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Curso 80

Aula 11 – data 12/08/80


Parábola do Filho Pródigo
Huberto Rohden

Amigos, nós vamos continuar o nosso programa do primeiro semestre: “O Espírito da


Filosofia Oriental” – mas não vamos mais falar do oriente longínquo, vamos passar agora para
o oriente próximo. Vocês sabem que o oriente longínquo é a Índia, a China e o Japão, mas o
oriente próximo é, sobretudo, a Palestina. E na Palestina culminou maravilhosamente o
espírito da filosofia oriental, porque isso também é oriente. O ocidente começa para cá da
Palestina. O mar Mediterrâneo é quase a divisão entre o oriente e o ocidente. E vamos tratar
da filosofia do grande Mestre de Nazaré que durante três anos espalhou na Palestina a mais
grandiosa filosofia cósmica.
Estranhamente esta filosofia cósmica é essencialmente intuitiva, não analítica... Esta
filosofia cósmica do Evangelho não se espalhou no oriente longínquo, mas se espalhou no
ocidente, da Europa e nas Américas. E não em forma intuitiva, mas em forma analítica.
Que coisa estranha esse fenômeno! Porque o ocidente até hoje é muito mais analítico e
intelectual do que propriamente intuitivo e cósmico. Por isto os nossos teólogos ocidentais
quase só falam do Evangelho como sendo uma teologia. Nós não vamos falar do Evangelho
como teologia que se deva crer. Não, isto não é o sentido original dessa filosofia. O
Evangelho é essencialmente uma filosofia cósmica; e nesse sentido nós vamos elucidar alguns
pontos principais da filosofia cósmica do Evangelho. A filosofia intuitiva.
O Mestre de Nazaré não insiste muito na moralidade de agir. Ele insiste muito mais na
verdade do ser. A teologia explica o Evangelho como se fosse uma moralidade de agir, que se
deva fazer, mas o Evangelho não tem esse sentido. O sentido é a verdade do ser sobre o
homem. O que o homem é - isto é o fundamento da filosofia cósmica do Evangelho. Não
tanto o que o homem deva fazer. O fazer é uma consequência do ser. Se o homem é assim,
então ele vai agir assim.
De maneira que vamos tomar o Evangelho pela raiz e não pela rama, e, sobretudo nas
parábolas é que se manifesta maravilhosamente a filosofia cósmica do Evangelho. Há umas
trinta e tantas parábolas. Parábola é uma comparação entre símbolo e simbolizado. O símbolo
material é conhecido. Geralmente é tirado da natureza ou da sociedade humana. O símbolo
material das parábolas é coisa conhecida. O reino do céu é semelhante a um grão de mostarda
– o grão de mostarda é da natureza. O reino do céu é semelhante a uma festa nupcial – isto é
da sociedade humana.
O símbolo é sempre um termo conhecido – o simbolizado é que é desconhecido. O
ouvinte ou leitor sabe o que é um símbolo - é da natureza ou da sociedade humana. Mas para
adivinhar o que seja o simbolizado - isto depende da intuição de cada um. Por isso o
simbolizado é uma coisa incerta. Depende da evolução de cada ouvinte ou de cada leitor se
acerta como simbolizado. Assim é toda a filosofia do Evangelho - é baseada em símbolo e
simbolizado. Nós vamos ver se conseguimos decifrar o simbolizado. O símbolo é evidente,
mas o simbolizado é que é misterioso.
E vamos começar pela rainha das parábolas do Evangelho: O filho pródigo. Todo o
mundo já deve ter lido aquela história que Jesus conta de um pai que tinha dois filhos e se
portaram de um modo completamente diferente. O mais velho assim e o mais novo assim...
Mas vocês conhecem essa parábola só no sentido teológico. Eu não vou explicar em sentido
teológico, porque ela não tem esse sentido. Nós temos que ir ao fundo, à raiz cósmica desta
parábola profundamente cósmica, metafísica, ontológica ou cosmológica, como quiserem.
Tem um fundo, um alicerce muito profundo.

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Primeiro eu vou retificar o texto, porque o texto que vocês têm nas mãos não é o texto
grego do 1o século. Eu sempre volto ao texto grego do 1o século. E esta parábola foi
reproduzida unicamente pelo evangelista Lucas. Não está nos outros Evangelhos. Lucas –
capitulo 15, nos conta o que Jesus disse sobre o filho pródigo. Lucas era médico grego. Um
homem culto e erudito. Ele escreveu em grego, não é tradução. Ele escreveu originalmente em
grego. Os outros escreveram em aramaico. Foi traduzido para o grego, mas Lucas escreveu
diretamente na língua grega daquele tempo. E eu vou seguindo o Evangelho de Lucas pelo
texto grego do 1o século - porque o texto que nós temos é do século 2o ou 3o. A Vulgata
Latina já é uma tradução que apareceu no 2o e 3o século da nossa era. Vamos voltar ao próprio
original da parábola do filho pródigo.
No original está assim:
Um pai tinha dois filhos. Um dia o filho mais novo disse ao pai: (agora vem aquilo
que ele disse, não aquilo que está nas nossas traduções) pai, concede-me a parte da natureza
que me convém. Literalmente assim: pai, concede-me a parte da minha natureza que me
convém. Nas traduções está – dá-me a parte de dinheiro que me convém, não tem nada de
dinheiro lá. A parábola não fala em dinheiro. Fala na evolução da natureza humana. Dá-me a
parte daquela natureza que me convém. Ele deve ter tido uns 15 anos, esse jovem, que é a
adolescência. Não estava mais na infância, então ele apela para o direito de ser jovem, de ser
adolescente e portar-se como adolescente e não mais como criança. Ele vai entrar na
adolescência – terminou a sua infância, ele diz: pai, eu não quero mais ficar em casa como
criança obediente que foi até agora, eu agora quero separar-me da família e ir para uma
terra longínqua, como ele foi, e ter o direito de evoluir a minha natureza humana
adolescente. Isto é que ele disse. Não tem uma palavra de dinheiro lá. Pai, concede-me a
parte da natureza que me convém. Isto está lá no texto grego.
E o pai dividiu a vida entre os dois. Em grego está a vida – bios, que não é dinheiro. E
o pai dividiu a vida entre os dois, entre o filho mais velho e o filho mais novo. A parábola gira
principalmente em torno do filho mais novo. O filho mais velho ficou em casa. Criança. Não
era criança, mas na evolução ele era criança. O filho mais novo deixou de ser criança e quer
ser adolescente. Pai, concede-me a parte da natureza que me convém. E o pai dividiu a vida
entre os dois. Não dividiu dinheiro... Dividiu o pior. A vida entre os dois. Isto está no texto
grego.
Quer dizer, esta parábola trata da evolução de dois homens. Um que ficou eterna
criança e outro que evoluiu rumo à adolescência e finalmente rumo à maturidade. Temos aqui:
infância, adolescência e maturidade. Está tudo na parábola, porque é pura filosofia cósmica.
Então vamos representar esses diversos estágios de evolução assim:

Vamos tomar primeiro a infância. O filho mais velho ficou eternamente na infância,
como se vê no fim. Vamos representar a infância, uma estagnação. Não uma infância que
passa para a adolescência, mas uma infância que fica eternamente na infância. Na obediência
ao pai, sem nenhuma iniciativa pessoal. Isso é o filho mais velho. Uma linha horizontal
representa bem a estagnação infantil. Ficou no eterno infantilismo, não passou por nenhuma
evolução. O filho mais velho ficou lá, nunca evoluiu. Agora o filho mais novo estava aqui.
Fez sua evolução para baixo e para cima. A evolução rumo ao ego e rumo ao Eu.

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Então temos aqui, estagnação do primeiro filho mais velho. Ficou eternamente criança.
Isto vem depois da parábola. A evolução do filho mais novo, que primeiro fez a sua evolução
para baixo, e finalmente fez a sua evolução para cima. Quer dizer que fez a sua evolução
completa. Uma involução para baixo e uma evolução para cima. A adolescência é a involução
para baixo – que caiu todo o negativo. Praticou tudo que é negativo. Todas as maldades que
um jovem pode cometer ele cometeu. Na 1a fase da sua evolução humana. Então ele disse: eu
não quero mais ser criança como o meu irmão mais velho que fica eternamente criança, eu
quero ser um homem independente, eu quero desenvolver a minha personalidade própria.
Esta rebeldia é universal, não só no Brasil, mas por toda parte. O jovem quando entra
na adolescência quer ser independente. Ele não quer mais obedecer ninguém. Toda obediência
é escravidão para ele. Ele não vai ser eterno escravo. Ele quer desenvolver a sua
personalidade própria. Encontrar o seu caminho individual e não obedecer a caminhos
alheios, como o mais velho. Então ele fez.
Então o pai dividiu a vida entre os dois. Esta vida infantil e esta vida adolescente. Isto
está lá na parábola. Não se fala em dinheiro. Então este filho jovem (vamos dar-lhe 15 anos)
iniciou a sua jornada longe da casa paterna. Foi para uma terra longínqua, diz o texto. Isto
quer dizer, separou-se da família, do pai e iniciou uma vida completamente nova, diferente.
Era uma terra longínqua que ele não conhecia. Isto aqui não é terra longínqua (horizontal).
Isto é terra próxima, o mais velho ficou eternamente em terra próxima... Da infância. O outro
foi por terra longínqua até aqui (descida).
E por que o pai não proibiu isto? Um rapaz de 15 anos, não diz uma palavra – nós
teríamos introduzido um protesto do pai. É claro, o pai lhe teria dito: “meu filho, onde é que
tu vais? Por que é que queres separar-te da família?” Nem uma palavra de protesto! Não
aparece nenhuma mãe chorando. Nós teríamos introduzido uma mãe, é claro. Chorando: “meu
filho, aonde vais, nunca mais voltar – para onde vais? Deixa seu endereço pelo menos. Ou
diga quando é que voltas”. Nada disso! Não tem nenhuma mãe chorando como não tem
nenhum pai protestando, porque acham certo. O pai acha certo o que o filho está fazendo. O
pai concorda: “este meu filho foi criança muito obediente, agora ele vai ser um adolescente
por conta própria”. Por isso ele não protesta. E não pede endereço, não diz para onde vais, não
diz quando voltas. Nada disto.
O pai representa Deus aqui. Não representa nenhum casal, por isso não tem mãe aí.
Tem só o pai. Representa Divindade. E o filho mais novo representa a nossa humanidade em
evolução. A nossa humanidade celeste está muito bem simbolizada pelo comportamento do
filho mais novo. O adolescente em primeiro lugar quer ser independente de fazer o que ele
entende, sem nenhuma obediência alheia. Foi para uma terra estranha, sem dizer para onde,
não deixou nenhum endereço. Dissipou todas as suas forças vitais. Isto está no texto grego,
não dissipou dinheiro. Dissipou a sua vida, está lá outra vez, bios. Gastou a sua vida
adolescente em prazeres e dissoluções. Isto é natural. Quase todo jovem faz isto, porque ele
acha necessário iniciar a sua evolução espiritual.
E esta evolução no princípio é negativa. Aqui tudo é negativo. Aqui não há negativo
nem positivo. Há neutralidade. Vamos representar neutralidade por um ponto de interrogação.
O filho mais velho não sai da neutralidade infantil. Não passa por nenhuma evolução. Nem
maldade, nem bondade. Nem involução, nem evolução - o filho mais velho. Este aqui resolve
fazer uma evolução. Desce para o fundo de todas as maldades até chegar aqui em baixo. Até
aqui.
Depois quando está no ponto nadir, o ponto mais baixo da sua evolução negativa, da
sua involução propriamente, porque a carga negativa da evolução é uma involução... Então ele
tinha esbanjado todas as suas forças vitais - caiu na pobreza, na miséria, talvez na doença, e
disse “e agora, o que é que eu vou fazer? Vou ficar aqui nessa involução negativa? Não, não

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vou. Eu vou ver se tem aqui nesta terra alguém que me possa ajudar”. Ele estava na miséria e
não podia mais se ajudar a si mesmo.
Encontrou um cidadão, diz a parábola, que morava naquela terra há muito tempo. E
ele foi ter com aquele cidadão e disse: „eu estou na miséria. - Gastei todas as minhas forças e
agora não sei mais o que fazer. Tu tens serviço para mim?‟ E disse aquele cidadão, aquele
velho egoísta para o jovem egoísta. São dois egoístas, o velho egoísta que morava lá e o novo
egoísta que lhe pede serviço. Mas o velho egoísta, cidadão daquela terra, disse: - „eu tenho
serviço para ti‟.
E mandou-o para sua chácara, para seu sítio, sua fazenda, guardar uma manada de
porcos. E dar-lhes cada dia a ração necessária para engordar os porcos. Naquele tempo não se
usava milho para engordar, como se faz hoje. No oriente não se plantava milho. Mas havia
uma vagem muito grande e grosseira – uma vagem, não uma bolota como traduzem alguns –
no original não está bolota, uma vagem... É uma árvore que produz vagem, no mato. Eles
colhiam no mato estas vagens e davam para os porcos. E os porcos comem e engordam com
esta vagem. Mas comer, para nós quase não serve. Cozinhando bem, dá para comer. É meio
indigesta. Mas crua não se pode comer. Para o homem não serve esta vagem.
Os pobres lá na Palestina também comem esta vagem quando não têm outra coisa
melhor. Mas, este rapaz, que era de uma família muito rica, muito nobre, foi mandado para a
fazenda dos porcos deste ricaço que já morava nestas terras para tratar os porcos. Mas o
empregador, vamos dizer o patrão, não falou em recompensa, não falou nem em comida.
“Você simplesmente vai tratar dos meus porcos. Amém”. Não combinou nada com ele.
“Como você vai viver, isso eu não sei, pode comer as vagens se quiser...” Que era para os
porcos.
O jovem foi obrigado a ir para a fazenda daquele ricaço que morava lá, tratar dos
porcos. E ele mesmo não tinha nem o que comer. Sentou-se numa pedra, no meio da manada
de porcos, e começou a refletir. Primeira vez ele começa a refletir profundamente – ele
entrou em si – está lá no texto. Entrou em si. Palavra muito importante.– ele não caiu em si
como dizem alguns tradutores infelizes. A gente não costuma cair para cima, a gente costuma
cair para baixo, mas ele caiu para cima. Quer dizer, ele não caiu realmente, ele começa este
movimento para cima agora. Ele entrou em si, quando ele estava naquela máxima miséria no
meio dos porcos que engordavam e ele não tinha nem o que comer.
Entrou em si, agora ele faz autoconhecimento que é muito importante como primeiro
passo para a realização. Ele faz autoconhecimento. Ele perguntou a si: que sou eu? Sou eu um
pastor de porcos? Tenho eu a obrigação de cuidar desses porcos e morrer de fome aqui? Ele
entrou em si no meio do sofrimento. O sofrimento geralmente é bom para a gente entrar em si
porque os gozadores nunca entram em si, ficam sempre fora de si. Agora quando alguém entra
na miséria, então ele tem oportunidade para fazer autoconhecimento. Ele teve um grande
autoconhecimento. Eu não sou nenhum pastor de porcos. Eu sou filho daquele pai bondoso
que eu abandonei. Isto agora é autoconhecimento.
Quer dizer, é a reviravolta entre a involução e a evolução, entre a descida e a subida.
Vamos dizer, a descida é do ego. Ele saiu, passou do ego para o Eu. A involução é positiva.
Então ele faz a reviravolta entre o negativo do seu ego entre a sua involução descensional e a
sua ascensão, a sua evolução ascensional. Isto é que está escrito lá. É profunda filosofia
cósmica. Ele disse: eu não sou nenhum pastor de porcos. O meu ego é isto, mas o meu Eu não
é pastor de porcos. Ele descobriu o seu Eu. Superou o seu ego, transmentalizou-se, como diz o
texto. Ele foi além de sua mente porque a mente é do ego. Ele se transmentalizou. E nós
chamamos conversão. Não é arrependimento. É muito menos penitência. Os maus tradutores
dizem penitência. Os tradutores um pouco melhores dizem arrependimento. Mas ele não fez
penitência nem arrependimento, ele fez uma conversão. Conversão é muito mais do que

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arrependimento. Conversão é no ponto mais profundo do ego. Converter sem fazer a
reviravolta para cima, em demanda do Eu.
Arrepender pode levar ao suicídio. Judas Iscariotes se arrependeu do mal que ele tinha
feito e acabou no suicídio. Não se converteu. Diz o Evangelho que ele se suicidou depois de
ter se arrependido de ter traído seu mestre. Pedro também cometeu bobagens, mas converteu-
se. Converter é abandonar o mal e praticar o bem - arrepender é só abandonar o mal, mas não
é praticar o bem. Por isso não podemos traduzir arrependeu. Ele não se arrependeu nem fez
penitência. Ele se converteu que é muito mais. Ele fez a grande reviravolta da descida para a
subida.
Ele voltou para a casa paterna. E diz o texto que o pai o avistou de longe, foi ao
encontro, abraçou-o carinhosamente, beijou, foi para casa e disse: vamos celebrar uma festa
pela volta do filho. E deu ordem que fizesse uma grande festa lá em casa. Um banquete
porque festa sem banquete não serve. Então fizeram um grande banquete e mandaram vir
músicos e até dançarinos. Fizeram música e bailados. Quer dizer, devia ser uma família muito
rica para mandar vir músicos durante o banquete e até fizeram bailados. Tamanha era a
alegria do pai - e viu o filho de pé no chão. E disse: depressa trazei um calçado para ele.
Porque vê não pode ficar de pé no chão. E viu todo esfarrapado. E disse trazei a túnica mais
preciosa que há em casa para revesti-lo. E ponha um anel no dedo.
Naquele tempo os escravos não podiam usar anel. Isso era para os nobres. O filho
podia usar anel, mas o escravo, o empregado de casa não podia usar anel. Isso era sinal de
nobreza. E trazei um anel e ponha no dedo. Quer dizer, ele não era um escravo. Ele não é um
vagabundo. Ele é meu filho. Tudo isso está escrito lá. Reuniu todos os elementos festivos para
dizer da alegria que o pai teve porque voltou o filho que tinha ido embora. Tinha ido embora
com a licença do pai. O pai nunca lhe proibiu a saída da casa paterna. Consentiu e concordou
com a saída. Mas ele sabia, ou previa, ou intuía o que havia de acontecer. Ele ia fazer isto. E
depois ia fazer isto... Agora terminou a evolução do filho. A involução coroada pela
evolução...
Celebraram uma grande festa.
Quando a festa estava no meio veio o filho mais velho que estava no campo,
trabalhando no campo. E ouviu esta música e chamou o empregado aí e disse: “o que é isto?
Como tem festa aqui em casa? Eu vim lá da roça e agora estou ouvindo esta música, estes
bailados - que estão fazendo, o que é isto?” Então disse o criado: “bem, teu pai mandou fazer
esta festa e esta música e estes bailados porque encontrou o seu filho vivo e de saúde e precisa
celebrar, e fez um banquete”. E o outro filho mais velho não quis entrar, não tomou parte na
festa. Protestou contra tudo. Não entrou. Mandou chamar o pai. O pai teve que vir para fora
da sala para falar com o filho mais velho.
O filho mais velho disse: “- pai, o que é isto? Esse teu filho fez todas as estripulias lá
fora e tu lhe faz esta festa”. - Esse teu filho, ele diz, ele nunca diz meu irmão. Isso é muito
importante dizer. Não está lá „meu irmão‟, porque ele não se reconhece como irmão daquele
outro. Não havia mais afinidade entre eles. Entre ele, a eterna criança fossilizada aqui, e o
homem de alta evolução humana não tem mais semelhança. Não tem mais afinidade. Ele
nunca diz „meu irmão‟. Ele sempre diz, „esse teu filho‟, “fez todas essas bobagens lá fora, e
agora ele voltou e tu lhe fazes uma festa deste tamanho. A mim nunca fizeste nada disto.
Nunca me deste nem sequer um cabrito para eu celebrar um banquete com meus amigos”. Ele
apela até para a recompensa de um cabrito – quer ser recompensado pela sua obediência. O
outro não falou em recompensa.
Então o pai disse ao filho mais velho: “meu filho compreende que era necessário
fazermos essa festança. Porque, teu irmão...” o pai diz teu irmão, mas ele nunca diz meu
irmão, ele só diz esse teu filho. “Ele voltou são e salvo”. “Aliás”, disse o pai, “tu queres ser

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recompensado porque diz que eu nunca te dei nada” - se o pai tivesse distribuído dinheiro
como a falsa tradução diz o filho mais velho não podia ter dito: “nunca recebi nada”.

Parte II
Muitos pensam que ele teria dividido a fortuna, metade para cá, metade para lá. Não é
verdade, não se sabe de dinheiro. Ele não fala disso, nada, nada, nada. O pai disse, não é
preciso receber alguma coisa, tudo que é meu é teu. Essa palavra é muito importante. Tudo
que é meu é teu. “Tu não precisas ter propriedade individual. Porque o nosso chega, tu não
precisas mais de teu porque tudo que é meu é teu”. Quer dizer, um homem que estagnou na
infância... Esse rapaz estagnou na infância, é claro. Ele não saiu da infância. A criança não
tem senso de possessividade. A criança não diz, eu quero, eu preciso disso, eu preciso aquilo.
A criança se contenta em obedecer aos pais... Quando ela não é estragada. O pai disse, “tudo
que é nosso é teu, para que te dar propriedade individual? Não precisa”. O pai diz: “mas não
precisa propriedade individual, basta ter a nossa propriedade da família, de todos”. Isso disse
o pai.
Quer dizer, aqui nessa parábola está exemplificada maravilhosamente a evolução de
dois homens completamente diferentes. Talvez de duas humanidades. Este talvez represente
uma humanidade que não está aqui na terra. Talvez haja uma outra humanidade eternamente
infantil. Talvez haja uma humanidade que não tenha passado por nenhuma evolução. Que se
tenha fossilizado na infância pela infantilidade. Este aqui representa uma humanidade
realmente estagnante. Estagnou na infância, não evoluiu. Este aqui representa a humanidade
que evoluiu. Primeiro evoluiu para baixou, ou propriamente involuiu. E finalmente evoluiu
para cima, que é verdadeira evolução - completou a sua evolução. Porque estranhamente
segundo as leis cósmicas, a evolução sempre é bipolar. Tem sempre bipolaridade, positivo e
negativo - é uma evolução completa.
Quem não conhece o negativo não pode apreciar o positivo. Quem nunca passou pela
adolescência rebelde, não vai entrar na maturidade verdadeira. Agora ele entrou na
maturidade - superando a sua adolescência ele entrou na maturidade. Isto é que está na
parábola. Não é uma profunda filosofia? A parábola não fala da misericórdia de Deus para
com o pecador penitente como dizem os teólogos. Isto não está na parábola. Isto é
interpretação teológica, moralizante, mas as parábolas não são moralizantes. As parábolas não
tratam da moralidade do agir. As parábolas tratam da verdade do ser. Aqui se trata da verdade
do ser. A verdade do ser infantil e a verdade do ser adolescente e maduro. Aqui há uma
evolução do ser para baixo e para cima. Aqui (horizontal) não há nenhuma evolução do ser.
Por isso nós vamos focalizar sempre as parábolas como sendo a verdade do ser
humano e não a moralidade do seu agir. O agir é uma consequência do ser. Se alguém
conhece o seu ser verdadeiro ele age corretamente. Mas este aqui nunca entrou na verdade do
ser. Esta eterna criança fossilizada lá em casa não entrou na verdade do ser. Não é nenhuma
verdade. Nem se reconheceu como ser humano porque um ser humano não pode ser
fossilizado – não pode ser uma múmia que fica eternamente igual, que não muda nada, nem
para cima nem para baixo. Isso não é evolução.
Então esta parábola é uma apoteose da evolução humana... - ou da estagnação aqui,
que não é nossa propriamente ou da evolução aqui – mas como a evolução supõe uma
involução - a subida completa supõe uma descida, é claro que era necessário descrever a
involução para depois poder falar da evolução.
Isso que estou dizendo está no Evangelho de Lucas – palavras do Mestre de Nazaré.
Mas já está no Gênesis de Moisés. Escrevi uma vez um livro: “A Nova Humanidade” onde eu
trato desta evolução que está no Gênesis, o 1o livro da Bíblia do Antigo Testamento. E o
Evangelho está no meio. No Gênesis já se fala de dois polos. Moisés escreveu o Gênesis 1500
AC. Fala-se do sopro de Deus e do sibilo da serpente. O sopro de Deus é o positivo, o

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espiritual. E o sibilo da serpente é o negativo, o intelectual. O sibilo da serpente é isto. A voz
da serpente – tão mal compreendida até hoje.
Quando unimos o sopro de Deus com o sibilo da serpente então chegamos a uma
terceira coisa que não é nem o sopro de Deus nem o sibilo da serpente. Chegamos àquilo que
Moisés no Gênesis chama imagem e semelhança de Deus... O homem plenamente evoluído.
Isso ele chama imagem e semelhança de Deus. Mas a imagem e semelhança de Deus é uma
evolução completa. A evolução completa não é possível com um polo. Só o sopro de Deus
não é evolução. Só o sibilo da serpente não é evolução. Agora, entrando em contato com o
sibilo da serpente, o negativo - e o sopro de Deus, positivo, isto dá evolução completa.
Muitos teólogos dizem: Moisés representa Deus derrotado. Porque o sopro de Deus foi
derrotado pelo sibilo da serpente, segundo o Gênesis. A serpente aconselhou uma coisa contra
o sopro de Deus e os homens aceitaram o sibilo da serpente. Mas não é verdade. Não há
nenhuma derrota. Não há nenhuma queda. Aqui há o início da evolução. Aqui por exemplo,
não se pode dizer que haja uma queda. Se isto é uma queda, é uma queda necessária. Porque
onde não há queda não pode haver surto. Para haver um surto completo precisa preceder uma
queda. O filho pródigo realmente caiu por vontade própria. Atravessou todo o mundo
negativo que nós chamamos o pecado, para chegar a sua redenção. A redenção é a evolução
final.
Há na liturgia da Páscoa que se canta nas igrejas cristãs, um hino maravilhoso,
místico, que eles cantam no sábado de Aleluia, nas igrejas. Diz assim: Ó culpa feliz, ó pecado
de Adão realmente necessário para nos dar tão grande redentor. Exatamente isto. Ó culpa
feliz, ó pecado de Adão realmente necessário para nos dar tão grande redentor. O grande
redentor é a evolução completa do homem. A culpa feliz e o pecado necessário são o prelúdio,
é o polo negativo preludiando o polo positivo.
Tudo isso seja o Gênesis, seja o Evangelho, seja a liturgia pascal que fala da culpa
feliz e do pecado necessário - formam uma perfeita síntese. Todos os grandes iniciados - seja
Moisés, seja o Nazareno, seja o autor desse hino que alguns atribuem a Santo Agostinho, mas
eu atribuo mais a Orígenes. Orígenes é do 3o século. Porque é um hino místico. Na análise
não se pode dizer que uma culpa seja feliz. A culpa é infeliz. Não se pode falar num pecado
necessário. Na mística se pode. Na análise é uma contradição falar numa culpa feliz e num
pecado necessário. Mas como as palavras não são analíticas e Moisés não também falou por
análise, ele era o grande intuitivo daquele tempo – todas as grandes verdades são intuitivas.
Quer dizer, não podem ser inteligidas e analisadas pela inteligência, mas podem ser
intuídas e perfeitamente compreendidas pela razão cósmica, pela razão espiritual. Esta
parábola não gira no plano da Noosfera, diria Teilhard de Chardin. Teilhard de Chardin
chama a inteligência o plano da Noosfera e chama a razão o plano da Logosfera. Nós em geral
confundimos inteligência com razão. E por isso não podemos compreender. A razão é
intuitiva. A inteligência é apenas analítica.
Quando a gente lê os Evangelhos só pela análise não vai compreender. Vai fazer o que
nós estamos fazendo aqui no ocidente, porque o ocidente é inteiramente analítico. O oriente é
muito intuitivo; o oriente tem uma cultura de mais ou menos 7000 anos. O ocidente começou
a cultura 500 anos AC. E agora são 2500. O ocidente está ainda na análise intelectual. Toda
filosofia ocidental é analítica e intelectual e toda filosofia oriental, sobretudo do oriente
próximo... O Evangelho é oriente próximo... - é uma filosofia profundamente intuitiva. A
intuição é da razão, a análise é da inteligência.
Através de toda filosofia nós temos que fazer nítida distinção entre inteligência
analítica e razão intuitiva. Muitos chamam a razão o espírito. Nós não usamos a palavra
espírito na filosofia porque é um termo teológico e não filosófico. Em vez de espírito nós
dizemos o Logos, a razão. Teilhard de Chardin também usa o termo Logos em vez de espírito.

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Os antigos gregos distinguiam nitidamente entre a inteligência analítica que não vai muito
longe e a razão intuitiva que vai muito longe.
E as parábolas devem ser todas projetadas. Todas as parábolas - vamos dizer ainda -
no fundo da intuição racional e não na base da análise intelectual. Porque isto que eu falei
para vocês, o filho pródigo representa a nossa humanidade. Nós estamos na involução para
baixo. Por enquanto nós estamos na pura inteligência aqui. Isto é involução. A inteligência
nos leva até aqui. A inteligência é capaz de todos os males. Um homem puramente intelectual
é um homem luciférico. Ele pratica todos os males e não se arrepende de nada. Se ele não
chega a unir a razão com a inteligência, ele nunca chega a ser um homem completo.
Nós estamos lutando para acrescentar a inteligência à razão. Pela introversão, pela
introspecção nós descobrimos a nossa razão que é central. Pela análise nós só descobrimos a
nossa inteligência que é periférica. Periferia mais centro dá o homem completo. Mas a
periferia só, não dá o homem completo... Nem o centro sem a periferia. O centro sem a
periferia pode acabar em misticismo. A periferia sem o centro acaba em pura profanidade.
Mas, unindo o centro com a periferia temos a figura do homem total, o homem racional pelo
centro e intelectual pelas periferias. E unindo todas as periferias com o centro temos o homem
integral, o homem cósmico.
Isto é que está na parábola do filho pródigo. Vamos compreender a parábola no
sentido intuitivo e não no sentido analítico - A teologia é toda analítica. A filosofia tem que
ser intuitiva. A filosofia é muito mais racional do que propriamente intelectual. Podem
começar pela intelectualidade, mas tem que culminar na racionalidade. Começa na Noosfera,
como diz Teilhard de Chardin, mas termina na Logosfera.
Bem isto é a história do filho pródigo como filosofia cósmica, como filosofia
intuitiva. Alguém quer fazer uma pergunta sobre isto?
-?
- Claro que é autorrealização. Isto é que nós chamamos autorrealização. Autorrealização não é
só da inteligência nem só da razão, mas é das duas faculdades. A inteligência começa e a
razão termina. O Noos começa e o Logos termina. Isso é pura autorrealização. Hoje em dia
inventamos esse termo „autorrealização‟. Começa com autoconhecimento. O filho pródigo
entrou no autoconhecimento e termina com autorrealização. Não há nada de novo. Nós
pensamos que nós inventamos autorrealização. Isto é do Evangelho. Isto é autorrealização.
Tem mais alguma pergunta?
-?
- Ele não retornou, cuidado com a palavra! Ele não retornou. Ele abriu uma grande espiral.
Retornar é voltar ao mesmo ponto donde ele partiu. Sair do ego e voltar para o ego – isso seria
retornar. Isso ele não fez. No mesmo nível, isso seria retorno, se ele saísse da casa paterna do
ego e voltasse para a casa paterna do ego ele teria retornado, mas ele não fez isto. Ele subiu
em espiral. Subiu – uma espiral não volta ao ponto de partida. O círculo volta ao ponto de
partida. Se ele tivesse voltado ao ponto de partida teria perdido o seu tempo. Não teria
realizado nenhuma evolução. Quem volta ao ponto de partida como pensam alguns teólogos
que ele tenha voltado, arrependido para a casa paterna – não é verdade. Ele não voltou para o
ponto donde ele partiu. Ele voltou para um ponto muito acima do ponto de partida. E isto é
importante. Isto é uma evolução em espiral, não uma evolução em círculo que não é evolução
nenhuma. Isto é uma rotina. Evolução em círculo não existe. Só existe evolução em espiral. É
o que ele fez.

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