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• ANTROPOLOGIA

AULA 4 – Introdução à estrutura da personalidade humana

Aula Quatro. Vamos continuar a nossa aventura para desvendar os segredos, os mistérios do
ser humano, tentando nos orientar um pouco na nossa vida e, consequentemente, poder
ajudar as pessoas à nossa volta a se encontrarem também. Então, vamos começar a falar um
pouco mais agora sobre a personalidade humana. Alguns pontos que acertamos nas últimas
aulas, como os sentidos, que são esses instrumentos, esses poderes que temos para fazer esse
movimento de domínio. Agora, vamos compreender como podemos nos orientar no dia a dia,
tomando café, como demos o exemplo na última aula, para que todos esses sentidos e
faculdades possam estar integrados e percebamos o movimento delas exatamente quando
estamos vivendo a nossa vida, que é o mais interessante disso tudo. Mostrei na última aula um
livro para vocês de Antropologia, mostrei só o prefácio para materializar e mostrar onde,
depois, vocês vão poder achar cada item que eu falo separadamente. Quando tratarmos de
intimidade humana, liberdade, caráter, todas essas coisas, vocês poderão olhar lá, descrito. E
aqui vou fazer o trabalho de integrar isso tudo numa espécie de compreensão de como tudo
acontece na nossa vida, no dia a dia. Esse será o trabalho, que normalmente não é feito nas
bibliografias. Então, vou continuar mostrando para vocês um movimento, um movimento que
aparece a partir de um encontro. Para isso, vou utilizar o recurso que mencionei na primeira
aula, que é pegar essas estruturas que foram consolidadas ao longo da história. O que significa
isso? O que entendemos pelo senso comum sobre a personalidade humana? Temos algumas
visões para tentar perceber o movimento da personalidade durante a nossa vida acontecendo.
Então, às vezes, falamos das pessoas que pegam algumas ideias, mas não vivem essas ideias.
Dizemos que a pessoa não tem personalidade; ela fala uma coisa e faz outra. Ou então, quando
alguém diz que vai fazer algo, e percebemos que não tem força para concretizar, vemos
realmente uma fraqueza, um desencontro nessa pessoa. Assim, dizemos que a pessoa tem uma
personalidade fraca, e às vezes usamos isso de forma pejorativa. Essas expressões do senso
comum são importantes para nos orientar, para entender onde nossa vida intelectual
encontrará grandes matrizes. O que isso significa? É importante revisitar, principalmente aquela
aula, que denominei um pouco como "aula na verdade", onde falamos do encontro com um
café. Começamos com uma conversa sobre o café, e depois ele vai se materializando até sua
degustação. Posteriormente, assumimos uma responsabilidade e tentamos, de maneira
poética, eternizar o café através dos signos da fala. Mesmo que ele esteja ausente, podemos
evocar o café em nossas conversas. Dentro dessa estrutura, encontramos em nossa história
uma maneira que, desde sua invenção, é usada para expressar uma vida humana ou alguém
que desejamos representar, por exemplo. Então, vamos dizer que eu quisesse falar para vocês
quem é Tales. Quero mostrar a personalidade de Tales para vocês. Como eu poderia fazer isso?
A melhor maneira que conheço seria tentar ler em algum lugar sobre a vida de Tales, ou seja,
um roteiro do que aconteceu com a vida dele. E aí ficaria muito melhor se eu não só contasse
para vocês, mas tentasse interpretar essa vida de Tales. De repente, eu diria que Tales era um
homem muito forte, e ao falar, vocês o vissem magro, mas extremamente generoso. Tentando
reconhecer a personalidade, começaríamos a fazer críticas, como as de uma plateia de teatro.
Então, diríamos: "Nossa, que roteiro fraco para representar um personagem tão forte!" Às
vezes, temos um ótimo ator representando um filme com um roteiro fraco ou vemos um ótimo
roteiro interpretado por um personagem incrível. Ainda hoje, não encontramos uma maneira
melhor de mostrar a vida humana do que através da dinâmica dessas três perspectivas que
aparecem no teatro grego: um roteirista, um personagem e uma plateia. Esse é o movimento
para expressar a vida.
E aí, podemos nos questionar: "Caramba, que grande invenção o ser humano teve para
expressar sua vida!" Mas, na realidade, deveríamos investigar se esse modo de expressão não é
o próprio funcionamento da nossa psique ou da nossa personalidade. Assim, é nesse contexto
que vamos adentrar para descobrir os movimentos que nossa vida humana segue no dia a dia e
onde ela se realiza. Esse é o caminho que estamos construindo, a história de uma vida. Quando
começarmos a falar sobre consciência e o roteiro de uma vida humana, como ensinar essa vida
humana, daremos mais unidade a tudo isso. Com paciência, começarei a ilustrar para vocês,
para que possam entender e se posicionar dentro dessas três perspectivas. Mais uma vez,
usarei o exemplo do café para complementar as aulas e, posteriormente, unificar essas aulas.
Vamos lá. Suponhamos que, pela primeira vez em minha vida, tomei café. Isso aconteceu
recentemente em casa. Meu filho mais velho, José Pedro, provou café pela primeira vez. Então,
no palco da vida, em nossa casa e no seio de nossa família, o personagem José Pedro
experimentou o café. Ele foi movido por um desejo, uma faculdade sobre a qual falamos pela
primeira vez, e agora complementaremos com a última aula para perceber a estrutura e
dinâmica da vida humana. A simples presença do José Pedro diante do café gerou esse
movimento. Ele não planejou com base em seu passado que tomaria café, simplesmente o café
apareceu à sua frente em sua vida. Esse café surge como uma presença, e essa palavra será
muito importante para nós, e a utilizaremos bastante. Então, essa presença do café diante da
presença do José Pedro gerou um movimento, o qual, depois de um tempo, pode ser gerado
por outras faculdades imateriais, quais sejam os intelectos. Então, a gente já viu que tudo que
chega no mundo do intelecto só chega lá quando passa primeiro pelo mundo dos sentidos.
Então, é óbvio que a dinâmica que eu fiz lá na última aula, falando da verdade do café, aquela
conversa que aconteceu entre meu amigo e eu sobre o gosto do café, ela só pode acontecer
porque, em algum momento do meu passado, eu já tinha entendido o café. Então, já poderia
conversar intelectualmente sobre o café, ainda que ele estivesse ausente. Só que toda a
dinâmica inicial dos sentidos humanos, pela razão, dentro da memória e da imaginação, e a
razão fazendo uma interface para que o intelecto ativo possa puxar a parte das ideias – separar
o conteúdo fantástico, o mundo material concreto, do conteúdo idêntico do mundo material,
que é a operação da abstração – tudo isso só pode acontecer e existir lá em cima, no mundo do
intelecto, se antes tivesse acontecido lá embaixo, pelo menos para nós, que somos formados
com o corpo material e uma alma espiritual. Só pode acontecer para nós dessa maneira. A
gente, aqui, não está falando de um tratado sobre os anjos. A gente não está falando somente
do mundo espiritual; aqui é uma aula de antropologia. Então, a gente está tratando sempre de
um corpo material e de uma alma espiritual. Essa parte imaterial, só essa parte de material, a
gente pode, depois, com um tempo, aprender muito mais sobre ela, como se ela tivesse uma
operação pura só dela. Se a gente, por exemplo, lesse um tratado de São Tomás de Aquino
sobre os anjos, então a gente ia perceber como funciona esse mundo imaterial puro. Aqui não é
o caso, porque nós somos homens.
Então, até quando a gente trata dessa parte, nossa intelectiva, a nossa parte espiritual e
material, ela sempre tem essa ligação com o sensível. Ela é uma espécie de espírito, de alma
sensitiva, tá? Sensual, no sentido de ter uma memória sempre dos sentidos. Tá bom? Então, a
partir do momento que aparece a presença do café diante da presença do meu filho, eles
começam a se relacionar, a categoria da relação. Agora, duas presenças. Bom, uma coisa que a
gente sempre vai falar, e depois vocês vão ver isso com mais profundidade quando eu falar,
quando eu der para vocês uma aula somente sobre o movimento do amor humano, vai haver o
fenômeno da transformação. A gente não vai entrar aqui na parte de um poder que vai
crescendo e vai movimentando o homem, utilizando essa forma, esse poder dele. Então,
acontece esse fenômeno da transformação, transforma, tá? Então, essas presenças, o
fenômeno dessas presenças, faz com que esse personagem no palco, que é movimentado por
um desejo, o meu filho José Pedro, ele não está sendo levado para um café, ainda mais na
idade dele. Tomar um café, que ele tinha uns 5 anos, ele não está sendo levado até lá por uma
operação do intelecto. Ele não está sendo levado até lá, como às vezes nós somos levados até o
café, em que sentido? Ah, eu estou sem energia, vou tomar um café, daqui a pouco vai acabar a
aula aqui, eu vou pedir um café porque eu preciso de um pouco mais de energia, preciso
acordar. O meu filho não foi levado ao café por essa operação. Ele não fez um roteiro para o
café. Eu, como pai, coloquei-o na presença do café e simplesmente ele estava ali e, diante de
um café, ele foi levado. Os movimentos das forças que unem ao ser, e a gente atribui,
principalmente na criança, ao fenômeno da curiosidade. Mas é um movimento, um movimento
que acontece naturalmente para que ela conheça o que está à sua volta, fazendo esse papel de
dominar. Para se orientar, meu filho, levado por essa faculdade desiderativa, se aproxima e
toma o café pela primeira vez. O primeiro fenômeno que acontece com ele: "Bom, provei o
café" com esse personagem aqui. Aí eu começo a me transformar um pouco no café, e o café
um pouco em mim. Então, vou parar aqui agora nessa transformação e vou falar muito mais
sobre ela quando a gente falar dos amores. O que é importante agora, depois que eu tenho
essa experiência da prova? Lembram lá da aula passada, né, aquela parte de baixo do
hexágono? Depois que eu tenho uma experiência daquela prova, os meus cinco sentidos
abraçaram o café tentando conhecê-lo, dominá-lo. Depois, que eles tiram mais informações
que o café tem para ficar guardada dentro da gente, eu sou capaz de olhar para trás e fazer
aquelas operações que eu chamei para vocês de responsabilidade e de uma atividade poética
de tentar falar sobre o café. Mas agora, o que acontece com meu filho? Então, aqui, lembra que
eu desenhei esses três bonecos aqui lá naquela aula, né? Então, aqui atrás, olhando para o
passado, eu faço a segunda operação da lógica. A primeira acontece aqui no personagem, a
percepção, a simples apreensão. Aprendi o café. Depois, eu olho para trás, olha para o passado,
e começo a fazer os primeiros juízos da minha relação com café. Então, José Pedro virou para
mim e falou assim: "Papai, o café é amargo". Fez o juízo que vive no passado, ele olha para o
passado e emite o seu juízo daquilo que aconteceu lá, e aqui no presente vive o personagem.
Então, eu, para dar essa aula para vocês, estou fazendo esses juízos com vocês e orientando
vocês, conduzindo de indução em indução, de intuição em intuição, de dedução em dedução.
Estou olhando agora para o passado, estou falando lá no passado, José Pedro tomando café,
estou fazendo juízo olhando para aquilo que meus sentidos alguma vez me deram. Então,
acontece o fenômeno do personagem no presente e depois a gente vai lá para o passado fazer
os nossos juízos. Quando eu olhar para trás e fizemos juízo sobre o café e eu, já fiz, meu filho,
José Pedro, ele fez o primeiro juízo dele sobre o café: "Café é amargo". Nós já temos muito mais
juízo sobre o café, né? Eu já tenho juízo sobre o café de São Tomé Príncipe, eu já conheço o
café doce, café amargo, café Melitta, Café Pilão, café acima de 800 metros, café artesanal, tudo
quanto é tipo de café a gente vai conhecendo.
Então, a gente vai aprimorando os nossos juízos. Tudo vai entrando pelos sentidos. Serão esses
juízos, serão nossas crenças, né? A nossa fé. O que significa isso? Significa que eu posso falar
para vocês que eu acredito que o café vai me dar uma energia. Se eu precisar de energia mais à
frente, eu acredito que o café vai me dar, porque eu carrego comigo essa verdade, esse juízo
que eu fiz. Então, percebam que quando eu faço essa operação do presente e me transformo
um pouco no café pela experiência sensível, depois começo a olhar para o café para fazer o
juízo. Já que vão se afastando um pouco desse conhecimento sensível, eles entram ali no senso
comum, naquela matriz que eu falei para vocês. E depois, o intelecto ativo começa a operar as
informações gerais sobre o café. Então, se eu falar sobre a gostosura do café ou a textura geral
do café, se eu falar isso de uma maneira geral, o que a gente percebe? Se eu falar da cor do
café, o café preto, né? Perceba que quando eu falo "café preto", esse preto, só preto, agora, ele
já não tem mais correspondente no mundo sensível, né? Não existe "preto" no mundo sensível.
Existe alguma coisa preta, não existe o preto. Então, eu peguei todas as espécies que possuem
uma parte preta e joguei para cima, para uma parte genérica, o genérico de várias espécies que
possuem preto. Essas são as primeiras operações do intelecto. Obviamente, ainda é um
intelecto, como nós temos, um intelecto que é misturado com o sensível, e não intelecto puro.
Essa é a partir do intelecto que ainda tem sensibilidade, em breve, com esse preto, que é uma
cor. Depois, eu boto aqui essa cor dentro das categorias dela, histórias, ela pode qualificar
seres. Então, ela é uma qualidade. Que, hoje em dia, a gente não aprende mais isso, mas existe
uma ciência para isso. Na ciência das definições, a gente vai utilizando esse método da árvore
por filo, subindo de espécie para gênero e fazendo aquela taxonomia que eu falei para vocês,
até chegar em reino, né? Então, percebam que quando eu chego em qualidade, eu estou
falando para vocês sobre qualidade. Quando eu estou falando para vocês sobre bondade, já
não tem mais correspondente sensível direto com o mundo real. Então, quando a gente chega
nesses patamares, onde a gente vai subindo de abstração, minha abstração, cada vez menos a
gente vai tendo contato com a parte material e a gente vai vivendo puramente na parte
intelectual. O que pode carregar uma grande beleza, né? Que a beleza, a própria beleza do
intelecto passivo, que é onde a gente vai provando de uma bondade. Quer dizer, quando eu
tento ver: "Caramba, o que é bondade no mundo?", eu tenho que criar uma situação inteira,
quase que contar uma vida inteira, para a gente, em um único ato, inteligir essa bondade.
Então, percebam, o intelecto ativo, ele vai tirando essas abstrações todas, ele vai realmente
separando tudo que é da natureza dele dessa natureza material espiritual para ele e ele vai
operando isso e ele vai desenhando essa vida que vai subindo de gênero em gênero, e gênero,
gênero, passando pela ordem das coisas, pela classe das coisas e chegando lá em cima no reino
das coisas. Como se nós, seres humanos, fôssemos os capazes de saber o que é a bondade de
todas as coisas que já aconteceram, que acontecem hoje, que vão acontecer, em um único
instante. Em instante, e a gente pudesse inteligir: "O que é bondade?". Então, percebam, o
intelecto passivo, ele consegue criar um mundo inteiro de bondade em si mesmo, em um único
instante. Como se fosse um único ato. Em um ato, ele vê uma narrativa inteira e proclama:
"Bondade! Bondade!". E a gente fala: "Bondade". Obviamente.
Mas, se eu não falasse a palavra "bondade", fosse em qualquer outra língua, se eu só pensasse
nisso, soubesse na minha cabeça... Isso é o que a gente chamaria em filosofia de "verbum", né?
Então, na minha cabeça, se eu fosse mudo, não pudesse proclamar, isso aconteceria na minha
cabeça, um ato de intelecção: bondade. Em um único instante, eu consigo ter essa percepção,
uma percepção gigantesca de um reino, o reino da Bondade. Tá bom, pessoal? Então, isso é só
um breve gostinho aqui. Eu não vou falar separadamente aqui sobre intelecto ativo e passivo,
mas o intelecto passivo... Ele carrega essa grande capacidade de desenhar em si um mundo
inteiro, tá? Inteligente. E depois, ele se desfaz para conseguir inteligir outra coisa, outro
momento da vida. Eu falei de bondade, então ele consegue se transformar. Ele é passivo por
isso, né? Ele sofre a intelecção do mundo inteiro. Ele realmente tem a capacidade de olhar de
cima, como se eu estivesse fora do mundo, fora da situação, e aquele mundo inteiro fosse
inteligido por ele em um único ato. Ele proclamasse: "Qual é a ordem daquelas coisas?", e logo
depois, ele se desfizesse e ficasse pronto para a próxima intelecção. Ele é uma espécie de fogo
que não se consome, né? Então, ele é uma espécie de um ser que ele pode tudo. Ele pode se
transformar em tudo, nesse momento, inteligir, e depois se desfazer, como quem não se
desgasta, tá? Essa é uma capacidade que é puramente ou propriamente humana para nós, sem
entrar no mérito de teologia nem nada disso, dizendo que a gente, usualmente, corretamente,
vive na nossa vida. Então, essa experiência que já está acontecendo, já está acontecendo
dentro da cabeça do juiz, né? Dessa pessoa que eu falei para vocês, agora olha para o passado e
efetivamente consegue falar sobre o café: "Que eu tomei, esse café é gostoso, esse café é
amargo, esse café é preto, esse café está doce". De verdade, sobre o café lá no passado, existe
uma operação que é uma operação de extrema orientação humana no mundo, que, lógico, que
a gente chama de indução. Que operação é somente isso? Acontece na nossa vida. O sol nasceu
há 100 anos. O sol nasceu há 10 anos. O sol nasceu na semana passada, anteontem, ontem,
hoje. Eu percebo que o meu mundo dos sentidos, como ele tem uma operação de tirar dele
alguma coisa que transforma espécies em gêneros, essa operação faz com que esses
fenômenos específicos tenham uma capacidade maior de duração. Se não for pelo próprio
fenômeno, que acontece num único instante como tomar o café aconteceu lá atrás, eu, através
desse intelecto, consigo levar isso muito mais longe, o que seres mais elevados que a gente,
mas abaixo de nós, não têm condições nenhuma de fazer, por não terem essas operações do
intelecto. E essa força do intelecto, e depois a gente vai verificar, e chamar de vontade, né?
Depois de nós, se a gente pegar um macaco, a gente nota que vai fazendo uma espécie de
indução, que não é intelectual, mas é uma espécie de indução sensitiva. Lembra que eu falei
para você sobre Chauí, que fala que existe uma "inteligência sensiente", ou seja, existe uma
orientação nos sentidos comuns, que depois a gente passa a chamar de senso comum, que
fazem com que os animais se orientem nas suas presenças. Só que no ser humano, existe algo
mais, que permite construir e replicar todo esse mundo, ainda que tudo isso esteja ausente. É
por isso que nós trabalhamos mais com as ausências no passado e ausências no futuro, e os
animais não trabalham. Então, depois que eu estabelecer essas verdades lá no passado, minhas
crenças, minha fé, eu, naturalmente, pelas operações que acontecem pelo movimento comum
do intelecto, começo a orientar a vida que vem pela frente. E eu começo a construir os roteiros
da minha vida. Se a gente olhar isso na vida das crianças, fica mais palpável, né? O roteirista de
crianças pequenas, quer dizer, eu tenho cinco filhos: a minha filha mais nova, Maria Teresa; a
Maria Helena; o José Antônio. Até eles, eu praticamente faço todos os roteiros para a vida
deles. Os dois filhos mais velhos, a Maria Rita e José Pedro, eles já fazem alguns roteiros da vida
deles. Já escolhem algumas roupas, escolhem algumas atividades.
Mas, no geral, eu faço roteiros da vida deles e os coloco como personagens nos locais, né? Eu
escolho os locais onde os meus filhos vão estar hoje e eles começam, devagarzinho, a fazer
esses juízos. Esses juízos que eu ensino a eles fazer; alguns eles têm por si mesmos,
principalmente os sensitivos, mas alguns materiais, como quando um deles faz uma coisa
errada e eu digo para eles: "Meu filho, isso é ruim, isso é mau, isso está errado". Vejam que eu
também estou sendo crítico com eles. Eu estou construindo a crença deles, a fé deles, a
liberdade deles. Principalmente as que não são sensitivas. As sensitivas eles fazem
praticamente de modo automático. Então, eu não, usualmente (quer dizer, eu não deveria fazer
isso), mas hoje em dia a gente tem que ficar falando que a grama é verde. Mas,
automaticamente, meu filho diria que a grama é verde pelos próprios sentidos, apesar de os
adultos, através do intelecto, pelo mundo da lógica, dizerem que a grama não é verde. Em
algum momento, não é assim que ocorre naturalmente na vida humana. Então, perceba: eu já
tenho aqui um mundo completo de orientação do ser humano. Eu já tenho juízo sobre a vida
que me fazem roteiros. Ou seja, o meu filho, agora que já provou o café e já tem juízos, amanhã
de manhã ele já pode falar assim: "Caramba, vou tomar um café porque café é gostoso". Isso é
muito bem dito, por exemplo, na teologia, quando São Paulo fala que a fé é o fundamento da
esperança. Ou seja, quando eu tenho uma verdade, ela baliza aquilo que eu espero do mundo,
porque as verdades são duradouras, né? Então, a verdade de hoje, a verdade de ontem, a
verdade do amanhã... Esse é o processo indutivo, o processo da força da duração da verdade.
Então, agora, eu pego essa fé e jogo lá para frente como um roteiro de esperança: "Eu vou
tomar um café amanhã porque café é gostoso". Então, essa estrutura de um roteirista que
planeja a vida, um personagem que vive essa vida no palco e uma plateia, um crítico, que
analisa o roteiro, que faz juízo sobre roteiros e personagens, constroem juntas a vida dessas
três pessoas. E a relação entre elas constroem juntas a personalidade humana. E, na próxima
aula, a gente desenvolve mais sobre essa personalidade e essa estrutura antropológica,
totalmente necessárias para nossa vida, já orientado pelas três pessoas.

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