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Curso 80

Aula 14 – data 09/09/80


Parábola do Grão de Mostarda
Huberto Rohden

Vamos continuar a focalizar alguns aspectos da filosofia cósmica do Evangelho,


sobretudo as parábolas. E hoje vamos tratar de:
“O reino dos céus é semelhante a um grão de mostarda que alguém tomou e plantou
no seu campo e o grãozinho brotou, cresceu e deu um arbusto tão grande que até os
passarinhos fizeram ninhos nele”. Está lá no Evangelho.
Agora o Mestre não fala propriamente da nossa mostardeira daqui. A nossa
mostardeira é uma hortaliça pequena, não chega a 1 metro. Mas a mostardeira do oriente, lá
da Palestina chega a 2 metros e até três. É uma árvore. Nas nossas mostardeiras os
passarinhos não poderiam fazer ninhos. Não tem lugar. É uma hortaliça a nossa mostarda.
Mas ele fala daquela da Palestina que chega até a ser uma pequena árvore. É mais do que
arbusto. Quando ele diz que os passarinhos fizeram ninho lá, não estranhar porque é uma
pequena árvore.
Então ele diz: o reino dos céus é semelhante a uma árvore que era uma semente muito
pequena no princípio. É uma sementinha redondinha, todos conhecem, e depois fica bastante
grande. Só isto. Uma comparação - toda parábola é uma comparação entre o símbolo material
e o simbolizado espiritual. O reino de Deus é o simbolizado espiritual e a mostardeira é o
símbolo material.
Agora temos que descobrir qual é a semelhança entre a mostardeira como semente e
como planta e o reino dos céus. Deve haver uma semelhança porque toda parábola supõe um
ponto de contato, uma semelhança. Vocês podem imaginar, qual é o ponto de semelhança
entre esta planta, seja como semente, seja como planta e o reino dos céus?
1o: - O que é que vocês entendem como reino do céu? Nós sempre entendemos como
depois da morte - não tem nada que ver com o céu depois da morte. Nós quando falamos em
céu pensamos: vamos ter que morrer primeiro. Não tem nada que ver com isto. Nós não
estamos tratando de um céu póstumo. O céu é aqui e agora. Que é isto? O céu é
autorrealização do homem. Quando ele funciona corretamente com a sua natureza integral,
então ele está no reino dos céus. Se ele não funciona corretamente então ele não está.
Então o reino dos céus não é uma coisa fora de nós. Não é um céu lá do outro lado das
nuvens. O Mestre não está falando nisto. Ele está falando do reino dos céus aqui. E ele usa as
palavras “o reino dos céus” para a natureza humana completa. Uma vez queriam saber:
“Mestre, o senhor sempre está falando no reino dos céus. Mas onde é que está ele? E quando é
que ele vem?”
Ele disse: - o reino dos céus não vem de fora. Estão vendo? Não vem lá das alturas
não. Na cai lá do céu. Não vem com aparato exterior, ele diz. Também não se pode dizer: ei-
lo aqui, ei-lo acolá. Não, não, não. O reino dos céus não tem nenhuma localização. Não tem
nenhum aqui e não tem nenhum acolá. O reino dos céus está dentro de vós. Vejam como ele
define bem: o reino do céu está dentro de vós. É bom saber isto. Que ele não entende uma
organização social ou uma organização celeste. Nem entende propriamente a organização das
igrejas, porque eles chamam as igrejas o reino do céu aqui na terra.
Bem, as igrejas são organizações sociais. Mas, em primeiro lugar o reino dos céus não
é uma organização social com algum presidente e vice-presidente, tesoureiro... Não tem nada
que ver com reino dos céus. O reino dos céus é a natureza humana em sua plenitude. Mas ela
se manifesta por fora, é claro. Ela se manifesta socialmente, mas se o reino dos céus não
existe individualmente de que modo ele se vai manifestar na sociedade? Não é possível!

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Logo, o fundamento é que o reino de cada um de nós, a nossa natureza humana devidamente
realizada tem que se manifestar de fora de nós na sociedade. Então está tudo certo.
Agora vamos ver em que consiste propriamente a nossa natureza humana. Podemos
reduzi-la a dois traços. Um traço vertical e um traço horizontal:

Podemos dizer que o traço vertical é o nosso Eu. O traço horizontal é o nosso ego. Isto
é a totalidade da natureza humana. Propriamente o corpo não faz parte – porque o corpo nós
temos em comum com os animais. Não tem nenhuma diferença real entre o nosso corpo e o
dos outros animais superiores. Mas o que temos de especifico, que não é dos animais é a
inteligência e a razão. A inteligência é isto (horizontal) e a razão é isto (vertical). Nós
chamamos a razão o Eu. Chamamos a inteligência o ego - quase sempre na nossa filosofia.
Em grego se chama isso (razão) o Logos. Isto (inteligência) é o Noos. São as duas palavras
para razão e inteligência, em grego: Logos e Noos. Mas as duas coisas fazem parte da nossa
natureza. Inteligência e razão constituem a totalidade da nossa natureza tipicamente humana.
Sem falar do corpo que temos de comum com os animais. Mas o que é tipicamente humano é
a inteligência e a razão, que nunca vocês devem confundir como todo o mundo faz. Não é a
mesma coisa.
A inteligência é um atributo interior e a razão é um atributo muito superior à
inteligência. Os homens mais avançados chegaram até a razão. Os homens comuns não saem
da inteligência na horizontalidade. Teilhard de Chardin chama isto Noosfera. A esfera da
inteligência. E chama isto a logosfera. A esfera do Logos, da razão. E diz que nós estamos
atualmente marcando passo aqui na horizontal da inteligência - que não vai além da
horizontal. Mas, devemos futuramente entrar na vertical da Logosfera. Isto é o novo passo de
evolução humana.
Então a totalidade disto, em pleno funcionamento é o reino dos céus dentro de nós, em
sentido individual e que se pode manifestar fora de nós em sentido social. E se o reino dos
céus que está dentro de nós se manifestar na sociedade, então também deve ter duas linhas
para reger esta sociedade. Então esta linha vertical está muito claramente expressa no
Evangelho. E a linha horizontal está muito claramente expressa no Evangelho. E corresponde
aos dois atributos da natureza humana.
Uma vez o doutor da lei da sinagoga - o doutor da lei não é advogado não. É a lei de
Moisés. Os teólogos da sinagoga se chamavam doutores da lei. Jesus não fala de advocacia,
fala de religião... Um doutor da lei o chefe da sinagoga de Jerusalém quis saber de Jesus, qual
é a coisa mais importante na vida humana. Uma pergunta muito séria. Não perguntou coisas
secundárias, facultativas. Perguntou pela coisa mais importante da vida humana – Mestre,
qual é o mandamento maior na lei? – na linguagem dele. Nós vamos traduzir em nossa
língua: “Mestre, qual é a coisa mais importante na vida humana?” Isto ele perguntou. E Jesus
respondeu clarissimamente: o primeiro e o maior de todos os mandamentos é este, agora vem
a definição disto aqui. Amor. Isto também é amor.
Há um cruzamento de dois amores aqui. O amor vertical e o amor horizontal.

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O amor vertical ele define assim: Amarás o Senhor teu Deus. Notem bem: o Senhor do
universo é teu Deus. Logo ele fala do Deus imanente em nós. Não há só um Deus
transcendente. O mesmo Deus transcendente e Senhor do universo é também o meu Deus.
Amarás o Senhor teu Deus – agora de que modo? Usa quatro palavras para descrever o amor
integral para com Deus que nós chamamos a mística. A experiência mística é o primeiro de
todos os mandamentos. Se alguém não tem experiência de Deus não realizou ainda o 1 o e o
maior de todos os mandamentos. Não basta a crença. A crença é um prelúdio. Para quem
ainda não está na experiência, por enquanto fica na crença. É melhor ter crença do que não
ter. Mas a gente tem que ultrapassar a crença. Crença é um estado infantil da evolução. A
criança tem que crer. A criança não pode saber todas as coisas. Os pais têm que dizer - e a
criança tem que crer - por enquanto. Se nós estamos na infância espiritual devemos crer. É
bom e é necessário crer. Mas nós não devemos marcar passo eternamente na crença. Isto é um
estágio preliminar.
Então, amarás o senhor teu Deus. De que modo? Com toda a tua alma, com toda a tua
mente, com todo o teu coração e com todas as suas forças. Esta é definição que o Nazareno
dá do 1o e maior de todos os mandamentos. A vertical da mística ou da experiência direta de
Deus. Não da crença, mas da experiência. É muito maior do que crença. Isto ele marca em
quatro pontos:
Alma - mente – coração – força
Alma é o que nós chamamos o espírito. Quando o espírito se encarna no homem se
chama alma. Mas no fundo é a mesma coisa. O espírito de Deus revestido de natureza humana
se chama alma – anima, em latim. Não é propriamente a alma dos psicólogos que chamam
alma a psique.
Os psicólogos usam muito a palavra alma e sentimentos anímicos... – mas isso não é
bem que significa a palavra alma no Evangelho. No Evangelho se entende por alma (Jesus
sempre usa a palavra alma) é o espírito de Deus no homem depois que esse espírito encarnou
na natureza humana. Com o nosso nascimento nosso espírito encarnou, antes dele não era
alma, era só espírito.
Então, deve-se amar Deus com todo o teu espírito, com toda a tua alma, mas também
com toda a tua inteligência, imagina, a gente pode amar com a inteligência que ele chama,
com toda a tua mente. A mente é outra palavra para inteligência. Às vezes mente também
significa alma, mas nós usamos agora como inteligência. Amarás o Senhor teu Deus com toda
a tua alma, com toda a tua mente com todo o teu coração (a parte afetiva da nossa natureza
humana se chama coração – todo o mundo usa a palavra coração para a parte afetiva -
emocional e afetiva)... E no fim ele conclui: e também com todas as tuas forças. Não é muito
claro o que ele entende por forças - é claro que ele entende o corpo, as coisas físicas. Ele vai
do espiritual ao mental, ao emocional e ao físico. Os quatro pontos cardeais da natureza
humana.
Amar a Deus espiritualmente, mentalmente, emocionalmente e até corporalmente. Isto
é que ele chama amor integral. O resto não é amor integral. Se a gente só ama com uma parte
da natureza tem um amor parcial, mas não tem amor integral. Isto ele chama o 1o e o maior de
todos os mandamentos. Quer dizer, a coisa mais importante na vida humana é a linha vertical
da experiência mística que se dirige rumo a Deus. Não se dirige aos homens. Dirige-se
diretamente ao infinito. Deus não é uma pessoa, Deus é a alma do universo, mas não é uma

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pessoa. Deus é a vida infinita, o absoluto, o eterno - onipresente. Isto ele diz ao doutor da lei,
é o primeiro e o maior de todos os mandamentos. A coisa mais importante na vida humana é
isto, ele diz.
Logo, ele supõe que o homem completo na sua evolução humana tenha experiência de
um poder supremo, que rege todo o universo e também a vida humana. Isto ele chama Deus.
Não é nenhuma pessoa. Também chama Deus sempre o Pai. O pai está em mim, ele diz, e eu
estou no Pai. Deus está em mim e eu estou em Deus. Depois ele olha para os discípulos e diz:
o Pai também está em vós. Vós estais no Pai. É claro, ele não diz que Deus está só nele, ele
diz que Deus está em qualquer creatura humana. A presença de Deus é um fato universal. Mas
se nós não temos consciência dessa presença não adianta nada. Se é uma presença
inconsciente ela não funciona. Mas se esta presença de Deus em nós é uma presença
consciente e conscientizada, então ela transforma completamente a nossa vida.
Então esse é o 1o e o maior de todos os mandamentos, ele diz. Respondeu a pergunta
do doutor da lei. Ele só tinha perguntado isto. Estranhamente ele acrescentou uma outra coisa
que o doutor não tinha perguntado. O 2o mandamento. Mas ele acrescenta de graça: o segundo
mandamento, porém é semelhante - não é igual, mas é semelhante - ao primeiro, amarás o teu
próximo como a ti mesmo. É isto aqui, a horizontal da ética. Isto nós chamamos a ética da
vida humana. Isto é a mística que se dirige diretamente a Deus. Isto é ética que abrange a
todos os seres humanos.
Cuidado com a restrição da ética. Entre os judeus corria uma ideia muito falsa sobre a
ética. Eles diziam: meu o semelhante, meu próximo é só meu parente. Quem não é meu
parente não é meu próximo. Isso não é verdade, Jesus não aceita isso. Outros diziam, o meu
próximo... - porque ele diz amarás o teu próximo como a ti mesmo... O meu próximo é aquele
que tem a mesma religião que eu tenho. Não é verdade... O meu próximo é da mesma raça
que eu sou. Não é verdade...
Então Jesus propõe a magnífica Parábola do Samaritano – que não era parente do
doutor, que não era da mesma fé, que não era da mesma raça, e, contudo era seu próximo.
Conta aquela história do Samaritano que teve pena de um ferido que estava à beira da estrada
- e considerou esse homem um desconhecido... (aquele ferido, não sabia quem era) como seu
próximo. Ele tinha obrigações para com ele, para com um desconhecido, um estranho que ele
nunca chegou a saber, nem o nome deste homem, mas cuidou dele carinhosamente, levando-o
em um lugar seguro na hospedaria e pagando até por ele todo o tratamento.
Isto quer dizer é a ética no sentido universal. Como a mística tem de ser universal para
com Deus, a ética também tem que ser universal. Abrange todos os seres humanos,
independente de raça, de credo e de classe. Todo e qualquer ser humano deve estar incluído
nesta linha da ética. Por isso não devemos confundir a ética com moralidade. A moralidade é
uma coisa que nós fabricamos. Mas a ética não é uma coisa fabricada por nós. Ela é da
própria natureza humana. É muito mais larga do que a moralidade. A moralidade é mais ou
menos uma coisa social. O bom comportamento para com os outros no plano horizontal do
ego é o que nós chamamos moralidade.
Mas esta ética é um produto da mística. Quem não tem experiência de Deus nunca vai
ter perfeita ética. Ele vai amar alguns e odiar outros como todos nós fazemos... Ele vai ter
simpatia com uns e antipatias com outros. E vai dizer: eu tenho obrigações para com meus
parentes, para com os da mesma igreja, com os da mesma raça, ou da mesma pátria. Eu não
tenho obrigações para com pessoas desconhecidas. Isto não é ética. Isso pode ser moralidade.
Então o Mestre diz: o 2o mandamento é semelhante ao 1o. O 1o é vertical para cima. O
segundo é horizontal para todos os lados. Isto ele chama reino de Deus. O que na nossa
natureza se chama a razão e a inteligência, ou o Eu e o ego (na natureza humana)... Isto ele
chama o 1o e o maior de todos os mandamentos (que é nossa relação com o infinito). E o 2o
mandamento (que é nossa relação com todos os seres humanos). Nestes dois mandamentos,

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diz ele, a vertical da mística e a horizontal da ética - nesses dois mandamentos se baseiam
toda a lei e os profetas. Quer dizer, toda a vida humana. Lei é a vida externa. Profetas - é
inspiração interna, antigamente.
Toda religiosidade do homem e toda autorrealização, vamos dizer, toda
autorrealização do homem se baseia nesses dois mandamentos. Na mística vertical para com
Deus e na ética horizontal para com todos os seres humanos. Isso ele chama reino de Deus.
Seja dentro de nós seja na sociedade humana. Isto ele chama reino de Deus.
E agora podemos saber qual é a comparação que ele faz entre a mostardeira, ou
qualquer outra planta? Nós não precisamos ficar na mostardeira. Podemos citar um calvário.
Podemos citar um coqueiro, também dá. Ele fala na planta mostarda porque era muito
conhecida entre os ouvintes dele. Era uma hortaliça que todo o mundo plantava na horta. Mas
podemos aplicar isto a qualquer outra planta. Podemos dizer: um coco e um coqueiro. Um
coco produz um coqueiro. Uma bolota e um carvalho. Da bolota nasce um carvalho. Podemos
dizer, um grão de milho e um pé de milho. É a mesma comparação.
Quer dizer, a comparação é sempre entre a semente e entre a planta que brota da
semente.

Então diz aqui: a semente redondinha da mostardeira - e a mostardeira bastante


conhecida no oriente...- então, qual é a comparação entre o reino de Deus e esta planta aqui?
Pode adivinhar qual é a semelhança que ele supõe entre a semente e a planta e o reino Deus,
seja dentro de nós, seja na sociedade? Podem imaginar – o ponto que ele frisa, fidelidade
absoluta entre a semente e a planta. Porque a planta não é adulteração da semente. A planta
não é a semente, mas também não adulterou a semente. É a expansão da semente. Mas a
planta guarda perfeita fidelidade ao caráter da semente. Dum grão de milho nasce
necessariamente um pé de milho. De um coco nasce um coqueiro. De uma bolota nasce um
carvalho. De um feijão nasce um pé de feijão, assim por diante.
Quer dizer, na natureza toda a planta conserva perfeita fidelidade, perfeita harmonia
com o caráter da semente.
Parte II

A planta nunca falsifica a semente. A planta é a evolução da semente. Nenhuma planta


pode ser falsificada, nem pela natureza, nem por nós. Vejam bem, a natureza diversifica
muitas vezes as plantas. Por exemplo: há muitos tipos de citros, de laranjeiras. Há enorme
variedade de citros que é o protótipo da laranja. A natureza diversifica as laranjas, mas todos
são citros. Nós também fazemos o mesmo. O homem conseguiu hibridizar as plantas. Ele
pega uma laranjeira, poliniza e depois enxerta o produto da polinização e depois daí sai uma
outra laranjeira um pouco diferente. Às vezes, laranjas doces, porque nas laranjeiras naturais
não têm laranjas doces. A laranja natural tem laranja muito azeda.

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Nós conseguimos diversificar por hibridação o tipo primitivo das plantas. Nós fazemos
isto em toda linha. De um pêssego se pode fazer outro tipo de pêssego, mas de uma laranjeira
nunca se pode fazer um pêssego. Quer dizer, não podemos falsificar nenhuma planta, não é
possível. Podem tentar como quiser. Se vocês enxertam um galho de pessegueiro numa
laranjeira vai morrer, mas não vai produzir. Não vai produzir nem pêssego nem laranja. Mas
se vocês enxertam uma qualidade de pêssego em outra qualidade de pêssego ou de ameixa,
(ameixa também é pêssego) vai pegar. Se vocês enxertam uma espécie de laranjeira em outra,
vai dar fruto. Quer dizer, fidelidade. A planta não aceita falsificação do seu tipo. Nem a
natureza faz, nem o homem pode fazer. Absoluta fidelidade. Isto é o ponto principal da
comparação: fidelidade entre a semente e a planta - entre a planta potencial que é a semente e
a semente atualizada que é a planta.
Então, assim como em toda a natureza há perfeita fidelidade entre a semente de uma
planta e sua evolução em forma de semente, assim deve ser no reino de Deus. Quer dizer, ele
propõe a natureza da planta como um modelo de fidelidade a si mesmo. Ela cresce, ela se
torna grande, mas ela nunca se falsifica e nós não somos capazes de falsificar. Ela mantém
uma fidelidade indestrutível e infalsificável. Ela se quantifica, mas não se desqualifica -
vamos dizer, a planta é a quantidade e a semente a qualidade. A quantidade é sempre fiel à
sua qualidade. Ela não permite adulteração da qualidade. A quantidade tem que corresponder
exatamente à qualidade. Isso é que ele diz.
Ele quer dizer: o reino de Deus no homem, a sua natureza humana tem que se
expandir. Tem que se realizar. Autorrealização – mas não deve falsificar-se. Se alguém não
desenvolve a vertical da razão ou a horizontal da inteligência não realizou plenamente a
natureza humana. Isto é que ele quer dizer. Fidelidade aos fundamentos da natureza humana.
Sendo que a natureza humana é essencialmente racional e intelectual, nós temos que
desenvolver tanto a racionalidade (Logos) como também a intelectualidade. Então o homem
se torna perfeitamente realizado, mas não falsificado. Se alguém desenvolve somente a
inteligência e não a razão, não realizou a sua natureza humana. Falsificou a sua natureza
humana. Desenvolveu só um lado. Se alguém quer desenvolver somente a razão e sacrifica a
inteligência, também não desenvolve sua natureza humana.
Quer dizer, a evolução tem de ser o resultado integral de tudo que está dormente e
latente na potencialidade da natureza humana. E o mesmo também no sentido social. Se no
sentido social o Evangelho dele, a mensagem dele tem que se desenvolver em toda a
humanidade – não pode sacrificar nem a mística, nem a ética. Se alguém quer realizar só a
mística não realizou o reino de Deus. Se alguém quer realizar somente a ética não realizou o
reino de Deus. Ele tem que realizar a totalidade da sua potencialidade, da sua faculdade. Isto é
que está na história da semente.
Se isto aconteceu ou não aconteceu na humanidade, não vamos perguntar porque é
uma pergunta perigosa. Não aconteceu, é claro. Onde há livre arbítrio como em nós, tudo se
pode falsificar. A natureza não pode falsificar, porque não tem livre arbítrio. O homem pode
falsificar o reino de Deus, tanto dentro de si mesmo como também na sociedade. E isto
infelizmente está acontecendo há muitos séculos. O que nós chamamos cristianismo hoje em
dia, por exemplo, tem muito pouca semelhança com a mensagem do Cristo no 1o século.
Muito pouca. O cristianismo realmente perfeito devia ser: mística e ética em toda parte. Mas
onde é que se encontra isto?
Existem muitas espécies de cristianismo. Aqui no Brasil - três grandes grupos de
cristianismo se desenvolveram no Brasil. Cada um pertence a um desses grupos de
cristianismo.
Será que nós podemos dizer sem mentir que qualquer grupo de cristianismo que nós
temos aqui no Brasil mantenha perfeita fidelidade à mensagem do Cristo do Evangelho? É
claro que não. Porque nós aceitamos muitas outras coisas que não fazem parte da mensagem

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do Cristo. Nós aceitamos muitas coisas como cristianismo que nada tem que ver com a
mensagem do Cristo do 1o século. O que tem que ver com a mensagem do Cristo são só estas
2 coisas. O resto não faz parte da semente. A semente é o Evangelho. A planta é o
cristianismo mundial.
Aqui, o cristianismo mundial não manteve fidelidade à semente primitiva do
Evangelho. Evidentemente não. Não vamos nomear a ninguém, mas, não é verdade. Por
exemplo: se o cristianismo afirma que a quintessência do Evangelho, o alfa e o ômega do
Evangelho é confissão, comunhão e missa, é claro que isto não está no Evangelho...
Falsificou.
Se alguém diz: a quintessência da mensagem do Cristo é ler a Bíblia de capa a capa, e
aceitar a redenção pelo sangue de Jesus, não está no Evangelho.
Se alguém diz: a quintessência do Evangelho é perguntar aos mortos o que é a verdade
e aceitar uma série de reencarnações. Isto não está no Evangelho. São falsificações que nós
inventamos, mas que o Mestre não ensinou.
Quer dizer, nós podemos falsificar a semente. A planta não falsifica a semente.
Nenhuma planta falsifica a semente. O coqueiro não é uma falsificação do coco. O carvalho
não é uma falsificação da bolota. A mostardeira não é uma falsificação do grão de mostarda.
São evoluções, mas inteiramente fiéis às forças primitivas da semente, estão todas nas forças
da planta. Quer dizer, há fidelidade. Assim é que nós devíamos fazer. Nós devíamos em 1 o
lugar saber, quais são as propriedades da semente que é o Evangelho. A mensagem do Cristo
se chama Evangelho.
E depois dizer, de que modo nós estamos conservando as propriedades primitivas e
essenciais da mensagem do Cristo, então nós seriamos perfeitos no nosso chamado
cristianismo. Isto não seria cristianismo – isto seria uma cristicidade. Eu tive que inventar esta
palavra cristicidade para dizer uma religião completamente fiel ao Cristo. Isto eu chamo
cristicidade. Porque os nossos cristianismos não são fiéis. Tem muitas invenções humanas que
nada têm que ver com o Evangelho. Eu nomeio apenas estas três diferenças, mas há muito
mais do que isto.
Quer dizer, esta parábola do grão de Mostarda é um apelo, um convite, quase um
desafio para toda humanidade, para ver se a humanidade em que nós vivemos corresponde à
semente primitiva ou se foi falsificada. A semente primitiva está aqui: mística transbordando
em ética. As duas coisas são essencialmente necessárias para a cristicidade. Mas o
cristianismo pratica outras coisas. Acha outras coisas mais necessárias que esta. E se esqueceu
dessas aqui. Em quase nenhum grupo do cristianismo se trata seriamente disso aqui. Isto são
indivíduos que tratam seriamente disto.
Os grandes iniciados dentro e fora do cristianismo, também no paganismo, também no
islamismo, também no judaísmo praticaram isto. Isto é autorrealização completa.
Autorrealização é isto: ter conhecimento experiencial de Deus. Isto é o 1o passo. Está na teoria
por enquanto. Ter experiência de Deus... Isto é um estado de consciência, mas não ficar só
com essa experiência em teoria, aplicar essa experiência no seu trato com os homens. Então a
experiência mística passa a ser vivência ética. A vivência ética é a expansão da experiência
mística.
Isto o Mestre propõe na Parábola da Mostardeira desafiando os seus discípulos a fazer
o que a natureza faz. A natureza não falsifica a semente. Ela desenvolve a semente com
perfeita fidelidade. Não sacrifica nenhuma propriedade da semente. Desenvolve, mas não
falsifica. Isto é que o homem devia fazer. Desenvolver, expandir para fora de si a mensagem
da verdade dos grandes Mestres. Isto vale não só no cristianismo. Isto vale em qualquer
religião.
Toda religião tem os seus grandes mestres. Lá na Índia, na China, no Japão sempre
houve grandes mestres espirituais, muito antes do cristianismo. No judaísmo também houve.

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No islamismo também – que são as quatro formas de religião mais conhecidas aqui:
cristianismo, paganismo, judaísmo e islamismo (pelos árabes). Mas todos eles tiveram seus
grandes iniciados. Os iniciados são fiéis à natureza primitiva da sua religião. Isso se chama
iniciação – quando alguém é inteiramente fiel à mística e à ética.
Iniciação não é só mística. Também é ética. A mística tem que transbordar, tem que
manifestar-se em forma de ética. Então o homem se realizou. Ele se manteve fiel, quantificou
a sua natureza, mas não a desqualificou. Aí está o perigo. Quando nós quantificamos, quase
sempre desqualificamos. Quantificar é expansão para fora. E qualidade é fidelidade para
dentro. Mas, se alguém realiza o que deveria realizar, ele quantifica para fora sem
desqualificar o que está dentro dele. Isto é o exemplo perfeito da Parábola da Mostardeira – e
de qualquer outra planta da natureza. As parábolas quase sempre são tiradas da natureza. O
símbolo material é da natureza, ou às vezes da sociedade...- mas o simbolizado espiritual... -
isto cada um tem que descobrir.
Isto os discípulos têm que descobrir. O Mestre não fez aplicação. Cada um tem que
fazer a aplicação do simbolizado espiritual. Tem que perguntar a si mesmo: “será que eu estou
fazendo o que a natureza faz? Fidelidade à minha natureza profunda, total” - para nós seria a
natureza humana. “Eu estou vivendo fielmente de acordo com a minha natureza humana ou
não?” Quem é que pode dizer? Estamos falsificando tudo, nós estamos falsificando
diariamente a nossa própria natureza. Comendo coisas que não são para serem comidas.
Pensando coisas que são contrárias da nossa natureza. Agindo com os nossos semelhantes
coisas inteiramente contrárias a isso aqui. Nem com mística, nem com ética – não temos
nenhuma experiência de Deus. Falta da vertical da mística.
E muitas vezes por falta de mística, também não ligamos - se cometemos justiça ou
injustiça isso, não interessa, contanto que dê dinheiro. Quer dizer que sacrificamos o principal
para ganhar o secundário. Dinheiro não é necessário para a nossa autorrealização. É
necessário para viver – por algum tempo. Mas depois o dinheiro fica aqui e nós vamos
embora. Ninguém pode levar consigo. Pode ser rico ou pobre, não leva nada. Nem um
cruzeiro. Nem um centavo pode levar.
Quer dizer, o homem devia em 1º lugar realizar-se a si mesmo, não realizar as coisas.
As coisas devem ser realizadas na medida do necessário para podermos viver. Mas não fazer
da realização das coisas o fim principal da vida humana como muitos fazem. Muitos só tratam
de realizar coisas, sobretudo realizar dinheiro. São coisas. Bem pode fazer, mas não é a
finalidade da vida. É permitido realizar coisas, mas é necessário realizar-se a si mesmo. Uma
só coisa é necessária, como diz o divino Mestre. Uma só coisa é necessária – referindo-se à
autorrealização de sua discípula Maria de Bethânia que estava se autorrealizando aos pés do
Mestre. Uma coisa, ele diz, é necessária. Maria escolheu a parte boa que nunca lhe vai ser
tirada.
Quer dizer, a parte necessária é eterna. Não acaba com a morte. Todas as coisas
acabam com a morte. Ninguém pode levar uma coisa consigo. Nada, nada. O que temos vai
tudo embora. O que somos vai conosco. O que somos vai conosco por toda eternidade. O que
temos vai embora na hora da morte.
Então, conservando fidelidade ao que somos e não correr muito atrás das coisas que
temos ou que queremos ter, então realizamos a parábola da fidelidade da planta com a
semente. Se falsificamos a nossa natureza humana que, sobretudo é ser – o que está em 2o
lugar é ter – o ter é um objetivo da vida, mas o ser é a razão de ser da nossa existência
humana. Isso é ser. Não sacrificar o ser pelo ter. Podemos fazer uma harmonia entre o ser e o
ter. Mas não devemos substituir o ser pelo ter. Isso é falsificar. Ou pôr o ter em 1 o lugar e em
2o lugar o ser. Tudo isso é falsificação do reino de Deus em nós.
Estão vendo? É uma filosofia completa - estas poucas palavras da história da
mostardeira. Uma filosofia completa, tanto individual como também social e até religiosa. Isto

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é que está aí. Por isso é que estamos tratando destas coisas porque o Evangelho não é teologia
como muitos pensam. O Evangelho é filosofia cósmica, filosofia profunda, filosofia da vida
humana. Mostra como o homem deve realizar a sua própria vida e a sua autorrealização. Isto é
que está lá.
Bem, se quiserem fazer algumas perguntas...
- Também no paganismo têm iniciados?
- No paganismo tem muitos iniciados. Muitos.
- O paganismo então não tem o sentido que nós conhecemos?
- Infelizmente nós falsificamos ao dizer que pagão não tem religião – mas, dizer que
pagão não tem religião é pura bobagem. Há muitos pagãos profundamente religiosos.
Mahatma Gandhi era pagão, mas não era um homem sem religião. Era um homem
autorrealizado. Um inglês há pouco escreveu um livro sobre Mahatma Gandhi dizendo: “É
vergonhoso para nós cristãos dizer que o maior cristão do século XX foi um pagão”. O maior
cristão do século XX foi um pagão, que nem foi cristão. Ele era crístico, mas não era cristão.
Ele sempre diz, quando o queriam converter ao cristianismo, ao nosso cristianismo teológico,
eclesiástico – os missionários fizeram todo o possível, bombardearam o pobre Mahatma
Gandhi com perguntas, queriam que ele aceitasse o nosso cristianismo que nós professamos
aqui no ocidente europeu e americano. Mahatma Gandhi sempre dizia: “eu não posso aceitar
o vosso cristianismo. Eu aceito o Cristo e o seu Evangelho, não aceito o vosso cristianismo”.
Ele faz nítida distinção entre Cristo e o Evangelho e o nosso cristianismo. Tem toda razão. Eu
dou 100% de razão a Gandhi. E muitos outros fizeram a mesma coisa. Eles respeitam,
estimam e veneram o Cristo e o Evangelho dele. Mas aceitar o nosso cristianismo teológico,
eclesiástico... Não, isso não. Isso é uma deturpação para ele. Eles sabiam que o nosso
cristianismo em todas as suas formas era uma deturpação - pequena ou grande. E um
verdadeiro iniciado, místico não aceita deturpações. Ele quer ser fiel à sua experiência
mística. Não só Gandhi, mas, muitos outros. Nietzsche que foi um homem muito inteligente
lá na Alemanha, no princípio de 60 disse: se o Cristo voltasse ao nosso mundo no século XX
ele faria uma proclamação a toda humanidade cristã dizendo: “cristãos de todas as igrejas,
sabeis que eu não sou cristão”. O Cristo revelaria que “eu não sou cristão, eu sou o Cristo,
mas, não sou cristão como vocês”. Quer dizer, “vocês já falsificaram o meu Evangelho de
todos os modos e chamam isto cristianismo”. Temos que distinguir nitidamente cristianismo e
cristicidade. Eu pelo menos distingo.
- Essa deturpação seria consciente, de boa fé?
- Não, não. É porque nós estamos sob o domínio absoluto do nosso ego. Nós não nos
emancipamos da tirania do nosso ego humano. Por isso falsificamos tudo. Se nós tivéssemos
o conhecimento do nosso Eu espiritual Divino, que é perfeitamente fiel ao Cristo e a Deus,
nós não íamos falsificar nada. Mas porque a nossa evolução é muito primitiva, nós
desenvolvemos o nosso ego, e nós não desenvolvemos o nosso Eu. E por isso falsificamos as
coisas sagradas. Falsificamos por ignorância, ou simplesmente por egoísmo. Isso é o que
estamos fazendo. Não é má fé propriamente. É um conhecimento incompleto da natureza
humana total. Nós não conhecemos a vertical da nossa natureza, conhecemos só a horizontal.
Conhecemos o ego, não conhecemos o nosso Eu. Nós estamos na noosfera. Nós não estamos
na logosfera, diria Teilhard de Chardin.

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