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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

Emmanuel Zagury Tourinho Reitor


Gilmar Pereira da Silva Vice-Reitor

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÔS-GRADUAÇÃO - PROPESP


Maria Iracilda da Cunha Sampaio Pró-Reitora

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE - ICA


Adriana Valente Azulay Diretora-Geral
Joel Cardoso da Silva Diretor-Adjunto

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES - PPGARTES


José Denis de Oliveira Bezerra Coordenador
Alexandre Romariz Sequeira Vice-Coordenador

EDITORA PPGARTES
Maria dos Remédios de Brito Coordenadora Editorial
Larissa Lima da Silva Assistente Editorial

COMITÊ CIENTÍFICO
Profª. Drª. Maria dos Remédios de Brito - Presidente
ICA, Universidade Federal do Pará
Profª. Drª. Ana Claudia Leão
ICA, Universidade Federal do Pará
Profª. Drª. Ana Flávia Mendes
ICA, Universidade Federal do Pará
Profª. Drª. Ana Mae Tavares Bastos Barbosa
ECA, Universidade de São Paulo; Universidade Anhembi-Morumbi
Profª. Dr. Áureo Deo de Freitas Júnior
ICA, Universidade Federal do Pará
Profª. Drª. Giselle Guilhon Antunes Camargo
ICA, Universidade Federal do Pará
Profª. Dr. José Carlos de Paiva
FBA, Universidade do Portel
Profª. Drª. Laura Malosetti Costa
IA, Universidad Nacional San Martin
Profª. Drª. Maria das Vitórias Negreiros do Amaral
CAC, Universidade Federal de Pernambuco
Prof. Dr. Orlando Franco Maneschy
ICA, Universidade Federal do Pará
Profª. Drª. Rejane Coutinho
IA, Universidade Estadual Paulista
Profª. Drª. Valzeli Figueira Sampaio
ICA, Universidade Federal do Pará A Editora do Programa
Profª. Drª. Cintia Vieira da Silva de Pós-Graduação em
Universidade Federal de Ouro Preto Artes da UFPA pratica
a avaliação por pares
Prof. Dr. Adrian Esteban Cangi (preferencialmente
Universidade Nacional de Avellaneda da Argentina externos) e seu eixo
e Universidade de Buenos Aires/Argentina editorial refere-se às
Profª. Drª. Verônica Miranda Damasceno linhas de pesquisa
Universidade Federal do Rio de Janeiro deste programa.
VOZES AMAZONIANAS
Diversidade, Memória e Visibilidade no Território da Arte

FICHA TÉCNICA LIVRO SEMINÁRIO


Organização Canal do Youtube
Orlando Maneschy abre.ai/vozesamazonianas
Maria Christina
VOZES AMAZONIANAS - LIVE #01
Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica Travessias Amazônica - 16/06/2021
Sâmia Batista
Orlando Maneschy VOZES AMAZONIANAS LIVE #02
Corpus e Memórias-21/06/2021
Capa
Sâmia Batista a partir VOZES AMAZONIANAS LIVE #03
de ilustração de André Lima Percursos | Lançamento do livro -
16/11/2021
Revisão Textual
Maria Christina - NiTAe2
Orientação e Coordenação da live
Orlando Maneschy Fernanda Chocron e Felipe Florencio

Produção Mediação YouTube


Maria Christina Paola Maués

Design gráfico
Sâmia Batista
VOZES AMAZONIANAS
Animação
Tamires Nobre Diversidade, Memória e Visibilidade no Território da Arte
Estampa
André Lima
Direção
Orlando Maneschy
Produção
Maria Christina

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca


do Programa de Pós-Graduação em Artes da LIFPA

V977v Vozes Amazonianas [recurso eletrônico]: Diversidade, Memória e Visibilidade


no Território da Arte/ Orlando Maneschy e Maria Christina, organizadores.
- Belém: Programa de Pós-Graduação em Artes-UFPA, 2021.
1 recurso online

Vários artistas.
Publicação digital {e-book) no formato PDF.
Acesso: https://ppgartes.propesp.ufpa.br/index.php/br/

ISBN 978-65-88455-21-0

1. Arte contemporânea - Amazônia. 2. Arte - aspectos politicos. |.


Maneschy, Orlando, Barbosa. Maria Christina orgs. li. Titulo.
CDD 23. ed. - 709.8110905

Elaborado por Larissa Silva - CRB-2/ 1585 Orlando Maneschy I Maria Christina, Orgs.
O projeto VOZES AMAZONIANAS: Diversidade, Memória e Visibilidade no Terri-
tório da Arte ativa um espaço para trocas de ideias e experiências de agentes do
campo da arte, com o objetivo de contribuir para a difusão do patrimônio cultural
e da história presente nas vivências de artistas e pesquisadores que, de uma forma
ou de outra, tomam parte na coleção Amazoniana de Arte da UFPA. Para além
de se constituir em um conjunto de obras e documentos artísticos a lançar olhares
para a história, paradoxos e os processos empreendidos na região, a Amazoniana
é ambiente atento à diversidade e à pluralidade de vozes, promovendo a inclusão
e o debate sobre a experiência de atuar neste território e sobre os impactos da
colonialidade, bem como um espaço vinculado ao ensino, à pesquisa e à extensão
por meio de métodos formais e não formais de intercâmbios de conhecimentos e
experimentos compartilhados.

Neste sentido o projeto reitera parte da missão da Amazoniana, no sentido de


aproximar um conjunto de falas, apresentadas em forma de lives e disponibiliza-
das em rede, e em publicação e-book, com obras e textos reflexivos sobre o terri-
tório amazônico, seu contexto histórico e patrimonial artístico, a partir do diálogo
e da participação de atores. Assim, múltiplas percepções e saberes são ativados
nos encontros desses olhares e do patrimônio contido em documentos e obras pre-
sentes na Amazoniana e que podem ser acessados aqui e nos arquivos
disponibilizados em rede.

Longe de desejar constituir um uníssono, percebemos que entre memórias, apro-


ximações, pausas e vontades, há um legítimo anseio de acionar estratégias de re-
sistências e re-existências nesta terra historicamente assolada por projetos de de-
senvolvimento que, cada um a seu tempo, propuseram atingir o Eldorado. Diante
de uma história marcada por conflitos, exclusões e aniquilamentos, a Amazoniana
congrega artistas e pesquisadores que percebem seu tempo histórico de forma
crítica e o reverberam em obras analíticas que ora se materializam em textos, ora
em obras de arte que pulsam na intensidade do agora.

Neste livro reunimos um conjunto de visões e falas que sinalizam a multiplicidade


de perspectivas ativadas nos encontros nos quais as falas ocupam seus lugares
em um fluxo de coconstrução desenhadas nas trocas de ideias, em imagens que
dialogam e questionam.

Essas pessoas trazem parte do que as motivam e alimentam, e nós reunimos isso
na perspectiva de potencializar experimentações e repercussões do estar em fricção
com o mundo e com a própria Amazoniana enquanto plataforma de ação e acervo.

Para nós este livro é um pequeno convite à escuta e à conversa entre os que bus-
cam criar espaços para o pensamento e a criação. Fragmentado, pequeno
mapa, dispara convites e solta pistas. Que ele seja um eco que reverbere em cada
um que se dispuser a escutar.

Os editores
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N ota escape ]ou[ apontamentos para IMPORTÂNCIA .S


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Já que importar-se é aqui uma estrutura que se localiza pela ética do/s afeto/s e da diversidade.

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CREDENCIAR-SE

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2 DA LÓGICA DA IMPORTÂNCIA PARA AS PONTES DO IMPORTAR-SE.(((


O receio de que o acionamento dessas forças, tratariam-

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s seres que se importam são os mesmos se apenas de questões em torno de uma temática local
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que buscam agir, cuidar, preservar, permitindo que os ou uma especie de localismo de oportunidade. Trata-se
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demais também possam ter acesso a esse acervo no de um modo de, também, nos reconhecermos
O tempo é continuum implacável. Uma possibilidade alegórica
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futuro, garantindo assim a sua posteridade, importando- enquanto livres agentes de conhecimento,
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existencial. O que ergue-se como importante numa era, pode deixar de ser se com aquilo que, historicamente, parece ter sido transformação e preservação. Quando estabelecemos a
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agenciado sobre uma perspectiva não plural e nossa diversidade de pensamento como uma estratégia
na outra… Frágeis poderão ser as memórias que não inscrevem-se no seu
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excludente. Trata-se de uma missão ética, um modo de de des-soterramento, nos posicionamos diante dos
tempo… ação/pensamento. Estratégias perante os sucessivos universalismos e problematizamos anulações históricas.
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ataques de não-identificação do lugar local em sua Evocar a palavra AMAZÔNIA não deveria suscitar
relevância e potência bio/socio/política. tantos medos/receios, já que a palavra não vincula-se,
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Desfazem-se, evadem-se, deslocam-se, embaralham-se, perdem-se… A territorialidade, a exuberância, a umidade, as apenas, a uma lógica estanque de importância temática.
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Nos localizaríamos, caso fôssemos radicalmente descolados do tempo presente? complexidades, as matérias, a natureza, as populações, Ela também nos incita na criação de novos paradigmas
a/s ancestralidade/s, as paisagens, as tradições, o/s para a ampla percepção/recepção de suas
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O presente nos atravessa, nos requalifica a cada novo despertar;


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modo/s de vida/s, a flora, a fauna, os conhecimentos, complexidades, magnitudes, particularidades, seus


As margens para os ancoradouros da memória são instáveis, requisitam esforços.
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as oralidades, os saberes, as imensidões, os mistérios, conhecimentos, suas lutas… Tentativas de possíveis


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os ritos, as vivências, as violências… são forças que entendimentos sobre esse lugar de Brasil profundo
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As corredeiras das percepções são compostas de trânsito e transitoriedade… podem significar/credenciar gestos, conceitos, tratam-se, sobretudo, de importar-se com o lugar em
processos e inúmeros outros aspectos que cercam a que vivemos e experienciamos de forma tão diversa. E
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Seus cânions são frutos de escavações ininterruptas e contínuas…


produção de conhecimento nas criações artísticas, nas ao qual deveríamos, coletivamente, sob todos os
Obras da natureza temporal, entalhadas no percurso persistente da/das VIDA/S;
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suas teorias, críticas, histórias e sistemas. Não há aspectos, buscar credenciar, inscrever e preservar..
Travessias, lugares do pensamento, lugares do IMPORTAR-SE… sentido nos contínuos estranhamentos e na percepção/
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to new mental spaces.

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Pablo Mufarrej
Belém PA
Dom. 04 de Abr., 2021

Texto/ensaio para Amazoniana


Fragmento 1
]ou[ Introdução para o desenvolvimento de estudos.
Keyla Sobral
Subindo a Serra

Volto a Serra do Navio muitos anos desde a última vez. Ando pelas ruas da minha
infância e quase posso ver outras crianças correndo ou andando de velocípede e
bicicleta em ruas seguras. Desço ao subsolo do clube, antigo CCH, em busca do
salão de boliche - as portas estão trancadas. Mato alto por todo lado. A piscina seca
e suja é o retrato do abandono. Ruas esburacadas, calçadas quebradas, hospital
vazio - sem equipamentos, os bancos virados. É o avesso do avesso.

É o que sobrou de quase 50 anos de exploração do manganês, é só uma sombra


da cidade linda e solar projetada pelo paulista Oswaldo Bratke para receber a sede
da Indústria e Comércio de Minérios que trouxe profissionais qualificadíssimos de
áreas diversas, e de diferentes regiões brasileiras, para morar e trabalhar no meio
da floresta amazônica, a 200 quilômetros de Macapá, no então Território Federal
do Amapá no final dos anos 1950.

Crateras estão em volta da pequena cidade, estão no lugar de onde saíram


toneladas e toneladas de manganês para o mundo, sepultando ao mesmo tempo o
anseio de uma vida melhor, legando aos que lá ficaram miséria e abandono.

Não há como não me emocionar. Soube que há tempos não se via nevoeiro pela
manhã bem cedo e enquanto estive lá ele me envolveu por dois dias seguidos,
criando o cenário ideal para um novo desaparecimento, para saudar uma velha
amiga, e também dizer adeus.

Maria Christina Subindo a Serra, performance orientada para video, 2010


Fora de si

- Levar de um lugar ao outro e depositar uma coisa em um lugar.


- O lugar onde esta coisa ficará já não é mais o lugar - é a coisa.
- Metamorfose de espaço em matéria? O lugar deixa de ser puro?
As coisas não são puras.
- O lugar para existir depende do gesto que o aponte, da linha
que o delimite, de uma coisa que o preencha?
- A coisa, por sua vez, necessita do lugar que a receba, que a
torne necessária, que a identifique entre tantas outras coisas?
- Há um espaço a ser preenchido?
- Há um vasto espaço. E as coisas são ocupações de espaços...
E gestos locam-deslocamrelocam coisas no espaço.
- Neste lugar, esta coisa, neste gesto?
- Lugar persegue coisa e gesto; coisa persegue gesto e lugar;
gesto persegue lugar e coisa...
- Uns e outros, por vezes, completam-se e anulam-se?
- Há um registro da transposição de informações: um entrepos-
to - lugar sem perguntas e respostas; ocupado pelo incerto , por
manuseios e superações.
- E a coisa está num lugar que não se preencheu?
- É possível que reste um lugar... outra coisa-lugar.
( É dado um encontro e repito e repito e repito – persigo: um
mesmo outro gesto que transmuda-se em coisa, que transmuda-se em
lugar, que transmuda-se em encontro. Informo:
por simbioses, por desdobramentos. Não faço nada, coisas estão
feitas, estão no mundo – é reduplicar-se.)

Oriana Duarte, 1997 A COISA EM SI, detalhe performance, 1998 A COISA EM SI. Sopa de pedras. Belém, 1998
DECOLONIZAR O MUSEU É UMA QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA
DO PRÓPRIO MUSEU

Paola Maués

Decolonizar o museu pode parecer uma tarefa impossível, já que a


decolonização é compreendida justamente como o processo que busca
transcender historicamente a colonialidade. Se o museu é fruto de uma narrativa
colonial, que ainda hoje reproduz e afirma o discurso de poder, pode parecer fazer
mais sentido abolir de uma vez com essa instituição. Porém, enquanto um
dispositivo de narrativas e de visibilidade, o museu pode ser um importante aliado
para a decolonização do poder, do conhecimento e dos seres. Mas, para isso, todo
um processo de desconstrução e estiramento de suas estruturas precisa ser
realizado, no espírito da desobediência epistêmica e estética, enunciado por
Mignolo (2018). Nem tudo está perdido, porém o tempo urge e as mudanças são
para ontem.

No momento em que vivemos - de crise do sistema capitalista, ameaças à


democracia, ascensão do fascismo, xenofobia, aquecimento global, negacionismo
científico, pandemia e ultraliberalismo, é impensável não submeter as práticas
museológicas à crítica decolonial. Precisamos justificar a existência e permanência
do museu, não como reprodutor de uma lógica opressora e mercadológica, mas
enquanto lugar de resistência e afirmação das subjetividades e dos grupos
oprimidos. É necessário abandonar o mito da neutralidade do museu e reivindicar
um posicionamento coerente a sua missão e objetivos, que por sua vez precisam
ser acessibilizados ao público, estes que, por fim, precisam cobrar sua efetivação.

A perseguição e censura que os artistas e museus têm sofrido no período


recente no Brasil é um alarme para que as instituições de arte e cultura reflitam
criticamente sobre suas ações, revejam posicionamentos e suas próprias vocações.
Ficar neutro numa situação de injustiça é escolher o lado de quem oprime: os que
escolhem se calar em momentos de censura, de desmonte da cultura e da
precarização do trabalho, estão sendo coniventes com o desmantelamento desses
setores, que são primordiais para a vida. Afinal, durante a pandemia, o que está
servindo de respiro para o cotidiano repetitivo das atividades remotas é a arte: as
produções audiovisuais, as músicas, a literatura, dentre outras. Depois de todo esse
desmonte, sobrará o que? Como os artistas e instituições de arte e cultura poderão
sobreviver, reféns de uma economia neoliberalista, em que o lucro está acima de
todos?
Caso mais recente da escrita deste texto é a utilização do incêndio do a presidir a Mesa-Redonda de Santiago, e a apresentar como aplicar a sua teoria da
Museu Nacional, instituição ligada à Universidade Federal do Rio de Janeiro, criado educação na museologia, porém foi vetado pelo governo brasileiro e não foi ao
em 1818, com papel central para pesquisa, ensino e difusão do conhecimento nas evento3.
áreas de ciências naturais e antropológicas, como desculpa para transformar esta,
que é a mais antiga instituição científica brasileira, em um centro turístico dedicado Como apontam Alves e Reis (2013), a principal contribuição de Freire para
a família imperial1, deslocando o acervo científico para um anexo da propriedade2. a Declaração de Santiago e para a Museologia é a noção de ‘conscientização’, que
Mais um museu para glorificar o passado colonial! Tudo isso articulado pelo ex- se refere à transformação do ser de objeto a sujeito, no estímulo à participação ativa
ministro bolsonarista Ernesto Araújo junto com grupos monarquistas, este que foi na vida pública, engajando-se no todo social: o comprometimento com uma
afastado do cargo pelo presidente Jair Bolsonaro por pressão do congresso. realidade a ser transformada. Freire pensa ao mesmo tempo a educação como “[...]
Araújo também protagonizou uma das cenas mais absurdas da política brasileira ato político, como ato de conhecimento e como ato criador” (GADOTTI apud
das últimas semanas, quando Filipe Martins, assessor internacional da presidência, ALVES; REIS, 2013, p 129).
fez um gesto supremacista branco durante sessão do senado. Vamos ficar dando
voltas no passado colonial e racista, ou iremos nos projetar para o futuro? Essa participação ativa no todo social e transformação de realidades é a
forma como acredito que os museus possam atuar efetivamente num processo de
A sociedade não precisa do museu, mas o museu precisa da sociedade. Eu decolonização dos seus processos, técnicas, conceitos e ações. Para isso, as
uso esta frase quase como um mantra, repetindo sempre para lembrar do que é comunidades precisam ser convidadas e estimuladas a entrar efetivamente nesses
mais importante no trabalho com museus e coleções: as pessoas. É para isso que o espaços como agentes de mudança efetiva, tendo voz ativa e trazendo seus pontos
museu existe: para educar, provocar, difundir e transformar realidades de vidas de vista, ideias e anseios. A Museologia precisa ser pensada enquanto um ato
humanas. Porém, sem a sociedade, o museu não é nada, pois perde a sua razão de político, ato de conhecimento e ato criador, assim como Freire pensava a educação
ser. Portanto, qual é o papel social de um museu que não corresponde aos anseios libertária.
da sociedade de seu tempo?

Paulo Freire propõe inverter o processo educativo. Considera antes


Desde a segunda metade do século XX o papel social dos museus foi sendo
que o objecto da educação, o educando, tem também alguma coisa
colocado no enfoque das discussões. Como marco temos a Mesa Redonda de importante a oferecer, da qual o educador e todos nós temos
Santiago do Chile, realizada pela UNESCO em 1972, que repercutiu sobre o papel necessidade. No domínio da cultura, é importante inverter
dos museus como agentes de inclusão cultural, de afirmação da identidade de igualmente a relação da oferta e da procura. Todo cidadão, toda
comunidade oferece alguma coisa em troca do que o agente
grupos sociais, de reconhecimento da diversidade e de desenvolvimento
cultural pode lhe oferecer. (VARINE, 1996, p 8)
econômico. É significante mencionar a relevância deste evento, que discute as
relações entre sociedade, educação, meio ambiente e desenvolvimento, no
momento em que o Chile era governado pelo socialista Salvador Allende, eleito Seguindo esse intuito dos museus em decolonizar seus espaços, Cocotle
através de uma coalização de partidos e movimentos de esquerda, porém numa afirma que podemos identificar duas tendências, que não se excluem: “[...] uma
América Latina atravessada por governos autoritários de direita. engloba iniciativas que têm como foco de interesse as políticas de identidade e
representatividade, enquanto a outra tem como eixo a introdução de uma
Outro fato valioso é a referência às ideias de Paulo Freire, importante categoria, o Sul, que se oferece como solução epistemológica” (2019, p 4). A
educador e pensador brasileiro do século XX, na elaboração da Declaração de pesquisadora afirma que a última tendência tem prevalência no discurso da arte
Santiago. Mesmo sem ter a intenção, o pensamento de Freire inspirou o contemporânea, e se transforma em principal tendência e eixo de trabalho para
pensamento museológico de forma seminal, e foi convidado por Hughes de Varine desmonte do arcabouço colonial em museus em coleções de arte.

1
Cabe destacar que já temos o Museu Imperial em Petrópolis.
2
Para saber mais, veja a nota de repúdio assinada pelo Fórum de Entidades em Defesa do
Patrimônio Cultural Brasileiro disponível aqui:
<https://forumpatrimoniobr.wordpress.com/2021/03/27/nota-sobre-a-transformacao-do-museu-
3
Para saber mais sobre a relação de Paulo Freire com o pensamento museológico e a Mesa-
nacional-em-centro-dedicado-a-familia-imperial/>. Redonda de Santiago do Chile, ver: ALVES; REIS, 2013.
Enquanto viés epistemológico, a categoria Sul é uma interessante forma despolitizada, sugerindo uma aparente harmonia, esquecendo o campo de
ferramenta para a desconstrução da narrativa colonial, pois o museu enquanto batalhas que se travam para que essas subjetividades possam entrar nos museus.
instituição moderna tem fundamento epistêmico e sua razão de ser na lógica
colonial. Trazer esse debate à tona pode provocar mudanças significativas em Inserindo esses grupos de forma controlada e limitada em seus espaços, o
direção aquilo que acreditamos enquanto ação decolonial. Porém, a maioria das museu se torna um mecanismo de criação de corpos dóceis - submissos,
ações que têm sido realizadas em museus neste sentido se dão numa esfera adestráveis e utilizáveis, assim como descrito por Foucault (2013, p.132): “É dócil
superficial, muita das vezes não conseguindo ultrapassar nem o plano das um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser
exposições. Mesmo nesse nível, muitas dessas ações são verticais e privilegiam o transformado e aperfeiçoado”. Os corpos, corpas e corpes estiverum presus de
discurso de autoridade dos ‘especialistas’, silenciando outras vozes, apresentando alguma forma em todas sociedades a regimes sufocantes, que lhe impõem
uma narrativa harmoniosa e de conciliação. Precisamos atuar para que a limitações, proibições ou obrigações. Essa descoberta do corpo como objeto e
epistemologia do Sul saia do discurso, inunde o museu e abale as suas estruturas. alvo de poder gerou uma teoria geral do adestramento, que é exercida em
As instituições precisam ser progressistas em seus conteúdos, porém também na instituições de controle da sociedade: “A disciplina fabrica assim corpos submissos
forma como tratam a sua equipe, por exemplo. e exercitados, corpos ‘dóceis’” (FOUCAULT, 2013, p 133)

Quando as discussões sobre decolonialidade são mais temáticas do que Esta anatomia política, ou mecânica do poder, que define como se pode
estruturais, a aparente valorização de grupos oprimidos não implica ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se
necessariamente na abertura de espaços de representatividade nas instâncias quer, mas para que operem como se quer. A alteridade é permitida dentro dos
decisórias dos museus. A criação de mecanismos que permitem dar visibilidade museus, porém de forma ‘organizada’, dentro de certos códigos e limites
aos grupos desprivilegiados a partir das políticas de coleções e exposições, apesar ‘aceitáveis’, dentro daquilo que é permitido pelo consenso dos grupos de
de promoverem ações de afirmação, muitas das vezes tendem a ser subordinadas ‘especialistas’ que tomam as decisões, com grande visibilidade geralmente para
à visão do ‘especialista’ do museu, enfatizando uma relação colonial em que o aquilo que está no hype.
‘outro’ é exotizado e visto apenas como objeto de museu.
Paul Valéry em 1931 escreve um artigo, que se encontra originalmente no
Na Europa do século XVI, com o advento dos museus etnográficos, os volume de ensaios Pièces sur l’art, em que faz uma inserção trágica e poética a partir
museus passaram a ser divididos em dois tipos, como afirma Mignolo (2018, p 312): de uma visita ao Museu do Louvre, e comenta, logo no início do texto: “Ao primeiro
“[...] os museus que contribuíram para a construção da história interna e identidade passo que dou na direção das belas coisas, retiram-me a bengala, um aviso me
da Europa (das antiguidades gregas e romanas à pintura e outros artefatos); e os proíbe de fumar” (VALÉRY, 2005, p 31). Os museus desde suas origens são lugares
que se concentraram na história externa à Europa: das colônias e dos estranhos de adestramento das corpas, de constrangimento, que requerem uma ‘etiqueta’
[...]”. Civilizações subjugadas, não ocidentais e colonizadas, portanto, desde este própria, fato que por si só já afasta o público ‘não especialista’, aquele que não
pensamento, eram objetificadas, exotizadas e apresentadas enquanto acervos detém esses códigos. Este local de autoritarismo do saber se torna mais hermético
etnográficos e de história natural. Aos museus de arte eram destinados os acervos ainda quando utiliza uma linguagem inacessível, principalmente quando falamos
que representavam a genealogia da história europeia. em acervos de arte, conhecimento ainda mais restrito para a maioria da população.
Valéry, então, se questiona o que muitos de nós nos perguntamos depois de uma
Indígenas, afrodescendentes, latinos, mulheres, a comunidade LGBTQIA+, visita ao museu:
dentre outros grupos oprimidos, raramente falam por si mesmos nos museus, mas
na maioria das vezes são transformados em tema, evento comemorativo, objeto e
fetiche. Este tipo de discurso é mais problemático ainda quando ele anula o conflito Não tarda para que eu não saiba mais o que vim fazer nessas
solidões céreas, que se assemelham à do templo e do salão,
e a tensão existentes entre o os discursos oficiais e a luta desses grupos, muita das
do cemitério e da escola... Vim instruir-me ou buscar
vezes apresentando essa relação de forma harmoniosa, como se não houvesse encantamento, ou, de outro modo, cumprir um dever e
disputas de narrativas e omissões na história das instituições, tratando o assunto de satisfazer convenções? (VALÉRY, 2005, p 32).
Os museus podem atuar como importantes dispositivos de ação e
transformação da realidade local, algumas ações interessantes têm sido realizadas
por distintas instituições nesse sentido, principalmente no âmbito das redes e
museus locais. Neste momento de pandemia da Covid-19, em que a humanidade
inteira está aprendendo a se adaptar a novas realidades, talvez seja um momento
interessante para os museus repensarem seu papel social, e refletirem sobre a sua
existência e permanência. É preciso abandonar o mito da neutralidade do museu e
repensar sua vocação, num empreendimento que precisa envolver toda a equipe
do museu, além das comunidades às quais ele serve - essa talvez seja uma forma
interessante de engajar as pessoas na sua causa e demonstrar abertura para uma
renovação. Decolonizar o museu é uma questão de sobrevivência do próprio
museu.

18 de abril de 2021

REFERÊNCIAS

ALVES, Vânia Maria; REIS, Maria Amélia. Tecendo relações entre as reflexões de
Paulo Freire e a Mesa-­-Redonda de Santiago do Chile, 1972 in: Revista
Museologia e Patrimônio, v 6, n 1. Rio de Janeiro: UNIRIO; MAST, 2013. p 113-
134.
COCOTLE, Brenda Caro. Nós prometemos descolonizar o museu: uma revisão
crítica da política museal contemporânea in: MASP; AFTERALL. Arte e
descolonização. São Paulo: MASP, 2019.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. de Raquel
Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2013.
MIGNOLO, Walter. Museus no horizonte colonial da modernidade: Garimpando o
Museu (1992) de Fred Wilson. Trad. Simone Gonçalves e Gisele Ribeiro in:
Revista Museologia & Interdisciplinaridade. v 7. n 13. Brasília: UNB, jan-jun
2018. p 309-324.
VALÉRY, Paul. O problema dos museus in: CHAGAS, Mário. Museu: antropofagia
da memória e do patrimônio in: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. n. 31. Brasília: IPHAN, 2005.
Sonhei que dibubuiava com corpos, eram mulheres guerreiras - 1º movimento, 2021
VIVER(ARTE)

Marise Maués

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a imagem de um
vidro mole que fazia uma volta atrás de casa. Passou um homem
depois e disse: Essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada. Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia
uma volta atrás de casa. Era uma enseada. Acho que o nome
empobreceu a imagem". Manoel de Barros.

Possuo uma natureza de rios e, tal como os anfíbios, de tempos em

tempos preciso achar o rumo das águas onde possa lustrar minhas escamas

empoeiradas pela tuíra do núcleo urbano. De forma que, submetida a um

confinamento forçado percebi com mais clareza minha natureza anfíbia. Há um

ano que não encontro o caminho das águas e isso é quase a morte, me

causando uma espécie de letargia preocupante.

Ocorre que desde menina eu e meus irmãos gostávamos de fantasiar

ou imaginar mundos possíveis. Naquela época não havia televisão ou

qualquer recurso tecnológico do gênero que travasse nossa imaginação. Por

exemplo, no inverno amazônico, quando nosso generoso quintal

transbordava com a água da chuva, mais precisamente nos meses de janeiro,

fevereiro e março, o rio batia em nossa porta. Talvez ele viesse do Furo do Pai

Pedro onde nascemos, a fim de nos fazer uma visita. Ouem sabe saudoso pelo

atrito de nossos corpos ante a queda livre do alto das árvores que margeavam

sua sinuosidade.

Nessa estação das chuvas amazônica eu e minhas irmãs imaginávamos

que íamos para Acapulco ou Paquetá, à bordo de nosso coropó 1 recém caído

1 Chamávamos de coropó a capa protetora que reveste o fruto do inajazeiro e que tem a forma de uma
canoa. Curioso é que nunca pesquisei essa palavra e agora, ao escrever essas linhas fui buscar no
dicionário é encontrei na enciclopédia livre Wikipedia a palavra associada a um grupo indígena Brasileiro
da região do Rio Pomba, nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. O termo "Coropó" se origina na
Penso que sou uma criadora de mundos quando ponho minha

imaginação em atividade. Talvez seja a Marise menina vindo a tona para

respirar e habitar um mundo outro distinto do qual habita cotidianamente

permeado por medo e incertezas. Minhas experiências no campo da

performance nascem de meus incômodos, desejos e pulsões. Eles são os

disparadores do meu fazer artístico, os quais geram imagens mentais. Essas

imagens mentais pulam do plano das ideias e culminam em testemunho

artístico 4. Penso que todos temos a capacidade de manejar uma dada

linguagem artística, basta atentarmos para os sinais indicativos de qual é a

linguagem que pulsa dentro de cada um de nós. Eu por exemplo sempre

gostei da dança e do teatro que são manifestações artísticas que envolvem o

corpo. Esse mesmo corpo que ocupa um espaço e um tempo precisos.

Espaço-corpo-tempo são indissociáveis. É no corpo que se dão os embates de

toda uma vida, em um dado espaço e tempo. Busco por meio da performance,

arte híbrida por excelência, viver as imagens mentais que povoam meu

imaginário, o que denomino de experienci(ação), pois envolvem um fazer que

nunca vivi antes, daí a configuração de uma experiência. Viver essa experiência

requer uma atitude, ou seja, envolve uma ação ou conjunto de ações.

Entretanto por ser algo novo, prescinde de um programa performativo 5 que

envolve decisões e escolhas.

4 Expressão usada por Sérgio Fingermann para se referir a materialização de um pensamento


artístico.
5 Sugiro que a desconstrução da representação, tão fundamental na arte da performance, é
operada através de um procedimento composicional específico: o programa performativo.
Chamo este procedimento de "programa" inspirada pela uso da palavra por Gilles Deleuze e
FélixGuattari no famoso "28 de novembro de 1947-como criar para si um Corpo sem Órgãos".
Neste texto os autores sugerem que o programa é o "motor da experimentação". Programa é
motor de experimentação porque a prática do programa cria corpo e relações entre corpos;
deflagra negociações de pertencimento; ativa circulações afetivas impensáveis antes da
formulação e execução do programa. Programa é motor de experimentação psicofísica e
política. Ou, para citar palavra cara ao projeto político e teórico de Hanna Arendt, programas
são iniciativas.
Muito objetivamente, o programa é o enunciado da performance: um conjunto de ações
previamente estipuladas, claramente articuladas e conceitualmente polidas a ser realizado
pelo artista, pelo público ou por ambos sem ensaio prévio. Ou seja, a temporalidade do
programa é muito diferente daquela do espetáculo, do ensaio, da improvisação, da
coreografia. "Vou sentar numa poltrona por 3 dias e tentar fazer levitar um frasco de leite de
magnésia. No sábado às 17:30 me levantarei". É este programa/enunciado que possibilita,
norteia e move a experimentação. Proponho que quanto mais claro e conciso for o
enunciado-sem adjetivos e com verbos no infinitivo-mais fluida será a experimentação.
Os anos 1960 presenciaram transformações no panorama sócio-cultural imageticamente a ação do tempo sobre meu corpo, agregando sobre mim a

mundial e converteram o corpo em um instrumento de contestação e temporalidade dos sedimentos carregados pelas marés, modificando-o

questionamento através de ousadas e até mesmo agressivas edificações no conforme o tempo passa o que é percebido tanto pela carga de sedimento

campo artístico. depositada em minha veste outrora alva, como na expressão facial e na luz do

ambiente que se alteravam com o passar das horas. Um pouco mais de sete
Nesse sentido, o corpo se transformou em suporte, instrumento, foco e
horas no rio. Muitos me perguntam porquê de tanto tempo. Era uma resposta
emissor de informações, portanto matéria viva e pulsante, negando as
que eu não sabia dar, contudo hoje tenho consciência de que o que faço é
convenções anteriores calcadas na pintura, música e literatura. A busca por
conjugar arte e vida. Assim, o que eu estava fazendo dentro do rio era vivendo
mais liberdade de criação expandiu os horizontes dos artistas a ponto de
plenamente a ação, que no meu entendimento só é possível em um tempo
avançar para além de sua pele e ocupar espaços fora do seu alcance físico
elastecido, a fim de que a corporeidade seja ativada e consequentemente
através das novas possibilidades que as tecnologias ofereciam, aliadas à
tatuado no corpo a experiência vivida. Entendo que o que persigo com
linguagem performática que expunha questões particulares dos performers.
minhas proposições é simplesmente viver (arte) pondo o corpo a prova, ao
O corpo passou a ser tudo o que representava. É nessa seara de fazer artístico
mesmo tempo em que investigo esse corpo.
que insiro meu processo criativo, tendo o corpo como principal veículo de
comunicação. Antes eu me preocupava com o que os outros poderiam falar acerca de

meu fazer artístico, por pensar que vou na contramão do que muita gente faz
Quando fiz minha primeira performance, consciente de que o era (aqui
no campo das artes, pois n. Hoje não mais me importo, sigo apenas
me refiro a obra Loess), meu ponto de partida foi o desejo de ser uma árvore
produzindo de acordo com minhas convicções. Quem sabe o que faço não
e habitar o leito de um igarapé. Viver-árvore em um espaço e tempo precisos,
seja uma decolonização do conhecimento, ainda que inconsciente ao trazer
onde o espaço escolhido foi o espaço físico de minha ancestralidade e no
para o campo da arte meu universo ribeirinho amazônico, poetizando minhas
tempo preciso de duas marés. O subir e o descer das águas materializa
memórias de rios, carregadas de ancestralidade. É difícil exercitar a

decolonialidade após uma vida inteira sob o julgo da subalternidade no


Enunciados rocambolescos turvam e restringem, enquanto enunciados claros e sucintos
garantem precisão e flexibilidade. Outro exemplo de programa performado por William campo do conhecimento. Sempre nos ensinaram que a nossa cultura não era
Pope.L: dispor vidros de maionese numa calçada e tentar vender cada colherada por 100
dólares ("Vendendo Maionese", "Selling Mayonnaise" 1991) - ação para performer negro, válida e isso nos colocou na condição de subalternidade retirando a confiança
calçada cinza e produto branco com valor ofuscante. Outro: sobre a bandeira americana
esticada na calçada, comer o Wall Street Journal ("Comendo o Wall Street Journal", "Eating em nós mesmos. O povo brasileiro é um povo muito rico culturalmente, ainda
The Wall Street Journal" 1991).
que por obra de uma tacanha miscigenação, contudo disso não podemos nos
Humor negro e indigestão certa sobre calçada cinza com bandeira branca, azul e vermelha.
Através da realização do programa, o performer suspende o que há de automatismo, hábito,
esquivar. Contudo é preciso tirar partido desse fato e exteriorizar nossas raízes
mecânica e passividade no ato de "pertencer" - pertencer ao mundo, pertencer ao mundo da
arte e pertencer ao mundo estritamente como "arte". Um performer resiste, acima de tudo e que clamam por serem expostas e decolonizadas. Entendo que a arte é uma
antes de mais nada, ao torpor da aderência e do pertencimento passivos. Mas adere, acima
de tudo e antes de mais nada, ao contexto material, social, político e histórico para a excelente aliada para sairmos da zona de subalternidade.
articulação de suas iniciativas performativas.
Este pertencer performativo é ato tríplice: de mapeamento, de negociação e de reinvenção
através do corpo-em-experiência. Reconhecimento, negociação e reinvenção não apenas do
meio, nem apenas do performer, do espectador ou da arte, mas da noção mesma de
pertencer como ato psicofísico, poético e político de aderência-resistência críticos. (FABIÃO,
2013). Disponível em< file:///E:/@Documentos_Computador/Downloads/276-
Texto%20do%20Artigo-539-1-10-20131231 %20(2).pdf>. Acesso em 21/03/2021.
Boaventura de Sousa Santos advoga em favor de uma Epistemologia do Reflexões Sobre A Ocultação do Rosto Travesti
6
Sul , isto é, a valorização do conhecimento produzido no Sul, onde o sul não

equivale a uma fronteira geográfica propriamente dita, mas é uma metáfora,

onde epistemologia do Sul é uma proposta decolonial que privilegia o

conhecimento de todas as culturas que foram subalternizadas pelas classes


Rafa Matheus Moreira

hegemônicas dominantes (Europa e América do Norte). Assim, as

epistemologias do Sul primam por um diálogo horizontal no que respeita ao Gostaria de começar esse texto relembrando uma cena do filme Jojo
conhecimento dos povos da África, da América do Sul, da Ásia, ou seja, onde Habbit (2019) dirigido por Taika Waititi. Esse é um filme de comédia que
quer que existam povos que foram subjugados econômica, política e retrata uma Alemanha nazista sob a perspectiva de uma criança, o Jojo, logo
cultural mente. no inicio do filme o Jojo se encontra em um acampamento que tem a função
de treinar crianças e jovens para o combate na guerra e lhes introduzir os

Cremação, 19/03/2021 ideais nazistas. Nesse trecho o que me chama a atenção é uma cena bastante
específica que retrata de forma excelente o que quero tratar neste texto, a cena
ocorre em uma sala de aula com a instrutora desenhando no quadro a imagem
REFERÊNCIAS
ECO, Humberto. A definição da Arte. Rio de Janeiro: Record, 2016. FABIÃO, de um “judeu” segundo a visão das crianças e do pensamento nazista. Então
segundo eles um judeu tem “presas”, “língua de serpente”, “escamas, porque
Eleonora. Programa performativo: o corpo-em-experiência. Revista
º uma vez um judeu acasalou com um peixe”, etc. e então a instrutora conclui
do LUME - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais - UNICAMP, n 4, Dez.
que “Os arianos são mil vezes mais civilizados e avançados que qualquer outra
2013.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis: Vozes, raça” e as crianças ali se animam pelo fato de serem “superiores”. Qual o
objetivo do Estado Nazista em corromper a imagem do povo judeu?
2008.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Espistemologias do


Sul. Coimbra: Almedina, 2009. Segundo David Le Breton:

6 Designamos a diversidade epistemológica do mundo por epistemologias do Sul. O Sul é Uma das características da violência simbólica implementada
aqui concebido metaforicamente como um campo de desafios epistémicos, que procuram pelo racista consiste em negar o rosto do outro. Por ser o sinal
reparar os danos e impactos historicamente causados pelo capitalismo na sua relação colonial
do indivíduo – o mais alto valor encarnado por este – o
com o mundo. Esta concepção de Sul sobrepõe-se em parte ao Sul geográfico, o conjunto de
países e regiões e regiões do mundo que foram submetidos ao colonialismo europeu e que,
desprezo a seu respeito passa pela animalização ou o
com excepção (sic) da Austrália e da Nova Zelândia, não atingiram níveis de desenvolvimento rebaixamento do seu rosto: o outro tem uma fuça [gueule], um
económico (sic) semelhantes ao do Norte global (Europa e América do Norte). A focinho [trogne], uma cara de rato, uma cara de poucos amigos
sobreposição não é total porque, por um lado, no interior do Norte geográfico classes e [tête à claque], fácies. O Ódio ao outro leva à sua desfiguração;
grupos sociais muito vastos (trabalhadores, mulheres, indígenas, afro- descendentes) a dignidade do rosto lhe é recusada (2019, p. 14).
foram sujeitos à dominação capitalista e colonial e, por outro lado, porque no interior do Sul
geográfico houve sempre as "pequenas Europas" [grifo do autor], pequenas elites locais
que beneficiaram da dominação capitalista e colonial e que depois da independências a O Rosto é aquilo que melhor nos identifica enquanto humanos. Apesar
exerceram e continuam a exercer, por suas próprias mãos, contra as classes e grupos
sociais subordinados. A ideia central é, como já referimos, que o colonialismo, para além de de seus elementos serem sempre os mesmos (dois olhos, uma boca, um nariz,
todas as dominações porque é conhecido, foi também uma dominação epistemológica, uma
relação extremamente desigual de saber-poder que conduziu à supressão de muitas formas etc) as suas combinações são infinitas e são nessas combinações que nós
de saber próprias dos povos e/ou nações colonizados. As epistemologias do Sul são
o conjunto de intervenções epistemológicas que denunciam essa supressão, valorizam
os saberes que resistiram com êxito e investigam as condições de um diálogo horizontal
entre os conhecimentos. (SANTOS, 2009).
podemos nos identificar enquanto seres humanos pertencentes a uma passado, em relação a anos anteriores, mantendo no país a marca de primeiro
sociedade. Há nas sociedades ocidentais um plano de “coerência e lugar em assassinatos de pessoas T1.
continuidade entre sexo-gênero-sexualidade”, o que sustenta a constituição e
legitimação de uma forma “normal” de vida em sociedade cuja base seria a Aqui eu gostaria de me atentar a duas ferramentas de repressão que os

família (mononuclear moderna). Esta, por sua vez, se sustenta sobre a grupos com Poder geralmente se utilizam sobre os corpos estigmatizados,

reprodução sexual (e social) e, consequentemente, sobre a que são a Injúria e a caricatura. A injúria é uma forma de dominação, controle

heterossexualidade e cisnormatividade. Pode se dizer, então, que esta forma e exclusão que a norma utiliza sobre os demais corpos que não se encaixam

específica de articulação entre corpo, gênero e sexualidade não é natural e nos padrões impossíveis do branco/cristão/hétero/cis/rico/em

nem universal, mas sim inteligível e operante no interior de redes de poder forma/europeu/saudável etc. E essa violência simbólica2, esse rótulo, vai

que a definem e que permitem que ela funcione como tal (MEYER, 2009). atingir de tal forma seu destinatário que vai se tornar um elemento constitutivo
da personalidade desta pessoa. Segundo o autor:
É justamente pela normalização que ideologias repressivas ou
subordinadoras se auto justificam, através de uma narrativa unilinear de um “Viado nojento” (“sapata nojenta”) não são simples palavras
lançadas em passant. São agressões verbais que marcam a
passado que levou e justifica aquele status atual das coisas (BUTLER, 2003). O consciência. São traumatismos sentidos de modo mais ou
menos violento no instante, mas que se inscrevem na memória
“local de fala” dessas ideologias e desses discursos que parecem ser tão
e no corpo (pois a timidez, o constrangimento, a vergonha são
“naturais”, e que justificam a importância e valorização de alguns tipos de atitudes corporais produzidas pela hostilidade do mundo
exterior). E uma das consequências da injúria é moldar a
corpos em detrimento de outros, é certamente um local marcado pelo poder relação com os outros e com o mundo. E, por conseguinte,
moldar a personalidade, a subjetividade, o próprio ser de um
(LOURO, 2015).
indivíduo (ERIBON, 2008, p. 27, grifo do autor).

O Poder está relacionado com a multiplicidade de forças inerentes ao Já a caricatura, é uma alusão a injúria aplicada a imagem de uma pessoa
domínio e a capacidade de organização, ele está em constante reprodução e/ou grupo social, é uma das formas que o discurso dominante tem de
dentro de um sistema social, podendo se configurar de diversas formas, o ridicularizar e estigmatizar a figura da (o) negra (o), da (o) LGBTQI+, etc. A
poder se reproduz nas nossas conversas cotidianas, através das mídias, através caricatura se trata de um “retrato” que representa e ridiculariza todos os
do Estado, através das instituições familiares e religiosas e também nas membros de um coletivo através de traços facilmente reconhecíveis por todos,
instituições de produção do conhecimento. O Poder está a todo o momento reforçando e perpetuando desse jeito preconceitos cristalizados em nossa
vigiando, categorizando e punindo os corpos que se desviam das suas regras sociedade (ERIBON, 2008). Através da violência simbólica, que a injúria e a
(FOUCAULT, 2018). Falando um pouco de como O Poder interfere na vida de caricatura exercem sobre os grupos sociais estigmatizados, ocorre uma
mulheres trans e travestis é uma realidade que em 2020, no Brasil, o número desumanização sistemática desses grupos, quando se é negado a essas
de assassinatos desse grupo aumentou em 43%, entre janeiro e abril do ano
1
Fonte: https://antrabrasil.org/2020/05/03/assassinatos-de-pessoas-trans-voltam-a-subir-em-
2020/. Acessado em 07/03/2021.
2
Violência Simbólica é um conceito social criado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, no
qual aborda um tipo de violência exercida pelo corpo sem força física, causando danos morais
e/ou psicológicos. Fonte: BORDIEU, Pierre. A dominação masculina: a condição feminina e a
violência simbólica. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2019.
pessoas o direito do rosto, símbolo máximo de individualização e diferença do Por isso acredito que produzir Arte, produzir conhecimento e pesquisa
sujeito, essas pessoas passam a serem descritas e vistas como figuras idênticas deva ser uma tomada consciente dos meios de produção do Saber-Poder.
entre si, insignificantes para seus algozes (LE BRETON, 2019). Desta forma os Quando uma travesti escreve, educa, pinta e se insere nos espaços da
estereótipos, que aqui são vistos como uma forma de representação do outro, academia, da escola e da galeria se trata da possibilidade de criar espaços
são um dos mecanismos do Estado para a imposição de uma ordem social, possíveis para corpos trans/travestis viverem e não apenas (sobre)viverem na
estes estereótipos ambicionam impedir qualquer flexibilidade de pensamento invisibilidade de caricaturas que nos prendem no espaço da prostituição, da
na apreensão, avaliação ou comunicação de uma realidade ou alteridade, em chacota ou no espaço da doença.
prol da manutenção e da reprodução das relações de poder, desigualdade e
exploração (FREIRE FILHO, 2004). Registros Gerais

“Todos nós nos localizamos em vocabulários culturais e sem eles não


conseguimos produzir enunciações enquanto sujeitos culturais. Todos nós nos
originamos e falamos a partir de "algum lugar": somos localizados” (HALL,
2003, p. 83, grifo do autor). Talvez pareça redundante dizer que “cada um de
nós veio de algum lugar”, porém isso deve ser assinalado para que não se caia
na falsa impressão de que culturalmente, socialmente, historicamente e
biologicamente somos iguais e homogêneos. Cair nesta impressão é aceitar
que existem discursos neutros, e que estes discursos são naturais e
hegemônicos.

A educação formal, ou seja a produção de conhecimento que ocorrem


nas escolas e nas academias de ensino superior, é altamente marcada pelas
relações de Poder em sociedade e pelo colonialismo. Segundo Grada
Kilomba:

O conceito de conhecimento não se resume a um simples


estudo apolítico da verdade, mas é sim a reprodução de
relações de poder raciais e de gênero, que definem não
somente o que conta como verdadeiro, bem como em quem
acreditar. Algo passível de se tornar conhecimento torna-se
então toda epistemologia que reflete os interesses políticos
específicos de uma sociedade branca colonial e patriarcal. Imagem 1: RG – Gabrielle, acervo da artista
(2016, p. 4)
Trago aqui uma imagem referente a série intitulada “RG” que se trata de momentos que mais me marcaram durante meu ensino básico foi uma certa
uma série de 8 pinturas em acrílica sobre vidro realizadas no ano de 2021. A vez que saí tarde da escola, era início da noite, os alunos do turno da noite já
composição das obras lembra esteticamente a foto de RG, se limitando na tinham entrado na escola sendo que meu turno era vespertino, e ao lado da
representação do busto das participantes. Aqui o Rosto se torna símbolo escola fui agredida com um soco no peito por dois outros estudantes da escola
pictórico como forma de gerar uma reflexão sobre a fragilidade das que estavam chegando de bicicleta, o que estava na garupa da bicicleta me
identidades de mulheres trans na Amazônia belenense. Sendo a pintura esse chamou de “Viado” ao me agredir. Não contei para minha mãe, não contei
local de fetiche da classe alta, onde ao longo da história retratou e legitimou para a direção da escola, apenas cheguei em casa e chorei. Chorei de dor pelo
corpos dominantes (LE BRETON, 2019). O objetivo deste projeto é subverter golpe, chorei de vergonha por ser “viado” e vergonha da minha impotência
esse local da pintura ao retratar mulheres trans e travestis. diante da situação.

É parte da proposta dessa série a escuta das modelos através da Se nós somos expulsas das escolas de ensino básico, quais as chances
gravação em áudio de entrevistas pré-roteirizadas. As perguntas das dos nossos corpos e nossas vozes chegarem nas universidades onde o
entrevistas se concentraram em torno de questões relacionadas as vivencias conhecimento cientifico é produzido? Me parece que o plano é que nós
das participantes, como por exemplo relacionamento com a família, sobre sejamos sempre “objeto” de estudo diante dos olhos da cisgeneridade,
infância e escola, sobre preconceitos em relação ao corpo travesti, etc. As sempre rotuladas e quase nunca produtoras de reflexões que contemplem as
obras foram expostas em março de 2021 na galeria e café Candeeiro, Belém – nossas experiências. Assim se torna mais fácil nos calar e nos relegar o papel
PA, junto com pequenos fragmentos das entrevistas com as participantes. A do “objeto” de estudo, no fim das contas objetos não são realizadores de
intenção foi convidar o expectador para a escuta da história dessas mulheres. ações.
Aqui eu gostaria de refletir sobre a fala da Gabrielle, 18 anos:
Devemos lembrar que o currículo é culturalmente construído, é por
Entrei na escola, tipo no início da transição, ai tu já viu a meio dele em um projeto educacional que grupos sociais, principalmente os
situação em que eu estava. Cheguei na escola e parecia que
tinham soltado um gorila da jaula, sabe?! Fico todo mundo me grupos dominantes, irão expressar sua visão de mundo, seu projeto social, sua
olhando, sabe?! Onde eu passava olhavam e muitas piadinhas verdade, portanto o currículo “fala” de alguns sujeitos e ignora outros; conta
sem graça, até mesmo dos professores, a única pessoa que me
respeitava era a diretora, nem os professores me respeitavam. histórias e saberes que, embora parciais, se pretendem universais (SANTOMÉ,
Então a professora chegava em sala ela fazia questão de grita
meu nome de registro, toda a sala ficava me olhando como se 1995). Enquanto nós não ocuparmos os espaços de produção do Saber-Poder,
eu fosse um bicho, eu ficava muito constrangida, chegava em nós vamos continuar sendo retratadas sob perspectivas que não nos
casa e chorava demais. Até que eu não aguentei, eu saí no
meio do ano e parei de estudar (Entrevista realizada em 2021). representa, perspectivas que nos coisificam ou simplesmente seremos
apagadas enquanto vozes ativas dentro dos espaços de produção do Saber-
Essa é uma realidade que ocorre todos os dias no Brasil. Fato é que as
Poder.
escolas são um excelente exemplo de como a sociedade exclui e nos silencia,
nós pessoas trans e/ou homossexuais afeminados. Como reflexo deste Tendo em vista que nem um conhecimento é neutro e universal, mas
ambiente de exclusão e violência que é a escola, o Brasil concentra 82% da sim subjetivos e localizados (KILOMBA, 2016) eu proponho uma produção do
evasão escolar de travestis e transgêneros (ALMEIDA, 2016). Um dos
conhecimento que consiga me abraçar enquanto corpo possível, tanto na homem? Porque eu não me entendo mulher, por que não me
entendo homem? Por que eu me entendo travesti, por que
escrita quanto na Arte. Em meus projetos Arte e Vida estão profundamente aquela pessoa se entende daquela forma e eu me entendo
conectados. A obra surge em um contexto, os elementos que compõe a obra dessa?” esses questionamentos mudam toda a concepção de
organização da sociedade, então é um corpo muito perigoso
são significados pela vida que a cria. Estudar Arte é explorar uma (Entrevista realizada em 2021).
sensibilidade, e essa sensibilidade é essencialmente coletiva, pois somos
Enquanto arte-educadora e artista-pesquisadora entendo que as únicas
produto das relações e atritos que nosso corpo tem com a sociedade onde
formas de romper com esses sistemas são através do simples ato
estamos inseridos (GEERTZ, 2012). Tanto obras, quanto textos, são formas de
revolucionário do corpo travesti de viver em uma sociedade tão doente e
expressar um nó que vem crescendo em minha garganta, são produções que
através da educação.
tem em sua força vital a vida como principal ato de insurgência frente a uma
sociedade tão cruel com nossas vidas. Essa pesquisa, em Artes Visuais, parte
Considerações Finais (Por enquanto)
de uma micropolítica que clama pelo direito a vida: “A reapropriação do
direito à vida é diretamente encarnada em suas ações: é no dia a dia da
Produzir Arte, segundo minha visão, é mais que criar obras, trecos,
dramaturgia social que essas ações acontecem, buscando transfigurar seus
imagens e coisas, se trata de compartilhamento. Ao instaurar a Obra de Arte,
personagens e a dinâmica de relação entre eles.” (ROLNIK, 2019, p.24).
estou compartilhando com o público uma visão de mundo, um sentimento, um
Através da visibilização de nossos rostos e da reprodução de nossas narrativas,
conhecimento que irá se completar com a leitura de mundo do espectador, a
eu espero que minha produção na pesquisa em artes visuais seja uma forma
Obra de Arte instiga e visibiliza questões, e a partir das reflexões e análise
de sinalizar a nossa existência no mundo.
crítica da obra é possível a conscientização e sensibilização de uma dada
realidade. Percebo então o artista contemporâneo em um papel próximo ao
Durante as entrevistas da série “Registros Gerais” houve uma fala muito
do educador, pois o processo educativo tem como objetivo prover os
potente da pesquisadora/artista/travesti Flores Astrais que eu gostaria de
indivíduos dos conhecimentos e experiências culturais que os tornam aptos a
compartilhar:
atuarem no meio social e a transformá-lo em função das necessidades
econômicas, sociais e políticas do coletivo (LIBÂNEO, 2013, p. 15). Portanto,
A gente é um perigo muito grande para essa sociedade,
porque o nosso corpo ele desarticula um pensamento que tá tanto a Obra de Arte quanto o processo educativo exercem uma função
incrustrado nas raízes dessa sociedade, raízes muito profundas
e que organizam sistemas hierárquicos que estão ai a séculos, influenciadora sobre os indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas
entendeu?! O nosso corpo sempre vai questionar o influências, tornam-se capazes de estabelecer uma relação ativa e
patriarcado, o nosso corpo sempre vai questionar a
normatividade, o nosso corpo sempre vai questionar a transformadora com o meio social.
binaridade e esses são sistemas que estão muito frágeis. Eles
estão em ruínas, eles estão velhos, eles não dão conta mais da
realidade. Então para quem está dentro desses sistemas,
usufruindo de todos esses privilégios, que esses sistemas
mantém, se assustam com nossos corpos nos veem como
ameaça aos privilégios que eles tem, aos espaços de Poder
que eles tem porque o nosso corpo é um corpo que questiona,
é um corpo que faz pensar o porquê das coisas: “Por que eu
me entendo como mulher? Por que eu me entendo como
REFERÊNCIAS LE BRETON, David. Rostos: Ensaio de Antropologia. Rio de Janeiro: Editora
Vozes, 2019.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez Editora, 2013.


ALMEIDA, Aline. Evasão escolar entre travestis é bem maior. Publicado em
23 de maio de 2016. Disponível em: http://flacso.org.br/?p=15833. Acesso LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e
em: 19 fev. 2019. teoria queer. São Paulo: Autêntica, 2015.

BUTLER, Judith P. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da MEYER, Dagmar Estermann. Corpo, violência e educação: uma abordagem
identidade; Tradução. Copyright of Revista OPARA is the property of Revista preliminar. In: JUNQUEIRA, R. D. (Org.). Diversidade sexual na educação:
OPARA and its content may not be copied or emailed to multiple sites or problematização sobre a homofobia nas escolas. Brasília, DF: Ministério
posted to a listserv without the copyright holder's express written permission. Educação, 2009.
However, users may print, download, or email articles for individual use, 2003.
ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada.
ERIBON, Didier. Reflexões sobre a questão gay. Rio de Janeiro: Companhia n-1 edições, 2019.
de Freud, 2008.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. SILVA,
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber 3ª ed. São Tomaz Tadeu da (org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos
Paulo: Paz e Terra, 2015. estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 159-177.

FREIRE FILHO, João. Mídia, estereótipo e representação das minorias. Eco


Pós. Rio de Janeiro, Pós-Graduação em Comunicação e Cultura, UFRJ, v. 7, n.
2, p. 45-65, 2004.

GEERTZ, Clifford. A arte como um sistema cultural. 12º Ed. Tradução: Vera
Joscelyne. O saber local. Petrópolis: Vozes, 2012.

HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais.


Organizadora: Liv Sovik. Belo Horizonte: UFMG; Humanitas, 2003.

JOJO RABBIT. Direção: Taika Waititi. Produção de Carthel Neal, Taika Waititi,
Chealsea Winstanley. Estados Unidos: Fox Searchlight Pictures, Inc. 2019.

KILOMBA, Grada. Descolonizando o conhecimento: uma palestra-


performance de Grada Kilomba. 2016. Tradução: Jessica Oliveira. Disponível
em: http://www.goethe. de/mmo/priv/15259710-STANDARD.pdf. Acesso em:
19 fev. 2019.
Luciana Magno
Rafael Bqueer Paula Sampaio
Sereia, da série Super Zentai, foto-performance e video 2019 Lago de Tucuruí, 2011
Mosqueiro/PA
Fotografia e edição: Allyster Fagundes
EM LINHA HORIZONTAL OS REMANESCENTES. PAI, DEPOIS DO MASSACRE
SÓ RESTARAM OS RESTOS, OS RISCOS E RESTOS DA MEMÓRIA. AÍ ONDE
GUARDAMOS AS FALAS DOS VELHOS, PARA NÃO ESQUECER DO INÍCIO. DE
BOCA AO OUVIDO, DURANTE MUITAS LUAS, AS LINHAS FORAM PASSADAS,
AS INFORMAÇÕES DAS LINHAS, AS FORMAÇÕES DAS LINHAS, AS LINHAS.
COM ELAS, SEM QUE ELES SOUBESSEM, REDESENHAMOS A VIDA E
SOBREVIVEMOS. AS NOSSAS PRIMEIRAS FERRAMENTAS DE ARMAR,
CHEGADAS DO SOL E DA ÁGUA. LUZ OU ÁGUA, QUEM ESTAVA NO
PRINCÍPIO? OS VELHOS DIZIAM: JUNTAS SEMPRE ESTIVERAM! LÁ NO
COMEÇO, BEM ANTES DO COMEÇO, ANTES DA TERRA E DA MATA, ANTES DA
PRIMEIRA OCA E DA PRIMEIRA ROÇA. OS VELHOS CONTAVAM: NO
PRINCÍPIO NUNCA FOI O CAOS E O PRIMEIRO NUNCA DORMIA.
OLHO IMENSO, BOJUDO, LUZ DE MUITOS OLHOS, FLUTUANTE,
CIRCULANTE, CIRCULANDO, CIRCULAÇÕES GERADORAS, CÍRCULOS EM CADA
OLHOS, OLHO-CÍRCULO, A PRIMEIRA MORADA. O CÍRCULO ALIMENTO,
ENTRANHADO NO CORPO. AS MISTERIOSAS RELAÇÕES DO ESPÍRITO E DO
ESTÔMAGO, NO FUNDO, A MESMA FORMA. SOL ALTO, ALTO E SEM SAIR DO
MEU CORPO. DAÍ, ÁGUA E AR DESENHARAM AS LINHAS IMPENSÁVEIS E O
CÍRCULO GEROU TODAS AS FORMAS.
NO CRUZAMENTO DAS VARAS, NA ARMAÇÃO DA UIÍ, CASA GRANDE,
OS VELHOS CONTAM: TE FIZERAM PRISIONEIRO. O CÍRCULO
SOLTO, MOVENTE ERA O ÚNICO DESENHO QUE OS PRIMEIROS
TINHAM PARA CONSTRUIR O GRANDE ABRIGO. NIKA UIÍKANA, E
TODOS ESTARÃO NA MESMA CASA E SERÃO IRMÃOS. E NO CRUZAR
FIRME DAS VARAS, OS VELHOS CONTAM: TE FIZERAM
PRISIONEIRO. DESDE ENTÃO, ESTÁS PRESENTES EM TODOS OS
FAZERES E AFAZERES, EM TODOS OS CONSTRUÍDOS, SEGURAS
AMARRAS E ESTRUTURAS, COISAS DA TERRA, COISA DO HOMEM.
ANTES, BEM ANTES, ENTRE O CÍRCULO E O QUADRADO, O
ESPÍRITO DO HOMEM BOIOU DO MISTÉRIO DAS ÁGUAS E HABITOU
AS CABEÇAS E TODOS OS ALTOS. MÃE TERRA, EU TE DECIFRO,
ELES TE DEVORAM. MÃE TERRA, EU TE DECIFRO, EU TE DEVORO E
A TI DEVOLVO. ATÉ A CONSUMAÇÃO DOS CÍRCULOS, ATÉ A
CONSUMAÇÃO DOS CÍRCULOS, ATÉ A CONSUMAÇÃO DOS CÍRCULOS.

ROBERTO EVANGELISTA

Roberto Evangelista MATER DOLOROSA - IN MEMORIAM II - DA CRIAÇÃO E SOBREVIVÊNCIA


Mater Dolorosa II - Da Criação e Sobreviências das Formas, filme, 1978
Roberto Evangelista
Mater Dolorosa II - Da Criação e Sobreviências das Formas, filme, 1978 DAS FORMAS, 1978
Emerson Uýra Emerson Uýra
Série Elementar: Rio Negro Série Elementar - Lama
Fotografia e Edição: Ricardo Oliveira Fotografia e Edição: Keila Serruya e Sindri Mendes
Concepção: Emerson Munduruku , Keila Serruya e Sindri Mendes
ESPERANÇA

Emerson Uíra
Biólogo, Arte Educadora e Artista Visual Indígena

Tema deste editorial da @voguebrasil e de todas as Vougues


do planeta.
Esperança é algo ainda maior pra gente.
É o nosso Todo, o que sustenta nossas Vida e moVidas. Não
é, nem nunca foi, falar somente do futuro. É sobre Ontem.
É Agora.
Esperança é ter Fé, e a minha nasceu velha. Ela está nas
raízes que me trouxeram aqui. Gentes e povos que não
somente lutaram-lutam resilientes driblando a morte,
mas que o fizeram e fazem sobrevivendo com Dignidade e
Coletividade em meio ao Caos.
É mais que escapar da morte, seus genocídios e etnocídios.
É escapar com o Povo, com um coração de verdade.
Hoje estamos aqui e precisamos agir pelo futuro, Agora,
porque somos partes do curso deste grande RIO –
rio que o estado brasileiro insiste em
matar, enquanto juntas ao rio e à Amazônia, seguiremos
insistindo em Viver. A Floresta tudo atravessa, não à toa
é nossa VOVÓ.
Mas ela tem que ser cuidada.
Capa da Vogue pra lembrar que Marcelo Augusto (presidente
safado da Funai), Bolsonaro e Ricardo Salles (descarado
ministro do meio ambiente) TEM QUE CAIR!
São todos comprados pelo Agronegócio, estão armados agora
para retirar a demarcação das Terras Indígenas, enquanto
a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal e todas as suas Vidas
pegam fogo.
A Flecha está pronta.
Traz a tua também.

Seguiremos Insistindo em Viver!

Foto da capa @hickduarte


direção fashion @pedrosales_1
direção stylist @silviogiorgio
A quem possa interessar,

Um letreiro luminoso com uma frase avisa aos transeuntes de que, desde 1885, as lágrimas dali partem
em direção as casas daquela cidade.

Construa uma estrutura que suporte um letreiro em neon de cor azul com 15 metros de comprimento.
Esta estrutura deve ser pensada cuidadosamente para que não interfira na arquitetura e preserve as
características da Caixa d’água onde o letreiro será instalado temporariamente (ao tempo de todas as
lágrimas secarem). Ela deve ser pensada como algo quase invisível.

Este letreiro luminoso não deve piscar, permanecendo sempre aceso, como um farol incomodo,
durante todas as noites de sua existência ali, como exemplo do copo de cerveja que enchia e entornava
sua espuma na entrada da cidade de Belém, fixado no topo de um edifício em frente ao memorial da
Cabanagem, como num eterno brinde em looping ao povo Cabano.

Por falta de um desfecho melhor a este texto de instruções, onde lê-se minhas, leia suas. As lágrimas
são daqueles que lêem a frase. E aos que estão impossibilitados de ler, sussurre-os: - o tanto de minhas
lágrimas.

Victor de La Rocque
Éder Oliveira Lúcia Gomes
Éder Oliveira Lúcia Gomes
Intervenção na Rua da Marinha, 2012 Intervenção na Rua da Marinha, 2012 Viúvo da ditadura, performance,
Viúvo da ditadura, 2021
performance, 2021
Adão garimpeiro
Adão garimpeiro
AA obra
obradede Adão,
Adão, objeto,
objeto, anos 1990
anos 1990
Orlando Maneschy
O Conector, performance orientada para fotografia, 2021
Foto: Guido Elias

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