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TRABALHO DE EDIÇÃO

Ernande Valentin do Prado


Pedro José Santos Carneiro Cruz

ADILSON MARQUES
Daniela Gomes de Brito Carneiro VEPOP-SUS
Eymard Mourão Vasconcelos

A prática da
A reimpressão deste livro foi apoiada
pelo Projeto de Pesquisa e Extensão VEPOP-SUS
ARTE DA CAPA – Vivências de Extensão em Educação Popular e

Meditação Integrativa
Helena Lima dos Santos Saúde no SUS, como parte da Política Nacional
de Educação Popular em Saúde no SUS
(PNEPS-SUS), promovido no âmbito da
Universidade Federal da Paraíba por meio do

na Terceira Idade Termo de Cooperação TC 383/2013. Visando


apoiar iniciativas de sistematização e reflexões
teóricas no campo da Extensão Universitária,

A PRÁTICA DA MEDITAÇÃO INTEGRATIVA NA TERCEIRA IDADE


Educação Popular e Formação em Saúde, o

UM ESTUDO SOBRE VEPOP-SUS publicou o Edital nº 08/2016, com o


objetivo de oportunizar reimpressão e

EDUCAÇÃO POPULAR divulgação de livros já publicados na área. O


livro A PRÁTICA DA MEDITAÇÃO INTEGRATIVA NA
EM SAÚDE E ESPIRITUALIDADE TERCEIRA IDADE: Um estudo sobre Educação
Popular em saúde e espiritualidade foi uma das
obras contempladas no referido edital.

É proibida a venda de exemplares deste


livro, impresso por intermédio deste projeto.

Adilson Marques cursou geografia na USP e


mestrado em educação ambiental e doutorado
em antropologia das organizações. Trabalhou no
Sesc como animador cultural e ajudou na
criação da ONG círculo de são Francisco, onde
realiza trabalhos voluntários. É autor de 35 livros,
abordando temas espiritualistas,
envelhecimento e também infantis. Este livro é
fruto de sua pesquisa de pós-doutorado na
UFScar.
ADILSON MARQUES
Agradecimentos

A realização desta pesquisa de pós-doutorado só foi possível graças ao apoio de várias pes-
soas e organizações. Sem o apoio de minha família, dos membros da ONG Círculo de São Francis-
co, onde nasceu a proposta da Meditação Integrativa aqui exposta, e da coordenação da Univer-
sidade Aberta da Terceira Idade, programa da Fundação Educacional São Carlos, que aceitou meu
afastamento sem remuneração, não teria tido as condições mínimas para realizar esse trabalho.
Também sou grato à Professora Dra. Maria Waldenez de Oliveira, que supervisionou o es-
tágio e que coordena o programa MAPEPS, na UFSCar, o qual conheci em 2013 e me encantei,
renascendo a vontade de fazer um pós-doutoramento 12 anos após a defesa do meu doutorado
na USP.
E não poderia deixar de agradecer aos professores da linha de Pesquisa Práticas Sociais e
Processos Educativos, ao chefe do Departamento de Metodologia de Ensino e às secretárias pelo
amparo sempre que necessitei durante o período em que estive presente na Universidade Federal
de São Carlos.
Apresentação

A perspectiva compreensiva, dialógi- sujeitos um grupo de idosos que se sin-


ca, fenomenológica e participativa que a gularizam por serem médiuns atuantes em
Linha de Pesquisa Práticas Sociais e Proces- centros espíritas, em terreiros de umbanda,
sos Educativos, no Departamento de Meto- de forma independente em suas casas ou,
dologia de Ensino, na UFSCar, oferece aos até mesmo, de forma laica e transreligiosa
participantes, despertou meu interesse em como ocorre na ONGCSF.
estudar a Meditação Integrativa, uma técni- No ano de 2005 a ONGCSF idealizou a
ca de meditação bio-psico-espiritual criada Gerontagogia Holonômica como uma pro-
na cidade de São Carlos, entre os anos de posta de anima-ação cultural com adultos
2001 e 2003, e que integra diferentes pro- e idosos. Uma das atividades que a inte-
jetos de anima-ação cultural da ONG Cír- gram é o curso “O poder da mente”, que foi
culo de São Francisco (ONGCSF), entre eles ofertado entre os anos de 2007 e 2015 aos
a Gerontagogia Holonômica, tendo como alunos da Universidade Aberta da Terceira
Idade, na cidade de São Carlos/SP. Neste laxamento mental, combater o estresse ou
período cerca de 300 idosos se inscreveram manter o foco em um objetivo material, o
no curso, nas três unidades da escola e, du- que não quer dizer que ela seja uma ativi-
rante as rodas de conversa que acontece- dade, necessariamente, religiosa, os idosos
ram no curso, aproximadamente 10 % dos que diziam ser médiuns ou que exerciam
participantes afirmaram que eram médiuns. essa prática social (a mediunidade) em al-
Ou seja, afirmavam que viam, ouviam e, em gum contexto religioso ou laico costuma-
alguns casos, eram capazes de “dar passa- vam manifestar “narrativas visionárias”1 que
gem” para que supostos Espíritos se mani- podem ser associadas e identificadas ao
festassem através de seus corpos. imaginal ou ao mundus imaginalis teoriza-
Estas revelações espontâneas costu- do por Henry CORBIN (1969), um dos mais
mavam acontecer após as vivências com a importantes estudiosos ocidentais da espi-
Meditação Integrativa, quando relatavam ritualidade islâmica, e que contribuiu signi-
para o grupo como havia sido a experiência. ficativamente nas atividades do Círculo de
Por ser uma forma de meditação que valo- Éranos, talvez, até hoje, o grupo de estudo
riza o sagrado ou o numinoso, devendo ser sobre temas espiritualistas mais famoso e
praticada, portanto, como uma hierofania consistente, e que reuniu celebridades do
e não como uma simples técnica para re- mundo acadêmico como C.G. JUNG, Rudolf

1
Expressão utilizada por Emmanuel KANT (2013) em seu estudo sobre a vidência e outros poderes ocultos de Ema-
nuel Swedenborg, conhecido no século XVIII como “o vidente de espíritos”.
OTTO, Gilbert DURAND, James HILMMAN, é, de fato, o contato entre o “mundo dos
Mircea ELIADE, entre outros. mortos” e o “mundo dos vivos”, uma vez
Em 2013, após conhecer o projeto que reconhecemos e sabemos que há ou-
MAPEPS, da UFSCar, vinculado à Linha de tras interpretações possíveis para esse fe-
Pesquisa Práticas Sociais e Processos Edu- nômeno psíquico tão polêmico e conflitual
cativos, que tem em Paulo FREIRE, Ernani presente na vida cotidiana de várias pes-
Maria FIORI, Enrique DUSSEL, entre outros soas, independentemente da classe social,
autores, suas principais referências teóri- gênero, opção religiosa e idade.
cas, senti a vontade de submeter um pro- Como já apontamos em outros tra-
jeto de pesquisa de pós-doutoramento à balhos (MARQUES, 2009) há evidências de
UFSCar com o objetivo de contribuir para a que a prática social da mediunidade favo-
desestigmatização da prática social da me- rece a diminuição de várias perturbações
diunidade através da valorização do ponto psíquicas ao invés de produzi-las, mas, em
de vista de seus atores sociais, procuran- vários casos, e é isso que mais nos interes-
do compreender a mediunidade, princi- sa, auxilia no processo de individuação (au-
palmente a umbandística, não como algo torrealização) ou de “libertação” da pessoa
“patológico” ou “satânico”, mas como um que é considerada médium, ao contrário
fenômeno humano importante para a vida do que afirmava a Psiquiatria até meados
cotidiana de várias pessoas que vivenciam do século XX, defendendo que ela gerava
esse potencial psíquico, sem necessaria- loucura e deveria ser, portanto, combatida
mente buscar comprovar se a mediunidade e proibida socialmente.
No que se refere à Meditação Inte- to humano que é a dimensão ético-políti-
grativa, a prática social que pretendemos ca que orienta o trabalho da ONGCSF e se
estudar, ela foi criada na ONGCSF e é uti- fundamenta, entre outras, nas contribui-
lizada na Animagogia, o programa e tam- ções do físico David BOHM (2007, 2008 e
bém processo educativo que a organização 2011) que busca, a partir das teorias quân-
realiza e cujo objetivo é ajudar no desper- ticas, mas sem ceder às tentações idealis-
tar do Homo spiritualis, em outras pala- tas e solipsistas, estudar a “totalidade” e a
vras, de um modo de ser, pensar e agir no “ordem implicada” da realidade em sua re-
mundo com “habilidade espiritual”. E esse lação com o pensamento, compreendendo
objetivo seria alcançado, segundo a pro- que a visão geral do mundo (cosmovisão)
posta da Animagogia, integrando o ego (a é crucial para que a mente possa se movi-
consciência humanizada da personalidade, mentar dentro do Todo, ou de forma coe-
também chamada de eu inferior ou eu exte- rente e harmoniosa ou criando separações
rior) e o Self (a consciência humanizada da e fronteiras, separando o mundo em partes
individualidade, também chamada de eu desconectadas, separadas e independentes
superior ou eu interior), despertando, nesse (BOHM, 2008, p. 12).
processo, os atributos do Espírito (amor, fe- É possível identificar nestas duas for-
licidade, equanimidade, paz interior, entre mas de interação entre o pensamento e
outros que veremos adiante). a “realidade”, conforme apontou BOHM,
A Animagogia, por sua vez, se funda- imagens e ideias que remetem aos dois “re-
menta na Antropolítica do (re)envolvimen- gimes de imagens” estudados por Gilbert
DURAND (1997), o “diurno” e o “noturno”, ou negligenciadas pelos “paradigmas da
uma perspectiva de estudos antropológi- ordem” – tanto no campo da pesquisa, do
cos que rompe com a visão dominante que ensino e da vida como um todo, pois os
afirma ser o imaginário sinônimo de fanta- processos educativos não se restringem ao
sioso. Na teoria durandiana, o imaginário ambiente escolar. E também, como afirmaria
é pensado como o elemento constituinte DUSSEL (1993), permitir que essas pessoas
dos modos de ser, pensar e agir dos indiví- que, de certa forma, são vítimas de uma vio-
duos, das coletividades socioculturais e da lência simbólica (quando não também de
humanidade como um todo. violência física em manicômios ou mesmo
E nossa tentativa de estudar a práti- em seus lares e até na escola) na vida coti-
ca da Meditação Integrativa em um grupo diana, e muitas vezes excluídas e oprimidas
de idosos que se dizem médiuns pode fa- por uma sociedade que as trata como es-
vorecer o desabrochar de um novo campo quizofrênicas ou delirantes, reconheçam sua
de pesquisa voltado para a compreensão “exterioridade” e possam celebrar a vida ou
das manifestações naturais e saudáveis das afirmar sua dignidade humana.
criações imaginárias ou noéticas, tratando Assim, nesta modesta investigação,
com respeito as vivências, opiniões e/ou aberta ao conflito, à complexidade, ao
crenças transmitidas pelos sujeitos partici- probabilismo, à incerteza, à contestação e
pantes, sem rotulá-los ou estigmatizá-los, à dúvida, o objetivo central é revalorizar a
mas mantendo um compromisso ético de subjetividade, o indivíduo e a história, tal-
estudar e valorizar questões abandonadas vez o cerne e a atitude diante da vida que
aproxima e complementa os diferentes au- e metodológicas) citados acima, em nome
tores (e suas respectivas propostas teóricas do respeito e da afirmação da alteridade.

Adilson Marques com dona Valquiria,


que iniciou seu trabalho com os Círculos
de Cultura, em Natal/RN, há 40 anos,
diretamente com Paulo Freire.
Sumário

Inserção na Prática Social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

PARTE I
A ONGCSF: da Antropolítica do (re)envolvimento humano à Meditação Integrativa . . . 81

Capítulo 1 - A constituição da Antropolítica do (re)envolvimento humano


enquanto um movimento ético-político e paradigmático. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

Capítulo 2 - A dimensão metafísica da Animagogia e sua práxis educativa através


da Gerontagogia Holonômica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
Capítulo 3 - A Meditação Integrativa como atividade de anima-ação cultural
e o (re)envolvimento humano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152

PARTE II
a mediunidade como prática social, estigmatização e perturbações psíquicas . . . . . . 173

Capítulo 4 - a mediunidade é uma prática social popular com diferentes significados. . 175

Capítulo 5 - está a escola preparada para acolher um aluno médium?. . . . . . . . . . . . . . . . 191

Capítulo 6 - A prática da Meditação Integrativa com idosos médiuns . . . . . . . . . . . . . . . . 209

Considerações finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231

Bibliografia consultada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257


Inserção na Prática Social

Nesta apresentação pretendo expor grupo que realizava essa prática social para
como ocorreu minha inserção na ONG Cír- estudá-la, mas fui procurado e convidado
culo de São Francisco (ONGCSF) que criou e pelo grupo que fundou a ONGCSF para me
difunde a Meditação Integrativa, prática so- integrar a ele, de uma forma nada conven-
cial que iremos estudar tendo como grupo- cional, como apresentarei a seguir.
sujeito idosos que afirmam serem médiuns. Eu vim morar em São Carlos em 1998
Entre os anos de 2001 e 2003, ain- para trabalhar como animador cultural no
da ignorando os pressupostos da Linha de SESC São Carlos e, no ano seguinte, fiz di-
Pesquisa Práticas Sociais e Processos Edu- ferentes cursos de Reiki, uma prática bioe-
cativos, participei de uma experiência me- nergética de origem japonesa, mas que foi
diúnica singular e laica que deu origem à sistematizada nos EUA, de onde se expan-
ONGCSF, em 2003, na cidade de São Carlos. diu para outros países, inclusive, para o Bra-
A única diferença é que eu não procurei o sil, no final da década de 1980. A iniciativa

13
para fazer tais cursos foi tentar resolver um de Paz, seguindo as orientações do manifes-
problema que estava vivenciando na cida- to da UNESCO para a década da cultura de
de: mesmo sem intenção, eu acabava inter- paz e não-violência (2001-2010) e, ao mes-
ferindo no mundo material, abrindo portas, mo tempo, oferecer as práticas que dominá-
acendendo ou apagando luzes, derruban- vamos, gratuitamente.
do objetos etc. sem a necessidade do con- A Encantos da Lua teve uma existên-
tato físico. Bastava me aproximar de certos cia curta, de 2000 a 2003, coincidindo com
locais para estes fenômenos acontecerem. o período em que realizei o meu doutora-
Foi uma estudante do curso de Psico- do na Faculdade de Educação da USP, pois
logia, da UFSCar, que me disse para fazer usava parte do recurso da bolsa que re-
os cursos, pois eu teria “energia para doar”. cebia da FAPESP para pagar o aluguel da
Após fazer os níveis I, II e III do referido cur- casa, onde eu também morava, e manter o
so, junto com um professor de Tai Chi Chuan espaço aberto e funcionando com as ativi-
e uma professora de danças circulares e me- dades acima.
ditação, montamos um espaço cultural na Porém, em 2001, eu estava na Encan-
cidade de São Carlos chamado Encantos da tos da Lua quando recebi a visita de dois
Lua - Centro de Estudos e Vivências Coope- rapazes querendo conhecer o trabalho que
rativas e para a Paz, em setembro do ano ali realizávamos. Os dois eram estudantes
2000, para sediar o Programa Homospiri- de Química, na USP, e tinham em torno de
tualis, criado um ano antes por mim para 23 anos de idade. Cerca de duas horas de-
difundir, no município, os valores da Cultura pois, ao se sentirem à vontade, um deles

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falou que era médium e que um Espírito não precisaria fazer o curso para me tornar
havia passado para ele o meu nome e o en- mestre de Reiki, que custava, na época, R$
dereço da Encantos da Lua. O “ser incorpó- 5.000,00. Esta informação me desconcer-
reo” queria conversar comigo e por isso te- tou, pois ninguém sabia que eu pretendia
ria pedido ao médium para fazer o contato. fazer tal curso, muito menos o médium que
Até aquele momento eu não tinha eu acabara de conhecer.
participado de nenhuma experiência me- As demais informações, apesar de in-
diúnica e achava que o contato com os teressantes, poderiam muito bem ter sido
Espíritos não passava de charlatanismo e inventadas pelo médium, uma vez que eu
mistificação. Mas achei a ideia interessante não tinha elementos para comprovar. Por
e quis saber como era conversar com um exemplo, que no século VIII eu havia vivido
suposto Espírito. Fomos até a sala onde as como um monge budista na China ou que
sessões de Reiki aconteciam e o médium eu havia encarnado como um indígena, da
deu “passagem” para o Espírito que come- etnia Kaingang, no Brasil, antes da coloni-
çou a dialogar comigo. Este se apresentou zação do país. Porém, ao falar de um curso
como dr. Felipe, afirmando ser membro da que eu pretendia fazer, sendo que ninguém
equipe espiritual do dr. Bezerra de Mene- sabia disso, realmente me fez aceitar a hi-
zes, e me passou várias informações, inclu- pótese de que eu estava diante de alguém
sive sobre supostas vidas passadas. Porém, que conhecia minha vida e que se comuni-
a que mais me intrigou, naquele primei- cava comigo através do corpo do médium.
ro encontro, foi quando ele disse que eu Minha intenção em fazer a forma-

15
ção para ser mestre de Reiki foi o fato de na época, de R$ 5.000,00.
ter intuído (ou canalizado, em linguagem Estávamos na véspera do curso quan-
esotérica) uma das técnicas que formam do o dr. Felipe, através daquele médium,
atualmente a Terapia Vibracional Integrati- disse que ele havia me intuído e se ofe-
va (TVI). Em 2001, eu a chamava de “man- receu para me ensinar tudo o que seria
dala reiki”, pois seria uma forma coletiva de necessário para se “enviar energia” para
auto-aplicação da técnica. Ela foi realizada as pessoas, livre de mistificação, charlata-
durante vários meses na Encantos da Lua e nismo e, o mais importante, de graça. Ao
também, experimentalmente, com profes- aceitar a proposta, ele me pediu para com-
sores de uma escola infantil particular, com binar com o médium reuniões semanais de
alunos de uma escola de pré-vestibular, aproximadamente 2 horas cada, assim que
com pessoas com deficiência física e men- houvesse a “desincorporação”. E estas reu-
tal, e até mesmo com policiais militares. niões aconteceram de 2001 a 2003 na En-
O sucesso em sua realização me deu cantos da Lua e foi através delas que nas-
vontade de ensiná-la para outros reikianos. ceu a Terapia Vibracional Integrativa (TVI),
Porém, o mestre que me “sintonizou” na formada por técnicas de imposição das
técnica disse que apenas os que possuíam mãos, Meditações Integrativas e técnicas
o título de mestre poderiam criar e ensinar de Chi Kung, transmitidas por este Espírito
novas formas de aplicação do reiki. Assim, e outros que se manifestavam através do
para eu divulgar o “mandala reiki” eu preci- mesmo médium e se identificavam com os
saria ser um mestre e o valor do curso era, seguintes nomes: Flor de Lótus (hindu), Fo-

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lha Verde, Tupã e Pena Branca (indígenas), reo que me conhecia de “outras encarna-
Pai Tomé (preto-velho) e Zezinho (criança ções” e que afirmava ter sido alemão em
ou erê, na linguagem da umbanda). sua última vida na Terra, tendo “desen-
Segundo o dr. Felipe, supostamente carnado” na segunda guerra mundial, en-
eu já sabia tudo aquilo que ele me ensi- quanto trabalhava no socorro aos soldados
nava. Em tese, ele estaria apenas me aju- feridos, de ambos os lados do conflito, eu
dando a se lembrar. Segundo ele, como já ainda não aceitava como plausível a reen-
salientei, eu teria vivido como um monge carnação, nem mesmo como uma hipótese
budista na China, no século VIII, chamado a ser considerada.
Lao C’han Sui e que já usava todas aquelas Esta aceitação, porém, aconteceu por
técnicas no mosteiro em que vivia. volta de 2009, com outra experiência insó-
É importante salientar que não foi so- lita e singular. Eu havia sido convidado para
mente eu que tinha aulas com os “espíritos”. ministrar um curso de TVI em um centro
Minha companheira, na época, aprendia espiritualista na cidade de Natal/RN, cha-
técnicas de massagem e acupuntura com mado Auta de Luz, cuja mentora espiritual,
eles e outros participantes da Encantos da em tese, é o Espírito que viveu como Auta
Lua aprendiam DO-IN e outras técnicas. de Souza, uma poeta potiguar, do século
Apesar de ter sido uma experiência XIX, que se tornou conhecida no meio espi-
singular que me fez aceitar a hipótese de ritista brasileiro através dos poemas supos-
existir a vida após a morte, pois, suposta- tamente escritos por ela e psicografados
mente, eu dialogava com um ser incorpó- por Chico Xavier.

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Lá, um Espírito que se manifestava na pois a maioria das pessoas deseja fazer
forma de preto-velho, incorporado a uma uma “regressão” de memória por curiosi-
médium, começou a me chamar em públi- dade e não por necessidade.
co de “bispo”. Eu não entendia o motivo e Mas ela insistiu tanto que combinei o
até achava engraçado o fato. Porém, em seguinte: eu faria a regressão caso ela me
particular, ele contou-me que eu havia en- autorizasse a escrever sobre os fatos que
carnado na França, por volta do século XVII, aparecessem durante a prática, se fossem
e vivenciado a experiência humanizada na interessantes. Com seu consentimento, fi-
forma de um bispo católico. Naquela su- zemos cinco sessões de duas horas cada,
posta encarnação eu teria me comprome- uma por semana. Logo na primeira, ela se
tido “carmicamente” por ter engravidado viu como freira e começou a descrever si-
várias freiras e as forçado a abortar. tuações muito semelhantes a que me foi
Acaso ou não, vários meses depois, passada pelo “preto-velho”, na cidade de
uma mulher, funcionária na USP de São Natal/RN. E, na última regressão, ela disse
Carlos, procurou-me querendo fazer uma meio sem jeito que o bispo que aparecia
regressão de memória devido a alguns so- em suas lembranças teria sido eu.
nhos que ela tinha frequentemente e que Em nenhum momento eu falei qual-
se intensificaram após a morte de seu filho. quer coisa para ela que pudesse interferir
Apesar de ter feito um curso de hipnose e em seu relato ou induzi-la. Mas, na última
ter realizado algumas regressões, por volta sessão, após ela falar que eu teria sido o
de 2008, eu evitava fazer tais experiências bispo que aparecia em suas “recordações”,

18
confessei que estava considerando seria- me, mesmo não provando, que a hipótese
mente a hipótese de ser realmente o bispo reencarnacionista deve ser levada em con-
da história por ela narrada e contei o que sideração, ou seja, pode ser que realmente
havia se passado alguns meses antes na ci- sejamos Espíritos eternos vivenciando uma
dade de Natal/RN. experiência humanizada, como afirmava
Curiosamente, de 2009 à 2015, recebi, CHARDIN, e que, talvez, não devemos nos
nos mais diferentes centros espiritualistas referir à morte como sendo o oposto da
onde fui ministrar algum curso, informações vida. O oposto da morte pode ser o nas-
sobre o suposto bispo, como se fossem pe- cimento. Em outras palavras, pode ser que
ças de um gigantesco “quebra-cabeça” ou a vida seja una, ininterrupta, marcada, po-
uma investigação a la Sherlock Holmes. Com rém, por momentos de nascimentos e mor-
elas, cheguei ao bispo Jean Baptiste Louis tes, ou seja, por reencarnações.
Gaston de Noailles que viveu na França de Mas voltando às reuniões mediúnicas
1669 a 1720. Em 2016, consegui ir duas ve- realizadas sob orientação do dr. Felipe, en-
zes a França para levantar mais informações tre 2001 e 2003, elas foram de fundamental
sobre a vida desse bispo, além das dispo- importância para se construir o corpo teóri-
níveis na internet, comparando as informa- co da Animagogia, enquanto um programa
ções que obtive através de médiuns com as educativo espiritualista e transreligioso, e as
referências históricas sobre ele. técnicas da TVI, entre elas as de Meditações
Essa experiência, e outras que acon- Integrativas, utilizadas nos projetos de ani-
teceram posteriormente, convenceram- ma-ação cultural promovidos pela ONGCSF.

19
20
Grupo Auta de Luz, de Natal/RN, um dos principais parceiros da ONG Círculo de São Francisco
no território brasileiro. O grupo tem como “mentora” a poeta potiguar Auta de Souza,
que ficou famosa no meio espiritista devido às mensagens psicografadas por Chico Xavier

21
Para não alongar demais, vou relatar Ao entrarem na sala onde a reunião acon-
e descrever algumas das reuniões mediúni- teceria, todas as crianças, simultaneamente,
cas das quais participei e como elas foram dormiram. Eu fiquei sem entender o motivo.
importantes para se consolidar a Anima- Até ironizei o fato, afirmando que a expe-
gogia e seus ensinamentos. É importante riência daquela noite não aconteceria, pois
salientar que elas aconteceram na sede da as crianças dormiam e nada indicava que
Encantos da Lua, antes da criação da ONG- acordariam para a realização da experiência.
CSF, local que passou a aplicar tais ensina- Como dormiam profundamente, to-
mentos na cidade de São Carlos. das ficaram deitadas em um canto da sala,
Para que pudéssemos compreender sobre colchonetes, enquanto a reunião me-
que a consciência humanizada pode se diúnica acontecia como de costume, sem
manifestar de duas formas bem distintas, nenhuma novidade. Ou seja, naquela noite,
porém, complementares: o ego (a cons- vários desenhos e mensagens foram psi-
ciência humanizada da “personalidade”) e cografadas por alguns médiuns e não fazia
o Self (a consciência humanizada da “indi- sentido o porquê das crianças dormindo
vidualidade”), foi realizada uma experiência em um canto da sala. Porém, assim que a
mediúnica bem singular. O dr. Felipe pediu reunião terminou, as crianças acordaram
para algumas pessoas levarem seus filhos praticamente ao mesmo tempo. Novamen-
para a reunião que aconteceria na semana te, achei que tinha sido por mero acaso.
seguinte. Cinco crianças com idade entre 1 e O dr. Felipe, porém, disse ao grupo
3 anos de vida foram levadas por seus pais. que todas as mensagens e os desenhos da-

22
quela noite haviam sido feitos por elas, as ciência, muito mais ampla e que traz em
crianças. Supostamente, foram desperta- si suas experiências passadas, estava ali se
das em Espírito, enquanto o corpo dormia, manifestando através dos médiuns.
e recuperaram a consciência da individua- Obviamente que não temos como
lidade (Self) para se comunicarem através afirmar categoricamente que o trabalho
dos médiuns. foi realizado por Espíritos e não pelo sub-
E de fato as mensagens transmitiam consciente dos médiuns. Mas, partindo da
informações de cunho moral e orientações hipótese que de fato foram as crianças em
para alguns dos presentes que não pode- Espírito que transmitiram as mensagens
riam ter saído da mente de uma criança em psicografadas e fizeram os desenhos, está-
seu estado de vigília. Aliás, elas nem eram vamos verificando as duas faces da cons-
alfabetizadas ainda e poucas falavam. Ou ciência humanizada. A primeira (ego), que
seja, o cérebro das crianças não seria capaz se manifesta no estado de vigília, típica de
de processar as informações ali transmiti- crianças com idade entre 1 e 3 anos, atuan-
das. Enfim, as mensagens e os desenhos do de acordo com as condições materiais
realizados contrariavam todo e qualquer do cérebro e sua capacidade de percepção
conhecimento psicológico de fundo mate- e construção da realidade, e uma outra,
rialista e só poderiam ser explicados, acei- que costuma ser chamada de Self, e que
tando a hipótese que foram realmente os seria a consciência da individualidade, mas
Espíritos das crianças adormecidas que as que, durante o estado de vigília, manifesta-
transmitiram, se, de fato, uma outra cons- se como o “inconsciente coletivo” de JUNG,

23
ou, como preferimos, na forma de “trans- é o responsável pela percepção, no sentido
consciente”, termo utilizado, por exemplo, proposto por MERLEAU-PONTY (1999), ou
por ELIADE. A primeira está vinculada dire- seja, relacionada com a representação que
tamente a atual existência ou experiência originará diferentes formas de apreensão
encarnatória, e, por isso mesmo, é chamada e construção do mundo, em um processo
de consciência da personalidade. Enquanto intersubjetivo, uma vez que o mundo seria
isso, a segunda, em tese, seria muito mais único para todos, como afirma FIORI, em
ampla e carregaria em si toda a experiência uma perspectiva fenomenológica, distin-
acumulada pela individualidade. guindo esta da perspectiva proposta pelo
Entender o funcionamento do ego é solipsismo (idealismo) que afirma existir
mais compreensível, pois é a consciência um mundo distinto para cada consciência e
encarnada, que funciona durante o es- que, cada uma, projeta mentalmente a sua
tado de vigília e processa as informações própria realidade:
provenientes do mundo exterior, capta-
das pelos cinco sentidos, e é responsável
pelas atividades psíquicas ditas normais, A comunicação da consciên-
cia (a intersubjetividade) supõe
como o pensamento racional e as emo-
um mundo comum. Se cada um
ções, mas também, na ótica da Animago- constituísse seu mundo, esse não
gia, pelas experiências psíquicas como a poderia ser a mediação para o
telepatia, a psicometria e também a me- encontro das consciências, e es-
tas se comunicariam sem o mun-
diunidade, como veremos adiante. O ego

24
do - o que não é o caso, pois so- de onde vêm ou como se formaram. Não
mos seres encarnados - ou não é fácil distinguir as atividades psíquicas
se comunicariam. (2014, 59)
paranormais das atividades noéticas,
porém, mais adiante, após apresentarmos
Por outro lado, além dessa consciên- as dimensões existenciais de acordo com a
cia que chamamos de ego, há uma segun- cosmovisão da Animagogia, essa distinção
da, da qual a primeira deriva e que atua, será mais compreensível.
predominantemente, durante o sono, e No momento, e para melhor distin-
durante os estados “ampliados” de cons- guir a ação do ego e do Self, segundo a
ciência. Esta é a responsável pela produ- Animagogia, a partir da experiência me-
ção das atividades noéticas, na visão da diúnica relatada acima, podemos dizer que,
Animagogia, e que são distintas das ati- no estado de vigília parece que somos de-
vidades psíquicas ordinárias, comuns no pendentes do cérebro para processar a lin-
estado de vigília, e das paranormais que guagem e outros processos psíquicos nor-
dependem também do ego para acontecer. mais, como a própria percepção e criação
No caso do Self , o responsável pelas ati- da nossa identidade. Porém, o Self parece
vidades noéticas, ele parece ser capaz de não depender do cérebro para se mani-
se comunicar sem o mundo, como algumas festar. Em outras palavras, a comunicação
experiências anômalas sugerem. Mas ele que o Espírito pode transmitir quando se
também se manifesta no estado de vigília encontra consciente de ser uma individua-
na forma de intuições que nunca sabemos lidade, seja no estado de “desencarnado”

25
ou durante o sono, como no caso daquelas ças, mas é comum verificar nos trabalhos
crianças, não se processa através do cére- de Animagogia com seres incorpóreos que
bro físico e pode manifestar uma consciên- acontecem através da Apometria, uma das
cia muito mais ampla e rica em informa- técnicas utilizadas na ONGCSF, que muitos
ções (o transconsciente) pois não descarta “desencarnados” parecem permanecer ilu-
as supostas experiências adquiridas, em didos com a personalidade vivida, mesmo
tese, em outras existências, ou seja, em vi- depois de “mortos”, mantendo os mesmos
das passadas. hábitos e interesses, ou seja, permanecen-
Porém, há também evidências que do presos ao ego construído para vivenciar
não basta morrer para nos tornarmos ou sua última encarnação. É o que se verifica
voltarmos a ser um Espírito plenamente também nos atendimentos espiritistas cha-
consciente, ou seja, nos desligarmos com- mados de “desobsessão” ou de “doutrina-
pletamente do ego para vivenciar nossa ção” apesar do espiritismo não utilizar essa
existência espiritual através do Self. Esse distinção entre ego e Self e chamar todos
processo aconteceu com aquelas crian- os “desencarnados” de Espíritos2.


2
Na Animagogia, o termo Espírito é utilizado apenas para a essência, o Ser, a Mônada. Este, para adquirir experiência
e sabedoria, vai humanizar-se primeiro se constituindo enquanto uma individualidade e, posteriormente como uma
personalidade que encarna. Dentro dessa perspectiva, os “desencarnados” que são assistidos em trabalhos como o de
Apometria são considerados como seres humanizados iludidos pelo ego ou presos à personalidade. A diferença entre
eles e nós é o vínculo com um corpo físico. Eles seriam seres humanizados incorpóreos e nós seres humanizados encar-
nados, mas ambos ainda presos a uma personalidade criada para a última existência planejada por uma individualidade.

26
Nos casos em que o Espírito ou, me- Estávamos ainda em 2001 e eu não tinha
lhor dizendo, o ser humanizado incorpóreo terminado o meu doutorado, mas aceitei a
se encontra iludido, temos a impressão proposta e acumulei as duas pesquisas, a
que, mesmo “desencarnado”, a consciência do doutorado e essa sob a supervisão do
da individualidade permanece adormecida dr. Felipe.
nos seres que se manifestam mediunica- Durante um ano e meio acompanhei
mente em busca de socorro ou esclareci- as reuniões que o médium organizava com
mento. Uma experiência mediúnica que vi- outras quatro pessoas e anotava cuidado-
venciei e que ajuda a pensar nesta questão, samente tudo o que acontecia nas reuniões
aconteceu da seguinte forma: que eram da seguinte maneira: o grupo se
Em uma das primeiras reuniões que encontrava no dia e horário pré-estabele-
participei com o dr. Felipe, ele me informou cido e após uma primeira oração e leitura
que o médium que era utilizado como ins- de uma passagem do livro “O evangelho
trumento para sua manifestação realizava segundo o espiritismo”, de Allan Kardec,
um trabalho de “doutrinação de Espíritos” acontecia a incorporação no médium do dr.
e me convidou para assistir as reuniões Felipe. Este, então, falava sobre o trabalho
que aconteciam na casa do médium e que que aconteceria naquela noite. Por exem-
passaram a ser realizadas na Encantos da plo, informava se os seres humanizados
Lua e também na ONGCSF, após sua cria- incorpóreos que seriam atendidos tinham
ção. O dr. Felipe gostaria que eu escreves- cometido suicídio ou o que estava cau-
se, se possível, um livro sobre a experiência. sando sofrimento a eles do “outro lado da

27
vida”, na dimensão que na Animagogia é E o trabalho, após a palestra, consis-
chamada de Psicosfera. tia, basicamente, em dialogar com alguns,
As reuniões eram sempre temáticas, que se manifestavam através de um mé-
ou seja, sempre com a presença de seres dium de incorporação, ou deixá-los se ex-
incorpóreos que enfrentavam o mesmo pressar através do desenho ou da escrita,
problema ou similares. Eventualmente, du- quando era este o encaminhamento. Toda
rante semanas, o tema era sempre o mes- a organização do trabalho era conduzido
mo: apego material, suicídio, fanatismo re- pelo Espírito que se identificava como dr.
ligioso, entre outros. Felipe.
Além de informar qual era o problema Duas médiuns faziam as psicografias e
que seria tratado naquela noite, o dr. Felipe, os desenhos enquanto o médium que dava
sempre incorporado no médium, fazia uma “passagem” ao dr. Felipe também costuma-
pequena palestra, de aproximadamente 20 va “incorporar” os seres que deveriam ser
minutos, abordando a dimensão espiritual “doutrinados” naquela noite para que uma
daquele tema. Por exemplo, se a reunião iria outra pessoa, que ali era identificada como
tratar de seres humanizados incorpóreos “doutrinador”, conversasse com eles. Dife-
que estavam sofrendo devido ao apego rentemente das práticas sociais de exor-
material e não aceitavam o fato de estarem cismo onde, em tese, o Espírito é “expul-
“mortos”, desejando permanecer na casa so” do corpo da pessoa, nos trabalhos de
onde viviam, a palestra abordava a impor- “doutrinação” eles são tratados como seres
tância do desapego para a libertação deles. iludidos que precisam ser “esclarecidos” ou

28
“evangelizados”. Eles não e que teve três edições,
são tratados como “seres em 2004, 2009 e 2011.
do mal”, mas como “ig- Nele apresentei, pela pri-
norantes das leis espiri- meira vez, o conceito de
tuais”. Animagogia, distinguin-
E quase dois anos do essa educação espi-
depois, após eu consi- ritual da “doutrinação”, o
derar já ter reunido ma- termo mais comumente
terial suficiente para a utilizado nas práticas es-
produção do livro, con- piritistas.
versei com o dr. Felipe se Na primeira reu-
eu teria liberdade para nião mediúnica que tive-
escrever da minha ma- mos, após o lançamento
neira e ele disse que sim, do livro, na ONGCSF, o
afirmando que eu seria dr. Felipe brincou comi-
“filósofo” e não, neces- Capa da 2ª Edição publicada em 2009 go dizendo que o mate-
sariamente, “espírita”. E foi assim escrevi rial ali impresso seria um sucesso no “plano
meu primeiro livro que recebeu o seguinte espiritual”, mas que, na Terra, ninguém le-
nome: Educação após a morte - princípios ria. Não entendi a brincadeira e perguntei o
de animagogia com seres incorpóreos, lan- motivo. E ele respondeu: “não é um livro de
çado no aniversário de um ano da ONGCSF educação após a morte? pois é, quem vai

29
querer lê-lo antes de morrer?” de vista animagógico evidenciou que não
Depois de rir da brincadeira, pergun- basta desencarnar para, automaticamente,
tei se ele tinha gostado do livro e sua res- recuperar a consciência da individualidade,
posta me desconcertou, mas ajudou muito que seria o Self e que, durante a encarna-
em minha própria animagogia ou proces- ção, se manifesta de forma “inconsciente”,
so metanoico de autotransformação ou de seja através de intuições e outros fenôme-
sensibilidade. Ele disse: “vai ajudar quem nos noéticos. É o Self que teria condições
ler, mas para você não teve nenhum valor. de escolher seu gênero de existência e criar
Você não adquiriu nenhum mérito ao es- um novo personagem para vivenciar em
crever esse livro”. Ao questionar o porquê, sua próxima encarnação na Terra. Porém,
ouvi o seguinte: “Você escreveu o livro com no retorno à Psicosfera, em tese, muitos
orgulho e a intenção para o Espírito é mais parecem iludidos pelo ego, a consciência
importante que a ação”. Esse ensinamento da personalidade, e passam a habitar essa
moral me ajudou a dar mais valor à inten- dimensão, onde estariam as “colônias es-
ção que está por trás de nossas ações. De pirituais”, mas que ainda não seria o “ver-
todo ensinamento que apreendi nessa ex- dadeiro” plano espiritual, presos à perso-
periência mediúnica, este talvez foi o que nalidade que acabaram de viver na Terra.
mais me transformou interiormente. Desde Somente após a libertação plena do ego
então passei a dar a mesma atenção à ação, é que poderíamos avaliar e planejar novas
mas também com a intenção que a move. encarnações, na perspectiva da Animago-
Essa experiência, porém, do ponto gia, daí o trabalho mediúnico realizado com

30
esses seres para despertar a consciência da fera, onde se encontram as “causas”, a Ani-
individualidade e não para reforçar o ego. magogia afirma que na Biosfera acontecem
Uma outra experiência mediúnica vi- os “efeitos”. Assim, quando necessário, são
venciada sob a orientação do dr. Felipe que possíveis e permitidas intervenções, o que
gostaria de relatar, aconteceu no final de não significa que a mente projeta a maté-
2003. Não me lembro ao certo, mas acre- ria, como afirma o pensamento solipsis-
dito que cerca de 10 pessoas participaram ta, uma vez que não é necessariamente a
naquela noite de uma vivência de “mate- nossa vontade que altera a matéria, mas o
rialização” de pétalas de rosas. Ela serviu “merecimento”.
para se pensar na possibilidade de interfe- Vou relatar a experiência para melhor
rir nas leis naturais ou na dinâmica material compreensão do que pretendemos discutir.
da vida, ou seja, a produção dos chamados Naquela noite, o dr. Felipe nos disse que
“milagres” tão comuns nos relatos popula- estávamos recebendo um visitante ilustre,
res e que movimentam cidades como Apa- o dr. Bezerra de Menezes. Falou também
recida do Norte, no Vale do Paraíba, com que havia sido autorizada uma experiência
milhares de peregrinos que vão agrade- diferente das já realizadas pelo grupo: se-
cer por uma cura ou outra conquista para ria uma experiência de efeito físico. A sala
a qual atribuem a presença de uma força onde estávamos ficou muito gelada, apesar
sobre-humana ou espiritual. Em suma, para de não estarmos no inverno, e todas as lu-
compreender como a Biosfera está imersa zes tiveram que ser apagadas. Aquela ex-
na Psicosfera e esta, por sua vez, na Noos- periência só seria possível no escuro para

31
não “queimar o ectoplasma” necessário Algumas pessoas plastificaram suas
para o experimento, disse o dr. Felipe. pétalas; outros guardaram em geladeira...
Passado alguns minutos, algo co- aquelas que ficaram ao sabor do tempo
meçou a cair sobre as pessoas presentes. começaram a secar e se desintegraram na-
Quando foi autorizado acender as luzes, a turalmente alguns dias depois.
sala estava tomada por pétalas de rosas. Obviamente que as pessoas que não
Mais de 200 pétalas estavam espalhadas estavam presentes na experiência podem
pelo chão. afirmar que houve fraude, que o médium
Segundo o dr. Felipe não se tratou de levou as pétalas escondidas para jogar nas
uma materialização propriamente dita, que pessoas, entre outras conclusões. Porém,
seria também possível, mas que exigiria considerando essa hipótese nula, podemos
muito mais energia. O que ali tinha acon- afirmar que ela demonstra ou evidencia
tecido seria um “fenômeno de transporte”, que, em alguns casos, seria possível uma
ou seja, rosas reais ou materiais teriam sido intervenção espiritual sobre a matéria, o
colhidas em algum local da cidade e tive- que resultaria em curas consideradas mila-
ram suas moléculas alteradas por forças es- grosas. Segundo o dr. Felipe, uma interven-
pirituais para ficarem invisíveis. Em seguida, ção como essa para acontecer necessita de
foram trazidas até a sala e novamente tor- três elementos:
nadas visíveis, passando a sofrer o processo 1 ) a presença em certa quantidade
biológico natural, ou seja, começando um de uma energia que apenas os seres en-
processo de degradação. carnados possuem, pois ela seria produzida

32
pelo corpo físico, e que é chamada no meio quer acontecer. Mas se houver a permissão,
espiritualista de “ectoplasma”. Segundo pode ser que venha, de fato, a acontecer.
ainda o dr. Felipe, os chamados “médiuns No meu caso, nas primeiras experiências
de efeito físico” são os que a produzem vivenciadas no final do século XX, eu não
em grande quantidade, daí a necessidade tinha a intenção de acender luz ou abrir
deles para a materialização ou outros portas, mas o ectoplasma que eu produzia
efeitos físicos acontecerem, como os que era utilizado para fazê-los acontecer e des-
vivenciei no final do século XX. Em tese, eu pertar minha atenção e curiosidade.
seria, segundo o dr. Felipe, um “médium de Obviamente que não temos como
efeito físico”; afirmar se tal ensinamento é verdadeiro ou
2 ) o auxilio de uma “consciência não, mas a faticidade da “materialização”
incorpórea” ou uma equipe com várias de pétalas de rosas aconteceu na presença
individualidades incorpóreas e com co- de várias pessoas. Apesar da ausência de
nhecimento para manipular essa energia, luz “para não queimar o ectoplasma”, não
inclusive, realizando as curas espirituais e, havia, como salientei, nenhum indício de
finalmente; fraude, ou seja, de que o médium teria ido
3 ) a permissão divina ou dos chama- para a reunião com centenas de pétalas es-
dos “espíritos superiores” que teriam aces- condidas para jogar sobre as pessoas.
so à Deus. Sem tal permissão, o efeito físico Uma outra experiência que gostaria
não aconteceria. Isso explicaria porque não de relatar, entre as várias que tive a opor-
bastaria pensar para um efeito físico qual- tunidade de vivenciar, foi sobre a “leitura

33
do pensamento”. Ficou evidente para mim opinião para ninguém. Era um segredo que
que os seres incorpóreos são capazes de eu guardava comigo. Porém, certa noite,
ler nossos pensamentos e também nossas antes dele sair para entregar o lanche, o
emoções. Se na Biosfera eles não são fa- dr. Felipe “incorporou” no médium e veio
cilmente acessados, eles parecem ser “pá- conversar comigo. Ele me disse que aque-
ginas abertas” na Psicosfera. A experiência le não seria necessariamente um trabalho
aconteceu da seguinte maneira. O médium social, mas espiritual. O lanche era apenas
que “dava passagem” para o dr. Felipe cos- um pretexto para o médium se aproximar
tumava semanalmente, no período notur- daqueles moradores o que permitiria que
no, distribuir um pão com manteiga e um os seres incorpóreos pudessem agir, seja
copo de café com leite para moradores de realizando “cirurgias espirituais” naque-
rua. Ele percorria alguns pontos da cidade les moradores que não tinham acesso aos
de São Carlos e ao encontrar um morador serviços de saúde e até mesmo recolhen-
de rua, oferecia o lanche e convidava a do “desencarnados” que não tinham ainda
pessoa para fazer uma oração e conversava consciência de já estarem mortos, mas que
alguns minutos com o mesmo. Particular- acompanhavam aqueles moradores de rua.
mente, não tinha nada contra essa prática, Dessa experiência, mesmo acreditan-
mas achava que a mesma não era suficien- do que essa informação seja verdadeira,
te para mudar a situação daquelas pessoas não tenho elementos para comprovar sua
destituídas de cidadania e excluídas social- veracidade. Mas, para mim, ficou evidente
mente. Mas eu nunca manifestei a minha que eles são capazes de ler nossos pen-

34
samentos, sabendo o que nos angustia e muro enorme que separa a rua da estrada
tudo o que passa por nossa mente, pois, de ferro e, de outro, a parede da fábrica Fa-
de alguma forma, na Psicosfera, onde, em bber Castell. Ou seja, durante cerca de 200
tese, vibra nossos pensamentos e emoções, metros ou mais não há porta, portão ou
nada parece possível de esconder. Nossos qualquer local onde alguém possa entrar.
segredos são totalmente desvelados. Eu nem me lembrava mais que a minha me-
Uma última reunião mediúnica que diunidade seria “aberta” e andava pela rua
gostaria de relatar foi muito instigante. O tranquilamente. Na mesma calçada, mas
dr. Felipe disse que a mediunidade poderia no sentido oposto, vinha uma mulher com
ser “aberta” ou “fechada” de acordo com a aparência de 30 anos de idade e ela trazia
necessidade de cada um e me disse que a no colo um bebê. Tanto a mulher como o
minha seria aberta por um período de 24 bebê olhavam fixamente para mim. Ela usa-
horas para uma experiência. Essa reunião va um vestido que cobria os pés. Achei o
aconteceu em um sábado à noite e eu es- olhar deles estranho e a forma como a mu-
tava curioso para saber o que iria acontecer lher se locomovia, pois não via o movimen-
comigo e fiquei, de certa forma, ansioso. to das pernas. A rua estava deserta e conti-
Naquela noite, porém, nada aconteceu, o nuei andando naturalmente. Porém, assim
que me deixou decepcionado. que passei por eles, resolvi olhar para trás
No dia seguinte, logo de manhã, eu e me deparei com algo estranho: a mulher
me dirigia à ONGCSF andando pela rua e a criança tinham desaparecido.
José Bonifácio, onde, de um lado, há um Foi neste momento que me lembrei

35
da “mediunidade aberta” e fiquei na dúvi- mão flutuava no espaço, mas isso não me
da se tinha visto seres incorpóreos ou se assustou.
era uma alucinação. Seres humanos encar- Decidi tocá-la imaginando que a mi-
nados não eram, pois não tinha nenhuma nha mão a atravessaria. Porém, quando a
porta para eles entrar. minha mão a tocou e não a atravessou, e
Naquele mesmo dia, por volta das 16 eu senti a materialidade dela, levei um sus-
horas da tarde, eu estava em meu escri- to e ela desapareceu. Demorei para pegar
tório, lendo um livro, quando, de repente, no sono, pois meu coração disparou.
vejo uma mulher ao meu lado usando um Na reunião seguinte, o dr. Felipe me
vestido vermelho. Assim que olhei em sua perguntou o que tinha acontecido nas 24
direção, ela levou um cigarro à boca e de- horas em que minha mediunidade ficou
sapareceu. “aberta” e eu contei a ele esses três fatos.
Porém, o fato mais interessante acon- Ele me disse que aconteceram outros além
teceu à noite, deitado em minha cama. Eu destes, mas que eu nem me dei conta,
já estava me preparando para dormir quan- como aconteceria com a maioria das pes-
do ouvi duas breves batidas na porta do soas. Segundo ele, todo mundo já conver-
guarda-roupa. Poucos segundos depois, sou alguma vez com um “desencarnado
o barulho se repetiu. Eu abri os olhos e vi materializado” sem perceber, um fato mui-
uma mão que parecia ser de mulher, com to comum de acontecer no cotidiano, sem
a palma para cima e a uma distância de nos darmos conta.
aproximadamente meio metro de mim. A Enfim, essas experiências relatadas

36
acima e outras que vivenciei entre 2001 e também rompe com o empirismo materia-
2003 foram fundamentais para o nascimen- lista, para o qual a consciência não passaria
to da Animagogia, enquanto um programa de um epifenômeno da matéria orgânica,
educativo espiritualista e transreligioso, e refletindo o mundo material, e que deixaria
da própria ONGCSF onde a Animagogia de existir com a morte física.
começou a ser colocada em prática. Com As duas perspectivas acima, o so-
a criação da ONGCSF, essas reuniões me- lipsismo e o empirismo, não parecem dar
diúnicas experimentais foram diminuindo e conta de explicar a faticidade das expe-
sendo substituídas por reuniões de Apome- riências medianímicas acima apresentadas.
tria, nome do trabalho ainda hoje realizado Obviamente que não é possível reproduzir
de Animagogia com seres incorpóreos. em laboratório, na hora que quisermos,
De forma geral, a Animagogia, como uma “materialização” como a descrita aci-
já foi salientado, compreende e parte do ma, uma vez que elas, em tese, só acon-
ponto de vista fenomenológico sobre a tecem quando há a permissão do “outro
relação mundo/consciência. Ou seja, tem lado”, como afirmou o dr. Felipe.
como pressuposto que o mundo material Assim, para a Animagogia, apesar do
existe, não se tratando de uma ilusão ou mundo material existir e ser apreendido de
de uma projeção da mente (a consciência forma distinta por cada Espírito humaniza-
pura), como afirmaria o pensamento so- do encarnado, ele parece ser subordinado
lipsista, para o qual bastaria pensar para a uma dimensão espiritual ou invisível, que
acontecer tudo o que desejarmos. Mas talvez seja o plano da “ordem implícita”

37
das teorias de David BOHM (2008). As leis consciente ou outra explicação que ignore a
naturais, para a Animagogia, servem a um realidade e a sobrevivência do Espírito. Mas
propósito numinoso ou hierofânico e não elas foram importantes para a formulação
são revogadas ao bel prazer do pensa- da Animagogia, o programa educativo que
mento. Ou seja, não bastaria simplesmen- é colocado em prática através dos diferentes
te pensar para acontecer o que desejamos projetos de anima-ação cultural realizadas
em nossa vida cotidiana, como se a matéria na ONGCSF, entre eles, a Gerontagogia Ho-
não tivesse leis próprias regulando o seu lonômica, que vamos abordar neste estudo,
funcionamento. Porém, em alguns casos, e que se trata de um projeto de anima-ação
a Animagogia defende ser possível que cultural com adultos e idosos.
através de orações, mentalizações ou ou- De certa forma, ao participar dessa
tras práticas espiritualistas, a cura de uma prática social mediúnica, mais intensa en-
enfermidade física, por exemplo, aconteça. tre os anos de 2001 e 2003, acabei, mes-
Mas, para isso, parece haver a necessida- mo não conhecendo, utilizando o método
de dos três elementos apontados acima na proposto pela Linha de Pesquisa Práticas
fala do dr. Felipe. Sociais e Processos Educativos, pois viven-
Essas experiências mediúnicas vi- ciei o convite feito pelo dr. Felipe da forma
venciadas por mim e descritas acima não sugerida por OLIVEIRA:
provam, obviamente, a sobrevivência da
alma. Todas elas podem ser explicadas
como alucinação, manifestação do sub-

38
envolver-se pelo trabalho, a von- anos, por três momentos distintos, mas
tade de melhor conhecer, o saber complementares. Inicialmente, ou de 2003
e o sabor da convivência, nos
a 2005, a expressão Animagogia identifica-
remete a pensamentos e senti-
mentos, que do nosso ponto de va apenas o trabalho de educação espiri-
vista não são antagônicos à ri- tual com seres incorpóreos, semelhante ao
gorosidade científica, ao contrá- descrito acima, mas que, em 2004, passou a
rio, atribuem ao fazer ciência um
se servir também da Apometria, uma técni-
especial rigor: amorosidade, aco-
lhimento, indignação, esperança, ca de captação psíquica criada por um mé-
simplicidade, colaboração. Um dico espiritista chamado dr. Lacerda.
desejo de tornar-se mais huma- Em 2005, além do trabalho com os
no, de humanizar-se no sentido
seres incorpóreos, o termo Animagogia
de vida mais justa. Por essas ra-
zões, com essas posturas e por passou a identificar todo o programa edu-
esses meios, buscamos conhecer cativo realizado na ONGCSF com os seres
e compreender processos educa- humanizados encarnados e cujo objetivo
tivos próprios a práticas sociais
passou a ser o despertar dos atributos do
(2014, p. 43).
Espírito, em suma, ajudar a desabrochar
o Homo spiritualis na vida cotidiana. Esse
E foi como pesquisador-participante processo animagógico passou a ser rea-
dessa prática social mediúnica, que con- lizado através de projetos de anima-ação
tribui, modestamente, na sistematização cultural, como já salientamos. O que moti-
da Animagogia que passou, ao longo dos vou essa expansão do conceito foi pensar

39
que seria perda de tempo começar esse ligiões. Neste evento apresentei uma co-
processo educativo espiritualista somente municação sobre as bases metafísicas da
após a morte, com os seres humanizados Animagogia, expondo as quatro dimensões
incorpóreos. Na perspectiva adotada pela (Biosfera, Psicosfera, Noosfera e espiritual)
ONGCSF, se o ser humanizado encarnado e como elas são pensadas a partir do ho-
fizesse seu processo animagógico ainda na lomovimento sugerido por David BOHM, e
Biosfera, despertando os atributos que já a relação de cada uma das dimensões com
se encontram dentro dele, vivenciando sua o imaginário, a mentalidade e a representa-
experiência humanizada e encarnada como ção.
um Homo spiritualis, não precisaria da Ani- Um professor da UFPB, presente no
magogia após a morte. Essa nova concei- GT em que apresentei minha comunicação,
tuação ampliou o trabalho da ONGCSF a disse que ali se encontrava um método de
partir de então, surgindo novos projetos. pesquisa, sugerindo que cada religião ou
E uma terceira concepção de Anima- grupo espiritualista possui sua própria Ani-
gogia, bem mais recente e ainda pouco uti- magogia, ou seja, uma forma peculiar de
lizada, é na forma de método para pesquisa, buscar despertar os atributos do Espírito.
seja no campo da ciências das religiões ou Dentro dessa perspectiva, ainda em 2015,
para o ensino religioso escolar, como foi su- apresentei na UFPB, no curso de Ciências
gerido em Maio de 2015, por um professor da Religião, uma oficina sobre a Animago-
da UFPB, quando ela foi apresentada no I gia da Umbanda, aplicando o método aci-
Congresso Lusófono de Ciências das Re- ma descrito.

40
Atualmente, na ONGCSF, o termo objetivo que nasceu e foi sendo sistemati-
Animagogia identifica e é utilizado para zado ao longo das reflexões realizadas nas
se referir ao trabalho animagógico com reuniões mediúnicas que, como afirmei, fo-
seres humanizados incorpóreos, com os ram mais intensas entre os anos de 2001 e
seres humanizados encarnados, através de 2003, mas também nos Encontros Homos-
diferentes projetos de anima-ação cultural piritualis de Educação e Cultura para a Paz,
que visam despertar nestes os atributos do um evento que foi realizado entre os anos
Espírito que são universais e, também, para de 2001 e 2013, na cidade de São Carlos/
estudar como as religiões e demais filosofias SP e também nos Encontros de Animago-
espiritualistas realizam seus processos gia que aconteceram em diferentes cidades
educativos visando despertar os atributos brasileiras entre 2009 e 2016.
do Espírito, de forma que mais pessoas vi- Por não ser uma doutrina religiosa,
venciem sua experiência humanizada com mas um processo educativo espiritualista,
habilidade espiritual, ou seja, com mais paz a Animagogia é transreligiosa e laica (ou
interior, com mais equanimidade diante das seja, não nega ou entra em conflito com
vicissitudes da vida, com mais felicidade e as religiões, ao contrário, ajuda a promovê
com mais amor a si e ao próximo. -las, estimulando o diálogo inter-religioso
Neste trabalho estamos enfatizan- e a tolerância religiosa). Seus pressupostos
do o seu segundo significado, ou seja, os básicos e suas teorias são revistas em even-
processos sócio-espirituais e educativos tos organizados para este fim onde são
que a ONGCSF promove para atingir esse apresentados, por exemplo, novos projetos

41
Alguns momentos marcantes dos Encontros Homospiritualis de Educação e Cultura para a Paz e também
do Fórum Permanente de Educação, Cultura de Paz e Tolerância Religiosa.

42
de anima-ação cultural e novas discussões encontros, podemos citar como significati-
e hipóteses são levantadas. No momento, vos os estudos sobre o Evangelho de Tomé,
o tema que vem sendo discutido é que o o Dharmapada, a Oração de São Francisco,
cérebro e o coração seriam como antenas a Umbanda, a Bhagavad Gita, além de dife-
receptoras das energias irradiadas pelo rentes cursos, oficinas e atividades culturais
Espírito, pelo Self e pelo ego. A hipótese como apresentações de cantos devocio-
proposta para o estudo é que o hemisfério nais, mostras de filmes etc., dentro do es-
direito do cérebro seria o instrumento ca- pírito proposto pelo manifesto da UNESCO
paz de captar as frequências emitidas pelo de “ouvir para compreender”.
Self, enquanto o ego seria captado pelo he- Derivando-se deste encontro, o Pro-
misfério esquerda. Por sua vez, as vibrações grama Homospiritualis, a partir de 2010,
espirituais seriam captadas pelo coração. passou a organizar um novo evento: o
No caso dos Encontros Homospi- Fórum Permanente de Educação, Cultura
ritualis de Educação e Cultura para a Paz, de Paz e Tolerância Religiosa. Este nasceu
diferentes religiosos, espiritualistas, filóso- da necessidade de estabelecer uma refle-
fos, artistas, entre outros estudiosos foram xão e um campo de atuação política em
convidados para apresentar suas contribui- defesa da diversidade e da liberdade de ex-
ções, visando propiciar a compreensão ati- pressão religiosa, visando, inclusive, garan-
va da visão religiosa e espiritualista do Ou- tir a laicidade do Estado. Em 2010, o fórum
tro, estimulando o respeito e a tolerância. escreveu o “Manifesto pela Tolerância e
Entre os temas abordados nos diferentes pela Paz em São Carlos”, revisto e ampliado

43
Entre os anos de 2005 e 2008, utilizando as técnicas
da História Oral, pai Joaquim de Aruanda, manifes-
tando-se através da mediunidade de Firmino José
Leite, foi entrevistado, e o resultado foi a publicação
do livro História Oral, Imaginário e Transcendenta-
lismo: mitocrítica dos ensinamentos do espírito pai
Joaquim de Aruanda, que teve duas edições, em
2011 e em 2016.

44
em janeiro de 2014. O fórum passou a ser em tese, são pessoas sensitivas que entram
realizado, anualmente, no dia 21 de janei- em transe para que um suposto Espírito se
ro, considerado pelo governo federal como manifeste através de seu corpo, mas não se
Dia Nacional de Combate à Intolerância lembram de absolutamente nada do que
Religiosa. O Fórum também é responsável foi dito ou realizado durante a experiência.
pelo Observatório Social da Liberdade e Este recurso metodológico utilizado para
da Tolerância Religiosa em São Carlos, que as pesquisas foi chamado de Espiritologia,
reúne religiosos de diferentes credos. e consiste no uso dos recursos e técnicas
Porém, entre os trabalhos mais singula- da História Oral para se entrevistar os su-
res realizados pelo Programa Homospiritualis postos Espíritos comunicantes. Entre os
e que permitiram uma liberdade radical para a entrevistados, podemos destacar um que
expressão de experiências espirituais e anima- se identifica como preto-velho, utilizando
gógicas se encontram os projetos de pesqui- o nome de Pai Joaquim de Aruanda. Ele
sa denominados “Cultura de Paz e Mediuni- foi entrevistado em 9 encontros, entre os
dade” e “História Oral e Transcendentalismo: anos de 2005 e 2008, totalizando cerca de
imagens e imaginário do invisível”. 32 horas de gravação. As entrevistas foram
O primeiro foi realizado através da registradas em vídeo e trechos podem ser
entrevista com supostos Espíritos, através acessados no youtube, como o momento
de vários médiuns residentes ou não na do transe mediúnico ou partes de seu de-
cidade de São Carlos/SP, sendo a maioria poimento. Com o material coletado duran-
deles considerada “inconsciente”, ou seja, te as entrevistas a ONGCSF lançou em 2008

45
um livreto denominado “Umbanda: manifes- para os Espíritos, “cedendo” seus corpos para
tação cultural pós-moderna”, durante o VIII que os mesmos possam se comunicar. Du-
Encontro Homospiritualis de Educação e rante a coleta dos depoimentos, um tema
Cultura para a Paz, que abordou o centenário chamou a nossa atenção: a afirmação por
da Umbanda, e relançado em 2016. Também parte de alguns médiuns de que já tiveram
editou, em 2009, uma versão e-book do livro experiências reencarnatórias como homem e
“História Oral, Imaginário e Transcendenta- como mulher. A partir destes depoimentos
lismo: mitocrítica dos ensinamentos do es- foi publicado o livro Gênero e Espiritualidade:
pírito pai Joaquim de Aruanda”, publicado uma introdução ao estudo das imagens e do
na forma impressa em 2011, na coleção de imaginário do invisível, em 2011. E foi tam-
livros chamada “Cultura de Paz e Mediuni- bém através destes depoimentos com várias
dade”, e reimpresso em 2015 para ser lança- “narrativas visionárias” que nasceu o interes-
do no I Encontro Umbanda, Cultura de Paz se em atuar social e politicamente para supe-
e Educação Popular, realizado na cidade de rar o preconceito e a estigmatização que vá-
Lisboa, em Portugal. rios médiuns ainda sofrem, sobretudo os que
Por sua vez, o segundo projeto foi reali- atuam na Umbanda, buscando compreender
zado com diferentes médiuns em seu estado a mediunidade não mais como loucura ou
de vigília, também utilizando a História Oral. esquizofrenia e nem como produtora dela.
A ideia central foi buscar compreender a his- A ONGCSF foi criada em março de 2003
tória de vida das pessoas que dizem ter a sen- e fui um dos seus sócios-fundadores. Entre
sibilidade para ver, ouvir ou dar “passagem” os anos de 2005 e 2006 assumi o cargo de

46
coordenador geral, fato que se repetiu en- humana com os objetivos do grupo, resolvi
tre 2013 e 2014. Porém, até o momento, não apresentar um projeto de pesquisa de pós-
deixei de ser um voluntário, atuando nos doutoramento na Linha de Pesquisa Práti-
atendimentos com a Apometria e ministran- cas Sociais e Processos Educativos, aprova-
do cursos de capacitação em Meditação In- do para ser realizado entre maio de 2015 e
tegrativa, entre outros projetos de anima-a- novembro de 2016.
ção cultural promovidos por ela. E a vontade O objetivo inicial desta Linha de Pes-
de realizar essa pesquisa de pós-doutorado quisa, como afirmou SILVA (ibdem, p.20),
surgiu em 2013 após descobrir a existência foi estudar práticas sociais não escolares,
do projeto MAPEPS, na UFSCar, e a chama- pois há “processos educativos, maneiras
da Educação Popular em Saúde (EPS), que de aprender distintas das valorizadas pelo
é um dos campos para estudo na Linha de sistema escolar e que se situam dentro das
Pesquisa Práticas Sociais e Processos Educa- escolas e das salas de aula”. E como a Li-
tivos, também na UFSCar, no qual, confor- nha de Pesquisa Práticas Sociais e Proces-
me afirma uma das criadoras, a professora sos Educativos foi criada com o objetivo
Doutora Petronilha Beatriz Gonçalves e SIL- de “conhecer, estudar, pesquisar condições
VA (2014, p.20), o “compromisso social não e oportunidades de vida e, portanto, de
é incompatível com produção científica”. aprendizagem que nossos alunos tinham
Acreditando nesse pressuposto e per- e que eram exteriores à escola, embora ali
cebendo a presença de vários laços e afi- encontrassem em expressões e raciocínios
nidade entre minha trajetória acadêmica e [visando] apreender e aprender expressões

47
e raciocínios usualmente não valorizados e se esforçar para identificar, compreender
nas escolas” (SILVA, ibdem, p.20), considerei e descrever processos educativos que che-
que a mesma seria adequada para estudar gassem a observar.” (SILVA, ibdem, p. 21)
a experiência que venho construindo com Como salientarei, eu não escolhi, mas
a população idosa que apresenta um po- fui convidado de uma forma singular para
tencial psíquico que costuma ser associado fazer parte de uma prática social espiritua-
preconceituosamente à doença mental ou lista, tornando-me, inclusive, membro efe-
ao “demonismo” e cuja prática da Medita- tivo do grupo que criou a ONGCSF e tam-
ção Integrativa vem demonstrando ser um bém a Meditação Integrativa, vivenciando,
importante recurso para a diminuição de plenamente, a proposta metodológica des-
“transtornos psíquicos” apontados por essa sa Linha de Pesquisa que pode ser sinteti-
população, apesar do foco da Meditação zada da seguinte maneira:
Integrativa ser o autoconhecimento e não,
necessariamente, o terapêutico.
No plano metodológico, a Linha de Entendemos que as pesquisas jun-
to a pessoas e grupos, principal-
Pesquisa valoriza as peculiaridades e as
mente os socialmente “marginali-
históricas experiências vivenciadas nas di- zados”, devem ser realizadas após
ferentes práticas sociais latino-americanas cuidadosa e paciente inserção dos
e cabe aos pesquisadores interessados em pesquisadores na comunidade, na
instituição, no espaço social, num
participar da mesma “escolher uma prática
conviver, realizada em interação
social, buscar meios para dela fazer parte e confiança. Essa inserção deve se

48
dar na tentativa de assumir o lu- sua fundamentação ético e política e como
gar de um integrante, procurando ocorre sua práxis educativa chamada de Ani-
olhar, identificar e compreender
magogia para, por fim, compreender a ação
os processos educativos que se
encontram naquela prática social. da Meditação Integrativa em um grupo de
Isso só é possível quando somos idosos que se singularizam por serem mé-
acolhidos, nos dispomos a ser diuns atuantes em centros espíritas, em ter-
acolhidos e a acolher. Participar
reiros de umbanda, de forma independente
com a intenção de compreender,
não para julgar. Esta inserção é em suas casas e, até mesmo, de forma laica
insuficiente se ficar apenas no e transreligiosa na própria ONGCSF.
olhar e não houver participação Os depoimentos foram coletados en-
ou se ficar apenas na procura de
tre os anos de 2008 e 2015, sendo que al-
resultados, sem se perguntar so-
bre o processo. (OLIVEIRA et al, guns estão disponíveis na internet, em um
2014, p.39) canal do youtube chamado animagogiabra-
sil, e outros foram já inseridos em trabalhos
Em suma, acredito que a perspectiva acadêmicos apresentados entre os anos de
compreensiva, dialógica, fenomenológi- 2009 e 2013, e também no livro Gênero e
ca e participativa que a Linha de Pesquisa Espiritualidade: introdução ao estudo das
Práticas Sociais e Processos Educativos es- imagens e do imaginário do invisível, publi-
timula nos pesquisadores favorece a reali- cado em 2011, pela Editora RiMa, ao qual já
zação da pesquisa aqui proposta e que visa fizemos referência.
refletir sobre a constituição da ONGCSF, de Posso afirmar que meu processo me-

49
tanoico ou animagógico teve início em ou empatia com o povo tibetano me fez
1999, uma vez que, até a segunda metade reavaliar essa posição, sem, necessariamen-
da década de 1990, eu me considerava ateu te, abandonar a crença nos valores da “es-
e acreditava no suposto poder de “liberta- querda”, porém, de uma nova “esquerda”
ção” que a ciência positivista, materialista fundamentada na democracia, na ética, nos
histórica e tecnicista manifestava. Naque- direitos humanos e no respeito ao meio am-
le momento passei a vivenciar um proces- biente e às leis naturais. A destruição das
so de derrelição com o marxismo e outras tradições culturais e religiosas dos tibetanos
perspectivas fortemente associadas ao ideal pelo comunismo chinês me fez compreen-
moderno iluminista e eurocêntrico, mas ain- der, de fato, que o valor da alteridade e do
da acreditava que a religião alienava as pes- respeito ao Outro devem ser fundamentais
soas. Porém, meu desencanto pleno com o em um projeto de socialismo democrático.
marxismo oficial e uma mudança profunda De forma geral, a ONGCSF através de
de perspectiva aconteceu, em 1999, quando seus vários projetos de anima-ação cultural
se completaram 40 anos da luta dos tibeta- tem como objetivo proporcionar ao parti-
nos para se libertarem do domínio da Chi- cipante uma mudança de sensibilidade ou
na comunista e foi lançado o programa da metanoia, ou seja, contribuir para torná-lo
UNESCO para a cultura de paz. mais feliz, resiliente, respeitar quem pensa
Se até aquele momento eu ainda via e age de forma diferente, além de superar o
o comunismo como o instrumento para li- medo da morte e vivenciar, com uma cons-
bertar a humanidade, meu envolvimento ciência espiritual, sua experiência humaniza-

50
da. Em outras palavras, superando o Homo abertura ao imponderável, ao indizível, ao
profanus, o “modo de ser no mundo” pre- caótico, ao paradoxal enquanto processos
ponderante na modernidade para dar vazão educativos para uma ação cultural viven-
plena a sua essência, ao Homo spiritualis. ciada de forma aberta e inconclusa.
E esses objetivos da ONGCSF aca- No doutorado, porém, não tive cora-
bam por se misturar com minha trajetória gem de adentrar mais profundamente no
acadêmica. Entre os anos de 1999 e 2003, tema espiritualidade, com o qual começa-
na Faculdade de Educação da USP, reali- va a me interessar e me envolver com mais
zei meu doutorado, a tese foi denominada entusiasmo, apesar de ter cunhado o ter-
Nossas lembranças mais pessoais podem vir mo “anima-ação cultural” para identificar
morar aqui: sociagogia do (re)envolvimento programas de ação cultural que tivessem
e anima-ação cultural, na qual procurei re- bases espiritualistas ou que oferecessem
fletir sobre a questão da memória sociocul- atividades espiritualistas como Yoga, Dan-
tural do idoso e sua dimensão imaginária, ças Circulares Sagradas, Meditação, entre
levantando os possíveis universos míticos outras. O hífen, neste caso, foi inserido de
presentes em um grupo de idosos frequen- propósito para diferenciar tais propostas
tadores do SESC, na cidade de São José do da animação cultural propriamente dita.
Rio Preto, valorizando um processo criativo Fazendo o doutoramento e participan-
“neg-entrópico”, ou seja, que fosse capaz do das reuniões mediúnicas descritas acima
de ir além da normatização burocrática e e que foram fundamentais para a criação da
da rotinização alienante, favorecendo a ONGCSF, não foi difícil integrar no processo

51
de gestação da Animagogia as ideias centrais dominação verticalizante e opressora, cons-
de Paulo FREIRE, sobretudo, a sua crítica ao truindo um diálogo entre sujeitos autôno-
modelo social desumano e educacional nar- mos, igualmente livres, mesmos princípios
rativo/dissertativo, cuja relação mestre/edu- que o Espírito dr. Felipe e também o preto-
cando é a referência opressiva do “sujeito ati- velho pai Joaquim de Aruanda sempre bus-
vo” e do “objeto passivo”, denominada como cavam nos transmitir nas reuniões mediúni-
“educação bancária”, contra a qual propõe cas em que se manifestavam.
uma educação dialógico-problematizadora
na qual “ninguém educa ninguém, como tão
pouco ninguém educa a si mesmo: os ho-
mens se educam em comunhão, mediatiza-
dos pelo mundo” (1983, p.79).
Podemos compreender em seu pen-
samento o caráter existencial dos proces-
sos educativos que elegem a vida cotidiana
como o palco em que se manifesta ou um
projeto de dominação ou um projeto de li-
bertação. Em se tratando da relação entre
os membros de uma família, entre professor
e aluno, entre classes sociais ou outra qual- Lançamento do livro a arte de
quer, faz-se mister superar toda relação de envelhecer, no SESC São Carlos

52
Introdução

O envelhecimento humano se tornou tagogia Holonômica. De forma geral, esta


uma preocupação socioeconômica e cultu- proposta educativa visa auxiliar no proces-
ral na sociedade contemporânea, inclusi- so de individuação (JUNG, 1991, 1994 e
ve no Brasil. O aumento da expectativa de 1998) da pessoa idosa com o objetivo de
vida é acompanhado por novos campos de integrar sua personalidade (ego) ao Self,
trabalho, como é o caso da Gerontologia, sua essência anímica ou a “consciência da
e de vários serviços visando oferecer opções individualidade”, estimulando e auxiliando
para o uso e ocupação do tempo livre da po- na sua autorrealização, ou seja, atingindo
pulação idosa. os objetivos da Animagogia que seria o
Dentro desse contexto, a ONGCSF, despertar dos atributos do Espírito, possi-
em 2005, começou a realizar cursos e ofici- bilitando o surgimento de um outro modo
nas com a população adulta e idosa de São de ser, pensar e agir na vida cotidiana: o
Carlos através do que chamou de Geron- Homo spiritualis.

53
A Gerontagogia Holonômica, se- humanizada e que costumam, frequente-
gundo a ONGCSF, seria a práxis educativa mente, serem classificados ou diagnosti-
que tem como meta ajudar na promoção cados como esquizofrênicos, paranoicos,
da Animagogia da pessoa adulta e idosa, psicóticos entre outros rótulos, incluindo as
compreendendo o ser humanizado como pessoas que afirmam serem médiuns).
multidimensional, ou seja, que a vida hu- Estas quatro dimensões a que fize-
manizada ocorre em pelo menos quatro mos referência, são, didaticamente, identi-
dimensões simultaneamente e dentro de ficadas pela ONGCSF com nomes já utiliza-
um continuum ordenado, mas não “car- dos por outras abordagens, como é o caso
tesiano” (com partes existentes separada- da Logoterapia de Viktor FRANKL, porém,
mente e em interação, mas como uma to- as relacionando com a ideia de holomovi-
talidade indivisível e inseparável) e que a mento proposta por David BOHM:
fragmentação ou a não compreensão da
relação entre as partes acontece porque o Biosfera - corresponderia ao plano da
elemento “observado” (objeto de estudo) vida material onde vibra nosso corpo físico e
não está separado do “instrumento de ob- acontecem as relações com a natureza e com
servação” (métodos, teorias, paradigmas...) o mundo circundante, intermediado pela cor-
o que resulta em crises ambientais, sociais, poreidade. É o locus também da sociosfera e
políticas, mas também mentais e espirituais da tecnosfera, que interagem entre si e com
(aqui podemos pensar nos indivíduos que a Biosfera, a transformando continuamente.
transcendem a lógica fragmentária da vida A Biosfera seria o ambiente da vida encarna-

54
da, onde vive e age, entre outros, o Ser hu- mos a seguir.
manizado encarnado. Este “mundo” material
ou “realidade”, do ponto de vista da ONGCSF Psicosfera - Seria o plano onde vibram
é similar ao proposto na fenomenologia, ou as energias psíquicas e acontecem as trocas
seja, de que há um único “mundo”, mas que energéticas intersubjetivas de ordem emo-
ele é apreendido e representado de forma cional e mental. E, concordando com JUNG
diferente por cada indivíduo e por cada gru- (1994), a ONGCSF afirma que as energias
po sociocultural. Essa perspectiva, portanto, psíquicas não podem ser quantificadas,
não se confunde com a empirista, na qual a apenas sentidas em sua intensidade e qua-
consciência seria apenas um reflexo da reali- lificadas. A Psicosfera envolveria o corpo
dade, ou seja, que se trataria de um epifenô- físico, mas também impregnaria as formas
meno da vida orgânica. Porém, também não e objetos materiais e também a natureza.
se confunde com o idealismo solipsista que Além disso, na Psicosfera, se encontrariam,
vai afirmar que o “mundo” seria uma pro- em tese, outras formas materiais que não
jeção da mente ou da consciência, e que a sensibilizariam nossos sentidos, mas que
matéria só passaria a existir quando olhamos nos afetariam de alguma forma e que po-
para ela, concluindo que, cada pessoa, “cria” deriam, em alguns casos, serem descritos
o seu próprio mundo. por videntes e sensitivos. E além de “ob-
A Biosfera, na ótica da ONGCSF, seria jetos”, nesta dimensão estariam presentes
a “ordem explícita” que deriva de uma or- também os “corpos” dos Espíritos que se
dem “implícita”: a Psicosfera que abordare- manifestam em trabalhos mediúnicos. Se a

55
Biosfera é o ambiente, a Psicosfera corres- crita, a relação entre a Biosfera e a Psicosfe-
ponde a ambiência que nos envolve com ra seria intensa e sua separação apenas de
suas energias “positivas” ou “negativas”. O grau. Assim, como salientado, bastaria dimi-
ego, a “consciência humanizada da perso- nuir um pouco as frequências de nossas on-
nalidade”, segundo a ONGCSF, e que atua das cerebrais para interagirmos com os seres
no estado de vigília, vibra nessa dimensão, e com as matérias desta dimensão. As “co-
incluindo também o que se costuma cha- lônias espirituais” e outros locais descritos
mar de “inconsciente pessoal” e de “sub- em romances espíritas, por exemplo, existi-
consciente”. As percepções extrassensoriais riam ou vibrariam nessa dimensão chamada
também seriam atividades do ego, segun- de Psicosfera. Ela corresponderia também
do as teorias difundidas pela ONGCSF, pois ao mundus imaginalis estudado por Henry
bastaria reduzir um pouco as ondas cere- CORBIN (1969), não sendo, portanto, uma
brais para se entrar em contato com essa fantasia mental, mas o “mundo” acessado
dimensão extrassensorial. através de alguns fenômenos psíquicos e
Fazendo um estudo comparativo, po- o ato de “canalizar” informações presentes
demos identificar no que a ONGCSF chama nesta dimensão, seja através da psicografia,
de Psicosfera uma grande semelhança com da telepatia, da premunição, entre outras
os planos “astral” e “mental inferior” da Teo- atividades extrassensoriais são chamadas
sofia proposta por Helena BLAVATSKY e ou- pela ONGCSF de “captação psíquica”. A me-
tros estudiosos dos fenômenos ocultistas. diunidade, assim como práticas terapêuti-
Em suma, na perspectiva até aqui des- cas como a Apometria, criada pelo médico

56
brasileiro dr. José Lacerda, e a Constelação “consciência humanizada da personalida-
Familiar, criada por Bert Hellinger, atividades de” que vamos aprofundar adiante.
que são realizadas na ONGCSF, através do Por sua vez, apesar de ser uma “or-
Centro de Referência Comunitária em Trata- dem implícita” quando relacionada à Bios-
mentos Naturais, Complementares, Integra- fera, ela também seria um holos que goza-
tivos e Populares seriam também formas de ria de certa relatividade, mas que derivaria
“captação psíquica”. de uma outra, mais profunda: a Noosfera.
Segundo as teorias propostas pela
ONGCSF haveria uma Psicosfera “inferior” Noosfera - Esta seria a dimensão
e uma “superior”. A primeira é onde vibra a onde vibram, em tese, as energias chama-
consciência dita normal ou no estado de vi- das de noéticas e que comporiam as estru-
gília. A segunda envolve o “subconsciente” turas fundamentais do mundus imaginalis
e o “inconsciente pessoal” (para JUNG seria e onde residiriam as imagens arquetípicas,
a Sombra) e também os fenômenos ditos captadas, na maioria das vezes, de forma
psíquicos ou paranormais, como a premo- intuitiva ou em estados ampliados de cons-
nição, a telepatia, a mediunidade, entre ciência. Aqui vibraria o Self, ou a “consciên-
outras. Em linguagem esotérica podería- cia humanizada da individualidade”. Pode-
mos dizer que a consciência normal vibra ríamos também chamar a Noosfera como
na “terceira” dimensão e o subconsciente a dimensão da alma humanizada. Aqui não
na “quarta”, mas ambas estariam contidas haveria mais traços da personalidade, ou
na Psicosfera e seriam atributos do ego, a seja, não haveria distinção homem/mulher,

57
branco/negro, africano/europeu etc. Essa seria uma “transconsciência” capaz de re-
alma humanizada, para a ONGCSF, seria ca- gistrar todas as experiências já vivenciadas
paz de se lembrar de todas suas experiên- por essa alma humanizada. Em outras pa-
cias encarnadas, pois seria nessa dimensão lavras, a alma seria como uma espécie de
que ocorreriam as possíveis escolhas dos ator que, a cada novela, vivencia um novo
“gêneros de existência”, ou seja, onde essa personagem. Mas a somatória de toda a
alma humanizada, já despertada de sua úl- experiência não se perde, constituindo-se
tima personalidade, faria uma avaliação do em um patrimônio inalienável e indelével.
que precisaria aprender e poderia, assim, Nesse sentido, uma pessoa que, em
planejar uma nova experiência na Biosfera. estado ampliado de consciência, acessa
Nesse sentido, essa alma criaria uma espé- imagens de uma suposta vida passada,
cie de avatar ou personagem, escolhendo teria conseguido acessar parte de infor-
se ele será homem ou mulher, o país onde mações que se encontra nesse plano, pois
iria encarnar, opção sexual etc. Enfim, to- aqui vibraria o “inconsciente coletivo” que
das as características que formariam uma seria, portanto, a consciência anímica ou o
personalidade não aconteceriam por acaso “eu superior”. E seria nesta dimensão cha-
ou por determinação genética, mas seriam mada de Noosfera onde ocorreria a primei-
fruto das escolhas realizadas por essa alma ra etapa da “humanização do Espírito”, uma
humanizada. vez que, segundo a ONGCSF, o Espírito, en-
Dentro dessa perspectiva, o que quanto essência divina, não seria humano,
JUNG chamou de “inconsciente coletivo” mas pode se humanizar.

58
Em linguagem esotérica, poderíamos trutura metafísica da Teosofia, a Noosfe-
dizer que o Self vibra na “quinta” dimensão ra corresponderia ao chamado plano do
e que nunca adoece. Na Abordagem pro- “mental superior” e ao “mundo causal”.
posta pela ONGCSF, o Espírito só seria capaz Aqui vibrariam as estruturas antropológi-
de planejar uma nova encarnação quando cas do imaginário e que são universais, ou
desperta plenamente o seu Self, o que só seja, estão presentes em todas as culturas,
aconteceria nessa dimensão, e não na Psi- do passado e do presente. Aqui residiria a
cosfera, onde ainda se encontraria iludido unidade que vai se manifestar na diversi-
pelo personagem vivenciado em sua última dade presente tanto na Psicosfera como na
experiência encarnatória. Por isso, os seres Biosfera, no mundo dos “seres humaniza-
humanizados incorpóreos que se manifes- dos incorpóreos” e dos “seres humanizados
tariam em trabalhos mediúnicos, ainda agi- encarnados”.
riam motivados pelo ego de sua última en- A Noosfera, portanto, é o locus onde
carnação, apesar de não mais terem corpos vibraria o “inconsciente coletivo” junguia-
físicos. Antes de uma nova encarnação, es- no. Seria nessa dimensão que se locali-
tes seres precisariam passar pela “segunda zariam as imagens arquetípicas ou as es-
morte”, que seria o desligamento do ego e truturas antropológicas do imaginário,
a recuperação da consciência humanizada conforme estudou DURAND (1997) e que
plena, ou a “consciência da individualidade estariam na base de toda criação humana,
humanizada”. seja no campo da ciência, da arte, da reli-
Fazendo uma comparação com a es- gião, da filosofia etc. E o ato de “canalizar”

59
informações supostamente presentes nesta religiões chamariam, por exemplo, de nirva-
dimensão é chamado de “captação noética”, na (budismo) ou reino de Deus (cristianismo).
o que acontece através da intuição ou em Como foi salientado, a ONGCSF pos-
estados ampliados de consciência que não tula que o Espírito se humaniza, mas não é
se confundem com a percepção extra-sen- humano. Assim, seria nessa dimensão que a
sorial, que, em tese, seria uma conexão com consciência espiritual ou o Ser vibraria plena-
a Psicosfera. mente. Porém, não teríamos elementos para
E ainda sob inspiração da perspectiva nos referir a ela, já que toda nossa criação
bohmiana, a ONGCSF compreende que a mental e imaginária seria baseada em uma
Noosfera deriva de uma “ordem implicita” perspectiva humanizada. Somente os Espí-
fundamental: a dimensão espiritual que é ritos que suspostamente superaram a fase
chamada de Logosfera, no sentido de “fun- humanizada de evolução recuperariam essa
damento”, “princípio com Deus” e não neces- consciência espiritual e poderiam começar
sariamente como sinônimo de “razão”, como uma nova etapa evolutiva, chamada de “an-
faz a filosofia moderna. gelical”, onde não haveria mais a necessida-
de da encarnação, pelo menos não da forma
Logosfera - Seria o plano “espiritual” conhecida na Terra.
propriamente dito, onde vibram as energias Enquanto algumas abordagens espi-
do amor, da felicidade/entusiasmo, da paz ritualistas associam o Self à consciência es-
interior, entre outras, e que formariam os piritual, a ONGCSF vai postular que existe a
atributos do Espírito. Este plano é o que as “consciência espiritual”, a “essência divina”,

60
Atman ou Logos que, no processo de huma- ONGCSF afirma que não teríamos acesso. E
nização do Espírito, deriva ou se desdobra este plano espiritual só poderia ser identi-
no Self, a “consciência humanizada da in- ficado porque algumas experiências subje-
dividualidade”. Esta é que faria as escolhas tivas como as que os místicos chamam de
das provações e que teria a capacidade de samadhi, zazen, nirvana ou reino de Deus a
armazenar toda a experiência adquirida ao presentificam. Este plano estaria além de
longo de inúmeras encarnações humaniza- todo entendimento ou compreensão hu-
das e que estariam presentes no chamado mana e quando ele é “atingido”, através de
“inconsciente coletivo”. O Self, portanto, na práticas meditativas ou orações fervorosas,
ótica aqui estudada, não seria ainda a real por exemplo, é como um mundo sem pen-
consciência espiritual. A esta só teríamos samentos ou imagens. A única coisa que se
acesso após vencer a etapa humanizada pode sentir e que indica que ele “existe” é
da evolução para nos preparar para o início a sensação de bem-aventurança, de pleni-
da fase seguinte: a “angelical”. E da mesma tude, de integração com todas as coisas, de
forma que esta seria a etapa seguinte no felicidade incondicional, de amor por to-
processo de evolução, pressupõe-se que dos os seres etc. São esses “sintomas” que
outras etapas foram também vivenciadas a Animagogia postula como sendo os atri-
pelo Espírito antes de sua humanização. butos do Espírito e que indicam, em tese, a
Seria neste plano espiritual propria- “existência” dessa dimensão que pode per-
mente dito que residiriam os arquétipos manecer adormecida durante nossa vida
que, seguindo os pressupostos de JUNG, a humanizada e encarnada caso não seja

61
despertada através de práticas sociais e dimensão espiritual seria a “ordem implí-
educativas espiritualistas, como se preten- cita” da qual as demais apontadas acima
de com os projetos de anima-ação cultural derivam, já se permitiria compreender a
promovidos pela ONGCSF. dinâmica da vida na Terra e vencer o jogo
A Logosfera que seria a “realidade da vida humanizada encarnada. E essas
última” não se confundiria com o “vácuo “dimensões” estariam, paradoxalmente,
quântico”, como postulam autores como F. “dentro” e “fora” de nós. Por isso, tanto os
CAPRA (1983) e outros. O “vácuo quântico” Ocidentais que a buscam “fora” como os
seria localizado na transição entre a Psi- Orientais que a buscam “dentro” seriam ca-
cosfera e a Biosfera, similarmente ao prâna pazes de encontrar o “reino de Deus” ou
das psicosofias orientais, a energia que está o “Nirvana”. O objetivo da Animagogia, o
presente em todas as formas materiais. programa educativo proposto pela ONG-
A ONGCSF deixa entrever que, prova- CSF é o despertar dos atributos do Espírito
velmente, haveria outras dimensões além para que a vida humanizada encarnada seja
destas quatro, mas que elas, na essência, vivenciada com habilidade espiritual, ou
formariam sempre apenas uma, sendo a seja, despertando o Homo spiritualis, que
distinção entre elas uma mera ilusão ou um seria o “terceiro excluído” na relação entre
desdobramento da fundamental e assim o Homo religiosus e o Homo profanus, os
sucessivamente, uma vez que formam uma dois modos de ser, pensar e agir no mun-
Totalidade. Ou seja, onde a parte contém do tão bem estudados por Mircea ELIADE
o Todo. Porém, a compreensão de que a (1996).

62
Dentro de sua cosmovisão, a ONGCSF com frequência, buscar um estado de tota-
afirma que a encarnação é como um jogo lidade, ou seja, de inclusão destas “partes”
de videogame. O jogador, no caso a alma de forma que se sinta “são”, uma palavra
humanizada, cria um avatar (uma perso- que, além de ter saúde ou estar saudável,
nalidade) e entra no cenário da provação: indica a condição daqueles que atingiram a
a Biosfera. Quanto mais experiência e sa- santidade no catolicismo e, em sua raiz lin-
bedoria adquirida em vidas passadas, mais guística, está associada a ideia de “inteiro”,
facilidade encontraria para vencer suas “totalidade” ou “completude”. Em suma, ser
provas, escolhidas voluntariamente, e que são é ser inteiro e não mais fragmentado.
consiste em despertar os atributos do Espí- Dentro da perspectiva apresentada
rito durante a vida humanizada e encarna- acima, haveria uma separação entre vida
da. Se não consegue atingir o seu intento, mental, vida anímica e vida espiritual. A
como um jogador, reinicia a “partida”. vida mental é a que se processa na Psicos-
Para a ONGCSF essas quatro dimen- fera. Além do estado de consciência nor-
sões podem ser vivenciadas experimen- mal, vivenciado no estado de vigília, tam-
talmente através de diferentes práticas, bém é classificado como vida mental os
sobretudo, as meditativas. Assim, os fenô- fenômenos estudados pela parapsicologia.
menos psíquicos, noéticos e espirituais as- Assim, além dos conteúdos dos pensamen-
sociados a cada uma das dimensões acima tos e das emoções, a vida mental abarcaria
seriam reais e, nesse sentido, se explicaria os fenômenos extrassensoriais e também
o porquê do Ser humanizado encarnado, a mediunidade e atividades como a apo-

63
metria e a constelação familiar. Para a Ani- toda a humanidade, independente de tem-
magogia, basta abaixar a frequência mental po e espaço. A vida anímica corresponderia
ou as ondas cerebrais para que a pessoa ao campo das estruturas antropológicas do
consiga fazer captações psíquicas. Assim, imaginário ou ao campo das imagens ar-
a diferença entre a consciência normal e a quetípicas que estão na essência das cria-
paranormal seria apenas de grau e não de ções psíquicas, normais ou paranormais.
natureza. A Animagogia faz uma analogia Por sua vez, a vida espiritual seria
entre esse processo e o fenômeno da água aquela que se processa na Logosfera, tam-
que muda de estado, passando de líquido bém chamada de esfera búdica ou cristos-
para gasoso, mas continuando a ser água, fera. Ela se encontra para além de qualquer
pois apenas as moléculas se distanciaram, representação humanizada, sendo possível
acontecendo uma mudança física e não constatar pelo “estado de espírito” que se
química. caracteriza por uma profunda “paz interior”
Na vida mental, a relação é sempre ou um estado de graça conhecido como
no plano da personalidade e não da indivi- samadhi, zazen ou nirvana pelas filosofias
dualidade. Esta corresponderia, portanto, à orientais.
vida anímica ou que se processa na Noos- Essa divisão demonstra uma diferen-
fera. Por ser a vida da individualidade, ou ça entre a abordagem da Animagogia e a
seja, do ser humanizado universal, ela não do Espiritismo, por exemplo. A mediunida-
manifestaria elementos socioculturais, ape- de, para o Espiritismo seria uma atividade
nas aqueles que estão relacionados com espiritual. Para a Animagogia seria uma ati-

64
vidade mental, mesmo que superior a que pre contem o Todo e que a visão fragmen-
se vivencia no estado da consciência ordi- tada é muito mais o fruto ilusório de um
nária. A atividade espiritual seria somente “instrumento de observação” equivocado,
aquela descrita acima, que se encontraria uma vez que não é possível separar o que
para além de toda e qualquer representa- se observa do “instrumento de observação”
ção humanizada. e que a “ordem explicita” deriva sempre de
A divisão acima, apesar de se basear uma “ordem implícita”.
em experiências empíricas, obviamente que E, para fins didáticos, a ONGCSF clas-
subjetivas, foram também relatadas de ou- sifica e individualiza os fluxos energéticos
tras formas pelas tradições religiosas e por em cada dimensão para facilitar a identifi-
místicos. Algumas escolas espiritualistas, cação de suas finalidades e produções es-
como é o caso da Teosofia, divide em sete pirituais, noéticas e psíquicas, sobretudo,
dimensões, mas todas estão contempladas as imagéticas e simbólicas. Assim, a energia
nas quatro acima. Outras, em apenas três irradiada pela matéria física, que já se sabe
ou duas, como é o caso respectivamente que é irradiada de forma descontinua e na
do Espiritismo e do Catolicismo. forma de pacotes de energia, o quantum
Como salientamos, a cosmovisão aqui conforme classificação de Max PLANCK,
exposta se inspirou nas teorias do holomo- em 1900, recebe esse mesmo nome: quan-
vimento de David BOHM (2008), ou seja, tum. Ou seja, seria o quantum que formaria
que entende o Universo como uma totali- a matéria presente na “ordem explícita” e
dade indivisível, de forma que a parte sem- que é chamada de Biosfera.

65
Por sua vez, a energia psíquica que teorias junguianas e durandianas, seriam
JUNG afirmou não poder ser quantificada universais e, portanto, atemporais, estando
ou medida, pelo menos não se tinha quan- presente na base de todas as representa-
do ele produziu sua vasta obra e ainda não ções simbólicas e culturais de todos os po-
se tem equipamentos capazes de fazer essa vos, em todas as civilizações e em todas as
medição, apesar de alguns videntes e sen- épocas, sendo as imagens-força presentes
sitivos afirmarem que são capazes de ver em todas as criações científicas, filosóficas,
essa energia que, em tese, tem cor e forma, religiosas ou artísticas da humanidade são
é identificada como sendo o qualitum, uma identificadas, na proposta aqui discutida,
vez que, para a maioria das pessoas, ela só com o nome de conceitum para melhor
poderia ser sentida em sua intensidade e compreensão de como essa força imaginal
qualificada. Essa energia psíquica impreg- ou imagem-força age na criação do mun-
naria a matéria, os objetos, os ambientes o do humanizado incorpóreo (Psicosfera) e
que explicaria, segundo a ONGCSF, fenô- encarnado (Biosfera). Segundo a ONGCSF
menos espiritualistas como a psicometria, seria essa energia que estaria por trás das
ou seja, a arte de fazer uma captação psí- formas existentes na Psicosfera, onde acon-
quica tocando na roupa ou em um objeto teceria a personalização da individualidade
de uma pessoa encarnada ou não. para sua posterior encarnação na Biosfera.
Por sua vez, a energia que estaria por Por fim, as energias que nos vem dos
trás das representações arquetípicas e das recônditos mais profundos do Ser e que re-
estruturas imaginárias que, conforme as sultam em estados de espírito classificados

66
pelos orientais como nirvana, samadhi, za- abordar o porquê da ONGCSF chamar a
zem, satori entre outras denominações, ou práxis educativa que visa ajudar no proces-
como afirmam os cristãos místicos, o sen- so animagógico de adultos e idosos de Ge-
tir o reino de Deus dentro de si, a ONGCSF rontagogia holonômica. Em primeiro lugar,
identifica como sendo o divinum. por pensar a pessoa idosa como uma tota-
A classificação acima tem, sobretudo, lidade e não de forma fragmentada. Assim,
como salientado, uma finalidade didáti- cada pessoa, e neste caso, a pessoa idosa,
ca para auxiliar na identificação de alguns é um hólon, ou seja, um todo/parte que, ao
processos físicos, emocionais, mentais, mesmo tempo, é uma totalidade e parte
noéticos e espirituais experimentados em de outras totalidades, gozando, portanto,
práticas meditativas ou em outras que fa- de uma relativa autonomia, vivenciando
vorecem a vivência de um estado ampliado sua experiência encarnatória nas quatro di-
de consciência para facilitar sua compreen- mensões existenciais, simultaneamente: o
são e análise. Mas é importante salientar corpo físico na Biosfera, a mente e as emo-
que, até o momento, a única que pode ser ções na Psicosfera, sua dimensão anímica
efetivamente comprovada e medida é o na Noosfera e, sua essência espiritual, na
quantum, os pacotes de energia fartamen- Logosfera. Em suma, a pessoa idosa tam-
te estudados pela física e cuja irradiação bém é um Espírito eterno vivenciando uma
pode ser medida pela constante de Planck. experiência humanizada.
Compreendendo os quatro planos E por valorizar a imaginação simbó-
existenciais e seu continuum podemos lica, as lógicas integrativas (não-dicotômi-

67
cas) e também a dimensão existencial ou princípios ao serem aplicados no processo
subjetiva da vivência do tempo e do espa- educativo da população idosa, fundamenta
ço, de forma que estes não se tornam meras a Gerontagogia Holonômica.
abstrações racionais, mas cotidianamen- O termo holonômico, como já sa-
te vivenciados, experienciados e sentidos, lientamos, vem de holos (totalidade) e no-
envolvendo, portanto, a integração entre a mia (lei), e foi utilizado na física de David
dimensão corporal, afetual e também espi- BOHM (2008) para se referir ao holomovi-
ritual nessa relação que, do ponto de vista mento que é, por sua natureza, indefinível
educativo e organizacional, a Gerontagogia e incomensurável, o que leva cada teoria a
Holonômica aceita e pressupõe o cotidia- abstrair um certo aspecto relevante e, den-
no como sendo a esfera privilegiada de sua tro de um certo contexto, expor parte da
atuação. ordem implícita ou implicada do holomo-
Assim, a perspectiva holonômica ado- vimento do universo.
tada pela ONGCSF seria aquela que com- E ao trazer essa reflexão para o nível
preende a vivência cotidiana como sendo dos sistemas vivos, a ONGCSF concorda
composta por uma pluralidade de formas com MORIN (s/d) em O paradigma perdi-
sócio-sêmicas, muitas vezes paradoxais e do: a natureza humana, onde afirma que
conflituosas, mas que devem ser respeita- o erro e o ruído não são necessariamen-
das e, sobretudo, que acolhe a álea, o ris- te degenerativos, podendo, inclusive, ser
co e a desordem como elementos também regenerativos, suscitar uma ordem nova e
estruturantes da vivência cotidiana. E esses resultar em inovações, e onde os sonhos e

68
as fantasias são capazes de produzir novas e 2015 chamado de “O poder da mente”,
combinações, estranhas e surpreendentes, um curso de 15 horas de duração que foi
a partir de uma prodigiosa mistura do so- realizado nas unidades da FESC, na cida-
ciocultural, do intelectual, do ambiencial, de de São Carlos, e cuja metodologia se
do ocorrencial, dos desejos insatisfeitos, inspira nas propostas de Educação Popu-
entre tantos outros fatores bio-psico-sócio lar de Paulo FREIRE. Mas é importante sa-
-espirituais. lientar que o mesmo princípio é utilizado
Dentro dessa perspectiva, a Animago- na Pedagogia (como a ONGCSF identifica
gia ou a mudança de sensibilidade podem a educação de crianças e jovens) e na An-
ser estimulados através de projetos de ani- dragogia (a educação de jovens e adultos),
ma-ação cultural, sendo o realizado com identificando como holonômicas as práxis
adultos e idosos chamado, pela ONGCSF, educativas que se orientem pela perspecti-
de Gerontagogia Holonômica, e no qual va apresentada acima.
cada participante é pensado e respeitado E a Meditação Integrativa, uma ativi-
como uma totalidade indivisível e acolhido dade presente em quase todos os projetos
integralmente em sua dimensão biológica, de anima-ação cultural realizados pela ON-
psicológica, noética e espiritual. GCSF, foi criada entre os anos de 2001 e
Nesta pesquisa vamos concentrar 2003 a partir de uma experiência mediúni-
nossos esforços no estudo da Gerontago- ca singular que descrevemos na apresen-
gia Holonômica, particularmente, através tação. E o fato de optar em estudar sua
do curso ministrado entre os anos de 2007 ação em um grupo humano tão específico,

69
não significa que a Meditação Integrativa Integrativa visam, como o nome diz, inte-
não possa ser utilizada em atividades de grar. Mas integrar o quê? Justamente as
anima-ação cultural em outros contextos quatro dimensões apresentadas acima e
socioculturais. Aliás, ela já foi colocada em também o enfoque Ocidental e o Oriental
prática com jovens que frequentam a APAE, sobre a consciência. Ou seja, enquanto no
com policiais militares, com pré-vestibulan- Ocidente predomina uma visão unidimen-
dos, com pessoas com HIV e câncer e tem sional do ser humanizado, centrado na Bio-
sido de grande valia também na redução logia e afirmando que a consciência é um
da síndrome de burnout em profissionais epifenômeno do cérebro ou da vida orgâ-
da educação e da saúde, apesar de não ser nica, valorizando muito mais o “mundo ex-
o uso terapêutico sua principal finalidade, terior”, no Oriente vai predominar uma vi-
mas o animagógico, que é espiritualista e são também unidimensional que afirma ser
transreligioso, apesar de suas induções se- o mundo material ou orgânico maya, ilusão
rem propostas sempre a partir do referen- ou apenas um reflexo da mente, dentro de
cial simbólico do grupo que participa da uma perspectiva solipsista, valorizando, as-
atividade. Em outras palavras, a partir dos sim, muito mais o “mundo interior”. Porém,
valores e crenças próprias do grupo se bus- mais do que independentes ou dicotômi-
ca despertar os atributos do Espírito que cas, estas duas visões são complementares,
são, dentro da estrutura metafísica aqui ex- na perspectiva adotada pela ONGCSF. As-
posta, universais. sim, apesar de compreender que o ser hu-
As induções realizadas na Meditação manizado é um ser multidimensional e que

70
cada dimensão é um hólon dentro de um anima-ação cultural, daí a Meditação In-
hólon maior, sendo a dimensão espiritual a tegrativa ter sido inserida como uma das
“ordem implícita”, a Biosfera onde se pro- técnicas que formam a Terapia Vibracional
cessa a vida humanizada e encarnada do Integrativa (TVI), praticada na ONGCSF e
Espírito possuiria uma relativa autonomia ensinada para cerca de cinco mil pessoas,
e existência, com uma finalidade providen- no Brasil e em Portugal, desde 2003.
cial. Assim, as duas visões acima, a Ociden- E como já salientamos, as pessoas que
tal e a Oriental, são pensadas como com- dizem ser médiuns ou que exercem essa
plementares e que devem ser integradas. prática social em algum contexto religioso
Enquanto o Ocidente valoriza o ego e ou laico costumam acessar ou manifestar
o Oriente valoriza o Self, a prática da Me- em suas narrativas elementos que podem
ditação Integrativa é integrar essas duas ser associados ao imaginal ou ao mundus
dimensões da consciência humanizada. Po- imaginalis. Suas “narrativas visionárias”
rém, baseando-se nos depoimentos e rela- apresentam, com frequência, conteúdos
tos de diferentes pessoas que a praticaram psíquicos e noéticos extremamente ricos e,
na ONGCSF ou em outro local, fica eviden- sobretudo, metanoicos, ou seja, que facili-
te que ela também pode vir a ser pensa- tam o processo de individuação ou de au-
da como uma possível Prática Integrativa torrealização do participante, completando,
e Complementar (PIC) na saúde pública e assim, sua animagogia, ou seja, ajudando
ser ofertada no SUS para um maior número no despertar dos atributos do Espírito de
de pessoas e não apenas em projetos de forma que possam vivenciar sua existência

71
humanizada com habilidade espiritual, em ções arquetípicas do “inconsciente coletivo”,
outras palavras, como um Homo spiritualis. como a que estamos aqui propondo, tais
Não descartamos, também, que den- manifestações mitopoiéticas podem, inclusi-
tro de uma perspectiva materialista, racio- ve, ser curativas. E a teoria que fundamen-
nalista ou iconoclasta, essas “narrativas vi- ta a Meditação Integrativa é que o estado
sionárias” poderiam ser interpretadas como meditativo ou hipnagógico (intermediário
algo destituído de qualquer valor pragmá- entre o estado de vigília e o sono), permiti-
tico ou até mesmo como algo patológico, ria suspender as barreiras do ego (estado de
como foi o caso de Emmanuel KANT (2013) consciência normal que vibra na dimensão
ao estudar as de SWEDENBORG, conhecido que chamamos acima de Psicosfera) de for-
no século XVIII como “vidente de espíritos”. ma que este se integre com o Self (a cons-
Tais narrativas costumam ser rotuladas de ciência da individualidade que vibra em um
ilusórias ou irreais, e tratadas como fanta- plano mais profundo, identificado como
sias ou ignoradas por serem apenas o fru- Noosfera), o que permitiria que as criações
to de uma imaginação fértil. Nessa mesma arquetípicas oriundas desta e as energias
linha de raciocínio, um analista adleriano, espirituais provenientes da Logosfera “des-
por exemplo, tenderia a interpretá-las como çam” para o consciente, o que possibilitaria
compensações do inconsciente para supe- serem sentidas ou qualificadas, despertan-
rar o chamado “complexo de inferioridade”. do na vida humanizada o que a Animagogia
Porém, dentro de uma ótica que valo- chama de atributos do Espírito, ou seja, a fe-
riza a produção simbólica ou as manifesta- licidade, o amor, a equanimidade, a paz in-

72
terior e outras relatadas por quem vivencia incêndio em Estocolmo, em 1759, estando
os estados chamados de samadhi, nirvana, ele a 300 milhas de distância, fato posterior-
reino de Deus, por exemplo. mente comprovado e relatado por Emma-
A Noosfera e a Logosfera seriam, nesse nuel KANT em uma carta publicada no livro
sentido, planos transcendentais e, portan- A vida simbólica, de C. G. JUNG, e que re-
to, atemporais e independentes do espaço, produzimos abaixo:
pelo menos no sentido euclidiano, mas fa-
riam parte do holomovimento do Universo,
podendo ser encontradas tanto por quem as Esta ocorrência parece ser a pro-
procura “dentro” como por quem as procura va cabal dos poderes paranor-
mais de Swedenborg. Às 4 horas
“fora” de si.
da tarde de um sábado de setem-
A integração do ego ao Self explicaria, bro, do ano de 1759, Swedenborg
por exemplo, o acesso de algumas pessoas chegou a Gotemburgo, vindo da
às experiências de “vidas passadas” (uma Inglaterra e foi convidado à casa
do sr. Wiliam Castel, junto com
forma de captação noética) ou, até mesmo,
mais quinze pessoas. Por volta
ter premonições sobre algo que vai aconte- das 18 horas, Swedenborg deu
cer no futuro ou manifestar a clarividência uma saída e, momentos depois,
em relação a algo que está acontecendo retornou à sala, pálido e visi-
velmente alarmado. E, em voz
em outro local, fora do alcance dos senti-
alta, disse a todos que, naquele
dos (uma captação psíquica), como a famo- exato momento, um grande in-
sa descrição que SWEDENBORG fez de um cêndio irrompera em Estocolmo,

73
no bairro de Sodermalm e que extinto. Naquele mesmo dia o
o fogo se alastrava com muita episódio se espalhou pela cidade
rapidez. Swendenborg estava e, com o endosso do governador,
agitado e entrava e saía da sala. a notícia causou grande cons-
Disse que a casa de um de seus ternação. Todos lamentavam a
amigos, cujo nome declinou, es- sorte de amigos e parentes que
tava em cinzas e que sua pró- poderiam ter sido atingidos pelo
pria casa estava ameaçada pelo incêndio. Segunda-feira à noite
fogo. Às 20 horas, voltou à sala chegou a Gotemburgo um men-
e exclamou exultante: “Graças a sageiro enviado pela Câmera de
Deus! O fogo foi extinto a três Comércio de Gotemburgo e que
portas da minha casa”. O inci- havia deixado a cidade duran-
dente causou forte impressão te o incêndio. As cartas trazidas
nas pessoas que o presenciaram por ele descreviam o sinistro tal
e teve ampla repercussão na ci- qual Swedenborg o descrevera.
dade. E chegou ao conhecimento Na manhã de terça-feira, che-
do Governador naquela mesma gou ao palácio do governador
noite. Na manhã do dia seguin- um mensageiro real trazendo o
te, domingo, o governador con- trágico relato do incêndio. Tudo
vocou Swedenborg ao palácio e coincidia, exatamente, com a
quis saber todos os pormenores descrição de Swedenborg; o fogo
do sinistro. Swedenborg descre- tinha sido, efetivamente, debe-
veu-lhe, minuciosamente, todo lado às vinte horas do domingo.
o incidente; como o incêndio ti- (JUNG, 1998, p. 314)
nha começado; quando tempo
tinha durado e como tinha se

74
As tradições místicas orientais e tam- sibilitaria renovar a energia (quantum) de
bém as ocidentais, utilizando outras no- seu campo físico ou biológico e também
menclaturas, abordam a existência destas as energias psíquicas (qualitum) do cam-
possíveis dimensões transcendentais e po mental e emocional, o que favoreceria a
também costumam afirmar que nelas não cura de várias enfermidades, apesar de não
existe a possibilidade de existir qualquer ser este, necessariamente, o foco da Medi-
enfermidade. As patologias, sejam físicas, tação Integrativa, mas sim o despertar dos
mentais ou emocionais, só existiriam nas atributos do Espírito de forma que a pessoa
duas primeiras dimensões onde vibram possa se autorrealizar e vivenciar sua vida
o ego (ou seja, a Biosfera e a Psicosfera). humanizada com habilidade espiritual, em
Dentro dessa perspectiva, através do rela- suma, sem sofrimento e com paz interior
xamento e da indução animagógica, a Me- diante de qualquer vicissitude.
ditação Integrativa ajudaria o participante De uma forma figurada, é como se
a acessar, em estado hipnagógico, as di- existisse uma grande barragem isolando o
mensões conscienciais mais “profundas” ego do Self e as energias mais profundas fi-
(a Noosfera, ou campo da imaginação sim- cariam represadas aguardando o momento
bólica e arquetípica onde vibram as estru- em que as “comportas” seriam abertas para
turas do imaginário, e a Logosfera, que a que tal energia pudesse banhar as dimen-
ONGCSF considera como sendo a dimen- sões abaixo, renovando-as. Essa mesma ima-
são espiritual propriamente dita) e, através gem pode ser usada para explicar porque é
dessa integração do ego com o Self, pos- necessário integrar o ego ao Self e não, como

75
defendem algumas escolas espiritualistas, também em Portugal, gratuitamente, tan-
“matar o ego”. Se isso acontecesse seria uma to em eventos acadêmicos como em espi-
tragédia, afirma a ONGCSF, pois a pessoa ritualistas. Junto com outras técnicas que
perderia toda e qualquer referência humani- formam o que vem sendo chamado des-
zada ou egóica, semelhante a uma catástrofe de 2005 de Terapia Vibracional Integrativa
ambiental quando uma barragem arrebenta (TVI), a Meditação Integrativa vem sendo
e destrói tudo que encontra pela frente. utilizada em vivências do projeto MAPEPS,
A Meditação Integrativa é realizada da UFSCar, em vários eventos, como na
através de induções espiritualistas, mas tenda Paulo Freire, realizada durante o XIV
não necessariamente religiosas. Daí serem Congresso Paulista de Saúde Pública, rea-
chamadas de induções animagógicas. Ela lizado na UFSCar, em 2015, e em diversos
também é uma forma de meditação bioe- “espaço de cuidado”, projeto de difusão
nergética pois favorece a movimentação do MAPEPS realizado em UBS, em USF, na
energética pelo corpo físico, levando o par- Santa Casa, e em outros locais, na cidade
ticipante a salivar, bocejar, sentir arrepios, de São Carlos e em outros municípios.
entre outros sintomas próprios das práticas Em 2014, em um curso ministrado
de manipulação bioenergética. na cidade de Belo Horizonte/MG, um mú-
Entre os anos de 2003 e 2016, a téc- sico residente na capital mineira, Luciano
nica foi ensinada por voluntários da ONG Augusto, gravou as induções que foram
Círculo de São Francisco para cerca de 5 realizadas e as editou em um conjunto de
mil pessoas, em todo o território nacional e CDs, facilitando a difusão de seis medita-

76
ções. A gravação ou o registro delas tem “limpeza do passado” em que o participan-
seus aspectos positivos e negativos. As te é induzido a acessar o momento em que
induções, quando feitas ao vivo, possuem faz a escolha do “gênero de provas” que vai
sempre variações nas expressões utilizadas, vivenciar durante sua futura encarnação.
no tom da voz e são direcionadas para o Esse é um ensinamento próprio da doutrina
grupo presente, pois elas são realizadas espírita que afirma que, antes de encarnar,
respeitando os valores, as crenças e a o Espírito faz determinadas escolhas, crian-
religiosidade do grupo participante. O do após a encarnação um certo destino. Tal
universo simbólico do grupo é utilizado meditação, por exemplo, não fará sentido
como referência para elaborar as induções, para um grupo que não acredite nesse en-
mesmo que o objetivo seja o mesmo, por sinamento. Por isso, em um grupo apenas
exemplo, facilitar o perdão das ofensas. de católicos ou evangélicos costumamos
Porém, como o CD foi gravado du- conduzir essa indução até o momento da
rante um curso cujos participantes eram fecundação do óvulo pelo espermatozoide.
majoritariamente espiritistas, por um lado Por isso, é importante salientar que a
ele mantém viva a energia do momento Meditação Integrativa, dentro de uma pers-
em que as induções foram feitas, porém, pectiva de Educação Popular em Saúde,
pode passar uma falsa impressão de que procura respeitar o universo simbólico do
se trata de uma proposta voltada apenas grupo participante e, por isso, suas induções
para membros deste agrupamento religio- devem ser adaptadas ao perfil do grupo que
so, como acontece na meditação chamada participa da atividade, trabalhando os temas

77
espiritualistas de cunho universal (perdão, simbólicas e religiosas para saber utilizá
amor, paz interior, equanimidade, entre ou- -las. Por exemplo, para um grupo de bu-
tros) utilizando como referência o universo distas, uma indução pode ser feita pedin-
simbólico próprio do grupo que participa do aos participantes que mentalizem um
da vivência. Sua prática visa auxiliar também determinado bodhissatva, de acordo com
no processo de (re)envolvimento do prati- a crença daquele agrupamento religioso e,
camente com sua comunidade e entorno com um grupo de umbandistas, sugerindo
ambiental. E também com seu corpo físico e que mentalizem um orixá cuja manifesta-
com sua alma/espírito. As induções devem ção arquetípica seja similar. Dessa forma,
partir de valores ou significados simbólicos respeita-se a idiossincrasia do grupo e seus
compartilhados pelo grupo. os valores espiritualistas e religiosos.
O que singulariza a Meditação In- A Meditação Integrativa se diferen-
tegrativa é a sua função animagógica, ou cia de outras propostas por ser eminente-
seja, que suas induções possam favorecer mente espiritualista. Ela não é voltada para
o processo de metanoia, em outras pala- combater o estresse ou fazer com que o
vras, a “mudança interior” ou a hierofania, participante consiga manter o foco em seu
independentemente de utilizar elementos objetivo, seja o de ganhar uma medalha em
de uma ou outra experiência religiosa ou uma competição ou ser o melhor vendedor
espiritualista. Obviamente que este fato faz da loja onde trabalha. A prática da Medita-
com que o condutor da prática necessite ção Integrativa pode até ajudar nesse senti-
ter conhecimento de diferentes expressões do, mas não é o seu objetivo principal. Este

78
é, como já salientado, o autoconhecimento, espiritualidade”, que teve a apresentação de
que na perspectiva da ONGCSF é a com- 24 trabalhos, e também no Simpósio Inter-
preensão de ser um Espírito eterno viven- nacional Educação, Imaginário e Utopia, na
ciando uma experiência humanizada e que, UFF. Neste primeiro trabalho sobre o tema,
dentro de cada um, já se encontra a paz, concluímos que a mediunidade é um fenô-
o amor, a felicidade e outros sentimentos meno natural e sua prática social não pode
que a maioria dos espíritos humanizados e ser apontada como causa de doenças men-
encarnados busca fora de si, no outro ou tais, fato também apontado pelo DSM-IV,
no mundo material. E, por fim, que a mor- ou seja, o Diagnostic and Statistical Manual
te não passa de um desligar de uma das of Mental Disorders - Fourth Edition (publica-
múltiplas dimensões existenciais em que se do pela Associação Psiquiátrica Americana
processa a vida e não o fim da vida. - APA), que criou uma nova categoria para
E uma primeira reflexão sobre mediu- estudos (Problemas espirituais e religiosos)
nidade e terceira idade apresentei na comu- com o objetivo de melhor compreender al-
nicação “História Oral e transcendentalismo: guns fenômenos, entre eles a própria me-
imagens e imaginário do invisível”, em dois diunidade.
eventos: Em abril de 2009, no III Simpósio E aqui se faz mister uma distinção
Internacional sobre Religiosidades, Diálogos entre religião e espiritualidade para melhor
Culturais e Hibridações, na cidade de Campo compreensão do fenômeno mediunidade,
Grande/MS, no GT “Nova perspectiva para o uma vez que se trata de uma prática social
século XXI: o diálogo entre ciência, religião e espiritualista registrada em todas as tradi-

79
ções culturais, sem relação necessária com XXI. É importante diferenciar o significado de
uma ou outra religião. Existem, obviamente, laico de laicismo. Na perspectiva da ONGCSF
aquelas que tratam a mediunidade como há o respeito por todas as religiões e formas
algo negativo, afirmando que ela deve de religiosidade. Não se combate, portanto, a
ser combatida, pois seria um instrumento religião, como acontece com o laicismo.
do “demônio”. Porém, há aquelas que se E com base nesta mudança social
apoiam na mediunidade, construindo dife- e considerando que desde 1998 a Orga-
rentes processos educativos espiritualistas. nização Mundial da Saúde (OMS) define
E é importante salientar que ela pode a saúde como um completo bem-estar
ser pensada e praticada também de forma biológico, psicológico e espiritual e, além
laica, sem um viés religioso, como acontece, disso, com o CID 10 – código internacio-
por exemplo, na ONGCSF, na cidade de São nal de doenças - definindo que há o es-
Carlos, onde a Meditação Integrativa nasceu tado normal de transe ou de “possessão”,
através de um profícuo intercâmbio mediúni- como são os que acontecem durante uma
co realizado entre os anos de 2001 e 2003. manifestação mediúnica, por exemplo, e o
E é dentro dessa perspectiva de dis- patológico, causado por alguma doença,
tinção entre religião e espiritualidade que a acreditamos ser fundamental no ambiente
ONGCSF promove o seu programa educati- escolar, em todos os níveis de ensino, ter
vo chamado de Animagogia e que vem ao uma melhor compreensão do que venha
encontro da busca por uma espiritualidade a ser a mediunidade para que crianças, jo-
laica e transreligiosa, neste limiar de século vens e mesmo idosos não precisem passar

80
por experiências como as que serão apre- na vida de uma pessoa em qualquer faixa
sentadas nesta pesquisa. etária, independentemente de sua classe
A partir dos depoimentos que serão social, gênero, grau de escolaridade ou re-
apresentados neste estudo podemos to- ligião. Normalmente, a pessoa que utiliza
mar consciência que problemas religiosos esse potencial psíquico em práticas sociais
e espirituais acontecem também dentro da espiritualistas organizadas consegue man-
escola e que os mesmos deveriam ser com- ter uma vida sociocultural saudável. Porém,
preendidos pelos profissionais da saúde e nem sempre as primeiras experiências são
da educação que convivem diretamente fáceis. Muitas são dolorosas e trazem mui-
com a realidade escolar. Enfim, podemos to sofrimento, sobretudo, quando o mé-
dizer que está na hora de pensar a me- dium não encontra apoio na família, nos
diunidade como uma questão também de educadores ou nos profissionais da saúde.
direitos humanos e de qualidade de vida E acreditamos que a linha de Pesquisa
para que o médium, criança ou não, possa Práticas Sociais e Processos Educativos, na
receber a orientação e o acompanhamento UFSCar, pode vir a ser um campo privile-
adequados e não virar apenas mais um nú- giado para pesquisas similares que possam
mero nas estatísticas dos hospitais psiquiá- ajudar a diminuir os problemas espirituais e
tricos e dos sanatórios públicos ou particu- religiosos na educação escolar ou não, para
lares. que crianças, jovens, adultos ou idosos que
Em suma, a mediunidade parece ser manifestam uma mediunidade ostensiva ou
um fenômeno humano que pode eclodir outras formas de “emergência espiritual”,

81
possam ser amparados de forma saudável escola. E é nesta direção que a prática da
e respeitosa, recebendo o auxilio adequa- Meditação Integrativa se transforma tam-
do, para que sofrimento e incompreensão, bém em um instrumento de ajuda funda-
como nos exemplos que vamos apresentar, mental, como pretendemos demonstrar
não mais necessitem acontecer dentro da nesta pesquisa.

Curso de Meditação Integrativa para cuidadores de idosos, em sala localizada na catedral de São Carlos

82
Parte 1
A ONG Círculo de São Francisco:
da Antropolítica do (re)envolvimento
humano à Meditação Integrativa
A ciência é um empreendimento Antropolítica do (re)envolvimento humano,
essencialmente anárquico: o anar- compreendendo também a Animagogia
quismo teorético é mais humani- como a “didática” para a realização dessa
tário e mais suscetível de estimular proposta e os diferentes projetos de anima
o progresso do que suas alternati- -ação cultural, os “métodos e procedimen-
vas representadas por ordem e lei. tos” para despertar os atributos do Espírito
Paul FEYERABEND (contra o mé- na vida cotidiana, entre eles, a Gerontago-
todo) gia Holonômica que visa ajudar a pessoa
adulta e idosa a despertar o Homo spiritua-
Nesta primeira parte da pesquisa va- lis, ou seja, o modo de ser, pensar e agir
mos apresentar a cosmovisão ou a dimen- no mundo com habilidade espiritual e que
são ética e política do trabalho sócio-edu- utilizam a Meditação Integrativa como uma
cativo realizado pela ONGCSF, chamada de das atividades privilegiadas.

83
Autores que fundamentam a proposta ético-política da ONG Círculo de São Francisco
denominada Antropolítica do (re)envolvimento humano: Teilhard de Chardin,
Emmanual Lévinas, Allan Kardec, Paulo Freire, Mircea Eliade e Carl Gustav Jung

84
Capítulo 1 - A constituição da Antropolítica do
(re)envolvimento humano enquanto um
movimento ético-político e paradigmático

Em meados da década de 1960, Edgar economicista” e dando a ele um sentido


MORIN (1969) propôs o termo antropolíti- humano e multidimensional em sua “an-
ca, golpeando sistematicamente o ideal tropolítica do desenvolvimento”.
eurocêntrico presente no marxismo e no Porém, tal purificação ou adjetivar o
freudismo e revalorizando o Outro, sobre- termo como sustentável (desenvolvimen-
tudo o “oriente” e o “terceiro mundo”, em to sustentável) não o redime de um do-
suas análises que propõem uma política mínio ideológico e mitanalítico específico,
pluridimensional do homem (e da mulher, associado diretamente à ruptura com os
obviamente). Em sua abordagem, a expres- vínculos. A expressão desenvolvimento,
são antropolítica não estaria contaminada pelo menos em língua portuguesa, é
pelo ideal modernista, porém, MORIN não composta pelo prefixo «des», que indica
abandona o termo desenvolvimento, ape- negação, e a expressão “envolvimento”,
nas o reformula, purificando-o da “ganga que está relacionada diretamente com a

85
ideia de abarcar, abraçar, compreender, re- adequada aos valores que a ONGCSF busca
lacionar, unir, compromisso, empenho, en- difundir e propagar no meio sociocultural
tre outras. em que atua cotidianamente, valorizando
Atualmente, esta expressão se cons- uma diferente percepção/representação
titui em um dos principais ideologemas da da realidade que, do ponto de vista mita-
modernidade heroica e prometeica e entra nalítico, seria mais hermesiana, em outras
em conflito com a proposta original da An- palavras, mas fratriarcal e horizontalizante,
tropolítica que é a da metamorfose societal rompendo com os mitemas e ideologe-
pautada na solidariedade, em formas coo- mas da modernidade (exclusão, desenvol-
perativas, libertárias, de respeito ao Outro, vimento, verticalização das relações, entre
entre outros valores que pretende salientar. outros).
E foi a partir dessa perspectiva que a Obviamente que as questões como
ONGCSF passou a identificar com o nome desigualdade, hierarquia, autoridade etc.
de Antropolítica do (re)envolvimento hu- permanecem como centrais, porém, a par-
mano a cosmovisão que fundamenta a Ani- tir de outras perspectivas “pós-modernas”
magogia e, portanto, todos os projetos de e/ou “transmodernas”, ou seja, capaz de in-
anima-ação cultural, entre elas, a Geronta- serir também a “libertação” ambiental, ou
gogia Holonômica, procurando, assim, pro- da Terra, e a espiritual.
por uma outra perspectiva mais inclusiva, A ONGCSF procura abandonar toda
solidária, ambientalmente responsável e a heroicidade prometeica e o messianismo
espiritualista. Essa bacia semântica é mais despersonalizante presentes na moderni-

86
dade e, dialogando como autores como método Laubach, sem citar as necessárias
Edgar MORIN e Paulo FREIRE que, apesar fontes. Estas e outras críticas podem ser fa-
de criticarem o autoritarismo presente no cilmente encontradas na internet, em sites
marxismo, não abandonaram a ideia de e blogs que procuram criticar Paulo FREIRE,
“revolução”. sua obra e seu pensamento.
Paulo FREIRE, por exemplo, apesar A Antropolítica do (re)envolvimento
do discurso carismático que possuía e de humano proposta pela ONGCSF tem em
ser frequentemente  venerado por muitos Paulo FREIRE uma das suas referências teó-
educadores, também foi alvo de severas ricas. E como, nos últimos anos, ele passou
críticas, sendo acusado tanto de “elitista” a ser alvo de uma crítica inconsistente, mas
como de “populista”. Marxistas criticam sua contundente, vamos expor resumidade um
obra por não afirmar necessariamente que pouco de seu pensamento que vem ao en-
a “luta de classes é o motor da história”. contro da cosmovisão ou paradigma pre-
Por outro lado, o movimento anti-marxista sente na Antropolítica do (re)envolvimento
o critica por fazer “doutrinação comunista”, humano.
imputando a FREIRE a culpa pela falência Um dos livros mais comentados, e
da educação brasileira, afirmando que o não necessariamente lidos, é Pedagogia do
seu método de alfabetização de jovens e Oprimido, cuja primeira edição ocorreu em
adultos seria o responsável pelo alto índice 1970, registrando as experiências de Paulo
de analfabetismo funcional no país e tam- FREIRE no Brasil, no Chile e na Europa, além
bém de plágio, pois teria se apropriado do de apresentar as primeiras sistematizações

87
de sua teoria sobre educação popular. Em tica, expondo como superou a linguagem
1992, porém, publicou a primeira edição machista do livro anterior, e respondendo a
de Pedagogia da Esperança: um reencon- várias das críticas normalmente endereça-
tro com a pedagogia do oprimido, livro no das ao seu trabalho.
qual expõe uma reflexão autobiográfica e As críticas recentes à ele (a partir
memorialista, ao mesmo tempo crítica e de 2012 quando se tornou o “patrono da
compreensiva, revisitando seus conceitos, educação brasileira”), expostas na internet
pontos de vista e experiências políticas e através de sites e blogs estão associadas
educativas vivenciadas a partir da década diretamente à guinada “conservadora” ve-
de 1940 e que foram fundamentais para a rificada no Brasil, que tem o partido dos
escrita do livro Pedagogia do Oprimido. Esta trabalhadores (PT) e todas as pessoas rela-
revisão tem por base as experiências du- cionadas a ele, como o bode expiatório do
rante o período de redemocratização do momento, os culpados pela crise política,
país, com fatos marcantes como o impea- econômica, social e moral brasileira. E Pau-
chment  do presidente Collor e sua passa- lo FREIRE, apesar de sempre se posicionar
gem como secretário de educação em São contra qualquer forma de autoritarismo ou
Paulo (1989-1991). doutrinação, de “esquerda” ou de “direita”,
Como um ser neótono neg-entrópico, acabou sendo envolvido por tais críticas,
ou seja, aberto para o mundo, lúdico-ex- quase todas superficiais e facilmente re-
plorador e permanentemente incompleto e futadas, como se pode compreender pela
inacabado, Paulo FREIRE faz uma autocrí- leitura do livro Pedagogia da esperança: um

88
reencontro com a pedagogia do oprimido. ticos investigados por corrupção cassaram
Não de forma saudosista, o livro tran- uma presidente que supostamente come-
sita pelo contexto em que o livro Pedago- teu um crime de responsabilidade fiscal
gia do oprimido  foi escrito, apresentando que, até recentemente, era prática adminis-
constantes reavaliações de pontos de vista trativa reconhecida pelo Tribunal de Contas
através de um diálogo entre dois momen- da União (TCU), sendo utilizada por presi-
tos históricos separados por quase 30 anos. dentes que a antecederam.
Mais do que um estudo comparativo des- Com a crescente intolerância por
ses dois momentos, o livro expõe o ama- quem pensa diferente, seja na religião, na
durecimento pessoal, político e também política e até mesmo no futebol, nossa frágil
como educador de Paulo FREIRE, mas man- democracia parece não ser capaz de se sus-
tendo um ponto central inabalável: o devo- tentar, deixando pouca margem de atuação
tamento à tolerância, a marca profunda de para quem se propõe a refletir sobre sonho
sua vida e pensamento. e utopia, as “armas” que Paulo FREIRE nos
A corrupção, presente na ditadura apresenta, envolto em esperança e crença
militar, na década de 1990 e, ainda hoje, na possibilidade das mudanças pelas quais
continua a manchar e a caracterizar a vida ele sempre defendeu: a amorosidade nas
pública no Brasil, nos governos de “direita” relações e o diálogo fratriarcal entre todos,
ou de “esquerda”. Os extremismos políti- respeitando as diferenças. Mas, se está di-
cos  voltam a ganhar força diante de mais fícil ser otimista, nos resta a esperança que
uma crise econômica e moral, na qual polí- Paulo FREIRE pensava e a vivenciava como

89
um imperativo existencial e histórico.
E nesse reencontro existencial com a
Nas idas e vindas da fala, na sin-
Pedagogia do Oprimido, Paulo FREIRE re-
taxe operária, na prosódia, nos
lata duas experiências fundamentais para movimentos do corpo, nas mãos
o nascimento de sua teoria e método: a do orador, nas metáforas tão co-
primeira foi a fala de um operário, na dé- muns ao discurso popular, ele
chamava a atenção do educador
cada de 1960 (que não iremos aqui repro-
ali em frente, sentado, calado, se
duzir, mas que se encontra presente no afundando em sua cadeira, para
texto supracitado), após fazer uma palestra a necessidade de que, ao fazer o
para pais de alunos do SESI, onde traba- seu discurso ao povo, o educa-
dor esteja a par da compreen-
lhava, abordando o tema da autoridade e
são do mundo que o povo esteja
da liberdade, enfatizando a questão dos tendo. Compreensão do mundo
castigos e prêmios na educação. Essa fala que, condicionada pela realidade
foi de fundamental importância para que concreta que em parte a explica,
pode começar a mudar através
ele passasse a respeitar a vida concreta das
da mudança do concreto. Mais
pessoas. Paulo FREIRE afirma ter jamais es- ainda, compreensão do mundo
quecido tal fala e que foi sua esposa Elza que pode começar a mudar no
que o fez compreender a necessidade de momento mesmo em que o des-
velamento da realidade concreta
entender as pessoas e não apenas ser en-
vai deixando expostas as razões
tendido por elas. Sobre essa questão, ele de ser da própria compreensão
nos narra: tida até então.

90
A mudança da compreensão, de experiências foi de tal forma interiorizado
importância fundamental, não que passou a ser a essência do trabalho an-
significa, porém, ainda, a mu-
dragógico proposto por Paulo Freire, que,
dança do concreto.
O fato de jamais haver esqueci- ao invés de doutrinar ou passar conteúdos,
do a trama em que se deu aquele visa valorizar a amorosidade e a dialogia no
discurso é significativo. O discurso processo educativo.
daquela noite longínqua se vem
E essa fala tão paradigmática desse
pondo diante de mim como se fos-
se um texto escrito, um ensaio que operário se juntou ao sofrimento viven-
eu devesse constantemente revisi- ciado entre os 22 e 29 anos de idade. A
tar. Na verdade, ele foi o ponto cul- superação desse sofrimento existencial se
minante no aprendizado há muito
deu quando conseguiu se “distanciar” do
iniciado – o de que o educador ou
a educadora progressista, ainda problema e meditar sobre o mesmo, fazen-
quando, às vezes, tenha de fa- do uma “arqueologia” da dor que sentia,
lar ao povo, deve ir transformando voltando ao passado, a Jaboatão, onde
o ao em com o povo. E isso implica
nasceu, e revivendo sua infância e a mor-
o respeito ao “saber de experiência
feito” de que sempre falo, somente te do pai. Posteriormente, essa superação
a partir do qual é possível superá do sofrimento foi importante também para
-la. (Op.cit., p. 14) compreender o problema vivido por mui-
tos exilados que conheceu.
Essa abertura compreensiva ao outro, E essa relação entre o Eu e o Outro,
respeitando seus pontos de vista, saberes e tão cara ao discurso fenomenológico e

91
existencial, marca profundamente também negar qualquer poder a ela. Podemos no-
o discurso político e pedagógico de Paulo tar que, a todo momento, ele procura fugir
FREIRE, afastando-o de todo fatalismo, seja de todo e qualquer reducionismo dicoto-
o conservador (“Deus quer que seja assim e mizador. A mesma lógica aparece quando
não se pode fazer nada”) ou o de esquerda discute as relações autoridade-liberdade.
(“o socialismo é inexorável e vai acontecer, Para Paulo FREIRE, ao negar à liberdade o
não precisamos fazer nada”). A violência direito de afirmar-se, exacerbamos a auto-
verificada em Pernambuco, tanto em Reci- ridade, mas, atrofiando esta, hipertrofia-se
fe, como no Agreste e também na suposta aquela. Em suma, os dois extremos podem
“liberdade” vivida pelos caiçaras, levou Pau- levar à tirania da liberdade ou à tirania da
lo FREIRE a compreender que a educação é autoridade, ambas nocivas à incipiente e
subjugada pela sociedade global e, a partir constantemente ameaçada democracia
dessa perspectiva,  propõe uma educação brasileira.
que não se vincula nem ao voluntarismo de E, ao contrário do que muitos de seus
setores da esquerda e nem fica refém do críticos afirmam, a proposta de educação
objetivismo mecanicista das pedagogias popular proposta por Paulo FREIRE não foi
conservadoras. Enquanto a primeira é uma abraçada por comunistas ou outros grupos
espécie de “idealismo brigão” e a segunda de esquerda mais propensos à doutrinação
uma “negação da subjetividade”, a propos- do que à educação. Em 1982, afirmava so-
ta de Paulo FREIRE procura nem atribuir à bre a experiência que o levou a propor a
educação um poder que ela não tem e nem pedagogia do oprimido:

92
divergência com a “pedagogia doutrinante”,
Hoje, passados quase trinta anos, que alguns de seus críticos tentam imputar à
se percebe facilmente o que só al-
sua obra, apontando o que chama de “equí-
guns percebiam e já defendiam
na época e eram às vezes con- vocos” cometidos por intelectuais de esquer-
siderados sonhadores, utópicos, da que ignoram o papel da linguagem e que
idealistas, quando não “vendidos não escapam da “incontenção verbal”:
aos gringos”. Que só uma política
radical, jamais, porém, sectária,
buscando a unidade na diversi-
dade das forças progressistas, po- uma das tarefas da educação
deria lutar por uma democracia democrática e popular, da Peda-
capaz de fazer frente ao poder e gogia da esperança – a de possi-
à virulência da direita. Vivia-se, bilitar nas classes populares o de-
porém, a intolerância, a negação senvolvimento de sua linguagem,
das diferenças. A tolerância não jamais pelo blablablá autoritário
era o que deve ser: a virtude revo- e sectário dos “educadores”, de
lucionária que consiste na convi- sua linguagem, que, emergindo
vência com os diferentes para que da e voltando-se sobre sua rea-
se possa melhor lutar contra os lidade, perfile as conjecturas, os
antagônicos. (OP. cit., p. 20) desenhos, as antecipações do
mundo novo. Está aqui uma das
questões centrais da educação
E, a partir de sua experiência com a popular – a da linguagem como
educação popular no Chile, através dos “cír- caminho de invenção da cidada-
culos de cultura”, Paulo FREIRE expõe sua nia. (Op. cit., p. 20)

93
Sua proposta em transformar o edu- ca. Somem, assim, a ética da luta
cando em um “sujeito cognoscente” e não e a boniteza da briga. Creio, mais
do que creio estou convencido, de
como a “incidência do discurso do educa-
que nunca necessitamos tanto de
dor” é o que transforma o ato de ensinar posições radicais, no sentido em
em uma ação política emancipativa ou li- que entendo radicalidade na  Pe-
bertária que transcende o sectarismo e o fa- dagogia do oprimido, quanto hoje.
Para superarmos, de um lado, os
talismo de esquerda, que tanto incomodava
sectarismos fundados nas verda-
FREIRE, como nessa passagem elucidativa: des universais e únicas; do outro,
as acomodações “pragmáticas”
aos fatos, como se eles tivessem
Na verdade, o clima preponde- virado imutáveis, tão ao gosto de
rante entre as esquerdas era o do posições modernas, os primeiros,
sectarismo que, ao mesmo tempo e modernistas, as segundas, temos
em que nega a história como pos- de ser pós-modernamente radicais
sibilidade, gera e proclama uma e utópicos. (Op. cit., p. 27)
espécie de “fatalismo libertador”.
O socialismo chega necessaria-
mente... por isso é que, se levarmos A partir da página 34 Paulo Freire co-
às últimas consequências a com- meça a revisão do livro Pedagogia do opri-
preensão da história enquanto mido, apontando, entre outros problemas,
“fatalismo libertador”, prescindi-
a linguagem machista que o mesmo trazia,
remos da luta, do empenho para
a criação do socialismo democrá- reconhecendo esse “erro” e buscando su-
tico, enquanto empreitada históri- perá-lo. Mas também questiona a suposta

94
difícil leitura do livro. Sua fala revela que ele cendo todo desejo de fuga da lei-
não era adepto do estudo sem compromis- tura, tanto mais nos preparamos
para tornar futuras leituras menos
so, como alguns de seus críticos afirmam.
difíceis.
Na passagem abaixo, pode se notar sua en- Ler um texto, sobretudo, exige de
fática defesa do ato de estudar como algo quem o faz, estar convencido de
que exige compromisso e dedicação: que as ideologias não morreram.
Por isso mesmo, a de que o texto se
acha empapado ou, às vezes nele
se acha escondida, não é necessa-
Ler um texto é algo mais sério, riamente, a de quem vai lê-lo. Daí
mais demandante. Ler um texto a necessidade que tem o leitor ou
não é “passear” licenciosamente, a leitora de uma postura aberta e
pachorrentamente, sobre as pala- crítica, radical e não sectária, sem
vras. É apreender como se dão às a qual se fecha ao texto e se proíbe
relações entre as palavras na com- de com ele aprender algo porque o
posição do discurso. É tarefa de su- texto talvez defenda posições an-
jeito crítico, humilde, determinado. tagônicas às do(a) leitor(a). Às ve-
Ler, enquanto estudo, é um proces- zes, o que é irônico, as posições são
so difícil, até penoso, às vezes, mas apenas diferentes.
sempre prazeroso também. Impli- Em muitos casos nem sequer te-
ca que o(a) leitor(a) se adentre na mos lido a autora ou o autor. Te-
intimidade do texto para apreen- mos lido sobre ela ou ele e, sem a
der sua mais profunda significa- ela ou a ele ir, aceitamos as críticas
ção. Quanto mais fazemos este que lhe são feitas. Assumimo-las
exercício disciplinadamente, ven- como nossas. (Op.cit., p. 40)

95
Para encerrar esta reflexão sobre a cientizar também; criticar um
atualidade da proposta de Paulo FREIRE e indisfarçável ar de messianismo,
no fundo ingênuo, de intelectuais
do equívoco da crítica que tenta impor a
que, em nome da libertação das
ele a culpa por uma educação doutrinan- classes trabalhadoras, impõem
te ou alienante, podemos citar duas frases ou buscam impor a “superiori-
exemplares que demonstram que ele, ape- dade” de seu saber acadêmico às
“incultas massas”, isto sempre fiz.
sar de sonhador e progressista, não acei-
E disto falei quase exaustivamen-
tava o mundo iconoclástico e pasteurizado te na  Pedagogia do oprimido.  E
proposto pelos autoritários de “direita” ou disto falo agora, com a mesma
de “esquerda”: força, na Pedagogia da esperan-
ça. (Op. cit., p. 41)

O que se exige eticamente de


Criticar a arrogância, o autorita-
educadoras e educadores pro-
rismo de intelectuais de esquerda
gressistas é que, coerentes com
ou de direita, no fundo, da mes-
seu sonho democrático, respei-
ma forma reacionários, que se
tem os educandos e jamais, por
julgam proprietários, os primei-
isso mesmo, os manipulem. (Op.
ros, do saber revolucionário, os
cit., p. 42)
segundos, do saber conservador;
criticar o comportamento de uni-
versitários que pretendem cons-
cientizar trabalhadores rurais e Acredito ter sido necessária essa lon-
urbanos sem com eles se cons- ga exposição do pensamento de Paulo

96
FREIRE para ajudar a desfazer a crítica in- no do que prometeico, e que permita espaço
fundada a ele, como se sua obra fosse de para o Outro, para a vivência da alteridade,
“doutrinação marxista”. Mas outros autores para a liberdade. E os ideais de Paulo FREIRE
são fundamentais também para a proposta vem ao encontro desse ideal:
da Antropologia do (re)envolvimento, mas
preferi me ater às contribuições de Paulo
a radicalização, que implica no
FREIRE por esse motivo conjuntural. Adian- enraizamento que o homem faz
te, continuarei o citando e relacionando seu na opção que fez, é positiva, por-
pensamento à perspectiva aqui exposta. que preponderantemente crítica.
Porque crítica e amorosa, humil-
A proposta da antropolítica, um neolo-
de e comunicativa. O homem ra-
gismo com quase 50 anos de idade, criado dical na sua opção, não nega ao
por Edgar MORIN, pressupõe uma perspecti- outro o direito de optar. Não pre-
va libertária e democrática de pensar a polí- tende impor a sua opção. Dialo-
ga sobre ela. Está convencido de
tica. E este desejo por mudanças efetivas vin-
seu acerto, mas respeita no ou-
culadas à necessidade de mudanças também tro o direito de também julgar-se
afetivas junto ao desejo de viver em uma so- certo. Tenta convencer e conver-
ciedade crítica acompanhado pela vontade ter, e não esmagar o seu opo-
nente. Tem o dever, contudo, por
de vivenciar uma sociedade também criativa
uma questão mesma de amor,
(MARQUES, 2003), proporciona, do ponto de de reagir à violência dos que lhe
vista mitanalítico, um processo criativo, orga- pretendem impor silêncio. (1984,
nizacional e produtivo muito mais hermesia- p. 49)

97
E outro autor fundamental para se (transmodernidade) para se referir à ciber-
construir a Antropolítica do (re)envolvi- nética ou à cultura do neoliberalismo e à
mento humano, como proposta pela ONG- globalização.
CSF, é LÉVINAS (1988) e sua crítica à onto- Para DUSSEL (2005), a modernidade é
logia. Ao propor uma Antropolítica do (re) justificativa de uma práxis irracional de vio-
envolvimento humano capaz de sustentar lência e descreve o “mito” da modernidade
uma prática social libertária e processos em sete principais atributos (2005, p. 30):
educativos democráticos e sustentáveis,
a ONGCSF afirma que se faz necessário a 1. A civilização moderna autodescreve-
coexistência de uma base crítica, porém, se como mais desenvolvida e superior
também compreensiva e fenomenológica, (o que significa sustentar inconsciente-
o que torna fundamental estabelecer um mente uma posição eurocêntrica).
diálogo criativo e respeitoso com as tradi- 2. A superioridade obriga a desenvol-
ções religiosas, com a ciência não-dogmá- ver os mais primitivos, bárbaros, rudes,
tica e com as reflexões filosóficas e episte- como exigência moral.
mológicas pós-modernas, na linha sugerida 3. O caminho de tal processo educati-
por Jean-François LYOTARD, Boaventura de vo de desenvolvimento deve ser aquele
Souza SANTOS, Gilbert DURAND, Michel seguido pela Europa (é, de fato, um de-
MAFFESOLI, entre outros, e/ou transmo- senvolvimento unilinear e à européia
dernas, na perspectiva de Enrique DUSSEL, o que determina, novamente de modo
e não dos autores que utilizam esse termo inconsciente, a “falácia desenvolvi-

98
mentista”). cente mas como “emancipadora” des-
4. Como o bárbaro se opõe ao proces- sa “culpa” de suas próprias vítimas.
so civilizador, a práxis moderna deve 7. Por último, e pelo caráter “civilizató-
exercer em último caso a violência, se rio” da “Modernidade”, interpretam-se
necessário for, para destruir os obstá- como inevitáveis os sofrimentos ou sa-
culos dessa modernização (a guerra crifícios (os custos) da “modernização”
justa colonial). dos outros povos “atrasados” (imatu-
5. Esta dominação produz vítimas (de ros), das outras raças escravizáveis, do
muitas e variadas maneiras), violência outro sexo por ser frágil, etcetera.
que é interpretada como um ato ine-
vitável, e com o sentido quase-ritual A perspectiva da Antropolítica do (re)
de sacrifício; o herói civilizador reves- envolvimento vem ao encontro dessa críti-
te a suas próprias vítimas da condição ca, porém, na perspectiva aqui apresenta-
de serem holocaustos de um sacrifício da, os sete pontos acima não seriam “mi-
salvador (o índio colonizado, o escravo tos”, mas ideologemas que remetem a um
africano, a mulher, a destruição ecoló- mito, no caso, o de Prometeu, estudado
gica, etcetera). exaustivamente na motocrítica durandiana
6. Para o moderno, o bárbaro tem uma e de outros autores.
“culpa”(por opor-se ao processo civili- Feita essa ressalva, podemos com-
zador) que permite à “Modernidade” preender que é contra a razão eurocêntri-
apresentar-se não apenas como ino- ca que DUSSEL vai se levantar e não contra

99
a razão em si. A razão eurocêntrica, como no” do que, realmente, “pós-moderno”, se
afirma, é “violenta, desenvolvimentista, he- compreendermos aqui as reflexões de au-
gemônica” (2005, p.31). E como um proje- tores como Edgar MORIN, Jean-François
to mundial de libertação propõe a “Trans- LYOTARD, Gilbert DURAND, Basarab NI-
Modernidade” que se distingue do projeto COLESCU, Stéphane LUPASCO, Boaventura
pré-moderno (afirmação folclórica do pas- de Souza SANTOS entre tantos outros que
sado), do projeto antimoderno (de grupos também não negam a razão, mas sim o ra-
conservadores, de direita, de grupos nazis- cionalismo que opõe razão e imaginação,
tas ou fascistas ou populistas) e do projeto desmerecendo o valor desta última, tratan-
pós-moderno (como negação da Moderni- do-a como algo menor (a louca da casa) ou
dade como crítica de toda razão para cair mesmo sem valor algum.
num irracionalismo niilista). Porém, paradoxalmente, o que apro-
Porém, a concepção de pós-moder- xima todos esses pensadores é o objetivo
no que DUSSEL apresenta acima não cobre comum de se contrapor aos valores
toda a contraditória experiência classifica- supostamente universais propostos pela
da como “pós-moderna”. Seu interlocutor modernidade eurocêntrica. Em suma, eles
ao discutir a pós-modernidade parece ser apresentam muito mais pontos em comum
Richard RORTY. O que ele critica parece ser do que divergentes, complementando-se,
uma vertente “irracionalista” do tipo pan- inclusive. Utilizando a lógica recursiva de
fílica e/ou dionisíaca que se parece muito MORIN (2012), poderíamos dizer que entre
mais com o pensamento “contra-moder- o pensamento “pós-moderno” e o “trans-

100
moderno” há uma relação ora antagônica, ética? LÉVINAS que fez da alteridade e do
ora concorrencial e ora complementar, mas respeito ao Outro o seu campo de reflexão,
lembrando que outros autores também pode ser classificado como “pós-moderno”,
usam o termo transmoderno, mas com “transmoderno”, “não-moderno” ou “con-
um sentido bem diferente do utilizado por tra-moderno”?
DUSSEL. Essa é uma questão de menor im-
Em suma, temos a impressão que a portância ou, até mesmo, impossível de se
diferença acaba sendo muito mais de no- responder, pois dependerá de como con-
menclatura do que de objetivo. Por exem- ceituarmos cada expressão acima. Porém, e
plo, tanto DUSSEL (transmoderno e latino) sem, necessariamente, realizar uma exaus-
como LYOTARD (pós-moderno e europeu) tiva mitocrítica da vida e obra de Emma-
fundamentam suas reflexões a partir, prin- nuel LÉVINAS, podemos, modestamente,
cipalmente, de LÉVINAS, que gostava de afirmar que ele viveu um sonho hermesia-
se apresentar como filósofo e judeu e não no em uma realidade prometéica.
como um “filósofo judeu”, como frequente- Ele foi o primeiro a traduzir a obra de
mente foi conhecido. HUSSERL e de HEIDEGGER para o francês.
E como classificar esse filósofo que Porém, com o advento do nazismo e após
introduziu o pensamento de HUSSERL e ser preso em um campo de trabalho forçado
de HEIDEGGER na França e depois rompeu na Alemanha, elaborou sua crítica à onto-
com este último, considerando que a onto- logia de HEIDEGGER e passou a se dedicar
logia não seria a primeira filosofia e, sim, a à ética, que chamou de “filosofia primeira”,

101
elaborando seu pensamento em defesa do como fundada na ideia do infi-
respeito ao Outro e do valor fundamental da nito. Avançará distinguindo entre
a ideia de totalidade e a ideia de
alteridade e da transcendência.
infinito e afirmando o primado
O livro Totalidade e infinito é conside- da ideia do infinito. Vai descre-
rado como sua principal obra, na qual deixa ver como o infinito se produz na
evidente sua crítica à busca por um saber relação do Mesmo com o Outro
e como, inultrapassável como é,
absoluto e totalizante na filosofia ocidental
o particular e o pessoal magne-
(dos gregos aos alemães) e apresenta sua tizam de algum modo o próprio
reflexão sobre o infinito, aprofundando, in- campo em que se verifica a pro-
clusive, sua reflexão sobre espiritualidade e dução do infinito. (1988, p. 13)
postulando que a alma pode existir antes
da encarnação e continuar existindo após Para LÉVINAS, o pensamento do ser,
a morte. ou seja, a ontologia, conforme HEIDEGGER
No prefácio do livro afirma: a considerou, além de ser um pensamen-
to excludente, seria perigoso por defender
o privilégio da razão e se mostrar preten-
Este livro se apresenta como uma samente neutro, quando estaria a serviço
defesa da subjetividade, mas ele da identidade do “Mesmo” e da negação
não a captará no nível de seu
ou destruição do “Outro”. Para ele, a razão,
protesto puramente egoísta con-
tra a totalidade, nem em sua desvinculada da ética e da justiça, seria um
angústia diante da morte, mas dos motivos, por exemplo, para a ascensão

102
de Hitler ao poder. mítica, pré-socrática, filosófico-metafísica,
Podemos compreender que o am- estética e científico-técnica.
biente em que viveu boa parte de sua vida E, de alguma forma, o próprio LÉVI-
foi prometeico. O culto à razão, ao pro- NAS desperta ou rompe com o seu lado
gresso, às doutrinas totalitárias formavam heroico marcado pela tentativa de levar
o cerne do pensamento europeu nas pri- uma outra tonalidade de Luz para a Fran-
meiras décadas do século XX, antes da se- ça racionalista, introduzindo o pensamento
gunda grande guerra. E, paradoxalmente, fenomenológico nascido na Alemanha.
por questionar o mito prometeico da razão, E mesmo não sendo possível classifi-
ele é condenado como Prometeu. E é em cá-lo como um pensador “pós-moderno”
sua experiência em um campo de trabalho ou “trans-moderno”, sua proposta filosófica
forçado, perdendo toda sua identidade e apresenta uma ruptura com o ideal moder-
humanidade, que consegue enxergar que no e prometeico que fundam o iluminismo
seus heróis (HUSSERL e HEIDEGGER) tam- e sua sombra, as sociedades totalitárias de
bém reforçavam o “Mesmo”, estando tam- esquerda e de direita. Para LÉVINAS, a ra-
bém inseridos em um pensamento absolu- zão foi utilizada para neutralizar o Outro,
to e globalizador. Lembremos, por exemplo, englobando-o e o reduzindo ao Mesmo. E
as cinco “épocas” definidas por HEIDEGGER a ontologia heideggeriana não visaria a paz
e como elas são extremamente eurocên- com o Outro, mas a supressão ou posse do
tricas, ou relacionadas com a experiência Outro. A ontologia, em sua opinião, desem-
europeia, não sendo, portanto, universais: boca na tirania do Estado, daí afirmar que

103
a ontologia, sem a ética, seria a filosofia do do mundo, como se esse fosse uma mera
poder ou a filosofia da injustiça. ilusão, mas uma abertura para o mundo e,
E a segunda fase do trabalho de LÉ- sobretudo, ao Outro com o qual devemos
VINAS, após sua experiência no campo de aprender a conviver com respeito, cons-
trabalho forçado, passa a ser a crítica à le- truindo, numa linguagem mais atualizada,
gitimação do domínio do Outro, tanto na uma cultura de paz e cooperação.
filosofia grega como na alemã. A ontologia E essa relação alquímica ou herme-
passa a ser considerada a “filosofia segun- siana com o Outro que é o objetivo cen-
da” uma vez que, a “filosofia primeira” pas- tral da sua ética, abrindo o nosso horizonte
sa a ser a ética, ou a construção da alterida- para uma perspectiva de não-violência e de
de e de uma relação de justiça com o Outro justiça, no qual o ideal moderno iluminista
que, ao mesmo tempo, é transcendental. (prometeico) que justifica a violência con-
Aqui podemos encontrar uma das tra o diferente é substituída por um ideal
principais contribuições ou talvez a princi- transcendente e metafísico (hermesiano)
pal contribuição de LÉVINAS para a formu- de abertura e respeito ao Outro motiva
lação da Antropolítica do (re)envolvimento toda a práxis que se fundamenta na An-
humano: a busca da transcendência que tropolítica do (re)envolvimento humano,
nos leva, inexoravelmente, ao Outro. Ou conforme teorizado na ONGCSF. Além dis-
seja, ao contrário do pensamento solipsista so, para LÉVINAS, a separação do Mesmo
e de outros idealistas, para LÉVINAS a trans- só é produzida sob a forma de uma vida
cendência não é negatividade ou negação interior. O psiquismo, afirma, não reflete o

104
ser, mas é uma maneira de ser que resiste tino que é normalmente classificado como
à totalidade, uma vez que, a interioridade “pós-moderno”, Néstor Garcia CANCLINE:
instaura uma ordem diferente do tempo “na América Latina, onde as tradições ainda
histórico em que a totalidade se constitui. não se foram e a modernidade não termi-
A interioridade é justamente a recusa a nou de chegar, não estamos convictos de
transformar-se num puro passivo, que que modernizar-nos deva ser o principal
figura nunca contabilidade alheia. E é o objetivo, como apregoam políticos, econo-
psiquismo e não a matéria que traz um mistas e a publicidade de novas tecnolo-
princípio de individualização, daí a relação gias.” (1998, p. 17)
direta entre a ética e a metafísica em seu E apesar dessa posição defensiva con-
pensamento tipicamente hermesiano. tra a modernidade, CANCLINE reconhece a
Porém, o fato de LÉVINAS ser euro- presença de ranços pré-modernos como a
peu, mais precisamente um lituano que corrupção e o “caudilhismo” populista que
vivenciou a revolução comunista de 1917, necessitam ser superados na América La-
estabeleceu-se na França, em 1923, e foi tina, de forma geral. E será que daria para
preso pelos alemães, com a chegada dos superar essas questões sem ser pela mo-
nazistas ao poder, fez com que sua obra se dernidade?
tornasse duramente crítica com a moderni- Enfim, essa é uma questão difícil de
dade e toda sua gana prometeica. Porém, ser respondida e não é o objetivo desse es-
na América latina temos um questão im- tudo. O foco, nesse momento, é apresentar
portante, levantada pelo pensador argen- minimamente a proposta da Antropolítica

105
do (re)envolvimento humano, na perspecti- não respeita outras opções e pretende im-
va proposta pela ONGCSF, e que visa cons- por a sua, o que o caracterizaria essa práti-
truir uma relação de respeito e alteridade, ca social como fanatismo.
base para todo e qualquer programa edu- O otimismo crítico seria, para Pau-
cativo crítico e compreensivo voltado para lo FREIRE, o instrumento para se vencer o
a “libertação”, conforme proposto na “pe- sectarismo e se constrói através de uma
dagogia” de DUSSEL (1986), que se concre- educação dialogal e ativa, voltada para a
tiza nos níveis da erótica (casa), da peda- responsabilidade social e política. Ele se-
gógica (escola) e da política (social), mas ria uma maneira de renunciar, simultanea-
incluindo também a libertação da Terra da mente, ao otimismo ingênuo, ao idealismo
opressão humana e a libertação espiritual. utópico, ao pessimismo e à desesperança
Dentro dessa perspectiva, podemos (FREIRE, 1984). Ele implica no retorno à ma-
afirmar a necessidade da defesa de ideias triz verdadeira da democracia e favorece a
radicais, mas não sectárias, valorizando integração com a realidade nacional, que
um “otimismo crítico” diante da realidade passa a ser valorizada e que exige um má-
sociocultural em que nos encontramos. O ximo de razão e consciência, diálogo e par-
sectarismo, segundo FREIRE (1984), inde- ticipação.
pendentemente de ser direitista ou esquer- E no plano metafísico, é importante
dista apresenta uma matriz preponderante- salientar também algumas convergências e
mente emocional e acrítica. Ele é arrogante, divergências entre a proposta de “liberta-
antidialogal e anticomunicativa. O sectário ção” proposta por FIORI e a que está pre-

106
sente na Antropolítica do (re)envolvimento Otília Beatriz Fiori Arantes e Paulo Eduardo
conforme vem sendo colocada em prática Arantes, como sendo um «humanismo
nas atividades de anima-ação cultural da católico progressista», daí adotarmos
ONGCSF. essa nomenclatura para identificar seu
Em ambas as propostas, a transcen- pensamento.
dência é um fenômeno valorizado que se Na apresentação do livro, uma citação
alcança através do mergulho na vida, na dos organizadores ao apresentar a questão
imanência. E tanto o humanismo católico da ideologia, já evidencia que ele não foi
progressista de FIORI como a Antropolítica marxista:
do (re)envolvimento humano vão se fun-
damentar em autores como Martin BUBER, 
Teilhard de CHARDIN e o carismático e em- “por que muitos de nós, na re-
cente ‘guerra de legalidade’, che-
blemático educador brasileiro, Paulo FREI-
gamos atrasados em relação aos
RE, apresentado acima. marxistas, aos militantes, que
Com base em algumas passagens do imediatamente tomaram posi-
livro Educação e Política (textos escolhidos ção? qual foi a superioridade tá-
tica e técnica deles em relação à
volume 2), apesar de seu livro História e
nós, que também pretendíamos
Metafísica ser mais profundo a esse res- defender a legalidade, mas
peito, é possível ter acesso as bases de seu numa outra perspectiva, em
pensamento ou de sua cosmovisão que é nome de outros valores?» (FIO-
RI, 1991, p. 11).  
identificada pelos organizadores do livro,

107
Na página 142, essa frase aparecerá veria um princípio que permaneceria sem-
contextualizada na discussão sobre a  ideo- pre igual a si mesmo, como acontece, em
logia, na qual expõe um outro ponto de vista, tese, com os adeptos do hinduísmo, o  que
diferente do marxismo, definindo a ideologia não é o caso de FIORI, podemos compreen-
como ideia-força, como veremos adiante. der que sua cosmovisão sofre influência de
E no texto intitulado aspectos da refor- dois pensadores espiritualistas evolucionis-
ma universitária, que apresenta a transcrição tas:  Teilhard de CHARDIN e Henry BERG-
de uma palestra realizada em 1962, antes de SON.  A partir desse esclarecimento, fica
abordar seu conceito de cultura e de univer- mais fácil compreender os fundamentos do
sidade, Fiori vai expor com mais detalhe sua humanismo católico progressista de FIORI,
cosmovisão. É uma passagem curta, mas que que admite a presença de uma essência
deixa patente o seu referencial . Ele afirma que se “conquista” através da existência,
que não é “essencialista” e nem é “existen- através da criação da história e da cultu-
cialista”. Em suas palavras, afirma: “em se tra- ra. E, no campo político, deixa evidente na
tando de homem, não sou nem essencialista, transcrição de sua palestra, a sua opção por
pois não ponho, de maneira absoluta, a es- um socialismo democrático afirmando que
sência antes da existência, nem existencialis- “a socialização deve ser integração perso-
ta, ao modo de Sartre, por não admitir que a nalizante e não despersonalizante, não a
existência preceda a essência.” (Op. cit., p. 19) socialização que sufoca, abafa e faz morrer
Porém, mesmo admitindo que não é a personalidade na pessoa humana, mas,
essencialista, pois teria que aceitar que ha- ao contrário, que, pelo adensamento da

108
comunhão humana, propicia as verdadei- autêntico não é o que se aliena
ras condições de livre afirmação do espíri- num transcendente que desco-
nhece o mundo e a História, mas
to.” (Op. cit., p. 34)
o que, na história do mundo, faz
E a questão do Espírito é fundamental encarnação concreta dos gran-
em sua cosmovisão, tanto que a “libertação” des valores que luzem além das
que é um ideologema fundamental no pen- fronteiras de sua finitude. (Op.
cit., p. 34)
samento de FIORI acontece em 3 dimensões
que podem ser alienantes: a libertação eco-
nômica, a social e a religiosa. Essa concepção de transcendentalis-
Apesar de não fazer referências a LÉVI- mo que, como salientamos, se aproxima da
NAS, mas a um outro pensador judeu, Mar- realizada por LÉVINAS, para quem a trans-
tin BUBER, podemos encontrar semelhança cendência se processa quando nos abrimos
entre a noção de transcendentalismo pro- para o mundo, para o Outro, faz com que a
posta por ele e a de LÉVINAS, conforme ex- proposta educativa de FIORI seja eminen-
posta em Totalidade e Infinito. Ou seja, am- temente voltada para a “libertação” atra-
bos não negam a imanência. FIORI afirma: vés da práxis histórica, porém, não em uma
perspectiva marxista, uma vez que propõe
uma outra maneira de se pensar a consti-
O Transcendente, embora essen- tuição da consciência humana.
cialmente distinto do imanente
está presente na imanência das Retomando CHARDIN, ele tomara
coisas e da História.  E o religioso emprestado o conceito de Noosfera, ou

109
seja, a “superfície espiritual” que envolve a Como salientamos, a ideologia assu-
Biosfera e, de forma otimista, aponta que me na perspectiva de FIORI um papel im-
ela possui “amor na origem e na destina- portante e se distingue daquela discutida
ção da história” (Op. Cit., p. 104). Porém, o por MARX. Enquanto para este a ideologia
homem (encarnado) nunca chegará a rea- é uma forma alienada de existência e que
lizar-se plenamente afirma, pelo menos no deve ser superada, para FIORI trata-se de
que se refere à temporalidade, ou seja, à uma ideia-força que interfere no proces-
história.  Outra coisa é a realização espiri- so histórico para interpretá-lo e transfor-
tual, que na ótica cristã de FIORI, o levará má-lo. Em outras palavras, a interferên-
a pensar a política como práxis submissa cia na práxis histórica é feita através da
aos valores morais e espirituais. O contrário ideologia  (Op. cit., p. 166) e não, necessa-
disso seria o «politicismo» (Op. cit., p. 139). riamente, da filosofia. Esta seria a respon-
O fazer político proposto por FIORI sável por um mergulho interior no próprio
estaria para além das questões pensadas mistério do ser (Op. cit., p. 166) ou seja, da
por  MAQUIAVEL e por KANT, pois, a moral “energia criadora”,  daquilo que “dá consis-
do cristão seria o “bem” e não, necessaria- tência aos seres”,  do “espírito”.
mente, o “dever”. Este seria uma decorrên- E a partir dessa distinção entre a ideo-
cia do primeiro. E, assim, a integração do logia e a filosofia, podemos compreender
cristão na sociedade ou seu compromisso também sua noção de trabalho:  a “expres-
com a história é, também, um “compromis- são de uma consciência espiritual transfor-
so moral” (Op. cit., 142). madora do mundo” (Op. cit., p. 170).

110
Após essa apresentação sintética de tão a proposta da ONGCSF é essencialista
seu pensamento, apoiado pela leitura da e se distingue nesse ponto metafísico da
transcrição de suas aulas e palestras, va- proposta de FIORI. Essa questão, porém,
mos  apresentar 3 questões para com- não entra em conflito com a questão da
preendermos a relação ora complementar transcendência, da práxis e da libertação,
e ora concorrencial entre seu pensamento sobretudo, a religiosa (que a ONGCSF trata
e a cosmovisão presente na Antropolítica como espiritual), pois como salientamos,
do (re)envolvimento humano, adotada pela tanto em seu pensamento como nos pres-
ONGCSF. supostos da Antropolítica do (re)envolvi-
A primeira é em relação à essência. De mento humano a transcendência não se
um ponto de vista mais restrito que pensa alcança fugindo ou se isolando do mundo,
o essencialismo como a doutrina que de- mas, ao contrário, na vivência profunda do
fende que a essência permanece inaltera- mundo, na abertura ao Outro, na alterida-
da ou que não se transforma apesar dos de.
“acidentes” da existência, o pensamento de A segunda será em relação à noção
FIORI e a Antropolítica do (re)envolvimento de Noosfera. Como FIORI, a proposta da
humano não seriam essencialistas. Mas, de ONGCSF também a aceita como uma di-
um ponto de vista mais amplo, entendendo mensão espiritual e, como afirma, “amo-
por essencialismo a doutrina que defende rosa na origem e na destinação da histó-
que há uma essência que antecede a exis- ria”. Mas, entre a Noosfera e a Biosfera a
tência e que pode, inclusive, reencarnar, en- ONGCSF identifica, como já apresentado,

111
uma outra dimensão intermediária que é pensadas por Fiori (econômica, social e
chamada de Psicosfera, ou formada pelas  religiosa), a Antropolítica do (re)envolvi-
energias psíquicas como são as emoções e mento humano insere uma quarta: a liber-
os pensamentos. Na Psicosfera nascem as tação ambiental, ou seja, a necessidade de
criações científicas, religiosas, filosóficas, libertar a natureza e a Terra, de forma ge-
artísticas, entre outras, tendo como funda- ral, da opressão humana, de forma que os
mento uma base arquetípica “localizada” animais, as plantas e os elementos naturais
em uma dimensão «acima», que foi chama- deixem de serem pensados como recursos,
da de Noosfera, onde residiria o imaginá- e passem a ter seus direitos à vida garan-
rio, no sentido mais profundo, e que seria tidos.
a base das ideologias e das criações men- Apesar das diferenças expostas aci-
tais humanas que se materializam, através ma, nada impede um diálogo fratriarcal e
do trabalho e da práxis, na Biosfera.  E essa também uma união entre seus adeptos na
posição leva a uma diferente concepção busca por uma sociedade mais justa, parti-
de imaginário. Enquanto para FIORI este é cipativa e que vivencie, de fato, uma cultura
sinônimo de fantasioso (Op. cit., p. 110), a de paz.
ONGCSF vai partir, como já apresentado, A Antropolítica do (re)envolvimento
da perspectiva de Gilbert DURAND, próxi- começou a ser colocada em prática através
ma da proposta por JUNG. do trabalho do Programa Homospiritualis,
E por fim, a terceira questão que co- criado em 1999, para difundir, sobretudo,
locamos está na libertação. Além das três a cultura de paz e a valorização da diver-

112
sidade religiosa, no município de São Car- o perfil do homem religioso estudado por
los. O Programa nasceu, portanto, antes da ELIADE, predominante nas sociedades tra-
ONGCSF (que passou a mantê-lo a partir dicionais. Essa busca por espiritualização
de 2003) e foi inspirado no manifesto da que marca o cenário “pós” ou “trans” mo-
UNESCO que definiu o período de 2001 a derno parece exigir uma nova expressão de
2010 como sendo a década da Cultura de Ser no mundo, capaz de distinguir religião
Paz, enfatizando o quarto valor que propõe e espiritualidade, constituindo-se, na pers-
“ouvir para compreender”, no sentido de pectiva da ONGCSF, no Homo Spiritualis.
defender a liberdade de expressão e a di- Talvez não seja por acaso que Gilbert
versidade cultural, privilegiando sempre o DURAND (1997) identifica também três es-
diálogo sem ceder ao fanatismo, à difama- truturas de imaginário, que convivem si-
ção e à rejeição. multaneamente, mas com predomínio de
Lembremos que Mircea ELIADE (1996), uma sobre a outra, conforme o momento
um dos mais importantes historiadores das sociocultural (o “místico”, o “heroico” e o
religiões, identificou duas formas de ser no “dramático”). E podemos perceber também
mundo, o Homo religiosus e o Homo pro- a existência de três formas de relação com
fanus. Porém, na ótica da Antropolítica do o meio ambiente e com a comunidade, que
(re)envolvimento humano, há evidências vou chamar de envolvimento, (des)envolvi-
que no atual cenário “pós-moderno” ou mento e (re)envolvimento. De forma didá-
“trans-moderno” de uma busca por reno- tica, podemos apontar a existência de ho-
vação espiritual que não se coaduna com mologia entre todas essas relações:

113
Homo religiosus Homo profanus Homo spiritualis
Imaginário místico Imaginário heroico Imaginário dramático
envolvimento (des)envolvimento (re)envolvimento

O que realmente importa é com- essa ânsia por desenvolvimento, própria do


preender que o (re)envolvimento humano estilo de vida instituído pela modernidade,
não pressupõe o retorno puro e simples ao pode ser apontada como uma das causas
passado, a um estilo de vida arcaico ou a dos diversos problemas econômicos, so-
um modo de ser, pensar e agir não-mo- ciais, psicológicos, ambientais e culturais da
derno. A Antropolítica do (re)envolvimento atualidade e, antes que haja uma falência
humano parte do pressuposto que o mun- total do planeta e da vida como um todo, a
do moderno se insurgiu, necessariamente, Antropolitica do (re)envolvimento humano
contra o envolvimento predominante na busca ser uma forma de rever este sistema
relação sociedade/natureza, destruindo a desenvolvimentista, propondo processos
religiosidade própria das sociedades primi- educativos que valorizem um estilo de vida
tivas, quebrando os vínculos e instituindo mais natural, capaz de respeitar os ciclos da
o que ELIADE (1996) chamou de Homo pro- natureza e revitalizar os laços comunitários,
fanus. além de tratar o corpo com mais atenção e
Porém, esta fase da história humana respeito, seja através de alimentos saudáveis
teve também elementos positivos. Porém, e de partos humanizados, além de redesco-

114
brir, sem dogmatismo ou fanatismo, nossa não-modernas se identificavam, com mais
dimensão espiritual ou transcendental. frequência, com o imaginário místico; por
A Antropolítica do (re)envolvimento outro lado, as sociedades modernas, com
humano, dessa forma, deve ser pensada sua visão economicista, mecanicista e de-
como um paradigma e também como um senvolvimentista, tendem a difundir e a
movimento ético-político, ecológico, so- se organizar pautadas por um imaginário
ciocultural, educativo e espiritualista que heroico. Nesta relação, temos um “terceiro
tem como meta possibilitar um (re)envolvi- excluido” que sempre existiu, mas que co-
mento com a natureza, com a comunidade, meça a se manifestar neste momento his-
com o corpo físico e com a alma, rompen- tórico com mais expressão, através de um
do, assim, com o estilo de viver sem envol- imaginário que DURAND classificou como
vimento e mecanicista próprio da moderni- dramático, ou seja, capaz de religar e tran-
dade (MARQUES, 2003). sitar entre os dois polos anteriores.
E este (re)envolvimento traz ao cená- Ainda no plano paradigmático, e par-
rio da vida humanizada, como já salienta- tindo da concepção que existe uma distin-
mos, o Homo spiritualis, que não se confun- ção entre o “paradigma clássico” e o “ho-
de com o Homo religiosus de ELIADE, como lonômico”, com o primeiro instituindo as
já discutido em outros artigos (MARQUES, “hermenêuticas redutivas” e o segundo as
2004, 2008 e 2013). No âmbito das teorias “hermenêuticas instaurativas”, é possível
antropológicas do imaginário, podemos compreender como esta polarização está
inferir que as sociedades tradicionais ou presente nas organizações, sobretudo, as

115
educativas, levando-as a pautar sua prá- A Antropolítica do (re)envolvimento
xis através de um ou outro modelo, o que não humano, enquanto movimento ético-po-
significa afirmar que um seja errado e o ou- lítico, nos parece associado ao paradig-
tro seja certo. Há circunstâncias que podem ma “holonômico”, aceitando que a função
exigir um ou outro, mas não necessariamen- simbólica ou o imaginário é o elemento
te ambos. Concordando com PAULA CAR- estruturante de toda e qualquer  prá-
VALHO (1990), podemos identificar, do lado xis;  que a questão da diversidade cultural
do “paradigma clássico”, aquelas que se pau- e o acolhimento do pluralismo dos “ma-
tam pela razão técnica / paradigma clássico pas de realidade” ou das mentalidades não
/ racionalidade técnica / modelo entrópico pode ser menosprezada; e que a “pedago-
de organização / imaginário sistematizado gia da escuta”, que a partir de uma aborda-
/ enfoque macro-estrutural / paradigma da gem fenomenológica-comprensiva elabora
consciência coletiva / paradigma do indiví- a questão da alteridade, é seu método pri-
duo-Estado / cotidianidade banalizada e, do vilegiado de inter(in)venção social.
lado do “paradigma holonômico”, as que se Dentro dessa perspectiva “holonômi-
pautam pela razão aberta / paradigma holo- ca”, toda prática social é também uma prá-
nômico / razão cultural / modelo neg-entró- tica simbólica, refletindo, portanto, um ou
pico de organização / imaginário instituinte mais mitos diretores, tanto em sua dimen-
/ enfoque micro-estrutural / paradigma do são organizacional como educativa.
ator-agente / paradigma da pessoa-comuni- Ao se compreender que a função
dade / cotidianidade oximorônica. simbólica institui as dinâmicas educativas

116
e a práxis dos grupos sociais, ou seja, que projetos de anima-ação cultural, entre elas,
a ação dos grupos sociais é sempre me- a Gerontagogia Holonômica, iniciada em
diada por diversas práticas simbólicas que 2005. Também postulamos que é o ima-
garantem a inteligibilidade e o sentido do ginário dramático que está na essência da
“mundo”, as ações educativas e/ou culturais Antropolítica do (re)envolvimento humano.
sempre vão se nortear por uma ou outra ti- Em outras palavras, ao se valorizar as ima-
picalidade (paradigma) que, podem ser, em gens noturnas do tipo dramático (DURAND,
um caso, como reprodução / linguagem 1992), religando os dois polos arquetípicos
sistemática / razão técnica / burocratização anteriores, esta perspectiva imaginária é
da vida social / modelo entrópico de orga- que tende a valorizar a ação nos quatro ve-
nização / heterogestão etc. ou, em outro, tores do (re)envolvimento humano: o (re)
como transformação / linguagem do sím- envolvimento com a natureza, com a co-
bolo / razão cultural / pluralismo social e munidade, com o corpo e com a alma.
de valores / modelo neg-entrópico de or- A Animagogia, a proposta de educa-
ganização / autogestão etc. ção espiritual que visa integrar o ego ao Self
A Antropolítica do (re)envolvimento e despertar os atributos do Espírito, favore-
humano enquanto campo de atuação éti- cendo o desabrochar do Homo spiritualis,
co-político, busca se vincular ao segundo como já salientamos, é realizado através de
paradigma que se reflete na proposta só- diferentes projetos de anima-ação cultural
cio-educativa da ONGCSF chamada de Ani- pensados para se atingir o objetivo ani-
magogia, processada através de diferentes magógico que é vivenciar com habilidade

117
espiritual a vida humanizada. Quando esse realizada, e que se divide em quatro veto-
trabalho educativo é realizado com crian- res: o (re)envolvimento com a comunidade,
ças e jovens recebe, na ONGCSF, o nome com a natureza, com o corpo e com a alma.
de Pedagogia Holonômica. Caso seja rea- O quadro na próxima página apresenta de
lizado com jovens e adultos é identificado forma sintética o que foi exposto acima:
com Andragogia Holonômica e, por fim, se Abordaremos no capítulo seguinte a di-
praticado com adultos e idosos de Geron- mensão metafísica da Animagogia, o pro-
tagogia Holonômica. grama sócio-educativo da ONGCSF que
Em resumo, para melhor compreen- tem como meta auxiliar no processo de
são, o trabalho da ONGCSF parte da An- (re)envolvimento humano, despertando o
tropolítica do (re)envolvimento humano, Homo spiritualis de forma que o Ser huma-
a cosmovisão ou o paradigma que movi- nizado possa vivenciar a experiência encar-
menta o trabalho sócio-educativo por ela nada com habilidade espiritual.

118
119
Estrutura metafísica da animagogia influenciada pelo pensamento
do físico David Bohm. As quatro dimensões se integram
de forma holonômica, não sendo, portanto, isoladas e autônomas.

120
Capítulo 2 - A dimensão metafísica da
Animagogia e sua práxis através
da Gerantogogia Holonômica

A Animagogia enquanto um processo bilidade espiritual”. Esse pressuposto bási-


sócio-educativo para se realizar os objeti- co aceita, como hipótese, que a consciência
vos da Antropolítica do (re)envolvimento existe de forma independente da matéria,
humano, na ONGCSF, parte do pressuposto como também defende os teóricos da Psi-
de que “somos espíritos eternos vivencian- cologia Transpessoal, como Stanislav GROF
do uma experiência humana”, como afir- (1987, 1989 e 1994) e outros.
mou também Pierre Teilhard de CHARDIN, E esse pressuposto, que costuma ser
em seu famoso livro O fenômeno humano, chamado de “metafísico” ou de “não-cien-
e que não deixa de ser um dogma comum tífico”, está em pé de igualdade com a vi-
a várias doutrinas religiosas. E o objetivo da são dominante no meio acadêmico que
existência ou da humanização do Espírito, afirma ser a consciência fruto da vida or-
segundo a Animagogia, é conseguir viven- gânica que, por sua vez, surgiu da matéria
ciar essa experiência humanizada com “ha- (MONOD, 1970). Porém, “não-científico” é

121
considerar uma das duas hipóteses como processo se dá, sobretudo, quando se in-
científica e excluir a outra. Afirmar que a tegra o ego e o Self. E para não nos per-
consciência é um epifenômeno da matéria dermos neste jogo de expressões e neolo-
é apenas uma teoria, uma heurística, e não, gismos, é importante esclarecer, com mais
necessariamente, uma verdade científica, profundidade, o que é o ego na perspectiva
afirmou Carl Gustav JUNG no livro Psicolo- da Animagogia.
gia e religião oriental (s/d). Em suma, como O ego seria a consciência humanizada
bem alertou o criador da Psicologia Analí- da personalidade, que também pode ser
tica, as duas interpretações são “metafísi- chamada de mente e que vibra na dimen-
cas”, tanto a que afirma ser a consciência são chamada Psicosfera. O ego é o respon-
um epifenômeno da matéria (criação do sável pelas racionalizações humanas, pela
cérebro) ou a que afirma sua existência in- linguagem e demais atividades mentais
dependentemente da matéria, inclusive a ditas normais (percepções, representações
antecedendo. mentais, emoções), mas também pelos fe-
No caso da Animagogia, a consciência nômenos psíquicos como a clarividência
não é tratada como um produto das rea- e também a mediunidade. Adiante vamos
ções bioquímicas que ocorrem no cérebro, abordar um pouco mais sobre como é cria-
mas um atributo do Espírito e, no contexto do o ego, na perspectiva da Animagogia,
do (re)envolvimento humano, cujo objetivo demonstrando a importância da vida orgâ-
é ajudar a despertar os atributos do Espí- nica para que ele possa existir e diferencia
rito, valorizando-os na vida cotidiana, esse -lo do Self, que, em tese, traz em si o regis-

122
tro de todas as experiências humanizadas 09 - O agir de forma equânime (equa­
do Espírito, e da qual o ego deriva. -nimi­dade);
No momento, é importante com- 10 - O livre-arbítrio;
preender que, na ótica da Animagogia, o 11 - A criatividade;
ego representa uma “redução da consciên- 12 - A paz interior.
cia”, desligada dos atributos do Espírito
que, segundo a Animagogia, são inerentes Estes atributos, durante a humaniza-
ao Ser e que seriam os seguintes: ção e encarnação do Espírito, em tese, são
adormecidos, um processo necessário para
01 - A consciência de ser um espírito acontecer as “provações” espirituais. E o
passando por experiências huma- objetivo central dos projetos de anima-a-
nizadas; ção cultural com crianças, jovens, adultos
02 - A vontade de se autorrealizar es- ou idosos, realizados pela ONGCSF, como
piritualmente; é o caso do trabalho de Gerontagogia Ho-
03 - O amor universal; lonômica, é auxiliar aqueles que desejam
04 - A fé plena; viver com habilidade espiritual a vida hu-
05 - A felicidade incondicional; manizada, ou seja, integrando o ego ao Self
06 - O agir de forma desinteressada para que os atributos do Espírito se mani-
no palco da vida humanizada; festem plenamente para a pessoa ser capaz
07 - A humildade; de vivenciar sua vida cotidiana com habili-
08 - A paciência; dade espiritual.

123
Assim, as atividades de anima-ação Para a Animagogia, os atributos po-
cultural serão os instrumentos para favo- dem se encontrar apenas no campo do
recer o processo metanoico proposto pela conhecimento, mas não no da sabedoria.
Animagogia. Pensando no âmbito arqueti- Porém, não adiantaria saber quais seriam
pológico ou mitocrítico, identificamos Or- os atributos. O importante, no processo
feu como mito diretor da Animagogia, que animagógico, é vivenciá-los plenamente no
encantava animais ferozes e não lutava, cotidiano.
mas acompanhava os argonautas (heróis) Segundo a Animagogia, com a inte-
em suas batalhas. E o final trágico de Or- gração do ego ao Self, os atributos acima
feu e de sua amada Eurídice, mostra-nos vão, gradativamente, despertando e fazen-
os riscos das tentativas racionalizantes e as do parte da vida humanizada do Espírito.
artimanhas do ego para não alcançarmos Assim, viver estes atributos cotidianamente
estes objetivos. A proposta da Animagogia, é o que a Animagogia chama de viver com
portanto, é despertar os atributos que já se “habilidade espiritual” uma experiência hu-
encontram, em tese, dentro de cada Espí- manizada. E várias atividades ou vivências
rito humanizado. Porém, o apego ao ego podem ser utilizadas para se alcançar este
nos impediria de vivenciar estes atributos fim. As atividades que visam esse objetivo
no cotidiano. O ego, caso não seja integra- são utilizadas em projetos de anima-ação
do ao Self, mantém esses atributos apenas cultural. Ou seja, elas são meios e não a fi-
na esfera mental, como intenções racionais, nalidade da Animagogia.
mas não vivenciados. Podemos apreender que a Anima-

124
gogia não possui uma visão materialista forma descontinua e na forma de pequenos
do mundo, mas também não se confunde pacotes de energia chamados de quantum.
com o “misticismo quântico”, movimento No mundo que se processa na escala hu-
Nova Era que se expande rapidamente no mana, a física clássica ou newtoniana ain-
Brasil e em Portugal, legitimando-se como da tem seu valor e explica com precisão os
“científico”, por utilizar as teorias da Física fenômenos físicos que possuem leis, não
Quântica fora de seu contexto (os sistemas criadas pelo acaso, mas por uma finalida-
quânticos) para legitimar suas crenças eso- de providencial. E a Física Quântica, como
téricas, espiritualistas e místicas como a de apontou BACHELARD (1988) em “O novo
que basta pensar para mudar a realidade espírito científico”, foi fundamental para o
material, atraindo a prosperidade ou qual- surgimento do “materialismo racionalista”
quer outra coisa que se deseja, revalorizan- que substituiu o “materialismo realista ou
do o pensamento solipsista, ou afirmando empírico”.
que a matéria só passa a existir quando Para a Animagogia, com base nos co-
olhamos para ela e que cada um cria o seu nhecimentos atuais da ciência acadêmica,
próprio mundo. a matéria resulta da energia, mas o Espírito
A Animagogia reconhece o valor da Fí- não é energia, como parece defender o
sica Quântica enquanto uma disciplina aca- “misticismo quântico”. Dizer que o Espírito
dêmica fundamental para descrever a dinâ- é energia é considerá-lo também matéria, é
mica do átomo e que os sistemas quânticos quantificá-lo, desconsiderando o principio
são aqueles cuja irradiação acontecem de básico que orienta quase todos os movi-

125
mentos espiritualistas, ou seja, que o “me- energias primordiais ou divinas. Mas este
nor” é que deriva do “maior”. No caso, por processo tem uma finalidade providencial:
ser uma educação espiritualista, o maior ajudar o Espírito a adquirir experiência e sa-
aqui seria o Espírito e não a matéria. bedoria (que vai além do conhecimento). As-
O Espírito, para a Animagogia, como sim, o Espírito precisa desse contato com o
já salientado, possui vários atributos, entre mundo material, que deriva da energia quân-
eles, a consciência, a vontade, a capacidade tica que, por sua vez, deriva da espiritual.
de amar e de ser feliz. Assim, o Espírito, em Em outras palavras, a matéria inorgâ-
tese, irradia e manipula energia; mas esta não nica (os minerais, por exemplo) traz em seu
é inteligente. O Espírito sim. Em outras pala- interior (no núcleo de seus átomos) energias
vras, a energia noética e psíquica produzida e derivadas do chamado “vácuo quântico”,
irradiada pelo Espírito não é “quântica”, pois mas este ainda não seria a realidade últi-
o termo quântico se refere à forma de medir ma. O “vácuo quântico”, que autores como
a energia que forma a matéria, que quantifica Fritjof CAPRA identificam com o TAO, com
experimentalmente a “vida” que acontece no Brahman ou com a realidade última, deriva
núcleo e na órbita do átomo. A energia que do plano espiritual, segundo a Animagogia.
forma o átomo pode ser quantificada, mas O “vácuo quântico” talvez possa ser
a energia psíquica não, ou pelo menos não associado ao prâna das filosofias orien-
ainda. tais, como também costuma salientar Ken
Segundo a Animagogia, o ego, ape- WILBER em seus diferentes estudos sobre
sar de derivar da consciência, nos afasta das a consciência e as energias sutis, particular-

126
mente, no excelente texto denominado rumo as vicissitudes da experiência humanizada
a uma teoria completa de energias sutis3, cuja com habilidade espiritual, ou seja, colo-
tradução para o português existe na internet. cando em prática os atributos do Espírito,
Assim, a vida orgânica ou material adormecidos a cada nova encarnação.
não seria uma mera projeção mental, no A vida humanizada e encarnada do
estilo solipsista de pensar. Na Animagogia, Espírito eterno faria parte de um “jogo”. E
ela é importante para que o Espírito pos- vence a partida, na ótica da Animagogia,
sa experimentar um mundo de sensações, aquele que consegue “somar mais pontos”,
de emoções e de representações mentais no caso, despertar o máximo possível de
(ego) para que possa, através da intuição seus atributos espirituais diante das situa-
ou do despertar dos atributos do Espírito, ções ou “provações” que se apresentam em
reconectar-se ao plano espiritual ou à sua sua frente, na relação com a natureza, com
essência eterna, sendo capaz de vivenciar o Outro e consigo próprio.


3
No texto citado acima, e que pode ser acessado no seguinte endereço eletrônico: http://www.integralworld.net/pt/
subtleenergy-02-pt.html encontramos as seguintes passagens que demonstram como o pensamento de Ken WILBER
se assemelha com a proposta da Animagogia: “Vários fatos intrigantes sobre a realidade quântica como este levaram
uma longa lista de cientistas - de LeShan a Capra, a Zukav, a Wolf (e dezenas que não serão nomeados) - a comparar o
vácuo quântico com algo parecido com espírito, supermente, o Tao, Brahman, o Vazio do Budismo, e assim por diante.
O resultado, em minha opinião pessoal, foi calamitoso.”“... o potencial quântico não é, de fato, um domínio radicalmente
informe ou não-dual, não pode assemelhar-se a uma realidade espiritual genuína; pelo contrário, é simplesmente um
aspecto de um reino manifesto que tem qualidades e quantidades, e, portanto, não é o radicalmente Inqualificável.”
“Em outras palavras, o potencial quântico não é espírito e sim prana.”

127
A Animagogia não procura explicar ser mais forte que a matéria.
como o Espírito eterno vivenciaria os de- A Animagogia também não discute se
mais reinos orgânicos antes de se humani- o que acontece em nossas vidas é fruto do
zar, quando começaria, então, a agir através acaso, do livre-arbítrio do ser humanizado
do ego (razão/vida intelectual), podendo ou se é a ação de Deus. Essas especulações
alterar os padrões energéticos superficiais, seriam criações do ego para atrasar sua jor-
causando, inclusive, doenças em animais, nada e não ajuda a despertar os atributos
plantas e no próprio planeta. Para a Anima- do Espírito diante de qualquer vicissitude
gogia o ego está mais afastado das ener- ou “provação”. No caso de vivenciar uma
gias divinas, apesar de derivar delas, pois vicissitude negativa, não adianta ficar dis-
para cada “etapa evolutiva” é necessária cutindo o que gerou tal vicissitude, mas
uma espécie de redução de energias, como viver com habilidade espiritual aquela vi-
acontece com a energia elétrica que chega cissitude, seja perdoando, seja agindo com
aos nossos lares. E, iludido pelo ego, o ser equanimidade, sendo resiliente etc.
humanizado cria sistemas políticos, eco- O único ponto de contato entre a
nômicos, culturais, religiosos etc. que, na Animagogia e o “misticismo quântico” é o
maioria das vezes, o impede de viver com reconhecimento de que a destruição ou a
habilidade espiritual sua vida humanizada criação do mundo material é sempre “ilusó-
e, ao ser “derrotado” no “jogo da vida”, pre- ria”, uma vez que a energia proveniente do
cisará de uma nova partida, ou seja, de uma “vácuo quântico” não poderia ser destruída.
nova encarnação, para tentar novamente Para a Animagogia, apenas a forma ou o

128
“que se manifesta” é possível de ser trans- campo da política, do social, da relação com
formado. Assim, por exemplo, a poluição o meio ambiente, daí ela ser parte funda-
existe na forma, mas não existe na essência. mental de um processo mais amplo que é a
Enquanto humanizados, sentiremos o seu Antropolítica do (re)envolvimento humano.
efeito, mas, de volta ao plano espiritual, to- Em resumo, viver com habilidade
maríamos consciência que tudo não passou espiritual a vida humanizada é a propos-
de uma espécie de sonho, já que a poluição ta fundamental da Animagogia, o que só
não afetaria o Espírito, afirma a Animagogia. seria possível quando se valoriza uma es-
Como é a mesma energia que cria a piritualidade dinâmica na qual os atribu-
poluição e cria também um ambiente sau- tos do Espírito se sobressaem durante a
dável, este processo talvez explique um afo- experiência de vida, auxiliando no proces-
rismo taoista que afirma o seguinte: “por so metanoico capaz de superar as frustra-
mais coisas que fizermos no mundo, não so- ções e sofrimentos. Na Animagogia, toda e
mos capazes de alterar o mundo”. Porém, a qualquer mudança deve começar de den-
diferença fundamental entre a Animagogia tro para fora. Em suma, durante o proces-
e o misticismo quântico que afirma ser pos- so educativo, o participante é estimulado
sível mudar a matéria com a força do pen- a refletir sobre suas atitudes, compreender
samento, pois ela seria apenas uma proje- o que causa infelicidade e o faz sofrer. Em
ção mental, é que para a Animagogia existe seguida, se faz necessária a autoaceitação
uma finalidade providencial neste processo dos seus sentimentos e pensamentos para,
e as mudanças devem ser processadas no numa etapa posterior, assumir a responsa-

129
bilidade por seus atos e por suas escolhas, nos faz lembrar de Orfeu, que costumava
valorizando sua integridade física, mental, ser apresentado como filho de Calíope,
emocional e espiritual, além da responsa- uma das nove musas, com Apolo (em ou-
bilidade social e com o meio ambiente. tras narrativas, com o rei Eagro). Com sua
No âmbito simbó- sensibilidade artística fa-
lico e arquetípico, inter- zia com que os animais
pretamos que a relação ferozes o seguissem, as
envolvimento/(des)en- copas das árvores se in-
volvimento humano, de clinassem para ouvi-lo e
acordo com a perspec- os homens mais coléri-
tiva da Animagogia, nos cos sentiam-se penetra-
remete ao mito de Or- dos de ternura e bonda-
feu, como foi salientado. de (BRANDÂO, 1989).
O processo de (re)envol- Como Orfeu, é atra-
vimento humano, que vés de atividades cultu-
compreende uma forma rais que a Animagogia
diferente de vivenciar a procura sensibilizar e
natureza, a comunidade, despertar os atributos do
o corpo e, sobretudo, a Espírito, sobretudo, atra-
alma, de uma forma sen- Capa da 1ª Edição do vés de programas de ani-
sível e compreensível, Caderno de Animagogia ma-ação cultural realiza-

130
dos com crianças, jovens, adultos e idosos. vorecendo uma mudança de sensibilidade,
Mas o risco da Animagogia é cometer ou seja, o processo metanoico que JUNG
o mesmo erro de Orfeu, ser seduzido pelas chamou de individuação.
artimanhas do ego e ver sua “Eurídice” se es- Quanto à reencarnação, a Animago-
vair para sempre nas sombras. Apesar do ego gia pensa o Espírito como um ser criado
(razão) ser o instrumento que mais nos afas- sem experiência ou sabedoria de vida e
ta do divino, ele é também, paradoxalmente, precisa das encarnações no mundo ma-
o instrumento necessário para a reconexão, terial para vivenciar suas “provas e expia-
para o despertar dos atributos do Espírito, ções” escolhidas voluntariamente. Assim, a
pois é através dele que acontece o processo matéria surge, de fato, da energia dinâmica
de “ascensão” ou de (re)envolvimento com do universo, também chamada de “vácuo
nossa alma quando ele é integrado ao Self. quântico”, mas, para a Animagogia, esta
Para a Animagogia, como também afirma não é a “realidade última”, como afirma o
Krishna na Baghavad Gita, “o ego é um mau pensamento materialista e também adep-
patrão, mas um ótimo servidor.” tos do misticismo quântico.
Segundo a Animagogia, quanto mais Nesse contexto, a física quântica, ramo
despertamos os atributos do Espírito, mais importante da ciência contemporânea, expli-
aumenta nosso “padrão vibratório” e mais ca como do “vácuo quântico” se cria as dife-
energia do Espírito puro, de nossa essên- rentes formas materiais, mas não tem como
cia, “desce” até nós, seres humanizados, explicar como o Espírito cria e manipula sua
irrigando cada célula do corpo físico e fa- energia psíquica, por exemplo. Assim, uma

131
bomba atômica, algo possível de se fazer tratamento terapêutico que utilize a força
com os conhecimentos da física quântica, é da consciência e do sentimento amoroso é
capaz de acabar com o nosso corpo material, tratado como tratamento espiritual na Ani-
mas não afetaria em nada o mundo espiri- magogia e não como “tratamento quânti-
tual. Para a Animagogia, este pré-existe e so- co”. Este último termo seria adequado para
brevive ao mundo material, como também se explicar o funcionamento do átomo e até
afirmaram os supostos espíritos para KAR- mesmo para se construir bomba atômica,
DEC, através dos intercâmbios mediúnicos mas nunca para explicar práticas espirituais.
que originaram a doutrina espírita. Em suma, a Animagogia não se funda-
As energias irradiadas pelo Espírito, menta nem no neurocientismo e nem no mis-
sejam as psíquicas (pensamento e emo- ticismo quântico. O primeiro é um neologis-
ção) ou as noéticas (imaginação, intuição mo que criamos para identificar o movimento
etc.) não são quânticas segundo a Anima- filosófico que costuma afirmar que a neu-
gogia. O dinamismo quântico no interior de rociência comprova que a alma, a realidade
um átomo não afetaria a vida espiritual. Em espiritual ou qualquer coisa que transcenda
sua proposta educativa, a Animagogia reco- o mundo da matéria não existe, pensando fe-
nhece uma sequência natural e ascensional nômenos associados à espiritualidade como
(matéria - energia - espírito - Deus) e os fe- paz interior, sensação de plenitude, nirvana,
nômenos energéticos só podem percorrer entre outros, como sendo funções biológicas
um caminho, do maior para o menor. Não do cérebro, como sempre pensou e defen-
há como o menor afetar o maior, qualquer deu o empirismo. Por sua vez, o segundo é

132
133
o nome como o professor da USP, filósofo e três anos como animador cultural do Ser-
físico, Osvaldo PESSOA JR. se refere ao mo- viço Social do Comércio (SESC), em várias
vimento esotérico que afirma ser a matéria unidades do estado de São Paulo. Interes-
uma mera projeção mental e que bastaria sado em inserir propostas de cunho espi-
pensar para mudá-la, pensamento difundido ritualista na programação cultural (Yoga,
em filmes como “o segredo” e similares. Reiki etc.) e encontrando muita dificuldade,
No esquema anterior, retirado do blog pois se dizia que tais práticas não estavam
da ONGCSF, temos uma representação de de acordo com a política do SESC por não
como a Animagogia pensa a relação entre serem “científicas”, deparei-me, certo dia,
as dimensões. A Biosfera seria a “ordem ex- com uma reflexão instigante de Teixeira
plicita” que deriva da “ordem implícita”. As- COELHO (1989) em seu livro “O que é ação
sim o big bang não manifestaria a criação cultural?” Neste livro ele expõe sua opção
do Universo, mas o desdobramento de um pelo termo ação cultural e o porquê de
universo que já existia. abominar o termo animação cultural. Se-
E a Animagogia se processa através gundo afirma, este último remete à “alma
de projetos de anima-ação cultural, termo de outro mundo”.
que surgiu, pela primeira vez, em minha E foi justamente essa declaração
tese de doutoramento, defendida em 2003. irônica que me chamou a atenção e resolvi
Sobre este neologismo é interessante sa- inserir um hífen destacando o termo anima,
lientar que ele foi criado em um momen- criando, assim, o termo anima-ação cultu-
to singular da minha vida, após trabalhar ral, refletindo sobre o mesmo em minha

134
Tese de doutorado (MARQUES, 2003). E fável, do sensível. Em suma, valoriza o pre-
esse jogo de palavras nos remete também domínio da razão simbólica sobre a razão
ao objetivo da Animagogia, que deixa de instrumental; ou, em outras palavras, uma
ser o negócio (negar o ócio) para valorizar autogestão do tempo vivido sem se pren-
o sacerdócio (no caso, um ócio sagrado der a uma lógica de utilidade (MARQUES,
pautado pela valorização da espiritualida- 2003).
de no cotidiano). Essa perspectiva que po- Entre os percalços dessa jornada se
demos chamar de neg-entrópica de pensar encontra, como já salientado, uma tentati-
a ação cultural nasceu da minha necessi- va frustrada de inserir a anima-ação cultural
dade de propor um olhar mais “noturno” em organizações apolíneas que, frequente-
(DURAND, 1992) sobre a questão, abando- mente, não valorizam o indeterminado, o
nando o imaginário “diurno” e prometéico inconstante, o anômalo, o contemplativo
predominante no campo da ação cultural, etc. E projetos de anima-ação cultural po-
conforme analisamos na Tese de doutora- dem ser propostos para crianças, jovens,
do citada acima (MARQUES, 2003). adultos e idosos dentro ou fora do ambien-
A anima-ação cultural foi pensada te escolar, preferencialmente na educação
como uma forma de ação cultural que não não-formal ou na ação cultural (seja na Pe-
se pauta pela vontade de querer conhecer, dagogia Holonômica, na Andragogia Holo-
conquistar ou controlar. Suas atividades vi- nômica ou na Gerontagogia Holonômica),
sam apenas uma abertura à faticidade do rompendo com as abordagens funciona-
imponderável, do incompreensível, do ine- listas e intervencionistas e indo além de

135
suas “metáforas obsessivas”: ordem, ação, mas que, definitivamente, estão dentro de
desempenho, desenvolvimento, criticida- nós (JUNG, 1986). Dentro dos objetivos da
de, atividade e transformação para acolher Animagogia, as atividades que farão parte
também as imagens “crepusculares” que de um projeto de anima-ação cultural vi-
nos remetem para uma viagem interior e sam ajudar no despertar dos atributos do
sensível, religando a luz e a sombra, a vigília Espírito. Em outras palavras, podemos dizer
e o repouso, valorizando a contemplação e que uma mesma atividade, por exemplo,
a dimensão subjetiva da vivência temporal uma aula de hatha-yoga ou uma sessão de
(kairós), em suma, favorecendo o processo Reiki, pode ajudar a viver o cotidiano com
animagógico dentro da perspectiva de um mais habilidade espiritual ou fortalecer o
(re)envolvimento humano com nossa alma, ego, aumentando a vaidade ou o orgulho.
nosso corpo, nossa comunidade e com o No primeiro caso, há uma intenção anima-
meio ambiente. gógica; no segundo, não.
Podemos dizer que as atividades de Assim, as mesmas atividades podem
um projeto de anima-ação cultural estão fazer parte de um programa de anima-ação
relacionadas com a revalorização do femi- cultural ou não, dependendo sempre da
nino, do sombrio e do ctônico no univer- intenção. Nesta perspectiva, o importante
so da ação cultural. Esses elementos que a para que um trabalho educativo possa ser
imaginação “diurna” procura combater são chamado de Animagogia é verificar sempre
importantes para fazer brilhar dentro de a intenção e não a atividade em si. A princí-
nós a vida e a luz que não emana de nós, pio, qualquer atividade pode fazer parte de

136
um programa de anima-ação cultural, des- chamar os ensinamentos destes mestres de
de que estimule e valorize o despertar dos psicosofia e não de religião, filosofia ou de
atributos do Espírito, ajude no desabrochar psicologia, como fazem vários autores. Em
do Homo spiritualis. primeiro lugar porque estes ensinamentos
Ao buscar fundamentar a Anima- espirituais não são teóricos, mas são pra-
gogia, o pano de fundo para a prática da ticados tanto pelo que ensina como pelos
anima-ação cultural, a ONGCSF organizou seus discípulos. Assim, ao contrário da fi-
vários eventos através do Programa Ho- losofia ou da psicologia que são apenas
mospiritualis, a maioria relacionados com ramos do conhecimento, não se constituin-
as psicosofias de Buda, Krishna, Lao-Tsé, do, necessariamente, em uma sabedoria,
Jesus, entre outros mestres espirituais da entendemos com o neologismo psicosofia
humanidade. E como o orfismo, que sofre um ensinamento que tem valor por meio
influências dionisíacas, apolíneas e outras, de sua realização. Esse fato também nos
mas que, ao mesmo tempo, mantém uma aproxima, do ponto de vista mitocrítico, de
posição de distanciamento em relação às Orfeu, um “educador da humanidade”, e
doutrinas que o influencia, a Animagogia que, segundo BRANDÃO (1989), ensinava
também se constituiu em um movimento e vivenciava os mistérios órficos com seus
complexo, que mantém uma relação ora discípulos.
complementar e ora antagônica com as Em segundo lugar, a psicosofia não
psicosofias acima citadas. se confunde com a religião, que tem um
E é importante esclarecer o porquê de corpo doutrinário e um sistema de ritos es-

137
tabelecidos e nem com a religiosidade, um – são privilegiadas, por mais que
comportamento condicionado socialmen- se diga o contrário. O trabalho
te e realizado em horas pré-determinadas, com uma modalidade artística
sem que haja, necessariamente, qualquer em particular pode até não ser
transformação interior. Com exceções, po- do interesse de uma ação cultu-
demos dizer que a religiosidade é uma ati- ral específica. Mas, o que é vital à
vidade social e não um trabalho metanoico ação cultural é a operação com
de transformação espiritual ou interior. os princípios da prática em arte,
É preciso salientar que estamos fundados no pensamento diver-
compreendo o termo anima-ação cultural gente (identificado por Gaston
como uma forma específica de ação cul- Bachelard como o ‘princípio do
tural. E nesse sentido, partimos do sentido diagrama poético’, que consiste
proposto por TEIXEIRA COELHO: em aproveitar, para o processo,
tudo o que interessar, venha de
... [a ação cultural] Tem sua fon- onde vier, na hora em que for
te, seu campo e seus instrumen- necessário, sem o recurso a jus-
tos na produção simbólica de um tificativas claras e precisas) e no
grupo. E entre as formas do ima- pensamento organizado, e movi-
ginário que a constituem, as da do pela possibilidade, pelo vir-a-
arte – ao lado de praticas cultu- ser. É esse tipo de pensamento e
rais leigas, mítico-religiosas, etc. essa modalidade de prática, em

138
parte privilegiada também pela quanto um projeto de anima-ação cultu-
ciência mais criativa, que per- ral com adultos e idosos normalmente é
mite o ‘movimento’ de mentes e colocada em prática através de várias ativi-
corpos tão privilegiado pela ação dades, como as descritas no livro A arte de
cultural. É esse na verdade o tipo envelhecer com saúde integral e paz inte-
de pensamento que altera os es- rior: introdução à gerontagogia holonômica,
tados, transforma o estado em publicado em 2011, Porém, nesta pesquisa,
processo, questiona o que existe vamos nos concentrar em um curso realiza-
e o coloca em movimento na di- do entre os anos de 2007 e 2015, chamado
reção do não conhecido. A pro- de “o poder da mente”, oferecido na Uni-
posta, portanto, é usar o modo versidade Aberta da Terceira Idade (UATI),
operativo da arte – livre, liber- na cidade de São Carlos/SP, com duração
tário, questionador, que carrega de 15 horas.
em si o espirito da utopia – para Cerca de 300 idosos se inscreveram no
revitalizar laços comunitários curso durante o período acima e durante as
corroídos e interiores individuais rodas de conversa que abordavam a diver-
dilacerados por um cotidiano sidade religiosa muitos afirmaram (cerca de
fragmentante. (1989, p.33) 10 %) que eram médiuns atuantes em dife-
rentes grupos espiritualistas. Em função da
ambiência de “cultura de paz” que o curso
E a Gerontagogia Holonômica en- proporciona, vários participantes passaram

139
a se sentir encorajados para afirmar que diferentes doutrinas e filosofias, entre elas,
eram umbandistas ou que frequentavam o espiritismo, a teosofia e o budismo, que
terreiros de umbanda, fato muitas vezes não crê na sobrevivência de um Eu após a
negado em outros contextos sociais devido morte e que se constitui em uma filosofia
ao preconceito e ao estigma que essa reli- espiritualista não-teísta, o que não significa
gião medianímica brasileira ainda carrega. que seja ateia. Além do conceito metafísico
Com algumas mudanças de um ano de espírito, também se apresentava o con-
para o outro, o curso “o poder da mente”, ceito metafórico da palavra, como nos ca-
enquanto um trabalho no campo da Ge- sos em que aparece relacionada aos valo-
rontagogia Holonômica, era realizado atra- res, cultura e a mentalidade de um período
vés do seguinte plano de ensino: no pri- histórico quando se fala, por exemplo, em
meiro módulo, buscava-se discutir alguns “espírito da época”; em seu sentido psicoló-
dos vários usos para a palavra espírito, dei- gico, representando “o conjunto das facul-
xando os participantes apresentarem suas dades intelectuais” ou no político, quando
opiniões. Frequentemente, a palavra espí- se fala em “espírito da lei”. Após identificar
rito era utilizada pelos participantes como os diferentes usos para o termo espírito,
sinônimo de “ser incorpóreo”, “fantasma de discutiamos também como algumas inter-
um morto” ou “desencarnado”, o uso mais co- pretações religiosas e espiritualistas fazem
mum. a distinção entre espírito e alma, como, em
Após essa introdução, acontecia uma grego, pneuma/psyque e, em latim, spiritus/
aula expositiva sobre o uso do termo em anima, buscando compreender o que cada

140
termo representa, na- boa parte das filosofias
quela doutrina. e práticas espiritualistas
O segundo módulo denominadas “Nova Era”
do programa era o mais e também a concepção
extenso e também sus- metafísica da Animago-
citava muitas discussões gia, a educação espiri-
calorosas. O tema pro- tual transreligiosa e laica
posto era a relação ma- que orienta os trabalhos
téria/consciência. Como de anima-ação cultural
no módulo anterior, os na ONGCSF apresentada
participantes podem se no capítulo anterior.
posicionar, apresentan- Neste módulo
do suas concepções e, comparávamos a Ani-
em seguida, apresen- magogia com os ensi-
távamos a concepção namentos de Edgar MO-
cartesiana e a empirista, Capa do livro A Arte de Envelhecer RIN presentes no livro O
com Saúde Integral
que fundamentou boa par- método 4 – as ideias e tam-
te da ciência moderna, inclusive no século bém com as principais teses do movimento
XX, e as concepções denominadas não- identificado como “misticismo quântico”.
cartesianas ou pós-cartesianas, entre elas, Em linhas gerais, a Animagogia parte tam-
a do “misticismo quântico”, presente em bém do pressuposto que a vida na Terra só

141
foi possível após o Big Bang e que a sequên- livro supracitado, também associa a Noos-
cia do processo evolutivo é aquele descrito por fera, mas como um epifenômeno do cére-
Jacques MONOD (2006) no livro “O acaso e a bro, uma vez que ela, em sua proposta, está
necessidade”, tese praticamente aceita por imersa na Biosfera e se decompõe junto
toda a comunidade científica: vácuo quân- com a morte física.
tico – reino das subpartículas – átomos e A diferença entre as duas propostas
moléculas – reino inorgânico – vida orgâni- são expostas para os alunos, sem defender,
ca – consciência. Porém, a Animagogia tem necessariamente, a Animagogia como sen-
como axioma que o Bing Bang não mar- do a correta. Como para esta concepção,
cou, necessariamente, o início da criação é a Biosfera que está imersa na Psicosfera,
do Universo, mas a sua expansão ou seu que, por sua vez, esta imersa na Noosfera,
desdobramento. Esta também é a teoria do o cérebro é compreendido de uma forma
físico David BOHM que formula a hipóte- distinta: como um instrumento necessário
se de que antes do Big Bang já existia um para captar as vibrações mentais e espiri-
“universo de luz”. tuais provenientes daquelas outras dimen-
O pressuposto teórico da Anima- sões. Portanto, não seria o cérebro o cria-
gogia, que já abordamos, é que, além da dor dos pensamentos, mas o organismo
Biosfera, também existem a Psicosfera e necessário para a manifestação das cria-
a Noosfera, dimensões que se processam ções mentais no plano material. Ao contrá-
em uma velocidade superior a da luz, onde rio da proposta de MORIN, na perspectiva
vibra a consciência que, para MORIN, no da Animagogia a consciência permanece

142
existindo em outra dimensão, mesmo com tica, associando, por exemplo, o Tao dos
a morte física. taoistas, o Deus Brahman do hinduísmo ou
Porém, apesar dessa inversão para- a “realidade última” (a causa primária de
digmática, reconhecendo a antecedência todas as coisas) como sendo o “vácuo quân-
da consciência sobre a matéria, a Anima- tico”. Nessa perspectiva, o mundus imaginalis se
gogia não se confunde com o “misticismo confunde com a chamada “energia cósmica”
quântico”, que ressuscita a filosofia idealista que constituiria o mundo material. Na óti-
para a qual a realidade exterior não passa ca da Animagogia, semelhante à proposta
de uma projeção mental e que, através do pen- da Psicologia Transpessoal de WILBER, o
samento e da intenção, seria possível manipu- “vácuo quântico” seria, no máximo, o cam-
lar a matéria que forma o mundo exterior, po da criação do Prâna (hinduísmo) ou do
pensamento explicito em filmes populares Ki (taoismo). Como o Tao Te Ching (1988)
como “O segredo” e “quem somos nós?”. afirma, o Tao é incognoscível e Brahman,
A distinção da Animagogia com esta abor- em várias Upanishads (TINOCO, 1996), não
dagem solipsista também é realizada neste pode ser atingido pelo pensamento. Nes-
módulo. se sentido, para a Animagogia, não seria
Outra perspectiva que é estudada é possível associá-los ao campo quantizável
a proposta por Fritjof CAPRA (1983), que da física atômica.
se não pode ser vinculada ao “misticismo Compreendendo um continuum espí-
quântico” solipsista, também pretende re- rito/matéria, de forma homóloga ao fenô-
lacionar espiritualidade com Física Quân- meno físico do som e da luz, a Animago-

143
gia parte do pressuposto que a diminuição dos idosos que se inscreviam no curso. Em
da velocidade de ação no plano espiritual 2015, convidamos o professor da USP, Os-
é que vai originar a energia presente no valdo Pessoa Junior, filósofo e físico para
“vácuo quântico” e, consequentemente, a ministrar uma palestra sobre o tema “física
matéria. O processo inverso também ocor- quântica e misticismo” e cerca de 40 idosos
re, porém, enquanto a ciência acadêmica participaram da mesma.
e o “misticismo quântico” aceitam que da No terceiro módulo do curso, partin-
desagregação atômica da matéria surge do do pressuposto que existiria vida após
o vácuo quântico ou “realidade última”, a a morte ou seja, que o Espírito sobrevive à
Animagogia tem como pressuposto que a morte do corpo físico, abordávamos uma
energia vai se “desagregar” para voltar a reflexão sobre a possível evolução do Espí-
ser um elemento constituinte de um outro rito ou não. As filosofias e religiões como o
universo, onde se encontra a Psicosfera e a espiritismo e a umbanda se fundamentam
Noosfera, algo similar ao plano da “ordem na crença de que o Espírito é criado simples
implícita” proposto por David BOHM. Essa e ignorante e que, ao longo das encarna-
tese, de certa forma, é defendida no livro A ções, vai evoluindo até se tornar um Espírito
grande síntese, um livro psicografado escri- puro e perfeito. As abordagens orientalis-
to pelo médium italiano Pietro UBALDI. tas, porém, e de forma geral, distinguem o
Como salientamos, este módulo é o Espírito (Atman), considerado como um ser
mais complexo e o mais longo, mas que perfeito, e o ego, a “personalidade humana”.
costumava ter uma participação intensa Nesta concepção acredita-se que não have-

144
ria necessidade de evoluir, mas de despertar através da compaixão e da solidariedade,
a consciência espiritual, que já é pura e per- que se intensificam com a metanoia, ou
feita. Esse processo de despertar também é seja, com a mudança consciencial e de sen-
chamado de “processo de iluminação”. Ou timentos chamada de “processo de indivi-
seja, a “luz” interior é que se encontra apa- duação” ou “animagógico”.
gada e precisaria apenas ser “acesa”. No quarto e último módulo abordáva-
A Animagogia considera que os dois mos alguns eventos considerados anôma-
processos acontecem, tanto a “evolução” los, transpessoais ou parapsicológicos como
como a “iluminação”. Por ter sido criado a clarividência, a premonição, a experiência
sem experiência e sem sabedoria, é através de quase morte etc. Os alunos que participa-
da vida, seja encarnada ou não, que elas são ram do curso, em sua totalidade, já vivencia-
adquiridas, logo, há uma “evolução”. Por ram ou conhecem algum parente ou amigo
outro lado, os atributos do Espírito (amor, que vivencia tais fenômenos e sempre tem
paz interior, felicidade incondicional etc.) uma história para contar. Para as pessoas
sempre estiveram dentro dele, são partes que vivenciam tais fenômenos, raramente
constituintes do Ser, portanto, precisam ser eles são acontecimentos, mas sim parte da
despertados durante a vida cotidiana. rotina da vida cotidiana.
Porém, o que se procura ressaltar nes- É neste módulo que as discussões são
ta reflexão é que, independentemente de mais acaloradas e é possível ouvir histórias
uma ou outra concepção espiritualista, a como a de um idoso católico que era mui-
“evolução» ou a “iluminação» se processa to crítico e não aceitava outras religiões até

145
que um de seus filhos passa a atuar como 15 minutos acontecia.
médium em algum centro espírita da cida- Um fato curioso que se repetiu com fre-
de. Normalmente, o espiritismo e mesmo a quência, principalmente nos primeiros anos
umbanda passam a ser aceitos ou se que- em que o curso foi ofertado, era um deter-
bra o preconceito quando algum familiar minado participante dizer no início do curso
que sofria de “perturbações psíquicas” en- que era católico quando se perguntava a sua
contram apoio ou a cura nestas religiões. religião, mas, com o desenrolar do mesmo,
Esse processo cria uma faticidade eclética perder o medo e assumir sua religiosidade
na vida cotidiana, de forma que é possí- frente aos demais, dizendo que era umban-
vel encontrar idosos afirmando que vão às dista, por exemplo. Com isso, verificou-se um
missas católicas dominicais, mas não dei- fato muito positivo. Inicialmente, tal declara-
xam de ir receber um “passe” em um centro ção espantava, e era comum ouvir alguém
espírita. Outros, além disso, afirmavam fa- dizer: “você frequenta a Umbanda? Mas você
zer aulas de yoga em algum centro esoté- é uma pessoa tão boa!”
rico e não tinham nenhum tipo de conflito Estes alunos que, em um primeiro
por agirem assim. momento, despertavam a “curiosidade”
O curso “o poder da mente” foi reali- dos demais, passavam, em seguida, a ser
zado através de 15 encontros semanais com aceitos com mais naturalidade. Porém,
uma hora de duração. Além do conteúdo aci- muitos deles ainda acreditavam que são
ma, no final de cada encontro uma prática de vistos ou estigmatizados como alguém que
Meditação Integrativa, de aproximadamente possui algum “defeito moral contagioso”

146
e temem por seus filhos e netos. Ou seja, ser acessado através do seguinte link:
ainda manifestam o receio que sua religio-
sidade possa influenciar negativamente em http://youtu.be/6uxYvjn_Rck?list=PL2E5F-
seus descendentes. O principal medo é que 9C933250E80C.
estes sofram preconceito, bullyng ou outra
forma de estigmatização por serem de uma A Gerontagogia Holonômica tem
família de umbandistas, por exemplo. como meta ajudar a fomentar uma “cultu-
No caso dos alunos que diziam ser ra de paz” ou de tolerância e de respeito
médiuns, ou que tinham amigos médiuns com quem pensa de forma diferente. E, ao
para indicar, eu os convidei para participar longo dos anos, esse processo foi se tor-
de uma pesquisa denominada “História oral nando mais evidente. É fácil viver em paz
e transcendentalismo: imagens e imaginá- com quem tem os mesmos pensamentos e
rio do invisível” apresentada, entre outros crenças. Mas o desafio é, justamente, acei-
lugares, no III colóquio internacional sobre tar o Outro plenamente. Respeitar a opção
educação, utopia e imaginário, na UFF, na religiosa e construir a Alteridade na vida
cidade de Niterói, em 2009. Alguns depoi- cotidiana não é uma tarefa fácil. Há muitas
mentos podem ser acessados no youtube, como barreiras e desafios, mas o processo edu-
o da senhora Pompéia, que faz comentários cativo é gratificante quando se nota que
muito instrutivos sobre a sua clarividência, o aprendizado do respeito a quem tem
fato que ela afirma vivenciar desde a infân- crenças diferentes, acontece. A certeza que
cia. Os vídeos com o seu depoimento pode é possível existir uma abertura para a al-

147
teridade, para a aceitação incondicional pequenos glóbulos prateados no ar. É im-
do Outro, é motivadora. Gradativamente, portante que o participante consiga distin-
muitos idosos aprenderam que ninguém guir esses glóbulos de outros, mais escuros
precisa deixar suas crenças e nem precisa e que são próprios da retina. Isso é fácil,
concordar com as crenças alheias, mas é pois os de cor acinzentada se locomovem
de fundamental importância que aprenda com o movimento do olho, ao contrário
a respeitar, sobretudo, quem professa uma dos prateados que se parecem com peque-
religião não dominante e, inclusive, quem nos átomos vibrando.
não professa nenhuma. Enfim, quando o aluno conseguir ver
Após esta introdução à Gerontagogia os glóbulos de vitalidade, ainda com os
Holonômica nos quais a prática da Medi- olhos abertos, será convidado para fazer
tação Integrativa acontece, vamos, final- uma prece mentalmente, de acordo com
mente, abordar o trabalho vivencial. A pri- sua fé religiosa, e observar o resultado. Em
meira atividade é realizada com o objetivo seguida, conversamos sobre a percepção
de visualizar os “glóbulos de vitalidade” ou de cada um e fazemos um exercício de Chi
prâna e compreender o poder da prece e Kung, procurando sentir o magnetismo en-
sentir o magnetismo criado nas mãos. tre as mãos. Esse exercício é fundamental e
Os participantes são convidados para ensinado no primeiro encontro.
olhar relaxadamente para o céu, ao ar livre, Depois que o participante é capaz de
mas nunca diretamente para o sol. Depois ver os glóbulos pela primeira vez, será mais
de alguns segundos, ela começará a ver fácil fazer outras observações e exercícios.

148
Muitos relatam que pas- consiga se concentrar
saram a ver os glóbulos por alguns minutos e
em locais de peregrina- faça a experiência com
ção e de oração. E até Vontade, Pensamento
mesmo no escuro. elevado, Fé e Amor é
Nos encontros se- capaz de “energizar” a
guintes, eles são convi- água. A técnica consiste
dados para “fluidificar” em encher um copo
a água, irradiando os com água e, durante
glóbulos de vitalidade aproximadamente 10
com a força do pensa- minutos, envolvê-lo com
mento. Esta técnica é as mãos e imaginar a
muito simples de ser água se transformando
realizada. Quase todos no remédio que a pessoa
já tomaram “água flui­ precisa. Quem conhece
dificada”, “água benta” Pessoas observando o prâna em as essências florais de
curso no CPIC de João Pessoa/PB
ou qualquer outro nome Bach ou de outro sistema
que se queria dar. Algumas pessoas acre- pode imaginar a essência desejada sendo
ditam que apenas médiuns, padres, mon- colocada na água. O mesmo pode ser feito
ges ou pastores são capazes de energi- utilizando cores, por exemplo, se a pessoa
zar a água. Porém, qualquer pessoa que é nervosa ou tem insônia, pode imaginar a

149
irradiação de cor azul para a água. harmonizar e tratar o corpo físico; a rosa
Também utilizando a mentalização de para renovar as emoções e sentimentos e,
cores, há um exercício de Chi Kung, que não por fim, a laranja para ajudar na recupera-
deixa de ser uma espécie de meditação em ção de quem passa por momentos de con-
movimento. Ela também é feita somente valescença.
após o participante ter visto os glóbulos de Em outros encontros realizamos dife-
vitalidade e sentir o magnetismo nas mãos. rentes Meditações Integrativas. A partir de
Esse Chi Kung, em 2001, quando o criamos, 2015, dependendo do grupo, são utilizadas
era chamado de “mandala-reiki”. Ele é rea- as que estão presentes no CD Meditações
lizado através de movimentos corporais, da Integrativas, já abordadas no capítulo an-
respiração pausada e da mentalização de terior. Como salientado, elas visam a inte-
cores. O objetivo é que o participante faça gração do Self com o ego (a consciência
uma “limpeza energética” e sinta um flu- humanizada em estado de vigília) a partir
xo da energia percorrendo e vibrando em da criação de um estado de hipoatividade
seu organismo. Três cores são básicas: a li- psíquica no participante.
lás, no inicio do processo, a dourada para Todas as práticas acima induzem o
energizar e, por fim, a azul, encerrando o participante a uma lenta e progressiva des-
trabalho. Outras podem ser utilizadas an- sensibilização dos estímulos exteriores,
tes do encerramento, como a amarela para conduzindo-o a um estado sereno e pací-
amenizar o estresse mental e aumentar a fico, em alguns casos se atinge estados ex-
capacidade de concentração; a verde para táticos conhecidos como zazen e samadhi,

150
relatados pelas filosofias orientais. Quando participante, com frequência, consegue vi-
isto acontece, podemos dizer que a pessoa venciar uma abertura lenta e gradual para
atingiu o reino de Deus ou o nirvana, um estados de intro-versão e de intro–visão
estado de plenitude e paz interior profun- nos quais passa a narrar a visualização es-
da, em uma espécie de fusão com todo o pontânea de cores, a sensação de muito
Universo. calor nas mãos ou uma corrente de vibra-
Além de proporcionarem uma sensa- ção agradável dirigindo-se para os pés ou
ção de plenitude, as práticas de Chi Kung, as se espalhando por todo o corpo, ou então,
induções animagógicas das Meditações In- passam a bocejar, a lacrimejar ou a salivar,
tegrativas ou a imposição das mãos podem sintomas que, segundo médicos taoístas,
enfraquecer no participante quase todas as seriam típicos de “transmutação de energia
estruturas cognitivas que formam o ego e estagnada”.
que, para nós ocidentais, são “normais”. Após a prática, muitos narram que se
E tanto nas práticas de Chi Kung, sentem mais aberta e receptiva ao Outro, à
como na de Meditação Integrativa, a po- natureza, tornando-se pessoas mais coope-
tência simbólica da ecolinguagem cor- rativas e solidárias. De certa forma, é como
poral e as induções animagógicas, res- se alcançassem a Unidade Inefável por trás
pectivamente, favorecem a comunicação/ das aparências, ou seja, o Absoluto por trás
interação entre as energias da Biosfera, da do contingente, a Eternidade por trás do
Psicosfera, da Noosfera e da dimensão es- tempo. Em suma, o qualitum por trás do
piritual propriamente dita, de forma que o quantum, permitindo que “padrões estag-

151
nados de energia” em ber energia, deitada em
seu corpo físico (Biosfe- uma maca ou em colcho-
ra) e também no campo nete, enquanto o grupo
das emoções e dos pen- que enviará as vibrações
samentos (Psicosfera) forma um círculo em
fossem desbloqueados volta daquela.
e transformados. E jun- Nas tradições místi-
to com essa “limpeza”, cas acredita-se que o cen-
relatam a “expansão da tro de um círculo é o foco
consciência”, o que iden- de onde parte o movi-
tificamos com o proces- mento da unidade para a
so de individuação (me- multiplicidade, do interior
tanoia). para o exterior, do eterno
Uma das práticas para o temporal. Os pro-
coletivas e que permi- cessos de retorno ao cen-
te ao participante entrar Água energizada através de tro são movimentos de
técnicas de TVI
em contato com as “energias busca da unidade perdida.
inefáveis”, trazendo-lhe uma agradável sen- Por isso o seu centro é considerado em
sação de bem-estar e equilíbrio, tanto físico, várias culturas como o umbigo da Terra. O
mental, emocional e espiritual é realizada círculo, por sua vez, é o segundo símbolo
colocando no centro a pessoa que vai rece- fundamental, sendo considerado o centro

152
estendido. representa uma imagem
Como o centro, o arquetípica da totalidade
círculo também simboli- da psique, constituindo-
za a perfeição, a homo- se no símbolo do Self.
geneidade, a ausência de Para aprofundar-
distinção ou de divisão. mos e fecharmos essa
Por isso, o movimento primeira etapa, no ca-
circular é considerado pítulo seguinte apre-
perfeito, imutável, sem sentaremos o caminho
começo ou fim. O cír- recursivo entre o (re)
culo remete à simbólica envolvimento huma-
do tempo e também do no, apresentado ante-
céu. Especificamente, ao riormente, e a Medita-
mundo espiritual, invisí- ção Integrativa, visando
vel e transcendente. No compreender porque
centro do círculo todos Pessoas fazendo o chi kung, ela é uma das atividades
uma das técnicas da TVI
os raios coexistem numa utilizadas nos programas
única unidade. Essa representação é en- de anima-ação cultural que mais contribui
contrada, por exemplo, na simbologia do para se realizar os objetivos da antropolíti-
zodíaco e, na Psicologia Analítica, o círculo ca do (re)envolvimento humano.

153
Capítulo 3 - A meditação integrativa como
atividade de anima-ação cultural e
o (re)envolvimento humano

A Meditação Integrativa, como já sa- do (re)envolvimento humano e facilitar,


lientamos, é uma das principais atividades dentro da perspectiva da Animagogia, no
utilizadas nos mais diferentes projetos de despertar dos atributos do Espírito, facili-
anima-ação cultural promovidos pela e na tando o processo de individuação ou me-
ONGCSF, na cidade de São Carlos. E procu- tanoico para que a vida humanizada possa
ramos apresentar todo o arcabouço teórico ser vivenciada com habilidade espiritual.
e metodológico que fundamenta o traba- A Meditação Integrativa foi criada en-
lho sócio-educativo da ONGCSF para que tre os anos de 2001 e 2003, e é colocada
possamos, a partir de agora, abordar, espe- em prática nos dois programas mantidos
cificamente, a atividade denominada Medi- pela ONG Círculo de São Francisco, o Ho-
tação Integrativa, compreendendo-a como mospiritualis e o Essência. O primeiro reali-
uma técnica que, em projetos de anima-a- za atividades socioculturais e educativas e,
ção cultural, podem ajudar na valorização o segundo, um programa de saúde integral

154
através de práticas naturais, complementa- tal, a cidadania e a participação popular.
res, integrativas e populares. No primeiro Desde 2013 a Meditação Integrativa vem
caso, a Meditação Integrativa é considerada sendo também difundida em vários even-
uma atividade para projetos de anima-ação tos do Projeto MAPEPS, da UFSCar, sobre-
cultural. No segundo, é tratada como uma tudo, no chamado Espaço de Cuidado.
Prática Integrativa e Complementar (PIC) Enquanto uma atividade em projetos
que faz parte das técnicas que compõem de anima-ação cultural, pretende-se, com a
a Terapia Vibracional Integrativa (TVI), cria- Meditação Integrativa, facilitar o despertar
da e sistematizada na ONG Círculo de São do Homo spiritualis nos ambientes socio-
Francisco, e que já capacitou quase 5 mil culturais (des)envolvidos, chamados, por
pessoas, gratuitamente, em todo o territó- James HILLMAN (1993), também de (des)
rio nacional e em Portugal. almados. Estes ambientes são próprios das
Entre os projetos realizados pelo Pro- diferentes sociedades modernas pautadas
grama Homospiritualis nos quais a Medi- por um modelo eurocêntrico e machista
tação Integrativa sempre esteve presen- de civilização, supostamente universal, e
te, destacam-se “o nascimento da flor de que busca transformar o Outro no Mesmo,
ouro”, com atividades voltadas para ges- propondo um modelo único de percepção
tantes e bebês; “cultura de paz e mediuni- e vivência societal. Neles, predominam,
dade”, valorizando a diversidade religiosa e conforme apresentamos em nossa tese de
o mediunismo afro-brasileiro; e o “rede da doutorado, em 2003, a (des)personalização
esperança”, valorizando a questão ambien- e a (des)realização devido à correria (des)

155
confortável e insensata, sempre dirigida ao forma integral, despertando o Homo spiri-
futuro e que, de forma geral, é a responsá- tualis que transcende o mundo do quan-
vel em gerar em muitos cidadãos o (des) tum (matéria) para vivenciar plenamente o
gosto pela vida, pois esta se torna (des)pro- qualitum (psiquismo) e as demais energias
vida de cor, de temperatura, de sonoridade, superiores da vida. Daí a necessidade da
de sabor e de cheiro. Em suma, é o (des) “mudança exterior”, apontada por quase
envolvimento, enquanto um ideologema todos os autores que formam a estrutura
da modernidade, o maior responsável pelo teórica da Linha de Pesquisa Práticas So-
(des)encantamento do mundo. ciais e Processos Educativos, ser comple-
Obviamente que a Meditação Integra- mentada pela “mudança interior”, a essên-
tiva sozinha não vai transformar o mundo. cia dos trabalhos dos autores inseridos no
Mas ela não foi sistematizada para adap- chamado Círculo de Éranos, um dos mais
tar o seu praticante a esse mundo de (des) profícuos grupos de estudo sobre espiri-
respeito e que se encontra na iminência de tualidade que já existiu.
sofrer um (des)astre (MARQUES, 2003). Ao E, apesar de vivermos sob os domí-
contrário, ela preconiza o (re)envolvimento nios de uma “civilização da imagem” no
humano e, consequentemente, a organiza- aspecto técnico-social, presente na vida de
ção, a construção e a criação de um novo todos, do nascimento à morte (através da
meio sociocultural e educativo onde o cor- TV, do cinema e, atualmente, da internet);
po, a alma, a natureza e os laços comuni- de forma oximorônica, ou seja, paradoxal,
tários novamente sejam revalorizados de a cultura Ocidental, particularmente, na

156
modernidade, caracteriza-se por uma luta século seguinte com o empirismo factual
intensa para fundamentar e instituir filosó- de HUME e de NEWTON, quando, então, o
fica e ideologicamente uma sociedade ico- imaginário passou a ser associado ao delí-
noclasta baseada em uma única verdade, e rio, ao sonho e ao irracional. O iluminismo
supostamente universal. Esse movimento kantiano, no século XVIII, tratou de jogar
que tem início no raciocínio socrático e se no lixo toda “experiência mística”, “viagem
estende ao cientismo contemporâneo, foi imaginária” ou “devaneios metafísicos” ao
debatido por vários autores, entre eles, Gil- estudar a “loucura” em SWEDENBORG, o
bert DURAND (1999). “vidente de espíritos”.
Partindo das reflexões de Max WEBER, E, no século XIX, o positivismo e o
H. CORBIN e outros, DURAND encontra no historicismo, filosofias às quais as princi-
monoteísmo judaico-cristão e na lógica bi- pais correntes pedagógicas e educativas se
nária socrática (O falso e o verdadeiro) a encontram atreladas, desvalorizaram por
herança ancestral do Ocidente iconoclásti- completo o imaginário e, consequente-
co, no qual a imaginação é desvalorizada e mente, todo e qualquer pensamento sim-
associada ao erro e à falsidade. bólico ou baseado em metáforas, expul-
E a razão, transformada no único meio sando, assim, as divagações dos poetas, a
de acesso à “verdade”, levou à exclusão do sabedoria popular ou as visões dos místi-
imaginário dos processos intelectuais e do cos, sobretudo, do ambiente escolar.
“método científico” no século XVII com GA- É óbvio que todo esse processo não
LILEU e DESCARTES, aprofundando-se no foi construído sem resistência no Ocidente.

157
O platonismo, com sua crença em um supostamente científicas, tratando a Física
mundo ideal, o franciscanismo e toda sua Quântica de forma similar ao que aconte-
ornamentação figurativa e representações ceu com a Psicanálise, nas primeira década
teatrais dos «mistérios da fé» e, sobretudo, o do século XX, quando esta estava na moda
romantismo, demarcam alguns dos pontos e era associada a quiromancia e outras prá-
de resistência do imaginário aos ataques ticas esotéricas.
maciços do racionalismo iconoclasta A meditação também costuma ser va-
predominante, propondo, sempre que lorizada, sobretudo na mídia, por seu cará-
possível, um «reencantamento do mundo». ter terapêutico, ou seja, como uma possível
E no caso da meditação, uma prática técnica capaz de combater o estresse e a
espiritualista cuja essência é contemplativa ansiedade. Esta valorização costuma ser
e está fortemente associada às psicosofias associada à pesquisas realizadas no meio
orientais, sendo praticada, ao longo dos sé- acadêmico, sobretudo, no campo da neu-
culos, a partir de várias perspectivas e mé- rociência, estudando o efeito da meditação
todos com o objetivo de despertar o Self, sobre a estrutura neurológica do cérebro.
ou o “lado divino” de cada um, seu valor no Apesar de importantes, estas pesquisas
Ocidente é recente, e está associado, princi- normalmente não se atentam ao processo
palmente, ao movimento “Nova Era” e suas educativo ou animagógico (educação es-
diferentes vertentes, entre elas, o “misticis- piritual) que tais atividades propiciam. Em
mo quântico”, que revaloriza o pensamento muitos casos, tais pesquisas se referem à
solipsista e justifica suas práticas em bases espiritualidade como uma função biológi-

158
ca cerebral e é comum encontrar autores de valorização do numinoso ou da hierofa-
defendendo que não se deve praticar me- nia para ser reduzida a uma atividade men-
ditações que estejam relacionadas como tal que pode ser realizada em empresas,
religiões, sejam elas orientais ou ociden- escolas etc. visando, sobretudo, aumentar
tais. Esse ponto de vista foi muitas vezes a produtividade e a eficiência da equipe
exposto e defendido em 3 eventos acadê- profissional e a competitividade diante de
micos que participei em setembro de 2016, empresas concorrentes.
tanto no simpósio de práticas tradicionais Se não bastasse essa dessacralização
e contemplativas, na UNIFESP; na jornada iconoclasta da meditação no Ocidente, ain-
de Educação e Espiritualidade, organizada da encontramos, no campo religioso, ini-
na UFSCar, e também na semana da ciência ciativas cristãs de combate a ela e também
da religião, na UFJF, o que demonstra que a outras práticas espiritualistas advindas do
a perspectiva de uma espiritualidade não Oriente, reconhecendo nelas um “fator de-
-espiritualista, que nega a transcendência moníaco”, ou seja, “um poder sobre-huma-
e o valor da religião, cresce assustadora- no que se encontra num relacionamento
mente, e transformando a “espiritualidade” pervertido com Deus” e que tem “a aparên-
em uma espécie de remédio que médicos cia do bem, mas mesmo assim se apega fir-
e outros profissionais da saúde prescrevem memente ao mal” (FREYTAG, 1992) ou cujas
aos seus pacientes. consequências seriam o “egoísmo”, confor-
Neste caso, porém, a meditação é me afirma MAHARAJ, um ex-hinduísta con-
desvinculada de todo o caráter sagrado ou vertido ao cristianismo:

159
As religiões orientais ensinam, no hinduísmo o que realmente
como já foi dito, que somos di- conta é que a pessoa encontre o
vinos. Mas enfatizam também seu verdadeiro eu, o atmã, e isto
que a maioria das pessoas ainda significa Deus, nas profundezas
não se “conscientizou” disso, mas do próprio ser. (1992, p. 34-5)
necessita justamente descobrir o
mistério de seu ser divino. Para
isto devemos nos voltar para
dentro de nós e contemplar nos- Por sua vez Peter UNRUH (1992), vai
so eu. (...) Isto, porém, contribui analisar os tratamentos holísticos (terapias
para um crescente egoísmo em florais, acupuntura, homeopatia e, também,
nosso mundo. Esta é uma das
a meditação) como sendo os métodos ado-
razões pelas quais me dá o que
pensar o fato de tanta gente se tados pelos “falsos cristos e falsos profetas”,
voltar para o Oriente. Eu mes- ou seja, os que “farão grandes sinais e mila-
mo pude ver, em minha pátria, gres para enganar, se possível, os próprios
o que esta filosofia causou nos
eleitos”. E, particularmente, no que se refere
países orientais. (...) Há milênios
as pessoas de minha terra natal à meditação e outras técnicas de relaxamen-
tem praticado a meditação e a to, este pensador cristão afirma:
ioga. Tratam-se de práticas que
pertencem às doutrinas centrais
do hinduísmo. (...) Durante mi- Esta prática está sendo introduzi-
lhares de anos os hindus não se da nas escolas e até em fábricas.
preocuparam com questões so- Os participantes são conduzidos
ciais e com solidariedade, pois numa viagem de fantasias ou

160
visualização, onde estabelecem mais tolerante e aberto à alteridade. Porém,
contato com “grandes almas ou encontramos no livro Nova era: um desafio
personagens de ajuda” (demô-
para os cristãos um discurso heroico de en-
nios); ensina-se a eles que suas
células estão sendo revitalizadas frentamento, enfatizando a necessidade de
com a energia cósmica (energia se recuperar o cristianismo como a “via” ou
dos demônios), que eles são po- o “caminho”, contrapondo-se, dessa manei-
tencialmente divinos e perfeitos
ra, ao movimento “Nova Era”.
(doutrina da divindade do ho-
mem, defendida pela Nova Era)... É importante salientar que há uma
(...) A Bíblia nos ensina que deve- grande diferença entre a vivência do
mos ser sóbrios e vigilantes, ana- hinduísmo ou de outras psicosofias orientais
lisar tudo, provar os espíritos. No
autênticas, como o budismo e o taoismo, e
estado alfa esta possibilidade de
análise é eliminada, e a pessoa o movimento denominado “Nova Era”, obje-
assimila, sem resistência, a dou- to de crítica dos autores cristãos citados aci-
trina de espíritos enganadores. ma, e associado, frequentemente, à cultura
(1992, p. 87-8)
“pós-moderna” vivida nas grandes cidades.
Também Luciano ZAJDSZNAYDER (1992)
Essa pregação cristã contra o yoga, a em seu livro Travessia do pós-moderno: nos
meditação e outras práticas espiritualistas tempos do vale tudo, no item em que busca
orientais é mais enfática, no Brasil, no seio compreender a espiritualidade na “pós-mo-
do movimento evangélico. De forma ge- dernidade” afirma que ela encontrou o seu
ral, o catolicismo tende a ser, hoje em dia, momento final no pós-moderno. Enquanto

161
o moderno criticava a transcendência, ofe- o que estaria relacionado, sobretudo, com
recendo a ciência, a história e a tecnologia as diferentes formas de mercantilização do
ao invés da espiritualidade, o pós-moderno espiritual e do sagrado, movimentando o
se caracterizaria por uma “experiência não diversificado mercado “Nova era”, feito por
-espiritual inerte” e que se caracteriza “pela milhares de terapias psicossociais, amuletos,
oferta quase sempre comercial de serviços fórmulas mágicas etc.
e cursos” que ZAJDSZNAYDER identificará Mas é importante, porém, assinalar que
como “pseudo-espiritualidade” e como”anti as psicosofias orientais, apesar da diversida-
-espiritualidade”. O primeiro seria um movi- de de interpretações e vivências do sagrado,
mento voltado para a “aquisição de poder”. apontam para uma forma de aceitação ati-
Este, podemos afirmar, revaloriza o pensa- va da vida e de suas vicissitudes (que seriam
mento solipsista que afirma existir apenas a fruto do carma) diferentemente, portanto,
consciência, sendo, todo o mundo exterior, da ideologia capitalística presente na “Nova
uma simples ou mera projeção mental. As- Era”.
sim, dentro dessa perspectiva, o ser humano Assim, desvinculando-as do hinduísmo
poderia ter e ser o que quisesse, bastando, e de outras psicosofias do Oriente, ou seja,
para isso, apenas pensar ou desejar, uma vez dessacralizando-as, esse viés profano e se-
que todo o mundo exterior não passaria de cular, atestando evidências de benefícios fí-
um reflexo de si mesmo. sicos, emocionais e mentais para o pratican-
Por outro lado, o segundo movimento, te e para empresas ajuda, obviamente, na
o que ele chama de “anti-espiritualidade”, é popularização positiva das mesmas. Porém,

162
demonstram que a meditação e outras práti- do um diálogo com autores associados ao
cas espiritualistas do Oriente também foram famoso Círculo de Eranos, entre eles, C. G.
absorvidas pelo pensamento racionalista e JUNG, Mircea ELIADE e H. CORBIN.
iconoclástico da modernidade, desvalorizan- A dimensão psíquica (Psicosfera) é con-
do significativamente as atividades noéticas siderada na Animagogia como sendo aquela
e espirituais próprias da imaginação simbóli- que funciona à luz das percepções imediatas
ca e que possuem nas visualizações propos- e do encadeamento racional das ideias, mas,
tas nas práticas meditativas, uma dimensão também, incluindo o inconsciente pessoal
educativa importante. É nossa intenção, com freudiano, no qual se encontram os desejos
essa pesquisa, revalorizar o valor animagó- recalcados, e as experiências paranormais
gico das imagens simbólicas e o illud tem- (telepatia, mediunidade, clarividência etc.).
pus (tempo sagrado atemporal) no processo Trata-se do campo de ação do ego. Este
meditativo. possui, na perspectiva da animagogia, cinco
Como salientamos, estamos utilizando atributos: a capacidade de perceber as for-
a referência da Animagogia que faz uma dis- mas materiais em 3 dimensões, a criação das
tinção entre a dimensão psíquica, a noética e sensações provenientes do mundo exterior, a
a espiritual. Este procedimento metodológi- criação das emoções a partir das percepções
co é necessário para se compreender alguns e sensações, a criação de formações mentais
fenômenos que ocorrem na prática da Me- e, por fim, a memória. Porém, também asso-
ditação Integrativa. E vamos buscar orientar cia-se ao ego às percepções extrassensoriais,
essa discussão hermenêutica estabelecen- obtidas com uma leve redução das ondas

163
cerebrais, o que foi chamado de “captação e pela “sombra”. A Noosfera é o campo de
psíquica”. ação do Self.
Para além dessa dimensão, encontra- Apesar de não vinculá-la ao espiritual
remos o inconsciente ou o transconsciente propriamente dito, há a probabilidade da di-
que remete à boa saúde psíquica, estuda- mensão noética ser um nível, de fato, trans-
da por JUNG e denominada “inconsciente cendental. Mas o que vamos compreender
coletivo”. Este possui uma função criativa e realmente como espiritual seria uma dimen-
salutar, não se constituindo em um “local” são “superior” a ela, sem imagens ou pensa-
onde se sublima um recalcamento neurótico. mentos: o reino do “amor universal” e da “fe-
Nesse sentido, as imagens que são produzi- licidade incondicional”. Ou seja, o “reino de
das nele ganham um novo status: não são Deus” para os cristãos ou o “nirvana” dos bu-
os sintomas que remetem a um traumatis- distas, também chamado de “samadhi” pelos
mo afetivo, mas, ao contrário, são agentes hinduístas. Nesta dimensão, não há imagens,
terapêuticos quando essas imagens emer- pensamentos ou emoções, apenas a vivência
gem para o consciente (ego). Dentro dessa pura de um sentimento de gratidão, de bem
perspectiva, a Animagogia denomina esse -aventurança e de pertencimento ao divino,
campo do inconsciente coletivo como sendo narram quem atingiu este estado de alma
a dimensão noética (Noosfera), distinguindo através de alguma técnica espiritualista.
-a, portanto, da dimensão psíquica, formada No que se refere às imagens noéticas,
pelo consciente e pelo inconsciente pessoal, os frutos do inconsciente coletivo e que não
ou, em linguagem junguiana, pela “persona” se relacionam com sintomas de traumas afe-

164
tivos (o inconsciente freudiano), elas podem atingir um “universo espiritual”, ou uma rea-
emergir para a consciência de várias manei- lidade divina. O fruto dessa imaginatio vera
ras, inclusive, através da meditação, e podem foi chamado de “narrativas visionárias” por
ser encontradas na história humana, desde o Emmanuel KANT em seu estudo das visões
alvorecer do Homo religiosus. E, entre os que espirituais do místico protestante Emmanuel
se dedicaram ao estudo dessas manifesta- Swedenborg, mas com um sentido negativo
ções hierofânicas, destacam-se, entre outros, ou pejorativo.
Mircea ELIADE e Henry CORBIN. Em nossa hipótese, baseada em evi-
O primeiro, ao estudar o illud tempus, dências obtidas em 12 anos da prática da
ou seja, o tempo sagrado atemporal que Meditação Integrativa com diferentes gru-
substitui o tempo profano cronológico, nos pos, especificamente com idosos médiuns,
permite compreender melhor um fato recor- em programas educativos como a Geron-
rente na prática meditativa e percebida por tagogia Holonômica, conseguir acessar o
várias pessoas: a sensação de que o tempo imaginal favorece, internamente, o equilíbrio
não passou. Muitos meditadores relatam psíquico e, externamente, o desabrochar de
uma sensação de plenitude, como se o tem- uma “cultura de paz”, pois a pessoa se torna
po cronológico não existisse. A sensação, se- mais tolerante e compreensível com o Outro,
gundo afirmam, é a de um eterno presente. ou seja, com o que pensa e age de forma di-
Por sua vez, CORBIN nos coloca dian- ferente, e também consigo mesmo, aceitan-
te do “imaginal”, a nobreza da imaginação do e compreendendo os próprios defeitos e
criadora que permite a algumas pessoas a finitude humana.

165
A “cultura de paz”, portanto, é distinta justamente, a possibilidade de experimentar
da “cultura da guerra” que, em qualquer es- “consciencialmente” um outro espaço e um
cala, não deixa de ser uma “cruzada heroica” outro tempo. Este fenômeno, muitas vezes,
e obsessiva, consciente ou inconscientemen- permite escapar de um processo de enan-
te, para construir uma identidade exclusivista tiodromia, no sentido junguiano, e, ao invés
cujo objetivo é desvalorizar, quando não eli- de um conflito psíquico, atormentado pela
minar (exterminar) o diferente, não aceitan- sombra que se tenta negar ou combater,
do a existência de um mundo plural, como vivencia-se, de forma alógica, um processo
encontramos no racionalismo cientificista de gulliverização do ego (e junto com ele de
Ocidental e na lógica religiosa de alguns suas verdades e problemas). É este “meca-
grupos cristãos. A “cultura da guerra” é fruto nismo psíquico” que facilita um processo de
de um imaginário heroico polarizado. abertura para o Outro, ou seja, de valoriza-
A meditação, qualquer que seja sua ção da alteridade e da diferença. Em suma,
linha de trabalho, mas, particularmente, a a Meditação Integrativa pode permitir a vi-
Meditação Integrativa, tem como objetivo vência da unidade na diversidade ou de ser
valorizar as imagens noturnas, sobretudo, total em um universo que se caracteriza pela
as dramáticas, ou seja, religando os dois po- fragmentação.
los (heroico e místico) com a intenção de Rompendo ou transcendendo a lógica
favorecer a “cultura de paz” e de “não-vio- clássica e a identidade exclusivista, desvane-
lência”. E um dos processos educativos que ce a desconfiança ou qualquer hostilidade
permitem essa mudança de sensibilidade é, violenta contra quem pensa de forma dife-

166
rente. Daí o valor das diferentes práticas de mas a necessidade de satisfazer um outro
meditação como instrumento para a “cultura desejo. É para se escapar desse sofrimento
de paz”, e, no caso da Meditação Integrativa, constante que o caminho (Tao) é apresenta-
cujas induções possuem um caráter anima- do como a atuação de acordo com a vonta-
gógico, valorizar a conivência dos contrários, de do Tao e não a nossa.
do paradoxal, e facilitar o perdão, que, se- O único desejo que restaria é o de coo-
gundo Gandhi, seria a “arma dos fortes”. perar com esta “vontade” maior. E isso se faz
A flexibilidade mental e o relaciona- quando se reconhece que o mundo é guia-
mento com os elementos contraditórios faz do pelo Tao e que, cada criança, jovem, adul-
com que a prática da Meditação Integrativa to ou velho segue para frente sob o impulso
valorize o chamado pensamento “dilemáti- dessa “vontade”. Para LAO-TSÉ, o discípulo
co”, “oximorônico” ou “anfibológico”, ou seja, que reconhece esse princípio procura ape-
que compartilham com o seu oposto uma nas viver no e para a realização do plano do
qualidade comum. Em outras palavras, as in- Tao sem hesitação e em paz, “sendo a mu-
duções que guiam as Meditações Integrati- dança que deseja ver no mundo”, nas pala-
vas valorizam o que LAO-TSÉ, no livro Tao Te vras, por exemplo, de Gandhi.
Ching, identifica como sendo o não-desejo, Como salientamos, as diferentes Medi-
uma das quatro virtudes apresentadas neste tações Integrativas são parte integrante da
clássico do taoísmo. Para LAO-TSÉ, é o “ego” TVI. Além delas, temos as práticas bioener-
que deseja e vive atormentado. E quando se géticas de imposição das mãos e as de Chi
obtém o fruto do desejo, não há satisfação, Kung. As Meditações Integrativas utilizam

167
induções animagógicas e técnicas de relaxa- ter conflitos. Alguns afirmam que passaram
mento e também o uso de visualizações de a dar mais atenção às questões espirituais e,
cores, de imagens curativas etc. Desde 2003, através dos relaxamentos, das induções ani-
vem sendo realizada, com resultados em- magógicas e das imagens hipnagógicas te-
píricos positivos, em diferentes grupos so- rapêuticas, afirmam que alguma enfermida-
ciais: portadores de necessidades especiais, de física foi curada, como dores, tensões, e
soropositivos, pessoas que se tratam com até glaucoma uma senhora relatou ter cura-
quimioterapia, professores, jovens que estão do com a prática da Meditação Integrativa.
superando a crise de abstinência causada Porém, é mais comum a afirmação de que
pelo vício das drogas, policiais e profissionais uma dor emocional ou pensamentos obses-
da saúde estressados, educadores vitimados sivos foram dissolvidos com a prática, além
pela síndrome de burnout e, também com do conforto espiritual que a prática propicia.
o nosso sujeito de pesquisa, idosos que são As Meditações Integrativas podem ser
médiuns. facilmente reproduzida por profissionais da
Independentemente do grupo que área da saúde, da educação popular e de
participa dessa atividade em projetos de ani- outros setores, como animadores culturais e
ma-ação cultural, todos são unanimes em líderes comunitários, ainda mais após a edi-
afirmar que se sentem mais harmonizados ção do CD Meditações Integrativas, em 2015.
e se aceitam melhor, sentindo-se também Com profissionais da saúde e da edu-
mais próximos de seus familiares ou mesmo cação, muitos afirmam que ao praticar as
de colegas de trabalho com quem costumam Meditações Integrativas sentem que diminui

168
o estresse, a ansiedade e também os sin- Gradativamente, ela é convidada para imagi-
tomas da síndrome de burnout, que afasta nar a luz se espalhando e envolvendo todo
muitos do emprego. o seu corpo, da cabeça aos pés. Em seguida,
Há também aqueles que afirmam ter o participante é estimulado a relaxar todo o
mais controle da mente e mais criatividade seu corpo, imaginando, primeiramente, a luz
na hora de resolver problemas ou que se nos pés. Comandos para que sinta os pés fi-
sentem mais otimistas e alegres diante da cando relaxados, sem tensões e sem dores
vida. são dados, lentamente e com a voz pausada
E, no caso dos idosos médiuns, mais e calma. Em seguida, o mesmo comando é
sensíveis às energias espirituais, afirmam dado para as pernas (incluindo os joelhos),
que a prática favorece o controle emocional órgãos internos (como estômago, fígado,
e aumenta o poder da intuição, assim como intestino...), coração, pulmões, coluna, mus-
a criatividade e capacidade para enfrentar as culatura das costas, ombros, pescoço, braços
crises e as vicissitudes existenciais. e cabeça. Comandos para relaxar o cérebro
Todas as meditações começam com e as ondas mentais também costumam ser
um relaxamento induzido e a pessoa pode dados. A mentalização/imaginação da cor
fazer deitada em um colchonete ou sentada. azul é extremamente relaxante e anestési-
Não é aconselhado fazer a prática em pé. O ca. O único risco é o a pessoa dormir e não
participante é convidado para fazer uma lon- acompanhar o resto da indução. Porém, te-
ga respiração e imaginar uma luz azul clara e mos notado que o inconsciente acompanha
brilhante se formando no topo da sua cabeça. a indução e a prática funciona mesmo com

169
as pessoas que dormem. te deverá passear por todos os cômodos de
O relaxamento é acompanhado, em sua casa, permitindo que este “ser de Luz”
seguida, de uma Meditação Integrativa. Ou limpe toda a energia negativa presente no
seja, o relaxamento é uma atividade prope- ambiente. Alguns lugares, como embaixo de
dêutica para as meditações que duram, em escadas, quartos onde dormem pessoas que
média, 15 minutos. consomem drogas e até mesmo banheiros
No CD Meditações Integrativas, a mais costumam ser descritos como locais onde
popular é a destinada para se fazer uma “lim- encontram “dificuldades para entrar”. Mas é
peza energética” no ambiente doméstico e preciso insistir até conseguir. Uma variação
de trabalho, utilizando a mentalização de da técnica, que costuma ser muito interes-
cores. De forma geral, após o relaxamento, sante, é o grupo, quando reúne pessoas co-
a pessoa será induzida a imaginar energias nhecidas, ir à casa de apenas um dos parti-
coloridas, incluindo a cor lilás, sempre em cipantes. A vibração é muito mais intensa e
tonalidades claras e brilhantes, saindo das ganha em qualidade.
mãos de Jesus, Maria (ou de outros “seres Outra meditação muito popular é a
de Luz” que o grupo venera e respeita). Em que trata mágoas, luto e ressentimentos. Esta
seguida, a pessoa será induzida a se dirigir meditação se encontra também no CD. Tra-
mentalmente até a residência ou ao ambien- ta-se da faixa 4, do CD 1. Ela trabalha através
te de trabalho, sempre na companhia desse da mentalização da cor rosa, cuja simbologia
“ser de Luz” e fazer as limpezas energéticas é associado ao amor universal. Após envol-
necessárias. Mentalmente, cada participan- ver todo o corpo, cada célula e, sobretudo,

170
o coração, o participante A técnica consiste em
é induzido a usar men- utilizar a visualização
talmente essa vibração criativa dos quatro ele-
para limpar toda energia mentos - terra (monta-
negativa acumulada nela nha), água (cachoeira ou
devido, sobretudo, aos chuva), ar (vento) e fogo
sentimentos de mágoa. (chama de uma vela),
A indução consiste em para a realização de um
imaginar entre as mãos exercício bioenergético
pessoas que fizeram ou que atua, respectivamen-
falaram algo que a ofen- te, no corpo físico, sobre
deu e, do fundo do cora- as emoções, na mente e
ção, deverá perdoar a(s) no Espírito. Através da vi-
pessoa(s). Deverá fazer o sualização e das induções
mesmo com aqueles que animagógicas, o partici-
ela acredita que ofendeu Capa do CD meditações integrativas pante costuma sentir re-
e, em seguida, deve se sultados benéficos em si e
perdoar, aceitando-se como é. na interação com o grupo. Esta meditação
Com grupos humanos que manifes- não deixa de ser um “exercício xamânico”
tam interesse pela natureza, uma variação sem o uso de elementos psicoativos. Apenas
é a chamada Meditação dos 4 elementos. o poder da imaginação criativa é usado para

171
se atingir estados ampliados de consciência purificando também as energias emocionais
e a transmutação energética capaz de reali- negativas. Toda vibração negativa é trans-
zar inúmeras curas psicossomáticas. mutada por essa água benfazeja. A terceira
Essa meditação costumo utilizar nas etapa consiste em sentir o ar agradável de
vivências e cursos onde abordo o poder uma brisa, soprando sobre o corpo. Esse ar
curativo das imagens hipnagógicas, onde há desmancha todas as formas-pensamento
pessoas de várias religiões e também ateus, negativas e “sujeiras” mentais acumuladas
pois só utiliza a mentalização de elementos no cotidiano. Por fim, a pessoa imaginará
da natureza. O trabalho começa com a pes- dentro de si, na altura do coração uma cha-
soa se imaginando em uma paisagem sere- ma simbolizando a sua essência. Esta cha-
na subindo uma montanha. Ela procura sen- ma se expande infinitamente irradiando luz
tir a relva e o aroma do lugar. E, no topo da para todos os lados, permitindo uma agra-
montanha, ela deve ser induzida a sentir a dável sensação de paz e felicidade indelével,
energia da Terra entrando pelas plantas dos e um amor indizível por toda a criação. Um
pés e envolvendo todo o seu ser, renovando exemplo de como conduzir essa meditação
suas energias e a fortalecendo fisicamente. se encontra no CD 1, na sua faixa três. Este
Em seguida, imaginará um banho de ca- CD apresenta outras induções, valorizando
choeira ou uma chuva suave caindo sobre a o poder intuitivo do praticante e até para
sua cabeça. E a água que desce do céu pura quem deseja fazer, com segurança, “vibra-
e cristalina entra por todos os seus poros e ções para o planeta”.
envolve todas as células de seu corpo físico e É importante salientar que a Meditação

172
Integrativa se distingue de outras, sobretudo filósofo ateísta norte-americano Sam HARRIS
da mindfullness, que vem ganhando o mun- (2015). Tudo que se refere à espiritualidade,
do empresarial e universitário. Esta, apesar como o sentimento de paz interior, plenitude
de ter sido inspirada na meditação vipassana, ou nirvana, por exemplo, é explicado como
que é budista, é difundida como uma me- sendo apenas uma função biológica do cé-
ditação não-religiosa e sem vínculos com a rebro.
metafísica budista (reencarnação, carma etc.). A Meditação Integrativa, como já sa-
Ela visa a “atenção plena” e ajudar a pessoa lientamos, é uma técnica de meditação guia-
a vencer o estresse e alcançar seus objetivos da, realizada com induções espiritualistas,
na vida material. Na perspectiva budista, que e é também bioenergética, favorecendo a
é vencer o sofrimento e atingir um estado de troca e o envio de energia pelos participan-
paz interior permanente ou de equanimida- tes. E isso porque, ao invés de acreditar que
de, a meditação vipassana ajudaria o discípu- libertando-se do ego encontra-se o “vazio”,
lo a disciplinar sua mente, vencendo o apego na ótica da Animagogia que fundamenta a
ou a aversão às vicissitudes da vida humana. prática da Meditação Integrativa, quando o
Muitos adeptos da meditação mind- ego se integra ao Self, desperta-se os atri-
fullness são divulgadores do que chamamos butos do Espírito e sua energia curativa se
de neurocientismo, ou seja, da filosofia que espalha pelas demais dimensões (Noosfera,
afirma não existir Deus, alma, realidade Psicosfera e Biosfera) proporcionando uma
espiritual ou qualquer coisa que transcenda renovação energética que pode ser utilizada
o mundo material. Entre eles se encontra o para ajudar quem necessita.

173
Com esse capítulo encerramos a pri- que manifestam esse potencial psíquico e,
meira parte dessa pesquisa e vamos, a partir finalmente, como a Meditação Integrativa
da seguinte, abordar como a mediunidade vem auxiliando na diminuição de “perturba-
tem sido pouco compreendida na educação ções psíquicas” em idosos que afirmam se-
escolar, excluindo ou estigmatizando alunos rem médiuns.

Pessoas vendo o prâna em curso de TVI realizado em um centro espírita de Belo Horizonte/MG

174
Parte 2
Compreendendo o fenômeno
mediunidade como prática social
e o conflito de interpretações

A condição de coerência, por força da qual se exige que


as hipóteses novas se ajustem a teorias aceitas, é de-
sarrazoada, pois preserva a teoria mais antiga e não a
melhor. Hipóteses que contradizem teorias bem assen-
tadas proporcionam-nos evidência impossível de obter
por outra forma. A proliferação de teorias é benéfica
para a ciência, ao passo que a uniformidade lhe debilita
o poder crítico. A uniformidade, além disso, ameaça o
livre desenvolvimento do indivíduo.

Paul FEYERABEND (contra o método)

175
Nesta segunda parte pretendemos cias cotidianas e sem a necessidade de fazer
fazer um estudo fenomenológico e exis- proselitismo religioso é a nossa intenção ao
tencial da mediunidade, compreendendo, escolher o Grupo de Pesquisa Práticas Sociais
sobretudo, a partir das pessoas que dizem e Processos Educativos, na UFSCar.
vivenciar esse fenômeno psíquico em seu
cotidiano, como ela se processa, tendo,
como grupo-sujeito, idosos que participa-
ram do curso “o poder da mente”, descrito
anteriormente, utilizando, para tanto, o re-
ferencial teórico da linha de pesquisa Práti-
cas sociais e processos educativos.
Abordar a mediunidade, um assunto
tão polêmico e complexo, de forma com-
preensiva e amorosa, ouvindo, sobretudo, os
que vivenciam o fenômeno e buscando com-
preender sem pré-conceitos suas experiên-

Pintura mediúnica, realizada durante


atendimentos de Apometria, na ONGCSF

176
Capítulo 4 - a mediunidade como
prática social popular e seus
diferentes significados

O “campo popular”, como afirmam ria FIORI e Enrique DUSSEL que, de certa
Maria Waldenez de OLIVEIRA e Fabiana Ro- forma, compartilham a ideia sugerida por
drigues de SOUSA (2014, p. 8), é o campo BRANDÃO de que
privilegiado das pesquisas realizadas na re-
ferida Linha de Pesquisa, do programa de
pós-graduação em Educação, da UFSCar, a ciência e a educação que dese-
jamos praticar e através das quais
cujo objetivo, de forma resumida, é a in-
aspiramos descobrir e ampliar
vestigação de como as pessoas se educam, ad infinitum sujeitos e cam-
compreendendo a educação como forma- pos sociais de diálogo criador e
ção humana que se dá nas mais diversas emancipatório devem partir des-
de o lugar social da comunidade
práticas sociais. Entre os autores que fun-
humana concreta e cotidiana. E
damentam o trabalho do Grupo de Pesqui- devem desaguar no território de
sa, encontramos Paulo FREIRE, Ernani Ma- vidas e histórias humanas reais.

177
De um modo ou de outro, sem- O Espírito está na base dos principais
pre um outro é o sujeito de mi- sistemas religiosos mundiais e foi admitido
nha pesquisa e o companheiro
como real por Platão, Zoroastro, Pitágoras,
de meu saber. (2014, p. 13)
São Francisco de Assis, entre outros. E, ape-
sar de invisíveis, há evidências que se ma-
E o primeiro elemento que nos levou nifestam e dialogam com os seres huma-
a buscar esse grupo de pesquisa foi o fato nos desde longa data. Na Antiguidade, por
de ser impossível excluir o Espírito da cultu- exemplo, os gregos, os egípcios e os hin-
ra popular ou desconsiderá-lo nos proces- dus faziam contato com tais seres através
sos educativos populares. E não estamos dos mistérios e dos oráculos. As comuni-
aqui nos referindo ao “espírito”, tomado dades judaicas foram proibidas por Moisés
frequentemente como um simples “nome”, de continuar esse intercâmbio, conforme
sem entidade ou substância. Não estamos relatos bíblicos. Porém, tais proibições não
nos referindo ao sentido usual de “espírito foram suficientes para que durante a Idade
do tempo” análoga a uma abstrata “cons- Média esse contato com o lado oculto da
ciência popular”. Por Espírito estamos nos vida permanecesse. Os adivinhos e feiticei-
referindo aos seres incorpóreos, invisíveis, ros, como as Walkirias dos Escandinavos,
cuja presença na história e na cultura de to- deram prosseguimento a essa prática. No
dos os povos, em qualquer parte do Globo, oriente, o intercâmbio com os Espíritos é
e sobretudo na cultura popular brasileira, realizado e aceito por várias linhas taoistas.
estão sempre presentes. E nem sempre tais seres incorpóreos tem

178
formas humanas, podendo se manifestar tamente à consciência da finitude da vida,
como “gnomos”, “fadas”, “duendes” etc., ou seja, ele seria uma resposta antropoló-
classificados por algumas linhas esotéricas gica à morte, podendo se manifestar como
como “seres elementais da natureza”. forma de enfrentamento (imaginário diur-
E, na realidade brasileira, seja através no) ou como eufemização da morte (ima-
de práticas populares e religiosas de ori- ginário noturno).
gem indígena, africana, europeia e, mais Dentro dessa perspectiva, a crença na
recentemente, asiática, o Espírito sempre vida após a morte ou de existência do Es-
esteve presente. E ele é o centro das aten- pírito não seria mais do que o fruto de um
ções nas práticas sociais medianímicas, se- imaginário “noturno” ou uma forma de eu-
jam elas de base espiritista, umbandista, de femização da morte. E, corroborando com
apometria, esotérica (fraternidade branca, a ciência materialista, essa capacidade de
por exemplo) ou até mesmo laica, como é imaginar não passaria de mais um epifenô-
o caso da ONGCSF. meno do cérebro, nascido das articulações
Porém, em um mundo racionalista e recursivas entre o domínio “bio-psíquico” e
iconoclastico, como é o Ocidente moderno, o “sociocultural”. Essa é a ideia defendida,
podemos nos perguntar: o Espírito é uma por exemplo, também por Edgar MORIN
criação da imaginação humana ou imagi- (1998), no livro O método 4 - as ideias em
nar é um atributo do Espírito? que defende a existência da “Noosfera”,
Segundo Gilbert DURAND (1997 e onde, em tese, afirma residir os espíritos,
1998), o imaginário está relacionado dire- os orixás, os mitos etc., mas que se dissolve

179
junto com a morte física. Ou seja, MORIN nológica, pautada na experiência vivida,
(op. Cit.) acredita que o médium, de fato, ou se seguirmos os passos metodológicos
pode incorporar um “exu”, um ser habitan- sugeridos pelo Grupo de Pesquisa Práticas
te da “Noosfera”, e esse conversar com os Sociais e Processos Educativos4, não temos
consulentes em uma gira de umbanda. Po- como ignorar a perspectiva dos grupos hu-
rém, com a morte do médium, o “exu” dei- manos que afirmam manter contato com
xaria de existir. os Espíritos e aceitar uma outra hipótese:
Diferentemente é a postura adotada que o ato de imaginar pode ser, ao contrá-
pelos adeptos das religiões como a Um- rio, um atributo do Espírito.
banda, o Espiritismo e outras que acredi- Ao se abrir a essa outra hipótese, uma
tam na existência de um “plano espiritual” outra relação com a morte se apresenta
e na continuidade da vida após a morte. E no horizonte. Para além do imaginário que
se partirmos de uma perspectiva fenome- nos leva a enfrentar ou eufemizar a mor-


4
Entendemos que as pesquisas junto a pessoas e grupos, principalmente os socialmente ‘marginalizados’ devem ser
realizadas após cuidadosa e paciente inserção dos pesquisadores na comunidade, na instituição, no espaço social, num
conviver, realizado em interação e confiança. Essa inserção deve se dar na tentativa de assumir o lugar de um integrante,
procurando olhar, identificar e compreender os processos educativos que se encontram naquela prática social. Isto só é
possível, quando somos acolhidos, nos dispomos a ser acolhidos e a acolher. Participar com a intenção de compreender,
não para julgar. (OLIVEIRA et al, 2009, p. 10-11)

180
te, estaríamos, ao contrário, diante de uma mos seres humanos vivendo experiências
importante tomada de consciência e talvez espirituais, mas seres espirituais vivendo
da maior forma de libertação e emancipa- uma experiência humana”.
ção que a vida humanizada pode nos pro- Porém, tal conscientização não repre-
piciar: a aceitação ativa da imortalidade da senta cair em uma perspectiva solipsista e
alma ou de sua infinitude. Essa tomada de idealista, afirmando que o mundo material
consciência costuma promover, em muitas não exista, que se trata de uma mera pro-
pessoas, e de forma profunda e irreversível, jeção mental de uma suposta consciência
uma mudança de atitude e de sentimento pura. Como nos apresenta, com proprieda-
diante da vida, ocasionando uma verda- de, o filósofo LÉVINAS (1988), que gostava
deira metanoia. Esse processo educativo de ser chamado de filósofo e judeu e não
profundo é chamado de Animagogia, nos de “filósofo judeu” (como frequentemente
estudos promovidos pela ONG Círculo de era tratado, até de forma pejorativa), em
São Francisco. seu clássico Totalidade e Infinito, ao con-
Assim, mais do que uma forma de eu- trário do que pensava HUSSERL, a impos-
femizar a morte, a famosa frase do jesuíta e sibilidade do tempo vivido (individual) não
paleontólogo francês Teilhard de CHARDIN reproduzir o tempo histórico (totalidade)
é uma tomada de consciência libertadora e era o que nos permitia nos abrir para a
emancipadora para quem vivencia um pro- transcendência (que para ele não se alcan-
cesso metanoico, um profundo processo çava negando o mundo, mas, justamente,
educativo de autoconhecimento: “não so- quando a este nos abrimos e respeitamos

181
o Outro com suas perspectivas diferentes) prática social realizada em centros espíri-
era também o que nos permitia pensar na tas, terreiros de umbanda e outros locais.
possibilidade da vida existir após a morte e, A existência perceptiva de um fenômeno
inclusive, dela existir antes do nascimento. manifesta a força do vivido, do afetual e do
É importante não nos esquecer que, para sensível.
várias tendências do judaísmo, o termo Por sua vez, a existência cognitiva de
“ressurreição” tem a conotação do termo um fenômeno caracteriza-se pela interpre-
moderno “reencarnação”, ou seja, a possi- tação racional ou intelectiva do mesmo, ou
bilidade da alma voltar a vida material em seja, observando-o e o descrevendo “de
um novo corpo. fora”, analisando-o, separando nitidamente
Enquanto prática social a mediunida- sujeito e objeto. A existência cognitiva está
de é um fenômeno humano que manifes- mais próxima da razão instrumental ou po-
ta uma existência que podemos classificar sitivista que costuma ser a perspectiva de
como perceptiva (MERLEAU-PONTY, 1999) quem estuda ou se manifesta sobre uma
e outra que podemos classificar como cog- prática social como é o caso da mediunida-
nitiva. A primeira forma de existir revela a de sem ter, necessariamente, a experiência
percepção, a representação e a apreensão sensível da mesma. É o caso, por exemplo,
do fenômeno de acordo com o ponto de dos que simplesmente rotulam o fenôme-
vista das pessoas que vivenciam em seu no como “delírio” e “esquizofrenia”. Mas,
cotidiano a mediunidade como uma ex- de outro lado, também se encontra nessa
periência espiritual e também como uma perspectiva o viés solipsista e idealista que,

182
ao negar a mediunidade, dizendo tratar- científica”. Essa perspectiva positivista, de
se de uma mera projeção mental ilusória, distanciamento ou de “neutralidade” é o
paradoxalmente, não nega a existencialida- que estamos chamando de “existência cog-
de cognitiva do fenômeno, apenas a trata nitiva” de um determinado fenômeno. Tra-
como ilusória. ta-se de uma reflexão mental desvinculada
Vou exemplificar melhor essa diferen- do vivido, do experimentado.
ça com uma experiência vivida alguns anos Apesar dos estudos fenomenológi-
atrás, provavelmente, em 2005. Uma mes- cos optarem, na maioria das vezes, pelo
tranda em Antropologia de uma Universi- primeiro sentido, respeitando e dando vi-
dade pública estava fazendo uma pesquisa sibilidade para as pessoas expressarem sua
sobre o Reiki e queria entrevistar reikianos vivência e compreensão da prática social
da cidade. Ela soube do meu trabalho na em questão, o segundo sentido também é
ONG e me procurou. Quando eu soube que importante, pois dele podem emergir vá-
ela nunca tinha participado de uma sessão, rios pré-conceitos que devem ser quebra-
ofereci a ela essa oportunidade para que dos por um processo educativo democrá-
ela tivesse mais “informações” para sua tico e que valoriza a diversidade, inclusive,
pesquisa. E ela respondeu que não queria, a religiosa, uma vez que um estudo feno-
pois estava fazendo uma “pesquisa cientí- menológico deve se atentar à gênese do
fica” sobre a técnica. Ou seja, o vivido, o fenômeno e articulações socioculturais de
sentido, o experimentado não poderia, na suas diversas manifestações, mas também
ótica dela, fazer parte de uma “pesquisa não desmerecer sua dimensão teleológica,

183
ou seja, de pensar o futuro ou de contribuir preendido, o que faz com que muitos mé-
para alguma transformação, permitindo o diuns sejam tratados como esquizofrênicos
surgimento de novos rumos, a superação ou psicóticos, o que não significa que não
de problemas, entre outras possibilidades, haja médiuns que sejam esquizofrênicos,
mas também produzir conhecimento para mas, muitos casos “diagnosticados”, não
superar situações de marginalização ou es- passam de um desconhecimento dos me-
tigmatização, como acontece com muitos canismos da mediunidade, gerando alguns
médiuns, sobretudo os da Umbanda. “transtornos psíquicos” que se resolvem
E com o crescimento da intolerância com a prática social dela em algum grupo
com os adeptos das religiões afro-brasi- organizado e experiente.
leiras, todo trabalho acadêmico que pu- Tal diagnóstico ­ pré-conceituoso é
der ajudar na promoção do respeito e comum entre os que fazem uma inter­
da tolerância entre as religiões é sempre pretação «cognitiva» da mediunidade, des­
bem-vindo e necessário, manifestando um con­siderando a interpretação «perceptiva»
compromisso ético com a liberdade e com ou como a faticidade mediúnica é vi­
a alteridade, como é a perspectiva da An- venciada por quem manifesta esse potencial
tropolítica do (re)envolvimento humano, psíquico.
sobretudo no que se refere à defesa da li- Para se evitar esta “exclusão”, acredi-
berdade e da diversidade religiosa. tamos que o sentido do fenômeno mediu-
No caso da mediunidade, há evidên- nidade deve ser aprendido em seus aspec-
cias que o fenômeno é muito pouco com- tos afetual e vivido (existência perceptiva),

184
mas sem ignorar as relações significativas tas, umbandisticas, esotéricas, xamânicas
que estabelece com o contexto sociocul- ou outras, são sempre concretas e vividas
tural mais amplo, sejam elas antagônicas, para o grupo que as experiencia, logo, pen-
concorrenciais ou complementares, com- sá-las como meras reações determinísticas
preendendo, inclusive, as interpretações da história, da ideologia, de crenças ou de
muitas vezes carregadas de pré-conceitos outra fonte qualquer não nos possibilita
e pseudo-céticas (existência cognitiva) para captar com mais profundidade sua existen-
que seja possível a elaboração de um pla- cialidade perceptiva.
no político-educacional (ou antropolítico, Porém, é impossível abarcar o fenô-
como acredita a ONGCSF) que favoreça as meno em toda a sua plenitude, uma vez
mudanças na sociedade, entre elas, o de- que, a mediunidade, assim como qualquer
sabrochar de uma sociedade mais toleran- prática social, comporta também uma di-
te com a mediunidade e, sobretudo, com mensão de imprevisibilidade, por ser in-
o médium, acabando com o preconceito, a completa, e de inesgotabilidade, por ser
estigmatização e a exclusão social dos que uma atividade humana, cuja práxis é rica,
atuam na umbanda ou em outras práticas complexa e polissêmica. Justamente por
sociais espiritualistas afro-brasileiras, víti- isso que se torna impossível abarcá-la em
mas de toda sorte de violência física, psí- todas as suas nuances, sendo necessárias
quica e simbólica. opções metodológicas ou axiomáticas que
Enquanto fenômeno, as práticas so- vão salientar uma ou outra perspectiva
ciais medianímicas, sejam elas kardecis- adotada pelo pesquisador, como é o caso

185
da Linha de Pesquisa Práticas Sociais e Pro- precisa ser substituida pela holonomia, que
cessos Educativos5. não nega a relevância da análise, mas a re-
Essa questão é similar a apontada por lativiza, como aspectos relevados do holo-
David BOHM (2008) ao se referir ao holo- movimento.
movimento do Universo. Ele é, por defini- Apesar de acompanhar a prática de
ção, indefinível e incomensurável. Porém, uma mediunidade laica na ONG Círculo
cada teoria procura abstrair um certo as- de São Francisco, estudando o fenômeno
pecto considerado relevante em algum encontrei cinco perspectivas diferentes em
contexto o que faz emergir uma certa or- relação a prática mediúnica. E, mesmo en-
dem perceptível e a existência de compo- tre os que acreditam nela, ou seja, que de
nentes com grau relativo e limitado de au- fato a mediunidade corresponderia a in-
tonomia. Porém, em certos contextos, uma termediação entre o mundo espiritual e o
descrição analítica deixa de ser adequada e material, ela exige uma interpretação (her-


5
“Esta inserção [na prática social] é insuficiente, se ficar apenas no olhar e não houver participação ou se ficar apenas na procura
de resultados, sem se perguntar sobre o processo. Como participar? Apresentando-se às pessoas do grupo em que se insere,
apresentando a pesquisa e as questões e dando-se a conhecer. Colocando-se disponível. Pedindo permissão para estar junto,
participar. Poderá haver um certo incômodo, desconforto de lugar, mas a disposição em ser acolhido, junto com a disposição da-
quele grupo, vai dando início e forma à pesquisa. Esse processo exige paciência e tempo, pois não é uma visita, mas uma busca de
convívio, seja circunscrito ao trabalho particular que está sendo desenvolvido seja em outros espaços e ocasiões, como por exem-
plo, atividades/eventos na comunidade, na instituição. Conviver não é apenas um desejo ou uma opção pessoal do pesquisador, que
corre paralelamente à pesquisa, mas, sim, o cerne do ‘fazer’ da pesquisa, explicitado na metodologia, experimentado, avaliado. O
convívio não é, tampouco, oportunista; por vezes colocado inicialmente na pesquisa para gerar um clima de confiança e empatia
necessário à coleta de dados. (OLIVEIRA et al, 2009, p. 10-11)

186
menêutica), caso contrário não existiriam todos os casos é uma visão muito reducio-
tantas formas e concepções desta prática nista;
social tão polêmica, estigmatizada e ques- 2 - a mediunidade é uma patologia
tionada, e ainda fortemente associada à pa- mental - esta é talvez a visão dominante
tologia mental, mesmo aqui no Brasil onde no meio acadêmico e escolar. Sempre que
ela, na segunda metade do século XX, dei- um aluno manifesta qualquer traço de me-
xou, pelo menos, de ser considerada crime. diunidade e não tiver uma pessoa esclare-
E isso acontece porque cada uma dessas cida na família ou na escola, será tratado
perspectivas tende a relevar um aspecto como esquizofrênico ou como portador de
da totalidade do fenômeno mediúnico. outra doença mental. Não há evidência que
Assim, ao propormos estudar a me- a mediunidade possa causar loucura. Ao
diunidade como fenômeno, precisamos contrário, se a pessoa tem esse potencial e
relativizar todas as opiniões e, ao mesmo ela não é colocada em prática de forma re-
tempo, respeitar todas para se aproximar, ligiosa ou laica, aí sim há o risco da pessoa
de alguma forma do todo. E os cinco pon- adoecer mentalmente, uma vez que não
tos de vista que descobrimos são: saberá como lidar com o fenômeno.
1 - a mediunidade é fraude ou char- 3 - O médium transmite durante o
latanismo - esta é a opinião de quem acre- transe informações do seu próprio in-
dita que o médium está fingindo por algu- consciente ou do chamado inconscien-
ma razão. Não resta dúvida que há muita te coletivo - esta visão é comum entre
fraude e charlatanismo, porém, generalizar aqueles que aceitam que o transe é uma

187
manifestação normal ou não-patológica, 5 - o médium é um intermediário
mas que não está relacionada com mani- entre os mundos visível e invisível, ou
festações de espíritos. No caso, seria o pró- espiritual. Esta é a interpretação dos es-
prio inconsciente que se manifesta. O fato píritas, dos umbandistas e de alguns gru-
é possível e é chamado de “animismo” no pos esotéricos. E cada grupo se organiza
meio espiritista, distinguindo esse tipo de de uma forma distinta para fazer esse in-
manifestação daquele que seria “mediúni- tercâmbio mediúnico, o que a Animagogia
co”. Dentro dessa perspectiva há também chama de Psiconomia, ou seja, as formas
uma reencarnacionista que afirmará que o organizadas de se fazer o intercâmbio me-
médium manifesta suas antigas persona- diúnico.
lidades, vividas em existências passadas e Podemos notar com esse conflito de
não, necessariamente, um Espírito, um de- interpretações que a mediunidade, en-
sencarnado. quanto uma prática social espiritualista, é
4 - O médium é um ser tomado um fenômeno complexo e que todas as cin-
pelo demônio - esta é a visão mais corren- co perspectivas acima são possíveis e de-
te no meio religioso de fundo evangélico. vem ser levadas em consideração, porém, é
Não interpretam que um suposto “morto” preciso salientar que o médium, mesmo no
esteja se comunicando, mas que se trata do Brasil, ainda sofre com o preconceito, com
“demônio” tentando ludibriar as pessoas, a intolerância e com a estigmatização. E, fe-
se passando por um familiar ou amigo já lizmente ou não, não há uma única família
falecido do consulente. que não tenha ou conheça pelo menos um

188
médium ostensivo. E muitas dessas pessoas do identificar os mitos e arquétipos por trás
acabam sendo condenadas a tratamentos dessa prática social espiritualista, e, com
desumanos em hospitais psiquiátricos, de- base nas pesquisas até o momento realiza-
vido a um diagnóstico nem sempre ade- das na ONGCSF e já apresentado em even-
quado da medicina oficial ou biomédica. tos na cidade de Natal/RN e João Pessoa/
O estudo da mediunidade enquanto PB, interpretamos que a modalidade karde-
um fenômeno pressupõe, obviamente, a cista/espiritista tende a manifestar em sua
necessidade da descrição fenomenológi- organização o mito de Apolo, deus heroico
ca, capaz de apreendê-la em seu sentido da razão e que luta contra toda forma de
perceptivo, primário ou estrutural. Porém, irracionalismo; por sua vez, a umbanda ten-
como afirma REZENDE (1990), em um estu- de a manifestar um mito noturno do tipo
do fenomenológico não interessa qualquer dionisíaco, o deus do êxtase e da represen-
descrição, mas uma que seja significante, tação. E no caso da apometria, temos com-
pertinente, relevante, referente, provocante preendido que a mesma costuma mani-
e suficiente. E pretendemos, para aprofun- festar um mito mais hermesiano, portanto,
dar um pouco mais a investigação, inserir alquímico e mentalista. Por fim, no caso da
também a interpretação de seu aspecto Animagogia, que se utiliza de um trabalho
simbólico, ou seja, na tentativa de captar de mediunidade laica, conforme praticado
seu sentido indireto e figurativo. na ONGCSF, nossa tendência é de interpre-
Para tanto, optamos pelo uso tam- tá-la como uma proposta que manifesta o
bém da mitocrítica durandiana, procuran- mito de Orfeu. (MARQUES, 2014)

189
Para dar conta do objetivo apresenta- arquétipos manifestos), sabendo que a in-
do acima, enquanto pesquisador teremos terpretação sempre reflete uma visão ideo-
que nos valer de nossa consciência percep- lógica, um ponto de vista que não é neutro,
tiva e cognitiva, mas também da consciên- próprio da mentalidade do pesquisador,
cia imaginante/intuitiva e da consciência que, neste caso, tem a pretensão de ajudar
amorosa/espiritual para elaborar um dis- a constituir um caminho de resistência con-
curso, ao mesmo tempo, compreensivo, tra a massificação e a alienação, uma vez
crítico e respeitoso, que apreenda a rela- que a cultura popular de onde se origina a
ção entre a faticidade da experiência me- mediunidade não é sinônima de cultura de
diúnica e sua transcendência e ajude a in- massa. E valorizar o médium como sujeito
terpretar o fenômeno mediúnico enquanto ativo da história e da cultura, como preten-
uma prática social polissêmica, estrutural, de as pesquisas realizadas na Linha de Pes-
simbólica, não-determinada e ambígua, quisa Práticas Sociais e Processos Educati-
buscando compreender como ela é vivida vos6, pois somente ele é capaz de vivenciar
(intencionalidade e experiência), pensada o fenômeno mediúnico de forma integral,
e “imaginada” (estruturas de imaginário e ou seja, em suas dimensões corporais, psí-


6
“Comprometemo-nos pela realização de estudos e pesquisas com (e não sobre!) pessoas, grupos e comunidades
‘marginalizados’, ‘desqualificados’ e ‘excluídos’ pela sociedade, não compartilhamos da ideia de turvar a realidade ao
gosto do pesquisador, mas sim de originar os estudos e pesquisas do encontro de subjetividades, de pessoas, grupos
e comunidades - pois só estes podem falar sobre as experiências encarnadas de ‘marginalização’, ‘desqualificação’
e ‘exclusão’, bem como de suas resistências, lutas e reivindicações por uma sociedade mais justa. Envolver-se pelo

190
quicas, mas também morais e espirituais, ética e de respeito ao Outro.
nos transmitindo informações sobre a exis-
tencialidade perceptiva do fenômeno. A abordagem fenomenológica se dis-
Em suma, podemos identificar três tingue, por exemplo, da behaviorista (ades-
instâncias para uma interpretação fenome- tramento), da racionalista (homem-máqui-
nológica das práticas sociais medianímicas: na), e também da solipsista (consciência
1 - a descrição fenomenológica da pura), mas dialoga com elas também, pois
prática social medianímica estudada; considera a existência de um único mundo,
2 - o tratamento interpretativo (que apreendido de forma distinta, justamente
nesta pesquisa utiliza-se também da mito- por ser construído a partir dos sistemas de
crítica durandiana); valores que representam diferentes siste-
3 - a manifestação projetiva (teleoló- mas de cultura (FIORI, 1987, 1991 e 2014).
gica) visando a libertação, a autonomia, a Ela não pode ignorar a dinâmica do vivido,
participação popular, a conscientização, e, do afetual, do contexto sociocultural em
no sentido mais profundo, a preocupação que se insere a prática social e nem despre-

trabalho, a vontade de melhor conhecer, o saber e o sabor da convivência, nos remete a pensamentos e sentimentos,
que de nosso ponto de vista, não são antagônicos à rigorosidade científica, ao contrário, atribuem ao fazer ciência, um
especial rigor: amorosidade, acolhimento, indignação, esperança, simplicidade, colaboração. Um desejo de tornar-se
mais humano, de humanizar-se no sentido de vida mais justa. Por essas razões, com essas posturas e por esses meios
buscamos conhecer e compreender processos educativos próprios a práticas sociais. (OLIVEIRA et al, 2009, p. 14)

191
zar a dimensão do sujeito e do individual. terem sofrido física e psiquicamente pelo fato
Acreditamos que essa tomada de de- de serem médiuns e não terem sido acolhidos
cisão vem ao encontro da filosofia da liber- ou compreendidos no ambiente escolar com
tação de DUSSEL (1982) que não pensa a o respeito que se fazia necessário.
religião como algo a ser superado, mas que
pode ser um fator de libertação e de ques-
tionamento das estruturas sociais e cuja
perspectiva teológica parte da necessida-
de de crer no outro, na epifania, na alteri-
dade e na exterioridade, uma de suas cate-
gorias de análise e compreensão do outro
mais importantes em sua filosofia.
No capítulo seguinte faremos uma re-
flexão sobre alguns problemas espirituais e
religiosos na educação, a partir da perspectiva
dos idosos que entrevistamos e que afirmam

Ilustração do livreto umbanda, da coleção


diversidade religiosa para crianças

192
Capítulo 5 - está a escola preparada
para acolher um aluno médium?

Encontramos registros de fenômenos acadêmico a interpretação da mediunidade


mediúnicos desde a Antiguidade, em todas como fraude, charlatanismo, psicopatologia,
as culturas populares e tradições religiosas. delírio, alucinação, entre outros diagnósti-
Em alguns contextos socioculturais a me- cos, o que dificulta uma melhor compreen-
diunidade é aceita com naturalidade e, em são do fenômeno quando ele se manifesta,
outros, como algo a ser combatido, como, por exemplo, em alunos em idade escolar,
por exemplo, no Antigo Testamento. uma vez que o caso é tratado, quase sem-
Apesar do DSM-4 (Manual Diagnósti- pre, como esquizofrenia ou outros transtor-
co e Estatístico de Transtornos Mentais – 4ª nos mentais. Quando a hipótese espiritual
edição, da Associação Psiquiátrica America- é aventada, com frequência é associada ao
na) ter incluído a categoria Problemas Es- “satanismo”, sobretudo por professores e di-
pirituais e Religiosos para estudar melhor retores de escola evangélicos.
esse assunto, ainda predomina no discurso A mediunidade não é um fenômeno

193
que deve ser estimulado, ela deve eclodir espiritualistas sérios e preparados para li-
naturalmente e, por acaso ou não, há vários dar com o problema se a eclosão de tra-
relatos de pessoas que vivenciaram a eclo- ços medianímicos acontecerem justamente
são dela justamente no ambiente escolar. dentro do ambiente escolar.
E nossa hipótese, baseada em mais de 12 Essa problemática é pouco discutida
anos de estudo e prática da mediunidade no meio acadêmico, muito mais por pre-
laica, é que ela não é uma patologia, consti- conceito do que por falta de necessidade,
tuindo-se em um problema apenas quando uma vez que o problema nunca deixou de
acontece de forma descontrolada, quando acontecer. E os casos que aparecem no am-
o médium não tem nenhum controle sobre biente escolar, com frequência são trata-
o fenômeno, o que costuma acontecer no dos como casos de psiquiatria, ou seja, o
inicio do processo ou em casos de “obses- problema é tratado como doença mental
são”. Porém, quando o médium domina e e não como um “problema religioso e es-
compreende as leis que regem o fenôme- piritual”. Talvez venha daí a falsa impressão
no, consegue ter uma vida cotidiana nor- que o problema não existe ou não interesse
mal e saudável. estudar na Educação.
Obviamente que não é o caso de uma As narrativas visionárias ou místicas são
criança em idade escolar. Esta não tem a abominadas pelo racionalismo moderno. E
maturidade suficiente para isso e, portanto, talvez o clássico do racionalismo seja o livro
necessita de auxilio, tanto dos profissionais Sonhos de um visionário, de Emmanuel KANT
da saúde e da educação, como de grupos que visa combater o “misticismo obscuran-

194
tista”, atacando Swedenborg, o “vidente de as culturas possuem pessoas que servem
espírito”. A intenção de KANT, com este livro, de intermediárias com o chamado plano
era acabar com os “devaneios metafísicos”, espiritual. Foram chamadas de pitonisas,
com as “sociedades fictícias” e com as “via- oráculos, profetas etc. E é importante dis-
gens imaginárias”. Para ele, nada do que nar- tinguir a mediunidade da doutrina espírita
ram os videntes seria verdade. E afirma: ou da Umbanda, religião medianímica bra-
sileira. Elas se fundamentam na prática me-
diúnica, mas esta também está presente no
Confesso que todos os contos so- taoismo e em outras religiões. Além disso,
bre a aparição de almas defun-
muitas pessoas exercem a mediunidade de
tas ou sobre influxos espirituais
e que todas as teorias de caráter forma laica, sem vínculos com religiões.
conjectural sobre a natureza dos A questão fundamental é que a me-
seres espirituais e da sua ligação diunidade não depende de classe social,
conosco, pesam sensivelmente
grau de escolaridade, gênero etc. Além dis-
apenas no prato da esperança ao
passo que, em contrapartida, no so, ela pode eclodir na vida de uma pessoa
da especulação, parecem duma em qualquer idade, seja em crianças e até
consistência absolutamente aé- mesmo em idosos.
rea. (op.cit., 87)
E é interessante assinar que, no mes-
mo livro, KANT escreveu que talvez as ex-
A mediunidade, porém, é uma prática periências ocultistas com os Espíritos fossem
social milenar, como já salientamos. Todas falsas, mas não charlatanismo. Para Kant

195
o contato com o mundo dos Espíritos era sobre as faculdades mentais dos primeiros.
o resultado de uma perturbação da inteli- KANT reconheceu que essa sua hipótese
gência, de alguma afecção patológica dos transporia os limites da racionalidade de
sentidos e da imaginação. Esse processo sua época.
resultaria em representações simbólicas de Refletindo sobre as “alucinações” de
um além impossível de ser atingido pelas SWEDENBORG, KANT elaborou uma teoria
mentes normais. sobre os Espíritos que seria, aproximada-
E, apesar de classificar as visões e au- mente, a seguinte:
dições descritas por SWEDENBORG como 1 - os Espíritos seriam seres que ocu-
algo “patológico” apresentará uma hipó- pam o espaço físico sem o preencherem
tese bem “complexa” para um filósofo ra- (algo semelhante é dito para KARDEC por
cionalista do século XVIII. Para ele, tais “pa- um suposto Espírito no livro O céu e o in-
tologias” poderiam, de fato, ter uma causa ferno).
espiritual. Ou seja, KANT chega a admitir 2 - Eles habitariam um mundo supra-
que os Espíritos (os mortos) poderiam in- sensível e formariam uma comunidade de
fluenciar ou perturbar as faculdades nor- seres racionais. Para se conhecer tal co-
mais dos “vivos”. Dessa forma, o filósofo munidade, no domínio da experiência, só
prussiano chegou a admitir a possibilidade haveria um caminho: através do “mundo
de haver uma relação entre o “mundo dos moral”. Para KANT, na medida em que nos
vivos” e o “mundo dos Espíritos”, mesmo sentimos descontentes em viver presos aos
que isso produzisse um efeito patológico nossos desejos sensoriais e reconhecemos

196
que somos dependentes de uma Lei e de que SWEDENBORG seria, de fato, um “orá-
uma vontade que nos vem do exterior, so- culo dos Espíritos” e que teria o seu “ser in-
mos atravessados por uma exigência que terior” aberto. Ou seja, ele podia ser “toma-
funda uma comunidade interdependente, do” pelos Espíritos. Porém, a relutância de
à maneira de uma atração universal entre o KANT em colocar do mesmo lado o idealis-
mundo sensível dos homens e o supra-sen- mo dos metafísicos e o “delírio” dos ocul-
sível dos Espíritos, ou seja, dos “mortos”. tistas, particularmente, de SWEDENBORG,
Mas a fascinação de KANT pela “in- levou-o a tentar definir os limites entre a
tuição alucinada” de SWEDENBORG, que razão dos metafísicos e a “loucura” dos ocul-
afirmava conversar cotidianamente com os tistas
“mortos”, fez com que ele antecipasse al- Reconhecendo ser pretensioso não
gumas das premissas que o espiritismo de acreditar em nada do que SWEDENBORG
KARDEC revelaria no século seguinte. KANT escrevia e, ao mesmo tempo, acreditar em
afirmou que os Espíritos, apesar de não es- tudo sem um exame mais rigoroso da ra-
tarem efetivamente no espaço, utilizam-se zão, KANT afirma que seria capaz de sus-
dos pensamentos humanos e suas ideias tentar os devaneios do ocultista se alguém
são revestidas pela aparência do mundo contestasse sua possibilidade. E, como uma
sensível. Em suma, o mundo dos Espíritos, espécie de censor, recomenda para as mu-
segundo KANT, continuaria sendo o mun- lheres, sobretudo, as grávidas, não entrar
do das representações humanas. em contato com as informações referentes
E KANT chegou também a escrever ao estado dos espíritos após a morte, uma

197
vez que a diversidade de formas espirituais pretação deste é limitada por faltar-lhe a
presente nas visões de SWEDENBORG po- experiência da clínica e a convivência com
deria assustá-las. os “enfermos alucinados”.
Talvez o erro de KANT tenha sido o Concordando com esta interpretação,
de classificar como patológica essa rela- mas considerando que muito do material
ção com os Espíritos. KANT não descarta psíquico produzido por médiuns não é
a possibilidade da vida existir após a mor- alucinação, mas sim um contato real com
te, mas vai afirmar que esse contato com a Psicosfera, em alguns casos com a Noos-
o “mundo dos Espíritos” pode desencadear fera e com o plano espiritual propriamente
“alucinações”, como as descritas por SWE- dito, apresentarei alguns casos relatados
DENBORG. por médiuns, hoje na terceira idade, e que
No livro Fenomenologia da ativida- relatam diferentes problemas enfrentados
de representativa, o psiquiatra Isaias PAIM durante a infância e que, por falta de co-
descreve os tipos de alucinações (auditivas, nhecimento e orientação dos pais, profes-
visuais, olfativas, gustativas, táteis, neuro- sores e profissionais da saúde, tiveram sua
vestibulares, pseudo-alucinações etc.) e educação escolar profundamente prejudi-
apresenta as diferentes teorias para se en- cada. Apresentarei também o caso de uma
tender a patogenia delas. No que se refere idosa cuja mediunidade eclodiu na terceira
a teoria fenomenológica, centra sua análise idade, causando alguns transtornos em sua
na perspectiva que SARTRE apresenta no vida, mas rapidamente superados quando
livro O imaginário, concluindo que a inter- aceitou a faticidade do fenômeno e se en-

198
gajou em uma prática social espiritualista, errônea, prejudicando profundamente sua
e outros casos que nos ajudam a entender educação escolar, pois tiveram que aban-
melhor o fenômeno mediúnico. donar a escola em função desse “proble-
Reflexões preliminares baseadas nes- ma” de saúde.
tes depoimentos já expostos em trabalhos O primeiro que vamos apresentar é
apresentados em alguns eventos, como o do senhor CR. Ele narra que, na infância,
“XI Fórum Nacional de Coordenadores de sofreu por causa da mediunidade ostensiva
Projetos da Terceira Idade de Instituições e da “obsessão” que sofria, sendo diagnos-
de Ensino Superior”, em Recife, no ano de ticado, na juventude, como esquizofrênico,
2009; também no ciclo de debates “Cultura fato que o fez perder alguns anos de estu-
de paz, mediunidade e direitos humanos”, do. Ele só teve domínio de sua mediunida-
em 2010, realizado no centro de cultura de de clarividência por volta dos 40 anos
afro-brasileira Odette dos Santos, na cida- de idade. Hoje, ele afirma, não tem mais
de de São Carlos; e no “V seminário arte medo de nenhum tipo de Espírito e os vê e
e imaginário na educação: imaginário, arte os ouve perfeitamente. Porém, na infância,
e educação da alma”, na UFMA, em 2014, por ignorância da família, dos professores
entre outros. e dos profissionais da saúde que o atende-
Começarei pelos depoimentos de ido- ram, sofreu muito. Ele afirma que o período
sos que desde a infância manifestam esse mais difícil foi quando estava na sexta série.
potencial psíquico em suas vidas e como Naquela época, quase que diariamente, so-
a mediunidade foi interpretada de forma fria com fortes dores de cabeça. Sua família

199
exigia que fosse para a escola assim mes- ter domínio sobre a mediunidade quando
mo, mas não conseguia prestar atenção às estava para completar 40 anos de idade.
aulas. Atualmente, ele afirma que vê os espíritos
Ao ser encaminhado pela escola em todos os lugares e a todo momento,
para fazer alguns exames, nenhum pro- mas isso não mais o incomoda. Enquanto
blema físico foi constatado. Para os seus eu coletava esse depoimento, por exemplo,
professores e para os profissionais da ele disse que, atrás de mim, ele via três Es-
saúde que o atenderam, tudo não passava píritos: um “chinês”, um “preto-velho” e um
de fingimento. Desesperado, abandonou “exu”.
os estudos. Um outro idoso, com 72 anos de ida-
Por volta dos 18 anos de idade come- de quando nos deu o seu depoimento,
çou a ver e ouvir os espíritos com nitidez e atualmente faz parte do corpo mediúnico
procurou ajuda psiquiátrica. Ele foi rotula- de um centro espírita na Vila Prado, bair-
do como esquizofrênico e passou a tomar ro de São Carlos. Ele narra que sua infância
medicamentos que alteravam sua sensibili- também não foi fácil. Segundo afirma, des-
dade e o prejudicava no trabalho. Por vol- de a infância vê os Espíritos. Porém, quando
ta dos 23 anos de idade parou de tomar tinha cerca de sete anos de idade, quando
os medicamentos por conta própria e foi alguns Espíritos que queriam o prejudicar
procurar auxílio nas religiões. Frequentou se aproximavam, ele perdia o controle do
igrejas evangélicas, terreiros de umbanda, corpo. Isso acontecia em casa e também na
centros espíritas etc., mas só conseguiu escola, por diversas vezes.

200
Após alguns exames, foi diagnostica- com que a família o levasse para um psi-
do pela medicina como portador de “ata- quiatra que o diagnosticou também como
ques epiléticos”. Ele conta que sabia que esquizofrênico e sofrendo de “alucinação
os médicos estavam errados, mas não sa- autoscópica”.
bia explicar para as pessoas o que, de fato, Ele afirma que não teve como prosse-
acontecia com ele. Os ataques só acontecia guir nos estudos devido às interpretações
com a aproximação de determinados Espí- equivocadas e há várias décadas é médium
ritos. em um centro espírita, onde encontrou
O seu problema se intensificou por equilíbrio para continuar vivendo.
volta dos nove anos de idade quando co- Nestes dois casos, a mediunidade é
meçou a ter “desdobramentos” espontâ- uma constante na vida desses senhores
neos, ou seja, ele saia do corpo e enxergava desde a infância. Mas a mediunidade pode
nitidamente a “quarta dimensão”. Quando surgir na vida de uma pessoa na chamada
isso acontecia, seu corpo ficava em estado fase madura ou mesmo na terceira idade.
de catalepsia, e ele via as pessoas em volta É o caso, por exemplo, de uma idosa que
dele tentando o reanimar. Mesmo queren- estudava em uma escola onde ministrei a
do, não conseguia falar e mexer o corpo disciplina O poder da mente. Em 2004, a ex-
para informar que ele estava bem. coordenadora da escola, que conhecia o
Esse senhor narra ainda que, ao re- trabalho realizado pela ONGCSF, chamou-
tornar do “desdobramento”, falava de tudo me para atender uma aluna, que estava
o que tinha visto do “outro lado”. Isso fez com 58 anos de idade e que, em sua opi-

201
nião, parecia ter problemas espirituais. gumas reuniões do grupo de mediunidade
Fui até uma sala de aula com a aluna laica que acontecia na ONGCSF. Inicialmen-
para conversarmos. Estávamos a sós na sala te, ela recusou, mas, três meses depois, ela
quando, de repente, ela entrou em tran- pediu para participar.
se mediúnico e deu “passagem” para um Cerca de dois meses após ter iniciado
Espírito que se manifestava como se fosse sua participação no grupo, ela começou a
uma “cigana”. O transe durou cerca de 10 “incorporar” um preto-velho que se identi-
minutos. Quando ela voltou ao seu esta- ficava como pai Jeremias. Logo em seguida,
do de vigília, perguntei à aluna o que tinha começou a psicografar mensagens de sua
acontecido e ela não tinha percebido nada. mãe e de seu ex-marido, ambos falecidos.
Ou seja, segundo afirmou, ela não se deu Durante vários anos ela atuou como mé-
conta de ter ficado “ausente” por quase 10 dium de incorporação nos atendimentos
minutos e que, neste período, permaneceu de Apometria realizados na ONGCSF e, em
inconsciente enquanto um outro ser falou uma das sessões, o Espírito que se manifes-
através dela. tava como pai Jeremias conversou com um
Quando eu falei que ela era “médium casal sobre o mal de alzheimer. Como eu
de incorporação”, ela ficou assustada, pois estava com um aparelho de MP3, consegui
tinha muito medo da mediunidade. Segun- gravar essa fala que foi postada na internet,
do narrou, outras pessoas já tinham falado podendo ser acessada através do seguinte
isso para ela, mas nunca quis saber do as- link: https://www.youtube.com/watch?v=x-
sunto. Eu a convidei para acompanhar al- fsfbAoG5-k.

202
Ao contrário dos outros senhores, mostra uma outra perspectiva, com a pes-
esta aluna tem formação superior. Ela tem soa aprendendo rapidamente a lidar com o
licenciatura em ciências biológicas e ba- fenômeno.
charelado em direito. Ela trabalhou como Mas há idosos, como no caso de RG,
professora da rede pública de ensino e ad- que é médium, e não sofre mais com ela,
vogou até se aposentar. Ou seja, seu caso mas também não quer participar de ne-
desconstrói o discurso de que a mediuni- nhum grupo e nem ajudar as pessoas com
dade é uma “coisa” que só dá em pessoas esse potencial psíquico. O depoimento dele
“ignorantes, analfabetas e sem cultura”. foi tão rico em informações que resolvemos
Os três casos acima, demonstram que publicá-lo no livro Gênero e Espiritualidade:
o idoso pode vivenciar sua mediunidade introdução ao estudo das imagens e do ima-
enquanto uma prática social, espiritista, de ginário do invisível. Um dado interessante
umbanda, de apometria ou outra qualquer, é que ele é negro, gay e médium e afirma
sem que isso traga qualquer prejuízo ao que sofre mais preconceito em função da
seu cotidiano. Nos dois primeiros casos, es- mediunidade do que pelo fato de ser negro
ses idosos relatam que, o desconhecimento ou gay. Daí só falar sobre sua mediunidade
da família e dos profissionais de educação para algumas pessoas.
e saúde sobre os mecanismos da mediuni- Ele diz ter acesso a informações de
dade, fez com que tivessem problemas na outras duas encarnações anteriores a essa
formação escolar. Ambos abandonaram a e que, em ambas, teria sido mulher. Conta
escola por causa disso. Já o terceiro caso também que vê os Espíritos desde a infân-

203
cia. Quando tinha entre afirma que um dia foi a
5 ou 6 anos de idade, foi um centro espírita e ti-
levado por sua madrasta nha uma criança sendo
a um terreiro de umban- tratada como “obsedia-
da e, quando começou a da”. Ele viu que não ti-
“gira”, começou a ver os nha nada de espiritual
Espíritos chegando para com ela e um Espírito
“incorporar” e correu se aproximou dele e fa-
para perto deles e ficou lou: “diz para eles que o
falando: “oi, oi, oi..” Sua problema da criança é
madrasta queria tirá-lo somente hiperatividade,
de lá, mas o dirigente do que não é nada espiri-
centro disse que não ti- tual”. E ele respondia em
nha problema. pensamento para o Espí-
E narra que nunca rito: “eu não!” E o Espírito
usou sua mediunidade, Capa do livro gênero ficava insistindo para ele
e espiritualidade
nem para o “bem” e nem ajudar, mas ele permane-
para o “mal”. Diz que existem três tipos de cia irredutível. Perguntei o motivo dele não
Espíritos: os de “luz”, os das “trevas” e os querer usar esse potencial para ajudar as
“neutros”. Segundo afirma, prefere a com- pessoas e ele respondeu que não gosta de
panhia destes últimos. Em sua narrativa, lugar com muita gente, nem de se expor.

204
Aproveitei para convidá-lo para trabalhar de São Carlos, que, segundo ela, foi sede
na ONGCSF, auxiliando nos atendimentos de uma antiga fazenda. Lá, ela costumava
de Apometria a distância, onde não teria ver os antigos proprietários e até escravos
o contato direto com nenhum consulente, andando pelo local e isso a incomodava.
mas também não manifestou interesse. Eu sugeri que fosse buscar ajuda no
Este outro caso, que agora vou apre- trabalho da ONGCSF ou de algum centro
sentar, é de uma idosa, evangélica, e que espírita ou de umbanda, mas ela não acei-
vê e ouve os Espíritos. Ela frequentava as tava por ser evangélica. A igreja que ela fre-
minhas aulas em uma escola para a terceira quentava se limitava a dizer que “era coisa
idade porque nelas se sentia bem. Ela apa- do demônio”, sem ajudar efetivamente na
rentava ter sérias “perturbações psíquicas”, solução do sofrimento dessa idosa.
mas se negava a falar até que, um dia, em Na escola, durante as aulas, ela se
sala de aula, ao saber que eu “mexia com sentia acolhida e calma. Gostava das me-
espíritos” me perguntou: “professor, por ditações e de outras práticas que fazíamos
que eu vejo os Espíritos se a minha religião (como o Chi Kung), mas o problema era em
não permite?” E eu procurei explicar para casa. E um dia, quando a situação estava
ela que, independentemente da religião, se tornando insustentável, ela, sem saber
ela, por ser “médium vidente”, estava apta como lidar com a vidência, achou melhor
para ver estes seres e que, portanto, não se mudar daquela casa. Porém, ela também
dependia de religião. abandonou a escola e perdi o contato, fi-
Ela morava em uma casa, no centro cando sem saber como ela estava lidando

205
com o aquele problema. sobre “espiritismo”. Porém, vou apresentar
No caso dessa ex-aluna, uma outra dois relatos que demonstram que o pro-
explicação possível para o que ela via em blema persiste e que problemas de emer-
casa é o animismo, ou seja, ao invés de Es- gência espiritual de cunho mediúnico ain-
píritos, ela poderia ter sensibilidade para da acontecem na educação fundamental,
fazer “captação psíquica”, um recurso que é afetando crianças e jovens.
muito utilizado nos atendimentos de Apo- Alguns anos atrás, fui procurada por
metria. Nesse caso, ela entrava em contato uma aluna de uma escola para idosos, lo-
com a energia dos ex-moradores da casa, calizada na Vila Prado, porque o seu neto
impregnada no ambiente e via “cenas” do de 8 anos não queria ir mais para a escola
que lá acontecia. Ou seja, seria um fenô- e nem ficar na casa dos pais. Era somente
meno anímico e não necessariamente me- na casa da avó que ele se sentia bem, pois
diúnico. Mas este seria um outro tema que lá ele não via os Espíritos. Segundo esta
não é o nosso objetivo nesta pesquisa. aluna, que é católica, o neto via seres de-
Continuando com os relatos, podería- formados que o ameaçavam de morte, tan-
mos pensar que hoje em dia não haveria to em sua casa, como também na escola.
mais crianças passando pelo que os dois Aliás, é comum as crianças terem “amigos
primeiros idosos que apresentamos passa- imaginários” até por volta dos sete anos
ram na infância. Podemos pensar que hoje de idade. Mas alguns não costumam ser
em dia há mais conhecimento e compreen- tão amigáveis, como no caso dessa crian-
são, que as pessoas estão mais informadas ça. Felizmente, a avó e a mãe da criança

206
aceitaram auxílio em um centro espírita do acordar, a professora de educação física re-
bairro que indiquei e um trabalho de “de- solveu fazer uma oração. A menina, então,
sobsessão” foi realizado. No centro, infor- “incorporou” um “obsessor” que começou
maram a avó que a mediunidade da crian- a rastejar pelo chão e ameaçava matar a
ça havia sido fechada temporariamente até menina, tentando colocando a cabeça dela
que ele tivesse maturidade para lidar com a no ventilador. Desesperada, pediu socorro à
questão. Recentemente, conversando com diretora e a outros professores. Com a pre-
a aluna, ela narrou que o menino está fre- sença de outras pessoas, o “obsessor” se
quentando a escola normalmente e que o afastou e a menina voltou ao normal e foi
problema terminou. para casa. No dia seguinte, porém, duran-
Um outro caso, porém, foi muito mais te a aula de educação física a menina disse
grave. Uma idosa, médium umbandista, é para a professora: “ele vem vindo, o malva-
mãe de uma professora de educação física do vai me pegar...” e desmaiou novamente,
em uma escola pública. Uma das alunas da desta vez na quadra da escola. Com a ajuda
filha sofria ataques “obsessivos” dentro da de outros alunos, que estavam assustados e
escola. Um dia, a professora encontrou a com medo, a professora levou a aluna para
jovem desmaiada em um sofá, na sala dos uma sala de aula. No caminho, ela deu “pas-
professores. Segundo a coordenadora da sagem” novamente ao “obsessor” que co-
escola, a menina sofria dores no estômago meçou a rosnar e a ameaçar todo mundo.
e por, causa disso, costumava desmaiar. A professora, então, resolveu chamar
Depois de 40 minutos e nada da aluna a mãe, médium de umbanda, que foi até lá e

207
conseguiu “acalmar” o “obsessor”. À noite, e como não é comum vermos os Espíritos
no centro em que a mãe dessa professora que as transmitem, achamos que são nos-
trabalha, o Espírito foi “doutrinado” e a alu- sos próprios pensamentos. Porém, aquelas
na, depois dessa experiência, passou a fre- pessoas que possuem mediunidade os-
quentar também o mesmo local para disci- tensiva, seja a vidência, a audiência, a “in-
plinar sua mediunidade. corporação”, entre outras, são as que mais
*** sofrem, pois costumam ser rotuladas como
Outros relatos poderiam ser aqui cita- esquizofrênicas e são, com frequência, en-
dos, mas acredito que estes são suficientes caminhadas para tratamentos psiquiátricos
para demonstrar como o desconhecimento com profissionais que ignoram os mecanis-
sobre os mecanismos da mediunidade ain- mos básicos da mediunidade.
da são grandes. Fala-se muito em escola in- Outro fato, porém, é que mesmo sen-
clusiva, mas o que acontece quando o alu- do um médium equilibrado, muito idosos
no afirma que vê, ouve ou dá “passagem” manifestam traços de estigmatização, so-
para espíritos? Como esse aluno é tratado? bretudo, quando atuam na Umbanda. Nos
como louco? como esquizofrênico? como ambientes profissionais e mesmo na esco-
um ser tomado pelo demônio? la, enquanto as outras pessoas não des-
É provável que todos nós sejamos cobrem que elas são umbandistas, estas
médiuns, a maioria, porém, apenas intui- costumam se mostrar inseguras ou des-
tivos. E como sempre estamos recebendo confiadas, alguns dos traços apontados por
intuições, sejam elas positivas ou negativas, Erving GOFFMAN (1988) sobre o estigma.

208
Com frequência, ouvem, em silêncio, os tomas, ao adentrar em certos locais, como
outros criticando ou falando pejorativa- hospitais, por exemplo. Esses transtornos
mente de sua religião. Se perguntam qual costumam ser classificados como “aními-
a religião eles seguem, muitos dizem ser cos” ou “obsessivos”, por exemplo, pelos
católicos ou espíritas, mas dificilmente se adeptos da Apometria, técnica de trata-
assumem como umbandistas. mento psíquico criada por um médico es-
No interior do grupo religioso, agem piritista em meados do século XX. A solu-
com mais naturalidade, mas não deixam de ção, para a maioria deles, seria através do
viver uma vida incompleta, sempre com re- próprio exercício da mediunidade, uma vez
ceio de serem chamados de “macumbeiro” que seriam consequência da “mediunidade
ou outro nomenclatura pejorativa e pre- reprimida”. Essa teoria também foi compar-
conceituosa. tilhada por vários médiuns com quem con-
Apesar dessa intolerância com os mé- versamos e afirmaram que, ao começar a
diuns e adeptos das religiões afro-brasilei- estudar e a fazer parte de práticas sociais
ras, existem alguns “transtornos psíquicos” medianímicas estes transtornos se extin-
que afetam vários médiuns, independente- guiram ou diminuíram significativamente.
mente da linha doutrinária que seguem. Os No caso de terem causas “obsessivas”, além
mais comuns são enxaquecas que duram da prática social da mediunidade se fez ne-
semanas, pesadelos, irritação sem motivo cessário um tratamento através da própria
aparente, ideias suicidas e mudança repen- Apometria, em terreiros de umbanda ou
tina de humor, tonturas, entre outros sin- centros espíritas.

209
A prática da meditação integrativa ma consciente e também inconsciente. A
com idosos médiuns, ou seja, que não re- disciplina necessária para participar de uma
primiram a mediunidade e a utilizam em prática social medianímica, não importan-
diferentes práticas sociais espiritualistas, do a doutrina, ajuda a evitar os “transtor-
demonstra que ela pode ser um procedi- nos psíquicos” associados à “mediunidade
mento eficiente complementar. Em outras reprimida”. Porém, além dessa prática, se
palavras, não substitui a prática social da faz necessário autoconhecimento e contro-
mediunidade, mas auxilia, e muito, no alívio le mental. A prática da meditação, especi-
destes “transtornos psíquicos”. E isso ocor- ficamente, da Meditação Integrativa, que
reria, dentro da perspectiva da Animago- é realizada através de induções animagó-
gia, pelo fato do médium ser capaz de cap- gicas e bioenergéticas, favorece esse pro-
tar de uma forma mais intensiva e também cesso e, dessa forma, condições para que
extensiva as energias psíquicas (qualitum) o médium consiga se “desligar” de uma
que vibram na Psicosfera. forma consciente das energias desarmôni-
Todos nós seriamos capazes de captar cas e seja capaz de controlar as energias
tais ondas, porém, as pessoas que se dizem de seu pensamento e sentimento em seu
médiuns parecem ter uma sensibilidade cotidiano, inclusive nos momentos em que
maior para conseguir fazer estas captações não está atuando em alguma prática social
psíquicas. Tais captações acontecem de for- medianímica.

210
Capítulo 6 - A prática da Meditação Integrativa
com idosos médiuns

Os relatos de experiência de vida ceito e o desconhecimento generalizado


apresentados acima foram socializados em relação à umbanda, religião de matriz
por idosos durante os cursos intitulados “o afro-brasileira muito marginalizada e estig-
poder da mente”, dentro de um programa matizada.
de Gerontagogia Holonômica onde, nos Posteriormente, para alguns dos par-
quinze minutos finais das aulas, fazíamos ticipantes, sobretudo os que diziam ser
uma Meditação Integrativa. Foi, portanto, médiuns, ou seja, que diziam ser capazes
durante as atividades que descobri que de ouvir ou ver Espíritos ou até mesmo dar
entre os idosos participantes alguns eram “passagem” para um ser incorpóreo se ma-
médiuns. Apesar de não ter sido a intenção nifestar através de seu corpo, pedi autori-
original coletar estes depoimentos, essas zação para coletar seus depoimentos
informações foram sendo expostas durante Como salientamos ao longo deste es-
as reflexões que fazíamos sobre o precon- tudo, já há grupos acadêmicos, sobretudo

211
no campo da saúde, realizando algumas rias”. São elas que, com mais frequência,
pesquisas sobre os “problemas espirituais e relatam a visualização de imagens nítidas e
religiosos”. Porém, no campo da educação intensas durante a prática.
essa preocupação praticamente não existe, Na perspectiva da Animagogia, es-
e acredito que seja necessário instituir pro- tas pessoas teriam transcendido as barrei-
gramas de pesquisas sobre os problemas ras do ego consciente e acessado aquela
religiosos e espirituais na educação para dimensão que Henry CORBIN chamou de
que situações como as descritas no capí- imaginal e, em alguns casos, indo até a
tulo anterior sejam tratadas com mais co- Noosfera e a Logosfera. Para a Animago-
nhecimento de causa e respeito, para que gia, estas visões numinosas não são sim-
experiências como as vivenciadas por estes ples fantasias da mente consciente, pois,
idosos não mais se repitam. na medida em que se tenta dominar men-
A Meditação Integrativa, conforme talmente tais imagens, elas simplesmente
exposto, é, ao mesmo tempo, uma ativida- desaparecem. Certa vez, enquanto eu par-
de psicossocial e espiritual, o que não sig- ticipava de uma sessão de Meditação Inte-
nifica que todos vão ter as mesmas expe- grativa, vi cerca de cinco ou seis crianças
riências. Como salientamos, normalmente, carecas, com traços orientais, vestidas com
as pessoas que possuem uma mediunidade hábitos laranjas, típicos dos budistas tibe-
mais ostensiva, demonstram uma facilida- tanos, olhando e sorrindo para mim. Quan-
de maior para acessar o mundus imaginalis do tomei consciência da imagem e quis
e descrevê-lo em suas “narrativas visioná- focá-la com mais nitidez, voltei ao estado

212
de vigília e elas sumiram automaticamente. nas. ELIADE, inclusive, classifica o ser huma-
Em outras palavras, a mente racionalizado- nizado dessas sociedades como constituin-
ra que vibra na “Psicosfera inferior” não é do o Homo religiosus. Porém, no ambiente
capaz de retê-las. cibernético-informacional contemporâneo,
Em suma, quando a prática medita- acreditamos que está desabrochando o
tiva favorece a produção dessas imagens, Homo spiritualis, outra modalidade de Ser
estamos diante de uma hierofania. Ou seja, no mundo capaz de integrar a sacralidade
algo de sagrado nos é revelado. Como nos primitiva com as descobertas e a cientifici-
diz ELIADE, tomamos conhecimento do sa- dade do mundo atual.
grado porque este se manifesta, se mos- E os idosos que são médiuns, pelo
tra como algo absolutamente diferente do menos os que tive a oportunidade de con-
profano. Como já salientou ELIADE: “Para viver e coletar seus depoimentos, afirmam
aqueles que têm uma experiência religiosa, ter a impressão de ficarem desorientados
toda a Natureza é suscetível de revelar-se quando vão a determinados locais ou se
como sacralidade cósmica. O Cosmos, na encontram diante de certas pessoas, quan-
sua totalidade, pode tornar-se uma hiero- do não ficam com dores de cabeça, no es-
fania” (1996, p. 18). tômago ou em outras partes do corpo, mas
Para este famoso historiador das reli- que, após a prática da Meditação Integra-
giões há duas modalidades de Ser no mun- tiva voltam a ficar em paz consigo mesmo
do: a profana e a sagrada. Esta última foi a e com o mundo, afirmando reencontrar a
predominante nas sociedades não-moder- “unidade e a harmonia”, como se recebes-

213
sem um “bálsamo para o corpo e para a de descontração e tranquilidade. Porém,
alma”. os médiuns teriam mais facilidade para se
E a sensação de bem-estar costuma desligar do ego e, assim, chegar a um es-
ser relatada com mais ênfase pelos idosos tado extático (a capacidade de colocar o
que manifestam sintomas mais ostensivos organismo e todo o Ser a serviço de uma
de mediunidade. Eles costumam dizer que comunhão metacognitiva, despertando o
são como “esponjas” e, por onde passam, Self e permitindo a contemplação do nu-
vão captando as “vibrações das pessoas e minoso em seu esplendor). Esse processo
lugares”. Essas vibrações, quando “desar- seria o responsável pelo relato de imagens
mônicas” causam perturbações físicas, mas belíssimas ou pela sensação de plenitude.
também psíquicas que desaparecem após É preciso salientar que não se trata, como
a prática meditativa. já salientamos, de meras fantasias da men-
A interpretação animagógica para te consciente. Ao contrário, por ser uma
esse “processo de cura” é a seguinte: a Me- técnica que estimula o participante a se
ditação Integrativa ajudaria o participante a entregar às atividades metacognitivas, é
atingir um estado hipermetabólico oposto possível que estejam, de fato, em contato
ao estado de vigília ou, em outras palavras, com imagens arquetípicas curativas que se
entrar em estado ampliado de consciência, escondem no âmago do Ser, no Self. Nes-
acessando a dimensão que chamamos de se sentido, não se trata de um estado “al-
Noosfera. Pessoas menos sensíveis, podem terado” de consciência, mas de um estado
vivenciar apenas uma sensação agradável ampliado de consciência curador e regene-

214
rador do campo mental e emocional (que que se tratava, de fato, de experiências
vibra na Psicosfera) e do físico (que vibra “transcendentais e espirituais”. O próprio
na Biosfera). ROGERS afirma que no passado não em-
E o relato dos praticantes, sobretudo pregaria estas palavras (transcendência e
os idosos médiuns que participaram dos espiritualidade), “mas a estrema sabedoria
cursos de Gerontagogia Holonômica vem do grupo, a presença de uma comunicação
ao encontro das conclusões de Carl RO- profunda quase telepática, a sensação de
GERS (1983), cuja obra foram importantes que existe ‘algo mais’, parecem exigir tais
para o surgimento das abordagens trans- termos” (1983: 62).
pessoais na psicologia. Duramente criticado Após a sua morte, novas concepções
por valorizar as dimensões transcendentes foram realizadas por seus seguidores e admi-
ou espirituais que emergiam no contexto radores, porém, em uma de suas últimas re-
terapêutico, especialmente nas Terapias de flexões afirmou: “tenho a certeza de que nos-
Grupo, ROGERS (op. cit.) parece não ter se sas experiências terapêuticas e grupais lidam
intimidado e deu prosseguimento ao seu com o transcendente, o indescritível, o espiri-
transgressor, libertário e revolucionário tra- tual. Sou levado a crer que eu, como muitos
balho. Em suas últimas obras, a formulação outros, tenho subestimado a importância da
de uma temática transpessoal começou a dimensão espiritual ou mística” (1983: 53).
se destacar após a observação de fenô- Atingir este estado ampliado de cons-
menos que demonstravam a existência ciência também é possível com a prática
de estados sutis de consciência e concluiu do Chi Kung ensinado nos cursos de TVI.

215
Porém, aqui, o acesso a essa dimensão su- lo e fazem os movimentos de forma mais
perior é um pouco mais demorado. Nor- espontânea. A terceira etapa, porém, é a
malmente, a compreensão plena da técnica mais importante. Ela acontece quando os
acontece em três etapas. movimentos vêm do fundo da alma. É nes-
Na primeira a pessoa está muito preo- se momento que a energia do Espírito (que
cupada em aprender os movimentos com a chamamos de divinum) é percebida. Sente-
“cabeça”. Nessa etapa, também, a maioria se calor nas mãos, sente-se a energia fluin-
tem medo de errar, tem vergonha de es- do pelo corpo, aparecem cores na mente,
tar sendo ridícula diante dos outros etc. algumas pessoas começam a bocejar, la-
Curiosamente, quanto mais tentamos do- crimejar, salivar etc. Todos esses sintomas
minar os movimentos mentalmente, mais seriam, segundo a Animagogia, formas de
nos confundimos e trocamos os movimen- transmutar energias estagnadas nos dife-
tos. Essa primeira etapa é um importante rentes campos energéticos em que vibra-
momento de aprendizado e de consciên- mos simultaneamente (Biosfera, Psicosfera,
cia corporal. Em uma segunda etapa, não Noosfera e plano espiritual).
necessariamente no segundo encontro, os Quando se atinge este estágio, os
participantes começam a dominar os mo- participantes experimentam mudanças e
vimentos e a se encantar. De fato, passam emoções purificadoras. Velhos pensamen-
a sentir o fluxo de energia e, independente tos começam a se dissolver e as “energias
da razão, o prazer alcançado se intensifi- negativas” são transmutadas de dentro
ca. Já não têm mais a sensação do ridícu- para fora.

216
Vamos apresentar duas possíveis mologista e o glaucoma desapareceu.
curas físicas que aconteceram com a práti- Como salientamos, não temos como
ca da Meditação Integrativa. Como salien- avaliar essa informação. Porém, se levar-
tamos, seu objetivo é o autoconhecimento mos em consideração que vários médicos
e ajudar a pessoa a vivenciar sua experiên- que fazem diagnósticos psicossomáticos
cia humanizada com habilidade espiritual, apontam causas emocionais para o glau-
porém, nada impede que não possa acon- coma, se estiverem certos, pode ser que
tecer curas físicas como as que vamos des- a prática da Meditação Integrativa trouxe
crever. Também não temos elementos para mais equilíbrio para sua vida mental e, as-
afirmar, categoricamente, que elas aconte- sim, a consequência foi a diminuição da
ceram pela prática da Meditação Integrati- pressão intraocular e de outros sintomas
va, apesar das duas pessoas afirmarem que associados ao glaucoma.
sim. A outra cura é um pouco mais difícil
A primeira cura foi narrada por uma de ser explicada pelo modelo ou pela ra-
senhora residente na cidade de Dourado, cionalidade biomédica. Uma senhora pro-
perto de São Carlos. Ela começou a frequen- curou a ONG devido ao fato de enxergar
tar as atividades da ONGCSF e após quatro muita luz branca que dificultava o seu co-
semanas praticando as técnicas da TVI, en- tidiano. Segundo ela, foi em vários oftal-
tre elas, a Meditação Integrativa, ela afirma mologistas em diferentes cidades e todos
ter sido curada do glaucoma. Segundo ela, a diziam que sua visão era perfeita. Depois
cada seis meses faz exames com o seu oftal- de quatro semanas recebendo atendimen-

217
to de imposição das mãos em uma maca, tar o centro se tornando uma trabalhadora
ela nos mostrou emocionada dois ultras- do mesmo.
sons de seu fígado. No primeiro aparecia Na ótica da Animagogia a cura seria
uma mancha que sumiu misteriosamente. explicada da seguinte forma. Ao conseguir
Segundo afirma, seu médico ficou impres- captar as energia espirituais da Logosfera e
sionado dizendo que aquilo não seria pos- também as anímicas da Noosfera, ela reno-
sível sem uma cirurgia. vou sua energia psíquica e biológica. Dessa
Em nenhum momento ela nos infor- forma, as células do corpo vão se reestru-
mou sobre seu problema no fígado. Porém, turando favorecendo a cura. Mas o porquê
as luzes brancas continuavam a lhe inco- de algumas pessoas conseguirem que isso
modar a visão. Assim, indicamos a ela um aconteça e outras não, pode ser devido ao
centro espírita onde ela poderia conversar “merecimento”, ao “acaso” ou outro fato
com uma “entidade espiritual” e ela foi. Lá qualquer. Mas, como salientamos, ape-
a mulher foi informada que tinha “mereci- sar dessa senhora afirmar que seu fígado
mento” para curar sua enfermidade no fí- foi curado pela prática da TVI, não temos
gado e isso aconteceu durante as sessões como afirmar se ela está certa ou não. A
de TVI. Quanto ao olho, ela realmente não Animagogia não visa a cura física, mas o
teria nenhum problema. As luzes seriam autoconhecimento. Porém, não nega que,
“espíritos” que ela via por ser vidente e teria em alguns casos, isso venha a acontecer.
que aprender a lidar com o fato. Após rece- Em 2015, a ONGCSF alugou uma má-
ber essa informação ela passou a frequen- quina fotográfica térmica para registrar a

218
Foto 01 - antes do início da Meditação Integrativa

219
prática da Meditação Integrativa e alguns meçar a atividade, afirmou estar com dor
resultados foram surpreendentes, demons- de cabeça, no lado direito (podemos notar
trando o efeito dela no corpo físico, alte- uma manchinha branca perto da legenda
rando de forma significativa o calor distri- que marca a temperatura máxima na ima-
buído pelo corpo. Vamos começar com as gem, próxima de seu olho direito).
fotos de uma senhora, com 55 anos, antes Após a prática meditativa que durou
e depois de uma prática meditativa que 15 minutos podemos notar na foto 2 que a
durou apenas 15 minutos. cabeça esfriou, diminuindo a área esbran-
Nesta foto, antes do início da prática quiçada, e a mancha branca praticamente
meditativa, podemos notar uma desarmo- desaparece. Além disso, as duas faces estão
nia entre as faces. Os pontos brancos são mais harmonizadas, com uma distribuição
os mais quentes. Um dado importante a do calor pelo rosto de uma forma mais ho-
se considerar é no centro da testa, onde mogênea. Há uma simetria entre as duas
os orientais afirmam existir um chakra, faces após a prática da Meditação Integra-
chamado de “frontal”. Ele estaria ligado, tiva.
supostamente, a intuição, à vidência etc. Podemos notar pela imagem que a
Antes de ter início a prática podemos no- área mais quente passou a ser na altura da
tar pela imagem que ele está quente (com boca e centralizada, provavelmente devido
tendência para o branco). Ela, antes de co- a uma respiração mais harmoniosa.

220
Foto 02 - no encerramento da Meditação Integrativa

221
As próximas duas fotos vão demons- irradiada sai com mais intensidade quando
trar um outro fato fisiológico muito signifi- se faz imposição das mãos. A temperatura
cativo: o aquecimento das mãos do anima- no início da prática era de 34,4 graus.
gogo durante uma imposição. Uma pessoa As fotos das mãos foram realizadas a
está no centro para receber energia e a fo- cada dois minutos. Estamos disponibilizan-
tografia registra uma mão imposta próxima do apenas a primeira e a última, quando
da cabeça da pessoa durante a atividade a prática estava sendo encerrada. É impor-
que durou cerca de 12 minutos. tante salientar que em nenhum momento
A foto número 3 foi tirada no início da as mãos são esfregadas ou se toca no cor-
atividade e podemos observar que a área po da pessoa que está deitada na maca. Em
mais quente é justamente no centro da pal- todo o processo, o animagogo permanece
ma, onde os orientais afirmam que também concentrado, com as mãos impostas e em
existe um chakra e seria de onde a energia estado meditativo ou em prece.

222
Foto 3 - imagem termográfica de uma imposição de mãos, no início da atividade

223
Entre a foto acima e a foto 4, regis- apenas uma “coisa da cabeça”. Com o uso
trada no encerramento da atividade, pode- da máquina termográfica, foi possível cons-
mos observar que houve um aquecimento tatar que o calor nas mãos é real. Obviamen-
notável de 0.9 décimos, alcançando a tem- te que não é possível afirmar que alguma
peratura de 35,3 graus. Como salientamos, energia foi enviada para a pessoa deitada,
em nenhum momento houve toque, fricção mas que as mãos se aquecem isso é um fato
das mãos ou qualquer outro mecanismo que pode ser observado e registrado com o
que pudesse aquecê-las a não ser a própria uso de uma câmera termográfica.
concentração mental e a vontade de irra- Como só havia uma câmera e essa fi-
diar a suposta energia que sai pelas mãos. cou posicionada em direção à mão da pes-
Normalmente, as pessoas que partici- soa que fazia a imposição, não foi possí-
pam de atividades similares relatam o aque- vel acompanhar, nesse caso, a mudança de
cimento das mãos, porém, sempre se ques- temperatura no rosto da pessoa que estava
tionam se de fato a mão aquece ou se seria deitada na maca “recebendo a energia”.

224
Foto 04 - imagem termográfica de uma imposição de mãos, no término da atividade

225
A seguir vamos apresentar o relato de temente do que o outro faça. A
uma idosa médium, que pratica a Medita- prática da Meditação Integrativa
ção Integrativa, há cerca de sete anos e que tem me ajudado a me sentir mais
frequentemente sofria “transtornos psíqui- “leve”, sobretudo com a família.
cos”, o que a fazia tomar forte medicação A prática da psicografia também
e também ser internada quatro vezes, ten- ajuda a aliviar a “confusão men-
do que ser amarrada em várias delas. Após tal” ou as “vozes que falam co-
iniciar a prática, os problemas diminuíram migo”. Mesmo assim, ainda tomo
e não precisou, até o momento, ser nova- remédios para dormir. Nem sem-
mente internada. Essa idosa ajuda desde pre as “vozes” que escuto querem
2015 nos atendimentos de TVI, na ONG- passar mensagens. Muitas vezes,
CSF. Esse depoimento foi coletado para um pedem para eu “meditar”, “ficar
artigo enviado para o prêmio Victor Valla mais calma” e “se desligar das
de Educação Popular e Saúde, mas vamos preocupações”.
aqui o reproduzir na íntegra: As minhas “crises espirituais”
começaram há 30 anos. Ficava
Eu sou uma pessoa que se magoa muito agressiva e fui internada
com facilidade, mas estou apren- 4 vezes. Precisava ser amarrada
dendo a lidar com a situação, e ficava dopada. No local onde
compreendendo que somos nós era internada (acho que era em
que nos magoamos, independen- Araraquara) eu era colocada em

226
um quartinho escuro, onde havia o trabalho. Ela dava passagens
um buraco no chão para as ne- para os espíritos e ele conversava
cessidades fisiológicas. Não tinha e orava. Eu ficava apenas ano-
cama. Eu ficava jogada no chão. tando o que acontecia. A família
A comida era passada por uma me proibiu de participar depois
janelinha que abria na horizon- de um tempo, associando que as
tal. Costumava ficar em torno de crises estariam relacionadas com
um mês internada e dopada. este trabalho.
Eu comecei a melhorar há 13 Nas quatro vezes em que fui in-
anos, quando comecei a frequen- ternada em um hospital psiquiá-
tar o CAPS, apesar deles conside- trico, acho que era na cidade
rar que o meu problema era ape- de Araraquara, eu estava muito
nas mental. Hoje eu acredito que agressiva e por isso minha fa-
era também espiritual. mília chamava o “resgate”. Vá-
Na década de 80, mesmo sem rios homens fortes amarravam
o apoio da família, participei minhas mãos e pés, enquanto
de um trabalho de desobsessão, eu gritava. Não tomei choque,
mas não era em centro espíri- mas sabia de várias histórias
ta. Um senhor católico e uma de pessoas que tomavam. Há
senhora, também católica, mas 13 anos encontrei o CAPS onde
que incorporava, é que faziam tive apoio para sair da crise. Lá

227
eu escrevia muito. Hoje acho que Fazendo um balanço da vida, no-
já eram psicografias. Algumas tei um fato interessante. Sempre
mensagens vinham com orien- que algo mudava dentro de mim,
tações e outras eram desabafos. sentia necessidade de mudar,
Alguns funcionários do CAPS di- seja de casa ou mesmo a dispo-
ziam para eu parar de escrever sição dos móveis. Como se a mu-
e fazer uma terapia, sem com- dança externa refletisse a minha
preender que o ato de escrever mudança interna.
era a terapia que necessitava. Uma das primeiras crises foi há
Durante 10 anos escrevi muito, cerca de 28 anos atrás. Uma vi-
mas ouvia das “vozes” que não dente católica, chamada Geral-
era para mostrar para a família, da, foi em minha casa para rezar
que não estava preparada para com as crianças (filhas e outras).
entender. Durante o terço, eu dei um grito
Hoje eu reconheço que foi graças e desmaiei. Um senhor passou al-
a esse sofrimento que cresci, me godão com água na minha boca,
tornei mais forte. Consigo ajudar mas eu sentia gosto de vinagre. E
com amor. Se antes ia ajudar “pe- uma amiga vidente disse ter visto
sada”, com a paz e a alegria que uma nuvem negra sobre a minha
venho sentido, agora vou “leve” e casa, naquele dia.
volto bem. Alguns dias depois, fui levada

228
para um trabalho de desobses- perta. Eu ouvia tudo que as pes-
são em um centro espírita. Lá, eu soas falavam, mas não conse-
fiquei no centro da roda e ouvia guia responder ou movimentar o
uma voz dizendo: “acaba com to- corpo.
dos eles”. Eu foquei minha aten- O meu marido me abandonou
ção em Maria e fiquei rezando. por causa das crises. Mas não te-
Ao terminar o trabalho, o coor- nho nenhuma mágoa ou rancor.
denador me ironizou e disse que Eu tinha, mas passou quando fiz
eu estava limpa, mas eu ainda a seguinte experiência. Eu reza-
sentia que as vozes que me in- va muito para São Rafael e um
comodavam ainda estavam co- dia, senti como se água percor-
migo, mas não sabia como dizer. resse todo o meu corpo por den-
Não voltei mais lá. tro. Quando a sensação passou,
Em uma outra ocasião, tomei a a mágoa tinha passado também.
famosa injeção do “Kamamura”, Eu acredito que tenha sido uma
era como as pessoas chamavam limpeza espiritual, uma vez que
o “sossega leão, um remédio for- São Rafael é considerado um
tíssimo para a pessoa apagar. “bálsamo para as almas”.
Meu corpo relaxou e senti algo Quanto às psicografias, elas
percorrendo o meu corpo. Mas a acontecem mais a noite. Eu cos-
minha mente permanecia des- tumo acordar no meio da noite e

229
vem muito informação na minha depois descobri o que tinha acon-
cabeça. Eu preciso me sentar e tecido. E a voz tinha razão.
escrever. São coisas boas e ruins. Não me recordo quando foi a
Mas depois que passo para o pa- primeira incorporação. Não sei
pel, consigo descansar e voltar a precisar, lembro que fiquei com
dormir. o corpo todo arcado. Tinha cons-
No CAPS fui tratada como tendo ciência, mas não conseguia en-
problemas mentais, em nenhum direitar o corpo. A família ten-
momento meu caso foi pensado tava ajudar, sem conseguir. Uma
como espiritual. E todo o mate- senhora vidente que estava por
rial que escrevi foi jogado fora. perto diz que ao meu lado havia
Muitas vezes ouço uma voz que uma “senhora” que me protegia.
me passa ordens. Por exemplo, Seria uma “preta-velha” e a ener-
às vezes quero sair de casa, mas gia dela se refletia no meu corpo.
quando vou para a rua, vem a voz
e diz: “volta!” “não saia hoje”... Essa idosa que tem uma mediunidade
Teve um dia que meu pai chegou ostensiva afirma que as sensações são mui-
em casa e a voz me fez falar: to diferentes em cada prática meditativa,
“pai, vai pedir perdão à Madale- mas, de forma geral, sente muita leveza da
na e vai se confessar ao padre”. cintura para cima e as dores que sente no
Não sei porque falei aquilo, mas joelho devido a um desgaste nas articula-

230
ções diminuem quando medita. Afirma que do contemporâneo, caracterizado pela es-
costuma “sair do ar” e ver luzes coloridas quizofrenia e pelo excesso de estímulos.
em sua mente. Em uma das ocasiões, afir- Neste estudo optamos em realizar
ma ter visto um “furação” de cor lilás claro uma “analética”7 junto aos idosos médiuns
que descia em direção à Terra, e um roxo utilizando a perspectiva da Linha de Pesqui-
escuro em frente ao rosto. Disse que, nes- sa Práticas Sociais e Processos Educativos e
te dia, relaxou muito e quase dormiu. Afir- concordando com OLIVEIRA, quando afirma:
mou que se sente bem e mais disposta nos
dias em que vê muita luz branca e dourada
envolver-se pelo trabalho, a von-
na sala de meditação e quando suas mãos tade de melhor conhecer, o saber
ficam quentes. e o sabor da convivência, nos
Em suma, podemos dizer que a Me- remete a pensamentos e senti-
mentos, que do nosso ponto de
ditação Integrativa e as demais técnicas
vista não são antagônicos à ri-
da TVI são importantes ferramentas para gorosidade científica, ao contrá-
os projetos de anima-ação cultural que se rio, atribuem ao fazer ciência um
preocupam com a autorrealização no mun- especial rigor: amorosidade, aco-


7
Enrique DUSSEL (1982) entende por método analético o movimento de aceitação ética da alteridade, do rosto do
outro em um compromisso libertário a partir da real história vivida, sendo capaz de ouvir a voz daquele que clama de
forma aflita, oprimida e excluída, construindo um diálogo entre iguais.

231
lhimento, indignação, esperança, ficado pelos profissionais da saúde como
simplicidade, colaboração. Um Burnout também se sentem aliviados após
desejo de tornar-se mais huma-
cada sessão. Mas é importante ressaltar
no, de humanizar-se no sentido
de vida mais justa. Por essas ra- sempre o objetivo animagógico que moti-
zões, com essas posturas e por vou sua criação e sua prática: mais do que
esses meios, buscamos conhecer a cura, o que se busca com a prática da
e compreender processos educa-
Meditação Integrativa é o desabrochar do
tivos próprios a práticas sociais.
(2014, p. 43) Homo spiritualis, uma nova maneira de Ser
no palco da vida humanizada e encarnada,
Mas é importante sempre ressaltar um ser humanizado liberto de dogmas reli-
que não somente os médiuns podem se giosos, mas liberto também do neurocien-
beneficiar com a técnica. Professores e ou- tismo contemporâneo e que se torna ca-
tros profissionais que lidam com o público paz de vivenciar com habilidade espiritual
e sofrem um tipo agudo de estresse classi- a vida cotidiana.

232
Considerações finais

Ficou conhecido como a “Década do ceito de espiritualidade não-espiritualista,


Cérebro” o período que foi de 1990 ao ano partindo do pressuposto que há uma área
2000. Nunca se investiu tanto em pesquisas no cérebro capaz de criar os fenômenos
para decifrar o funcionamento desse órgão chamados de devoção, paz interior e ou-
que muitos cientistas acreditam ser capaz tros associados com a espiritualidade, mas
de criar todas as percepções, emoções e que não passariam de funções biológicas
pensamentos que vivenciamos em nossa sem relação com transcendentalismo. Essas
existência humana. O avanço alcançado ilações filosóficas inspiradas por pesqui-
no período fez com que alguns estudio- sas no âmbito da neurociência resolvemos
sos mais afoitos proclamassem a “compro- chamar de neurocientismo.
vação” da não existência de Deus e muito Porém, tais pesquisas científicas so-
menos da chamada “realidade espiritual”. bre o cérebro não estariam demonstrando
Outros passaram a trabalhar com um con- apenas o que muitos mestres espiritualistas

233
orientais e ocidentais sempre afirmaram? Assim, e se aceitarmos que vivemos
Em outras palavras, que as percepções, as imersos em uma vasta rede de vibrações e
emoções e os pensamentos são “ilusórios” oscilações energéticas e o que vivenciamos
e não o Real? Para estes mestres, o Real só e chamamos de realidade ou de mundo
poderia ser atingido quando se transcen- é uma pequena parte dela, criada com o
de os atributos do ego (percepções, sen- auxílio do cérebro, a partir das ondas que
sações, emoções, formações mentais etc.) ele é capaz de transformar em percepções,
que seriam criações conscienciais que de- sensações, formações mentais e emoções,
pendem do cérebro e dos estímulos que talvez existam outras que não são capazes
nos chegam do exterior. de sensibilizá-lo, mas que fazem parte da
Algumas abordagens científicas não “ordem implícita” a ser ainda descoberta.
-ortodoxas com a de David BOHM (2008) Essencialmente, o que identificamos
propõe pensar a relação consciência/rea- como sendo o mundo material é apenas
lidade, propondo que o Universo é uma um tecido ou campo onde bilhões de par-
totalidade indivisível e que a parte por tículas/ondas em movimento (elétrons) ar-
nós percebida pertence a “ordem explíci- rastam turbilhões de ondas eletromagnéti-
ta” que, por sua vez, é um desdobramento cas das mais variadas frequências, sem se
de uma “ordem implícita”. Ele não afirma misturarem, como acontece com as ondas
necessariamente que esta última é o plano de rádio e de TV captadas por antenas re-
espiritual, porém, é possível fazer tais ila- ceptoras e aparelhos específicos capazes
ções a partir de seus pressupostos. de fazer a decodificação dessas vibrações

234
e transformá-las em imagens ou em sons. da diretamente com a representação que é
Comparando de forma grosseira, os órgãos construída cultural e socialmente.
do sentido e o cérebro parecem funcionar Apesar de estar na moda relacionar
de maneira similar para que possamos en- física quântica com espiritualidade, este
xergar mesa, cadeiras, corpos físicos, ruas, ramo da ciência, como bem salientou BA-
árvores, Sol, Lua etc. Porém, nada impede CHELARD, instaura o materialismo racional,
que não possam existir outras ondas ou rompendo com o materialismo empírico. É
vibrações no ambiente que não são capa- por isso que a maioria dos cientistas que
zes de serem transformados em “realida- atuam nesse campo do conhecimento acre-
de” para a maioria das pessoas e, por isso, dita no acaso e no “indeterminismo quân-
dizemos que estão alucinando os que en- tico”, não aceitando a hipótese de existir
xergam ou ouvem muito mais do que os uma finalidade providencial ou divina por
que se consideram “normais”. E esta hipó- trás de todo esse processo de produção da
tese em nada se assemelha ao pensamen- vida.
to solipsista que afirma ser a matéria uma E é o cientismo, ideologia criticada por
projeção mental e que a matéria só surge Paul FEYERABEND (1977), um dos motivos
quando olhamos para ela. que nos faz acreditar cegamente na pala-
Do ponto de vista fenomenológico, o vra de um psiquiatra ao afirmar que tudo
mundo é um só, mas apreendido de forma aquilo que vai além da percepção “normal”
distinta por cada um. A percepção não é é “alucinação”, considerando como uma
algo meramente biológico, mas relaciona- patologia mental todo o potencial percep-

235
tível dos videntes e dos clarividentes, e não afirmar que está “alucinando” a pessoa que,
darmos nenhuma atenção àquele que fala, além da parede, diz que vê, encostados
tratando-o como esquizofrênico. nela, um índio nu, um médico e um hindu
Porém, se pensarmos que, dentro de com turbante? E por que será classificado
uma sala iluminada, somos capazes de per- como “delírio” o fato de alguém ouvir o que
ceber paredes, poltronas e outras pessoas dizem os seres citados acima?
dentro delas graças aos fótons que após re- Não existe diferença entre o “delírio”
fletirem nesses corpos sensibilizam a retina da psiquiatria e a clariaudiência estudada
dos nossos olhos para, em seguida, serem pela parapsicologia, pelo espiritismo ou
transformados em pulsos elétricos que se- pelos ocultistas. Apenas a interpretação
rão levados até o cérebro onde a imagem é diferente. E por que uma é considerada
dessa parede será criada (e não só a ima- verdadeira e a outra não? Se a diferença
gem, também a sensação de que a parede está apenas na interpretação, FEYERABEND
é lisa e não rugosa) por que não podemos (1977) está correto ao criticar o cientismo e
aceitar que possam existir outras ondas ou dizer que a educação não deve ser vincu-
vibrações que não sensibilizam e por isso lada à religião, mas também não deve ser
não são transformadas em realidade pelo vinculada à ciência. Um verdadeiro cético
cérebro? é aquele que questiona as duas posições
Em outras palavras, se o cérebro da e não o que aceita uma e afirma que a ou-
maioria das pessoas só é capaz de criar tra é errada. Esse não passa de um pseu-
essa decodificação do ambiente, por que do-cético já que as duas interpretações são

236
metafísicas, tanto a que considera a cons- das ondas que vibrarem dentro de deter-
ciência um epifenômeno da matéria como minados limites serão decodificadas pelo
a que considera a consciência independen- nosso cérebro. Em outras palavras, o que
te dela. chamamos de realidade pode ser apenas
No exemplo acima, pela perspecti- uma ponta de um imenso iceberg, apenas
va da psiquiatria, considerada cientifica, e a decodificação de uma parte ínfima das
por isso mais “verdadeira”, seria impossível vibrações e energias que existem ao nosso
existir encostados na parede o índio nu, o redor, que derivam ou são desdobramen-
médico e o hindu de turbante. Porém, para tos de outras, e que o nosso cérebro ou o
a pessoa que diz vê-los e ouvi-los, eles da maioria das pessoas consegue transfor-
existem. Ou seja, do ponto de vista feno- mar em percepções, sensações, formas ma-
menológico, ou da existência perceptiva de teriais etc.
quem afirma vê-los, eles são reais. Talvez David BOHM esteja correto e,
E dentro deste contexto podemos na totalidade do Universo, para além da
formular uma hipótese: a de que o cére- ordem explícita, há uma implícita ainda
bro, por mais maravilhoso e complexo que desconhecida da ciência. E o cérebro não
seja, talvez não tenha sido programado seria necessariamente um criador de rea-
para transformar em realidade todas as vi- lidades, mas um redutor da Realidade. Por
brações visuais, olfativas, sonoras etc. que exemplo, ao nosso lado, nesse momento,
existem no Universo, na Biosfera ou em ou- pode existir vários seres incorpóreos e uma
tras dimensões. Pode ser que apenas parte infinidade de objetos que não consegui-

237
mos ver ou tocar, mas que vibram em uma vação” aquilo que é chamado de “delírio”
outra dimensão. Um médium vidente po- pode ser um fato psíquico natural chamado
deria, usando seus poderes psíquicos ou pelos ocultistas de “clariaudiência”. E muito
mediúnicos, nos descrever vários fatos que do que é classificado como “alucinação”
estão acontecendo dentro de um ambien- pode ser, dentro de um outro ponto de vis-
te, mas que escapam da nossa percepção ta, “clarividência”. Tudo dependerá, portan-
dita normal, criada pelo ego, a “consciência to, da interpretação ou do “instrumento de
humanizada da personalidade”. observação”.
Os médiuns videntes seriam pessoas Acredito que há inúmeras evidências
que, por alguma razão ainda desconheci- para se acreditar que a vida pode não ter-
da, conseguiriam transcender a barreira da minar com a morte física, o que nos levaria a
“normalidade” e, assim, conseguiriam de- pressupor que há uma distinção fundamen-
codificar outras ondas energéticas, não ne- tal entre a vida e a existência. Do ponto de
cessariamente através do cérebro, de forma vista da Animagogia, a vida seria a do Espí-
que conseguiriam realmente estabelecer rito que, provavelmente, possui uma única
comunicação visual ou auditiva com seres vida, mesmo que se processe ao longo de
incorpóreos, decodificando ondas visuais e várias existências. E a consciência do Espí-
sonoras que o cérebro da maioria das pes- rito ao se humanizar seria o Self, capaz de
soas não está programado para fazer. “arquivar” as experiências vividas em cada
E como a observação está diretamen- existência humanizada do Espírito, enquan-
te relacionada ao “instrumento da obser- to uma “individualidade humanizada”.

238
Esta, por sua vez, a cada nova en- mensões e as percepções captadas pelos
carnação, criaria um novo ego, uma nova sentidos. E não estamos aqui defendendo
consciência humanizada da personalidade. o ponto de vista solipsista que afirma que
Em outras palavras, para cada existência, a matéria é uma projeção mental ou que a
para cada ciclo de nascimento e morte, se- matéria só passa a existir quando olhamos
ria necessário velar a consciência da indi- para ela ou que, pelo pensamento, pode-
vidualidade (Self) que vibra em uma outra mos mudar o passado. Mas o ego parece
dimensão (Noosfera) para que possamos agir como se estivéssemos sob um “esta-
acreditar nos valores e percepções próprias do hipnótico” que nos impede de pensar e
da nova existência, ou seja, que “somos” agir como Espíritos que possuem atributos
homens ou mulheres, brancos ou pretos, inerentes, como a capacidade de amar, ser
brasileiros ou argentinos, torcedores do feliz ou viver em paz qualquer vicissitude. E
Corinthians ou do Palmeiras, entre outras quanto mais identificação com as verdades
particularidades que desaparecem quando que o ego nos apresenta, mais sofrimento
se atinge estados ampliados de consciên- com as percepções, emoções e representa-
cia, como são, por exemplo, os estados es- ções mentais que ele cria a partir dos cinco
pirituais como o samadhi. sentidos.
O ego, portanto, passaria a ser o res- Ao mesmo tempo, quanto mais o ego
ponsável pela criação de uma realidade, se integra ao Self, a consciência da indivi-
mas não do Real. Ele é importante para vi- dualidade ou das percepções interiores,
venciamos as formas materiais em três di- maior a capacidade de resiliência e de paz

239
interior diante das vicissitudes da vida hu- como se fosse realidade. Por isso, nos so-
manizada e encarnada. nhos também sentimos os objetos, enxer-
E por que tememos tanto a morte? gamos e conversamos com outras pessoas,
Por ela marcar a finitude da vida? Ou será muitas delas desconhecidas ou que nunca
que é por acreditamos nas verdades impos- vimos durante o estado de vigília e ainda
tas pelo ego e não nos lembramos de que é possível se praticar o ato sexual ou levar
somos Espíritos eternos vivenciando mais um choque. As sensações costumam ser
uma experiência humanizada? O medo da tão reais que só ao acordarmos vamos nos
morte costuma desaparecer quando os aperceber que estávamos sobre a cama o
atributos do Espírito são despertados e se tempo todo e que tudo não passou de um
vivencia a experiência humanizada com ha- sonho.
bilidade espiritual, desabrochando o Homo Assim, quando despertamos, nossa
spiritualis na vida cotidiana, defende a Ani- tendência natural é a de acreditar que vol-
magogia. tamos para o “mundo real” e que todas as
Dentro dessa mesma linha de racio- percepções, sensações e emoções viven-
cínio, podemos nos perguntar: existe dife- ciadas durante o sonho foram “ilusórias”,
rença significativa entre o que chamamos criadas por algum mecanismo do cérebro.
de estado de vigília e o que chamamos de Porém, não poderia estar acontecendo
sonho? Quando sonhamos, raramente te- o mesmo no que chamamos de “mundo
mos consciência de que estamos dentro de real”? Ou seja, quem sabe um dia iremos
um sonho. Dele participamos ativamente acordar do “mundo real” da mesma forma

240
como acordamos diariamente do mundo humanizado incorpóreo. Se fizermos nossa
dos sonhos, e vamos perceber que tudo “ressurreição” agora, despertando os atri-
aquilo que acreditávamos ser real era ape- butos do Espírito, talvez deixemos de sofrer
nas uma parte de um mundo muito maior, com as vicissitudes, deixemos de emanar
onde existem outras cidades e reencontra- energias que não sejam amorosas para o
mos parentes e pessoas amigas já faleci- Universo e para quem pensa diferente.
das? A Animagogia postula que antes de
Caso isso aconteça, vamos tomar encarnar escolhemos um gênero de exis-
consciência que a vida não termina com a tência. Assim, nossa existência não acon-
morte física e que existe um Universo im- teceria por acaso. Ela teria uma finalidade
plícito do qual acreditávamos estar afas- providencial. E as enfermidades, físicas ou
tados e que as descrições ou as narrativas psíquicas, excluindo as cármicas, acontece-
visionárias dos médiuns ou dos sensitivos riam como um sinal de que a nossa exis-
não eram tão alucinadas assim. tência estaria em conflito com o propósi-
Esse despertar, portanto, seria uma to anteriormente escolhido. E o despertar
forma de “ressurreição”. Porém, talvez não dos atributos do Espírito seria uma forma
seja o melhor para nós nos libertar desse de parar com a emanação e a captação de
outro tipo de sonho criado pelo ego so- energias e sentimentos que nos deixariam
mente após o nosso desencarne, ou seja, doentes, com câncer, úlcera e tantas outras
quando, em tese, nos tornaríamos um Ser enfermidades físicas, emocionais e mentais.

241
Ao “ressuscitarmos”, ainda no corpo existência humanizada e encarnada para o
físico, ainda enquanto um Ser humanizado Espírito. Este para “evoluir” e se “iluminar”
encarnado, tornaríamo-nos menos ambi- talvez precise passar por experiências hu-
ciosos e venceríamos também a tentação manizadas com a sua consciência verda-
de julgar o mundo em que estamos mo- deira velada para provar, a si mesmo, que é
mentaneamente inseridos em termos de capaz de ser feliz sem condicionar sua feli-
padrões ilusórios: “certo” e “errado”, “bem” cidade na conquista de “riquezas ilusórias”:
e “mal”, “superior” e “inferior”, entre outras bens materiais, bens sentimentais e bens
dicotomias que nosso ego é capaz de criar. culturais. Talvez seja por isso que o Espí-
Em suma, enquanto acreditarmos nas per- rito precise ser “hipnotizado” ao encarnar
cepções, emoções ou pensamentos gera- para acreditar que é “pai”, “mãe”, “irmão”,
dos pelo ego com o auxílio do cérebro, o “avô” ou “filho” e sofrer quando alguém por
mais provável é deixarmos escapar a felici- quem sente apreço desencarna.
dade, o estado natural do Espírito, e vamos O papel do ego parece ser o de fa-
ser seduzidos para sentir alegria ou tristeza, zer o ser humanizado lamentar a morte e
euforia ou desespero de acordo com as vi- não fazê-lo ter a esperança que o mundo
cissitudes da existência humanizada encar- espiritual é Real, pois teríamos vindo de lá
nada, segundo a Animagogia. e para lá retornaríamos. Essa “ressurreição”
Esse “ressuscitar” é o objetivo do pro- que acontece quando o ego é integrado ao
cesso de individuação, da metanoia e da Self e se desperta os atributos do Espírito é
Animagogia. E talvez seja este o sentido da uma forma de compreender que somos Es-

242
píritos eternos passando por mais uma ex- só podemos manifestar apego ou aversão
periência humanizada. Alcançar essa cons- às formas materiais perceptíveis. E se to-
ciência ainda preso a um corpo físico torna das elas são apenas uma parte da realida-
o fardo da existência muito mais leve e aju- de significa que são “ilusórias”, ou parte de
da a superar a morte, afirma a Animagogia. uma realidade maior, pois não nos permite
Talvez essa seja a maior e a mais importan- perceber tudo o que, de fato, acontece ao
te libertação que se possa alcançar durante nosso redor.
a existência histórica, talvez até mais sig- Em nenhum momento afirmamos
nificativa que a libertação da opressão so- que tais pesquisas estão erradas, apenas
cioeconômica e da sociocultural, o que não as conclusões é que parecem precipitadas.
significa dizer que estas não são também Por exemplo, quando um psiquiatra cons-
importantes. tata que o seu paciente está “delirando”
Podemos agora voltar àquela per- quando ouve vozes acusadoras ou pedem
gunta que fiz no inicio das considerações que façam coisas que socialmente não são
finais. Será que as pesquisas sobre o cére- aconselháveis, por que imediatamente tra-
bro demonstram realmente que a realidade tar essas vozes como algo irreal? Por que
espiritual não existe ou elas vão ao encon- não considerar que pode haver sim seres
tro dos ensinamentos de mestres cristãos, incorpóreos que nutrem o desejo de vin-
budistas, hinduístas e taoistas? Estes, por gança por aquele que consideram rival, ini-
exemplo, nos ensinam a se libertar de to- migo ou como alguém que os prejudicou
dos os tipos de apegos e de aversões, pois nos negócios ou em outro ramo qualquer

243
da sua existência humanizada? Por que outras coisas que nem imaginamos que pos-
desprezar os fenômenos que o espiritismo, sa estar acontecendo.
a umbanda ou a apometria chamam de A Animagogia, enquanto um processo
“obsessão” e outros ramos espiritualistas educativo voltado para despertar os atribu-
de “assédio extrafísico”? tos do Espírito, afirma que o cérebro é um
Um outro fato interessante é aquele redutor da realidade e uma experiência que
classificado como zoopsia, ou seja, as “alu- ajuda muitas pessoas a aceitarem a existên-
cinações” do alcoólatra que vê animais pe- cia de outras dimensões a psiquiatria clas-
çonhentos como cobras e aranhas por todos sifica como “alucinações autoscópicas”: a
os lugares ou envolvendo seu corpo. E se capacidade que muitos sensitivos possuem
essa “alucinação” não for tão alucinada as- de sair do corpo conscientemente, ou seja, o
sim? E se tais formas existirem em uma outra que o espiritismo chama de “desdobramen-
dimensão, invisível para nós. Esses mesmos to” e outras linhas espiritualistas de “viagem
bichos que o alcoólatra enxerga embriaga- astral”.
do, muitos sensitivos com vidência afirmam Essa capacidade do ser humanizado,
enxergar sem o uso de drogas ou qualquer fundamental para tomarmos consciência de
produto alucinógeno. Em trabalhos me- que a vida material é uma redução da rea-
diúnicos como a apometria, os sensitivos lidade, é classificada pelos especialistas em
costumam relatar a presença de vários seres cérebro como um outro tipo de “alucina-
deformados ou com formas animalescas ao ção”. Porém, se o cérebro físico só é capaz
lado de alcoólatras, sugando suas energias e de transformar em realidade parte das vibra-

244
ções que estão ao nosso redor, o “cérebro” pelo menos daquela pessoa. No depoimen-
do desencarnado ou daquele que consegue to de RG, apresentado acima, que pode ser
“sair do corpo” conscientemente percebe e acessado na internet e que foi publicado
interage com outras realidades impercep- também no livro Gênero e Espiritualidade:
tíveis para nós. Não discordamos quando introdução ao estudo das imagens e do ima-
um psiquiatra conclui que todas as percep- ginário do invisível, ele narra que descobriu
ções, sensações, emoções e pensamentos que era vidente quando foi a um determi-
são produzidos pelo cérebro, inclusive a no- nado centro e, vendo tudo o que acontecia
ção de tempo e de espaço. Mas podemos ir na “quarta dimensão” foi surpreendido por
além e dizer que o cérebro, pelo menos o da um representante do centro que descreveu
maioria das pessoas, não é capaz de proces- o mesmo cenário. Até aquele momento, ele
sar todas as vibrações que existem ao nosso acreditava que era esquizofrênico e estava
redor, daí ser muito pueril acreditar que so- alucinando, já que tudo aquilo que via era
mente aquilo que o nosso cérebro consegue coisa da “cabeça dele”.
transformar em realidade é Real. Enfim, com exceção da abordagem
Assim, se o médium, por alguma razão transpessoal, as experiências místicas ou os
ainda desconhecida, é capaz de criar outras estados ampliados de consciência ainda
percepções é de uma grande superficialida- são classificados predominantemente como
de já rotular tais percepções como alucina- neurose, regressão a estágios intra-uterinos
ção, delírio ou outra classificação patológi- etc. A Psicologia Transpessoal é uma das
ca qualquer e não como parte da realidade, raras abordagens que pressupõe a existência

245
do Ser espiritual e também que este se apri- lhos hábitos, velhos paradigmas, bloqueios
mora ao longo de várias encarnações. Mes- psicológicos e religiosos etc. E aqui entra o
mo assim, ela ainda não adquiriu cidadania trabalho central da Animagogia.
acadêmica. Nem JUNG é estudado na maio- Essa mudança reflete no âmbito da
ria dos cursos de Psicologia no Brasil. saúde, pois o enfoque deixa de ser a doença
Em nossa opinião, a fenomenologia para se centrar no pensamento, nos senti-
mediúnica poderia contribuir e muito para o mentos e nas atitudes que estão por trás das
avanço da Psicologia Transpessoal no Brasil enfermidades e, no educativo, no despertar
que, em outros países, concentra suas pes- dos atributos do Espírito através do auxílio
quisas em outras experiências espiritualistas de diferentes técnicas psicossociais, corpo-
mais associadas às culturas orientais. A pes- rais e meditativas, realizadas, por exemplo,
soa que experimenta estados ampliados de através de projetos de anima-ação cultural.
consciência seja através de contatos com se- Com o desabrochar do Homo spiritua-
res incorpóreos, abertura para vidas passa- lis, um novo modo de Ser no mundo técnico-
das ou de outros fenômenos anômalos, não informacional contemporâneo, uma diferen-
encontra as melhores palavras para explicar te modalidade de Ser que possui uma mente
o fato para aquele que nunca viveu tais ex- universalista e livre de amarras doutrinárias,
periências, porém, o importante é que para apesar de sua abertura neg-entrópica para
absorver a nova informação e a energia que as contribuições da psicosofia espiritista, bu-
contém tais experiências toda a personalida- dista, umbandista, hinduísta, taoista, teosófi-
de necessita se reestruturar, superando ve- ca, católica etc., aceita-se, com naturalidade

246
o fato de que somos seres espirituais que fias reencarnacionistas. Porém, seu campo
retornará para o “verdadeiro lar” ao fim de de ação não é o religioso, mas o cultural. É
mais uma jornada sociocultural e educativa nesse âmbito que sua função simbólica se
destinada ao aprimoramento (aquisição de concretiza e que possamos contribuir, mo-
experiência e sabedoria) do nosso Ser eter- destamente, para a realização do ser huma-
no. nizado como “neótono neg-entrópico”, ou
O termo anima-ação cultural é utilizado seja, como um ser aberto para o mundo, lú-
na ONGCSF para representar toda e qualquer dico-explorador, permanentemente incom-
projeto sociocultural e educativo que tenha pleto e inacabado.
como objetivo o despertar dos atributos do A inter(in)venção sócio-educativa e cul-
Espírito durante a experiência humanizada, tural promovida pelo animagogo (o agente
sem preocupação doutrinária, de forma que da anima-ação cultural) poderá ser realizada
seja possível vivenciar com habilidade espiri- com diferentes grupos sociais, envolvendo
tual toda e qualquer vicissitude. crianças, adolescentes, adultos e idosos (e
O que poderíamos indicar como carac- até desencarnados, dependendo do caso).
terística central da anima-ação cultural é o Não há dúvidas que se trata aqui de um tipo
seu “modo de pensar” residual, ou seja, “im- peculiar de educador. De certa forma sua
puro”. Ela se formula na trajetoriedade en- ação ocorre no tempo livre do grupo e não
tre o conhecimento produzido pela ciência é o ambiente escolar o seu principal locus
contemporânea e as psicosofias (sabedorias de atuação, a não ser com grupos de ido-
espirituais) das diferentes religiões e filoso- sos que frequentam programas de educação

247
não-formal em instituições como são as Uni- desse fato, procuramos, desesperadamente,
versidades Abertas da Terceira Idade. do “lado de fora”. As atividades que compõe
O trabalho do animagogo visa o (re) um projeto de anima-ação cultural têm como
envolvimento humano, em outras palavras, função fazer brilhar dentro de nós, ainda que
construir pontes entre a “luz e a sombra” ou tenuamente, a vida e a luz que não emana de
entre a “vigília e o repouso”, ou seja, re-ligar nós (em outras palavras, do ego), mas que,
os dois polos do imaginário, o “diurno e o no entanto, está dentro de nós. Em suma, o
noturno”. Talvez por essa característica tran- processo de (re)envolvimento humano pres-
sicional, a anima-ação cultural busca favore- supõe trazer um pouco da alma oriental para
cer a amizade e a cooperação. As atividades o ocidente, pois como bem salientou JUNG:
culturais relacionadas com “saúde holística”,
“meio ambiente”, “espiritualidade”, entre ou-
tras, são as que mais se relacionam com a ... o homem ocidental procura
sempre a exaltação, e o oriental,
anima-ação cultural. São frequentemente as
a imersão ou o aprofundamento.
atividades de introversão ou que apresen- Parece que a realidade exterior,
tam forte homologia com a Alquimia que com sua corporeidade e peso,
nos ajuda a reconhecer que é através de nós, domina o espírito europeu com
muito mais força e maior inten-
mas não a partir de nós (ou seja, de dentro
sidade do que o faz com o hindu.
da personalidade, mas não a partir do ego) Por isso o primeiro procura ele-
que encontramos muito do que necessita- var-se acima do mundo, enquan-
mos, mas que, por não termos consciência to o segundo retorna, de prefe-

248
rência, às profundezas da mãe E nesta modesta pesquisa procura-
natureza.... (o homem ocidental mos realizar uma breve reflexão e uma
parece) que não descansará en-
tentativa de sistematização da prática da
quanto não tiver contaminado o
mundo inteiro com sua agitação Meditação Integrativa, uma atividade que
febril e sua cobiça desenfreada” é realizada nos vários projetos de anima-a-
(1990:107-125). ção cultural da ONGCSF e no contexto da
Gerontagogia Holonômica, apresentando,
A anima-ação cultural tende a valo- descrevendo e compreendendo fenome-
rizar a neg-entropia e, do ponto de vista nologicamente alguns processos educa-
hermenêutico, a dimensão simbólica de tivos que a mesma possibilita, e a prática
cada grupo. O processo de criação tende da Meditação Integrativa com um grupo-
também a promover a dimensão “fática” da sujeito formado por idosos que afirmam
vida humanizada, de forma que o processo serem médiuns, ou seja, que dizem ter a
educativo não se prenda tanto ao conteú- capacidade de enxergar, ouvir Espíritos e,
do, seja este “crítico”, “civilizador”, “revo- em alguns casos, “incorporar” ou “dar pas-
lucionário” etc., para valorizar o afetual, o sagem” para que seres incorpóreos se ma-
simbólico e a interação social. Assim, pode- nifestem através de seus corpos.
se dizer que a anima-ação cultural é, so- Um sintoma comum apresentado por
bretudo, uma inter(in)venção cultural, em estas pessoas são as “perturbações psí-
suma, um programa elaborado junto com quicas” vivenciadas no cotidiano, fruto do
o grupo e não para o grupo. contato com as “vibrações desarmônicas”

249
de pessoas e de lugares frequentados. A Do ponto de vista das estruturas an-
prática da Meditação Integrativa, segun- tropológicas do imaginário, na linha pro-
do elas, traz harmonia e equilíbrio. Porém, posta por Gilbert DURAND, identificamos
acreditamos que mais do que esse resulta- na Meditação Integrativa um sistema ima-
do imediato de bem-estar, elas favorecem ginário complexo e paradoxal que, com
a “mudança interior”, ou seja, a metanoia, frequência, opõe-se ao pensamento he-
a individuação ou o processo animagógi- roico predominante no modelo biomédi-
co necessário para o médium vivenciar esse co oficial e na educação escolar brasileira,
potencial psíquico de forma sadia, sem afe- fundamentalmente, materialistas. A prática
tar o seu cotidiano. da Meditação Integrativa nos remete aos
Empiricamente, os participantes cos- esquemas verbais, mitemas e elementos
tumam relatar que, ao praticar, sentem que simbólicos associados ao imaginário “no-
a “tristeza” diminui ou que ela ajuda a ter turno”, seja ele do tipo “místico” ou “dra-
mais “energia” e “força de vontade” para mático”, segundo a terminologia própria de
viver ou para enfrentar as dificuldades da Gilbert DURAND (1997).
vida e, inclusive, aceitar a morte de um ente E como já salientamos, a produção
querido e a própria morte. Vários alunos já simbólica e imaginária que ocorre em uma
relataram que após a prática meditativa sessão de Meditação Integrativa pode ser
sonharam com parentes já falecidos e que, interpretada como um mero relaxamento
após o sonho, superaram o luto, a tristeza mental, sem nenhuma consequência “mís-
ou, até mesmo, a depressão. tica”, mas pode também ser que estejamos,

250
de fato, diante de fenômenos associados ao ção para melhor compreender e buscar
mundus imaginalis e em contato com uma soluções para os “problemas religiosos e
dimensão transcendental, invisível para a espirituais” na educação, como já aconte-
maioria das pessoas, mas que influencia no ce de forma incipiente no campo da saúde.
cotidiano de muitos cidadãos, dando sen- Obviamente que o estado laico não deve
tido e até mesmo segurança e equilíbrio se vincular a uma religião, porém, para a
físico, mental e emocional, promovendo consolidação de uma sociedade livre, ou
a metanoia e, portanto, facilitando o pro- seja, onde todas as tradições possam ter
cesso de individuação e de autorrealização iguais direitos e igual acesso aos centros
daquela pessoa, despertando os atributos de poder e decisão, se torna cada vez mais
do Espírito e ajudando-a a viver com habi- necessário se defender do cientismo, ou
lidade espiritual sua vida humanizada. seja, a ideologia criticada por FEYERABEND
E entre as pessoas que afirmam se (1977) e que nega e ataca através de um
beneficiar com a técnica está a população pseudo-ceticismo, muita vezes de forma
idosa que possui mediunidade. E foi, so- violenta, tudo o que possa ser vinculado
bretudo, pelos relatos destas pessoas que com religião, “pseudo-ciência”, esoterismo
convivem com a prática da Meditação Inte- etc.
grativa, desde 2004, que nasceu o interesse O ceticismo é uma atitude saudável
em realizar essa pesquisa de pós-doutora- e necessária para as pesquisas científicas,
do que acreditamos possibilitar, de alguma mas nota-se no cientismo muito mais uma
forma, uma pequena e modesta contribui- manifestação de pseudo-ceticismo, uma

251
atitude violenta de negar ou criticar como dentalismo, vida após a morte e outros
superstição qualquer coisa que transcen- assuntos espiritualistas costumam ser do
da o racionalismo instrumental ou positi- interesse da pessoa idosa. Obviamente que
vista. E, no caso da educação, seja ela es- não estamos aqui defendendo a reintrodu-
colar ou não, sobretudo quando se atua ção no processo educativo de um ensino
com idosos, quase sempre já desimpedi- voltado para doutrinação ou para proseli-
dos das imposições, responsabilidades e tismo religioso, mas compreendendo que a
obrigações do mundo do trabalho, colocar espiritualidade é um dos assuntos que mais
em prática as ideias de FEYERABEND (op. intrigam a humanidade, pois lida direta-
cit.) é permitir também aos alunos decidir mente com questões básicas: Quem somos?
sobre o processo educativo que desejam De onde viemos? Para onde vamos? não há
vivenciar, elegendo, inclusive, as disciplinas motivo para negligenciar essa dimensão da
que desejam cursar ou atividades das quais vida humanizada.
querem participar ou temas que desejam Apesar do preconceito e estigma que
discutir e como os discutir. o tema ainda enfrenta no meio acadêmico
Quando o processo educativo passa a brasileiro, fortemente ideologizado, alguns
respeitar e valorizar o cotidiano, a história passos já foram dados para que se possa
de vida, os valores pessoais e a singulari- instituir uma outra forma de pensar ou de
dade de cada aluno, sobretudo dos idosos, criação de um outro paradigma mais hu-
o tema espiritualidade costuma aparecer mano, fratriarcal e compreensivo.
com destaque. Reflexões sobre transcen- Este estudo foi conduzido tentando

252
aproximar os referenciais da Linha de Pes- presentes em seus projetos de anima-ação
quisa Práticas Sociais e Processos Educati- cultural.
vos, voltados, sobretudo, para a transfor- A tentativa da ONGCSF de colocar em
mação social através da práxis histórica, em prática uma proposta de educação integral
confluência com as contribuições fenome- dentro da perspectiva da Antropolítica do
nológicas do chamado “círculo de Éranos”, (re)envolvimento humano, após séculos de
grupo criado em 1933, na Suíça, e que reu- (des)envolvimento, ou seja, de destruição
niu por décadas diferentes pesquisadores de vínculos comunitários e de uma relação
que se dedicaram ao estudo do tema espi- insustentável com o meio ambiente, entre
ritualidade, como Carl Gustav JUNG, Gilbert outras características de um processo tipi-
DURAND, Mircea ELIADE, James HILLMAN, camente prometeico e heroico, não é fácil.
Rudolf OTTO e Henry CORBIN, entre tantos Propor um caminho diferente, não neces-
outros. sariamente de retorno ao passado através
Também procuramos enfatizar a im- de uma resistência conservadora das tradi-
portância do referencial quântico de David ções (saturniana) ou fazer um culto ao ir-
BOHM, com sua teoria sobre o holomo- racionalismo, fugindo da realidade através
vimento, e o trabalho realizado pela ON- das drogas (panfílica), mas propondo um
GCSF, de 2003 aos dias atuais, no qual o diálogo entre o mundo não-moderno e o
pensamento de LÉVINAS e de Paulo FREIRE moderno, valorizando uma relação que po-
sustentam o caráter libertário, de respei- deríamos denominar de hermesiana, sus-
to ao Outro e de construção da alteridade tentando uma outra ideia-força pautada

253
em trocas, diálogos e compartilhamentos, rativas visionárias de Swedenborg, o “vi-
valorizando e construindo a alteridade e o dente de espíritos”, até chegar à proposta
respeito integral ao Outro, sem querer con- de Gilbert DURAND (1992, 1995 e 1996) de
vertê-lo ao Mesmo é a perspectiva do (re) uma arquetipologia do imaginário, na qual
envolvimento proposto e que possui qua- o espírito parece ser fruto de um imaginá-
tro vetores: o (re)envolvimento com a natu- rio noturno voltado para eufemizar a mor-
reza, seus ciclos e leis; o (re)envolvimento te, ideia que, de alguma forma, é compar-
com a comunidade, restabelecendo laços tilhada por MORIN que, no livro O método
afetuais/topofílicos e valorizando a noção 4 - as ideias, vai afirmar que a mediunidade
de pertencimento; o (re)envolvimento com existe e que o médium realmente dá pas-
o corpo e suas necessidades básicas, inse- sagem para espíritos, mas estes morrem
rindo o parto humanizado, a alimentação junto com o médium como se fossem um
natural e orgânica na vida cotidiana, e, por epifenômeno do cérebro para, finalmente,
fim, o (re)envolvimento com a própria alma, chegarmos na ideia de Espírito conforme a
nossa essência espiritual, noética e sagra- cultura popular o define: ou seja, como um
da. ser incorpóreo, como a alma de um morto,
Para refletir sobre a dimensão psíqui- um fantasma que seria capaz de se comu-
ca e noética e entender um pouco mais so- nicar e interagir com os vivos.
bre os mecanismos da mediunidade, par- Essa concepção é aceita pela Ge-
timos das teorias de KANT (1994 e 2005), rontagogia Holonômica, um programa de
que interpretou como patológicas as “nar- anima-ação cultural que visa auxiliar no

254
processo de individuação da pessoa idosa, vez mais importante e necessário na edu-
trabalhando com o seu imaginário e sua cação de idosos.
relação com o sagrado e o transcendental, E a importância do referencial trazi-
inserindo assim, a dimensão simbólica do do pela Linha de Pesquisa Práticas Sociais
envelhecimento no processo antropolítico e Processos Educativos se mostrou funda-
denominado de (re)envolvimento humano. mental em nossa perspectiva hermenêutica,
Apesar de ainda predominar a ig- uma vez que a Gerontagogia Holonômica
norância sobre a importância da dimen- só se processa quando somos acolhidos e
são espiritual e religiosa no processo de temos também a disposição para ser aco-
envelhecimento, pelo menos no cenário lhido e a acolher, aceitando o paradoxo (ou
“pós-moderno” em que nos encontramos, seja, o oxímoron dos pré-socráticos) e, por
caracterizado por velozes mudanças tec- conseguinte, a relatividade de todo conhe-
nológicas e por processos de secularização cimento científico, religioso etc. mostran-
e profanação da vida, a consciência da (in) do-se tolerante e respeitoso com o Outro.
finitude e a busca espiritual autêntica que Esse processo raramente acontece
vários idosos manifestam não podem ser de uma hora para outra. Um laço afetual,
pensadas como “ópio” ou fuga da realida- simbólico e de respeito à alteridade exige
de para velhos indefesos. Ao contrário, tais tempo para ser construído. A convivência,
buscas demonstram que a metanoia, ou o em uma perspectiva hermenêutica, consti-
processo de individuação que chamamos tui-se no cerne do “saber-fazer” acadêmico
também de Animagogia se mostra cada ou educativo, pois a experiência vivida nos

255
habilita para compreender a prática social importante também acolher um referencial
“de dentro”, sem a necessidade de abalar o teórico mais receptivo. E como escreveu
alicerce mítico ou simbólico do pesquisa- LYOTARD, a perspectiva da “pós-moderni-
dor ou do grupo a ser pesquisado. dade” não representa uma condenação às
Assim, para o estudo de assunto tão teses da Ciência Moderna, mas a relativiza-
instigante e insólito, é necessário pensar ção das suas doutrinas absolutas (metanar-
em termos de uma ciência e de uma edu- rativas). O que ele classifica como “ciência
cação “pós-moderna”, no sentido suge- pós-moderna” é aquela que assume um
rido por LYOTARD (1993), ou seja, capaz papel mais modesto e menos pretensioso,
de acolher o pensamento “dilemático” ou relativizando o saber científico e abrindo-se
“anfibólico”, em outras palavras, valorizar a para outras formas de aquisição de conhe-
ambiguidade que compartilha com o seu cimento (arte, religião, senso comum etc.).
oposto uma qualidade comum ou no senti- Esta forma de se fazer ciência também
do “analético” de DUSSEL (1982), propondo se reflete na educação, com o fortalecimen-
uma relação entre iguais. to da interdisciplinaridade e a consequente
Obviamente, se pautássemos nossa necessidade de contextualização do meio
pesquisa apenas em métodos positivistas o sociocultural em que a prática social a ser
resultado seria previsível: a Meditação In- estudada está inserida. É neste contexto
tegrativa apenas estimularia nos médiuns que podemos compreender o surgimento
“narrativas visionárias” que não passariam e o aperfeiçoamento de referenciais teóri-
de alucinação. E talvez seja mesmo, mas é cos que permitem uma abertura científica

256
para o estudo dos processos educativos mudança de dimensão. E compreender tais
em práticas sociais, trabalhando de forma fenômenos exige um tipo especial de ima-
complementar com diferentes autores que ginação, receptivo ao mundus imaginalis
contribuem para se criar teorias e métodos das narrativas ali presentes. Em suma, exi-
para compreender o sensível e o cotidia- ge uma abertura e uma flexibilidade men-
no, contribuindo para se consolidar o que tal ainda raras no mundo contemporâneo,
atualmente vem sendo chamado de Pes- principalmente nos meios acadêmicos.
quisa Qualitativa em Educação. E se o que os participantes descrevem
E se as “narrativas visionárias” de ou discutem é “real”, só teremos como sa-
quem participa de uma prática de Medita- ber após a nossa própria morte. No mo-
ção Integrativa são desconcertantes para a mento, são imagens que valem pelas flores
nossa imaginação positivista, antes de des- que cultivam, enriquecendo sobremaneira
cartá-las, podemos aceitar, pelo menos no a imaginação de quem acessa tais narrati-
campo da hipótese, que elas nos colocam vas mitopoiéticas e que compõem o ima-
em contato com a consciência da (in)fini- ginário do invisível com suas narrativas vi-
tude, no qual a morte não passa de uma sionárias.

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1992), fez mestrado em Educação Comunitária e Mul-
ticultural (1993-1996) e doutorado em Antropologia
das Organizações e Educação (1999-2003), na USP.
Participou das reuniões mediúnicas que deram ori-
gem à ONG Círculo de São Francisco, entre os anos
de 2001 e 2003, e foi coordenador geral desta organi-
zação do terceiro setor entre os anos de 2005-2006 e
2013-2014. É autor de 35 livros e já ministrou cursos
de Terapia Vibracional Integrativa (TVI) para mais de
cinco mil pessoas, no território brasileiro e também em
Portugal. Este livro é o resultado do estágio de pós-
doutoramento realizado na UFSCar, junto ao grupo de
pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos.

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