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MARÍLIA DE DIRCEU

1ª PARTE
CONTEXTO
 Quando concebeu as primeiras liras de Marília de
Dirceu, Tomás Antônio Gonzaga (Dirceu é seu
pseudônimo), então com aproximadamente 40 anos,
vivia no Brasil e gozava de estabilidade econômica,
pois ocupava um alto cargo judiciário. Nesse contexto,
apaixona-se por Maria Dorotéia (a quem cabe o
pseudônimo Marília), adolescente com pouco mais de
17 anos. Porém, o envolvimento com a Inconfidência
Mineira, somado à relação tumultuada que tinha com
as autoridades locais (Luís da Cunha Meneses, o
governador satirizado em Cartas Chilenas) leva
Gonzaga à prisão e, posteriormente ao exílio em
Moçambique.
OBRA
 Primeira parte – mostra o poeta apaixonado,
otimista, fazendo planos para uma vida conjugal
harmoniosa. Aqui se revelam com mais intensidade
as tradições árcades.
 Segunda parte – revela um homem angustiado,
envelhecendo e, sobretudo, sentindo-se injustiçado
na prisão, longe de sua amada. Com a vazão aos
sentimentos do poeta, podemos afirmar o caráter
Pré-Romântico da obra.
Primeira parte – Convencionalismo
amoroso
Lira I Que inveja até me tem o próprio
Alceste:
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Ao som dela concerto a voz celeste;
Que viva de guardar alheio gado; Nem canto letra, que não seja minha,
De tosco trato, d’ expressões Graças, Marília bela,
grosseiro, Graças à minha Estrela!
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
 O poeta, dirigindo-se à Marília, se apresenta
exaltando qualidades que o fariam digno do amor
da donzela: sua condição social, seu aspecto físico e
suas habilidades. Isso é feito em um cenário típico
do Arcadismo: a atmosfera bucólica, o ideal de
vida simples, pastoril.
 Lira 2

Porém eu, Marília, nego,


Pintam, Marília, os Poetas Que assim seja Amor; pois ele
A um menino vendado, Nem é moço, nem é cego,
Com uma aljava de setas, Nem setas, nem asas tem.
Arco empunhado na mão; Ora pois, eu vou formar-lhe
Ligeiras asas nos ombros, Um retrato mais perfeito,
O tenro corpo despido, Que ele já feriu meu peito;
E de Amor, ou de Cupido Por isso o conheço bem.[...]
São os nomes, que lhe dão.
 Uma característica árcade é o uso de alusões
mitológicas, que retomam a Antiguidade Clássica.
Aqui, o poeta personifica o amor na figura do
cupido.
Tu, Marília, agora vendo
De Amor o lindo retrato,
Contigo estarás dizendo,
Que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto,
Que ele foi quem me venceu.
 Quanto à descrição física de Marília, observe:

Os teus cabelos são uns fios d'ouro;


(Lira 1)

Os seus compridos cabelos,


Que sobre as costas ondeiam,
São que os de Apolo mais belos;
Mas de loura cor não são.
Têm a cor da negra noite;
(Lira 2)

Nesse trecho evidencia-se o convencionalismo amoroso.


Contrasta a Marília ‘real’, menina brasileira de olhos e
cabelos escuros com a beleza europeia que se costumava
cantar, imitando os precursores do estilo Neoclássico.
 Lira 14
Minha bela Marília, tudo passa;
A sorte deste mundo é mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
[...]
Ornemos nossas testas com as flores.
E façamos de feno um brando leito,
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
Gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;
E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre.
 O poeta reflete sobre a passagem do tempo e propõe à
Marília que aproveitem o momento presente. Trata-se da
versão neoclássica do Carpe diem, tema já explorado pelo
barroco.
Lira 22
Tu não habitarás palácios grande,
Nem andarás no coches voadores;
Porém terás um Vate, que te preze,
Que cante os teus louvores.
O tempo não respeita a formosura;
E da pálida morte a mão tirana
Arrasa os edifícios dos Augustos,
E arrasa a vil choupana.
Que belezas, Marília, floresceram,
De quem nem sequer temos a memória!
Só podem conservar um nome eterno
Os versos, ou a história.
 Nesse trecho o poeta evidencia sua concepção de indivíduo ilustrado.
Reafirma o ideal de vida simples e prefere ao poder e à riqueza, a
glória de eternizar em versos a beleza de Marília.

*vate- poeta
 Essa ideia é ratificada na lira 27, em que o poeta se considera
verdadeiro herói por ter conquistado sua musa.
O ser herói, Marília, não consiste
Em queimar os Impérios: move a guerra,
Espalha o sangue humano,
E despovoa a terra
Também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo:
E tanto pode ser herói pobre,
Como o maior Augusto.
Eu é que sou herói, Marília bela,
Segundo da virtude a honrosa estrada:
Ganhei, ganhei um trono,
Ah! não manchei a espada,
Não roubei ao dono.
Ergui-o no teu peito, e nos teus braços:
E valem muito mais que o mundo inteiro
Uns tão ditosos laços.
* ditoso- venturoso, feliz
 Para finalizar, na lira 33 o poeta pede a seu amigo
Glauceste (Cláudio Manuel da Costa) que cante e pinte
a figura de Marília.

Pega na lira sonora,


Pega, meu caro Glauceste;
E ferindo as cordas de ouro,
Mostra aos rústicos Pastores
A formosura celeste
De Marília, meus amores.
Ah! pinta, pinta
A minha Bela!
E em nada a cópia
Se afaste dela.
 Segunda parte – Vazão aos sentimentos
(Tendências Pré-Românticas)

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