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Os novos crimes físico–psicológicos: Capítulo II

CAPÍTULO II -ROTEIROS TEMÁTICOS DE GÉNERO: ABORDAGEM


SOCIAL E JURÍDICA

3.1. Dimensão Pessoal e Familiar: Evolução histórica das representações do


feminino e do masculino

Dimensão Familiar
Na clássica definição de Murdock (1949) “A família é o grupo social caracterizado por
residência em comum, cooperação económica e reprodução. Inclui adultos de ambos os sexos,
dois dos quais, pelo menos, mantêm uma relação sexual socialmente aprovada, e uma ou mais
crianças dos adultos que coabitam com relacionamento sexual, sejam dos próprios ou
adoptadas.” Apesar de considerarmos que muitas famílias poderão ver-se abrangidas por ela,
a verdade é que a instituição “família” tem sofrido alterações estruturais com o evoluir das
sociedades, dando origem a novas formas de família.
O termo “família” é derivado do latim “famulus”, que significa “escravo doméstico” e
surgiu na Roma Antiga1.
Uma família assume sempre uma determinada estrutura específica, com características
muito próprias. Nenhuma família é igual, tal como nenhuma pessoa o é. Uma estrutura é um
conjunto no qual existem relações entre os seus elementos. Por conseguinte, a estrutura
familiar é composta por um conjunto de indivíduos que interagem regularmente2.
A família surge quando duas pessoas decidem viver em comum com o objectivo de
manterem entre si um relacionamento sexual. E ainda que nas sociedades contemporâneas
se opte, maioritariamente, por constituir família através do casamento, tem sido crescente o
número daqueles que constitui família através da chamada união de facto.
Esta figura jurídica foi-se desenvolvendo ao longo dos anos, determinando hoje em
dia uma série de direitos, quase idênticos àqueles que o casal teria caso fosse casado.

1
Ernout y Meillet cit in Catalá, S.,2006, p. 13.
2
E=(C,R).

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Também o número médio de pessoas que compõem uma família tem vindo a
diminuir progressivamente, sendo que vários são os factores que levam a que isso aconteça,
nomeadamente, a queda da natalidade e da fertilidade.

Dimensão Profissional

A participação no mercado de trabalho com o desempenho de uma função profissional


remunerada assume-se como uma das mais importantes fontes de independência e
segurança económicas. Por outro lado, esta participação activa assume-se como uma parte
incontornável do desenvolvimento individual e da auto-estima das pessoas.
De facto, baixos rendimentos económicos ou uma trajectória laboral insatisfatória
condiciona, frequentemente, o acesso a outros recursos, sejam eles relacionados com a
educação, saúde, cultura, lazer, etc.
A entrada da mulher no mercado de trabalho, a progressiva feminização do mercado de
trabalho e a sua constante afirmação num leque cada vez mais amplo de áreas do mercado
de trabalho, permitiu que a mulher se libertasse da exclusividade do seu papel social
relegado à esfera privada, à medida que foi consolidando o seu papel fulcral na esfera
laboral.
No entanto, esta entrada na esfera pública da mulher não foi acompanhada de uma
entrada na esfera privada pelo homem. Este facto criou um desequilíbrio, pois a mulher vê-
se agora confrontada com dois papéis que tem de contra-balançar, num frágil equilíbrio,
enquanto o homem mantém inalterado o seu papel secular como “provedor do sustento”.
Assim, actualmente, apesar de se manterem algumas questões do passado, as mulheres
e os homens enfrentam agora novos desafios relacionados com novas formas de opressão,
vulnerabilidade e discriminação mais subtis e que acarretam novas implicações sócio-
laborais.
A situação de crise económica que se abateu recentemente sobre os mercados
mundiais afectou profundamente o mercado de trabalho e as repercussões que daí surgiram
tiveram diferentes consequências para mulheres e homens.

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A esfera laboral, que se devia assumir como uma esfera pública e baseada em critérios
práticos e objectivos para a selecção das suas e seus intervenientes, vê-se também
contaminada pela influência que o facto de se nascer homem ou mulher implica ainda na
nossa sociedade.
Actualmente, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) entre as
mulheres, tanto a taxa de actividade (56,1%), como a taxa de emprego (50,7%) são similares,
embora ligeiramente inferiores, aos mesmos indicadores dos homens (68,6% e 63%,
respectivamente) 3.
Verificamos assim uma certa igualdade em termos da participação activa de mulheres e
homens no mercado de trabalho (CITE, 2009). A taxa de actividade feminina em Portugal
assume-se também como uma das mais altas da União Europeia, pelo que, embora se
assuma como inferior à dos homens, a diferença é das menos notórias do contexto europeu
(Torres et al, 2005). Para esta assimetria também contribui o facto de que muitas mulheres
são domésticas e de não haver praticamente homens nessa categoria laboral (Torres et al,
2005).
Neste sentido, uma das questões mais relevantes associadas à integração laboral de
mulheres e homens, e na qual inúmeras medidas de intervenção têm sido dirigidas, refere-se
à notória discrepância entre o trabalho pago e o trabalho não pago que ambos
desempenham (Torres et al, 2005). O facto da percentagem de trabalho não pago (tarefas
domésticas, cuidado de dependentes, gestão da casa) desempenhado pelos homens ser
extremamente baixo confere-lhe bastante mais tempo para se dedicar ao trabalho pago, o
que se reflecte directamente em melhores salários, menor precariedade laboral, maiores
hipóteses de progressão na carreira.
Esta necessidade de intervenção e tendência espelha também o esforço feito a nível
nacional para promover a igualdade de oportunidades, particularmente através do Plano
Nacional de Emprego 2005-2008 (PNE), inserido no Plano Nacional de Acção para o

3
Dados relativos ao 1º trimestre de 2010 retirados de Inquéritos ao Emprego do INE.

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Crescimento e Emprego (PNACE) e através das alterações ao Código do Trabalho4 que


regulamentam a questão da igualdade de género.
Neste âmbito, o Governo criou uma série de medidas que visaram a promoção da
integração laboral entre grupos mais desfavorecidos no âmbito de Programas e Medidas de
Emprego. Este programa abrangeu percentagens substancialmente mais elevadas5 de
mulheres, o que denota também a maior vulnerabilidade da sua situação que, nestes casos,
aparece associada sobretudo a níveis baixos de escolaridade, exclusividade da ocupação
doméstica e falta de experiência profissional (CITE, 2009).
No conjunto das acções que o integram, salientam-se as iniciativas realizadas no
âmbito do Mercado Social de Emprego que, no seu conjunto, abrangeram 65,6% das pessoas
incluídas neste programa, das quais aproximadamente 26,5% são homens e 73,5% são
mulheres (CITE, 2009, p. 34). Esta área de intervenção visa, fundamentalmente, a integração
ou reintegração socioprofissional de pessoas desempregadas, em situação de maior
desfavorecimento, na qual se salientaram os “Programas Ocupacionais” com 93% de
mulheres (CITE, 2009, p.34).
A medida Formação e Emprego, que se destina a promover, através da formação em
contexto real de trabalho, a inserção ou reinserção de jovens à procura do 1.º emprego e de
desempregados/as, envolveu cerca de 23 mil beneficiários/as (37% homens e 63% mulheres),
sendo de referir que, no total de pessoas abrangidas por estes programas, a sua grande
maioria participou em Estágios Profissionais, dos quais 35% são homens e 65% são mulheres
(CITE, 2009). Os Cursos de Educação e Formação de Adultos Desempregados foram
frequentados por 27,5% homens e 72,5% mulheres (CITE, 2009, p. 35).
Outra importante medida em prol da igualdade na dimensão profissional foi a criação
da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) há mais de 30 anos que tem
por missão “prosseguir a igualdade e a não discriminação entre homens e mulheres no
trabalho, no emprego e na formação profissional e colaborar na aplicação de disposições legais

4
Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro que aprova a revissão ao Código do Trabalho.
5
Quadro X - Caracterização dos Abrangidos por Medida, Género e Grupo Etário, IEFP; Sinteses dos Programas e
Medidas de Emprego e Formação Profissional, Dezembro 2008, em que 37% dos beneficiários de medidas de
Programas de Emprego, Formação Profisional e Reabilitação Profissional foram mulheres.

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e convencionais nesta matéria, bem como as relativas à protecção da parentalidade e à


conciliação da actividade profissional com a vida familiar e pessoal, no sector privado, no
sector público e no sector cooperativo”6.
É da responsabilidade da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego o
desenvolvimento de actividades de assessoria, actividades relativas ao diálogo social e
actividades de apoio técnico. A CITE passa a ter capacidade7 para acompanhar e representar,
nas situações de conflito, as pessoas que por motivo do seu sexo, são tratadas de forma
diferente no acesso ao trabalho, no emprego ou na formação profissional e cujos direitos
enquanto pais trabalhadores são desrespeitados.
No período entre 2006 e 2008, foram recebidas 159 queixas, efectuadas por 155
mulheres e por 4 homens, das quais 12 se referem a discriminação em função do sexo, 134
sobre a violação da legislação da maternidade e da paternidade, 11 relativas à não
conciliação da actividade profissional com a vida familiar e 1 sobre matéria fora do âmbito
das competências da CITE (CITE, 2009, p.58).
Além da CITE, outros organismos sob tutela do Ministério do Trabalho e da
Solidariedade Social têm competências específicas na matéria de salvaguarda da igualdade
de oportunidades entre mulheres e homens, designadamente: Autoridade para as Condições
do Trabalho (ACT), Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP,I.P.), e Programas
com financiamento Comunitário.
A igualdade de género no acesso à esfera laboral encontra, assim, um terreno jurídico
muito favorável ao nível da legislação laboral. Os artigos 23º a 32º do actual Código de
Trabalho (CT)8 salvaguardam as disposições gerais sobre igualdade e não discriminação nas
condições de acesso ao trabalho, ao nível dos critérios de selecção e às condições de
contratação, no acesso a formação, na retribuição, nas promoções, nos critérios de
despedimento e na participação associativa ou sindical, etc.

6
Artº. 2.1. Decreto-Lei n.º 124/2010 de 17 de Novembro que aprova a orgánica do CITE.
7
Artº. 3, 4 y 5 do Decreto-Lei n.º 124/2010 de 17 de Novembro que aprova a orgánica do CITE.
8
Os artigos do actual Código do Trabalho resultam da sua actual redacção, introduzida pela Declaração de
Rectificação nº 21/2009, de 18 de Março, e pela Lei nº 105/2009, de 14 de Setembro.

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A especificidade das estruturas do mercado de trabalho mantém características que as


conotam com um âmbito feminino ou masculino, nomeadamente ao nível das
“representação nas diferentes categorias profissionais, pela continuidade no desempenho da
actividade profissional, pela segurança na profissão, pela posição ocupada da profissão, pelo
tipo de inserção no mercado de trabalho, pelos salários ganhos” (cit in Torres, 2005, p.8).
Assim, apesar de uma certa homogeneidade em termos de distribuição de mulheres e
homens na maioria dos sectores de actividade do mercado de trabalho português,
continuam-se a verificar assimetrias com base em critérios de género como podemos
verificar no quadro seguinte.

Gráfico 1 – Comparação das percentagens de mulheres e homens empregados por conta de outrem nos vários
9
sectores de Actividade
Mulheres
100,00%
Homens
90,00%

80,00%

70,00%

60,00%

50,00%

40,00%

30,00%

20,00%

10,00%

0,00%
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

Legenda:
Código Actividade Económica (CAE)
1 Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca
2 Indústrias extractivas
3 Indústrias transformadoras
4 Electricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio
5 Captação, tratamento e distribuição de água; saneamento, gestão de resíduos e despoluição
6 Construção
7 Comércio por grosso e a retalho; reparação de veículos automóveis e motociclos
8 Transportes e armazenagem
9 Alojamento, restauração e similares
10 Actividades de informação e de comunicação

9
Dados médios anuais de 2007 do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.

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11 Actividades financeiras e de seguros


12 Actividades imobiliárias
13 Actividades de consultoria, científicas, técnicas e similares
14 Actividades administrativas e dos serviços de apoio
15 Administração Pública e Defesa; Segurança Social Obrigatória
16 Educação
17 Actividades de saúde humana e apoio social
18 Actividades artísticas, de espectáculos, desportivas e recreativas
19 Outras actividades de serviços
Actividades das famílias empregadoras de pessoal doméstico e actividades de produção das famílias para uso
20
próprio

De facto, segundo estatísticas do INE, as mulheres predominam particularmente nos


sectores 17 (Actividades de Saúde Humana e Apoio Social), 16 (Educação), 19 (Outras
actividades de Serviços) e 9 (Alojamento, Restauração e similares). Por seu turno, os homens
predominam sobretudo nos sectores 6 (Construção), 2 (Indústrias Extractivas), 4
(Electricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio), 8 (Transportes e armazenagem) e 5
(Captação, tratamento e distribuição de água; saneamento, gestão de resíduos e
despoluição). Esta segmentação do mercado de trabalho com base em critérios de géneros é
confirmada no Relatório sobre o Progresso da Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e
Homens no Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional, elaborado pela CITE
relativamente ao período de 2006-2008 (CITE, 2009).
No gráfico acima, podemos observar como continuam a subsistir profissões ou sectores
de actividade com uma maior predominância masculina ou feminina. A influência de
estereótipos de género na esfera laboral define determinadas profissões como “femininas”
por se relacionarem com o papel cuidador, emocional e sensível, doméstica que se atribui à
mulher, ou “masculinas” por se relacionarem com o papel racional, fisicamente forte e de
autoridade que se atribui ao homem.
Estas concepções estereotipadas podem mesmo condicionar a estruturação das
carreiras profissionais, e é mais difícil para uma pessoa ter sucesso numa área que é muito
relacionada com o sexo oposto (ex: uma mulher no Exército ou um homem Educador de
Infância). Podem igualmente, influenciar os perfis solicitados para os diferentes postos de
emprego (ex: um/uma Secretário/a é conotado com uma mulher jovem; o/a Director/a de
uma empresa é conotado com um homem de meia idade).

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Esta situação origina que muitas pessoas se auto-limitem, que consciente ou


inconscientemente, sigam escolhas laborais diferentes das que verdadeiramente gostariam,
uma vez que a sociedade continua a considerar determinadas profissões masculinas
(Soldado, Político, Gestor, Economista, Construtor, Engenheiro, etc.) ou femininas (Professora
Primária, Educadora de Infância, Enfermeira, Assistente Social, etc.).
Além da questão da influência directa dos estereótipos de género na canalização de
mulheres e homens nas distintas áreas do mercado de trabalho, a sua própria estrutura
perpetua a desigualdade.
De facto, e apesar de todos os avanços legislativos feitos em prol da salvaguarda da
igualdade de género na esfera laboral, o mercado de trabalho encontra-se ainda regido por
um regime patriarcal. Este regime exige que o trabalho profissional venha acima de tudo
(uma vez que é uma actividade remunerada) pelo que exige disponibilidade total dos/as
funcionários/as.
Se para os homens este aspecto não representa um problema, para a maioria das
mulheres isto não é possível, já que devem conciliar a vida laboral e a vida
familiar/doméstica. E as exigências de disponibilidade absoluta não são de todo sensíveis à
necessidade de compatibilização do horário de trabalho, com os horários dos/as filhos/as e
com o tempo necessário à gestão doméstica, verificando-se uma acentuada assimetria na
partilha do trabalho não pago entre mulheres e homens (CITE, 2009, p. 32).
Este facto foi agravado pela crise económica; os despedimentos colectivos e a
dificuldade em encontrar um emprego que advieram desta situação socioeconómica tiveram
um impacto mais negativo entre as mulheres. Prova disto é que no 1º trimestre de 2010, a
taxa de desemprego10 entre os homens era de 9,8% e entre as mulheres atingiu 11,4% no
mesmo período, tendo sido esta tendência de maior desemprego entre as mulheres patente
nos anos de 2006, 2007 e 2008 (CITE, 2009).
Este facto deve-se em grande medida ao jugo das entidades empregadoras em exigir
mais horas laborais dos trabalhadores e das trabalhadoras, frequentemente por salários
iguais ou mesmo inferiores. Este requisito implicou uma maior percentagem de contratação

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Dados relativos ao 1º trimestre de 2010 retirados de Inquéritos ao Emprego do INE.

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de mão-de-obra masculina, pois a maioria das vezes uma mulher que não possui essa
disponibilidade de horário, uma vez que tem as tarefas domésticas e cuidado de filhos e
dependentes quase exclusivamente ao seu cargo.
Segundo dados da CITE referentes a 2008, em média, os homens afectam, em cada
semana, mais 2 horas e 24 minutos ao trabalho pago (emprego principal e segundo
emprego, quando este existe) do que as mulheres. No entanto, em relação ao trabalho não
pago – tarefas domésticas, prestação de cuidados a crianças e prestação de cuidados a
familiares idosos/as ou com deficiência – as mulheres despendem semanalmente mais 16
horas, por comparação com os homens. Daqui decorre um tempo de trabalho total (no qual
se contabiliza também o tempo de deslocação casa-trabalho-casa) que é claramente
superior para as mulheres, num diferencial que, em cada semana, ultrapassa as 13 horas
(CITE, 2009, p. 33).

Gráfico 2 – Comparação entre a percentagem de mulheres e homens empregados relativamente à duração


Mulheres
70,00%
Homens
60,00%

50,00%

40,00%

30,00%

20,00%

10,00%

0,00%
1 a 10 11 a 30 31 a 35 36 a 40 41 e mais
horas horas horas horas horas
11
efectiva da semana de trabalho

A questão da maior dificuldade em conciliar o cuidado dos/as filhos/as com a


actividade profissional está patente também no número de horas que mulheres e homens
trabalham numa semana. Nos níveis inferiores, que se referem a menos horas de trabalho, a
percentagem de mulheres é superior. Este factor também se repercute mais tarde nas
remunerações auferidas por umas e outros. No níveis superiores, há uma predominância

11
Dados relativos ao 1º trimestre de 2010 retirados de Inquéritos ao Emprego do INE.

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clara de homens, particularmente notória ao nível das 41 ou mais horas de trabalho


semanais, pois raras serão as mulheres que conseguem trabalhar tanto e, ainda assim,
organizar e gerir a sua vida doméstica e o cuidado dos/as filhos/as. Assim, entre as mulheres
que declaram trabalhar a tempo inteiro o número de horas semanais de trabalho é inferior
(Torres et al, 2005).
Muitas mulheres são mesmo “forçadas” a adoptar regimes de trabalho em part-time,
especialmente quando têm crianças pequenas ou dependentes a seu cargo, pelo que se
verifica que as percentagens de trabalho parcial mais elevadas entre as mulheres, enquanto
as percentagens de trabalho a tempo inteiro são mais elevadas entre os homens (Torres et
al, 2005, p.72).
Segundo dados da União Europeia, em Portugal, cerca de 17,2% das mulheres
trabalhadoras adoptaram regimes de part-time, em contraposição com apenas 7,4% dos
homens trabalhadores12. Esta redução do número de horas de trabalho implica,
habitualmente, uma redução nos rendimentos laborais e o desempenho de postos de menor
qualificação.
Além do número de horas, também o próprio horário de trabalho denuncia assimetrias
oriundas neste desequilíbrio entre mulheres e homens.

Gráfico 3 – Comparação entre a percentagem de mulheres e homens empregados em cada tipo de horário de
13
trabalho
Mulheres
70,00%
Homens
60,00%

50,00%

40,00%

30,00%

20,00%

10,00%

0,00%
Turnos Noite Sábado Domingo

12
Dados relativos a médias anuais de 2008 retirados de Labour Force Survey do Eurostat.
13
Dados relativos ao 1º trimestre de 2010 retirados de Inquéritos ao Emprego do INE.

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No que respeita o trabalho por turnos, vemos uma distribuição similar de homens e
mulheres, pois o exercício e funções laborais durante um turno da manhã ou da tarde torna
possível conciliar a actividade profissional com as tarefas domésticas.
A maior diferença refere-se ao turno da noite, no qual predominam homens, uma vez
que para uma mulher com filhos/as é virtualmente impossível arranjar quem se ocupe
deles/as neste período. Para um homem, torna-se mais fácil ocupar este horário, primeiro
porque as remunerações são bastante superiores e em segundo porque, quando têm família,
têm o apoio em casa da mulher para se ocupar das tarefas domésticas.
O mesmo fenómeno ocorre no trabalho que envolve os fins-de-semana, embora em
menor medida pois torna-se um pouco mais fácil, para as mulheres com filhos/as, deixar as
crianças com alguém.
Mas um horário de trabalho exigente, quer a nível de trabalho ao fim-de-semana, quer
ao nível de um elevado número de horas, acarreta uma questão de discriminação indirecta
muito específica: é um obstáculo e uma condicionante no acesso de muitas mulheres a
postos de chefia e liderança. Estes comprometem, sobretudo, a adopção de carreiras como
empresárias (quer a título individual, quer como entidades empregadoras) e carreiras
políticas. Existem muito menos mulheres do que homens a desempenhar cargos de chefia,
observando-se uma exclusão feminina, directa ou indirecta, dos postos de responsabilidade
ou chefia (Torres, 2005).
Os estereótipos relativos à capacidade de liderança das mulheres começam a perder
nitidamente a sua influência, mas é um facto que muitas mulheres ficam afastadas de cargos
de chefia, pois estes implicam sacrificar o tempo em família em prol das responsabilidades
laborais enquanto líder.

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Gráfico 4 – Comparação entre a percentagem de mulheres e homens empregados em cada regime de situação
14
na profissão
Mulheres
80,00%
Homens
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Trabalhador por conta Trabalhador por conta Trabalhador por conta
de outrem própria como isolado própria como
empregador

No que respeita ao regime em que mulheres e homens trabalham, vemos que existe
uma certa homogeneidade em termos de trabalho por conta de outrem15.
Segundo a CITE, no que se refere aos vínculos contratuais dos/as trabalhadores/as por
conta de outrem, são os homens que possuem a maior percentagem de contratos sem
termo, apresentando as mulheres percentagens mais elevadas de contratos de trabalho a
termo (CITE, 2009).
No entanto, verificamos igualmente, que a percentagem de mulheres que criou o seu
próprio emprego é inferior à dos homens e que esta tendência é muito acentuada ao nível
do trabalho como entidade empregadora (INE, 2010; CITE, 2009). Esta tendência é facilmente
explicada pela dificuldade acrescida das mulheres em aceder a posto de chefia importantes,
primeiro por questões de género que questionam a sua capacidade de liderar uma empresa
e equipas de trabalho, e por outro, porque isso implica um número de horas de trabalho
mais elevado que, como verificamos no gráfico acima, as mulheres não conseguem cumprir
devido à sua responsabilidade quase exclusiva relativamente às tarefas domésticas e
familiares.
É bastante visível que a organização do mercado de trabalho continua a discriminar as
mulheres que não tenham essa disponibilidade total, especialmente quando tentam aceder a

14
Dados relativos ao 1º trimestre de 2010 retirados de Inquéritos ao Emprego do INE.
15
Dos 3839800 trabalhadores por conta de outrem em Portugal, 1971900 são homens e 1868000 são mulheres.
Relativamente aos 857500 trabalhadores por conta própria isolados, 471300 são homens e 386200 são
mulheres. Dos 262900 trabalhadores por conta própria como empregadores só 68900 são mulheres (26,21%
dos empregadores), cf. Dados relativos ao 1º trimestre de 2010 retirados de Inquéritos ao Emprego do INE.

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profissões que consomem mais tempo por carecerem de mais responsabilidade, como
cargos de chefia ou poder.
A discriminação directa, isto é, o tratamento menos favorável, neste caso específico, por
razões de género, é um fenómeno cada vez mais raro, por um lado devido ao poder da
legislação, e por outro devido à lenta, mas visível, mudança de mentalidades. A esta sucede-
lhe frequentemente no mercado de trabalho a discriminação indirecta (da qual é exemplo a
situação acima descrita relativamente à exigência de maior número de horas de trabalho)
definida na alínea b) do nº 1 do artigo 23.º do Código do Trabalho como “sempre que uma
disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja susceptível de colocar uma pessoa,
por motivo de um factor de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente
com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificado
por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários”.
A legislação descreve claramente os conceitos de discriminação directa, discriminação
indirecta, trabalho igual e trabalho de valor igual, e prevê que a violação aos mesmos
constitui contra-ordenação.
Mas apesar de toda a salvaguarda jurídica dos direitos de mulheres e homens no
sentido da sua dimensão familiar ser reconhecida na esfera laboral, muitas pessoas vêem-se
ainda forçadas a optar.
Face a esta questão, muitos casais ou mulheres solteiras preferem ter menos filhos/as,
ou mesmo adiar/banir a decisão de terem filhos/as para se concentrarem com mais
exclusividade e durante mais tempo na sua carreira profissional e porque sentem que não
terão disponibilidade para conciliar a família e o trabalho. Esta tendência vem prejudicar
ainda mais a baixa de natalidade e o envelhecimento populacional que se verifica
actualmente.
Mas esta solução não é pacífica e arrisca-se a provocar insatisfação na vida dos casais,
por preferirem anular a sua vida familiar em prol de uma profissão, apenas porque ela
representa uma actividade remunerada e o seu sustento económico.
O novo Código do Trabalho tem em grande atenção a questão da igualdade de género
e desenvolveu uma série de medidas laborais para salvaguardar a conciliação entre a vida

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familiar e profissional e envolver mais os homens na esfera privada, particularmente no que


respeita o cuidado e acompanhamento dos/as filhos/as dos casais.
De facto, a actual legislação laboral contempla uma série de alternativas para esta
questão, especialmente quando se tem filhas/os pequenos/as, que podem e devem ser
utilizadas tanto por mulheres, como por homens. A publicação da Confederação Geral dos
Trabalhadores Portugueses – CGTP “Direitos de Parentalidade: Conciliação do Trabalho com
Família e com a vida pessoal”16, apoiada pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de
Género, descreve de forma acessível e concisa estas medidas em relação aos direitos de
parentalidade.
Algumas das melhores alternativas que os casais têm ao seu alcance para conciliarem
os seus horários de trabalho com a decisão de terem filhos/as assentam nas licenças
parentais, no auto-emprego, no trabalho a partir de casa e na flexibilidade laboral, medidas
definidas nos artigos 33º a 65º do Código do Trabalho, numa subsecção que tem por
epígrafe “Parentalidade” e que mais aprofundadamente será abordada no ponto 3.3. deste
Capítulo III.
De entre estas estão previstas na lei condições, faltas e licenças para assistência a filho
menor ou com deficiência ou doença crónica e dispensas para amamentação ou aleitação.
Uma questão importante é que estas licenças, dispensas e faltas podem ser exercidas, tanto
pelas mães, como pelos pais, e, segundo o artigo 65º, não determinam perda de quaisquer
direitos, sendo consideradas como prestação efectiva de serviço para todos os efeitos.
A protecção legal vai mais além; o/a trabalhador/a que seja despedido/a em situação
de gozo das supra referidas licenças, faltas, dispensas ou regimes de trabalho especiais goza
igualmente da presunção da ilicitude do seu despedimento durante esse período. Para além
disto, qualquer decisão da entidade empregadora no sentido de despedir funcionário/a em
gozo de tais medidas tem que ser previamente submetida a parecer da CITE, nos termos do
artigo 63º do Código do Trabalho; a violação deste regime representa uma contra-
ordenação grave.

16
CGTP (2009). Direitos de Parentalidade: Conciliação do Trabalho com Família e com a vida pessoal. Lisboa:
CIG.

Criado em 2011 Por: Belkis Oliveira e Marylin Oliveira Página 14


Os novos crimes físico–psicológicos: Capítulo II

A lei é clara ao assegurar o gozo de algumas das supra referidas licenças e faltas a
qualquer um dos progenitores; ainda assim, o maior número de licenças e faltas desta índole
são atribuídas às mulheres, o que denota que os homens, por um lado, são ainda bastante
renitentes ao cuidado dos/as filhos/as em detrimento do trabalho e, por outro, porque são
frequentemente coagidos a não usufruírem delas (por não serem obrigatórias e por ser
melhor encarado, pelas entidades empregadoras, atribui-las às mães).
Assim, por um lado, os homens devem ser encorajados a partilhar as responsabilidades
da parentalidade e, por outro, a esfera familiar deve ser reconhecida no emprego, não só às
mulheres, mas também aos homens.
Os registos da Segurança Social relativos ao número e o tipo de subsídios atribuídos
relativos à parentalidade17 em 2008 evidenciam a evolução ocorrida nos últimos anos, no
que respeita ao uso dos direitos consignados ao pai e à mãe para conciliarem trabalho, vida
pessoal e familiar, estando em crescimento o uso das licenças a que o pai tem direito
quando do nascimento de filhos/as (CITE, 2009, p. 61).
A mesma questão passa-se em relação à adopção de regimes de trabalho especiais,
uma alternativa laboral de conciliação que permite diminuir ou flexibilizar o horário de
trabalho.
Na maioria dos casais, no caso de se tornar necessário adoptar regimes de trabalho
parcial ou flexibilidade de horário para cuidarem os/as filhos/as, é normalmente a mãe que
fica em casa e assume a totalidade das tarefas familiares, enquanto o pai continua com a sua
actividade laboral a tempo inteiro.
Estas situações são muito frequentes pelo estereótipo do género feminino como
“cuidadora”, mas sobrecarregam a mãe com a totalidade das tarefas domésticas e retiram-
lhe a satisfação de desempenhar a sua actividade profissional. Mais, afastam o pai do
acompanhamento da sua família, especialmente enquanto a criança é pequena.

17
Subsídio de licença por paternidade de 5 dias, subsídio de licença parental de uso exclusivo do pai, subsídio
de licença por maternidade (120/150 dias), subsídio ao pai por partilha da licença de 120/150 dias, subsídio
social de maternidade, subsídio social de paternidade, subsídio social de paternidade por 5 dias e abono pré-
natal.
Em 2008, os homens beneficiaram de 229637 dias de licença de paternidade decinco dias (Código de Trabalho,
Lei nº. 99/2003, Artº. 36, nº. 1), 50,4% mais que em 2004 (cf. Instituto Nacional de Estatistica, Homens e
Mulheres em Portugal, 2010, p.37).

Criado em 2011 Por: Belkis Oliveira e Marylin Oliveira Página 15


Os novos crimes físico–psicológicos: Capítulo II

Não tem porque ser assim; estes regimes de trabalho são acessíveis aos dois membros
do casal e podem mesmo ser realizados em períodos intercalados entre os dois.
O Código de Trabalho prevê, entre outras medidas, o trabalho a tempo parcial (artigo
55º) que corresponde a metade do praticado a tempo completo e pode ser exercido por
qualquer dos progenitores, ou por ambos em períodos sucessivos, depois da licença
parental; prevê também a prestação de trabalho em horário flexível, na qual a pessoa “pode
escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho
diário” (nº 2 do artigo 56º).
A entidade empregadora só pode recusar esta medida com razões peremptórias
relacionadas com o funcionamento da empresa, carecendo sempre a recusa de parecer
prévio favorável da entidade que tenha competência na área da igualdade de oportunidades
entre homens e mulheres (CITE).
Existem, no entanto, outros regimes laborais que permite flexibilizar, a longo prazo, o
horário de trabalho. O teletrabalho e a via do empreendedorismo permitem, particularmente
às mulheres, não deixar a ocupação profissional remunerada em prol do cuidado dos/as
filhos/as.
O teletrabalho tem um estatuto igual ao trabalho nas instalações da entidade
empregadora em termos de direitos, remunerações e segurança social, permitindo realizá-lo
a partir de casa18.
A adesão a iniciativas empreendedoras, tais como a criação de um negócio ou uma
empresa, são particularmente importantes numa óptica feminina por se assumirem uma
excelente alternativa de integração laboral.
Para uma mulher criar o seu próprio emprego pode permitir-lhe ultrapassar limitações
da cultura organizacional, como o fenómeno “telhado de vidro19”, ultrapassar circunstâncias
domésticas e pessoais, como as necessidades da família, ou mesmo satisfazer uma
necessidade de independência e controlo sobre o seu tempo e tomada de decisão.

18
O teletrabalho está actualmente regulamentado nos artigos 165º a 171º do Código do Trabalho.
19
Telhado/Tecto de vidro: Fenómeno que impede as mulheres de subirem nas empresas ou obterem cargos
importantes, especialmente de chefias, devido a barreiras invisíveis que resultam do facto das estruturas
organizacionais se assumirem como patriarcais e dominadas por homens.

Criado em 2011 Por: Belkis Oliveira e Marylin Oliveira Página 16


Os novos crimes físico–psicológicos: Capítulo II

Mas à questão da exigência de tempo laboral e a falta de flexibilidade no mesmo


interliga-se um outro factor que concorre para a situação de maior vulnerabilidade das
mulheres na dimensão profissional: as assimetrias salariais e as discrepâncias nas
remunerações das mulheres e dos homens.
De facto, apesar do Artigo 31º do Código do Trabalho prever a igual retribuição para
trabalho igual, as desigualdades subsistem. Em 2007, segundo dados dos Quadros de
Pessoal para o Continente (CITE, 2009, p. 30), no sector privado as mulheres auferem cerca
de 81,2% da remuneração média mensal de base dos homens. Em termos de ganho médio
mensal, que contém outras componentes da remuneração, tais como compensação por
trabalho suplementar, prémios e outros benefícios, geralmente de carácter discricionário, as
mulheres auferem cerca de 77,6% do salário dos homens (CITE, 2009, p. 30).
Em termos gerais, no que concerne as remunerações auferidas por mulheres e homens,
segundo dados do INE (2010), o rendimento médio líquido mensal auferido pelas mulheres é
de 713 euros, enquanto o dos homens é de 832 euros. A diferença é de quase 100 euros por
mês, o que se assume como extremamente notória.
Gráfico 5 – Comparação entre a percentagem de mulheres e homens empregados por conta de outrem a
20
tempo completo segundo os escalões de remuneração base

Homens
60% Mulheres
50%
40%
30%
20%
10%
0%
< 426,00* 426,00 a 500 a 1000 a 2499 2500 a 4999 ≥ 5000
euros 499,99 euros 999euros euros euros euros

Ao nível das remunerações mensais auferidas por mulheres e homens, verificamos que
a percentagem de mulheres nos níveis mais baixos de rendimentos é claramente superior.

20
Gabinete de Estratégia e Planeamento, Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, Quadros de Pessoal,
2008, p. 37.

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Os novos crimes físico–psicológicos: Capítulo II

A esta tendência concorre a tendência oposta de predominarem os homens nos níveis


mais altos de remuneração. Estes níveis de remuneração média correspondem a cargos de
liderança e chefia de empresas, nos quais sabemos que a percentagem de mulheres é
claramente inferior.
De facto, quando se consideram as desigualdades salariais em função dos níveis de
qualificação, constata-se que o gap salarial entre mulheres e homens é particularmente
elevado entre os quadros superiores. Segundo a CITE (2009, p.31) neste nível de qualificação,
o rácio entre a remuneração das mulheres e a dos homens é de 71,1%, em relação à
remuneração de base, e de 69,7%, em relação ao ganho.
No níveis mais intermédios, as assimetrias esbatem-se, pois referem-se a profissões
técnicas nas quais a especialização e habilitações do/a profissional pesam mais do que o seu
género.

Comparemos agora as remunerações médias mensais entre os vários sectores de


actividade.
Gráfico 6 – Comparação entre as Remunerações base horárias médias, por actividade económica (secção), a
21
tempo completo segundo o sexo
Homens
12 €
Mulheres
10 €
8€
6€
4€
2€
0€
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

Código Sectores
1 Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca
2 Indústrias extractivas
3 Indústrias transformadoras
4 Electricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio
5 Captação, tratamento e distribuição de água; saneamento, gestão de resíduos e despoluição
6 Construção

21
Gabinete de Estratégia e Planeamento, Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, Quadros de Pessoal,
2008, p. 176.

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Os novos crimes físico–psicológicos: Capítulo II

7 Comércio por grosso e a retalho; reparação de veículos automóveis e motociclos


8 Transportes e armazenagem
9 Alojamento, restauração e similares
10 Actividades de informação e de comunicação
11 Actividades financeiras e de seguros
12 Actividades imobiliárias
13 Actividades de consultoria, científicas, técnicas e similares
14 Actividades administrativas e dos serviços de apoio
15 Administração Pública e Defesa; Segurança Social Obrigatória
16 Educação
17 Actividades de saúde humana e apoio social
18 Actividades artísticas, de espectáculos, desportivas e recreativas
19 Outras actividades de serviços
20 Actividades dos organismos internacionais e outras instituições extra-territoriais

Apesar de uma relativa homogeneidade de remunerações mensais, torna-se notório


que as maiores discrepâncias salariais se verificam mais positivas para homens,
especialmente nos sectores 18 (Actividades artísticas, de espectáculos, desportivas e
recreativas), 11 (Actividades financeiras e de seguros), 13 (Actividades de consultoria,
científicas, técnicas e similares), 10 (Actividades de informação e de comunicação) e 20
(Actividades dos organismos internacionais e outras instituições extra-territoriais).
As razões pelas quais estas assimetrias salariais se verificam são diversificadas e
reflectem disposições estruturais, legais e sociais que dificultam a integração da igualdade de
género na esfera laboral.
Entre os factores mais directamente responsáveis pelas menores remunerações
auferidas pelas mulheres em geral, podemos apontar as seguintes (Ramalho, 2005, p.13):
maior trabalho a tempo parcial; interrupção mais frequente da sua carreira pela maternidade
ou pela assistência à família; dificuldade de progressão na carreira pela assistência familiar;
segmentação do mercado de trabalho segundo o género que canaliza as mulheres para
sectores menos valorizados; estereótipos de género que afastam as mulheres de cargos com
maior responsabilidade.
Apesar de tudo, estes factores apenas explicam uma parte do gap salarial existente o
qual radica ainda em algumas dificuldades de ordem prática, tais como (Ramalho, 2005):
• Dificuldades na detecção das situações de discriminação indirecta, pois
aparece disfarçada de disposições ou critérios aparentemente neutros;

Criado em 2011 Por: Belkis Oliveira e Marylin Oliveira Página 19


Os novos crimes físico–psicológicos: Capítulo II

• Dificuldades na operacionalização dos conceitos de “trabalho igual” e


sobretudo, de “trabalho de valor igual”, pela falta de critérios objectivos legais de
integração desse conceito. Esta dificuldade reflecte-se sobretudo na avaliação das
prestações laborais, dada a heterogeneidade dos critérios de avaliação e a fácil
permeabilidade desses critérios a elementos que não são neutros do ponto de vista
do género;
• Dificuldades de classificação e avaliação das funções. Concretamente, à
persistência de critérios de avaliação das funções aparentemente neutros, mas que
afectam de modo diferente os trabalhadores e trabalhadoras, quando relacionados
com a conciliação entre a vida profissional e familiar (por exemplo, maior
valorização da assiduidade em detrimento da produtividade);
• A designação das categorias dos trabalhadores e trabalhadoras, ou da
criação de categorias artificiais que apresentem critérios objectivos que possam
definir a diferenciação salarial, independentes de eventuais critérios de género. Esta
questão é tão mais importante quanto a persistência de categorias profissionais
tendencialmente masculinas ou femininas que se verifica no mercado de trabalho,
que valorizam as tarefas desempenhadas de modo diferenciado e desigual;
• A definição das remunerações a partir da comparação dos tempos de
trabalho quando intervêm factores como a isenção de horário de trabalho, o
trabalho nocturno ou por turnos, ou o trabalho a tempo parcial, etc., que dificultam
ainda mais a comparação;
• A fraca representatividade das mulheres nos órgãos directivos das
associações de trabalhadores/as responsáveis pela negociação colectiva. Sem a
devida representatividade nas esferas de tomada de decisão, as mulheres terão mais
dificuldades em verem reconhecidas no âmbito laboral as especificidades que
caracterizam a sua situação laboral e que perpetuam importantes desigualdades de
género, especialmente no que concerne a conciliação entre a vida familiar e
profissional.

Criado em 2011 Por: Belkis Oliveira e Marylin Oliveira Página 20

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