva caridosa.

O movimento hospice contemporâneo foi introduzido pela inglesa Cicely Saunders em 1967, com a fundação do
Saint Christopher Hospice, no Reino Unido. Essa instituição prestava assistência integral ao paciente desde o
controle dos sintomas até alívio da dor e sofrimento psicológico. A partir de então surge uma nova filosofia no
cuidar dos pacientes terminais.

Os Cuidados Paliativos foram definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1990, e redefinidos em
2002, como sendo uma abordagem que aprimora a qualidade de vida, dos pacientes e famílias que enfrentam
problemas associados com doenças, através da prevenção e alívio do sofrimento, por meio de identificação
precoce, avaliação correta e tratamento da dor, e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual 1.

Seus princípios incluem: reafirmar a importância da vida, considerando a morte como um processo natural;
estabelecer um cuidado que não acelere a chegada da morte, nem a prolongue com medidas desproporcionais
(obstinação terapêutica); propiciar alívio da dor e de outros sintomas penosos; integrar os aspectos psicológicos
e espirituais na estratégia do cuidado; oferecer um sistema de apoio à família para que ela possa enfrentar a
doença do paciente e sobreviver ao período de luto².

Devem reunir as habilidades de uma equipe interdisciplinar para ajudar o paciente a adaptar-se às mudanças
de vida impostas pela doença, pela dor, e promover a reflexão necessária para o enfrentamento desta condição
de ameaça à vida para pacientes e familiares¹.

O processo de viver se prolongou de uma forma exponencial nas últimas décadas, devido às inovações
tecnológicas que impactaram no aumento da sobrevida, e isto nos faz perceber que a morte, na maioria das
vezes, já não é um episódio e sim um processo, às vezes até prolongado, demorando anos e até mesmo
décadas dependendo da enfermidade³.

Estudos do IBGE4 mostram que entre 1901 e 2000, a população brasileira passou de 17,4 para 169,6 milhões
de pessoas, e a expectativa de vida de um homem brasileiro subiu dos 33,4 anos em 1910 para os 64,8 anos
em 2000. Entretanto, junto com o prolongamento da vida, os profissionais de saúde começaram a perceber que
mesmo não havendo cura, há uma possibilidade de atendimento, com ênfase na qualidade de vida e cuidados
aos pacientes, por meio de assistência interdisciplinar, e da abordagem aos familiares que compartilham deste
processo e do momento final da vida - os cuidados paliativos.

Assim, ao mesmo tempo em que os cuidados paliativos são recentes no país, e desconhecidos por um grande
contingente de profissionais que trabalham com pacientes em fase terminal, algumas questões se colocam:
como as categorias profissionais de medicina, enfermagem, psicologia e serviço social estão pensando o
cuidado paliativo? Quais os aspectos que estão sendo abordados? Quais as ações desenvolvidas por cada
categoria profissional sobre o termo? Há convergência entre os profissionais em relação à utilização do
conceito?
23

Este artigo tem como objetivo analisar como as categorias profissionais descritas acima, estão abordando os
cuidados paliativos. Para isso foi realizada a revisão da literatura de artigos científicos, extraídos nas bases de
dados Scielo (Scientific Eletronic Library Online), no período compreendido entre 2000 e 2011. Os descritores
utilizados foram: cuidados paliativos; cuidados paliativos e equipe interdisciplinar (médico, assistente social,
psicólogo, enfermeiro). Os artigos foram selecionados após analise de título, do resumo e do conteúdo, e
classificados em quatro grupos, correspondendo às categorias profissionais escolhidas para a análise, como
mostra o Quadro 1.
24

A escolha das categorias profissionais se justifica por serem as mais próximas à abordagem dos cuidados
paliativos, uma vez que estão em contato direto com os pacientes e seus familiares.

Muitos artigos encontrados no levantamento bibliográfico foram descartados, por não conterem as informações
necessárias para responder as questões propostas neste trabalho, mesmo tendo os mesmos descritores
propostos pela pesquisa.

Morte: da visão tradicional à visão contemporânea

Falar sobre a morte sempre foi um tema incômodo para muitas pessoas, tendo em vista os mistérios e tabus
que envolvem o assunto. Porém "o morrer" vem se transformando com o decorrer do tempo. Com as
tecnologias cada vez mais avançadas é possível retardar, atenuar, diminuir a dor do indivíduo terminal. Ou seja,
a morte tem deixado de ser um episódio para se tornar um processo3. De acordo com Ariès24 a morte na idade
média era vista como natural e justa. O doente era o protagonista da cena e, nos momentos que precediam a
sua morte, era de fundamental importância que os amigos e familiares, incluindo crianças, estivessem
presentes. Dessa forma, poderia pedir perdão aqueles que o rodeava e assim considerava-se preparado para
morrer.

Para Ariès24 durante os séculos XVI, XVII e XVIII, a morte foi caracterizada de maneira diferente. O homem
começa a pensar mais na morte do outro, em virtude das transformações que ocorrem na concepção de família,
a qual passa a ser mais fundada no afeto. A morte passa a ser encarada como inimiga, como uma violação que
arranca o indivíduo do seu seio familiar.

Ariès24, em seus estudos sobre a morte no ocidente, afirma que há uma mudança na forma de encarar esse
fenômeno. No século XIX a morte era vista como transgressão ao afeto e à união, ao tirar o homem de sua vida
cotidiana, o que gerava sentimento de melancolia nos familiares. Já no século XX a morte deve ser escondida a
qualquer custo. O luto neste período é cada vez mais discreto, e as formalidades para enterrar o corpo são
cumpridas rapidamente, como se houvesse uma ânsia por fazer desaparecer e esquecer tudo o que pode restar
do corpo. O indivíduo que antes morria junto aos seus familiares, passa a morrer em centros médicos,
compreendidos como os locais mais apropriados.

Se antes o indivíduo morria rodeado de amigos e familiares - um episódio público - agora morre só, internado,
em unidades de terapia intensiva, invadido por tubos, cercado por aparelhos. Esse modelo de morte, como
afirma Menezes25 é denominado morte moderna, que vem acompanhado de um profundo processo de
despersonalização dos internados em hospitais, o crescente poder médico e a desumanização dos pacientes.

Menezes25 considera que o processo de medicalização social teria surgido no século XIX, e se desenvolvido no
século XX, onde foram criados vários recursos para manutenção da vida. Entre eles estão: os pulmões de aço,
respiradores artificiais, desfibriladores, monitores de funções corporais, aparelhos de diálise, afora as estruturas
institucionais e arquiteturas hospitalares que passavam por mudanças, com a criação das Unidades de Terapia
Intensivas, centro de tratamento para queimados, aparelhagem moderna e equipes altamente especializadas.

Com isso, o homem moderno vive como se jamais fosse morrer, e a morte se torna algo distante. Isto acontece
devido ao avanço das tecnologias, dos estudos genéticos, da biomedicina, o ideário de culto ao corpo, excesso
de atividades físicas, a juventude sendo buscada a qualquer custo, que traz a percepção de que a vida se
prolonga e a morte se distancia3.

Enquanto no modelo da morte moderna, "a morte é, tanto para o médico como para o hospital, antes de tudo,
um fracasso"25, no modelo contemporâneo da boa morte, a equipe de saúde a compreende de modo distinto e,
consequentemente, busca posicionar-se de nova forma. A proposta dos profissionais consiste em assistir o
paciente até seus últimos momentos, buscando minimizar, tanto quanto possível, sua dor e desconforto, e dar
suporte emocional e espiritual a seus familiares 25.

Para Floriani e Schramm26, o conceito de boa morte tem sido empregado em cenários que requerem certas
características, como a morte sem dor, de acordo com os desejos do paciente, no ambiente familiar, sem
sofrimentos e em um ambiente de harmonia. Os autores mencionam que essa pode ser uma situação difícil
quando há, por parte da equipe que acompanha o paciente, uma postura mais rígida quanto aos conhecimentos
teóricos que baseiam as ações em cuidados paliativos. Para eles, a alta tecnologia e os cuidados paliativos não
deveriam ser vistos como práticas contraditórias.
25

A filosofia da morte contemporânea é marcada pelo empenho dos profissionais em tornar o fim da vida do
paciente em um momento digno, em assisti-lo até seu último suspiro, dar voz ao mesmo, permitir escolhas,
principalmente do lugar onde deseja morrer.

Menezes25 aponta que a morte contemporânea deve acontecer da maneira mais natural possível. Da mesma
forma que o parto, onde a parturiente se prepara para dar à luz e existem exercícios para diminuir a ansiedade,
assim também deve ser o paciente diante da morte, e nesses casos a família é de real importância. Quando o
indivíduo decide morrer no seu próprio lar, os profissionais de saúde consideram os familiares como membros
da equipe de cuidados paliativos, pois os mesmos auxiliarão a equipe nos cuidados com o paciente.

A filosofia da morte contemporânea ainda é recente, e será necessário um bom tempo para se estruturar, não
somente na sociedade brasileira, mas no mundo como um todo, tendo em vista a dificuldade para o ser humano
lidar com um assunto que, mais cedo ou mais tarde, passará também por ele. Em contrapartida, percebe-se
também que já existe uma preocupação do estudo do assunto na sociedade brasileira e no mundo visto que há
um envelhecimento da população, assim como um aumento da prevalência do câncer e outras doenças
crônicas.

Os Cuidados Paliativos no Brasil

A história dos cuidados paliativos no Brasil é recente, tendo se iniciado na década de 1980. Conforme
Peixoto27 o primeiro serviço de cuidados paliativos no Brasil surgiu no Rio Grande do Sul em 1983, seguidos da
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em 1986, e logo após em Santa Catarina e Paraná. Um dos serviços
que merece destaque é o Instituto Nacional do Câncer - INCA, do Ministério da Saúde, que inaugurou em 1998
o hospital Unidade IV, exclusivamente dedicado aos Cuidados Paliativos.

Segundo Maciel28, a unidade IV oferece cuidados paliativos em 56 leitos de enfermaria, pronto-atendimento,


ambulatório e internação domiciliar, com recursos excelentes. Oferece, também, curso de especialização em
Medicina Paliativa para médicos com Formação em Oncologia clínica ou cirúrgica, anestesiologia, clínica
médica, geriatria, medicina geral e comunitária, formando profissionais capacitados para a prática da Medicina
Paliativa. A Medicina Paliativa não tem pretensão de curar, mas busca proporcionar conforto e controle dos
sintomas nos aspectos físicos, emocionais, sociais, espirituais do paciente e de seus familiares.

Em 1997, foi criada a Associação Brasileira de Cuidados Paliativos (ABCP), composta por um grupo de
profissionais interessados no assunto, que propunham prática de divulgação da filosofia dos cuidados paliativos
no Brasil.

Em 2000, surge o Programa do Hospital do Servidor Estadual de São Paulo que a principio tratou de pacientes
com câncer metastático, e posteriormente em 2003, criou uma enfermaria de cuidados paliativos.

Em fevereiro de 2005 foi criada a Academia Nacional de Cuidados paliativos (ANCP). A importância da mesma
para o Brasil transcende os benefícios para a medicina brasileira. Para os "paliativistas" a fundação da
academia é um marco não só para os cuidados paliativos no Brasil como para a medicina que é praticada no
país. A academia foi fundada com o objetivo de contribuir para o ensino, pesquisa e otimização dos cuidados
paliativos no Brasil1.

Cabe destacar outras experiências de cuidados paliativos no Brasil, tais como: O Projeto Casa Vida, vinculado
ao Hospital do Câncer de Fortaleza, no Ceará; o grupo de Cuidados Paliativos em AIDS do Hospital Emílio
Ribas de São Paulo, que se tornou referência para o Brasil; o trabalho da equipe de Londrina no Programa de
Internação Domiciliar da Prefeitura, assim como vários núcleos ligados à assistência domiciliar em prefeituras
no Paraná e de várias cidades do Nordeste. Existem grupos atuantes nos Hospitais de Câncer de Salvador,
Barretos, Goiânia, Belém, Manaus e São Paulo, ambulatórios em Hospitais Universitários como o ambulatório
da UNIFESP, capitaneado pelo Prof. Marco Túlio de Assis Figueiredo, um nome emblemático na luta pelo
ensino dos Cuidados Paliativos no Brasil, as escolas de Botucatu e Caxias do Sul; o trabalho do Hospital de
Base de Brasília e do Programa de Cuidados Paliativos do Governo do Distrito Federal 28.

De acordo com Figueiredo17, ainda que de forma lenta, há um crescimento expressivo dos cuidados paliativos
no Brasil. De acordo com o mesmo autor, universidades, cursos de graduação e de pós-graduação deveriam ter
em suas grades disciplinas que tratem a temática dos cuidados paliativos. No entanto, isso não acontece, e na
maioria das vezes a experiência se dará apenas na prática, o que dificulta o trabalho das equipes de uma
maneira geral. Muitos médicos ainda se sentem receosos ao tratar do assunto, tendo em vista que podem ser
mal interpretados, ou confundidos com praticantes de eutanásia.
26

Dessa forma, é fundamental ampliar a discussão e a formação sobre os cuidados paliativos, aprimorando o
currículo dos cursos de graduação, com disciplinas que tratem da morte e dos cuidados, e na conscientização
da própria população que pouco discute a temática.

Ainda não há no Brasil uma Política Nacional de Cuidados Paliativos. O Ministério da Saúde vem consolidando
formalmente os cuidados paliativos no âmbito do sistema de saúde do país, por meio de portarias e
documentos, emitidos pela Agência Nacional de vigilância Sanitária e pelo próprio Ministério da Saúde. De
acordo com Rabello e Rodrigues29 há apenas um instrumento legal (Portaria GM/MS nº 2.439/2005) que inclui
os cuidados paliativos na Política Nacional de Atenção Oncológica. Dessa forma, exclui as demais doenças e
pacientes que também necessitam desses cuidados, em uma linha que contemple todos os níveis de atenção.

As principais dificuldades apresentadas para o trabalho de cuidados paliativos no Brasil, conforme notícia
veiculada pela Fundação do Câncer em 2010, são: a inclusão dos Cuidados Paliativos na atenção básica; o
atestado de óbito em domicílio; a "cesta básica" de medicamentos, que é muito cara; e, o armazenamento, a
distribuição e o descarte de remédios opiáceos que aliviam a dor 30.

O Reino Unido fica com o primeiro lugar em qualidade de morte, e é um exemplo da importância de se
reconhecer os Cuidados Paliativos na medicina. Lá, desde 1987, a medicina paliativa é considerada uma
especialidade médica. No Brasil, somente em agosto de 2011 é que a medicina paliativa veio se tornar uma
área de atuação médica, segundo resolução 1973/2011 do Conselho Federal de Medicina 31.

As abordagens das categorias profissionais e saúde nos cuidados paliativos

Os cuidados paliativos pressupõem a ação de uma equipe multiprofissional, já que a proposta consiste em
cuidar do indivíduo em todos os aspectos: físico, mental, espiritual e social. O paciente em estado terminal deve
ser assistido integralmente, e isto requer complementação de saberes, partilha de responsabilidades, onde
demandas diferenciadas se resolvem em conjunto.

A compreensão multideterminada do adoecimento proporciona à equipe uma atuação ampla e diversificada que
se dá através da observação, análise, orientação, visando identificar os aspectos positivos e negativos,
relevantes para a evolução de cada caso32. Além disso, os saberes são inacabados, limitados, sempre
precisando ser complementados. O paciente não é só biológico ou social, ele é também espiritual, psicológico,
devendo ser cuidado em todas as esferas, e quando uma funciona mal, todas as outras são afetadas.

É de fundamental importância para o paciente fora de possibilidades terapêuticas de cura que a equipe esteja
bastante familiarizada com o seu problema, podendo assim ajudá-lo e contribuir para uma melhora.

Serão descritas, a seguir, as abordagens que as categorias profissionais de serviço social, psicologia,
enfermagem e medicina trazem sobre o cuidado paliativo nos vinte artigos selecionados para esta pesquisa,
apontando para três situações: principais aspectos abordados; despreparo profissional e ações desenvolvidas.

Serviço Social

O assistente social desempenha dois papéis importantes em cuidados paliativos: o primeiro é o de informar a
equipe, quem é o paciente do ponto de vista biográfico: onde ele vive, em que condições o paciente se encontra
pra receber o atendimento da equipe, que, com as informações dos demais profissionais poderá ser planejado
como vai ser o tratamento do paciente. O segundo papel consiste no elo que este profissional faz entre o
paciente-família e a equipe33.

O acolhimento e a escuta são características do trabalho deste profissional, que quando se depara com
paciente em processo de morte, deve saber colher as informações no tempo certo, dar voz ao individuo e seus
familiares, deixando-os extravasar suas tristezas e insatisfações com o problema. Conhecer a situação
socioeconômica do paciente, os serviços disponíveis, as redes de suporte e canais para atender a demanda
dos usuários, são outras atribuições do assistente social.

Os artigos selecionados mostram uma insatisfação dos profissionais de serviço social quanto ao próprio
currículo, que não abrange essa temática.

Os temas mais abordados nos artigos que tratam do serviço social e cuidados paliativos foram: o trabalho do
serviço social com as famílias dos pacientes terminais, a importância de uma equipe multiprofissional no
cuidado a este paciente, e a comunicação do óbito aos familiares. Embora esta seja responsabilidade do
27

médico, há a necessidade do assistente social ficar em alerta neste evento, pois precisará oferecer suporte e
orientações quanto ao sepultamento, principalmente aos familiares que não têm condições de provê-lo. O
conceito de cuidado paliativo utilizado pelos assistentes sociais nos artigos é o formulado pela Organização
Mundial da Saúde.

Os assistentes sociais em cuidados paliativos contribuem para o fortalecimento das relações entre os pacientes
e seus entes queridos, providenciam os recursos necessários aos cuidados básicos dos indivíduos para que o
mesmo tenha uma morte digna.

Psicologia

O psicólogo diante da terminalidade humana, busca a qualidade de vida do paciente, amenizando o sofrimento,
ansiedade e depressão do mesmo diante da morte. A atuação do psicólogo é importante tanto no nível de
prevenção, quanto nas diversas etapas do tratamento.

Pode ajudar os familiares e os pacientes a quebrarem o silêncio e falarem sobre a doença, fornecendo aos
mesmos as informações necessárias ao tratamento, que muitas vezes é negado pela própria família, pois
consideram melhor manter o paciente sem a informação. Esse posicionamento da família é denominado em
cuidados paliativos como a conspiração do silêncio. Assim o psicólogo contribui para que os doentes e
familiares falem sobre o problema, favorecendo a elaboração de um processo de trabalho que ajudará o
paciente a enfrentar a doença, construindo experiências de adoecimento, processo de morte e luto 34.

O trabalho do psicólogo em cuidados paliativos consiste em atuar nas desordens psíquicas que geram estresse,
depressão, sofrimento, fornecendo um suporte emocional à família, que permita a ela conhecer e compreender
o processo da doença nas suas diferentes fases, além de buscar a todo tempo, maneiras do paciente ter sua
autonomia respeitada.

Ferreira et al.9 aponta que o psicólogo deve ter a percepção do fundamento religioso que envolve o paciente,
como alternativa para reforçar o suporte emocional, proporcionando ao mesmo, entender o sentido da sua vida,
do seu sofrimento e do seu adoecimento, o que é considerado por alguns autores como a psicologia da
religião .

A escuta e o acolhimento são instrumentos indispensáveis ao trabalho do psicólogo para conhecer a real
demanda do paciente, além de ter que possuir uma boa comunicação interpessoal seja em linguagem verbal ou
não, firmando assim uma relação de confiança com o paciente.

Os temas mais comentados nos artigos referentes à psicologia foram: a apresentação da morte no tempo e no
espaço, a importância da equipe multiprofissional no trabalho em cuidados paliativos, bioética, ansiedade,
depressão, eutanásia, mistanásia, ortotanásia e distanásia. O conceito de cuidados paliativos utilizado também
é o formulado pela OMS.

Da mesma forma, é necessária uma proposta de mudança curricular, que atenda a carência dos alunos em
relação à tanatologia (estudo da morte) oportunizando aos mesmos uma atuação profissional mais completa,
tornando-os mais eficientes na atuação para cumprir um dos principais objetivos do atendimento psicológico aos
pacientes terminais, que é passar aos mesmos que o momento crítico da doença pode ser compartilhado,
estimulando e buscando recursos internos para assim atenuar sentimentos de derrota e solidão, favorecendo a
ressignificação desta experiência de adoecer 9.

Enfermagem

A enfermagem é uma das categorias desta pesquisa que mais publicam sobre o cuidado paliativo. Segundo
Matos e Moraes35 a enfermagem pode ser definida como a arte e a ciência de se assistir o doente nas suas
necessidades básicas e, em se tratando de cuidados paliativos, pode-se acrescentar que busca contribuir para
uma sobrevida mais digna e uma morte tranquila.

Nos artigos de enfermagem selecionados para esta pesquisa, os enfermeiros relatam que o currículo
profissional da categoria carece de disciplinas voltadas para a finitude humana, e que se sentem despreparados
para lidar com os pacientes que estão à morte. Fogem, por vezes, da discussão, dando desculpas e promessas
de recuperação ao paciente, quando a morte é praticamente inevitável.
28

Há convergências das outras categorias profissionais com a enfermagem no trato ao cuidado paliativo. Os
artigos de enfermagem selecionados para elaboração deste trabalho utilizam o mesmo conceito da OMS, para
definir os cuidados paliativos, e unem a temática a uma proposta de cuidado mais humanizada, não como uma
obrigação, mas sim como um ato de respeito e solidariedade22.

Segundo Matos e Moraes35 os requisitos básicos para atuação da enfermagem paliativa consiste no
conhecimento da fisiopatologia das doenças malignas degenerativas, anatomia e fisiologia humana,
farmacologia dos medicamentos utilizados no controle dos sintomas, técnicas de conforto bem como a
capacidade de estabelecer boa comunicação.

O enfermeiro que atua em cuidados paliativos do paciente com câncer, precisa saber orientar tanto o paciente
quanto a família nos cuidados a serem realizados, esclarecendo a medicação, e os procedimentos a serem
realizados. Portanto, o enfermeiro deve saber educar em saúde de maneira clara e objetiva, sendo prático em
suas ações, visando sempre o bem estar dos seus pacientes.

A enfermagem é uma das categorias que mais se desgastam emocionalmente devido à constante interação
com os pacientes enfermos, as constantes internações, muitas vezes acompanhando o sofrimento, como a dor,
a doença e a morte do ser cuidado.

Em busca do bem estar do paciente terminal, o enfermeiro busca realizar ações de confortar o mesmo, além
dos cuidados básicos e fisiopatológicos que o paciente necessitar, realizando quando possível seus anseios,
desejos e vontades.

Assim, o profissional de enfermagem é fundamental para equipe de cuidados paliativos, pela essência de sua
formação que se baseia na arte do cuidar. A importância da categoria a esses cuidados ficou evidente desde os
primórdios da ideologia, partindo do principio que essa maneira de cuidar do paciente oferecendo qualidade de
vida nos seus últimos dias partiu do conhecimento de uma enfermeira, Cicely Saunders, que depois cursou
medicina e serviço social.

Medicina

O médico tem a sua formação voltada para o tratamento e o diagnóstico das doenças. No entanto, em cuidado
paliativo, o foco não é a doença e sim o doente, tendo o médico que rever os seus conceitos, conhecer o limite
do seu fazer e saber trabalhar em equipe, pois as demandas do paciente estão para além do aparato físico
devendo, também, ser trabalhado o lado psicológico, social e espiritual.

Segundo o Manual dos Cuidados Paliativos 1, as equipes de saúde trabalham de maneira hierarquizada, onde
cada profissional tem seu papel reconhecido socialmente de forma diferente, dentro da equipe. O médico tem o
papel determinante dentro do grupo, e se ele não aceitar determinada situação todo o trabalho da equipe pode
se perder. O Manual também aponta a principal atuação do médico em cuidados paliativos, que seria o de
coordenar a comunicação entre os profissionais envolvidos, o paciente e a família, que esperam ouvir do
médico informações do diagnóstico e prognóstico da doença. É de extrema relevância que o médico tenha uma
boa comunicação com a equipe, para que todos tenham a mesma postura.

Apesar do Manual dos Cuidados Paliativos tratar a categoria de medicina como determinante e de liderança
dentro da equipe de cuidados paliativos, considero que este argumento deve ser debatido, tendo em vista que a
filosofia preconiza a ação de uma equipe multidisciplinar, onde cada um tem a sua importância. Haverá
momentos do trabalho em que uma categoria pode sobressair, mas isso não significa que esta categoria tenha
um papel determinante dentro do grupo.

O médico deve atuar em conjunto com o paciente, orientando sem coagir, mostrando-lhe os benefícios e as
desvantagens de cada tratamento, de forma inteligível a seu entendimento. Agindo assim o médico se torna um
facilitador para toda a equipe trabalhando de maneira a ajudar os familiares e o paciente terminal a exercer sua
autonomia18.

Como as demais categorias em debate, o médico também passa por dificuldades ao tratar o paciente terminal,
pois são aqueles que desafiam a capacidade e os limites destes profissionais, carecendo de apoio físico e
emocional.

Quando a morte é inevitável a sensação que aparece é o de fragilidade deste "poder de curar", causando em
muitos profissionais a sensação de fracasso profissional.
29

Diante desta dificuldade em lidar com a finitude humana, muitos médicos se distanciam do moribundo e até
mesmo o tratam não como uma pessoa, mas como um objeto que necessita da sua intervenção.

A partir desta afirmação podemos perceber que cada médico formará a sua própria percepção de morte
baseado em suas vivências e experiências anteriores. No entanto, a morte desencadeia sentimentos que não
somente marcam a pessoa que está morrendo, mas também médicos e profissionais de saúde e, como aponta
Salgado et al.16, o posicionamento ideal do médico deve ser compreender o que o paciente sente, identificar-se
parcialmente com ele, mas não sofrer como se fosse ele, atitude difícil de se manter, como menciona o autor.

A partir da leitura dos artigos selecionados para a realização desta pesquisa, percebe-se que os médicos estão
lutando para fazer a filosofia dos cuidados paliativos ser mais conhecida e difundida no Brasil. A medicina
paliativa tornou-se uma área de atuação médica no país em agosto de 2011. Os médicos que ingressarem em
programas de residências de clínica médica, cancerologia, geriatria e gerontologia, medicina de família e
comunidade, pediatria e anestesiologia, podem receber treinamento adicional especifico na área de medicina
paliativa. Segundo resolução 1973/2011 do Conselho Federal de Medicina (CFM), os médicos interessados
devem cursar mais um ano para receber o título de paliativista que será oferecido pela Associação Médica
Brasileira (AMB)31.

Os artigos de medicina selecionados para elaboração desta pesquisa se baseiam no conceito da OMS para os
cuidados paliativos. A visão dos médicos sobre a ideologia e em relação ao conceito é a mesma das demais
categorias estudadas. Os médicos valorizam a qualidade de vida, o principio da beneficência, não maleficência
e da justiça aos pacientes terminais.

O currículo do médico, como os dos demais profissionais de saúde, também carece de disciplinas que tratem
mais de tanatologia. Conforme sinalizam Souza e Lemônica 14 a universidade é pouco preocupada com a
formação humana de seus alunos, primando pela informação técnica, ou seja, o futuro profissional sairá da
academia prejudicado, pois se sentirá despreparado para assumir e resolver situações que estão para além da
técnica, e o trato aos pacientes terminais é um desses casos.

Segundo a ANCP1, ainda hoje, no Brasil, a graduação em medicina não ensina ao médico como lidar com o
paciente em fase terminal, como reconhecer os sintomas e como administrar esta situação de maneira
humanizada e ativa. No entanto, o médico nos cuidados paliativos é um profissional importante. Ele contribuirá
para fornecer esclarecimentos sobre diagnósticos e prognósticos para o paciente cuja morte é inevitável,
orientando a equipe, mantendo sempre uma boa comunicação com os demais profissionais, para que o
paciente tenha dignidade nos últimos de sua vida. Portando quando não se pode mais curar, ainda se pode
cuidar e se ter uma boa relação entre médicos e pacientes.

Considerações finais

Os artigos selecionados mostram que as categorias trabalhadas utilizam o conceito da OMS acerca dos
cuidados paliativos. Trazem em predominância experiências de pacientes com câncer em estágio terminal.
Apenas um artigo vem tratando de cuidados paliativos em portadores do HIV. O que pode explicar tal fato é que
os cuidados paliativos na sua origem eram direcionados aos pacientes com câncer, e só depois agregados a
outras comorbidades.

No processo de revisão da literatura para a elaboração deste artigo, constatou-se que a categoria que mais
publica na temática é a enfermagem, devido à própria essência da formação baseada na arte do cuidar. A
categoria com menor número de publicações é o serviço social, embora tenha um papel importante dentro da
equipe, e representação nas maiores instituições que tratam de cuidado paliativo no Brasil.

A morte é um tabu a ser desconstruído por todas as categorias. Alguns artigos mencionam a mesma como um
fracasso para o profissional, ao invés de um episódio que faz parte da vida. A dificuldade em lidar com a morte
é mencionada nos textos, o que faz com que muitos profissionais encontrem alternativas para não se deparar
com a situação: mascaram a morte, fogem dos pacientes terminais, não falam com o paciente sobre o assunto,
não criam vínculos e dispensam um tratamento pouco individualizado.

Outro ponto que merece destaque na pesquisa é a carência de disciplinas que envolvam os cuidados paliativos
e o tema da morte na academia. Em todos os artigos aparece a insatisfação dos profissionais quanto à
problemática. É necessária a reformulação dos currículos que permita ao profissional realizar ações mais
eficazes, quando acionados a tratar de pacientes que estão à morte. Vale ressaltar que a academia não vai
preparar o profissional para a atuação no campo, mas pode contribuir promovendo o debate. Assim, o
30

profissional encontrará maior segurança quando se deparar com a temática da morte e no trato a pacientes fora
de possibilidades de cura.

De acordo com o Quadro 2, os aspectos mais comuns levantados pelas categorias em cuidados paliativos
foram: humanização do atendimento, despreparo profissional em relação à morte, eutanásia, distanásia,
ortotanásia, mistanásia, currículos que carecem de disciplinas voltadas para a tanatologia.

Como já mencionado anteriormente, a categoria de enfermagem é a que mais se desgasta emocionalmente


com a morte do paciente, devido à interação com ele, às constantes internações, acompanhando a dor e o
sofrimento dos mesmos. Embora a categoria nos artigos enfatize a importância do atendimento humanizado, os
próprios profissionais referem que falham neste aspecto, que ainda há muita carência desse tipo de
atendimento aos pacientes terminais, mas que muitos buscam fazer o que podem para que o paciente viva os
seus últimos dias com qualidade, seja ouvindo o seus lamentos, histórias ou realizando seus últimos desejos,
tornando assim o atendimento mais humanizado.

Os Cuidados Paliativos preconizam humanizar a relação equipe de saúde-paciente-família, e proporcionar uma


resposta razoável para as pessoas portadoras de doenças que ameaçam a continuidade da vida, desde o
diagnóstico dessa doença até seus momentos finais 36.
31

A medicina paliativa busca o seu espaço, para que não somente o paciente com possibilidades de cura seja
atendido, mas os que sofrem com doenças em que a morte é inevitável também, pois a medicina científica não
deve ser antagônica da medicina paliativa, mas devem ser simbióticas 17. A morte digna é de grande significado
para o doente e também para o profissional que é compreensivo e solidário.

Assim, muito se tem a caminhar quando se trata de cuidados paliativos, E os profissionais de saúde em geral
precisam conhecer e explorar essa temática que é tão rica, porém pouco discutida.

Colaboradores

HR Hermes foi a responsável pela concepção do artigo e revisão bibliográfica, participando da elaboração dos
conceitos. ICA Lamarca participou da elaboração dos conceitos e fez a revisão do texto.

Artigo apresentado em 30/04/2013

Aprovado em 22/05/2013

Versão final apresentada em 17/06/2013

4- A caminho da morte com


dignidade no século XXI
Este artigo objetiva traçar reflexões sobre a morte com dignidade no século XXI. Para tanto, cinco itens
são considerados:

1. Retratos da morte no século XXI: morte interdita, morte escancarada e algumas formas de morte
indignas presentes na atualidade;

2. Necessidades do paciente no final da vida e como o conceito de paciente terminal torna genéricas as
formas de cuidado;

3. Definições, esclarecimentos e questões bioéticas envolvendo eutanásia, distanásia e ortotanásia;

4. Testamento vital e diretivas antecipadas de vontade são os documentos apresentados como


possibilidade de resgate da autonomia dos pacientes e instrumentos que facilitam a decisão de familiares
sobre tratamentos, na incapacidade do paciente;

5. Reflexões sobre os caminhos da morte no século XXI, enfatizando a importância do desenvolvimento de


programas de cuidados paliativos no Brasil.

PALAVRAS CHAVE: Morte; Dignidade; Cuidados paliativos; Bioética

Retratos da morte no século XXI: morte interdita, morte escancarada, morte reumanizada

‘Tenho muito medo de morrer’.


32

O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha
vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo: solidão, ninguém tem coragem
ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre minha morte, medo que a passagem seja demorada. Bom seria
se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que
se ama, em meio a visões de beleza 1 . A interdição da morte está relacionada ao avanço da tecnologia médica,
fascinando pacientes, familiares e profissionais de saúde. Há o deslocamento do lugar da morte: das casas para os
hospitais. Atualmente, o erro médico vincula-se à perda de limites, ao prolongar o processo de morrer com
sofrimento. A morte se tornou distante, asséptica, silenciosa e solitária. Se a morte é vista como fracasso ou
indignidade, o profissional se vê perdendo batalhas e derrotado. O paciente que sobrevive é guerreiro, mas quando
piora é visto como perdedor. A morte pode se tornar evento solitário, sem espaço para a expressão do sofrimento e
para rituais. A caricatura que a representa é o paciente que não consegue morrer, com tubos em orifícios do corpo,
tendo por companhia ponteiros e ruídos de máquinas, expropriado de sua morte. O silêncio impera, tornando
penosa a atividade dos profissionais com pacientes gravemente enfermos. O prolongamento da vida e da doença
amplia o convívio entre pacientes, familiares e equipe de cuidados, com estresse e risco de colapso. Não conseguir
evitar, adiar a morte ou aliviar sofrimento pode trazer ao profissional a vivência de seus limites, impotência e finitude
2 . Médicos devem tomar decisões sobre tratamentos e, com frequência, sentem-se sozinhos e com dificuldade para
abordar familiares que indagam sobre a evolução do paciente. São frequentes os sentimentos de fracasso e
frustração, ao verem a morte como adversária 3 . Com o avanço da tecnologia médica, profissionais se preocupam
com a manutenção da vida, tendo que cuidar de ponteiros e luzes que monitoram as funções vitais dos pacientes.
Conversar, ouvir sentimentos e emoções não são prioridades ante a batalha contra a morte 4 . Profissionais são
bombardeados com inovações tecnológicas que dificultam decisões a serem tomadas sobre tratamentos. Médicos e
enfermeiros, sobrecarregados, realizam procedimentos com os quais nem sempre concordam. Embora as mortes
ocorram nos hospitais, é também aí que se percebe sua interdição 5 . O desenvolvimento técnico na área da saúde
cria ambiente desumano, deixando a dignidade em segundo plano. Houve desapropriação da morte na era moderna,
afastando pessoas do seu processo de morrer, numa flagrante perda de autonomia e consciência 6 . Prolongar a
vida, não considerando os limites de tratamentos, pode levar ao temor e ao sofrimento, suportado na unidade de
terapia intensiva (UTI) na companhia de máquinas e sem a presença da família e amigos 7 . Há alterações
significativas nas razões de morte, principalmente no que concerne à duração do processo, devido à predominância
de doenças crônicas, cardiopatias, câncer, enfermidades neurológicas e aids. O medo é a não atenção a certos
sintomas como a dor e a inclusão de procedimentos invasivos, que prolongam a morte – o que pode ser motivo para
debates sobre eutanásia e suicídio assistido 5 . Nos Estados Unidos da América (EUA), cuidados médicos no final da
vida são caros: 25% dos custos envolvem pacientes com doença avançada. Os tratamentos são sofisticados e de
difícil interrupção. As UTI estão ocupadas por idosos com mais de 80 anos padecendo de doenças crônicas
irreversíveis por longo tempo, sob tratamentos invasivos e onerosos. Familiares pedem a manutenção desses
tratamentos por falta de esclarecimento, promovendo má qualidade de morte 8 . No Brasil, observam-se situações
parecidas, com altos custos hospitalares para idosos com doenças crônicas e degenerativas 9 . Embora não seja tema
específico deste artigo, a morte escancarada invade a vida das pessoas com violência, de forma inesperada,
dificultando a elaboração do luto. Cria situações de vulnerabilidade sem proteção ou cuidado. Ocorre a banalização
da morte na TV, inundando domicílios com imagens de mortes, quer nos noticiários, novelas ou filmes 4 . É o retrato
da morte indigna no século XXI. Entre mortes escancaradas indignas incluímos: assassinato, suicídio e acidentes. São
mortes coletivas, anônimas e com corpos mutilados, dificultando o processo de despedida. A morte humanizada é
abordada por KüblerRoss e Saunders, que escreveram sobre cuidados aos pacientes e familiares na aproximação da
morte, acolhendo o sofrimento. O paciente volta a ser centro da ação, resgatando seu processo de morrer 10,11. O
desenvolvimento da tanatologia, como área de estudos proposta por Kübler-Ross, aborda a morte como significante
da existência, por isso tratada com respeito, humildade, sem banimento ou banalização. A morte é conselheira e o
profissional, seu aprendiz. Esta autora também ficou muito conhecida pela descrição dos cinco estágios pelos quais
passa o paciente quando recebe o diagnóstico de doença de prognóstico reservado: negação, raiva, barganha,
depressão e aceitação. Esses não são modelo de enfrentamento, mas podem ajudar o profissional a sintonizar com a
experiência vivida pelo paciente 11. Saunders – que se formou em enfermagem, medicina e serviço social e em 1967
fundou o St. Christopher’s Hospice, referência na área de cuidados paliativos 4 – propõe o estudo científico
33

envolvendo alívio e controle de sintomas, presentes em programas de cuidados paliativos, nos quais a preocupação
não é a cura, mas sim o paciente e suas necessidades, sendo oferecido tratamento multidisciplinar.

Pacientes com doença avançada e suas necessidades

O envelhecimento populacional cresce exponencialmente e, atualmente, o número de idosos excede o de crianças.


Em 2030, uma em cada oito pessoas terá mais de 65 anos e em 2050 5% das pessoas terão mais de 85 anos 12. A
longevidade aumenta a incidência de doenças complexas, de alto custo. Enfermidades que tinham desfecho agudo
tornaram-se crônicas. Cresce o número de pessoas com 90-100 anos. Cuidados especializados são oferecidos a
pacientes com câncer nas suas várias modalidades, também em programas de cuidados paliativos. O Brasil segue a
tendência mundial. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pertinentes a 2010, mostram
significativo aumento da população com idade superior a 65 anos, que passou de 4,1% em 1991 para 7,4% em 2010.
Em 2020, prevê-se que o Brasil estará mundialmente em sexto lugar, considerando-se a população de idosos 9 .
Pacientes gravemente enfermos são estigmatizados, nomeados como terminais, associados ao “nada mais há a
fazer”. Há expectativa de sofrimento e dor na hora da morte, conjugados a doenças como câncer, o que é verdade
em parte. Pacientes podem ficar isolados. Há temor de contágio pelo sofrimento e sentimento de impotência e eles
podem se ressentir do distanciamento da família, do trabalho; vivem perdas financeiras, da autonomia, do corpo
saudável. Têm medo da dependência, dor, degeneração e incerteza; vivem processos de luto da perda de si e das
pessoas próximas.

Os pacientes graves passam pelos estágios de consciência e percepção da morte; ajustamento social e preparação
pessoal; informação às pessoas sobre a situação da doença; delegação de responsabilidades a familiares, amigos,
profissionais e despedidas 13. A dependência frente às atividades cotidianas assusta mais do que a morte. A
demência é difícil de ser cuidada, impede a compreensão da doença e tratamentos, requerendo explicações
simplificadas. O processo de adoecimento envolve problemas somáticos, isolamento, sensação de abandono, falta
de sentido, dependência para atividades cotidianas. São situações de angústia para pacientes e familiares. Os idosos
se sentem “desinvestidos” pelas pessoas próximas, consideram que já viveram e que cuidados destinam-se aos
jovens, que têm a existência pela frente. O cuidado especializado para idosos enfermos com doenças mentais
também tem altos custos no Brasil 9 . No limite, pode-se falar em “eutanásia econômica”: é bem cuidado quem tem
possibilidades financeiras. Poucos hospitais estão aparelhados para cuidar de pacientes com doenças crônicas. Para
idosos, a hospitalização envolve separação de ambientes familiares, local estranho, que não respeita hábitos antigos.
As UTI recebem idosos com prognóstico reservado, oferecendo tratamentos que, muitas vezes, não proporcionam
qualidade de vida 5 . Pacientes em fase agônica necessitam principalmente de conforto, e não de tratamentos
invasivos. Os sinais da agonia são, entre outros múltiplos sintomas, confusão, agitação, extremidades frias, ruído
respiratório, visão borrada e desfocada, diminuição de diurese, alucinações, debilidade intensa. Quando esses sinais
estão presentes é fundamental manter a medicação, principalmente para o conforto e alívio de sintomas, e
suspender tratamentos com efeitos colaterais, que aumentam o sofrimento. É preciso garantir essas medidas no
domicílio e acesso aberto para ligação 24 horas em programas de cuidados paliativos ou hospitalares 14. Eutanásia,
distanásia, ortotanásia, suicídio assistido – questões bioéticas A tecnologia médica está presente nos diagnósticos e
tratamentos, permitindo progressos significativos na cura de doenças e na extensão da vida. Entretanto, é preciso se
considerar possíveis prejuízos do prolongamento da vida de pessoas enfermas. Nesse contexto, a bioética combina o
caminho do conhecimento técnico-científico das ciências da saú de e o conhecimento filosófico 15. Há diálogos
possíveis entre clínica e ética com reflexão e deliberação, ouvindo-se vários pontos de vista. Hellegers, do Centro
Joseph e Rose Kennedy for the Human Reproduction and Bioethics, em Washington, criou grupos de discussão com
médicos, filósofos e teólogos de vários credos para debater problemas advindos do progresso da medicina. A
bioética clínica tem como objetivo discussões éticas aplicadas aos cuidados a pessoas doentes, refletindo sobre
dilemas que envolvem diagnóstico e tratamento. Busca-se respeito à dignidade do ser humano e seus valores
pessoais 16, expressos no exercício da autonomia. Schramm considera que a primeira formulação sistemática sobre
autonomia foi postulada por Kant. O conceito existencialista de liberdade compreendido por Sartre conduz à
responsabilidade, responder à situação sem subterfúgios. Foucault denuncia a submissão de pessoas em instituições
34

repressoras e aponta a importância do respeito à subjetividade e à autonomia. Deve-se considerar a complexidade


dessa ideia, dada a diversidade dos seres humanos e das culturas no exercício da liberdade e responsabilidade 17.
Doenças podem ser ameaças à autonomia do paciente, facilitando o exercício do paternalismo e a superproteção por
familiares e profissionais de saúde. Parte importante dos cuidados no final da vida é facilitar o exercício da
autonomia e decisões de pessoas enfermas, que trazem consigo sua biografia. O que se observa é que, com o avanço
da idade e o agravamento da doença, decisões sobre vida e morte não são mais permitidas aos pacientes 4 . A
bioética de reflexão autônoma busca enfatizar a autonomia e pluralidade de crenças e sentimentos em profundo
respeito ao ser humano. Reconhecendo a presença do conflito, busca debatê-lo com razão e emoção, numa
configuração multidisciplinar 18. Sem separar emoção, solidariedade, empatia e compaixão frente a sentimentos
dolorosos, considera que agir em sociedade deve envolver características pessoais, liberdade e possibilidade de
escolha, demonstrando que a pluralidade de ideias é a riqueza do pensar bioético. Dentre as principais metas da
clínica destacam-se a busca de dignidade, o respeito aos valores da pessoa e a diminuição do sofrimento. O
sofrimento só é intolerável quando não é cuidado, levando a processos autodestrutivos 19. Atualmente, observamos
discussão sobre a humanização do atendimento. Trata-se, no mínimo, de paradoxo semântico. Como buscar
humanização quando se fala do cuidado a seres humanos? Por que a medicina e demais áreas da saúde perderam a
qualidade para tratar do que é humano? O que fundamenta essa discussão é a necessidade de recolocar a pessoa no
centro do processo, favorecendo a dignidade e autonomia de suas escolhas, o sentido de pertencimento –
providências que se tornam ainda mais urgentes quando se trata de pessoas vulneráveis. A humanização envolve
solidariedade, compaixão, aproximação e respeito. Questões sobre o final da vida – reflexões e debates Eutanásia
Eutanásia era, no sentido original, a boa morte. Pergunta-se, então, por que atualmente a eutanásia é conotada
como apressamento da morte e virou crime? Por que a boa morte buscada como bálsamo, alívio, descanso ou
repouso se tornou assassinato? A eutanásia está legalizada em três países europeus: Holanda, Bélgica e Luxemburgo.
Mesmo com o devido amparo legal é sempre situação de conflito para o paciente, familiares que o acompanham e
profissionais que a executam. Pessoas com doenças degenerativas ou múltiplos sintomas podem expressar o desejo
de morrer. É preciso diferenciar claramente se estamos diante de pedido de eutanásia, ortotanásia ou não
distanásia. Pedidos para morrer podem ter os mais variados motivos, entre os quais a consideração de que se chegou
ao final da existência. Pode ser também a denúncia de que há sofrimento intolerável ou que se busca poupar os
familiares. Ao pedir para morrer a pessoa espera ser escutada em seus motivos e o empenho do profissional para
cuidar do que é necessário. O que não significa matá-la 20. A sedação utilizada em programas de cuidados paliativos
é procedimento proposto quando os sintomas não são aliviados por outros tratamentos. Tem indicação em casos
específicos e só pode ser utilizada mediante autorização do paciente e seus familiares 21. A morte roubada, por
sedação não autorizada ou sem pedido explícito do paciente, pode acontecer porque seu sofrimento agride quem
dele cuida. Esse procedimento interrompe o contato, despedidas e o compartilhamento de sentimentos, que a
proximidade da morte demanda. Os hospitais são os locais onde mais se pratica a morte roubada 22. Então, por que
observamos atualmente tantos debates sobre eutanásia nos meios de comunicação de massa? Podem ser demandas
de alívio de uma vida com muito sofrimento e sem sentido, como ocorreu com Ramon Sampedro, cujo livro Cartas ao
inferno inspirou o filme Mar Adentro? 23 Estariam relacionados ao prolongamento da vida, sem preocupação com
sua qualidade? 24 Haveria menos pedidos de eutanásia se os doentes não se sentissem solitários e com dor, sendo
acolhidos nas suas necessidades 22. Profissionais de saúde podem ter dificuldades em aliviar a dor e outros sintomas
incapacitantes, afastando-se do momento da morte, sentindo que não se está fazendo o melhor. Talvez por isso os
tratamentos que prolongam a vida são propostos, numa tentativa de aliviar a sensação de impotência frente à morte
25. Paradoxalmente, tentar preservar a vida a todo custo pode provocar um dos maiores temores do ser humano na
atualidade: ter a vida mantida com sofrimento na solidão de uma UTI, na companhia de tubos e máquinas – o retrato
da distanásia, morte disfuncional com dor e sofrimento 19. Processos distanásicos são realizados com pacientes
gravemente enfermos para evitar o que erroneamente se define como eutanásia, entendida como o apressamento
da morte. Ao se esticar o processo de morrer se promove a distanásia. Mas evitar a distanásia não é eutanásia.
Combater a morte com tratamentos fúteis provoca algumas das mortes indignas de nosso tempo, prolongadas, com
sofrimento, e solitárias 7 . Por vezes, pacientes que não deveriam estar em UTI, lugar destinado a enfermos em
estado crítico, demandam tratamentos intensivos, o que pode não ser o caso de pacientes com doença avançada,
sem possibilidade de recuperação. Muitos familiares acreditam que a UTI é o melhor lugar para seu paciente, mesmo
35

nessa condição. Deve ser esclarecido que esta unidade pode não ser a melhor opção nesses casos e que o paciente
poderia ser melhor atendido em programas de cuidados paliativos. Ortotanásia Opondo-se à distanásia, ortotanásia
não é eutanásia, embora por vezes possa ser erroneamente entendida como apressamento da morte. A diferença
entre elas, entretanto, é significativa: se o principal objetivo da eutanásia é levar à morte para abreviar a dor e o da
distanásia é impedir a morte a qualquer custo, a ortotanásia busca a morte com dignidade no momento correto, com
controle da dor e sintomas físicos, psíquicos, bem como questões relativas às dimensões sociais e espirituais. Po seu
caráter multidisciplinar busca oferecer apoio à família na elaboração do luto antecipatório e no pós-óbito. A
ortotanásia é, portanto, atitude de profundo respeito à dignidade do paciente. É fundamental o esclarecimento de
termos e atitudes eticamente corretas como a ortotanásia e incorretas como a distanásia. Além da confusão entre
ortotanásia e eutanásia, há debates se esta última deve ou não ser legalizada. Aqueles que a condenam temem que
seja utilizada sem parâmetros, provocando a morte fútil da mesma maneira que se aceitam procedimentos fúteis
para manter a existência a qualquer custo. Nesse quadro o que falta é discussão aprofundada sobre procedimentos
distanásicos, que ocorrem a título de preservar a vida, causando morte disfuncional, com sofrimento e indignidade
20. A UTI, quando não indicada para pacientes com doença avançada, sem possibilidade de melhora, pode tornar a
morte um processo indigno e solitário; pode se transformar em crueldade ao privar o sujeito de sua própria morte.
Estatísticas nos EUA mostram que 63% dos médicos superestimam o tempo de vida de pacientes e 40% sugerem
tratamentos que não recomendariam para si 8 . Adicionalmente, o prolongamento artificial da vida leva à
hipermedicalização da morte 26. A sedação paliativa é opção de tratamento quando outros procedimentos não são
eficazes, ou causam tantos efeitos colaterais que não devem ser utilizados. Seu objetivo deve ser informado e
esclarecido ao paciente e família: diminuir a consciência do paciente e, assim, trazer alívio a sintomas refratários. A
maioria das sedações ocorre em hospitais e aproximadamente 52% dos pacientes agônicos a necessitam. O tempo
de sobrevivência de pacientes agônicos que se submetem à sedação não é menor quando comparados a pacientes
que continuam com o tratamento que vinham recebendo 27. É também fundamental observar a diferença entre
eutanásia, suicídio assistido e sedação paliativa. A filosofia de Edmund Pellegrino, citado por Rocha 28, indica que a
eutanásia e o suicídio assistido nunca são considerados como beneficência, mesmo quando há pedido de morte pelo
paciente, relacionado com sofrimento não cuidado. Há invariantes morais relacionadas à sacralidade da vida que
nunca poderão ser negociadas. Defende a confiança estabelecida na relação médico-paciente em programas de
cuidados paliativos. Os cuidados podem ser excessivos ou insuficientes e, por isso, devem sempre ser remodelados
em favor da vida. Se pedidos para morrer se relacionam com depressão, esta deve ser tratada cuidadosamente.

A sedação também tem o caráter de beneficência e a eutanásia, de maleficência, esta última porque a morte é vista
como proposta de alívio de sofrimento. A sedação leva à sonolência, diminuição de consciência e do sofrimento.
Encerra-se a vida de consciência e não a vida biológica e o objetivo maior é sempre o bem-estar do paciente, o alívio
do sofrimento, evitando a sensação de que não se fez o melhor 27. A sedação não deve ser vista como situação
genérica, seu caráter é de excepcionalidade. Impedir a obstinação terapêutica, assegurar conforto e minimizar o
sofrimento, mesmo sem eliminá-lo completamente, é tarefa fundamental dos cuidados no final da vida. Testamento
vital, diretivas antecipadas de vontade: documentos para ortotanásia O chamado testamento vital teve sua origem
nos EUA em 1969, estabelecido como documento de direito de recusa de tratamento médico com o objetivo de
prolongar a vida nos casos de diagnóstico de terminalidade ou estágio vegetativo persistente 29. Trata-se de
declaração escrita, que deve ser entregue ao médico, familiares ou representantes legais. Relaciona-se à recusa de
tratamentos percebidos como obstinação terapêutica. Os casos de Karen Ann Quinley, Nancy Cruzan e Eluana
Englaro despertaram a discussão sobre até quando prolongar a vida, envolvendo várias batalhas judiciais. Nos EUA, o
Patient Self Determination Act foi votado em 1990, propondo a determinação do paciente para recusa ou aceite de
tratamentos, a partir do registro – por escrito – de sua vontade. No Brasil, optou-se pelas diretivas antecipadas de
vontade (DAV), que embora ainda não sejam lei têm o respaldo da Resolução 1.995/12 do Conselho Federal de
Medicina (CFM), reconhecendo o direito de o paciente manifestar sua vontade sobre tratamentos médicos e
designar representante para tal fim, e o dever do médico em cumpri-la. Neste documento consta previsão para que
se detalhe, por escrito, os desejos e valores que devem fundamentar as decisões médicas sobre os tratamentos do
paciente 29. No Brasil, o Código de Ética Médica de 1988 registra que o médico não deve jamais abandonar seus
pacientes. A eutanásia, em qualquer caso, é proibida. Em 2006, o CFM lançou a Resolução CFM 1.805, que permite
36

ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal,
de enfermidade grave e incurável,

respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. O doente continuará a receber todos os cuidados
necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico,
psíquico, social e espiritual 30. Em 2009 há ratificação implícita da ortotanásia como morte digna, sem dor e
sofrimento (...) nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos
diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos
apropriados 31. O Código de Ética Médica de 2010 veta a eutanásia como perspectiva para a morte com dignidade
32. Propõe a ortotanásia em situações clínicas irreversíveis vinculadas à qualidade dos cuidados paliativos oferecidos,
apresentando itens sobre terminalidade da vida e cuidados paliativos, ressaltando a importância da relação médico-
paciente. O Código também se manifesta contra a distanásia: Nos casos de doença incurável e terminal, deve o
médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis
ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu
representante legal. (Art. 41, Parágrafo único) As DAV consideram que o paciente deverá participar ativamente na
interrupção de tratamentos aos quais não deseja ser submetido. O que ainda suscita discussão é se o paciente tem
competência para tomar essas decisões. Em São Paulo, a lei estadual 10.241, de 17 de março de 1999, mais
conhecida como “Lei Covas”, regulamenta o direito de o usuário recusar tratamentos dolorosos e que só oferecem
prolongamento precário e penoso da vida 33. Não se trata de suicídio, omissão de socorro ou eutanásia, mas sim de
respeito à autonomia e possibilidade de escolha do paciente. Contudo, esta lei ainda não é de conhecimento da
população em geral e deveria ser divulgada em várias instâncias. Em 31 de agosto de 2012 foi publicada no Diário
Oficial da União a Resolução CFM 1.995 32, definindo as DAV sobre cuidados e tratamentos que o paciente quer ou
não receber quando estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. É a possibilidade de
registrar antecipadamente seu desejo por escrito, entregando este documento a seu médico de confiança ou
designando um representante de suas relações, familiar ou não. As DAV são realizadas quando a pessoa está
consciente e conversa ou delega à família ou pessoa de confiança sua decisão. As diretivas são antecipa das, pois há
dúvidas se pacientes com doença avançada têm possibilidade de decidir sobre suas vidas. Daí a importância de que
esse tema seja ventilado entre pacientes, familiares e equipe de cuidados. O objetivo precípuo é enfatizar a
autonomia do paciente, o respeito a valores e escolhas da pessoa. O documento também respalda a conduta médica
em situação de conflito, protegendo profissionais da acusação de omissão de socorro ou eutanásia, devendo-se
registrar no prontuário o procedimento realizado segundo os ditames éticos da profissão. Decisões no final da vida
são complexas, muitas vezes tomadas quando a capacidade de raciocínio do paciente está prejudicada ou
impossibilitada. Na aproximação da morte podem ocorrer dois caminhos: medidas para prolongar a vida –
combatendo futilmente a morte – ou medidas que permitam o processo de morrer com o mínimo de sofrimento 34.
Os desejos do paciente podem, num primeiro momento, envolver cura ou sobrevivência. Com o agravamento da
doença, este pode buscar a manutenção da funcionalidade, qualidade de vida e independência. O conforto torna-se
prioridade. Na proximidade da morte ocorre o agravamento de sintomas, déficits cognitivos, doenças metabólicas –
aprofundando a situação de vulnerabilidade. No entanto, a negação familiar da morte não altera essa situação 3 . Por
isso, o testamento vital e as diretivas antecipadas de vontade buscam incrementar a comunicação entre médicos,
pacientes e familiares. Essas medidas são propostas para evitar que familiares decidam contrariamente à vontade do
paciente, haja vista que podem não estar preparados para tomar decisões sobre o tratamento ou sua interrupção.
Ao se buscar a aproximação ou intimidade com a morte devem ser consideradas as diferenças entre trajetórias de
doenças. Neoplasias têm certa previsibilidade quando ocorre seu agravamento. Doenças crônicas podem se
complicar, levando a óbito, inesperadamente. Quando ocorre déficit cognitivo com demência ou confusão mental,
decisões sobre o final da vida tornam-se difíceis 27. A preocupação se transfere da morte para o processo de morrer,
que apesar do avanço tecnológico, ou por causa dele, pode ocorrer com sofrimento. Privar o ser de sua humanidade
em favor da técnica não é o melhor caminho para dignificar a existência humana 4,35. A morte é parte fundamental
da existência, podendo ser planejada e autodeterminada – ponto polêmico que ainda demanda discussão. Pessoas
têm desejos e expectativas diferentes: alguns preferem a proximidade de familiares e amigos; outros necessitam
estar sós, dormindo ou despertos, alimentando-se ou não. Defendemos a necessidade de se falar sobre a própria
37

morte, informar pessoas próximas sobre desejos, levando a um planejamento final da existência 4 . Os princípios dos
programas de cuidados paliativos, publicados pela Organização Mundial da Saúde em 1986 e reafirmados em 2002,
são: a) promover o alívio da dor e outros sintomas incapacitantes; b) reafirmar a vida e ver a morte como processo
normal; c) não apressar ou postergar a morte; d) integrar aspectos psicossociais e espirituais aos cuidados; e)
oferecer suporte ao paciente para que possa viver tão ativamente quanto possível até a morte; f) oferecer suporte
aos familiares durante toda a trajetória da doença. Devem ser iniciados precocemente, em conjunto com outros
procedimentos, promovendo melhor compreensão e manejo dos sintomas 36. Em julho de 2010, acerca da
qualidade de morte, a revista The Economist publicou artigo cujo título traduzimos como Qualidade de morte.
Escalonando os cuidados no fim da vida ao redor do mundo 12. O artigo apresenta estudo realizado em 40 países,
incluindo o Brasil. Foram considerados tópicos relacionados com cuidados ao final da vida e a inserção de programas
de cuidados paliativos para pessoas gravemente enfermas. Pioneiro e referência nesta área, o Reino Unido encabeça
a lista por ter médicos que comunicam de forma honesta o prognóstico, realizam analgesia eficaz e priorizam
cuidados paliativos no final da vida. O Brasil está na 38. posição, o que disparou discussões sobre o tema em nosso
meio.

Os itens considerados no estudo foram: 1) relevância dos programas de cuidados paliativos para a qualidade de
morte; 2) capacitação de profissionais de saúde para o alívio e controle de sintomas e para superar o tabu em torno
da morte, possibilitando não priorizar tratamentos curativos inócuos e o prolongamento da vida a todo custo. O
estudo demonstra ser fundamental a busca de nova visão dos cuidados paliativos como tratamentos ativos e não
como desistência ou procedimentos de segunda linha 12. Debates públicos sobre a eutanásia e o suicídio assistido,
sendo que neste último o paciente realiza o ato final, aumentam a consciência sobre mortes e, indiretamente, abrem
discussão sobre os cuidados paliativos. A disponibilidade de opiáceos é fundamental para lidar com a dor, o que sem
dúvida influi sobre a qualidade no momento da morte. É preciso mudar a mentalidade sobre os cuidados paliativos,
associados à morte e desistência e não à qualidade de vida. Mesmo entre profissionais há aqueles que ainda
relacionam, de maneira errônea, cuidados paliativos com eutanásia ou suicídio assistido. A sedação paliativa não é
procedimento eutanásico, pois o objetivo principal é o alívio do sofrimento, refratário a outras medidas. As DAV e a
ortotanásia são medidas de mortes com dignidade. Segundo o estudo acima referido, dinheiro público é destinado a
cuidados no final da vida apenas em poucos países. O financiamento para programas de cuidados paliativos, na
maior parte dos países estudados, provém de fontes como doações ou filantropia. Cuidados paliativos, como
prioridade, precisam ser integrados em políticas públicas de saúde e profissionais devem ter especialização na área.
Dos 40 países estudados, apenas sete possuem políticas públicas para cuidados paliativos: Austrália, México, Nova
Zelândia, Polônia, Suíça, Turquia e Reino Unido. Áustria, Canadá, Irlanda e Itália estão se instrumentalizando para o
desenvolvimento dessas políticas. Os demais não têm políticas públicas, embora possuam programas de cuidados
paliativos. O Brasil não está incluído nos países com bom índice de qualidade de morte. Os limites acerca de
tratamentos devem ser informados e esclarecidos para evitar processos distanásicos. Cabe ressaltar que há limite
para tratamentos e não para cuidados nas várias dimensões do sofrimento humano. Não há solução para a morte,
mas se pode ajudar a morrer bem, com dignidade. Cuidados no final da vida envolvem solidariedade, compromisso e
compaixão e não posições autoritárias e paternalistas. O grande desafio é permitir que se viva com qualidade a
própria morte. Os pacientes que puderam falar com seus médicos sobre o final de vida tiveram maior probabilidade
de morrer em paz e ter controle da situação. Seus familiares também conseguiram elaborar melhor o luto. Para se
ter dignidade é fundamental: ter conhecimento da aproximação da morte, controle; intimidade e privacidade;
conforto para sintomas incapacitantes; escolha do local da morte; ter informação, esclarecimento, apoio emocional e
espiritual; acesso a cuidados paliativos; pessoas com quem compartilhar; acesso às DAV, poder decisório e poder se
despedir; partir sem impedimentos 37. É a possibilidade de recuperar aspectos da morte domada como evento
natural e com pessoas significativas 10. Cuidados paliativos resgatam a morte com dignidade, um dos objetivos dos
profissionais paliativistas. São importantes os seguintes pontos para o bem morrer 3 : com conforto respiratório; sem
dor; na presença de familiares; com os desejos realizados; com suporte emocional e espiritual; sem sofrimento
hospitalar (evitando-se, como anteriormente dito, os processos distanásicos). É fundamental constituir uma equipe
multidisciplinar afinada, sintonizada e harmônica, tendo como trabalho o cuidado integral da pessoa com escuta e
38

acolhimento das histórias, sentimentos, utilizando os sentidos, o olhar e o toque. Pessoas expressam seus desejos
finais que devem ser atendidos, o que é importante para proporcionar conforto e dignidade – mas os que não
puderem expressar-se também precisam ser ouvidos e acolhidos. No Brasil, Menezes escreve sobre a boa morte
envolvendo quatro condições: reduzir o conflito interno com a morte; estar em sintonia com o ego; reparar ou
preservar relações significativas; atender os desejos da pessoa 14. Morrer com dignidade promove discussões
importantes para os dias atuais. Qualidade de vida no processo de morrer não deveria significar incompatibilidade,
mas sim complementaridade com a manutenção da vida. Os melhores cuidados devem também envolver o parar
dentro do limite do razoável. Muitas pessoas pedem que se executem os tratamentos possíveis, pois o temor, ao
interrompê-los, é que se abandonem os cuidados. É importante definir prioridades, cuidar de sintomas, se a cura não
for possível, evitando cirurgias ou tratamentos invasivos que não tragam benefícios. Os objetivos dos cuidados
paliativos são qualidade de vida, alívio da dor e outros sintomas, manutenção da consciência e dignidade no final da
vida, compondo a ars moriendi contemporânea 4 .

O cuidado envolve particularização, compreensão do significado e sentidos pessoais 38. Dor e sofrimento têm
conotações individuais e culturais. Vivemos numa sociedade que não suporta ver e lidar com o sofrimento, que
precisa ser imediatamente eliminado, mesmo que seja necessário dopar o paciente. Cuidar não é só eliminar
sintomas, mas sim promover alívio, conforto e bem-estar 5 . A dor e o sofrimento podem se tornar intoleráveis
quando há medo, incompreensão ou depressão. A arte é encontrar um canal para sua expressão. O sofrimento deve
despertar no profissional o desejo do cuidado, a empatia e compaixão; se levar ao distanciamento, indiferença ou
tecnicismo, algo está errado 39. Para cuidar é preciso se deixar tocar, abrir as antenas da sensibilidade para captar os
sinais emitidos por aqueles sob seus cuidados. É necessário realizar o diagnóstico diferencial da depressão, que não
deve ser associada naturalmente com o processo de morrer. Dying role 34, que traduzimos como viver o processo de
morrer, inclui cargas físicas e psíquicas que precisam ser cuidadas – por vezes, ignoradas pelo médico e pela
sociedade. Por isso, é proposta uma terapia relacionada com a dignidade, incluindo tarefas (tasks, segundo os
autores) para esta fase: oferecer benção às pessoas queridas, passar sabedoria de vida, rever e reatar
relacionamentos significativos, lembrar e compartilhar narrativas de vida e memórias. É uma intimidade com a
morte, como propõe Hennezel no seu livro Morte íntima 39. Algumas pessoas nunca entrarão neste papel, numa
cultura que nega a morte. Não se trata de apressar a morte, mas sim respeitá-la. Impedi-la por meio de tratamentos
invasivos pode ser considerado como sério efeito colateral da abordagem médica. Pessoas com maturidade
existencial podem alcançar a paz e morrer com tranquilidade, possivelmente em programas de cuidados paliativos,
num processo de aceitação da finitude. Os que não a aceitam pedem a continuidade dos tratamentos invasivos que
prolongam a vida, gerando sofrimento para si e familiares. O respeito à dignidade humana, todavia, implica em
entender e atender as necessidades de cada um. Mais do que ciência ou lei, as discussões sobre o morrer buscam
compreender o que é dignidade humana. Uma vida conduzida por princípios e valores deve terminar com eles. O
bom cuidado é sempre vinculado a uma equipe multidisciplinar afinada, sintonizada e harmônica da qual o psicólogo
é parte integrante. A institucionalização da boa morte está nos programas de cuidados paliativos, contraponto a uma
medicina excessivamente técnica ou do abandono do “nada a fazer”. A morte com dignidade é objetivo de
programas de cuidados paliativos. Busca-se facilitar a autonomia do paciente na tomada de decisões sobre sua vida.
Retoma-se o conceito de boa morte, sem dor, com respeito aos desejos do paciente, estabelecendo canais de
comunicação com a família e profissionais de saúde. A kalotanásia está relacionada com a boa morte nos programas
de cuidados paliativos, enfatizando aspectos estéticos e ritualísticos. Segundo Floriani 13, a ortotanásia é a morte
certa, correta e no tempo certo, a kalotanásia agrega aspectos culturais e estéticos à morte correta, haja vista
enfatizar a participação ativa de quem está morrendo, com a distribuição dos bens, presença dos familiares no
momento da morte, cenas de despedida, entre outros valores importantes para garantir uma boa morte na
concepção do paciente. O termo kalós refere-se à beleza, estética e dignidade na jornada de final de vida com
nobreza, virtude e significado. A kalotanásia é apelo contra a distanásia, na qual o médico decide, não informa ou
esclarece e os pacientes vivem solidão, negação e raiva, uma morte feia. Tolstoi antecipa essa discussão em A morte
de Ivan Ilitch, em que mostra as mentiras e segredos em volta da doença, antecipando no final do século XIX o que
alguns doentes vivem atualmente 40. É fundamental se estabelecer protocolos de morte com dignidade para
pacientes gravemente enfermos e formas de proteção à distanásia. É grave infração ética manter pacientes em UTI
39

por razões econômicas. Essa atitude nunca será declarada abertamente, mas em alguns casos é o que transparece
quando se observa o prolongamento de permanência nessas unidades de pessoas que estão praticamente mortas ou
com morte encefálica, lembrando que quando esta ocorre o paciente já tem o óbito confirmado. É fundamental
esclarecer os familiares a respeito dessa situação. Debates com a população e esclarecimentos a familiares podem
ajudar na desintoxicação da morte, como possibilidade de preservação da dignidade e qualidade no final da vida. Há
atitudes ainda bastante arraigadas de negação da morte. A relutância de falar sobre a morte tem consequências
graves quando se deve tomar decisões sobre tratamentos ou sua interrupção. É fundamental incluir reflexões
filosóficas na formação de profissionais de saúde. Rubem Alves propõe nova especialidade médica, a
“morienterapia”, envolvendo o cuidado com os que estão mor rendo, já oferecido em programas de cuidados
paliativos no final da vida, com especificidades para as últimas horas de vida 41. Longe de esgotar o tema, as ideias
discutidas neste texto pretendem abrir espaço para a reflexão e práticas sobre a morte com dignidade no Brasil,
principalmente no tocante ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de programas de cuidados paliativos, para que a
qualidade de vida e morte sejam práticas consistentes em nosso meio. Referências

Melhor mesmo é ler no pdf

A família  do paciente internado


RESUMO

A família, estrutura constituída como um todo organizado, sofre mudanças importantes e impacto
emocional relevante, durante a hospitalização  de um de seus membros. As angústias, medos ,
sofrimentos e dúvidas aí estarão presentes, assim como as incertezas do tratamento  e prognóstico. O
contato com a equipe de saúde se torna relevante e o trabalho da Psicologia Hospitalar tem
fundamental papel junto a este grupo.

Palavras-chave: Paciente internado, Família, Psicologia hospitalar.

A compreensão da composição da estrutura da Instituição Familiar facilita  , em muito, o entendimento


dos fenômenos que aí ocorrem , durante o adoecer de um de seus membros.

Da mesma forma, o entendimento  de que o núcleo familiar compõe um todo, e , como um todo
organizado distribui papéis a seus participantes, tendo estes relações profundas entre si, auxilia
também na avaliação do momento do adoecimento de um dos seres da família
40

Antropologicamente se reconhece que todas as culturas atribuem papéis diferentes para Gênero e
Idade de seus componentes, desenhando de formas distintas, as diferentes composições familiares nas
diversas culturas humanas.

O adoecer, por sua vez, constitui-se em um fenômeno subjetivo , vivido de maneiras variadas, com
significante influência cultural e  ambiental, atribuindo formatações distintas, para cada pessoa. Cada
cultura influencia na maneira de perceber, reagir e comunicar a doença, que se constitui em um
fenômeno complexo, multideterminado, multifatorial e   raramente previsto. Além destes importantes
aspectos, a doença representa  um ataque à estrutura da personalidade e à estrutura familiar, além de
determinar uma crise acidental na existência do ser humano.

Todas as pessoas, de forma consciente ou não, percebem indicadores de seu funcionamento orgânico,
que num dado momento lhes faz interpretar, que algo não está bem em seu organismo.

Esta percepção promove , no organismo interno, a emergência da angústia existencial,dado a sensação


de eminente possibilidade de abalo no ser. A ansiedade, o  estresse, o desequilíbrio e instabilidade
humoral, de logo se apresentam, enquanto estratégias de enfrentamento são imediatamente acionadas
pelo indivíduo, assim como todo um arsenal defensório.

A doença, além de uma crise, determina a interrupção do previsto, a desordem do costumeiro, a


urgência do enfrentamento do duvidoso, do temível, do desconhecido. Instala-se, quase sempre, uma
crise (Krisis= decisão), determinando um momento complicado na vida de qualquer um. Esta crise
trazida pelo advento de uma doença, sustenta uma ruptura com o estilo de vida anterior, uma perda
do conhecido andamento da vida como ela era, uma situação de risco, uma mudança não buscada,
significando, muitas vezes uma transição importante e significativa, até mesmo para a morte, o que,
em nossa cultura, assusta sobremaneira .

As crises costumam  ser divididas em : 1. evolutiva ou vital, que se caracteriza por ser natural,
esperada, e que acontece desde o nascimento até a senectude, e está sempre associada às mudanças
existenciais; 2. acidental, quando inevitáveis, abruptas, onde ocorrem mudanças inesperadas no curso
vital, e onde a perda do equilíbrio interno é comum. Desta forma, a doença representa uma crise
acidental, onde a estrutura de personalidade do indivíduo que adoece, assim como sua família ,
precisam lidar com todos estes elementos descritos.

A doença que leva a uma internação, conta com todos estes aspectos e mais o da internação ,
sobrepondo ainda elementos característicos do ambiente hospitalar. Quando a internação acontece,
ocorre ao mesmo tempo, uma desestruturação do desenho familiar costumeiro, além da
desorganização do todo conhecido, instigados pela angústia de morte que costuma aparecer nestes
momentos.

Assim como o paciente, a família também se depara com dificuldades no enfrentamento da situação de
adoecimento de um de seus membros. A situação da família se constitui de estresse permanente,
sofrimento interno, elevação de ansiedade, medos do desconhecido, e apreensão quanto às decisões a
tomar, e situações a enfrentar.

Neste contato com a nova situação , a internação, a família pode se defrontar com diversas
dificuldades, como:

1. Falta de informações adequadas sobre o estado de  seu ente querido: nem sempre a equipe de
saúde sabe o que informar à família, sobre o estado do paciente, ou mesmo tem disponibilidade interna
e/ou externa para tal;

2. Ritmo de vida incompatível com horários hospitalares: na vida atual, apressada, agitada e cada vez
mais complexa, é comum que não se tenha tempo disponível, durante o dia , para visitas e
acompanhamento de pacientes em internação hospitalar. A família se vê frente a desafios na hora de
eleger o(s) membro (s) que acompanharão o paciente em sua estada no hospital. Tarefa sempre difícil,
além de se considerar, que , na maioria dos hospitais, horários de visita não são sempre compatíveis
com a vida dos membros da família que tem seus empregos, afazeres, tarefas, etc;
41

3. Papel do paciente na dinâmica familiar: em alguns casos, o paciente desempenha fundamental papel
de apoio financeiro e/ou emocional da família, ficando esta sem com ele poder contar. Pode ser que
seja o membro a quem cabe decisões em momentos importantes, e neste, alguém preciso substituí-lo:

4. A família, nem sempre tem contato fácil com o médico responsável pelo caso, dado o estilo de
sobrecarga  de trabalho da categoria médica em nosso país. Com esta dificuldade, à família faltam,
além de importantes informações, apoio deste profissional, que em muito poderia auxiliar no
enfrentamento de situação tão crítica quanto esta, na vida de uma família.

5. Responsabilidade frente a decisões difíceis: não raro, a família se vê frente a exigências de tomadas
de decisões angustiantes (amputações, medicamentos, procedimentos invasivos, internação em CTI,
etc), enfrentando situações com intenso nível de ansiedade e dúvidas.

É frente a esta situação de desestruturação,  que a família necessita lançar mão de defesas egóicas,
nem sempre adequadas. Quando isto ocorre, aumento de fragilidade, regressão, aumento de
dependência, infantilização, sentimentos de culpas e remorsos podem ser comumente apresentados.

É neste momento que a família precisa de ajuda! É aí que ela se sente insegura, desabando, ansiando
por um apoio efetivo, por uma compreensão profunda de sua situação, de um ambiente que lhe possa
devolver o equilíbrio,a segurança, a força, enfim, a estabilidade.

Aqui, a presença do Psicólogo Hospitalar se torna fundamental, e pode funcionar como o diferencial
deste momento existencial familiar. Este profissional traz , com sua compreensão teórica e habilidade
técnica, a possibilidade de auxílio na reorganização egóica do todo familiar, frente ao sofrimento atual.
Facilita a elaboração de fantasias, medos e angústias próprios de um momento como este. Pode dar
suporte ao enfrentamento da dor , sofrimento e medo da perda do paciente.

Tarefa fundamental deste profissional é a detecção de focos de ansiedade e de dúvidas entre o grupo 
familiar, levando à sua extinção  ou diminuição. Além destas tarefas, ao Psicólogo Hospitalar deve
também caber a aproximação do grupo familiar à equipe de saúde, facilitando a comunicação entre
eles , para que contribuam para o tratamento do membro necessitado.

Enfim, cabe ainda ressaltar a importância da Psicologia Hospitalar neste momento, no sentido de
detecção e reforço de defesas egóicas  adaptativas a este momento de crise familiar, com intuito de
facilitar o enfrentamento de todos a este difícil momento vivido.

Este profissional também se faz necessário no apoio à reestruturação  da estrutura familiar, que neste
momento pode ter sido fortemente abalada, e conseqüentemente, comprometer o enfretamento de
toda esta situação de crise.

Como o Psicólogo Hospitalar funciona aqui como ponto de referência entre Saúde e Doença, sua
presença se faz de importante valia para o apoio psicológico necessário aos parentes do enfermo
internado, assim como importante agente psicoprofilático com perspectiva de situações futuras ,
continuação desta atual, ou novas situações de doença a serem enfrentadas por esta mesma família.

Apesar de o adoecer ser parte integrante da vida do humano, não é sempre que se inclui na vida de
cada ser . A surpresa com o defrontar-se com um parente próximo com necessidade de atendimento
médico,  deixa claro esta cisão entre saúde e doença, binômio inseparável quando se fala de vida.
Grande parte da população não está preparada para o não funcionamento orgânico adequado, e a
estrutura psicológica, em muitos casos, se abala frente a esta experiência existencial: o adoecer.

A importância da presença da Psicologia dentro do Hospital não carece de maiores discussões , e sua
atuação não se cansa de demonstrar utilidades diversas neste âmbito. Entretanto, ainda é comum
ouvirem-se relatos de parentes e pacientes que, durante internação hospitalar, denunciam a ausência
de um profissional desta área, expondo, não raro, a falta sentida deste apoio num momento
angustiante como este.
42

A pergunta permanece não respondida: então porque, há instituições hospitalares sem  profissionais
desta  área, ou com estruturas tão gigantescas, ainda assistidas por números insuficientes de
psicólogos especializados neste tipo de atendimento? Resposta difícil , hipóteses plausíveis, mas
assistência ainda deficiente, e não por falta de material humano, e necessidades humanas.

Um profissional que se predispõe a esta difícil tarefa, precisa se questionar de seu real preparo para tal
desempenho profissional. Sua formação teórica e suas horas de prática  o auxiliarão a lidar com
situações sempre inéditas de sofrimento e angústias humanas . Porém , a supervisão e a psicoterapia
deste profissional o auxiliarão na difícil tarefa de controle de contratransferências tão comuns na
prática psicológica no hospital. A consciência e atitude ética , capacitarão melhor este profissional ao
desempenho de tarefa profissional tão árdua: acolhimento  a parentes de pacientes internados na
instituição hospitalar.

BIBLIOGRAFIA  RECOMENDADA

Angerami-Camon, V.A. (Org) (1994): Psicologia Hospitalar: Teoria E Prática. Editora:Thomson


Learning,        [ Links ]

Romano, B.W. (1999):  Princípios para a Prática da Psicologia Clínica em Hospitais. São Paulo: Ed. Casa
do Psicólogo        [ Links ]

Pessini, L. & Bertachini, L.(Org) (2004): Humanização e Cuidados Paliativos. São Paulo: Ed


Loyola         [ Links ]

Caplan, G. (1964): Princípios de Psiquiatria Preventiva; Rio de Janeiro: Zahar        [ Links ]

De Marco, M.A. (Org) (2003):  A face humana da medicina. São Paulo: Casa do Psicólogo        [ Links ]

Simonetti, A. (2004): Manual de Psicologia Hospitalar. São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo         [ Links ]

Balint, M. (1988): O Médico, seu Paciente e a Doença. São Paulo: Ed Atheneu        [ Links ]

Trabalho apresentado em Mesa Redonda no VI Congresso da SBPH, em Natal, setembro de 2007

6 Acolhimento: estratégia ou função? – Artigo

Diante de uma saúde cada vez mais sucateada em nosso país o Acolhimento se torna um tema importante,
urgente e está cada vez em alta. Aos amigos das redes sociais posto novamente este artigo publicado a
alguns anos atrás. Boa leitura.
43

O Acolhimento é hoje um tema importante na área da saúde, os milhares de artigos encontrados na


internet são exemplos. Uma das estratégias centrais da política de humanização do Ministério da
Saúde, é um tema que ainda precisa de muito esclarecimento, haja vista a inexistência do verbete
nos principais dicionários especializados em psicologia e psiquiatria. Procurei pensar e definir o
acolhimento psicológico, portanto o artigo é mais conceitual, sem deixar de lado a técnica e a
prática.

Foi publicado em 2014 pela Editora FEAD no livro “Fenomenologia e Psicoterapia” em conjunto
com colegas da pós-graduação e organizado pelo Prof,º Giovanetti, que dispensa comentários, um
dos fundadores do curso de graduação  de psicologia da FEAD e coordenador da Pós-graduação em
Psicoterapia Existencial e Getáltica que já está na 11.ª turma.

Em função das limitações deste blog e principalmente deste que lhes escreve, o artigo
que, em sua versão original, atende às normas…

6 Acolhimento: estratégia ou função? – Artigo

O Acolhimento é hoje um tema importante na área da saúde, os milhares de artigos encontrados na


internet são exemplos. Uma das estratégias centrais da política de humanização do Ministério da
Saúde, é um tema que ainda precisa de muito esclarecimento, haja vista a inexistência do verbete
nos principais dicionários especializados em psicologia e psiquiatria. Procurei pensar e definir o
acolhimento psicológico, portanto o artigo é mais conceitual, sem deixar de lado a técnica e a
prática.

Foi publicado em 2014 pela Editora FEAD no livro “Fenomenologia e Psicoterapia” em conjunto
com colegas da pós-graduação e organizado pelo Prof,º Giovanetti, que dispensa comentários, um
dos fundadores do curso de graduação  de psicologia da FEAD e coordenador da Pós-graduação em
Psicoterapia Existencial e Getáltica que já está na 11.ª turma.

Em função das limitações deste blog e principalmente deste que lhes escreve, o artigo que, em sua
versão original, atende às normas acadêmicas de publicação, aqui não apresenta todo o rigor
exigido. O objetivo é suscitar reflexões, fomentar o debate sobre um tema tão importante não só na
área da saúde.

Abaixo as referências bibliográficas completas e em seguida o artigo na íntegra. Fica a sugestão de


conferir os demais artigos do livro. Muito ricos para a compreensão do ser humano.

_ Portela, M. Acolhimento: estratégia ou função? in Giovanetti, J. P.


(org.). Fenomenologia e psicoterapia. José Paulo Giovanetti; Alexandre Valverde; Cláudia
Lins Cardoso; Marco Portela; Paulo Eduardo R. A. Evangelista; Saleth Salles Horta; Telma
Fulgêncio Colares da Cunha Melo. Belo Horizonte: FEAD, 2014. 154p.             ISBN: 978-85-8351-
004-8
44

6 Acolhimento: estratégia ou função? – Art


Acolhimento: estratégia ou função?
 
Marco Portela[1]
 
Introdução
Recentemente, os profissionais da área da saúde, além das demandas normais e esperadas, se
depararam com uma demanda específica[2] advinda dos gestores, ou seja, uma demanda
determinada pelo Ministério da Saúde e implantada através da política de humanização do SUS.
Este texto foi pensado inicialmente devido às novas iniciativas do Ministério da Saúde que, ao
ampliar a Política Nacional de Humanização (PNH – Humaniza SUS) determinou em 2004 a
adoção de uma nova estratégia de atendimento no serviço público se saúde: o acolhimento.
Desde então, gestores e trabalhadores tem se esforçado para implantar esta nova estratégia. Haja
vista o surpreendente número de artigos encontrado ao buscar a palavra acolhimento no Google
acadêmico: “aproximadamente 63.700 resultados”, em grande parte artigos publicados em sites
como Bireme, Medline, Scielo e sites de Universidades. Nesta busca, observamos que em sua
maioria são artigos de profissionais da saúde e que escrevem na perspectiva do acolhimento como
estratégia de humanização nos serviços públicos, desde a atenção básica até os serviços de maior
complexidade como as urgências e emergências. Aparecem também artigos na área social com
crianças e adolescentes ou moradores de rua[3].
Toda esta profusão de artigos mostra como este é um tema atual e amplamente debatido em todo o
território nacional, pois encontramos artigos de universidades de norte a sul do país. Interessante
que em sua maioria os trabalhos são recentes, ou seja, depois da adoção da estratégia do
acolhimento em serviços de saúde e, portanto deflagrados pela política de humanização do
Ministério da Saúde. Apesar de a maioria ser escrito por psicólogos, muitos artigos são produzidos
também por enfermeiros, assistentes sociais e outras categorias profissionais, não só na área da
saúde, mas também na social. É humanamente impossível fazer um estudo ou pesquisa
aprofundada de tamanha produção em curto período de tempo.  Mesmo por que neste trabalho
não vamos focar no acolhimento enquanto estratégia, tema da maior parte dos artigos, mas sim
como função.

Porém, algumas questões se colocam no caminho que devem ser pensadas e refletidas. Mas, afinal
o que é acolhimento? É uma política do SUS? Uma técnica ou procedimento? Uma estratégia ou
uma função? Quem deve praticar o acolhimento? É um imperativo para todos ou somente para
certas categorias de profissionais da saúde? Em que consiste? Como exercê-lo? E quanto ao
acolhimento psicológico com suas especificidades? Este texto busca refletir sobre estas questões,
sem pretender trazer respostas prontas, mas sim, dar uma contribuição a esta discussão que diria
ser de suma importância não só para o serviço público de saúde, mas também para a iniciativa
privada e para todos aqueles que lidam e cuidam de pessoas.

De forma que, no primeiro capítulo vamos definir acolhimento, partindo de um sentido mais geral.
No segundo capítulo vamos pensar o acolhimento em termos clínicos, ou seja, como uma função ao
mesmo tempo relacional e técnica. No terceiro capítulo vamos definir o acolhimento psicológico e
fazer considerações sobre sua práxis no ambulatório de um hospital de urgências e emergências,
lembrando que aqui não temos a pretensão de descrever ou relatar alguma experiência de
implantação do acolhimento, mas sim, pensar o acolhimento psicológico em termos de função, de
técnica, numa perspectiva clínica. Este texto pretende ser mais conceitual, ainda que sem esquecer
a prática.

Mas afinal, o que é acolhimento?


45

Na busca de definição para o termo, esbarramos em um obstáculo imprevisto e que nos causou
estranhesa. O termo acolhimento não foi encontrado em nenhum dicionário técnico de
psicologia[4], nem mesmo o dicionário da APA tem este verbete. Consultamos também os grandes
manuais de psicologia no índice remissivo e a palavra acolhimento praticamente não aparece e nas
poucas vezes em que aparece não é definida, é como se seu significado estivesse subentendido
sendo usada de forma genérica. Por outro lado os artigos citados acima em sua maioria se limitam
a definir acolhimento de acordo com a cartilha do Ministério da Saúde (2006), ou seja, ressaltando
seu aspecto institucional ou político estratégico.
O dicionário de português assim define acolhimento: “s.m. Ação ou efeito de acolher; acolhida.
Modo de receber ou maneira de ser recebido; consideração. Boa acolhida; hospitalidade. Lugar em
que há segurança; abrigo. (Etm. acolher – e + i + mento)” (Dicionário de português on line )[5].
Já no site Humaniza SUS do Ministério da saúde acolhimento designa:

“Recepção do usuário, desde sua chegada, responsabilizando-se integralmente por ele, ouvindo sua
queixa, permitindo que ele expresse suas preocupações, angústias, e ao mesmo tempo, colocando
os limites necessários, garantindo atenção resolutiva e a articulação com os outros serviços de
saúde para a continuidade da assistência quando necessário” (Rede Humaniza SUS).[6]
A Cartilha “Acolhimento nas práticas de produção de saúde” amplia este significado:

“Acolher é dar acolhida, admitir, aceitar, dar ouvidos, dar crédito a, agasalhar, receber, atender,
admitir (FERREIRA, 1975). O acolhimento como ato ou efeito de acolher expressa, em suas várias
definições, uma ação de aproximação, um “estar-com” e um “estar perto de”, ou seja, uma atitude
de inclusão. Essa atitude implica, por sua vez, estar em relação com algo ou alguém. É exatamente
nesse sentido, de ação de “estar com” ou “estar perto de”, que queremos afirmar o acolhimento
como uma das diretrizes de maior relevância ética/estética/política da Política Nacional de
Humanização do SUS” (Ministério da Saúde, 2006)

A cartilha completa explicando que como ética se refere ao ato de acolher o sujeito em suas
diferenças, dores, e necessidades; estética fala da invenção de estratégias que contribuam para a
dignificação da vida e do viver e, assim, para a construção de nossa própria humanidade; política
porque implica o compromisso coletivo de envolver-se neste “estar com”, potencializando
protagonismos e vida nos diferentes encontros.

Malta (1998) fala do acolhimento como uma relação “usuário-centrada”. Teixeira (2005) o
denomina “tecnologias de conversas” (apud Solla, 2005, p.499). Para Solla (2005) “acolhimento,
além de compreender uma postura do profissional de saúde frente ao usuário, significa também
uma ação gerencial de reorganização do processo de trabalho e uma diretriz para as políticas de
saúde (Solla, 2005, p. 501).

Tradicionalmente, a noção de acolhimento no campo da saúde tem sido identificada ora como uma
dimensão espacial, que se traduz em recepção administrativa e ambiente confortável; ora como
uma ação de triagem administrativa e repasse de encaminhamentos para serviços especializados
(Solla, ibdem). O autor, numa perspectiva política diz que o acolhimento deve “garantir a
resolubilidade que é o objetivo final do trabalho em saúde” (Solla, 2005, p. 495). Franco et al diz
que todo serviço deve ser organizado de forma a “atender a todas as pessoas que procuram os
serviços de saúde, garantindo acessibilidade universal” (apud Solla, ibdem)
Silva Junior e Mascarenhas elencam quatro dimensões ou características do acolhimento:

“acesso – geográfico e organizacional; postura – escuta, atitude profissional-usuário e relação


intra-equipe; técnica – capacitação dos profissionais e aquisição de tecnologias, saberes e
46

práticas; reorientação de serviços – projeto institucional, supervisão e processo de trabalho” (Silva


Junior e Mascarenhas apud Solla, ibdem).
Em várias das definições acima, já se colocam as duas perspectivas em que podemos abordar a
questão do acolhimento, como estratégia de humanização dos serviços de saúde, portanto estamos
aqui na dimensão política. E o acolhimento como postura ou como função, na relação do
profissional com o cliente, e aqui estamos no âmbito da clínica. A perspectiva política tem sido
abordada por grande parte dos artigos e pesquisas, de forma que vamos abordar o tema em termos
conceituais e clínicos e definir o acolhimento psicológico especificamente.

Considerando, segundo a cartilha do Ministério da Saúde, que o acolhimento não é prerrogativa de


uma categoria profissional, mas de todas aquelas que lidam diretamente com o paciente ou com
pessoas, podemos concluir que, cada profissional irá praticar o acolhimento de acordo com as
especificidades de sua categoria profissional. Portanto, o acolhimento, em seu sentido mais amplo
tem algo em comum a todas as profissões assistenciais (incluindo a medicina), porém, irá também
ter características diferentes, segundo os objetivos e idiossincrasias de cada profissão.

A função de acolhimento
Falamos de acolhimento no sentido de dar acolhida, admitir, aceitar, dar ouvidos, agasalhar,
receber, atender, um estar-com, em suma, uma atitude de inclusão. Importante ressaltar que o
acolhimento como função clínica deve ser praticado não só na porta de entrada de um serviço ou
na triagem, mas também e principalmente ao longo de todo o tratamento e de todo processo de
produção de saúde.

“É preciso não restringir o conceito de acolhimento ao problema da recepção da ‘demanda


espontânea’… O acolhimento na porta de entrada só ganha sentido se o entendemos como uma
passagem para o acolhimento nos processos de produção de saúde” (MS, 2006).

Sem dúvida que se conseguíssemos fazer com que todos os profissionais da saúde, de todas as
categorias entendessem e exercessem sua função com acolhimento isto viria a se constituir numa
grande mudança paradigmática e numa das diretrizes de maior relevância da Política Nacional de
Humanização do SUS.

No entanto, o núcleo ou célula onde o acolhimento ocorre – ou deveria ocorrer – está na micro-
relação entre profissional e paciente, ou seja na dimensão clínica. E não importa qual categoria,
todas fazem clínica. Mas em essência, em que consiste o acolhimento? Quando falamos de função
não se trata de uma tarefa objetiva a ser cumprida, algo estático ou pontual que ora fazemos ora
não fazemos. O acolhimento enquanto função é antes de tudo uma atitude ou postura permanente
ante o outro, que deve ser exercida na mesma medida da demanda do cliente, sujeito ou pessoa, ou
mesmo família e equipe. Portanto, não se trata só da construção de um vínculo ou relação, mas
implica também uma técnica ou manejo técnico.

Relação e técnica
A função de acolhimento, portanto tem um aspecto ligado a relação e outro à técnica. É o que
denomino “técnica relacional” (Portela, 2013), termo paradoxal que trás em seu bojo uma
contradição. Neste contexto relação está ligada a idéia de espontaneidade e autenticidade,
enquanto a técnica é seu oposto, se refere a algo instrumental, repetitivo, generalizante. Mas, ao
utilizar uma técnica ou manejo técnico, isto em si, já se constitui num tipo de vínculo, ou seja, um
vínculo instrumental, mediado por uma técnica, vínculo este que Buber (1960) chamaria eu/isso e
Binswanger (apud Giovanette, 1990) relação plural.
47

A relação eu/isso se caracteriza por um vínculo utilitário, de uso, de objeto. Aqui as relações são
mediadas por papéis e máscaras. No setting terapêutico o fenômeno da transferência é um
exemplo de relação eu/isso. A relação eu/tu é um momento mais espontâneo, de encontro e
sinergia, mais autêntico, criativo e telemático, em que ambos (terapeuta e cliente) se despem da
estereotipia dos papéis, relaxam suas defesas, tiram suas máscaras e permitem expressar seu ser de
forma mais espontânea e plena, trata-se da ralação dual de Binswanger.

De forma que são dois os tipos de vínculos possíveis na relação profissional/cliente, um telemático
e outro instrumental. Ambos ocorrem simultaneamente no aqui e agora e em via de mão dupla, do
cliente para o profissional e vice-versa. Este não é o espaço para desenvolver esta temática com
profundidade, mas apenas o suficiente para compreendermos a função do acolhimento. Apesar de
a relação ser a base do processo terapêutico, não se pode prescindir da técnica. Na práxis clinica
temos basicamente dois tipos de técnica, as que denomino direcionais e as relacionais.

Importante observar que, quando se ressalta que a relação deve predominar sobre a técnica,
estamos dizendo da relação autêntica, ou seja, o processo deve estar fundamentado numa relação
de confiança, de segurança, autêntica e espontânea, ou na sua busca. As técnicas são como as
ferramentas de um carpinteiro. Este deve conhecer bem seu ofício, mas sem as ferramentas não
conseguiria executá-lo. Na terapia, a relação sustenta o processo e as técnicas servem como
instrumentos para amenizar as defesas e resistências, incrementar, facilitar e agilizar.

A utilização da técnica ou de um manejo psicoterapêutico se constitui por si numa relação


instrumental. Porém, esta não irá, em absoluto, comprometer nem a relação, nem o processo
terapêutico em si, posto que está a serviço do mesmo, isto é, da construção e do crescimento.
Relações instrumentais predominam no nosso dia-a-dia, e só são negativas quando interrompem o
processo de comunicação, ficam estereotipadas, se enrijecem, calcificam e se tornam resistência ao
processo natural de expansão e crescimento.

As técnicas relacionais recebem este nome devido se constituir num manejo que se encontra na
fronteira da relação e da técnica ou de uma relação espontânea e de uma instrumental. Isto
possibilita ao terapeuta ser ele mesmo, pessoa, autêntico, congruente, empático e ao mesmo tempo
manejar algum aspecto do processo terapêutico. O método não diretivo de Rogers é um exemplo de
técnica relacional. Interessante observar que, ao contrário das técnicas direcionais[7], as técnicas
relacionais são sutis em sua aplicação e o próprio cliente muitas vezes não percebe que estamos
fazendo algum manejo.
Na práxis clínica, dentre tantas, elencamos três técnicas relacionais ou manejos importantes de se
fazer para o sucesso do processo terapêutico, a saber: ativação do aqui-agora, “principal fonte de
poder terapêutico… o melhor amigo do terapeuta” (Yalom, 2006, p. 54); relação entre
transparência e transferência (Yalom, 2006), isto é, até que ponto o terapeuta se vela ou se revela
ao cliente, manejando os momentos transferências (instrumentais, eu/isso) e telemáticos
(autênticos, eu/tu) respectivamente; e a função continente (Zimermam, 2000), que é “uma das
mais importantes do processo terapêutico, é fundamental para o terapeuta, pois através dela é que
este irá regular o nível de angústia que circula em uma sessão de psicoterapia” (Portela, 2013, p.
172).

O conceito de função continente foi criado por Bion e alude à relação mãe/bebe que deve ser
continente o suficiente para envolver a criança em uma atmosfera de segurança, ajudando-a a
desenvolver sua própria capacidade de continência. Bion transpõe este conceito para a relação
terapêuta/cliente e neste caso, se refere à capacidade de o terapeuta lidar com as angústias e
demandas nele depositadas pelo cliente. Ser continente consiste em estar inteiro com o cliente ou
paciente, acolhendo sua dor expressa em sua queixa, dar um significado e devolve-la desintoxicada
48

da angústia e investida de um sentimento de segurança e confiança. Ora, hoje no nosso contexto, a


função continente de Bion ganhou um novo nome, acolhimento.

Aqui chegamos ao ponto essencial do acolhimento como função, um ponto comum para todas as
categorias profissionais, mas a partir do qual cada disciplina vai diferir na sua leitura,
interpretação e intervenção. Trata-se da angústia. Em essência o objeto do acolhimento é a
angústia, de perda, de vazio, de dor, de morte, devidamente ancorada em um trauma ou doença
física ou psíquica e expressa através de demandas e necessidades endereçadas ao profissional e à
instituição.

No acolhimento o profissional vai ter que lidar, portanto, com:

1. Certo nível de angústia, em geral mais elevado que o normal considerando o contexto;
2. Ancorada num trauma ou problema de saúde ou social.
Portanto, o termo técnica relacional apresenta uma contradição apenas aparente, pois se trata,
como dito acima, de um manejo que se encontra na fronteira entre técnica (relação instrumental) e
relação (relação autêntica) e que possibilita ao terapeuta ser espontâneo e congruente no mesmo
instante em que maneja a angústia de forma a mantê-la num nível que o cliente seja capaz de
tolerar, processar e elaborar.

Exercer a função de acolhimento significa lidar com esta carga de angústia que será nele
depositada de forma a gerar no paciente um sentimento de segurança e confiança. Ao mesmo
tempo avaliar a queixa concreta ou sintoma e dar os devidos encaminhamentos para uma maior
eficácia e resolubilidade. O nível de angústia vai variar de acordo com a intensidade e importância
do trauma ou perda. Quanto maior a angústia mais capacidade de acolhimento e resolubilidade
deve ter o profissional.

O Acolhimento Psicológico
Durante todo este percurso falamos do lugar do psicólogo e não poderia ser diferente, porém, o que
foi exposto sobre a questão do acolhimento até aqui, de certa forma, vale também para outras
categorias profissionais. Vamos definir agora especificamente o acolhimento psicológico, mesmo
por que, como vimos acima, não encontramos o verbete em nenhum dicionário técnico da
profissão, apesar da função de acolhimento se constituir numa tarefa básica do psicólogo clínico ou
psicoterapeuta. Vamos olhar o acolhimento também da ótica do psicólogo hospitalar. É a clínica
ampliada e aplicada, de forma que vamos depois considerar o acolhimento psicológico no
ambulatório de um hospital de urgência e emergência.

Na função de acolhimento está implícita uma relação de cuidado, de proteção, de continência,


afinal, a dor pode ser física mas o sofrimento é sempre global, físico, psíquico e   por que não dizer,
social e espiritual ou de sentidos. Para o psicólogo clínico ou psicoterapeuta a angústia é a matéria
prima a ser moldada, a massa bruta batida e machucada pelas perdas, traumas e dores. É seu
objeto primário. O psicólogo lida com a angústia em si, não só aquela ancorada no real do trauma e
da carne, como também aquela imaginária, fantasmática, advinda do desconhecido, do non
sense, do vazio, da morte.  
Acolhimento psicológico significa acolher a angústia através, não só de uma escuta diferenciada,
como também do olhar, da expressão, do terapeuta presentificado em corpo no aqui e agora.
Significa receber esta angústia sem julgamentos antecipados, sem preconceitos, sendo congruente
e empático, ajudando o sujeito a restituir seu self, a dar sentido a seu trauma, resgatando sua
história e seus projetos de vida.
49

Trata-se de uma função fundamental do terapeuta, um manejo técnico através do qual este regula
ou maneja o nível de angústia que circula no setting terapêutico. Sabe-se que a angústia é o motor
da terapia, mas ela deve estar num nível que seja assimilado pelo sujeito, que este tenha recursos
para lidar e que lhe permita uma elaboração. Um nível muito alto de angústia estanca a palavra,
bem como um nível muito baixo torna o processo terapêutico improdutivo.

Através da função do acolhimento o terapeuta maneja a angústia para que se mantenha num nível
adequado e produtivo para o processo terapêutico. Quanto maior a angústia, mais continente (Bion
apud Zimermam, 2000), deve ser o terapeuta, permitindo a expressão de dor, o pranto a comoção
e sendo mais diretivo, com orientações e/ou sugestões. Quanto menos angústia, menos continente,
menos diretivo e por outro lado mais analítico e reflexivo de forma a levar à elaboração,
resignificação e superação do trauma.

 Acolhimento psicológico em um ambulatório de emergência


As demandas pelo serviço de psicologia no ambulatório de um hospital de urgência e emergência
são as mais diversas. Cabe ao psicólogo fazer uma avaliação das mesmas e a partir daí definir as
estratégias de intervenção e acompanhamento mais indicadas para cada caso. Por outro lado, não
só estas demandas se alteram com o tempo como também o ferramental técnico-teórico que o
psicólogo tem em mãos para atendê-las também pode mudar com a evolução do saber e da práxis
clínica.

Um ambulatório de urgências e emergências é muito dinâmico, a média de permanência é pequena


e em sua maioria o psicólogo vai atender poucas vezes, com freqüência se limitando a um ou dois
atendimentos. No entanto, é um contexto de crise, em que é esperado um nível de angústia maior,
acima do normal. Isto exige do profissional da saúde uma maior capacidade continente ou de
acolhimento, cada um em sua função específica, mas todos exercendo a função de acolhimento
que, como estratégia, passa a não ser prerrogativa somente de uma categoria profissional, mas de
todas que lidam diretamente com o paciente.

Importante observar que, apesar do ambiente ansiogênico e de urgência, a grande maioria de


pacientes de um ambulatório de urgências tem recursos internos ou externos[8] suficientes para
lidar com seu trauma ou doença sem fazer sintoma e, portanto, sem precisar do psicólogo. Somos
treinados para escutar, manejar e fazer emergir os afetos, mas num ambiente de urgência o
psicólogo deve se limitar a atender às demandas que surgem de forma explícita e espontânea a
partir da situação de trauma ou doença, perda e tratamento.
Portanto, em um ambulatório de urgências, o psicólogo é um interconsultor, ou seja, ele não
precisa atender a todos, mas somente aqueles casos em que o sujeito não teve recursos suficientes
para lidar de forma satisfatória com seu trauma e faz sintoma. Aqueles pacientes que fazem
sintoma psicológico independente do tipo de trauma ou perda têm algo em comum, ou seja, um
nível de angústia mais elevado que o normal para o campo, que eles não estão dando conta de
processar e elaborar evoluindo para sintomas seja este de que ordem for.

Dado o contexto de urgência e a pequena permanência do paciente, é exigido do psicólogo[9] uma


alta capacidade continente ou de acolhimento, aliada a uma boa capacidade de resolubilidade[10].
De forma que o acolhimento por si só, ou seja, somente a escuta empática compreensiva do sujeito
não será suficiente na medida em que há um prejuízo à saúde e uma necessidade de tratamento.
Daí a resolubilidade, o profissional, além da função de acolhimento deve atender e dar andamento
de forma eficaz às necessidades e demandas do paciente. Isto faz parte intrínseca da função de
acolhimento, pois a falta de uma resolubilidade gera insegurança e falta de confiança,
comprometendo não só a função de acolhimento como toda a evolução do caso clinico.
Conclusão
50

Acolhimento, estratégia ou função? Podemos dizer que o acolhimento como função é uma
excelente estratégia, e como estratégia depende da função, ou seja o acolhimento como estratégia é
uma política do Ministério da Saúde que busca a humanização dos serviços. Mas para que tenha
sucesso é preciso que faça parte da cultura da instituição. É de admirar que uma atitude que
deveria ser espontânea e natural tenha que ser imposta. Nem todos têm a função de acolhimento
desenvolvida, mas é uma habilidade que pode ser aprendida. Todos que lidam com o público, com
pessoas, devem exercê-lo. Acolhimento não deve se restringir à porta de entrada, à triagem, mas
estar presente em cada etapa do processo de produção de saúde. Cada profissional deve, além de
exercer sua missão específica, de acordo com sua categoria, fazê-lo com acolhimento e
resolubilidade de acordo com as necessidades e demandas de cada paciente. Acolhimento e
resolubilidade são dois lados da mesma moeda, ambos têm que caminhar juntos.

Nos causou estranhesa também o fato de não encontrarmos nos dicionários técnicos de psicologia
o termo acolhimento. Consideramos um termo ou conceito importante posto que retrata uma
atitude ou postura fundamental do psicoterapeuta ou profissional da saúde para o sucesso do
processo terapêutico ou tratamento. Procuramos demonstrar que a função de acolhimento é uma
técnica relacional, se constitui antes de tudo em um manejo técnico que permite a construção de
uma relação de confiança ao mesmo tempo que regula o nível de angústia.

Trata-se de um conceito novo no campo da psicologia, cujas discussões foram desencadeadas a


partir das políticas de humanização. Tem sido muito discutido enquanto estratégia e neste trabalho
procuramos discutir o tema no âmbito da clínica ou das micro relações. Não pretendemos aqui
trazer respostas prontas ou definitivas mas apenas dar nossa contribuição neste debate de
tamanha relevância para o desenvolvimento do saber e da práxis clínica.

 Maio 2014

 Bibliografia

7 A psicologia médica se dedica a compreender o ser humano enquanto paciente e suas relações com a
equipe assistencial no processo do adoecimento. Para Schneider, um dos grandes expoentes dessa área,
ela apresenta como função “preparar psicologicamente o médico com o objetivo de que possa melhor
compreender o paciente”

RESENHA LIVRO PSICOLOGIA MÉDICA

o conteúdo do livro é abrangente. Está dividido em sete partes, cada qual composta por vários capítulos,
percorrendo os seguintes blocos temáticos:

- Parte I: visão geral;

- Parte II: comunicação e relação;

- Parte III: a entrevista;

- Parte IV: constituição psíquica e subjetividade;

- Parte V: o ciclo de vida e morte, fases e dinâmicas, crises, desadaptações, psicopatologias, e aspectos
inerentes à relação médico-paciente;
51

- Parte VI: o processo do adoecer;

- Parte VII: dilemas e situações críticas.

O livro começa nos conduzindo a uma viagem no tempo. O trabalho investigativo do autor na história de
práticas em medicina e de médicos nos coloca em contato com sucessivas épocas e personagens que vão
tecendo a história viva de um campo de conhecimento e prática nunca neutro, nunca anônimo, tampouco
periférico ao momento histórico e seus determinantes sociais e culturais. A construção da trajetória da medicina
por meio de seus personagens-expoentes tem também como efeito nos colocar diante de questões com as
quais nós, médicos, ao longo de nossas vidas, temos de nos haver... Quanto essa profissão não pede (ou, às
vezes, subtrai) um tanto significativo de nossas vidas?

Lendo, mais uma vez, o juramento de Hipócrates e as adaptações que a ele se fizeram, criando-se outros
juramentos mais adequados às mudanças das épocas (ainda que mantendo, essencialmente, seus princípios
originais), reforça-se tal questão. A medicina demanda um juramento de fidelidade à sua arte e sacralidade por
parte daqueles que nela pretendem atuar. E, ao longo do livro, fica bem claro o porquê.

Ao final dessa viagem inicial, os autores apresentam-nos o fio condutor que percorre as demais partes do livro,
ou seja, a Psicologia Médica, seu objeto e método, e os principais movimentos de sua inserção nos currículos
das escolas médicas.

O debate em torno do ensino de humanidades médicas (Rios, 2010) e, particularmente, de psicologia para
estudantes de medicina adquire consistência nos tempos atuais ante as críticas ao reducionismo do modelo
biomédico. Por outro lado, a delimitação do seu campo apresenta contornos intencionalmente esmaecidos.
Caberia à Psicologia Médica abordar os fenômenos psíquicos presentes na relação médico-paciente e os
aspectos comunicacionais relativos a esta e às várias interações do médico no mundo do seu trabalho e fora
dele – na mídia, por exemplo. Também estaria dentro do campo da Psicologia Médica a tarefa de estimular o
desenvolvimento de percepção mais refinada das expressões subjetivas das pessoas e sensibilidade para com
o outro, por meio de recursos vindos das artes.

Trata-se de uma proposta bastante ampla, que teria a disciplina de Psicologia Médica como ponto de irradiação
e meio condutor para o desenvolvimento de atenção, compreensão e cuidado sobre fenômenos relacionais
latentes ou manifestos, mas que se realizaria no campo de atuação de outras disciplinas médicas, em uma
perspectiva interdisciplinar, desde a formação dos alunos até o exercício profissional propriamente dito. Nesse
sentido, a tarefa da disciplina de Psicologia Médica no currículo da graduação em Medicina seria a de
desenvolver competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) nos diversos cenários de ensino-
aprendizagem interdisciplinar, muitas vezes atuando como catalisador dessa temática no contexto de práticas
específicas.

Nas partes subsequentes desse livro, quando vamos nos apropriando mais da metodologia didático-pedagógica
praticada pelos autores, no acúmulo dos anos de experiência no ensino, fica mais claro, ao leitor, o modo como
o campo da psicologia vai se imiscuindo nos campos da medicina, deixando de ser uma parte circunscrita
dentro do ensino médico, para ser parte do corpo de saberes médicos, cujos limites não são tão precisos, nem
deveriam ser dentro de uma proposta interdisciplinar.

Um tema que ilustra bem o que acabo de lhes dizer refere-se à comunicação na prática médica, tópico
recorrentemente evocado e historicamente marcado de importância na contemporaneidade. Vivemos tempos
em que a comunicação adquire centralidade também no campo da Saúde e, em particular, na formação médica
(Rider, Keefer, 2006). Há algum tempo que as escolas médicas conscientes de tal necessidade incluíram, em
seus currículos, disciplinas para desenvolvimento de habilidades comunicacionais. Nesse sentido, há vários
modelos comunicacionais e métodos de ensino-aprendizagem adotados segundo propostas distintas para o
cuidado e a educação em Saúde. Vão desde perspectivas mais estritamente instrumentais, que buscam
desenvolver habilidades técnicas específicas para situações clínicas mais ou menos padrão (por exemplo,
comunicação de más notícias, pacientes-problema, termo de consentimento, situações de conflito), até
perspectivas que trabalham, inclusive, com tais tópicos específicos, em um modelo de construção de
intersubjetividade. É nesta segunda proposta que o autor localiza mais fortemente a interface do ensino de
comunicação e psicologia médica.

Interface que tem a propriedade de redimensionar o desenvolvimento de competências comunicacionais, tal


como competências relacionais que envolvem sujeitos pluridimensionais em interação. Essa tarefa
52

compreensiva encontra na Psicologia Médica um terreno fértil, posto ser uma área mergulhada na temática da
constituição de sujeitos e subjetividades tanto do ponto de vista conceitual quanto metodológico.

A constituição subjetiva se dá em interdependência com a cultura, processo vivo e em constante transformação.


O livro assinala uma situação, peculiar aos tempos atuais, que ilustra essa afirmação e suas implicações na
área da Saúde. A cultura contemporânea produz sujeitos cada vez mais informados sobre questões de saúde
pelos vários meios de comunicação. Como o profissional da saúde lida com essa mudança de comportamento
das pessoas? Quanto é capaz de administrar as questões subjetivas (conscientes ou não) que vão desde a
curiosidade do paciente sobre sua condição de saúde, passam pela atitude de empoderar-se para melhor
exercer sua autonomia, e chegam ao desejo de afrontar e desafiar o suposto lugar de poder do médico? Como
bem utilizar as ferramentas da internet para o cuidado (Ayres, 2004), aqui pensado como uma relação entre
pessoas com saberes próprios e dispostas a usá-los de forma dialogada para alcançar o objetivo comum de
promover e cuidar da saúde?

A tarefa educacional de "habilitar" para a comunicação, quando tratada de forma reducionista, como um
protocolo de ações sequenciais dentro de um encontro clínico, não seduz os autores, que não caem no lugar
comum das check-lists. Ao contrário, expõem, com exemplos e depoimentos dos alunos, como tal redução é
precária e não dá conta do desenvolvimento da competência relacional. Mais ainda, como pode ser angustiante
para o aluno uma abordagem que desconsidera as manifestações psíquicas de pacientes e médicos nesse
contexto de encontro.

Não quero, com isso, dizer que, para o encontro clínico, não precisamos de metodologia. Ao contrário,
organização e sistematização são aspectos fundamentais para uma boa abordagem do paciente, como
detalhadamente proposto nos capítulos que tratam da entrevista clínica. Como receber o paciente, iniciar a
entrevista, o que perguntar e como; como estimular o paciente a falar ou o contrário, quando ele fala demais; o
bom uso da linguagem não verbal; os aspectos intimistas presentes no exame físico; o próprio exame psíquico
na abordagem geral do paciente; e, por fim, as etapas de informação e condução de acordos terapêuticos são
abordados de forma clara, esquemática e objetiva o bastante para que o aluno se sinta instrumentalizado.

As técnicas descritas em roteiros são, por assim dizer, um primeiro nível comunicacional. Em um segundo nível,
outros recursos se tornam necessários para ampliar a percepção subjetiva dos fenômenos relacionais mais
latentes. Esses recursos envolvem desenvolvimento de empatia, percepção, sensibilidade, e compreensão da
existência humana.

Capítulos posteriores aprofundam conceitos sobre a constituição do psiquismo e da subjetividade, com forte
acento psicanalítico e com uma linguagem que prima pela clareza e desejo de comunicar-se com o leitor –
qualidade apreciável, mas nem sempre presente em textos dessa área. A articulação de conceitos um tanto
abstratos com casos clínicos ou literários e depoimentos de profissionais e alunos é um poderoso recurso de
compreensão presente em todo o livro, de forma tão francamente clara que chega a ser generosa. Mais que
isso: apresenta-se como possibilidade de estimular uma espécie de cumplicidade entre autores e leitores. Esses
excertos de manifestação de subjetividade ou de intersubjetividade tornam o livro uma escrita que se entrega ao
leitor e que nele produz reflexões sobre sua própria experiência.

Várias experiências educacionais têm mostrado a potência transformadora da arte (Pereira, 2002) sobre o
comportamento das pessoas por meio de um maior contato do sujeito com sua superfície psíquica sensível, do
desvelamento de seus próprios desejos e, assim, uma compreensão profunda de si mesmo, que, entre outros
efeitos, amplia possibilidades comunicacionais com o outro.

Processos mais inconscientes presentes nas relações interpessoais, como a transferência, a


contratransferência e, mesmo, as atuações, fenômenos que podem aproximar ou não as pessoas, podem ser
mais bem apreendidos.

Construída a base compreensiva que define o campo da Psicologia Médica na concepção adotada, ou seja, os
aspectos comunicacionais e psíquicos constituintes do encontro clínico, nos capítulos seguintes, os autores vão
aprofundar e particularizar tais aspectos por referência a ciclos da vida e situações específicas. Nesses
capítulos fica claro que a Psicologia Médica é tema transversal, e qualquer proposta de atenção à saúde que
pense o cuidado integral terá importantes interfaces com ela. Nessa forma de empreender o cuidado, os
aspectos psicológicos são também médicos. A prática comum de tão logo se identificar alguma tonalidade
psicológica em uma situação clínica, prontamente mandar para algum profissional "psi", fica totalmente sem
sustentação. Ao mesmo tempo, aponta-se a necessidade de os médicos serem mais bem preparados para a
53

especificidade dos conhecimentos ancorados nesse campo. É preciso que o médico tenha conhecimentos e
comprometimento com o campo, uma vez que, para sua atuação nele, não basta bom senso, experiência
pessoal, ou, mesmo, senso comum, de que muitos ainda se utilizam para preencher suas lacunas de saber.

Gestação, parto e puerpério, infância e as fases do desenvolvimento, adolescência, idade adulta, velhice, morte
são passagens do viver humano cuja complexidade existencial é assinalada pelos autores.

Na última parte do livro, os autores nos falam sobre manifestações psíquicas relativas ao processo do adoecer
e do cuidar, abordando conflitos, situações difíceis, dilemas éticos, comunicações dolorosas, enfim, temas que
nunca se esgotam, seja conceitualmente, seja tecnicamente, seja como for. Temas que sabiamente ficaram
para o último capítulo, pois demandam um longo percurso de estudo e experiência clínica para seu
enfrentamento. E, mesmo assim, sabemos que todo esse preparo facilita lidar com certas situações, mas não
elimina a dor essencialmente humana e inevitável de todos nós diante da força bruta de certos acontecimentos
em nossas vidas.

Ao longo de todo o livro, é evidente a preocupação dos autores em não naturalizar tais acontecimentos, ao
contrário, dar-lhes a devida dimensão trágica, mas, também, fazer despontar, em nós e nossos pacientes, uma
grande potência reparadora. Força que talvez tenha sido bem mais decisiva do que imaginamos quando da
nossa escolha profissional pela medicina, e que nos sustenta nela mesmo diante dessas circunstâncias (ou, até
mesmo, por essas circunstâncias) em que nos tornamos a pessoa certa no lugar necessário.

Recebido em 20/07/12.

Aprovado em 08/04/12.

7 Ambiente médico: o impacto da má notícia em pacientes e médicos – em direção a um modelo de comunicação mais efetivo

7- ARQUIVO SALVO LA NA PASTA

Ambiente médico: o impacto da má notícia em pacientes e


médicos – em direção a um modelo de comunicação mais
efetivo

Palavras-chave: 

Revelação da verdade, Comunicação, Educação médica, Estresse psicológico, Relações médico-paciente.

RESUMO

 As más notícias fazem parte da rotina dos médicos, no entanto, seu impacto em ambos os médicos e paciente, não é
bem conhecido. Com esse conhecimento, os médicos seriam capazes de transmitir estas notícias de forma mais
eficaz. O objetivo deste estudo é revisar o impacto fisiológico e psicológico das más notícias em ambos, médico e
paciente, e estratégias para melhorar as habilidades de comunicação e minimizar estes efeitos. Ao transmitir uma má
notícia, médicos podem ter um aumento na frequência cardíaca, pressão arterial e débito cardíaco de forma tão
54

expressiva que pode ser um fator de risco para hipertensão. Alterações nos níveis de cortisol e as respostas imunes
também estão relacionadas a estas situações. Médicos relataram que dar más notícias envolve um risco de perder o
controle de diferentes maneiras, com relação às emoções, profissionalismo e confiança. Em relação ao impacto nos
pacientes, até o momento, nenhuma pesquisa investigou os efeitos fisiológicos; entretanto, os pacientes reagem
com choro, seus “corpos podem agitar” e eles podem sentir uma “sensação de frio no estômago”. Os pacientes
precisam de tempo para se adaptar a informação dada; eles querem que seus médicos sejam sensíveis e respondam
as suas perguntas no mesmo dia, dando-lhes a sensação de que eles estão sabendo de tudo. Dados mostram desde
os que de estudantes de medicina a médicos experientes sentem desconforto e despreparo em transmitir más
notícias. Isso enfatiza a necessidade de um modelo eficiente para o desenvolvimento de habilidade na revelação.
Questões pessoais, institucionais, de treinamento e linguagem vêm sendo reconhecidas como potenciais barreiras
para a transmissão de más notícias. Estratégias que estão sendo desenvolvidas para melhorar a transmissão de más
notícias incluem o uso de diretrizes como o SPIKES e programas de treinamento intensivo. Tais estratégias têm sido
comprovadas para minimizar o impacto em ambos, pacientes e médicos. Assim, é necessária a inclusão destas
estratégias na graduação de medicina, residência e programas de treinamento médico.

Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os)


nos serviços hospitalares do SUS
APRESENTAÇÃO - ARTIGO SALVO LA NA PASTA

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) apresenta à categoria


e à sociedade a publicação Referências Técnicas para atuação de psicólogas(
os) em serviços hospitalares do SUS, elaborado no âmbito do
Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas
(CREPOP). Esta Referência cumpre um papel fundamental para demarcar
o posicionamento da categoria e do Sistema Conselhos de
Psicologia em defesa do Sistema Único de Saúde.
Assim, se propõe a abordar importantes contribuições das práticas
psicológicas no âmbito hospitalar, considerando que a dimensão
subjetiva e de saúde mental das pessoas assistidas em hospitais
é um aspecto imprescindível durante o tratamento, levantando também
55

discussões acerca do processo de adoecimento, luto e assistência


aos familiares.

Todas essas discussões são permeadas pela especificidade da


atuação da Psicologia no âmbito do SUS que exige um olhar atento
das(os) profissionais para as condições de vulnerabilidade dos
sujeitos, assim como uma atuação ativa que denote a importância
dessa política pública para a garantia de direitos da população e a
transformação das suas condições de saúde e de vida.
As Referências Técnicas são um instrumento do Sistema
Conselhos para regular o exercício da(o) profissional de Psicologia
com a sua teoria acadêmica. Desta forma, o Sistema Conselhos
vem construindo com a categoria, no sentido de se legitimar como
instância reguladora do exercício profissional. Por meios cada vez
mais democráticos, esse diálogo tem se pautado por uma política
de reconhecimento mútuo entre os profissionais e pela construção
coletiva de uma plataforma profissional que compreenda a sua dimensão
ética e política.

O XVII Plenário do CFP agradece a todas e todos os envolvidos


na elaboração deste documento, em especial aos membros da
Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os)
nos Serviços Hospitalares do SUS 7
comissão ad-hoc responsáveis pela redação. Desejamos que essa
publicação seja uma ferramenta de orientação e qualificação da
prática profissional e de reafirmação do compromisso ético-político
da Psicologia e que possa auxiliar profissionais e estudantes na aproximação
com o campo da Psicologia Hospitalar na saúde pública,
pensando essa área em uma perspectiva ampliada e crítica.

XVII Plenário
Conselho Federal de Psicologia

8- A psicologia hospitalar e as equipes


multidisciplinares Rossi L B, Guareshi N M F.
RESUMO
56

A psicologia hospitalar tem construído sua história, passo a passo, considerando que há menos de duas
décadas, a atuação do psicólogo em instituições hospitalares não estava regulamentada como uma
ampla e necessária práxis psicológica. Nos hospitais gerais, a escuta terapêutica com usuários e
familiares é imprescindível. Este estudo pretende mostrar alguns aspectos da inserção do psicólogo nas
equipes de saúde, bem como sua práxis profissional no contexto hospitalar. Para tanto, foram
entrevistadas 6 psicólogas de hospitais gerais de Porto Alegre para se compreender como o trabalho da
psicologia está inserido junto aos de mais profissionais na equipe multidisciplinar de saúde. As
psicólogas destacam diversos aspectos de sua atuação profissional que permearam a construção deste
estudo. Dentre eles, foram salientados no discurso das entrevistadas, principalmente os seguintes
aspectos: as relações de poder entre os profissionais da equipe multidisciplinar, o conceito de saúde e
o discurso de humanização à atenção da saúde. As relações entre os profissionais da saúde das
diversas disciplinas e o trabalho em equipe são fundamentais para um atendimento humanizado aos
usuários de hospitais gerais. Por outro lado, os conceitos de saúde e de humanização da atenção à
saúde se estabelecem de diferentes formas e estão quase sempre atrelados à área disciplinar do
profissional. As equipes de saúde relatam que em alguns casos, somente a ajuda médica não basta
para o tratamento ser bem sucedido: o ser humano é muito mais que um corpo físico, e assim, o
atendimento integral a saúde é indiscutível.

Palavras-chave: Psicologia hospitalar, Equipes multidesciplinares.

METODOLOGIA

Este estudo foi realizado em seis hospitais gerais públicos e particulares, da cidade de Porto Alegre.
Foram entrevistadas3 seis psicólogas, cada uma de um hospital. Através de uma entrevista semi-
estruturada, procuramos buscar informações sobre o início do trabalho da psicologia nos hospitais, o
desenvolvimento das primeiras atividades, bem como as atuais, e o contexto atual de trabalho nos
hospitais gerais. As psicólogas destacaram diversos aspectos de sua atuação profissional que
permearam a construção deste estudo. Através da emergência de determinados enunciados na fala das
psicólogas, foram situados algumas questões como: a inserção do trabalho da psicologia no hospital, a
psicologia hospitalar e as relações da equipe multidisciplinar de saúde. Os enunciados desses discursos
foram organizados pelos tópicos dessas questões da pesquisa e sobre os quais se fez a discussão dos
resultados. Os resultados dessa pesquisa estão organizados da seguinte forma: primeiro serão
contextualizados, brevemente, alguns aspectos relacionados ao início da psicologia hospitalar 4, para,
em um segundo momento, se discutir a participação do trabalho da psicologia nas equipes
multidisciplinares, abordando principalmente as relações de poder. Nas considerações finais,
questionamos a concepção do conceito de saúde implicada no modo de trabalho das equipes de saúde
e apontamos para aspectos deste conceito que consideramos fazer parte da prática da psicologia nos
hospitais gerais.

O início das atividades da psicologia hospitalar

Na década de 1980, a instabilidade econômica do país gerou um mercado de trabalho saturado de


profissionais liberais e uma baixa nas ofertas de emprego. Essa situação econômica se fez presente no
início da trajetória profissional de psicólogas que iniciaram sua atividade profissional no hospital: “Eu ia
me formar e obviamente não tinha emprego e ela perguntou se eu queria trabalhar lá (no hospital) e
eu adorei.” No entanto, pouco se sabia sobre o psicólogo hospitalar, suas funções não haviam sido
preestabelecidas, e ainda não existiam muitos estudos teóricos sobre o tema. A motivação para o
desenvolvimento de um trabalho comprometido com a demanda também decorre do âmbito do
conhecimento e da formação específica do profissional, o que sugere um despreparo por parte dos
profissionais recém formados, sendo necessária a ampliação dos conhecimentos adquiridos na
graduação. As psicólogas inseriram-se nesse contexto considerando as necessidades da instituição
relacionadas à psicologia. As primeiras atividades estavam relacionadas com o funcionamento da
instituição, buscando criar novos serviços e qualificá-la, investigando as necessidades e estabelecendo
objetivos: "Então nós fizemos um levantamento das necessidades e toda uma pesquisa para o
levantamento das necessidades, estabelecendo prioridades, daí fizemos um projeto de trabalho
daquelas necessidades [...] apresentamos para a direção. A direção aceitou a nossa proposta e nós
57

estamos desde 1979...”. No entanto, a demanda hospitalar não era unicamente clínica, mesmo
considerando que esta prática tenha sido o marco da afirmação profissional do psicólogo. Portanto,
questões relativas ao funcionamento institucional mereceram a atenção do profissional da psicologia,
proporcionando uma escuta que transcende a clínica, ressaltando a necessidade de se dedicar "a
instituição como um todo, no seu funcionamento para que ela desempenhe da melhor forma possível a
tarefa saúde, no cuidado com a saúde", que pode também ser contemplada nas seguintes
atividades: "Então eu fazia seleção do pessoal, treinamento de funcionários, fazia avaliação do trabalho
junto com as chefias...".

A implementação de uma área nova dentro da psicologia suscitou a utilização de recursos técnicos e
metodológicos de diversas áreas do saber psicológico, não se restringindo apenas a clínica, mas
também a organizacional, social e educacional (Fongaro e Sebastiani,1996). Assim, foram criando um
conhecimento mais específico sobre a área, possibilitando uma maior união entre o psíquico e o
biológico, dentro do contexto hospitalar. Nesse sentido, faz-se necessário comentar a importância de
estar instrumentalizado para realizar um bom trabalho. "Então foi aí que eu comecei, fui buscar
supervisão, fui trabalhar e aí a coisa começou.". Estas falas ilustram a necessidade de se desenvolver
materiais que expliquem e contextualizem o trabalho do psicólogo nesta área e a dinâmica da
instituição hospitalar ( Fongaro e Sebastiani, 1996).

A psicologia hospitalar e a equipe multidisciplinar

A Psicologia Hospitalar não pertence unicamente a área clinica, pois ela também abrange áreas como a
organizacional, social e educacional, utilizando-se de recursos técnicos, metodológicos e teóricos de
diversos saberes psicológicos. A Psicologia Hospitalar busca comprometer-se com questões ligadas à
qualidade de vida dos usuários bem como dos profissionais da saúde, portanto, não se restringindo ao
atendimento clínico, mesmo este sendo uma prática universal dos psicólogos hospitalares. O
pressuposto que permeia as atividades do psicólogo no hospital geral mostra outra visão de indivíduo,
não fragmentada, mas como um todo, como um ser biopsicossocioespiritual com o direito inalienável à
dignidade e respeito. (Fongaro e Sebastiani, 1996)

A equipe hospitalar é composta por diversos profissionais, incluindo aqueles que não assistem as
pessoas hospitalizadas diretamente, tais como equipe de higienização, radiologista, anestesista, dentre
outros. No entanto, consideraremos aqui a equipe multidisciplinar formada pelos profissionais que
assistem diretamente os indivíduos: médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionista, assistente social,
fisioterapeuta. Cabe salientar que a equipe multidisciplinar tem sua formação centrada nas
necessidades da pessoa, portanto, ela não é pré-organizada. A demanda do enfermo é que fará com
que os profissionais da saúde se integrem, com o propósito de satisfazer as necessidades globais da
pessoa, proporcionando seu bem-estar.

No entanto, serão os médicos os protagonistas do manejo hospitalar, pois são eles que decidem sobre
técnicas, medicações, cura, internações e altas (Angerami-Camon, 1987). Portanto, os demais
profissionais se adequam, primeiramente, a demanda orgânica do indivíduo e às definições do médico,
para posteriormente, integrar sua prática ao atendimento hospitalar. Porém, o aparecimento de
inúmeras especialidades da área da saúde impossibilita que um único profissional englobe todos os
conhecimentos produzidos em sua área de atuação. As múltiplas situações difíceis e inesperadas que
fazem parte da realidade dos usuários dos hospitais gerais refletem no trabalho da equipe
multidisciplinar, o que mostra que uma única especificidade profissional não consegue dar conta dessa
gama de fatores intrínsecos a doença e a hospitalização (Chiattone, 1996). Em relação aos valores
pessoais permeiam as relações profissionais, assim, acredita-se que a neutralidade médica
exemplificada pelo relacionamento padrão estereotipado, estabelecido com os demais profissionais da
saúde, bem como com os beneficiários dos serviços de saúde, implicam alguns questionamentos,
principalmente por parte da equipe, tendo em vista que o saber médico é pouco compartilhado. A
neutralidade médica pode ser explicada, mas não justificada, pela necessidade de esvaziamento dos
conteúdos e representações de vida e morte, já que a relação entre os médicos e a pessoa em
sofrimento é repleta de ansiedades e fantasias (Zaidhaft, 1990). A postura médica é conseqüência da
formação profissional, que pouco enfoca as relações humanas e que tem uma visão de ser humano
como objeto de estudo, não considerando as emoções subjacentes ao manejo médico (Kubler-Ross,
58

1999). Os membros da equipe, especialmente os médicos, que tiverem sua auto-estima atrelada ao
seu desempenho profissional, podem perder a noção realista das condições de recuperação de
determinados casos, sendo a recuperação completa a única alternativa possível (Leão, 1998).

A inserção dos serviços de psicologia é privilegiada em instituições onde há espaço para reuniões entre
os diversos profissionais da equipe multidisciplinar, pois nestas ocasiões, o psicólogo evidenciará a
importância da valorização do conjunto dos aspectos emocionais do indivíduo. A equipe médica de
saúde, então, busca humanizar as condições do indivíduo no seu período de hospitalização. O vínculo
entre o indivíduo e a equipe multidisciplinar tem de ser considerado no manejo psicológico. É
indispensável que o psicólogo saiba detalhadamente das atividades desenvolvidas pelos demais
profissionais, bem como os limites de cada um, possibilitando uma atuação integrada, com manejo
único. A multidisciplinariedade corre o risco de fragmentação entre os setores, e consequentemente, a
fragmentação do paciente. O relacionamento precário entre a pessoa e a equipe de saúde pode
acarretar mais sofrimento do que o esperado para determinados quadros. Entretanto, é a trajetória
hospitalar do indivíduo que definirá o enfoque de seu atendimento psicológico, que poderá ser pré ou
pós-operatório, ambulatorial, ou de enfermaria. É através desta consideração que o trabalho do
psicólogo será delineado e implementado, considerando as necessidades individuais da pessoa
(Angerami-Camon, 1987).

De acordo com Santos e Sebastiani (1996), a discussão sobre as equipes multidisciplinares é de suma
importância, pois mesmo a proposta do atendimento integral ao usuário sendo óbvia, na prática, tal
obviedade não é efetivamente posta em ação. Ainda percebe-se dificuldades de interação entre os
profissionais, disputas de poder (tanto objetivas quanto subliminares), falta de conhecimento sobre a
ajuda que outras especialidades podem dar à equipe e ao indivíduo.

Relações de poder e os profissionais de saúde

É impossível pensar em qualquer relação humana sem pensar nas relações de poder que permeiam,
induzem, formam saberes e produzem discursos. É o que Foucalt nos ensina em microfísica do poder
(1979/1984). Cabe ressaltar que poder não é um objeto e sim uma relação, e que também não é
sempre negativo, ele é mais que uma instância repressiva, ou seja, o poder pode ser também
positivado pelos sujeitos. Um aspecto importante do poder é sua tendência a ocultar-se, inclusive
negativisar-se, apresentando-se como uma exigência natural ou razão social, de acordo com Martins
(2003). Para que haja a manutenção de um discurso dominante em uma instituição, são necessárias
práticas que o legitimem e operem no sentido de reprimir manifestações contrárias. Desta forma, os
profissionais da área da saúde tornam-se (re)produtores de uma postura médica que não é imposta,
mas sim “indicada” como um padrão a ser seguido, sem crítica alguma. É neste momento que fica claro
o exemplo das relações de poder nas relações estabelecidas nas equipes multidisciplinares. Tal poder
se estabelece no cotidiano através do exercício da medicina, ou de outra disciplina da área da saúde,
ele controla o saber e o fazer médico, normatizando os profissionais. (Martins, 2003) Um exemplo
disso pode ser o fato de o médico versar sobre o seu trabalho com uma linguagem específica e técnica,
pouco acessível aos leigos (inclusive ao psicólogo), demonstrando uma relação de poder, já que
principalmente os usuários ficam inibidos frente à autoridade de um saber médico.

Na prática do psicólogo, as relações de poder são estabelecidas através de seu campo de saber ou
conhecimento. O psicólogo no hospital escuta o usuário, a família do usuário, os outros membros da
equipe e a opinião médica, portanto, é viável que ocorra através da apropriação de um modelo da
psicologia, enquanto uma área de saber científico, o exercício das relações de poder, que de acordo
com Martins (2003) é vivenciado no âmbito mais amplo de trabalho nos hospitais. O poder pode ser
produzido nas instâncias imediatas e cotidianas, como, por exemplo, na relação com a equipe de
saúde. Entretanto, a inserção do psicólogo nos hospitais gerais pode, assim, também contradizer a
ordem estabelecida de normatividade da medicina que vê a cura somente pelo aspecto orgânico, físico
ou biológico.

As vezes, os profissionais da saúde, conforme Guedes (2003), posicionam-se frente ao usuário de


maneira indisponível. A escuta médica, às vezes, por exemplo pode estar unicamente interessada nos
59

dados específicos da doença, portanto, a atitude de rejeição do médico perante a pessoa faz com que
ela se remeta a outras relações insatisfatórias que foram estabelecidas em sua vida. O
restabelecimento do enfermo pode, desta forma, ser prejudicado pela hostilidade, muitas vezes
inconscientes, que perpassam as relações médico-paciente. As atitudes da equipe de saúde podem ser
terapêuticas ou não, podendo produzir configurações maléficas ou benéficas no curso do adoecer
(Guedes, 2003).

No dia-a-dia do hospital os psicólogos muitas vezes ocupam o lugar de tradutores entre os médicos e
os usuários, podendo tomar-se o entendimento de que as questões subjetivas são exclusivas do
psicólogo e as orgânicas do médico. Entretanto, o ser humano não é só somático ou psíquico, ou seja,
a fragmentação do atendimento à saúde pode não contemplar a complexidade do ser humano, devido
aos diferentes campos de saberes e poderes envolvidos no atendimento ao usuário. Contudo, a
linguagem técnica da equipe de saúde pode não ser o único empecilho no atendimento. Qualquer
orientação dos profissionais do campo da saúde pode, muitas vezes, ser incompreensível ou
inadequada às condições de vida da pessoa. Por exemplo, uma pessoa que necessita de diversos
medicamentos, em diversos horários e que não é alfabetizada necessitará de uma orientação diferente
de uma pessoa alfabetizada. A própria cura precisa ser contextualizada, pois no momento em que o
médico diz que a pessoa pode levar uma vida “normal”, ele precisa conhecer o dia-a-dia dela. Um
pedreiro, por exemplo, nem sempre poderá carregar peso imediatamente após sua alta.

Assim, a equipe de saúde, pode, nem sempre se mostrar aberta, pelo menos, em um primeiro
momento, ao trabalho do psicólogo: "As equipes aceitam muito bem o trabalho, solicitam bastante,
agora a gente já tem um espaço aqui dentro, não precisa mais pedir "há tem uma criança?”. Devido a
isso, pode-se pensar que, em algumas situações, o atendimento psicológico pode ser visto como algo
desnecessário àqueles usuários que não apresentam comportamentos considerados não prioritários
para o atendimento à saúde, ou ser considerado secundário por se tratar de uma demanda subjetiva.
Porém, a inserção do trabalho do psicólogo no contexto hospitalar pode mudar a dinâmica de
atividades de toda equipe de saúde, uma vez que a dinâmica das relações de poder entre os diferentes
saberes do que é saúde passam a ser estabelecidas de outras formas, alterando o entendimento sobre
atenção à saúde, tanto por parte da equipe médica, como por parte dos usuários. Isto, leva a uma
maior preocupação por parte da equipe multidisciplinar, na clareza e eficácia da comunicação entre os
profissionais da saúde e os usuários, buscando evitar discórdias e desentendimentos entre esses.

Um exemplo do processo de comunicação entre os profissionais da equipe de saúde é o


prontuário: "...cada um tem que falar o que observou para tentar fazer um manejo único com o
paciente, evitando uma dupla mensagem. Eu constatei uma coisa, o médico outra. Isso mesmo em
uma linguagem não verbal, vai causar muita confusão e dúvida". O discurso por parte das profissionais
da saúde de psicologia sobre o prontuário é de que este é o processo comunicacional mais importante
entre os profissionais das diferentes áreas disciplinares da saúde. Em alguns casos, posterior a esta
forma de relação, através deste mecanismo de comunicação, podem ocorrer discussões sobre o
manejo e o entendimento da demanda dos usuários sobre o tratamento e questões relacionadas a sua
internação. Entretanto, é possível pensar que a discussão dos casos dos usuários, que envolvem uma
área disciplinar do profissional no desenvolvimento do trabalho, nem sempre está livre da necessidade
de proteger o saber de sua área como superior. Isto mostra-se contrário a preocupação de alguns
profissionais das equipes de saúde que se propõem em manter uma unidade de informações aos
usuários, procurando transmitir uma imagem homogênea do entendimento que a equipe
multidisciplinar possui sobre o seu estado de saúde.

Do ponto de vista da psicologia, o trabalho das equipes multidisciplinares só se tornarão válidos e


enriquecedores para os usuários, se cada profissional se responsabilizar por sua área de cuidados em
relação à saúde: "...o dentista, o psicólogo, médico, nutricionista, [...], tem que haver esta troca. E a
gente sempre tentou e eu acho que deu certo, é não ocupar o lugar do outro, respeitar o espaço do
outro para que ele também respeite o teu. Se isso é trabalho do médico, então não explica, chama o
médico que ele vai explicar [...] Então eu acho que este é o melhor sistema de trabalhar, é integrar,
respeitando o outro e também sendo respeitado”. No entanto, responsabilizar-se por sua área de
saber, segundo as profissionais da psicologia, não significa evitar a troca entre os diversos profissionais
integrantes da equipe, mas sim manter a clareza nas informações sobre os usuários: "A troca é
necessária para que haja uma melhora nos atendimentos, para que a saúde do ser humano possa ser
contemplada no seu todo, ou em pelo menos, algumas partes dela".
60

Considerações finais: o conceito de saúde e o trabalho da psicologia


hospitalar

Ao analisarmos os temas propostos neste artigo, sentimos emergir, dessas discussões o entendimento
do conceito de saúde pelos profissionais dessa área. Ao inserir o trabalho da psicologia nas equipes
multidisciplinares de saúde, propomos que a psicologia passe a pensar a saúde como um conceito
complexo, que possa se situar em modelos que venham a promover formas de vida e de ser que
englobem a dimensão do sujeito como cidadão na esfera pública e na esfera privada. Ao voltar a
preocupação com o usuário para o auto-conhecimento, para o indivíduo, corremos o risco de situar o
trabalho da psicologia dentro de um enfoque individual, como as atividades dessa área no espaço
privado. A psicologia deve diminuir essa dicotomização entre o público e o privado, a fim de entender e
atender o sofrimento psíquico do ser humano como um todo, e não na sua individualidade, integrando
tal entendimento ao atendimento e às preocupações da equipe multidisciplinar de saúde. (Guareschi,
2003)

Os sentidos que a palavra saúde pode adquirir são muitos, dentre eles, uma face normativa,
prescritiva, que faz referência à uma espécie de conjunto de atributos para uma pessoa ser
considerada saudável. Esse sentido de saúde, o trabalho da psicologia deve evitar. Pensamos que a
psicologia nas suas práticas em hospitais, encarando a saúde como uma perspectiva que o conceito de
saúde interpele, passa contemplar os direitos básicos do cidadão: o direito à moradia, ao trabalho, à
segurança e à saúde, ou seja, o conceito de saúde do SUS. Desta forma, precisamos desnaturalizar a
perspectiva medicalizada que freqüentemente é utilizada pelos profissionais da saúde, como se essa só
contemplasse ausência de doenças.

A psicologia tem como desafio para articular a questão da saúde em suas práticas junto às equipes
multidisciplinares de forma incisiva, perguntar-se, principalmente, que concepção de sujeito e de
sociedade está como pano de fundo para as práticas psicológicas nos hospitais gerais. O trabalho da
psicologia nas equipes multidisciplinares deve ser tomado como algo mais complexo, merecendo uma
discussão também complexa que, no mínimo, consiga ser problematizadora de questões
contemporâneas que envolvem essas práticas psicológicas sobre doença e saúde. Não há exercício
profissional que dispense uma perspectiva de sujeito e de realidade. Em toda prática psicológica existe
a necessidade dessa discussão, e ações que constituam o trabalho da psicologia. Assim, para o
profissional da psicologia, não estão restritas somente as atividades concernentes à saúde mental;
todo o trabalho que seja exercido no campo de trato da coletividade com a finalidade da promoção do
bem-estar e da saúde e que seja possível o trabalho da psicologia serão de interesse, ou seja, o
profissional da saúde também deve estar presente na formulação, organização e desenvolvimento das
políticas públicas e sociais de saúde.

BIBLIOGRAFIA

CHIATONNE, Heloísa B. (1996). A criança e a morte. In: ANGERAMI-CAMON, Valdemar (Org.). E a


psicologia entrou no hospital. São Paulo: Pioneira,         [ Links ]

FONGARO, Maria Lúcia. SEBASTIANI, Ricardo W. (1996). Roteiro de avaliação psicológica aplicada ao
hospital geral. In: ANGERAMI-CAMON, Valdemar (Org.). E a psicologia entrou no hospital. São
Paulo: Pioneira,         [ Links ]

GUARESCHI, Neuza. (2003). Interfaces entre psicologia e direitos humanos. In: GUERRA, A. , KIND, L.,
AFONSO, L., PRADO, M. (Orgs.). Psicologia social e direitos humanos. Belo Horizonte: Edições do
campo social        [ Links ]

KLUBLER-ROSS, E. (1999). Sobre o morte e o morrer. Martins Fontes        [ Links ]


61

LEÃO, Nilza. O paciente terminal e a equipe interdisciplinar. In: ROMANO, Belkiss W. (1998). A prática
da psicologia nos hospitais. (2 ed.) São Paulo: Pioneira.        [ Links ]

MARTINS, Sueli. (2003, janeiro/junho.) Processo Grupal e a questão do poder em Martín-


Baró. Psicologia & sociedade. Vol. 15 nº1         [ Links ]

SANTOS, Cláudia T. SEBASTIANI, Ricardo W. (1996). Acompanhamento psicológico à pessoa portadora


de doença crônica. In: ANGERAMI-CAMON, Valdemar (Org.). E a psicologia entrou no hospital. São
Paulo: Pioneira        [ Links ]

ZAIDHAFT, S. (1990). Morte e formação médica. Rio de Janeiro: Francisco Alves.        [ Links ]

9. Schmidt B et al . Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Estud. psicol. (Campinas),
Campinas , v. 37, e200063, 2020

A pandemia do novo coronavírus (COVID-19) é a maior emergência de saúde pública que


a comunidade internacional enfrenta em décadas. Além das preocupações quanto à saúde física, traz
também preocupações quanto ao sofrimento psicológico que pode ser experienciado pela população geral e
pelos profissionais da saúde envolvidos.O objetivo do presente estudo foi sistematizar conhecimentos sobre
implicações na saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus. Realizou-
se revisão da literatura técnico-científica produzida em diferentes países, na perspectiva de sumarizar
desenvolvimentos recentes ligados à COVID-19. Apresentam-se resultados sobre implicações
da pandemia na saúde mental, identificação de grupos prioritários e orientações sobre intervenções
psicológicas, considerando particularidades da população geral e dos profissionais da saúde. Por fim,
discutem-se potencialidades e desafios para a prática dos psicólogos no contexto brasileiro durante
a pandemia.
62

Saúde mental e intervenções


psicológicas diante da pandemia do
novo coronavírus (COVID-19)

O primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 24 – Sars-
Cov-2) foi reportado na China, no início de dezembro de 2019 (Wang et al., 2020; Xiao, 2020). A rápida escalada
da doença (Coronavirus Disease 2019 – COVID-19), com disseminação em nível global, fez com que a World
Health Organization a considerasse uma pandemia. Em 16 de abril de 2020, o número de casos confirmados
mundialmente superava dois milhões, ao passo que o número de mortes superava 130 mil ( World Health
Organization [WHO], 2020a). Nessa mesma data, o Brasil contava com 30.425 casos confirmados e 1.924
mortes (Ministério da Saúde, 2020a). Entretanto, estima-se que esses números sejam ainda maiores, dado que
não levam em conta atrasos nas notificações ou casos positivos não testados ( Russell et al., 2020). Estatísticas
sugerem que o número de reprodução da COVID-19 (i.e., o número médio de novos casos gerados a partir de
um caso) varia de 1,4 a 3,9 em diferentes localidades (Villela, 2020). Assim, o tempo de duração e os
desdobramentos da pandemia ainda permanecem imprevisíveis (Xiao, 2020).

Até 16 de abril de 2020, quando a redação do presente artigo foi concluída, a COVID-19 já trazia um profundo
impacto global, sendo considerada a síndrome respiratória viral mais severa desde a pandemia de influenza
H1N1, em 1918 (Ferguson et al., 2020). As estimativas são de que essa pandemia, também conhecida como
“gripe espanhola”, levou a óbito entre vinte e cinquenta milhões de pessoas em todo o mundo, há pouco mais
de cem anos (Matos, 2018). Os sintomas físicos da COVID-19 frequentemente envolvem tosse, febre e
dificuldades respiratórias (Carvalho, Moreira, Oliveira, Landim, & Rolim Neto, 2020 ) que podem levar à morte
(Li et al., 2020b). O significativo número de casos que demandam internação hospitalar ( Duan & Zhu, 2020),
incluindo cuidados em unidade de terapia intensiva, bem como a ausência de intervenções farmacológicas
eficazes e seguras, tais como medicamentos ou vacinas, têm gerado preocupações quanto ao colapso do
sistema de saúde em diferentes nações (Ferguson et al., 2020). Com o objetivo de reduzir os impactos da
pandemia, diminuindo o pico de incidência e o número de mortes, alguns países têm adotado medidas tais
quais isolamento de casos suspeitos, fechamento de escolas e universidades, distanciamento social de idosos e
outros grupos de risco, bem como quarentena de toda a população ( Brooks et al., 2020; Ferguson et al., 2020).
Estima-se que essas medidas tendam a “achatar a curva” de infecção, ao favorecer um menor pico de
incidência em um dado período, reduzindo as chances de que a capacidade de leitos hospitalares, respiradores
e outros suprimentos seja insuficiente frente ao aumento repentino da demanda, o que se associaria a uma
maior mortalidade (Ferguson et al., 2020).

Em linhas gerais, na vigência de pandemias, a saúde física das pessoas e o combate ao agente patogênico são
os focos primários de atenção de gestores e profissionais da saúde, de modo que as implicações sobre a saúde
mental tendem a ser negligenciadas ou subestimadas (Ornell, Schuch, Sordi, & Kessler, 2020). Contudo,
medidas adotadas para reduzir as implicações psicológicas da pandemia não podem ser desprezadas neste
momento (Brooks et al., 2020; Xiao, 2020). Se isso ocorre, geram-se lacunas importantes no enfrentamento dos
desdobramentos negativos associados à doença, o que não é desejável, sobretudo porque as implicações
63

psicológicas podem ser mais duradouras e prevalentes que o próprio acometimento pela COVID-19, com
ressonância em diferentes setores da sociedade (Ornell et al., 2020).

Estudos têm sugerido que o medo de ser infectado por um vírus potencialmente fatal, de rápida disseminação,
cujas origens, natureza e curso ainda são pouco conhecidos, acaba por afetar o bem-estar psicológico de
muitas pessoas (Asmundson & Taylor, 2020; Carvalho et al., 2020). Sintomas de depressão, ansiedade e
estresse diante da pandemia têm sido identificados na população geral ( Wang et al., 2020) e, em particular, nos
profissionais da saúde (Zhang et al., 2020a). Ademais, casos de suicídio potencialmente ligados às implicações
psicológicas da COVID-19 também já foram reportados em alguns países como Coreia do Sul ( Jung & Jun,
2020) e Índia (Goyal, Chauhan, Chhikara, Gupta, & Singh, 2020).

Afora as implicações psicológicas diretamente relacionadas à COVID-19, medidas para contenção da pandemia
também podem consistir em fatores de risco à saúde mental. Em revisão de literatura sobre a
quarentena, Brooks et al. (2020) identificaram que os efeitos negativos dessa medida incluem sintomas de
estresse pós-traumático, confusão e raiva. Preocupações com a escassez de suprimentos e as perdas
financeiras também acarretam prejuízos ao bem-estar psicológico (Shojaei & Masoumi, 2020). Nessa
conjuntura, tende ainda a aumentar o estigma social e os comportamentos discriminatórios contra alguns
grupos específicos, como é o caso dos chineses, população primeiramente afetada pela infecção pelo novo
coronavírus (Shimizu, 2020), bem como dos idosos, pois é nessa faixa etária que tem ocorrido o maior número
de óbitos em decorrência da COVID-19 (Ornell et al., 2020).

Analisados em conjunto, todos esses fatores remetem à relevância de intervenções psicológicas alinhadas às
necessidades emergentes no atual contexto de pandemia. Nas últimas semanas, foram publicados estudos
narrando práticas exitosas que vêm sendo adotadas, especialmente no continente asiático ( Duan & Zhu,
2020; Jiang et al., 2020; Xiao, 2020; Zhou, 2020), orientações de associações e conselhos de Psicologia em
diferentes países, como no Brasil (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2020a; 2020b), na Espanha (Consejo
General de la Psicología da España, 2020), nos Estados Unidos (American Psychological Association, 2020),
bem como recomendações para cuidados em saúde mental pela Organização Mundial da Saúde ( WHO, 2020b).
Adicionalmente, em 31 de março de 2020, foi publicada a Portaria nº 639, do Ministério da Saúde, que dispõe
sobre a ação estratégica “O Brasil Conta Comigo – Profissionais da Saúde”, sobre a capacitação e o
cadastramento de profissionais da saúde para o enfrentamento à COVID-19, incluindo psicólogos ( Ministério da
Saúde, 2020b).

Considerando o exposto, o objetivo do presente estudo é sistematizar conhecimentos sobre implicações na


saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus. Para tanto, realizou-se
revisão narrativa da literatura, modalidade que permite a sumarização de estudos baseados em diferentes
abordagens metodológicas sobre uma mesma temática, com apresentação descritiva dos achados ( Pautasso,
2020). A revisão narrativa da literatura pode favorecer reflexões sobre a pandemia do novo coronavírus, por se
tratar de problemática emergente, que demanda resposta rápida e efetiva – e que tem sido dada por cientistas e
profissionais da saúde em todo o mundo, cujos esforços têm gerado novas publicações diariamente. Nesse
sentido, a busca por materiais ocorreu por meio de sucessivas consultas a bases de dados e portais de
pesquisa (Science Direct, PubMed, Scientific Electronic Library Online e Google Scholar), em diferentes dias do
mês de março de 2020, com uso de descritores como “coronavirus”, “COVID-19”, “mental health”,
“psychological impact” e “psychological interventions”. Também foram pesquisados sites de organizações
ligadas à área da saúde e à Psicologia, em diferentes países, na perspectiva de buscar os conhecimentos mais
recentes ligados à COVID-19.

Além de descrever as experiências de profissionais da saúde mental em outras sociedades diante da pandemia
do novo coronavírus, buscou-se refletir sobre possíveis aplicações dessas experiências no contexto nacional,
dadas as particularidades da população brasileira. Para tanto, tomou-se como base a experiência dos autores,
tanto no âmbito profissional quanto no de pesquisa desenvolvida nas áreas de Psicologia da Saúde e Psicologia
Clínica em duas universidades de diferentes estados no Brasil – a Universidade Federal do Rio Grande e a
Universidade Federal de Santa Catarina. Os achados dessa revisão narrativa são apresentados por meio de
duas seções: “Implicações na saúde mental em decorrência da pandemia do novo coronavírus” e “Intervenções
psicológicas durante a pandemia: possibilidades e desafios”.

Implicações na saúde mental em decorrência da pandemia do novo


coronavírus
64

Estudos sobre implicações na saúde mental em decorrência da pandemia do novo coronavírus ainda são
escassos, por se tratar de fenômeno recente, mas apontam para repercussões negativas importantes. Além
disso, pesquisas anteriores sobre outros surtos infecciosos revelaram desdobramentos desadaptativos, em
curto, médio e longo prazo, para a população geral e para os profissionais da saúde ( Jiang et al., 2020; Taylor,
2019). Por exemplo, na epidemia de Ebola de 1995, os sobreviventes relataram principalmente medo de morrer,
de infectar outras pessoas, de se afastar ou sofrer abandono nas relações com familiares e amigos, bem como
estigmatização social (Hall, Hall, & Chapman, 2008). Os profissionais da saúde, por outro lado, reportaram
sobretudo medo de contrair a doença e, ainda, transmiti-la a seus familiares, bem como sofrimento por estarem
afastados de seus lares, estresse, sensação de perda de controle e de desvalorização, além de preocupação
com o tempo de duração da epidemia (Hall et al., 2008)

Situação semelhante ocorreu em 2003, durante a epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Severe
Acute Respiratory Syndrome Coronavirus [SARS]), um outro tipo de coronavírus, quando as implicações
psicológicas decorrentes da doença foram maiores que as implicações médicas, em termos de número de
pessoas afetadas e tempo de duração em que elas foram afetadas ( Taylor, 2019). No que diz respeito à COVID-
19 em particular, os estudos desenvolvidos até o momento sobre as repercussões na saúde mental têm se
voltado tanto à população geral quanto aos profissionais da saúde, destacando as particularidades desses dois
grupos, tal como será abordado na presente seção.

Saúde mental da população geral


A rápida disseminação do novo coronavírus por todo o mundo, as incertezas sobre como controlar a doença e
sobre sua gravidade, além da imprevisibilidade acerca do tempo de duração da pandemia e dos seus
desdobramentos, caracterizam-se como fatores de risco à saúde mental da população geral ( Zandifar &
Badrfam, 2020). Esse cenário parece agravado também pela difusão de mitos e informações equivocadas sobre
a infecção e as medidas de prevenção, assim como pela dificuldade da população geral em compreender as
orientações das autoridades sanitárias (Bao, Sun, Meng, Shi, & Lu, 2020). Nesse sentido, videoclipes e
mensagens alarmantes sobre a COVID-19 têm circulado em mídias sociais, por meio de smartphones e
computadores, frequentemente provocando pânico (Goyal et al., 2020). Da mesma forma, notícias falsas vêm
sendo compartilhadas (Barros-Delben et al., 2020; Shimizu, 2020), por vezes contrariando as orientações de
autoridades sanitárias e minimizando os efeitos da doença. Isso parece contribuir para condutas inapropriadas e
exposição a riscos desnecessários, pois os comportamentos que as pessoas apresentam estão ligados à
compreensão que têm acerca da severidade da COVID-19 (Shojaei & Masoumi, 2020).

Pessoas com suspeita de infecção pelo novo coronavírus podem desenvolver sintomas obsessivo-compulsivos,
como a verificação repetida da temperatura corporal (Li et al., 2020b). A ansiedade em relação à saúde também
pode provocar interpretação equivocada das sensações corporais, fazendo com que as pessoas as confundam
com sinais da doença e se dirijam desnecessariamente a serviços hospitalares, conforme ocorreu na pandemia
de influenza H1N1, em 2009 (Asmundson & Taylor, 2020). Ademais, medidas como isolamento de casos
suspeitos, fechamento de escolas e universidades, distanciamento social de idosos e outros grupos de risco,
bem como quarentena, acabam por provocar diminuição das conexões face a face e das interações sociais
rotineiras, o que também pode consistir em um estressor importante nesse período ( Brooks et al.,
2020; Zandifar & Badrfam, 2020; Zhang, Wu, Zhao, & Zhang, 2020b).

Dentre os estudos populacionais já realizados até o presente momento sobre implicações na saúde mental
diante da pandemia do novo coronavírus, destaca-se o de Wang et al. (2020) com a população geral na China,
incluindo 1.210 participantes em 194 cidades, durante o estágio inicial da pandemia. Esse estudo revelou
sintomas moderados a severos de ansiedade, depressão e estresse, em 28,8%, 16,5% e 8,1% dos
respondentes, respectivamente. Além disso, 75,2% dos respondentes referiram medo de que seus familiares
contraíssem a doença. Ser mulher, estudante e apresentar sintomas físicos ligados à COVID-19, ou problemas
de saúde prévios, foram fatores significativamente associados a maiores níveis de ansiedade, depressão e
estresse. Por outro lado, receber informações precisas sobre a situação local da doença e formas de prevenção
e tratamento consistiram em fatores significativamente associados a menores níveis de ansiedade, depressão e
estresse (Wang et al., 2020).

A pandemia do novo coronavírus pode impactar a saúde mental e o bem-estar psicológico também devido a
mudanças nas rotinas e nas relações familiares (Cluver et al., 2020; Ornell et al., 2020). Em 23 de março de
2020, o Fundo das Nações Unidas para a Infância divulgou que aproximadamente 95% das crianças e dos
adolescentes matriculados nos sistemas de ensino da América Latina e do Caribe estavam temporariamente
65

sem frequentar a escola em razão da COVID-19. A perspectiva era de que as escolas permanecessem
fechadas por mais algumas semanas, podendo aumentar o risco de ocorrência de problemas de ensino-
aprendizagem e evasão escolar, bem como reduzir o acesso à alimentação, água, práticas de higiene pessoal e
programas recreacionais, sobretudo nas comunidades em situação de vulnerabilidade socioeconômica ( Fundo
das Nações Unidas para a Infância, 2020). Ademais, evidências têm revelado que há maior risco de crianças e
adolescentes sofrerem violência quando escolas são fechadas devido a emergências de saúde ( Rothe,
Gallinetti, Lagaay, & Campbell, 2015). Para mães, pais e demais cuidadores, o fato de estarem trabalhando
remotamente ou mesmo impossibilitados de trabalhar, sem previsão sobre o tempo de duração dessa situação,
tende a gerar estresse e medo, inclusive quanto às condições para a subsistência da família, reduzindo a
capacidade de tolerância e aumentando o risco de violência contra crianças e adolescentes ( Cluver et al., 2020).

Nota-se também o maior risco de violência contra mulheres nesse período, em que as vítimas costumam ficar
confinadas junto aos agressores e, muitas vezes, não conseguem denunciar as agressões sofridas. Isso
pareceu ocorrer em países como a China e a Itália durante a quarentena, conforme divulgado pela imprensa
(Owen, 2020; Oliveira, 2020). Com base na experiência de outros países, algumas instituições no Brasil têm
buscado ampliar os canais de denúncia durante o período de pandemia, por meio da disponibilização de
comunicações online (via aplicativo de mensagens ou site), além de contato telefônico ou presencial nos órgãos
da rede de enfrentamento a esse tipo de violência (Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do
Estado do Rio Grande do Sul, 2020; Serviço de Rádio da Secretaria Executiva de Comunicação, 2020 ).

Saúde mental dos profissionais da saúde


Afora a população geral, profissionais da saúde também costumam experienciar estressores no contexto de
pandemias, a saber: risco aumentado de ser infectado, adoecer e morrer; possibilidade de inadvertidamente
infectar outras pessoas; sobrecarga e fadiga; exposição a mortes em larga escala; frustração por não conseguir
salvar vidas, apesar dos esforços; ameaças e agressões propriamente ditas, perpetradas por pessoas que
buscam atendimento e não podem ser acolhidas pela limitação de recursos; e afastamento da família e amigos
(Taylor, 2019). Sobre a COVID-19 em particular, os desafios enfrentados pelos profissionais da saúde podem
ser um gatilho para o desencadeamento ou a intensificação de sintomas de ansiedade, depressão e estresse
(Bao et al., 2020), especialmente quando se trata daqueles que trabalham na chamada “linha de frente”, ou seja,
em contato direto com pessoas que foram infectadas pelo vírus (Li et al., 2020a). Em geral, esses profissionais
vêm sendo desencorajados a interagir de maneira próxima com outras pessoas, o que tende a aumentar o
sentimento de isolamento; têm lidado com mudanças frequentes nos protocolos de atendimento, em
decorrência de novas descobertas sobre a COVID-19; e, ainda, costumam despender um tempo significativo do
seu dia para colocar e remover os equipamentos de proteção individual, o que aumenta a exaustão relacionada
ao trabalho (Zhang et al., 2020a). Nesse sentido, na China, equipes de saúde mental passaram a observar
sinais de sofrimento psicológico, irritabilidade aumentada e recusa a momentos de descanso por parte de
profissionais da saúde que trabalhavam na linha de frente (Chen et al., 2020).

Em estudo realizado por Zhang et al. (2020a) junto a 1.563 médicos que atuavam em hospitais de diferentes
cidades chinesas, constatou-se a prevalência de sintomas de estresse em 73,4% dos respondentes, depressão
em 50,7%, ansiedade em 44,7%, e insônia em 36,1%. No que diz respeito ao estresse e à insônia, em
particular, é provável a ocorrência de um círculo vicioso, em que as dificuldades para dormir aumentavam os
níveis de estresse e vice-versa (Zhang et al., 2020a). Outro estudo, realizado em um hospital chinês de grande
porte, por meio de entrevistas a 13 médicos da linha de frente, revelou que esses profissionais demonstravam
preocupação quanto à escassez de equipamentos de proteção, apresentavam dificuldades para lidar com
pessoas que testaram positivo para o novo coronavírus e não compreendiam as recomendações ou se
recusavam a aderir ao tratamento (ex.: quarentena no hospital), sentiam-se incapazes quando confrontados
com casos graves, bem como temiam preocupar suas famílias e levar o vírus para suas casas ( Chen et al.,
2020).

Dentre as estratégias propostas para enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, destaca-se o apelo para
que a população geral fique em casa, buscando diminuir a transmissão, ao passo que a tendência é que os
profissionais da saúde mantenham ou aumentem sua jornada de trabalho ( Barros-Delben et al., 2020). Muitos
profissionais da saúde que atuam na linha de frente, expostos ao vírus diariamente, foram infectados em todo o
mundo; na Itália, esse número chegou a 20% no final do mês de março de 2020, de forma que o acesso a
equipamentos de proteção individual para eles é preocupação central ( The Lancet, 2020). No Brasil, a imprensa
tem divulgado a escassez de equipamentos de proteção individual e o maior índice de licenças médicas a
66

profissionais da saúde, como parece ser o caso de servidores municipais de São Paulo, na comparação entre a
primeira e a segunda quinzena de março de 2020 (Rodrigues, 2020).

Ainda que não atuem na linha de frente ou que precisem se afastar dessa atuação temporariamente,
profissionais da saúde podem apresentar sofrimento psicológico em contextos de emergências de saúde
(Brooks et al., 2020; Li et al., 2020b). Nesse sentido, destaca-se o fenômeno da “traumatização vicária”, também
denominado “traumatização secundária”, em que pessoas que não sofreram diretamente um trauma passam a
apresentar sintomas psicológicos decorrentes da empatia por quem o sofreu ( Li et al., 2020a). Em estudo
realizado na China, Li et al. (2020a) investigaram a traumatização vicária relacionada à COVID-19 junto a uma
amostra composta por 214 pessoas da população geral, 234 enfermeiros que trabalhavam na linha de frente e
292 enfermeiros que não trabalhavam na linha de frente (n = 740). Os achados evidenciaram níveis
significativamente maiores de traumatização vicária em enfermeiros que não trabalhavam na linha de frente em
comparação àqueles que trabalhavam na linha de frente. Segundo os autores, uma das possíveis explicações
para esse resultado é que a traumatização vicária em enfermeiros que trabalham na linha de frente é derivada
da empatia pelas pessoas que têm COVID-19, ao passo que enfermeiros que não trabalham na linha de frente
mostram empatia pelas pessoas que têm COVID-19, mas também empatia e preocupação com os colegas da
linha de frente. Além disso, enfermeiros que trabalham na linha de frente podem ter maior preparo e habilidades
psicológicas para lidar com emergências de saúde em comparação àqueles que não trabalham na linha de
frente (Li et al., 2020b). Assim, mesmo quando precisam se afastar das funções laborais (ex.: quando a
quarentena é necessária), profissionais da saúde tendem a reportar culpa, raiva, frustração e tristeza ( Brooks et
al., 2020), o que sugere a importância da atenção psicológica a essa população no contexto de pandemias.

Intervenções psicológicas durante a pandemia: possibilidades e


desafios
Intervenções psicológicas voltadas tanto à população geral quanto aos profissionais da saúde desempenham
um papel central para lidar com as implicações na saúde mental em decorrência da pandemia do novo
coronavírus (Bao et al., 2020; Shojaei & Masoumi, 2020; Zhou, 2020). Autoridades sanitárias, organizações
ligadas à saúde e cientistas em diferentes países têm divulgado orientações para práticas alinhadas às
demandas do atual contexto (American Psychological Association, 2020; CFP, 2020a; Jung & Jun, 2020; WHO,
2020b). Em geral, recomenda-se que as intervenções psicológicas face a face sejam restritas ao mínimo
possível (ex.: atendimento a profissionais da saúde que trabalham na linha de frente e não foram infectados),
para minimizar o risco de propagação do vírus (Jiang et al., 2020). Assim, têm sido sugeridos serviços
psicológicos realizados por meios de tecnologia da informação e da comunicação, incluindo Internet, telefone e
carta (Jiang et al., 2020; Wang et al., 2020; Xiao, 2020). Em outras epidemias, como a SARS, o atendimento
psicológico remoto tornou-se rapidamente um mecanismo importante para acolhimento a queixas relativas à
saúde mental (Duan & Zhu, 2020).

No Brasil, em 26 de março de 2020, foi publicada a Resolução CFP nº 4/2020, que permite a prestação de
serviços psicológicos por meios de tecnologia da informação e da comunicação após realização do “Cadastro e-
Psi”, embora não seja necessário aguardar a emissão de parecer para iniciar o trabalho remoto. A Resolução
CFP nº 4/2020 suspende, durante o período de pandemia do novo coronavírus, os Art. 3º, 4º, 6º, 7º e 8º da
Resolução CFP nº 11/2018. Portanto, passa a ser autorizada a prestação de serviços psicológicos por meios de
tecnologia da informação e da comunicação a pessoas e grupos em situação de urgência, emergência e
desastre, bem como de violação de direitos ou violência, buscando minimizar as implicações psicológicas diante
da COVID-19 (CFP, 2020a).

Dadas a crescente demanda relacionada à saúde mental nesse período, a escassez de profissionais
capacitados para acolhê-la, e a necessidade de respostas rápidas e eficientes, algumas localidades têm
proposto uma classificação de pessoas e grupos afetados pelo novo coronanírus, a ser considerada na
priorização para a oferta das intervenções. A Comissão Nacional de Saúde da China, por exemplo, propôs uma
classificação em quatro níveis: (1) Casos mais vulneráveis a problemas de saúde mental, como pessoas
hospitalizadas com infecção confirmada e profissionais da saúde que trabalhem ou não na linha de frente; (2)
Pessoas isoladas com sintomas leves, suspeitas de infecção ou em contato próximo com casos confirmados;
pessoas com sintomas como febre; (3) Pessoas em contato próximo com casos descritos nos níveis 1 e 2, ou
seja, familiares, amigos e colegas; equipes de resgate que participem de ações de resposta à COVID-19; (4)
Pessoas afetadas pelas medidas de prevenção e controle, grupos suscetíveis e população geral ( Duan & Zhu,
2020; Jiang et al., 2020; Li et al., 2020b). Sistemas semelhantes de classificação também foram propostos na
Coreia do Sul (Jung & Jun, 2020) e no Irã (Shojaei & Masoumi, 2020). Considerando as recomendações de
67

priorização tanto da população geral quanto dos profissionais da saúde para as intervenções psicológicas no
atual contexto de pandemia, serão apresentados, a seguir, possibilidades e desafios da prática junto a cada um
desses grupos.

Intervenções voltadas à população geral


As intervenções voltadas à população geral incluem, por exemplo, propostas psicoeducativas, tais como:
cartilhas e outros materiais informativos (Wang et al., 2020; Weide, Vicentini, Araujo, Machado, & Enumo, 2020);
oferta de canais para escuta psicológica, de modo que as pessoas possam aliviar suas emoções negativas via
ligação telefônica ou atendimento em plataformas online, 24 horas por dia e sete dias por semana (Jiang et al.,
2020; Zhou, 2020); atendimentos psicológicos por meio de cartas estruturadas, em que inicialmente o usuário do
serviço se apresenta e descreve suas principais emoções e queixas, além das possíveis razões para elas ( Xiao,
2020); atendimentos psicológicos online (Duan & Zhu, 2020; Li et al., 2020b) ou, quando comprovadamente
necessários, presenciais (CFP, 2020b; Jiang et al., 2020). Levantamentos online também têm sido realizados
para melhor compreender o estado de saúde mental da população diante da COVID-19, com o objetivo de
identificar rapidamente casos com maior risco e ofertar intervenções psicológicas alinhadas às demandas
(Zhou, 2020).

Nesse contexto, ainda que de forma remota, sugere-se inicialmente a oferta de primeiros cuidados psicológicos,
os quais envolvem assistência humana e ajuda prática em situações de crise, buscando aliviar preocupações,
oferecer conforto, ativar a rede de apoio social e suprir necessidades básicas (ex.: água, alimentação e
informação) (WHO, 2011). Ademais, as intervenções psicológicas devem ser dinâmicas e, primeiramente,
focadas nos estressores relacionados à doença ou nas dificuldades de adaptação às restrições do período
(Zhang et al., 2020b). Sobre as temáticas que vêm sendo abordadas pelos profissionais da saúde mental junto à
população geral, destacam-se: informações sobre reações esperadas no contexto de pandemia, como sintomas
de ansiedade e estresse, além de emoções negativas, como tristeza, medo, solidão e raiva ( Weide et al., 2020);
estratégias para promoção de bem-estar psicológico, a exemplo de medidas para organização da rotina de
atividades diárias sob condições seguras, cuidado com o sono, prática de atividades físicas e técnicas de
relaxamento (Banerjee, 2020); fortalecimento das conexões com a rede de apoio social, ainda que os contatos
não ocorram face a face, considerando que instituições como escolas, empresas e igrejas costumam estar
fechadas, o que pode gerar sentimentos de solidão e vulnerabilidade ( Shojaei & Masoumi, 2020); cuidado com
a exposição excessiva a informações, incluindo noticiários na televisão e em outras mídias ( Barros-Delben et
al., 2020); e importância da checagem da veracidade das informações (Bao et al., 2020).

Para pessoas que experienciam níveis de sofrimento mais severos relacionados à pandemia, intervenções
psicológicas mais intensivas tendem a ser necessárias (Taylor, 2019). Esses casos frequentemente incluem
pessoas com suspeita ou diagnóstico confirmado e seus familiares ( Shojaei & Masoumi, 2020), pessoas
hospitalizadas ou que passaram pela experiência de hospitalização ( Duan & Zhu, 2020), pessoas que estão
vivenciando o processo de terminalidade ou a morte de familiares (Li et al., 2020b), em particular aquelas que
não puderam se despedir presencialmente ou acompanhar o falecido em razão da pandemia ( Barros-Delben et
al., 2020). As demandas psicológicas tendem a se modificar de acordo com a progressão da doença ou a
ocorrência de fatos relacionados a ela, o que se alinha a intervenções psicológicas dinâmicas ( Zhang et al.,
2020b). Sempre que necessário, devem-se fazer encaminhamentos a outros profissionais ou serviços de saúde
(Taylor, 2019).

Dentre os possíveis desafios para o trabalho de psicólogos na vigência da pandemia de COVID-19 no Brasil,
destacam-se a restrição a deslocamentos e a necessidade de realização de serviços psicológicos
predominantemente por meios de tecnologia da informação e da comunicação. Em primeiro lugar, muitos
brasileiros não têm acesso à Internet, o que limita a possibilidade de oferta de apoio nesse momento. Ademais,
ainda que tenham acesso à Internet, algumas pessoas podem apresentar dificuldades para
utilizar smartphones ou computadores. Isso tende a acontecer com idosos, faixa etária em que tem ocorrido o
maior número de complicações e óbitos decorrentes da COVID-19 (Ornell et al., 2020). Portanto, nesses casos,
sugere-se a realização de serviços psicológicos via telefone (Li et al., 2020b; Shojaei & Masoumi, 2020). Nesse
sentido, em 23 de março de 2020, o CFP enviou um ofício circular a gestores públicos, empregadores de
psicólogos e usuários de serviços. Por meio desse documento, recomendou-se a suspensão das atividades de
psicólogos na modalidade presencial em todo o país, com exceção daquelas comprovadamente emergenciais,
ocasião em que devem ser ofertadas condições adequadas de prevenção e proteção contra o novo coronavírus,
incluindo máscaras e álcool 70% (CFP, 2020b).

No que diz respeito às cartilhas e aos materiais informativos, é importante que sejam elaborados em linguagem
acessível, com diagramação visualmente atrativa e ajustada às características do público-alvo. Considerar
68

esses aspectos é fundamental, sobretudo porque pessoas com menor nível de escolaridade costumam
apresentar maior dificuldade para compreender informações relacionadas à saúde ( Shojaei & Masoumi, 2020),
bem como maior tendência a manifestar sintomas psicológicos em decorrência da pandemia do novo
coronavírus (Wang et al., 2020). Assim, no Brasil, materiais informativos disponibilizados em áudio e vídeo (i.e.,
que não demandem leitura) podem ser uma boa alternativa, especialmente para pessoas com menor nível de
escolaridade. Sugere-se ainda a confecção de materiais informativos para populações específicas, como
pessoas que têm COVID-19, seus familiares, casos suspeitos e pessoas que apresentem problemas de saúde
mental preexistentes (Zhou, 2020). Psicólogos também podem contribuir em iniciativas para combate ao
estigma relacionado à COVID-19, desmistificando a ideia de que a doença seria vinculada a uma nacionalidade
específica (WHO, 2020b), o que tem levado à xenofobia (Shimizu, 2020) e, ainda, incentivando a utilização de
termos como “pessoas que têm COVID-19” ou “pessoas em recuperação de COVID-19”, em substituição a
termos como “doentes”, “vítimas” ou “famílias COVID-19” (WHO, 2020b).

Intervenções voltadas aos profissionais da saúde


Dadas as rigorosas medidas que os serviços de saúde adotam para contenção da infecção, o contato direto
entre o psicólogo e as pessoas que têm COVID-19 costuma ser raro ( Jiang et al., 2020). Assim, profissionais da
saúde que trabalham na linha de frente, como enfermeiros e médicos, serão aqueles que predominantemente
escutarão queixas e oferecerão apoio psicológico às pessoas que buscam os serviços de saúde ou que estão
hospitalizadas (Duan & Zhu, 2020). Portanto, psicólogos podem contribuir para promoção da saúde mental e
prevenção de implicações psicológicas negativas a profissionais da saúde, ao oferecer a eles suporte e
orientação sobre como manejar algumas situações. Isso parece importante, pois, dentre os desafios por eles
relatados, destaca-se atender pessoas que testaram positivo para o novo coronavírus e que não compreendem
as recomendações ou se recusam a aderir ao tratamento (Chen et al., 2020), bem como lidar com a frustração
por não conseguir salvar vidas, apesar de todos os esforços (Taylor, 2019).

Além disso, muitos profissionais da saúde no Brasil não têm experiência de atuação em emergências de grande
porte, como é o caso da COVID-19, o que representa um estressor adicional ( Barros-Delben et al., 2020). Logo,
sugere-se a realização de intervenções voltadas à orientação sobre sintomas psicológicos que profissionais da
saúde podem apresentar nesse contexto (ex.: estresse, depressão, ansiedade e insônia; Zhang et al., 2020a),
bem como estratégias de enfrentamento e autocuidado (ex.: gerenciamento de estresse e importância dos
momentos de descanso; Taylor, 2019). Adicionalmente, considerando relatos de profissionais da saúde sobre
preocupações e sentimento de isolamento pelo afastamento da família e dos amigos ( Taylor, 2019), psicólogos
podem contribuir para o fortalecimento da rede de apoio, ao incentivá-los a manter contatos frequentes, durante
os intervalos no trabalho, por meio de telefonemas, mensagens de texto, áudio e vídeo ( Chen et al., 2020). Isso
tende a beneficiar também a saúde mental das pessoas da rede de apoio dos profissionais da saúde, pois
mantê-las informadas pode reduzir as emoções negativas, como o medo ( Banerjee, 2020).

As intervenções psicológicas junto aos profissionais da saúde podem ocorrer em plataformas online, por
ligações telefônicas (Chen et al., 2020; Li et al., 2020b), face a face, se necessário (Jiang et al., 2020), ou, ainda,
com cartilhas e outros materiais informativos (Zhou, 2020). Frente aos indicativos de implicações psicológicas
negativas a profissionais da saúde diante da pandemia do novo coronavírus ( Zhang et al., 2020a), é importante
que essas intervenções sejam precoces (Banerjee, 2020) e que incluam também aqueles que não estão na
linha de frente, os quais podem reportar culpa, raiva, frustração e tristeza ( Brooks et al., 2020), além de
traumatização vicária (Li et al., 2020a).

Sobre os desafios para a atuação do psicólogo junto aos profissionais da saúde, destaca-se a possibilidade de
baixa adesão às intervenções, em função da falta de tempo e do cansaço pela sobrecarga de trabalho, em
particular para aqueles que estão na linha de frente (Li et al., 2020b). Ademais, no Brasil, é possível que
profissionais da saúde se preocupem com questões como escassez de equipamentos de proteção individual, e
venham a considerar as intervenções psicológicas como secundárias. Assim, para psicólogos que atuam em
hospitais e outros serviços de saúde, sugere-se a realização de visitas à área de descanso para escutar os
desafios vivenciados pelos profissionais e acolhê-los (Chen et al., 2020), ou mesmo para sensibilizá-los ou
estimulá-los a buscar auxílio psicológico, se necessário.

Considerações Finais
No presente estudo, foram sistematizados conhecimentos sobre implicações na saúde mental e intervenções
psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus. Em suma, compreende-se que a Psicologia pode
oferecer contribuições importantes para o enfrentamento das repercussões da COVID-19, que vem sendo
69

considerada a maior emergência de saúde pública que a comunidade internacional enfrenta em décadas. Essas
contribuições envolvem a realização de intervenções psicológicas durante a vigência da pandemia para
minimizar implicações negativas e promover a saúde mental, bem como em momentos posteriores, quando as
pessoas precisarão se readaptar e lidar com as perdas e transformações.

Este estudo consistiu em uma revisão narrativa da literatura, de modo que pesquisas adicionais sobre a
temática são essenciais. Nesse sentido, sugerem-se levantamentos sobre implicações na saúde mental diante
da pandemia e sobre intervenções psicológicas alinhadas às necessidades do contexto brasileiro, considerando
as características de diferentes populações atingidas pela COVID-19 e, em particular, de pessoas e grupos em
maior vulnerabilidade socioeconômica. Entende-se que, embora imponha desafios adicionais à atuação dos
psicólogos no Brasil e no mundo, a pandemia do novo coronavírus pode contribuir para o aperfeiçoamento da
prática e da pesquisa em situações de crise, emergência e desastre.

 4
Tradução livre para a língua portuguesa: “Síndrome Respiratória Aguda Grave do Coronavírus 2”.

Como citar este artigo/How to cite this article


 Schmidt, B., Crepaldi, M. A., Bolze, S. D. A., Neiva-Silva, L., & Demenech, L. M. (2020). Saúde mental e
intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Estudos de Psicologia (Campinas),
37, e200063.http://dx.doi.org/10.1590/1982-0275202037e200063

Referências
 American Psychological Association. (2020). Pandemics Retrieved from
https://www.apa.org/practice/programs/dmhi/research-information/pandemics
» https://www.apa.org/practice/programs/dmhi/research-information/pandemics
 Asmundson, G. J. G., & Taylor, S. (2020). Coronaphobia: fear and the 2019-nCoV outbreak. Journal of
Anxiety Disorders, 70, 102-196. http://dx.doi.org/10.1016/j.janxdis.2020.102196
» https://doi.org/10.1016/j.janxdis.2020.102196
 Banerjee, D. (2020). The COVID-19 outbreak: crucial role the psychiatrists can play. Asian Journal of
Psychiatry, 50, 102014. http://dx.doi.org/10.1016/j.ajp.2020.102014
» https://doi.org/10.1016/j.ajp.2020.102014
 Bao, Y., Sun, Y., Meng, S., Shi, J., & Lu, L. (2020). 2019-nCoV epidemic: address mental health care to
empower society. The Lancet, 395(10224), e37-e38. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30309-3
» https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30309-3
 Barros-Delben, P., Cruz, R. M., Trevisan, K. R. R., Gai, M. J. P., Carvalho, R. V. C., Carlotto, R. A. C., ...
Malloy-Diniz, L. F. (2020). Saúde mental em situação de emergência: COVID-19 [Ahead of print]. Revista Debates in
Psychiatry, 10, 2-12. Recuperado de https://d494f813-3c95-463a-898c-
ea1519530871.filesusr.com/ugd/c37608_e2757d5503104506b30e50caa6fa6aa7.pdf
» https://d494f813-3c95-463a-898c-
ea1519530871.filesusr.com/ugd/c37608_e2757d5503104506b30e50caa6fa6aa7.pdf
 Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., & Rubin, G. J. (2020).
The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. The Lancet, 395(10227),
912-920. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8
» https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8
 Carvalho, P. M. M., Moreira, M. M., Oliveira, M. N. A., Landim, J. M. M., & Rolim Neto, M. L. (2020). The
psychiatric impact of the novel coronavirus outbreak. Psychiatry Research, 286(112902), 1-2.
http://dx.doi.org/10.1016/j.psychres.2020.112902
» https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.112902
 Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul. (2020). Delegacia
Online amplia possibilidades de registro de ocorrência Recuperado de https://www.procergs.rs.gov.br/delegacia-
online-amplia-possibilidades-de-registro-de-ocorrencia
» https://www.procergs.rs.gov.br/delegacia-online-amplia-possibilidades-de-registro-de-ocorrencia
70

 Chen, Q., Liang, M., Li, Y., Guo, J., Fei, D., Wang, L., ... Zhang, Z. (2020). Mental health care for medical staff
in China during the COVID-19 outbreak. The Lancet, 7(4), 15-16. http://dx.doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30078-X
» https://doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30078-X
 Cluver, L., Lachman, J. M., Sherr, L., Wessels, I., Krug, E., Rakotomalala, S., ... McDonald, K. (2020).
Parenting in a time of COVID-19. The Lancet, 395, e64. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30736-4
» https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30736-4
 Consejo General de la Psicología de España. (2020, 3 de octubre). Recursos de ayuda psicológica para
afrontar el Covid-19 Recuperado el http://www.infocop.es/view_article.asp?id=8670&cat=44
» http://www.infocop.es/view_article.asp?id=8670&cat=44
 Conselho Federal de Psicologia. (2020a). Resolução do exercício profissional nº4, de 26 de março de
2020. Dispõe sobre regulamentação de serviços psicológico prestados por meio de Tecnologia da Informação e da
Comunicação durante a pandemia do COVID19 Recuperado de https://atosoficiais.com.br/cfp/resolucao-do-exercicio-
profissional-n-4-2020-dispoe-sobre-regulamentacao-de-servicos-psicologicos-prestados-por-meio-de-tecnologia-da-
informacao-e-da-comunicacao-durante-a-pandemia-do-covid19?origin=instituicao
» https://atosoficiais.com.br/cfp/resolucao-do-exercicio-profissional-n-4-2020-dispoe-sobre-regulamentacao-de-
servicos-psicologicos-prestados-por-meio-de-tecnologia-da-informacao-e-da-comunicacao-durante-a-pandemia-do-
covid19?origin=instituicao
 Conselho Federal de Psicologia. (2020b). Ofício-Circular nº 40/2020/GTec/CG-CFP Recuperado de
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2020/03/SEI_CFP-0214041-Of%C3%ADcio-Circular_.pdf
» https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2020/03/SEI_CFP-0214041-Of%C3%ADcio-Circular_.pdf
 Duan, L., & Zhu, G. (2020). Psychological interventions for people affected by the COVID-19 epidemic. The
Lancet Psychiatry, 7(4), 300-302. http://dx.doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30073-0
» https://doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30073-0
 Ferguson, N., Laydon, D., Nedjati Gilani, G., Imai, N., Ainslie, K., Baguelin, M., ... Ghani, A. (2020). Report 9:
impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID19 mortality and healthcare
demand http://dx.doi.org/10.25561/77482
» http://dx.doi.org/10.25561/77482
 Fundo das Nações Unidas para a Infância. (2020). COVID-19: More than 95 per cent of children are out of
school in Latin America and the Caribbean Retrieved from https://www.unicef.org/press-releases/covid-19-more-95-
cent-children-are-out-school-latin-america-and-caribbean
» https://www.unicef.org/press-releases/covid-19-more-95-cent-children-are-out-school-latin-america-and-caribbean
 Goyal, K., Chauhan, P., Chhikara, K., Gupta, P., & Singh, M. P. (2020). Fear of COVID 2019: first suicidal
case in India. Asian Journal of Psychiatry, 49(101989). http://dx.doi.org/10.1016/j.ajp.2020.101989
» https://doi.org/10.1016/j.ajp.2020.101989
 Hall, R. C. W., Hall, R., & Chapman, M. J. (2008). The 1995 Kikwit Ebola outbreak: lessons hospitals and
physicians can apply to future viral epidemics. General Hospital Psychiatry, 30(5), 446-452.
http://dx.doi.org/10.1016/j.genhosppsych.2008.05.003
» https://doi.org/10.1016/j.genhosppsych.2008.05.003
 Jiang, X., Deng, L., Zhu, Y., Ji, H., Tao, L., Liu, L., ... Ji, W. (2020). Psychological crisis intervention during the
outbreak period of new coronavirus pneumonia from experience in Shanghai. Psychiatry Research, 286, 112903.
http://dx.doi.org/10.1016/j.psychres.2020.112903
» https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.112903
 Jung, S. J., & Jun, J. Y. (2020). Mental health and psychological intervention amid COVID-19 Outbreak:
perspectives from South Korea. Yonsei Medical Journal, 61(4), 271-272. http://dx.doi.org/10.3349/ymj.2020.61.4.271
» https://doi.org/10.3349/ymj.2020.61.4.271
 Li, Z., Ge, J., Yang, M., Feng, J., Qiao, M., Jiang, R., ... Yang, C. (2020a). Vicarious traumatization in the
general public, members, and non-members of medical teams aiding in COVID-19 control. Brain, Behavior, and
Immunity http://dx.doi.org/10.1016/j.bbi.2020.03.007
» https://doi.org/10.1016/j.bbi.2020.03.007
 Li, W., Yang, Y., Liu, Z. H., Zhao, Y. J., Zhang, Q., Zhang, L., ... Xiang, Y. T. (2020b). Progression of mental
health services during the COVID-19 outbreak in China. International Journal of Biological Sciences, 16(10), 1732-
1738. http://dx.doi.org/10.7150/ijbs.45120
» https://doi.org/10.7150/ijbs.45120
71

 Matos, H. J. (2018). A próxima pandemia: estamos preparados? Revista Pan-Amazônica de Saúde, 9(3), 9-


11. http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232018000300001
» https://doi.org/10.5123/S2176-62232018000300001
 Ministério da Saúde. (2020a). Painel de casos de doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19) Recuperado de
https://covid.saude.gov.br/
» https://covid.saude.gov.br/
 Ministério da Saúde. (2020b). Portaria nº 639, de 31 de março de 2020. Dispõe sobre a Ação Estratégica “O
Brasil Conta Comigo - Profissionais da Saúde”, voltada à capacitação e ao cadastramento de profissionais da área de
saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial da União Brasília: Autor.
Recuperado de http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-639-de-31-de-marco-de-2020-250847738
» http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-639-de-31-de-marco-de-2020-250847738
 Oliveira, M. (2020, 27 de março). Em quarentena total, mulheres não conseguem denunciar violência
doméstica na Itália. Folha de S. Paulo Recuperado de https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/03/em-quarentena-
total-mulheres-nao-conseguem-denunciar-violencia-domestica-na-italia.shtml
» https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/03/em-quarentena-total-mulheres-nao-conseguem-denunciar-violencia-
domestica-na-italia.shtml
 Ornell, F., Schuch, J. B., Sordi, A. O., & Kessler, F. H. P. (2020). “Pandemic fear” and COVID-19: mental
health burden and strategies. Brazilian Journal of Psychiatry Retrieved from
https://www.rbppsychiatry.org.br/details/943/en-US/-pandemic-fear--and-covid-19--mental-health-burden-and-
strategies
» https://www.rbppsychiatry.org.br/details/943/en-US/-pandemic-fear--and-covid-19--mental-health-burden-and-
strategies
 Owen, L. (2020, March 8). Coronavirus: five ways virus upheaval is hitting women in Asia. BBC
News Retrieved from https://www.bbc.com/news/world-asia-51705199
» https://www.bbc.com/news/world-asia-51705199
 Pautasso, M. (2020). The structure and conduct of a narrative literature review. In R. S. Tubbs, S. M. Buerger,
M. M. Shoja, A. Arynchyna & M. Karl (Eds.), A guide to the scientific career: virtues, communication, research, and
academic writing (pp.299-310). Hoboken: Wiley Blackwell.
 Rodrigues, A. (2020, 31 de março). Afastamentos por suspeitas de coronavírus explodem entre profissionais
da saúde. Folha de S. Paulo Recuperado de https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/com-alta-do-
coronavirus-licencas-medicas-de-servidores-da-saude-aumentam-57-em-sp.shtml
» https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/com-alta-do-coronavirus-licencas-medicas-de-servidores-
da-saude-aumentam-57-em-sp.shtml
 Rothe, D., Gallinetti, J., Lagaay, M., & Campbell, L. (2015). Ebola: beyond the health emergency Retrieved
from https://plan-international.org/publications/ebola-beyond-health%C2%A0emergency
» https://plan-international.org/publications/ebola-beyond-health%C2%A0emergency
 Russell, T. W., Hellewell, J., Abbott, S., Jarvis, C. I., van Zandvoort, K., CMMID nCov working group, Flasche,
S., … Kucharski, A. J. (2020). Using a delay-adjusted case fatality ratio to estimate under-reporting Retrieved from
https://cmmid.github.io/topics/covid19/severity/global_cfr_estimates.html
» https://cmmid.github.io/topics/covid19/severity/global_cfr_estimates.html
 Serviço de Rádio da Secretaria Executiva de Comunicação. (Produtor). (2020, 25 de março). Coronavírus em
SC: Polícia Civil intensifica proteção e canais de denúncia contra violência contra mulheres [Áudio podcast].
Recuperado de https://www.sc.gov.br/noticias/radio/coronavirus-em-sc-policia-civil-intensifica-protecao-e-canais-de-
denuncia-contra-violencia-contra-mulheres
» https://www.sc.gov.br/noticias/radio/coronavirus-em-sc-policia-civil-intensifica-protecao-e-canais-de-denuncia-
contra-violencia-contra-mulheres
 Schmidt, B., Crepaldi, M. A., Bolze, S. D. A., Neiva-Silva, L., & Demenech, L. M. (2020). Impactos na Saúde
Mental e Intervenções Psicológicas Diante da Pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19). Scielo Preprints Versão 1.
http://dx.doi.org/10.1590/SciELOPreprints.58
» https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.58
 Shimizu, K. (2020). 2019-nCoV, fake news, and racism. The Lancet, 395(10225), 685-686.
http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30357-3
» https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30357-3
 Shojaei, S. F., & Masoumi, R. (2020). The importance of mental health training for psychologists in COVID-19
outbreak. Middle East Journal of Rehabilitation and Health Studies, 7(2), e102846.
72

http://dx.doi.org/10.5812/mejrh.102846
» https://doi.org/10.5812/mejrh.102846
 Taylor, S. (2019). The psychology of pandemics: preparing for the next global outbreak of infectious
disease Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing.
 The Lancet (2020). COVID-19: protecting health-care workers (Editorial). The Lancet, 395(10228), 922.
http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30644-9
» https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30644-9
 Villela, D. A. M. (2020). The value of mitigating epidemic peaks of COVID-19 for more effective public health
responses. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 53, e20200135. http://dx.doi.org/10.1590/0037-
8682-0135-2020
» https://doi.org/10.1590/0037-8682-0135-2020
 Wang, C., Pan, R., Wan, X., Tan, Y., Xu, L., Ho, C. S., & Ho, R. C. (2020). Immediate psychological
responses and associated factors during the initial stage of the 2019 coronavirus disease (COVID-19) epidemic
among the general population in china. International Journal of Environmental Research and Public Health, 17(5),
1729. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph17051729
» https://doi.org/10.3390/ijerph17051729
 Weide, J. N., Vicentini, E. C. C., Araujo, M. F., Machado, W. L., & Enumo, S. R. F. (2020). Cartilha para
enfrentamento do estresse em tempos de pandemia Porto Alegre: PUCRS/PUC-Campinas.
 World Health Organization. (2011). Psychological first aid: Guide for field workers Geneva: Author. Retrieved
from https://www.who.int/mental_health/publications/guide_field_workers/en/
» https://www.who.int/mental_health/publications/guide_field_workers/en/
 World Health Organization. (2020a). Coronavirus disease (COVID-19) situation dashboard Geneva: Author.
Retrieved from https://covid19.who.int/
» https://covid19.who.int/
 World Health Organization. (2020b). Mental health and psychosocial considerations during the COVID-19
outbreak Geneva: Author. Retrieved from https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/mental-health-
considerations.pdf
» https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/mental-health-considerations.pdf
 Xiao, C. (2020). A novel approach of consultation on 2019 novel coronavirus (COVID-19)-related
psychological and mental problems: structured letter therapy. Psychiatry Investigation, 17(2), 175-176.
http://dx.doi.org/10.30773/pi.2020.0047
» https://doi.org/10.30773/pi.2020.0047
 Zandifar, A., & Badrfam, R. (2020). Iranian mental health during the COVID-19 epidemic. Asian Journal of
Psychiatry, 51, 101990. http://dx.doi.org/10.1016/j.ajp.2020.101990
» https://doi.org/10.1016/j.ajp.2020.101990
 Zhang, C., Yang, L., Liu, S., Ma, S., Wang, Y., Cai, Z., ... Zhang, B. (2020a). Survey of insomnia and related
social psychological factors among medical staff involved in the 2019 novel coronavirus disease outbreak. Frontiers in
Psychiatry, 11(306), 1-9. http://dx.doi.org/10.3389/fpsyt.2020.00306
» https://doi.org/10.3389/fpsyt.2020.00306
 Zhang, J., Wu, W., Zhao, X., & Zhang, W. (2020b). Recommended psychological crisis intervention response
to the 2019 novel coronavirus pneumonia outbreak in China: a model of West China Hospital. Precision Clinical
Medicine, 3(1), 3-8. http://dx.doi.org/10.1093/pcmedi/pbaa006
» https://doi.org/10.1093/pcmedi/pbaa006
 Zhou, X. (2020). Psychological crisis interventions in Sichuan Province during the 2019 novel coronavirus
outbreak. Psychiatry Research, 286, 112895. http://dx.doi.org/10.1016/j.psychres.2020.112895
» https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.112895

10. Signorini T, Ferretti F, Silva MEK. Práticas em Psicologia na Saúde Pública: aproximando cenários e contextos. Psicologia: Ciência e Profissão
2021, v.41nspe2, e194293,1-13
73

Práticas em Psicologia na Saúde


Pública: Aproximando Cenários e
Contextos

Resumo
Este estudo teve por objetivo desvelar as práticas realizadas com foco na saúde pública durante a graduação
em um curso de psicologia de uma universidade privada do interior do estado do Paraná. Trata-se de uma
pesquisa qualitativa. A coleta de dados aconteceu por meio da análise documental do Projeto Pedagógico do
Curso e dos planos de ensino das disciplinas que abordavam temas voltados à saúde pública, bem como por
meio de entrevista semiestruturada com a coordenação e da realização de dois grupos focais: o primeiro, com
nove professores psicólogos, e o segundo, com 12 estudantes. A análise de dados do material empírico das
entrevistas e dos grupos focais se deu por meio da análise de conteúdo temática. Observou-se que a maioria
das práticas na saúde pública é realizada nos estágios obrigatórios, seja ele em atendimento clínico individual
ou em grupo, em visita domiciliar, em plantão psicológico, em trabalho em grupo, entre outras modalidades. Tal
condição, de certa forma, diminui o número de vivências realizadas pelos estudantes ao longo da formação em
Psicologia. É importante destacar que o curso apresenta algumas práticas consideradas inovadoras no campo
da saúde pública, como o consultório de rua e o atendimento em sala de espera. Há que se ampliar, contudo, a
articulação entre ensino e prática, pois os avanços precisam acontecer principalmente no sentido de abranger,
desde a formação, práticas mais integralizadas, de modo a comportar o encontro com outras áreas de formação
e prover uma perspectiva, de certa forma, mais articulada e multiprofissional.

Palavras-chave:
Saúde Pública; Formação Profissional; Ensino Superior; Psicologia

Introdução
A psicologia, como área de conhecimento das ciências humanas, precisou tencionar seus saberes para
adentrar a área da saúde, pois nem sempre pertenceu a este campo, que, durante décadas, não esteve
articulado à formação profissional do psicólogo (Guareschi, Dhein, Reis, Machry, & Bennemann,
2009; Bernardes, 2012; Spink, 2013). Alguns acontecimentos contribuíram para a inserção da psicologia na
saúde: na década de 1970, houve a inclusão de psicólogos na assistência à saúde pública, principalmente por
conta do movimento de desospitalização e da expansão dos serviços de saúde mental; além disso, com todo
esse movimento, os serviços de saúde mental foram estendidos à rede básica de saúde. Deste então, percebe-
se uma maior inserção da psicologia nessa área (Dimenstein, 1999; Spink, 2013).

No processo de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), a atuação profissional na área da saúde
precisou ser dinamizada, com algumas redefinições de responsabilidades entre os profissionais, os serviços de
saúde e a formação profissional. Passaram a ser preconizadas práticas multiprofissionais e interdisciplinares
que favorecessem um trabalho mais articulado, considerando-se todas as dimensões do ser humano - biológica,
social, cultural, psicológica, ética, política - para potencializar uma ação integrada, possibilitando a compreensão
ampliada do conceito de “saúde” de modo a concretizar outras formas de relação entre os sujeitos envolvidos
no processo (Matos, Pires, & Campos, 2009). A necessidade de mudanças na formação em saúde vem sendo
amplamente debatida no Brasil, especialmente depois da aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN), a partir das quais se passou a compreender que a formação dos profissionais nessa área deve atender
às necessidades sociais, com ênfase também na atuação dos profissionais da psicologia no SUS ( Ceccim &
Feuerwerker, 2004).
74

Em consonância com essa realidade, as profissões que compõem as equipes atuantes no SUS, nos últimos
anos, vêm direcionando sua formação para a necessidade de mudanças nos modelos pedagógicos com o
intuito de desenvolver competências e habilidades nos egressos com vista a uma atuação de acordo com os
princípios estabelecidos pelo sistema de saúde (Freitas, Colomé, Carpes, Backes, & Beck, 2013; Leal, Melo,
Veloso, & Juliano, 2015). Busca-se que a formação problematize e integre saberes e práticas profissionais
considerando as diversas demandas da saúde pública, os diferentes cenários e sujeitos e priorizando a atenção
integral em saúde (Abrahão & Merhy, 2014), já que a formação “pode ser um espaço privilegiado de construção
de profissionais capazes de pensar a respeito das práticas que realizam, profissionais que se lançam ao
exercício de reflexão” (Reis & Guareschi, 2010, p. 865).

Ou seja, a formação precisa se desafiar e ser um ambiente privilegiado de “construção de profissionais capazes
de pensar a respeito das práticas que realizam, profissionais que se lançam ao exercício da reflexão sobre a
extensão das ações em Psicologia, principalmente daquelas vivenciadas nas atividades de estágio curricular”
(Reis & Guareschi, 2010, p. 865). As experiências de estágio devem se configurar-se como uma possibilidade
para promover espaços que rompam com a lógica que busca a cientificidade produzida unicamente por meio de
instrumentos e metodologias, o que gera uma visão unicamente técnica da psicologia enquanto ciência.

Percebe-se uma necessidade de que a formação dos profissionais da saúde esteja cada vez mais próxima da
realidade da saúde da população assistida, e isto faz que mudanças - tanto educativas quanto organizativas,
conceituais e ideológicas - sejam paulatinamente incorporadas ao processo de graduação ( Batista, Carmona, &
Fonseca, 2014). Dentre as várias profissões da saúde, encontra-se a psicologia. A aproximação entre a
psicologia e a saúde pública tem como propósito ampliar o campo de prática da profissão e organizar novos
saberes capazes de contribuir para a promoção da saúde e qualidade de vida da população. A defesa da
inserção do psicólogo nesse campo de atuação não pode se restringir aos propósitos da ampliação do mercado
de trabalho, devendo se pautar na responsabilidade social inerente a todas as profissões que atuam na área da
saúde.

Autores como Rotolo e Zurba (2011) e Vieira e Oliveira (2011) demonstraram a importância do profissional da
psicologia na saúde pública, afirmando que o psicólogo deve ampliar suas formas de intervenção. A experiência
prática vivida numa unidade de saúde coloca os estudantes em formação diante de toda a complexidade da
área, em acordo com o relatado pelos autores acerca de uma extensão universitária realizada com um grupo de
crianças denominado Grupo de Promoção à Saúde e Apoio ao Desenvolvimento Infantil: “descobrimos então
que não bastava apenas saber e discursar sobre a necessidade de promover saúde e empoderar a
comunidade, mas que isso deve ser construído de acordo com cada realidade local, a partir das experiências e
anseios da própria comunidade.” (Rotolo & Zurba, 2011, pp. 135-136). Nessa direção, a forma como as práticas
são organizadas durante o processo de formação profissional, em diferentes cenários e contextos, com diversas
vivências e experiências, potencializa o desenvolvimento de competências para uma prática profissional que
atente aos princípios do SUS.

Prática aqui será considerada a ação que concretiza um ensino, caracterizando-se pela aplicação de conceitos
até então aprendidos teoricamente. Toda prática pressupõe em seu arranjo uma orientação por objetivos
predeterminados e, assim, insere-se em um determinado contexto de conhecimento ( Veiga, 1992). Conforme
apontado por Seixas, Coelho-Lima, Silva e Yamamoto (2013, p. 118), as práticas “referem-se ao modo como o
curso operacionaliza os seus pressupostos teóricos, filosóficos e pedagógicos.” Já os cenários de prática são os
locais onde realizam-se as atividades de estudo ou, ainda, onde serão desenvolvidas atividades práticas da
formação profissional (Poppe & Batista, 2012).

Partindo de tais premissas, o objetivo deste trabalho foi desvelar as práticas realizadas com foco na saúde
pública durante o processo de formação profissional em um curso de psicologia do estado do Paraná a partir da
ótica da coordenação, dos professores psicólogos e dos estudantes desse curso.

Metodologia
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que permite aprofundar o estudo ao buscar compreender diversas
possibilidades por possuir como matéria-prima a constituição de sentidos que se complementam: experiências,
vivências, ações, considerações, entre outros (Minayo, 2012). Quanto ao método, utilizou-se o estudo de caso,
que, segundo Yin (2007, p. 19), busca compreender o fenômeno numa perspectiva ampliada, já que “representa
a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo ‘como’ e ‘por que’, quando o pesquisador tem pouco
controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum
75

contexto da vida real”. Trata-se de uma investigação que prioriza um fenômeno dentro de um determinado
contexto, baseando-se em diferentes fontes de evidência.

O estudo se deu em um curso de psicologia de uma universidade privada do estado do Paraná no ano de 2016.
Participaram do estudo a coordenação do curso, 9 dos 13 professores psicólogos convidados e 12 estudantes -
do segundo, terceiro, quarto e quinto anos - que tinham vivências em programas de iniciação científica, projetos
de extensão ou monitoria acadêmica, integrando as duas matrizes curriculares em andamento no momento da
pesquisa.

A coleta de dados se deu inicialmente pela análise do ementário das disciplinas descritas no Projeto
Pedagógico do Curso (PPC). Após a leitura das ementas, foram identificadas nove disciplinas que abordavam
conteúdos na área da saúde pública, analisando-se seus planos de ensino na íntegra.

A análise documental do PPC e dos planos de ensino seguiu a análise de conteúdo temática referida
por Minayo (2014). Operacionalmente, a análise de conteúdo temática divide-se em três etapas: pré-análise;
exploração do material; e tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Num primeiro momento, foram
registradas informações colhidas e sistematizadas em um quadro criado para essa finalidade. Posteriormente,
foi realizada a leitura flutuante do conteúdo do quadro, seguida do processo de codificação, do qual emergiram
temas relevantes. Essa análise inicial instrumentalizou a pesquisadora no reconhecimento do contexto do curso
estudado (Moreira, 2005).

Após essa primeira etapa, foram realizados uma entrevista semiestruturada com a coordenação do curso de
graduação e dois grupos focais, guiados por um roteiro de questões preestabelecidas - o primeiro, com os
professores, e o segundo, com os estudantes. Da mesma forma que a análise documental, os dados do
material empírico das entrevistas e dos grupos focais foram examinados por meio da análise de conteúdo
temática (Minayo, 2014).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, sob o número
1.878.660. Para manter o sigilo, os professores foram nomeados pelas letras P, acompanhados por números
(P1, P2, P3 . . .); os estudantes, pela letra E números (E1, E2, E3 . . .); e a coordenação, pelas iniciais da
nomenclatura do cargo (Coord.).

Todos os envolvidos na pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Termo
de Consentimento para Uso de Imagem e Voz.

Análise e discussão dos dados


Percebe-se que a maioria das práticas com foco na saúde pública é realizada nos estágios obrigatórios, que,
nos cursos de psicologia, segundo as DCN, “visam assegurar o contato do formando com situações, contextos
e instituições, permitindo que conhecimentos, habilidades e atitudes se concretizem em ações profissionais”
(Conselho Nacional de Educação, 2011, p. 19). Tal constatação - de que as atividades práticas se restringem
aos estágios - também é vista em uma pesquisa realizada em três instituições de ensino superior que possuem
o curso de psicologia no Piauí (Silva & Yamamoto, 2013). Ainda, segundo as DCN, os estágios devem ser
estruturados em dois níveis, cada qual com carga horária própria: estágios básicos (pertencentes ao núcleo
comum de formação) e estágios específicos (de acordo com as ênfases curriculares ofertadas em cada curso
de psicologia). Nas diretrizes, estão previstas seis possibilidades de ênfases curriculares: a) psicologia e
processos de investigação científica; b) psicologia e processos educativos; c) psicologia e processos de gestão;
d) psicologia e processos de prevenção e promoção de saúde; e) psicologia e processos clínicos; e f) psicologia
e processos de avaliação psicológica. Cada curso de psicologia deve ofertar, no mínimo, duas ênfases
curriculares, sem prejudicar a formação generalista e sem configurar uma proposta de especialização, pois cada
ênfase deve ser abrangente o suficiente para não caracterizar qualquer forma de especialização em
determinada prática, local ou procedimento de atuação profissional em psicologia ( Conselho Nacional de
Educação, 2011). No curso analisado, as ênfases ofertadas eram “Psicologia e processos clínicos” e “Psicologia
e processos psicossociais”.

A realidade de concentrar as práticas nos estágios, de certa forma, diminui o número de vivências realizadas
pelos estudantes na saúde pública ao longo da formação em psicologia, inclusive restringindo o “encontro” com
alguns cenários de prática. Para concretizar exercícios em complexidade crescente, desde a observação até a
prática assistida, o processo de formação precisa construir estratégias para que o estudante seja inserido
76

precocemente nos cenários de prática do SUS, procurando acompanhar o fazer do psicólogo nesse contexto,
seja nos estágios seja nas disciplinas do núcleo comum.

A partir da análise de conteúdo do material empírico e documental, emergiram subcategorias quanto aos tipos
de práticas realizadas na área da saúde pública: atendimento clínico (individual ou em grupo), consultório de
rua, visita domiciliar, plantão psicológico, sala de espera e trabalho em grupo.

Quanto ao atendimento clínico (individual ou em grupo), uma das práticas realizadas nesse curso de psicologia,
segundo os sujeitos deste estudo, é considerado o principal foco de atuação do profissional psicólogo e, ainda
hoje, consiste na utilização do aporte teórico de diferentes linhas teóricas da psicologia para o entendimento e
intervenção diante de situações conflituosas do sujeito ou do espaço por ele ocupado ( Oliveira et al., 2004). Um
estudo realizado em três cursos de psicologia no Ceará observou que estes também ainda organizam suas
práticas centradas em uma proposta clínica tradicional, com o ensino voltado para um modelo intervencionista
em saúde (Azevedo, Tatmatsu, & Ribeiro, 2011). Neste estudo ora desenvolvido, a coordenação do curso
detalha os estágios com esse foco:

. . . no quarto ano temos, hoje, o projeto de estágio que chamamos de “Doenças Crônicas”. Estamos no
Instituto do Rim, que é vinculado com o Sistema de Atenção Especializada e no CAPS AD, nestes locais
fazemos atendimento clínico. Estamos também no Serviço de Atendimento Psicológico da cidade, lá fazemos
atendimento clínico para crianças e adultos, individual e em grupos (Coord.).

No CAPS AD são desenvolvidos grupos com os usuários do local, esses grupos são abertos, sempre tem gente
entrando e saindo. Eu sei que o objetivo é entender um pouco mais o que os levou ao uso de
substâncias . . . com isso alguns deles conseguem, aos poucos, mudaram a perspectiva de vida (E3).

Cabe mencionar que essa constatação não está de acordo com o previsto pelas DCN em psicologia, pois,
apesar dos avanços e das reestruturações curriculares, “a formação do psicólogo ainda é permeada
hegemonicamente por uma proposta clínica tradicional, ofertando uma relevância mínima às questões
referentes ao sistema de saúde vigente no país . . .” (Azevedo et al., 2011, p. 259), aspecto que precisa ser
redimensionado no processo de formação. No entanto, no curso em questão, percebe-se um avanço: há uma
transposição da clínica para os espaços públicos, inclusive a partir de atendimentos grupais, como em alguns
projetos de estágio que estão localizados na ênfase de processos clínicos, por exemplo: “A clínica psicológica
no cotidiano da saúde pública” ou “Psicologia Analítica na saúde pública”, conforme destacado no relato
seguinte, de um professor: “Nós estamos também no Serviço de Atendimento Psicológico, que é um serviço
específico da cidade. Realizamos atendimento clínico em grupo e individual para criança e adultos, porque esta
é uma demanda da instituição” (P7).

Contudo, tal prática precisa ser tensionada enquanto aproximação da psicologia com o cenário das políticas
públicas. Estudo realizado por Seixas e Yamamoto (2012) com 294 psicólogos inscritos no Conselho Regional
de Psicologia do Rio Grande do Norte (CRP-RN) reforça essa ideia. O estudo observou que ainda hoje na
psicologia existe a reprodução de valores liberais na atuação profissional, mesmo no campo das políticas
sociais, com padrões clássicos de atuação profissional que se difundem em práticas apolíticas e acríticas.
Torna-se importante questionar tais práticas na perspectiva de que elas podem não desenvolver habilidades
necessárias para a atuação no contexto da saúde pública.

Nessa mesma direção, uma pesquisa realizada nos cursos de psicologia do Piauí em que se buscou apresentar
reflexões sobre a formação para a saúde mental, evidenciou que, nos currículos dos três cursos estudados,
mesmo aqueles que incorporaram os debates relacionados às políticas de saúde ainda mantêm nítida a
dicotomia entre clínica e saúde pública (Macedo & Dimenstein, 2011).

Deste modo, é importante que a academia represente um local de quebras de paradigmas quanto à formação
profissional para atuação na saúde pública. Há de se refletir para além da centralidade da clínica psicológica
como possibilidade de intervenção e encontro com o outro, pois, mesmo em locais que se propõem a trabalhar
aspectos relacionados à saúde pública, a exclusiva manutenção de práticas de atendimento clínico
individualizado se desvincula das propostas de intervenção previstas nas referências técnicas de atuação
psicológica nesses espaços (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2013). Obviamente, não se nega a
importância do atendimento clínico, mas este precisa ser redimensionado como prática para o campo da saúde
pública.

Outra prática destacada nesta pesquisa realizada nos estágios que desenvolvem ações voltadas para o campo
da saúde pública foi o consultório de rua. Este constitui-se como um dispositivo importante para a rede de
77

saúde mental, pois busca reduzir, por meio de ações de promoção, prevenção e cuidados primários no espaço
da rua, situações emergenciais como o uso excessivo de álcool e de outras drogas. Cabe destacar que os
princípios norteadores de tal prática “são o respeito às diferenças, a promoção de direitos humanos e da
inclusão social, o enfrentamento do estigma, as ações de redução de danos e a intersetorialidade” ( Tondin,
Barros Neta, & Passos, 2013, p. 486). Segue relato da gestão do curso quanto a essa prática: “Estamos
trabalhando com Políticas de DST/Aids que vêm sofrendo um sucateamento há muito tempo. Estamos
retomando os princípios da abordagem da prevenção de DST/Aids através do consultório de rua” (Coord.).

É importante destacar que o consultório de rua é um serviço considerado relativamente novo no SUS. Constitui-
se como prática a partir da necessidade de assistência em saúde para pessoas que se encontram em situação
de rua, vinculado principalmente à problemática das drogas, das doenças sexualmente transmissíveis, como a
aids, bem como a outras vulnerabilidades (Londero, Ceccim, & Bilibio, 2014). Segundo o Conselho Federal de
Psicologia (CFP, 2013), em sua cartilha de referências técnicas para atuação de psicólogas(os) em políticas
públicas de álcool e outras drogas, o consultório de rua articula políticas públicas de saúde, por exemplo, a de
saúde mental e de atenção primária à saúde, voltando-se ao atendimento de sujeitos em situação de
vulnerabilidade que vivenciam dificuldade de acesso ou que não são assistidos pelos serviços de saúde local.
Essa prática é relatada por professores e estudantes:

E tem o pessoal que está fazendo consultório de rua . . . . Muito interessante também: trabalham com a
comunidade em situação de rua. É uma oportunidade de entrarem em contato com uma prática diferenciada em
psicologia, alguns autores falam em prática inovadora (P7).

São seis estagiários do projeto de estágio da professora, três deles estão fazendo consultório de rua, vinculado
ao serviço de saúde, trabalhando com prostitutas e travestis (E7).

Alguns estudos têm apontado o consultório de rua como uma prática importante na saúde pública,
principalmente considerando-se seu alvo populacional, pois abrange sujeitos que estão em maior
vulnerabilidade social. Cabe destacar aqui os resultados de uma pesquisa realizada em Alagoas que avaliou o
consultório de rua na perspectiva de 18 pessoas em situação de rua atendidos por essa estratégia: a avaliação
foi positiva, afirmando que se constitui num suporte social não apenas para questões relativas à saúde-doença,
mas também para aspectos da vida cotidiana de quem reside na rua (Ferreira, Rozendo & Melo, 2016). Outro
estudo, realizado em Pernambuco e que buscou conhecer as práticas de saúde realizadas no cotidiano das
equipes dos consultórios de rua com a participação de quinze trabalhadores de saúde, observou que essas
práticas privilegiam o vínculo e o acolhimento das pessoas em situação de rua, reforçando a importância do
trabalho em rede e da intersetorialidade na saúde (Silva, Frazão, & Linhares, 2014).

Potencializar a inserção dessa prática na formação em psicologia parece-nos uma boa estratégia para uma
maior aproximação dos estudantes com o cenário de saúde e com a realidade das populações vulneráveis. No
entanto, no curso estudado, apenas alguns estudantes tiveram acesso a tal vivência, pois ela está vinculada a
um projeto de estágio específico. Há de se construir mecanismos para implementar diferentes vivências na área
da saúde pública para todos os estudantes.

A visita domiciliar também emergiu nas falas dos sujeitos da pesquisa como uma prática realizada na saúde
pública. Ela possibilita ao estudante adentrar o espaço familiar e ter contato com demandas e potencialidades
do local e da família. Deste modo, ela favorece o conhecimento das reais condições de vida de determinada
família e permite o contato com a rotina familiar, o conhecimento do dia a dia, dos costumes, crenças,
determinantes sociais, cultura, entre outros aspectos (Drulla, Alexandre, Rubel, & Mazza, 2009).

Lá no Serviço de Atendimento Psicológico também realizamos visita domiciliar . . . . Os estagiários entram em
contato com realidades distintas (P7).

Eu entendo que é a oportunidade que os alunos possuem de entender esses sujeitos, a partir da visita
domiciliar, em seus próprios territórios, no sentido mais amplo do termo ‘território’ mesmo. . . . (P5).

A visita domiciliar é caracterizada como o deslocamento do profissional até o domicílio do usuário com
finalidades específicas, por exemplo, de atenção à saúde. Neste sentido, assim como o consultório de rua para
a psicologia, a visita domiciliar inicialmente tratou-se de uma prática em saúde vinculada ao processo de
reconstrução da assistência em saúde mental a partir do processo de desospitalização ( Pietroluongo &
Resende, 2007). Assim, a família é inserida no processo de tratamento e pode estar vinculada a vários locais de
atendimento da saúde pública, como se percebe no caso dos estágios ora vinculados a um serviço de
78

atendimento psicológico da Secretaria de Saúde do Município, ora à unidade básica de Saúde (UBS) e ao
Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) - como destacado nas falas a seguir:

. . . naquela situação que a pessoa percebe sua necessidade, naquele momento, tem o psicólogo lá fazendo o
acolhimento e as visitas domiciliares . . . nos projetos de estágio nas UBS . . . (P2).

Uma outra professora, que não está aqui conosco neste momento, que tem estágio no NASF . . . está fazendo
visitas domiciliares . . . (P7).

Meu grupo de estágio realizou visitas domiciliares, fizemos estágio no NASF e acompanhamos a equipe em
pelo menos cinco ou seis visitas . . . conseguimos perceber muitas coisas que só tínhamos visto na teoria, em
sala de aula . . . (E2).

A visita domiciliar foi apontada numa pesquisa com estagiários do último ano de um curso de graduação em
psicologia como uma das principais práticas realizadas nos estágios: “Nos depoimentos, os estagiários também
reconhecem a visita domiciliar como uma das diretrizes operacionais fundamentais tanto para a transformação
da clínica como para a formação em psicologia” (Sousa & Cury, 2009, p. 1436). Percebe-se a importância e
potência de tal prática, pois permite que “o aluno tenha uma visão ampliada do paciente inserido na sua família
e contexto sociocultural, se dispondo a um trabalho de parceria, colaboração e mútuo aprendizado.” ( Ramos-
Cerqueira, Torres, Martins, & Lima, 2009, p. 277).

A visita domiciliar está inclusa nas propostas da atenção básica (AB), principalmente quando se pensa nas
equipes de saúde da família ou no próprio NASF. O “ir ao encontro” representa estar em contato com as
demandas de atuação da saúde pública, que estiveram por muito tempo distantes do universo da psicologia
como atuação profissional. Sendo assim, intensifica-se a importância de tal prática nos estágios relacionados à
saúde pública.

Outra prática apontada como realizada na área da saúde pública foi o plantão psicológico. Sabe-se que este
tem sido utilizado como um aporte de acolhida diante das demandas emergentes e instantâneas de ajuda
psicológica ao colocar à disposição dos usuários que procuram pelo plantão um espaço de escuta aberto à
pluralidade das demandas (Paparelli & Nogueira-Martins, 2007). Isso segue brevemente descrito na fala de um
estudante:

. . . o plantão psicológico é um tipo de atendimento psicológico, em forma de plantão, para a população em
geral . . . (E11).

Nós ficamos à disposição dos usuários, ou mesmo da população, às vezes surge uma demanda, uma
emergência e, estamos lá para atender esse sujeito . . . . Já ouvi relatos bem diferentes no plantão, mas sempre
são situações muito difíceis, por isso é importante ter o atendimento ali, de imediato (E10).

Cabe destacar que o plantão psicológico tem seus princípios técnicos baseados na acolhida, segundo os quais
é ofertada uma atenção especial para a experiência do sujeito que procura ajuda em determinado momento -
isso inclui não apenas a escuta tradicional da sua queixa, mas do modo como vivencia essa queixa, dos seus
recursos subjetivos que permeiam seu contexto sociopsicológico e que servem para dar conta do seu
sofrimento, além da atenção às expectativas que o sujeito possui para com a busca de auxílio ( Schmidt, 2004).
Neste sentido, o plantão pode-se inserir dentro de instituições que possuem relação direta com a área da saúde
pública, conforme detalhado neste relato: “Tem grupo, por exemplo, de estágio específico, que faz plantão
psicológico dentro das instituições, por exemplo dentro do Serviço de Atendimento Psicológico . . .” (E10).

Como será apresentado na fala da professora a seguir, o plantão psicológico é entendido como uma prática
contemporânea para a psicologia, como uma nova modalidade da clínica psicológica. Trata-se de uma prática
que se adequa às modalidades mais atuais de atendimento, voltada para a atenção psicológica em saúde do
tipo emergencial que proporciona escuta e acolhimento em momentos de crise, não com vistas ao
aprofundamento da problemática apresentada, mas à compreensão assertiva do sofrimento apresentado pelo
indivíduo (Rebouças & Dutra, 2010).

“No Serviço de Atendimento Psicológico é realizada a prática de plantão psicológico, que também é uma prática
vista como prática inovadora dentro do campo da saúde… (P7)”. Mais uma vez, percebe-se, por meio desta
fala, a apresentação de um local específico do município relacionado com a saúde pública e onde estão
inseridos estagiários do curso de psicologia que desenvolvem o plantão psicológico. Uma pesquisa realizada
com 27 estudantes da graduação de uma universidade do Paraná que relatou a experiência de implantação do
79

plantão psicológico evidenciou positiva significação dos acolhimentos proporcionados por essa prática, além de
reconhecimento do plantão como um lugar em que diversas questões podem ser ouvidas e valorizadas ( Pan,
Zonta, & Tovar, 2015).

O plantão psicológico foi denominado como um encontro entre o terapeuta e a pessoa que busca pelo plantão
psicológico (Doescher & Henriques, 2012). Para Rebouças e Dutra (2010), o plantão psicológico pode contribuir
para o alívio de crises, principalmente por ter uma caracterização que envolve o acolhimento imediato assim
como a escuta empática, podendo ser considerado um desdobramento da prática clínica que adentra outros
espaços ou, em outras palavras, uma prática clínica da contemporaneidade.

Outra prática relatada pelos sujeitos do estudo, nessa mesma perspectiva, foi a sala de espera. Esta se
caracteriza pelo local da espera em que geralmente se aguarda alguma espécie de atendimento. Esse espaço é
um território dinâmico, onde ocorrem mobilizações de diferentes pessoas e situações; um espaço que carece de
diferentes intervenções que possam proporcionar algum alívio diante das angústias produzidas, já que
geralmente a sala de espera se concentra em ambientes de serviços de saúde ou de assistência. Nas salas de
espera, geralmente, “ as pessoas conversam, trocam experiências entre si, observam, emocionam-se e
expressam-se, ou seja, as pluralidades emergem por meio do processo interativo, que ocorre por meio da
linguagem . . .” (Teixeira & Veloso, 2006, p. 321). Essas experiências podem ser aproveitadas como trocas que
aliviam o sofrimento vivido naquele momento, como explicita uma professora do curso:

Nós estamos com prática, no meu projeto de estágio, em sala de espera na Associação dos Deficientes Físicos,
que é um atendimento para deficientes físicos custeado pelo SUS. Lá nós estamos fazendo uma prática
diferenciada, que é sala de espera. . . (P7).

Foi muito interessante, no nosso estágio, a prática da sala de espera. Muita coisa acontece nas salas de
espera, vivenciamos isso . . . . Não imaginava que era possível atendimento psicológico na sala de espera . . .
(E10).

A prática sala de espera realiza a escuta ativa do sujeito, permitindo conhecer novas realidades num espaço
anteriormente desconsiderado - local de espera de algum outro atendimento - e, por isso, vem sendo entendida
como prática diferenciada em psicologia, muito usada em situações e instituições que possuem interface com a
saúde de uma forma em geral (Rosa, Barth, & Germani, 2011).

A sala de espera também pode ser utilizada como um espaço para desenvolver estratégia em educação em
saúde. Pesquisa Santos, Andrade, Lima e Silva (2012) cujo objetivo foi descrever experiências de estudantes
do curso de enfermagem monitoras do PET-Saúde que realizavam ações com gestantes na sala de espera
observou que esse espaço se transformou em um local de compartilhamento de experiências, afetos e
socialização dos saberes técnico-científicos e populares. Além disso, como estratégia de educação em saúde,
“oportunizou, na experiência aqui relatada, a aproximação da mulher gestante com o serviço, tornando-a
protagonista de seu processo saúde-doença, ao mesmo tempo em que contribuiu para orientá-la em relação à
sua corresponsabilidade.” (Santos et al., 2012, p. 67).

Neste sentido, é pertinente ponderar que as práticas em sala de espera podem integrar vários estudantes da
área da saúde ou afins - entre eles, o psicólogo -, numa intervenção interdisciplinar que concretize ações de
educação em saúde com vistas a efetivar a participação dos usuários no processo de autocuidado. Entretanto,
o que se percebeu é que são raras as práticas intercursos na área da saúde, o que fragiliza a formação dos
futuros psicólogos quanto às experiências de práticas multi ou interdisciplinares, importante para todos que
atuarão nas equipes de saúde. Além do que, como já mencionado anteriormente, apenas alguns estudantes, só
os pertencentes a esse estágio, realizaram essa prática específica.

Por fim, o trabalho com grupos também foi relatado pelos sujeitos do estudo. Essa prática é muito utilizada
pelos psicólogos em diversos contextos e com públicos distintos. Caracteriza-se pela ação que se estabelece
na junção de pessoas com um objetivo em comum e que busca, por meio de atividades diversas, proporcionar a
desconstrução e a construção de novos sentidos e significados daquilo que se propõe a trabalhar ( Ciampone &
Peduzzi, 2000).

Muitas falas apresentaram enfoque direcionado ao trabalho com grupos, relacionadas principalmente a
favorecer um espaço de escuta; inclusive, em algumas situações, utilizando-se como estratégia a roda de
conversa:
80

No estágio básico II, alguns estagiários estão no Hospital Psiquiátrico Santa Cruz trabalhando com os
colaboradores do hospital, fazendo roda de conversa . . . foi muito legal. . . . Tem outros estagiários que estão
fazendo suas práticas em uma outra, inclusive é onde a P2 é psicóloga, eles fazem o estágio na farmácia
pública do município. Foi bem interessante também, pois fizeram um trabalho em grupo com as
colaboradoras (P6).

A coordenadora do curso também destaca o trabalho com grupo em instituições relacionadas à saúde pública
na sua fala: “. . . um outro professor está com projetos de estágios no CAPS AD. Lá ele desenvolve trabalho
com grupos, eles fazem grupoterapia, além de atividades de apoio” (Coord.).

Importante destacar que alguns estágios tinham como foco a área organizacional e do trabalho, mas, no
entanto, estavam sendo realizados em instituições voltadas à saúde pública; assim, esses estudantes acabam
por ter contato também com conteúdos relacionados a tal temática ao trabalhar em grupo e ter como público
central os colaboradores desse espaço, conforme apresentado em suas falas:

Nosso estágio tinha um foco organizacional, e a equipe com a qual nós realizamos nossa prática foi a equipe de
saúde ou, melhor, fizemos um trabalho em grupo com a equipe de saúde . . . . Mesmo o nosso estágio sendo
na área organizacional, tivemos que estudar sobre saúde pública, e escrever uma parte específica sobre isso
no nosso material de estágio . . . . Não deixa de ser relacionado com a saúde pública, porque é também uma
das atuações ali dentro daquele espaço . . . (E2).

Conclui-se que as práticas ofertadas que possuem alguma relação com a temática da saúde pública estão
vinculadas aos estágios ofertados ao longo de todo o curso de psicologia, articuladas a diferentes demandas e
populações - o Serviço de Atendimento Psicológico do município, o CAPS, o NASF, as UBS, um hospital
psiquiátrico, a própria rua, a Associação de Deficientes Físicos, entre outros -, proporcionando acesso a
diferentes cenários. É relevante destacar também que o curso apresenta algumas iniciativas que podem ser
consideradas inovadoras em se tratando de práticas relacionadas à saúde pública: a sala de espera, o plantão
psicológico e o consultório de rua.

As práticas são momentos que oportunizam “encontros” na formação. Assim, possuem grande importância ao
permitir ao estudante “ir ao encontro” das demandas da saúde pública. Além de potencializarem seu
aprendizado no cenário real, também promovem a diversificação das experiências e vivências que darão
suporte para uma prática profissional coerente com o que se espera de um psicólogo quando se insere nas
redes de serviços de saúde.

Percebe-se, então, que a formação em psicologia, diante do cenário atual da saúde pública, “deve contemplar o
desenvolvimento intelectual dos alunos, preparando-os para atuar frente aos desafios e dilemas com que vão se
deparar no cotidiano de suas práticas.” (Amendola, 2014, p. 980). Para tanto, há que se diversificar as práticas
na perspectiva de uma formação generalista que desenvolva habilidades e competências para os desafios
contemporâneos da profissão nessa área.

Considerações finais
O curso de psicologia analisado acompanha a realidade de outros cursos do Brasil ao apresentar tentativas
pontuais de aproximação da formação profissional com a saúde pública, porém ainda carece de avançar no
estabelecimento de maior articulação do ensino com o serviço, na diversificação dos cenários de prática e na
previsão de atividades interdisciplinares e multiprofissionais durante o processo de formação. Os avanços
precisam acontecer principalmente no sentido de abranger, desde a formação, práticas mais integralizadas,
possibilitando o encontro com outras áreas de formação e provendo uma perspectiva, de certa forma, mais
articulada e multiprofissional.

Faz-se necessário também chamar para o diálogo da formação todos os atores envolvidos no processo. O
serviço em saúde pública precisa se fazer cada vez mais presente nas instituições de ensino, e estas, nos
serviços de saúde, formando novos discursos e oportunizando novos cenários de prática.

Estudantes de psicologia e futuros psicólogos precisam assumir o pertencimento ao campo da saúde pública
desde a formação. Já estamos inseridos, mas precisamos assumir a saúde pública definitivamente como área
de atuação do psicólogo. Isso não fará com que tenhamos perda de qualquer identidade profissional, mas,
muito pelo contrário, proporcionará uma ampliação da atuação profissional. Esse pertencimento favorecerá,
inclusive, a participação na construção das políticas públicas de saúde de forma mais integrada no que se
81

refere à psicologia na saúde. Mas, para que isso aconteça, o processo de formação profissional precisará
prever em sua matriz curricular conteúdos voltados para essa área de saber em diferentes disciplinas, do
primeiro ao quinto ano, para todos os estudantes. Também é preciso incluir nos planos de ensino diferentes
estratégias pedagógicas para desenvolver habilidades e competências para uma atuação de acordo com a
realidade de saúde, ao mesmo tempo em que se necessita ampliar e diversificar os cenários de práticas,
prevendo a realização destas em complexidade crescente desde o primeiro ano.

Importante destacar o caráter inacabado das reflexões produzidas na perspectiva da “formação em psicologia”
em contraposição às “práticas na saúde pública”. A psicologia avançou, adotou outros discursos, construiu
outros campos de saberes, mas ainda há de problematizar a formação dos futuros profissionais para que atuem
em concordância com o SUS.

Por fim, é indispensável mencionar as limitações deste estudo, pois, por se tratar de um estudo de caso,
apresenta a perspectiva de um curso de psicologia de uma determinada localidade. Recomendam-se novas
pesquisas, envolvendo outros cursos de psicologia, bem como com a ampliação do foco para outros aspectos
relativos à inserção da saúde pública como tema relevante na formação em psicologia.

11. Silva MJP. O papel da comunicação na humanização da atenção à saúde. Revista Bioética, v.10, n.2: 73-88. 2002.

O papel da comunicação na humanização da atenção à saúde


Maria Júlia Paes da Silva

Resumo

O artigo faz uma análise acerca do papel e influência da comunicação interpessoal no atendimento em saúde. Resgata a
compreensão do ser humano como alguém que possui códigos psicossociais (lingüísticos) e psicobiológicos (seu
comportamento e expressão não-verbal), argumenta que os pacientes estão atentos e criam vínculos, basicamente, pela
maneira como o profissional consegue ser coerente e complementar na sua comunicação verbal e não-verbal. Entre os
princípios de comunicação expostos, está o de que não existe neutralidade nessas trocas de mensagens feitas entre as
pessoas, e que toda comunicação possui duas partes: o conteúdo, o fato, a informação que queremos transmitir, e o que
sentimos quando estamos interagindo com o outro. O conteúdo está ligado ao nosso referencial cultural (que é diferente
entre o leigo e o profissional) e o sentimento que demonstramos ao interagir, que é percebido (mais ou menos
conscientemente) pelo outro, porque as emoções/sentimentos são expressos da mesma maneira (com variações de
intensidade) em todas as culturas humanas. Finalizando, a autora conclui que para humanizar a assistência precisamos
tornar mais consciente o código não-verbal, que fala da essência do ser humano.

Palavras-chave

bioética; comunicação; humanização; cuidados; cuidador; inconsciente


82

12. Silva TPS, Sougay EB, Silva J. Estigma social do comportamento suicida: reflexões bioéticas. Rev. biot. (Impr.). 2015; 23 (2):419-26.

Estigma social no comportamento suicida: reflexões bioéticas


Resumo Foi realizada uma revisão integrativa sobre o tema do estigma social imposto aos indivíduos que tentaram
suicídio, trazendo à tona reflexões a partir da perspectiva bioética. A pesquisa foi conduzida em bases de dados
eletrônicas. Foram incluídos apenas artigos de revistas científicas revisadas por pares com resumos disponíveis. Não
houve limites quanto ao ano de publicação e idioma. Na primeira fase de busca, 272 manuscritos foram encontrados.
Após a leitura dos textos completos, apenas 22 foram incluídos no estudo. Diante das limitações da pesquisa,
acredita-se que o estudo aprofundado do estigma no comportamento suicida pode contribuir significativamente
para o tratamento de pacientes que se submeteram à tentativa. Conclui-se que o estudo desse assunto apresenta
ampla gama de discussões bioéticas, por ser um fenômeno que afeta aspectos relacionados à autonomia e à
proteção da pessoa. Palavras-chave: Suicídio. Tentativa de suicídio. Estigma social. Bioética. Vergonha.

Kubler-Ross E. Sobre a morte e o morrer. Rio de Janeiro: Editora Martins Fontes; 1985.

O livro descreve como a autora, através de entrevistas com pacientes gravemente doentes e desenganados de
um hospital de Chicago, chegou aos cinco estágios emocionais pelos quais eles passam durante o processo de
morrer. Além disso, descreve as dificuldades encontradas pela equipe multiprofissional ao lidar com o paciente,
as notícias difíceis e os familiares.

Em linguagem simples e clara, ao longo das 278 páginas divididas em doze sessões, encontram-se as
discussões sobre o assunto, fartamente ilustradas por entrevistas ocorridas nesses seminários.

Na primeira sessão, a autora aponta como as inovações tecnológicas afetavam o manejo com esses pacientes.
Embora o medo da morte continuasse universalmente presente, a forma de lidar com ela e com os moribundos
tornou-se impessoal e solitária. A urgência em tratar e restaurar a vida restringiu a autonomia dos pacientes.
83

Na segunda sessão, analisa as atitudes diante da morte e do morrer afirmando que nossa sociedade é
propensa a evitar a morte, mas, sobretudo a ignorá-la. Constata que os estudantes de medicina têm a seu
alcance farto material científico, mas não recebem qualquer treinamento sobre a relação médico-paciente.
Sugere que os profissionais reflitam sobre sua própria morte como aspecto componente e central da vida,
auxiliando assim a transmissão de valores humanos aos alunos e facilitando a lida com os pacientes e seus
familiares.

Na terceira sessão são exemplificadas as dificuldades dos profissionais, especialmente médicos, sobre a falar a
verdade ao paciente. A questão não é falar, mas como fazê-lo. Para Ross a negação dos pacientes está
intimamente ligada à do médico. Afirma que a reação do doente diante da condição ameaçadora não depende
apenas da transmissão da notícia difícil, mas que a comunicação deveria receber especial atenção na formação
médica e na supervisão dos residentes.

As próximas cinco sessões do livro descrevem os estágios por que passa o paciente moribundo. No primeiro,
de negação e isolamento, que geralmente vem com o diagnóstico, o paciente procura provar de todas as formas
que houve um engano, necessitando de tempo para absorção da ideia.

No segundo estágio, confirmado o diagnóstico, a raiva por interromper seus planos e a própria vida se mescla
ao ressentimento e à inveja daqueles que estão saudáveis. A equipe precisa, por meio da empatia, entender
esse período e contornar situações que fazem parte do choque pela nova condição e do processo em curso. É
comum que as equipes evitem os pacientes.

No terceiro estágio, o da barganha, há uma tentativa de adiar a morte como um prêmio por bom
comportamento. Há promessas de novas atitudes e de mudanças de estilo de vida, na esperança de prolongar
um pouco mais a sobrevivência.

Arrependimentos por situações concretas ou fantasiosas vividas como pecados fazem que o adoecimento seja
sentido como castigo pelo doente.

A depressão no quarto estágio decorre não somente do impacto da doença sobre o indivíduo, mas sobre a
família e as alterações sofridas por ela. Há o enfraquecimento financeiro, a necessidade de o outro cônjuge
trabalhar e o afastamento dos filhos, que por vezes precisam ficar aos cuidados de parentes. A autora
encontrou dois tipos de depressão: a reativa e a preparatória. Na primeira sugere uma abordagem
multidisciplinar com apoio e orientação, especialmente na área social. O segundo tipo é o que ocorre quando o
doente se dá conta de que perderá, em breve, tudo que ama.

O último estágio, de aceitação, coincide com o período de maior desgaste físico. Nele, parece ser mais difícil
viver do que morrer e os sentimentos desvanecem. É um período em que o paciente pode querer falar sobre
seus sentimentos, mas precisa que haja pessoas disponíveis e preparadas internamente para esse contato.

Pode haver uma sobreposição desses estágios e a autora afirma que em todos eles, mesmo para os pacientes
mais realistas, há sempre uma ponta de esperança que não deve ser retirada com verdades cruéis ditas de
forma direta.

Na sessão dedicada aos familiares ela cita alguns dos aspectos afetados na dinâmica familiar, reforçando
sempre a importância de os profissionais conhecerem o contexto em que vivem seus pacientes. Faz referência
à preservação da saúde física e mental dos cuidadores principais, e das vicissitudes que enfrentam,
especialmente na fase terminal.

Dá ênfase à comunicação entre os atores; à flexibilidade de algumas normas hospitalares nas situações
especiais em favor do doente e sua família; dos prejuízos causados pela fragmentação do cuidado e da
necessidade que as equipes reflitam continuamente suas práticas e relações.

Há uma sessão inteira dedicada à entrevista com os pacientes, transcritas de alguns seminários, que colorem
vivamente as argumentações da autora ao longo do livro.

Uma sessão sobre as reações aos seminários sobre a morte e o morrer descreve a resistência, por vezes
violenta, das equipes profissionais. À despeito do posterior sucesso dessa prática, que foi integrada ao currículo
da faculdade de medicina, a morte era vivida pelos médicos como um insucesso. A enfermagem estava
dividida, mas gradativamente juntou-se ao seminário, participando ativamente.
84

Não fosse pela surpreendente adesão imediata dos pacientes a autora confessa que teria desistido. Eles
perceberam mudanças positivas das equipes após o início dos seminários. A autora afirma que a maioria sabia
da gravidade da doença, mesmo que não tivessem sido comunicados formalmente. E ficavam gratos pela
abordagem das notícias difíceis. Mas ressentiam-se quando elas eram transmitidas cruamente, fora
do setting adequado, sem preparação prévia e sem o acompanhamento posterior dos ouvintes.

O texto claro e acessível mostra que, já em 1965, as consequências da transição epidemiológica requeriam
visão mais intergral do paciente. Ela incentiva o tratamento interdisciplinar evitando a fragmentação do cuidado,
mais valorizado que o tratamento curativo, especialmente quando este é fútil. Enfatiza aspectos estreitamente
ligados à humanização1 em saúde como o respeito à autonomia do paciente e sua família, a coparticipação e a
construção de projetos terapêuticos consensuais que visem dar mais vida aos anos, que anos à vida.

A comunicação entre os atores, inclusive os profissionais de saúde, prenunciam fundamentos de atuais


protocolos de comunicação de notícias difíceis2 que chamam a atenção para a forma como são transmitidas
essas informações, o setting, a preparação do paciente para recebê-las e o compromisso de posterior
acompanhamento clínico e psicológico de pacientes e familiares.

O livro de leitura fácil, mas densa, é indicado para todos profissionais de saúde, voluntários, cuidadores,
familiares e religiosos que acompanham casos de pacientes adultos ou infantis, em estado terminal ou mesmo
em condições crônicas que ameaçam a vida.

Você também pode gostar