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“POR QUE LUTAMOS PARA VIVER SE VIVEMOS PARA MORRER?

” UMA
LEITURA DA MORTE EM PIETER BRUEGEL

GUILHERME FELIPE SILVA DE CASTRO1


HELAINE PATRÍCIA FERREIRA2

RESUMO

O presente artigo procura verificar os elementos simbólicos e morais por trás da


iconografia da obra “O Triunfo da Morte” de Pieter Bruegel, o Velho (1525? – 1569),
buscando assim, identificar como sua obra se faz tão atual apesar de ter sido
pintada há quase meio século, expressando a corruptibilidade do ser humano e sua
total devoção ao ego. Para isso será feita uma leitura do quadro em questão, bem
como uma análise bibliográfica de alguns artigos e obras como de Umberto Eco
(2007) e de Philippe Ariés (2014), discutindo a respeito da morte e sua aversão no
imaginário popular. Com isso, além de procurar despertar uma leitura crítica na arte,
busca-se identificar a importância de se estudar o passado, seja ele por meio de
obras artísticas, documentos oficiais, diários, costumes e mesmo a cultura de uma
civilização, os quais tem muito a nos mostrar e nos ensinar para que não venhamos
a repetir os erros uma vez já cometidos e buscarmos aprender para que possamos
melhorar nossa convivência social, nossa cidadania e possa nos melhorar.

Palavras chave: Arte. Sociedade. Morte. Pieter Bruegel.

1 INTRODUÇÃO

Por que a morte como objeto de pesquisa? Pela busca de saber o porquê de
lutarmos tanto para “viver” e esquecermos da ideia que, enquanto muitas vezes
perdemos nosso tempo em uma luta desnecessária, não percebemos que vivemos

1
Pós-graduando em Arte, Cultura e Educação e História, Cultura e Literatura Afro-brasileira e
Indígena em EAD pelo Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. Graduado em História pelo
Centro Universitário de Maringá – Unicesumar.
2
Professora Orientadora e Especialista em EAD e as Novas Tecnologias pelo Centro Universitário de
Maringá – UNICESUMAR e em Informática Aplicada ao Ensino pela Universidade Estadual de
Maringá – UEM. Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. Atua
como Professora Mediadora no Curso de Graduação em Pedagogia e Orientadora do Programa de
Pós-Graduação Lato Sensu na modalidade a distância da Unicesumar e como Supervisora de
Tutoria à distância do NEAD – UEM.
2

para morrer; com isso, pretende-se estudar nesse trabalho a relação do


indivíduo com a morte, através da leitura da obra “O Triunfo da Morte” de Bruegel
(1525? – 1569) e comparar o modo que os sujeitos se relacionam com o fim nos
dias de hoje.
A pergunta que tomará o rumo desse texto é: como é representada a
ideia da morte através da iconografia na obra intitulada “O Triunfo da Morte” de
autoria de Pieter Bruegel, o Velho (1525? – 1569) e qual sua relação com os dias
atuais?
Com a premissa de que nos dias de hoje a morte é vista como um tabu e que
há um enorme obstáculo ao se tratar desse assunto, a importância do presente
trabalho primeiramente será a de discutir sobre a questão da morte longe de tabus,
buscando mensagens de conscientização simbolizadas na obra, ressaltando a
importância de se utilizar o tempo e a vida com sabedoria. Em um segundo plano,
destacar a importância de leituras críticas no âmbito artístico, pois obras de arte não
estão ali apenas ocupando um espaço no ambiente, mas buscam transmitir uma
mensagem, há uma voz ressoando que apenas através de uma “hermenêutica” 3 das
imagens conseguiremos ouvir.
Para alcançar os objetivos discriminados, será levantado dados de análises
bibliográficas que serão discutidas no decorrer do trabalho abordando o contexto e o
imaginário sobre a morte no século XVI, traçando um breve panorama até chegar na
obra de Pieter Bruegel (1525? – 1569), a qual será feita uma leitura dos seus
detalhes e de sua simbologia iconográfica que remetem ao estilo artístico das
Vanitas4; concluindo com uma breve analogia sobre o relacionamento do homem
com a morte.
Em um primeiro momento, será levantado uma contextualização do assunto,
seguido da leitura do quadro do autor supracitado, e, por fim, procurar evidenciar a
mensagem que o mesmo tentou transmitir e qual sua relação com a sociedade atual
após quase meio milênio, porém com um toque tão atual.

3
Método de interpretação através dos sentidos das palavras, nesse caso, de imagens.
4
“ ‘Vaidades’ é um gênero artístico que tem o interesse de demonstrar a fragilidade da vida frente a
inexorabilidade da morte” (ANDRADE; MARQUETTI, 2016, p. 13).
3

2 MEMENTO MORI

A morte tudo se desfaz em uma hora


De que vale a beleza, de que vale a riqueza?
De que valem as honras, de que vale a nobreza?
(FROIDMONT, 1194-1197 apud ECO, 2007, p. 64).

A morte sempre foi um tema de suma importância desde os primórdios da


civilização, vista como o fim de um ciclo e início de outro de acordo com a natureza.
Relacionada geralmente com a religiosidade, como por exemplo no cristianismo, em
que há a ideia de que a vida é a morte no pecado e a morte a porta de entrada à
vida eterna (ARIÉS, 2014).
A morte, através da religião, configurou muito o status quo medieval e início
da era moderna. De acordo com Souza (2015, p. 2): “o medo do inferno e a
esperança do paraíso direcionavam os comportamentos e a própria organização da
sociedade”. A religião usou das mais profundas estratificações psicológicas do medo
nos indivíduos, e as reduziu a um meio de exortação moral (HUIZINGA, 1996).
O contexto da época contribuiu muito com a difusão do imaginário social a
respeito da morte, como a Peste Negra que assolou a Europa no século XIV, as
diferenças dos países entre si, a Guerra dos Cem Anos, o Grande Cisma, além da
decadência moral do papado (DELUMEAU, 1989). Por esse motivo não houve outro
período da história, como no declínio da Idade Média, que se atribuiu grande valor
ao pensamento da morte (HUIZINGA, 1996).
Diante de tudo isso, surge o Memento mori5, baseado na frase bíblica do livro
Eclesiástico: “Em tudo o que fizeres, lembra-te do teu fim, e jamais pecarás” (Eclo
7:40 apud SOUZA, 2015, p. 1), e os membros das Igrejas, buscaram meios de
alertar ao povo os perigos que correriam se não levassem uma vida de acordo com
as doutrinas cristãs. Com essa proposta de advertência, no século XV surgiu um
gênero literário denominado Ars Moriendi6, o qual era nada mais que uma espécie
de manual direcionado ao público leigo de como se ter uma “boa morte” através da
prática das virtudes e abandono dos pecados capitais.

5
“Lembre-se da morte” ou “lembre-se que irá morrer”.
6
“‘Arte de morrer’, um livro xilogravado no qual aconselhava particularmente os leigos a seguirem
uma vida regrada através da prática de virtudes e o abandono dos pecados capitais; além de
denominar o gênero artístico o qual ressalta a temática da natureza-morta’ (SOUZA, 2015, p. 5).
4

Porém nos dias de hoje, o “Memento mori”, a morte é apenas um tabu no qual
as pessoas evitam falar sobre. É muito mais confortável encontrarmos rotas de fugas
da realidade de formas variadas do que tentar enfrentá-la como ela é. A valorização
de objetos e sensações efêmeras são muito mais atraentes e prazerosas do que
prender-se a algo real. Tudo isso, foi reforçado diante do modelo de sociedade
capitalista-consumista, que nas palavras do sociólogo polonês Zygmunt Bauman
concedida à Adriana Prado da Revista Isto é (2010), ele expressa muito bem o
pensamento supracitado: “Em uma vida regulada por mercados consumidores, as
pessoas passaram a acreditar que, para cada problema, há uma solução. E que esta
solução pode ser comprada na loja” (PRADO, 2010, p. 1). Esse apego aos objetos,
essa “humanização” das coisas, são alguns dos motivos para transformar a morte
em um tabu, um assunto que deve ser evitado comentar, ou até mesmo, evitar que
ela chegue. Segundo Eco (2007, p. 63) em uma analogia do tema através da
medievalidade à contemporaneidade:

[...] épocas nas quais a vida era mais breve que a nossa, em que se
morria mais facilmente, vítimas de pestilências e da escassez, e se
vivia em um estado de guerra quase permanente, a morte aparecia
como uma presença ineliminável – muito mais do que acontece em
nossos dias, quando vendendo modelos de juventude e formosura,
fazemos todos os esforços para esquecê-la, ocultá-la, relegá-la aos
cemitérios, nomeá-la apenas através de perífrases ou exorcizá-la
reduzindo-a a um simples elemento de espetáculo, graças ao qual é
possível esquecer a própria morte para divertir-se com a dos outros.

Ou seja, há uma busca para esconder a realidade (ou fugir, nesse caso), uma
procura pela jovialidade eterna e ao atraso da deterioração do corpo, incentivados
por comunicações de massa e as mais variadas clínicas estéticas inauguradas
diariamente. Todas essas ideias encaixam-se perfeitamente ao rumo que esse artigo
irá tomar a partir do próximo tópico.

2.1 O GÊNERO ARTÍSTICO VANITAS

As “vaidades” começaram a ganhar forças no século XV, juntamente com as


Ars Moriendi. Segundo Andrade e Marquetti (2016, p. 13): “o gênero tem o intuito de
demonstrar a fragilidade da vida frente a inexorabilidade da morte [...] apresenta
5

grande foco em evidenciar as futilidades humanas e dos perigos dos prazeres


excessivos”.
As vaidades têm o objetivo de causar uma autorreflexão em seus
apreciadores, ressaltando a efemeridade da vida e que independente de estamento
social ou bens que possui, a morte chegará da mesma forma a todos, como vemos
em Ariés (2014, p. 139):

[...] poetas latinos do século XII já celebravam a melancolia das


grandezas desaparecidas: “Onde se encontra agora a Babilônia
triunfante, onde estão Nabucodonosor o terrível, e o poder de Dário?
[...] apodrecem [...]. Onde estão aqueles que nos precederam nesse
mundo? Ide ao cemitério e contemplai-os. Já não passam de cinzas
e vermes, suas carnes apodreceram [...].

Ou seja, todas as grandezas, todas as conquistas tão historicamente


conhecidas, hoje em dia não passam de ruínas, vestígios desses grandiosos feitos,
porém não possuem o mesmo poder e autoridade que um dia vieram a possuir. Os
mais notórios personagens históricos, diante de toda riqueza e poder, também não
conseguiram fugir da chegada do inevitável. Calheiros (1999, p. 2), define as
“vaidades” de acordo com o hebraico:

O termo hebraico que traduz a palavra vaidade, qohelet (grifo


próprio), significa etimológica e literalmente “vapor de água”. Faz
parte com água, sombra, fumo, aragem, brisa, nuvem, do repertório
inefável dos vocábulos que nomeiam imagens de substância
efêmera, que ilustram eficazmente a ideia de “fragilidade humana”,
patente nos múltiplos momentos do pensamento hebraico antigo.

Por meio desses trechos, verificamos o alto teor de conscientização contidos


nesse gênero e sua busca para uma autorreflexão, diante de toda leviandade e
ignorância dos indivíduos no meio social e sua despreocupação com as
consequências dos seus atos.
As Vanitas caracterizam-se pelos elementos contidos no espaço de sua
produção, meios que nos remetem a iminência da morte, da imperfectibilidade e
brevidade da vida do ser humano representados de forma simbólica, constituído por
artefatos de natureza morta:

[...] a caveira e as tíbias figuram como elemento central de


composição e são seguidas de outros objetos que simbolizam as
6

vaidades: da beleza (espelhos de mão, jóias e outros adornos


femininos); da riqueza (moedas de ouro e prata e itens valiosos em
geral); da sabedoria (livros, máquinas e mecanismos científicos);
das artes (quadros, esculturas, máscaras e instrumentos musicas);
dos prazeres mundanos (os dados e as cartas de baralho de jogo).
Completando o conjunto de simbolismos da temática temos os
motivos artísticos que representam a passagem do tempo e a
efemeridade da vida, tais como: as ampulhetas, os cronômetros, as
velas apagando-se, os cachimbos ardidos, as taças de vinho
derramadas e as bolhas de sabão. As flores murchando e os frutos
apodrecendo, eram motivos que tanto simbolizavam a brevidade da
vida como a vaidade da efêmera beleza do corpo (WITECK;
MOREIRA, 2012, p. 3).

Símbolos esses utilizados na linguagem iconográfica das pinturas, buscando


conscientizar seus apreciadores através da simbologia, com objetos que remetem à
determinadas ambições ou sentimentos/sensações que são passageiras e ilusórias.
A consciência de que nosso tempo é curto, para pararmos e refletirmos se o que
estamos fazendo agora, é uma semente boa ou má plantada para o futuro, para que
não venhamos a desperdiçar a oportunidade de estarmos vivos.

2.2 PIETER BRUEGEL (1525? – 1569) E O “TRIUNFO DA MORTE”

Pieter Bruegel, o Velho (1525? – 1569), tem muito de sua história sob as
sombras, mas sabe-se que nasceu próximo à região de Hertogenbosch, o que não
resta dúvidas também de que o artista Hieronymus Bosch (1450 – 1516) o
influenciou muito (JANSON, 2001), com suas obras fantasiosamente magníficas do
sobrenatural e suas paisagens e veio a atuar fortemente na região de Antuérpia.
No contexto da Reforma, o protestantismo influenciou muito na área artística,
pois a maior parte do “sustento” e vendas dos artistas eram destinados à Igreja
Católica. Nessas regiões, brotou a dúvida se a arte deveria ou não existir, pois os
artistas dessas áreas perderam sua melhor fonte de renda (GOMBRICH, 2012).
Dentro dessa região, diante do contexto, surge Bruegel que, para Gombrich
(2012), foi o maior dos mestres flamengos do gênero no século XVI e para Janson
(2001) o único (grifo próprio) gênio entre os pintores dos Países Baixos.
Reconhecido por suas pinturas em gênero e paisagens, teve seu amadurecimento
artístico após sua viagem à Itália entre 1552 – 53, que viria a ser notado a partir de
7

1560, década na qual pintou a obra que trabalharemos a seguir, “O Triunfo da


Morte” (1562-63).

2.2.1 Leitura Da Obra

Segundo Eco (2007), as literaturas dos Triunfos, demonstram sempre o


triunfo da morte sobre a vaidade humana, o tempo e a fama. E na obra de Bruegel, é
o que encontramos em meio ao caos de mortes, rostos horrorizados e figuras
esqueléticas.
Mesmo não representando o purgatório ou o próprio inferno, Bruegel cria um
cenário dantesco, o qual traz consigo a ideia inicial e aterrorizante que o cristianismo
veio a alastrar na medievalidade. Paisagem repleta de massacres e destruições em
todos os cantos que venha a se observar, há morte por todos os lados das mais
variadas formas, cabeças decepadas, corpos sob a terra e afogando-se ou boiando
sobre a água, pessoas sendo torturadas, alguns sendo degolados, pisoteados pelo
exército da Morte e até mesmo alguns pendurados nas rodas de carroça7.

7
Antigo método de tortura usado pela Santa Inquisição e também contra a Peste Negra no século
XIV para se obter informações e livrar o moribundo de transmitir a peste. Uma das modalidades de
tortura mais cruéis (MEDIEVALISTS.NET, 2019?).
8

Figura 1 – “O Triunfo da Morte” (1562-63)

Fonte: Colección, Museo del Prado.8

Ao centro da pintura observamos a principal autora do massacre, sobre um


cavalo esquelético pisoteando nos corpos ali estendidos, um esqueleto carregando
consigo seu principal distintivo – a foice – representatividade da Morte, avançando
contra a população com apenas uma rota de fuga: uma espécie de túnel escuro, no
formato de um enorme caixão, provavelmente simbolizando que independente da
sua fuga, a morte sempre lhe alcançará, impossibilitando qualquer esperança de
salvação. Ao redor, vários esqueletos portando escudos com um emblema de
crucifixo ao centro, similares a tampas de caixões, impedindo com que haja outra
rota alternativa de fuga a não ser aquele túnel escuro.
No canto inferior esquerdo, observamos um esqueleto montado em um cavalo
e um corvo atrás do mesmo, carregando um sino, simbolizando que o fim havia
chegado e, esse mesmo cavalo, transportando uma carreta repleta de crânios de
uma provável devastação anterior. Mais abaixo encontramos um homem, que
apenas um rápido olhar basta para notarmos ser um rei, no qual um esqueleto o
segura lhe mostrando uma ampulheta (um dos símbolos das Vanitas), simbolizando

8
Disponível em: https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/el-triunfo-de-la-muerte/d3d82b
0b-9bf2-4082-ab04-66ed53196ccc. Acesso em: 17 maio 2020.
9

que seu tempo acabou, e de nada mais vale seu cetro de poder ou mesmo a coroa
que lhe concedia o domínio de uma dimensão de terras. Ele estende a mão em
direção a um outro soldado da morte que está mexendo em moedas de ouro, outro
símbolo de que o que nos apegamos aqui, não irá conosco, um símbolo da riqueza.
No canto inferior direito, notamos pela vestimenta dos ali presentes que
pertencem à uma classe mais alta devido aos culotes – nobres armados com
espadas e em posição de defesa para lutarem por suas vidas. Em meio a essas
pessoas, uma mesa com alguns alimentos, moedas, um crânio ao centro e um copo
derrubado (também símbolo das Vanitas, representando a brevidade da vida). Ao
lado esquerdo, há uma mesa de jogos sobre o chão com dados e várias cartas em
volta, as quais, segundo Witeck e Moreira (2012), demonstram o apego aos
prazeres mundanos. Ao extremo canto da direita, há um jovem casal. O rapaz com
um alaúde olha para sua amada com um olhar desesperado e ela, aparentemente
tentando acalmá-lo com a mão em seu ombro e lendo algumas partituras que se
encontram em suas mãos, mas esse amor não impede que a morte não esteja à
espreita, representada pelo esqueleto com instrumento musical atrás do casal.
Ao centro da pintura, onde há um monumento pegando fogo, se observarmos
ao lado esquerdo dessa estrutura, conseguimos identificar criaturas demoníacas em
forma de comemoração diante do triunfo da morte. Percebemos nessa cena as
influências de Bosch nas obras de Bruegel, retratando criaturas horrendas,
animalescas e infernais deleitando-se diante do sofrimento humano.
O Triunfo da Morte espantou de forma positiva (devido às técnicas utilizadas
no quadro, assim como seus detalhes) e negativa (representação do medo que
tomava conta da época) a sociedade. Inspirado por todos os acontecimentos
recorrentes, como as constantes guerras, inclusive pela Revolução Holandesa ou a
Guerra dos Oitenta Anos (1568 – 1648); a fome também constante, devido à
pobreza e algumas vezes a escassez dos alimentos, como a que houve no século
XIV; e a fragilidade da saúde humana, com a precariedade dos serviços médicos e
sanitários, desconhecendo remédios e curas para as doenças que vinham afetar aos
sujeitos, como a Peste Negra, por exemplo. Nas palavras de Calheiros (1999, p. 2):

Foram formas de representar a morte, realidade omnipresente por


esses idos, devastados por pestes e insuficiências médicas e
sanitárias, subnutrição, promiscuidade e falta de higiene, tudo
10

potenciando o “trabalho” eficaz do espectro final. Os quatro


Cavaleiros do Apocalipse – a Guerra, a Fome, a Peste [...] e a Morte.

Todos esses fatores contribuíram para a criação dessa obra que se mostra
tão atual de Pieter Bruegel. Para um breve resumo, nada mais que a humanidade
lançada nas mãos do destino, que se faz inexorável para essa situação. Demonstra
o poder do temor que tomou conta da mentalidade dos homens pelo cristianismo
desde sua criação, implantação e divulgação, remetendo através das expressões,
sensações de vergonha, culpa, pecado, clemência, piedade e misericórdia dos
elementos da pintura. Mas, como o destino, a Morte se mostra inflexível e
implacável, pois não há escapatória para ninguém, seja rico ou pobre, religioso ou
não.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do conteúdo trabalhado, percebemos como o assunto “morte” é pouco


discutido em sociedade e como o mesmo é evitado de todas as maneiras. Há um
enorme tabu por trás desse tema, no qual as pessoas sentem-se desconfortáveis
em falar sobre. Sentem-se felizes quando se palpita uma idade inferior à que
possuem, evitam deixar que a velhice chegue até eles, desviando-a de todas as
formas possíveis. Não é à toa os cupons fidelidade em clínicas estéticas, a busca
por cirurgias, implantes, até mesmo o esforço atrás de uma “fonte da juventude”.
Diante desse apego exacerbado na matéria, com as tecnologias de
informação divulgando a cada segundo os padrões estabelecidos na sociedade de
como deve ser, se vestir, comer, fazer, etc., os sujeitos encontram-se bombardeados
de informações irrelevantes e o fazem deixar de pensar, torna-se difícil uma
conscientização baseada em uma autorreflexão a respeito da vida de cada um. É
muito mais prático, fácil e rápido receber as informações prontas e pré-estabelecidas
de uma rede social do que parar e refletir sobre quem realmente é, e qual seu papel
na sociedade.
A obra de Bruegel, assim como as obras baseadas nesse gênero artístico,
tendem a nos alertar através de sua iconografia se realmente nos conhecemos e
estamos levando a vida da forma que gostaríamos de estar vivendo. Verificamos a
11

importância da leitura crítica em obras de arte, na qual as mesmas podem nos


revelar muito sobre nós mesmos e como é importante conhecermos determinados
fatores históricos para que nossas mentes não fiquem aprisionadas na alienação
através da política do “pão e circo” e esqueçamos nosso papel social ou até mesmo,
esqueçamos quem realmente somos.
Por fim, vemos que é necessário sempre estar repensando nosso modo de
viver e buscarmos ver além do que as coisas têm a nos mostrar, pois muitas vezes,
ali pode estar a chave para seu autoconhecimento.

REFERÊNCIAS

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12

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