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Curso 80

Aula 07– data 22/04/80


Yoga e Monismo
Huberto Rohden

Há uma onda de yoguismo ou de yoga que nos veio do oriente. Antes, ninguém falava
em yoga aqui no ocidente. Hoje todo o mundo faz Yoga e todo o mundo fala em yoga e mais
yoga. Mas o ocidente monoteísta é absolutamente incapaz de praticar yoga. É desanimador,
não é? O que vocês fazem é hatha-yoga - é claro – que é uma ginástica muito boa para ter
saúde e flexibilidade do corpo. Isto não é a yoga Integral do oriente. Yoga integral do oriente
é puro autoconhecimento e pura autorrealização. Nada mais! O resto é ginástica. Mas, isto de
autoconhecimento e autorrealização como se pratica nos grandes países do oriente não é
possível no ocidente. Por isso nós temos que contentar-nos com simples hatha-yoga – que não
podemos entrar na yoga Integral que é tipicamente monista. E nós não somos monistas. Há
2000 anos que somos monoteístas cristãos. Mas, o oriente tem 7000 anos de monismo puro,
absoluto.
E enquanto nós não entrarmos no monismo, a nossa yoga é sempre muito incompleta.
Nunca vamos compreender a verdadeira yoga. Por que não?
Aqui tem um livro, (há muito tempo que tenho este livro) chama-se “O livro Tibetano
da Grande Libertação” do Dr. Evans Wentz – tradução alemã aqui do original inglês. O Dr.
Evans convidou o grande psicólogo europeu Carl Gustav Young para escrever um prefácio
para este livro. E Carl Gustav Young disse que ia pensar se ia escrever o prefácio ou não.
Pensou e aceitou, mas quase recusou. Ele explica em 50 páginas do prefácio... Carl Gustav
Young, o maior psicólogo dos últimos tempos.
Então ele explica porque é que o homem do ocidente – ele é do ocidente porque é
europeu – não pode compreender a Yoga do oriente. E por isso ele estava com vontade de não
aceitar o prefácio. Mas finalmente ele descobriu uma saída, descobriu o seguinte: embora
todo o ocidente cristão, a teologia seja monoteísta, contudo ele descobriu que no princípio do
cristianismo, o cristianismo era puramente monista. Está aqui no prefácio do Young. Ele era
puramente monista durante três séculos pelo menos.
As escolas platônicas e neoplatônicas cobriam todo o império romano naquele tempo,
quando veio o cristianismo. As escolas de Platão e dos neoplatônicos de Alexandria que são
três: Orígenes, Filon e Plotino. Os três grandes neoplatônicos de Alexandria... Quase no fim
do Antigo Testamento e princípio do Novo Testamento. Então todo o cristianismo era
monista, exatamente como o oriente. Porque, dizem Young, o Evangelho é monista. E não é
monoteísta como eu já disse diversas vezes aqui. Quando vocês leem o Evangelho tem-se a
impressão de que está com a filosofia oriental. Está com o platonismo ou neoplatonismo. Isto
durou três séculos, até o ano 313 da nossa era.
Então vieram os primeiros imperadores cristãos do império romano... Porque eram
perseguidos, era religião proibida do império romano, no tempo dos grandes martírios –
naquele tempo. Mas, no ano 313 Constantino o Magno publicou o célebre edito de Milão
dando plena liberdade ao cristianismo e convidando para participar do governo do império
romano. Isto foi um grande beneficio porque libertou os cristãos da perseguição, mas foi um
outro mal muito grande – os primeiros imperadores cristãos do império romano mandaram
fechar todas as escolas neoplatônicas. Mandaram fechar todos os centros onde funcionava o
cristianismo neoplatônico... Quer dizer, místico. O cristianismo místico é puramente monista.
E desde o 4o século não há mais monismo no cristianismo. Há monoteísmo, mas não há mais
monismo.
Eu já falei sobre a diferença entre monoteísmo e monismo, mas tenho que completar
muitas coisas que eu não disse... sem aceitar essa ideologia monista que é professado por 2/3

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da humanidade até hoje... Todo o oriente é monista. Apenas 1/3 que é o monoteísmo cristão e
ocidental. Enquanto nós não compreendermos exatamente o que quer dizer monismo, não
podemos entrar no espírito de Yoga. Não é possível. Por quê?
Porque no cristianismo ocidental que é puramente monoteísta, nós consideramos Deus
como uma entidade longínqua, transcendental; que existe e ninguém sabe aonde, mas deve
existir em alguma região do universo. Isto nos foi dito desde o catecismo através de teologias,
que Deus é uma entidade ausente. Ausente acima do mundo... Mas ele não faz parte do
mundo. Não é uma parte integrante do mundo, mas é uma entidade transcendental. Isto nos
foi dito e tivemos que estudar na teologia. Nesta base não é possível o yoga, ou a yoga, dizem
outros. Mas, nós estamos habituados a dizer a yoga. Não é possível praticar yoga verdadeira
nesse sentido.
Suponhamos que isso seja Deus (cruz). Isto transcendente...

...E que eu estou aqui (círculo).

O círculo é o finito e a cruz é o infinito. Nesta posição eu, meu ser humano aqui, não
posso praticar Yoga fora de mim, porque é uma distância entre o homem e Deus. No
monoteísmo há uma distância infinita. Deus não está aqui onde eu estou. Eu posso invocar
Deus, mas não posso evocar Deus. Se eu evocasse Deus de dentro de mim Deus estaria dentro
de mim, é claro. Evocar quer dizer chamar de dentro para fora. E-vocar. Mas se eu tenho de
invocar Deus, um Deus longínquo, um Deus transcendente, eu não posso praticar
autoconhecimento e autorrealização que é yoga integral no oriente. Nesta posição eu estou no
monoteísmo. Eu só posso pedir a Deus que me ajude, que me dê sua graça, mas a um Deus
sempre longínquo. E isto não dá base para o monismo nem para a yoga.
Agora, no oriente a coisa é completamente diferente, porque no oriente a coisa é
assim:

Os dois não estão separados, isto (o círculo) - sou eu. Isto (+) aqui é Deus. Os dois
estão interpenetrados. No monismo. Não é um Deus ausente, um Deus transcendente. Uma
entidade separada de qualquer creatura e também do homem, não. No oriente e em todo o
monismo, Deus é uma realidade universal. Eu sou o indivíduo humano, mas o indivíduo está
dentro do universal e o universal penetra sobre os indivíduos. Aqui, esta cruz penetra o círculo
e o círculo está inteiramente dentro desta cruz. Esse é o melhor modo de representar
geometricamente a relação entre monismo e o homem. O homem está dentro da Divindade e a
Divindade está dentro do homem.
Naturalmente, não a Divindade em toda a sua plenitude, porque o conhecido está no
cognoscente segundo a capacidade do cognoscente. Ou, o recebido está no recipiente
segundo a capacidade do recipiente. Isto são provérbios antiquíssimos que ainda valem hoje.
Essa cruz está no círculo, mas ela não pode estar inteiramente no círculo. Porque o círculo é
finito e a cruz que representa a Divindade é infinita.

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Então o infinito está no finito segundo a capacidade do finito. Se a capacidade é
pequena um pouco do infinito está no finito. Se a capacidade do finito é grande é claro, o
infinito está muito mais presente nos finitos. Esta presença é a consciência. Se a consciência
do finito é muito pequena ele não tem muita consciência da presença do infinito dentro dele. É
claro, a sua bitola, a sua medida é muito pequena e não cabe muito do infinito. Mas se ele
alarga os seus limites finitos, então, na razão direta do alargamento da sua capacidade
cognoscente, ou da sua capacidade receptiva ou da sua conscientização, ele tem mais
consciência da presença do infinito nele. Mas quer ele tenha, quer ele não tenha consciência
do infinito dentro dele a presença do infinito não depende da consciência do finito. A
presença do infinito é independente da consciência ou da conscientização do finito. Não
esquecer isto como base!
Então, o monismo sabe exatamente: o infinito penetra todos os finitos. E todos os
finitos estão inteiramente dentro do infinito. Não há separação. Pode haver maior ou menor
consciência da parte do finito sobre a presença do infinito, isto é então o grau de perfeição de
cada finito - a consciência que ele tem da presença do infinito.
Bem, então o monismo ensina que para praticar yoga eu tenho que saber disto. Eu
tenho que saber que a essência da Divindade, de Brahman está dentro da minha existência. A
existência é o finito. E a essência é o infinito. A essência infinita está dentro da minha
existência finita. Eu devo saber isso desde o princípio e não pensar que a essência infinita
esteja fora de mim e que eu tenho que invocar para além das nuvens ou de além das nuvens,
essa presença infinita para vir para dentro de mim. Isso seria o monoteísmo.
Mas isso não existe no oriente. No oriente só existe imanência da Divindade na
creatura. Também há uma transcendência, mas isso não é importante agora. O importante é
que eu tenha consciência da imanência do infinito em mim. Que eu, Atman, o ser humano,
tenha consciência de que Brahman está em mim e se eu não tiver essa consciência eu não
posso praticar yoga, porque invocar um Deus ausente não é yoga.
O maior místico do ocidente, Máster Eckart do séc. XIII – o superior provençal dos
padres dominicanos da Alemanha e o maior monista dos ocidentes cristãos - escreveu muitos
livros, mas foram todos proibidos em Roma por serem monistas e não monoteístas. Eu tenho
alguns livros dele aí. Máster Eckart apesar de ser um padre católico (também pode ser
monista inteiramente no sentido do oriente) diz: aquele que tem que sempre chamar o Deus
ausente para dentro de si não o possui nem depois de o ter chamado. Porque ele não pode
introduzir um Deus ausente para dentro de si, se este Deus antes não estava dentro dele. A
única coisa que ele pode fazer é: conscientizar a presença de Deus. A presença de Deus é
independente do homem.
O que depende de nós é a conscientização dessa presença. Mas se alguém pensa que
ele deve chamar Deus para dentro de si, porque Deus estava lá fora nas vias-lácteas, agora
entrou para dentro... Esse não pode praticar yoga. Porque yoga não é chamar Deus para dentro
de si, mas conscientizar a presença de Brahman dentro do homem. Porque este é o 1o passo de
qualquer yoga – de qualquer autoconhecimento e autorrealização. Saber da onipresença do
infinito dentro de qualquer finito. Se ele não tem certeza instintiva desta presença do infinito
em qualquer finito desiste de qualquer yoga integral. Pode praticar hatha-yoga sem isto, mas
não de yoga integral.
Yoga integral exige a presença e da minha parte, eu só posso fazer uma coisa:
conscientizar esta presença. Eu não posso fabricar essa presença. Porque ela já existe, mas eu
devo conscientizar nitidamente e cada vez mais amplamente esta presença e a minha
consciência da presença pode aumentar. A presença não pode aumentar. A minha
conscientização da presença do infinito pode e deve aumentar. Isso é o processo de yoga.
Quando eu estou intimamente convencido que eu estou em Deus e Deus está em mim.

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O segundo passo então é harmonizar a minha vida externa com esta consciência
interna. Antes de eu ter a consciência de um Deus em mim eu não posso harmonizar a minha
vida externa com esta consciência do Deus presente. Mas depois de eu ter descoberto a
presença de Deus em mim, eu posso e devo harmonizar todos os atos da minha vida diária
com esta consciência que eu tenho da presença de Deus em mim. Isto é yoga no oriente.
Então Carl Gustav Young que foi convidado a prefaciar este livro “O livro tibetano da
grande libertação” (300 páginas sobre o monismo do Tibet, lá nas alturas do Himalaia – entre
a Índia e China tem o Tibet). Lá tem os grandes yogues que são todos monistas como toda a
filosofia oriental. Então Carl Gustav Young foi convidado a prefaciar este livro. Ele diz
consigo: como é que eu, um psicólogo ocidental e, portanto um monoteísta por educação
(porque todos os ocidentais são praticamente monoteístas) acredito num Deus longínquo, num
Deus ausente, mas não num Deus imanente. Então ele diz: eu vou prefaciar um livro 100%
monista, mas a minha atitude é inteiramente de monoteísta. E como é que eu, um monoteísta
pode prefaciar devidamente um livro 100% monista.
E quis recusar o pedido de prefaciar. Pensou muito e descobriu que pode, por quê?
Chegou até as origens do cristianismo e viu que as origens do cristianismo são monistas. São
inteiramente monistas. E cita as palavras: eu e o Pai somos um – monismo – o Pai está em
mim e eu estou no Pai. Monismo puro. Isto qualquer oriental poderia ter subscrito. Eu estou
em Deus e Deus está em mim, mas Deus é maior do que eu. E logo acrescenta para não cair
no panteísmo, porque se ele se igualasse inteiramente com a Divindade ele estaria no
panteísmo que nós não podemos aceitar por motivos lógicos. Não por motivos religiosos, por
motivos filosóficos. Porque eu não posso completamente identificar o finito com o infinito.
Eu posso pôr o finito dentro do infinito, mas o infinito sempre sobressai, ultrapassa os finitos.
Então, o grande monista de Nazaré diz: eu e o Pai somos um, Deus está em mim e eu
estou em Deus. Mas Deus é maior do que eu. Aí não caiu no panteísmo, mas ficou no
monismo. Porque no monismo sempre o finito está dentro do infinito, mas em qualquer
hipótese o infinito é maior do que todos os finitos, porque a soma total dos finitos não dá
infinito, segundo a lógica. Os finitos são todos quantidades, mas a soma total das quantidades
não dá qualidade. Qualidade é o infinito e quantidade são os finitos.
Então Young descobriu que no Evangelho está o puro monismo. Eu o Pai e Deus
somos um. Deus está em mim e eu estou em Deus, mas Deus é maior do que eu. Depois o
Nazareno diz a seus discípulos: o Pai também está em vós e vós estais no Pai. Ele não atribui
a si este privilégio exclusivo – que Deus está em mim e eu estou nele... Não, não... Ele
proclama a ideia de que Deus está nos discípulos e os discípulos estão em Deus. Isto é, todos
os homens. Deus está em qualquer homem e qualquer homem está em Deus. Até podíamos
alargar a afirmação e dizer: o Creador está em qualquer creatura, ainda que não seja homem,
e toda creatura está em Deus. Isto é puro monismo.
Então o Gustav Young descobriu que ele pode prefaciar o livro, mas não na base da
teologia monoteísta, isso é impossível, mas sim, na base do Evangelho monista. E por isso ele
prefaciou o livro. E explica maravilhosamente as duas ideologias que dominam a humanidade
toda. Ou seja, monoteísmo, ou seja, monismo.
Então ele ainda menciona que a ciência, a psicologia de hoje não é nem monoteísta
nem monista. Toma uma atitude inteiramente à parte tanto do monoteísmo como também no
monismo, por quê? Porque a psicologia moderna não aceita uma entidade transcendental. Só
aceita uma entidade imanente que Gustav Young chama, os arquétipos. Toda natureza
humana tem dentro de si o arquétipo. O arquétipo: Deus.
Parte II

Já tem a ideia de que existe um poder superior. Geralmente ele supõe que seja fora
dele. Muitas vezes são monoteístas. Mas depois chegam a saber do monismo e sabem que

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esse poder supremo está tanto fora deles como também dentro deles. Transcende os finitos e
também permeia os finitos.
E então Carl Gustav Young chama isto, os arquétipos. O arquétipo número 1 para
Young é a ideia de Deus. É universal. Todos os povos por mais selvagens, primitivos e
analfabetos têm a ideia de Deus. Cada um tem uma ideia diferente. Mas sabem que existe um
poder invisível acima de tudo e dentro de tudo. Ele chama isto arquétipo. Infelizmente Young
acrescenta que nós temos certeza do arquétipo Deus, mas isto não prova a certeza da
existência de Deus.
É estranho! Como é que ele não chegou à ideia - se em mim está sem eu saber, o
arquétipo Deus - daí eu não posso concluir que Deus seja uma realidade. Isto não é ciência,
ele diz. A ciência não pode ir além do homem. Se eu tenho este arquétipo - Deus dentro de
mim, eu devo estudar esse arquétipo e dizer: em toda a natureza humana existe o arquétipo,
quer dizer, uma noção primitiva que ele chama arquétipo, que não depende da minha
vontade... Que já existe... Então eu devo afirmar o arquétipo, mas eu não posso ultrapassar o
arquétipo e dizer: então, se toda a natureza tem a noção de um poder supremo, então daí se
segue a realidade de um poder superior. Não, isto não é mais ciência, ele diz, isso é fé. Nós
não podemos passar da ciência analítica para uma fé intuitiva. Porque a fé é sempre uma
intuição, nunca é uma análise.
É estranho! Eu tenho outro livro sobre Young que diz – é estranho que Young não
tenha chegado à conclusão – se o arquétipo existe automaticamente em cada natureza
humana, por que é que eu não posso concluir daí que também aquilo que é indicado pelo
arquétipo existe? Ele não tira essa conclusão. Existe só o arquétipo, mas não existe o
indicado.
Vamos fazer uma comparação: vocês vão daqui para o noroeste e nunca andaram por
este caminho. Vocês vão à Campinas, mas como a estrada está muito bem sinalizada, vocês
olham para os cartazes que estão lá - indicadores aí com flechas em que direção eu devo ir
para ir a Campinas. Então vocês encontram um cartaz em que está escrito CAMPINAS - e
uma flecha que mostra para o noroeste. Então vocês dizem: Ah! Eu sei que existe o cartaz
com o nome Campinas, mas não posso tirar a conclusão de que Campinas também existe.
Se foi colocado aqui um cartaz, um arquétipo também, uma espécie de cartaz com uma
flecha mostrando rumo a Deus... Então nós concluímos: se há um cartaz à beira da estrada e
uma flecha mostrando para o noroeste e lá fica a cidade de Campinas - então nós concluímos
– se não houvesse a cidade de Campinas também não poderia haver este cartaz que mostra
para Campinas. Isto é natural para nós. É lógico! Se eu não tiver essa conclusão, eu digo do
cartaz de Campina: eu não posso concluir a realidade de Campinas, porque isto é fora da
ciência. Isto é fé - Aceitar a realidade de Campinas em consequência de um cartaz, de um
arquétipo que mostra para Campinas. Nós dizemos, não, isso é cientifico que eu admito
também o indicado e não só o indicador. O cartaz é indicador. Mas Campinas é o indicado. Se
o indicador existe, como é que poderia existir o indicador se o indicado não existisse. É
evidente que o indicado também existe porque ninguém teria colocado um cartaz mostrando
para Campinas se Campinas não existisse.
Isto, dizem os analíticos, nós não podemos fazer. A ciência não ultrapassa a análise
intelectual. O que existe dentro de nós, nós podemos provar - o arquétipo existe dentro de nós.
Nós podemos ter certeza do arquétipo, Deus. Mas além, dizem eles, nada podemos saber, o
resto é fé. Mas os mais avançados como, sobretudo Einstein e ultimamente Victor Frankl e
muitos outros concluem para além do arquétipo, para além do indicador, não em virtude da fé.
É interessante! Einstein diz: eu não tenho religião nenhuma, mas sou um homem
profundamente religioso, porque vejo um poder supremo em todas as coisas do universo. Isto
não é ciência.

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Isto também não é fé. O que é? Intuição, ele chama isto. Intuição é uma coisa além da
análise intelectual... Além do arquétipo, portanto. Mas não é uma imposição de uma religião
que nós chamamos fé. É uma fé intuitiva, mas não é uma fé dogmática. Nenhum dogma me
impôs a ideia de Deus. Eu posso descobrir a ideia de Deus por minha própria natureza, não
por minha inteligência analítica porque ela não vai além do arquétipo. Se eu não tivesse em
mim nada senão minha inteligência analítica, então eu não podia ultrapassar o arquétipo e não
podia ter certeza de que o indicado também existe e não só o indicador.
Mas dizem os grandes gênios da humanidade - e nós estamos num tempo de grandes
gênios hoje em dia, graças a Deus - os gênios dizem: não, a intuição daquilo que é indicado
pelo indicador também é certo. Não é só o indicador que é certo, (o arquétipo que é análise),
mas aquilo que é indicado pelo indicador é igualmente certo, não em virtude duma fé, uma
crença que me tenha sido imposto; você deve aceitar Deus. Não, não, nada me foi imposto.
Não veio nenhuma igreja, nenhuma teologia me impôs a ideia de Deus, mas isto veio da
minha própria natureza - dizem os gênios. A inteligência não é a totalidade da nossa
natureza, é só uma parte da natureza. A inteligência analítica. Ela vai até meio do caminho. O
resto do caminho não é da inteligência é da intuição.
Essa palavra intuição está se tornando quase moderna hoje em dia. Mas cada um tem
outra coisa por intuição. Muitos confundem a intuição com instinto. Aqui não há nenhum
instinto. Os animais também têm o instinto, mas não têm intuição. A intuição é uma coisa
ultraintelectual. Não é abaixo da inteligência, mas está acima da própria inteligência. Como é
que vamos chamar esta faculdade intuitiva que nos dá certeza de coisas ausentes, de coisas
não visíveis, de coisas não audíveis, de coisas não tangíveis; e, contudo temos plena certeza
desta coisa que não se pode ver nem ouvir, nem tanger. Temos plena certeza. Isto então é
intuição.
A intuição é da razão e a análise é da inteligência. Quando alguém só cultivou a sua
inteligência analítica, ele fica nos arquétipos. Diz que não, não, além da análise intelectual eu
não aceito nada porque não posso provar. Então ele pensa que só se pode ter certeza daquilo
que se pode provar. Não é verdade! Nós podemos ter plena certeza de algo que nós não
podemos provar. Por nenhum argumento se pode provar Deus. Por nenhum argumento se
pode provar a vida eterna. Nós podemos ter plena certeza disto. Em virtude de quê? Bem
dizem os religiosos, em virtude de um dogma, que me foi imposto e você tem obrigação de
aceitar Deus e a vida eterna. Não, não, não... Os gênios não têm dogmas. Eles vão além da
inteligência analítica, mas não vão, não aceitam certas coisas em virtude de uma imposição de
fora, como são os dogmas. Eles descobriram a sua racionalidade. Ultrapassaram a inteligência
e chegaram até razão. Ultrapassaram o Noos, como dizem os modernos e foram até o Logos.
O Logos é a razão e Noos é a inteligência. E então eles adquirem plena certeza.
Esta é mais ou menos a posição dos monistas. Os monistas têm plena certeza de que
há uma entidade ou um poder supremo. Mas, que está dentro deles e fora deles ao mesmo
tempo; porque se está fora e presente, universal, este poder invisível; então é claro que está
dentro dos finitos e também está além dos finitos. É tanto imanente como também
transcendente. Para o monoteísta Deus é transcendente, mas não é imanente. Para o monista
Deus é transcendente, mas também é imanente. Como transcendente eu nada sei de Deus.
Para mim é um X, uma grande incógnita. Eu não nego nem afirmo o transcendente. Eu não
posso negar nem afirmar o transcendente. Eu só posso afirmar o imanente. Do imanente eu
posso ter consciência individual. Do transcendente eu não posso ter consciência porque o que
não está em mim não me pode ser consciente. Só pode ser consciente aquilo que está em mim.
Então, o monismo manda praticar yoga, mas yoga não quer dizer hatha-yoga. Yoga é
ter a consciência duma realidade independente da minha inteligência. Porque se eu aceito uma
realidade em consequência de ter provado pela inteligência esta realidade, então isso é
ciência. Mas, a certeza de que existe um poder supremo não é ciência, é intuição que também

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se pode chamar consciência. No sentido metafísico, não no sentido moral. Então se eu tenho a
intuição duma realidade que ultrapassa os meus sentidos e a minha inteligência – uma
realidade ultrapassa tanto os testemunhos dos sentidos como também a análise intelectual -
então eu estou na intuição racional.
Esta é a atitude de todo monista verdadeiro. Ele tem absoluta certeza de uma realidade
infinita que existe dentro dele. Ele não provou esta realidade. Porque se provasse ele agiria só
com a inteligência. Mas ele não provou pela inteligência essa realidade imanente. Ele tem isto
em virtude, de como dizem os outros, um sexto sentido, mas é claro que não é sexto sentido;
porque muitos chamam sexto sentido... Não é um sexto sentido depois de cinco sentidos
enumerados. Não é nenhum sentido, é uma intuição. É uma intuição de coisas que eles não
podem provar. Mas também não podem reprovar. O que não se pode provar pela inteligência,
nem se pode reprovar pela inteligência nós chamamos intuição.
E isto é a base fundamental de toda yoga de todo o monismo. E nós aqui, como há
2000 anos estamos no monoteísmo (um pouco menos porque o monoteísmo começou no 4o
século. São 14 séculos mais ou menos... 16 séculos agora). Então nós estamos há muitos
séculos na ideologia monoteísta. E isto nos dificulta conscientizar o infinito Brahman, a
Divindade dentro de nós. Porque não estamos habituados de geração em geração a uma
conscientização de uma coisa invisível. E por isso a dificuldade aqui no ocidente.
O ocidente fala em creação. Não confundir com criação, que é outra coisa. Com
creação. Nós dizemos que Deus creou o mundo. Deus é o creador do mundo. No oriente não
se sabe nada de crear. Nenhum oriental vai dizer que Deus creou o mundo, porque nós no
ocidente temos a ideia de que crear é produzir alguma coisa do nada, como é a definição de
Tomás de Aquino. Crear é fazer algo do nada, essa definição da teologia ocidental... Nesse
sentido nenhum oriental aceita creação. O que é que ele entende, em vez de creação? Ele
entende só emanação – as creaturas são emanações do infinito. Toda Maia, toda a natureza é
uma emanação de Brahman. Mas emanação não é creação. A emanação é uma manifestação
do todo, mas não veio do nada. Veio do todo.
A creatura, segundo a filosofia oriental é uma emanação da Divindade. O que é que
vocês entendem por emanação? Podem me explicar o que é que os orientais entendem por
emanação? Faça o favor, não me deixem monologar - vamos dialogar?
- Manifestação.
- Manifestação é bom, que mais? Como é que os poetas costumam dizer. O que é que
nós somos e as creaturas são? Eles não dizem emanação. Eles dizem, nós somos centelhas. É
bom dizer que nós somos uma centelha da Divindade? É perigoso. É poético, mas não é
filosófico. É permitido aos poetas que não são obrigados a serem filósofos. Mas não podemos
dizer que nós somos uma centelha da Divindade. Por que não? Filosoficamente errado,
poeticamente certo.
-...
- Porque uma centelha é uma coisa que saltou de dentro de uma fogueira e apagou-se
lá fora. Isso faz crer de que as creaturas tenham saído de Deus e estão fora de Deus agora.
Mas as creaturas não estão fora de Deus. Nenhum finito está fora do infinito. É um erro
pensar que a emanação seja uma creação. Quer dizer, uma coisa feita fora de Deus, do nada,
nós não viemos do nada. Também não viemos do todo por separação. Então a comparação
que devíamos fazer não é – a creatura não é uma centelha ou uma fagulha da Divindade. O
que é que podíamos fazer como comparação entre a creatura e a Divindade?
- O pensamento...
- Pensamento? A relação que há entre o pensador e o pensamento, ou melhor, com o
pensado, porque o pensamento é um ato, o pensado é um objeto, e o pensador é o sujeito.
Então temos: sujeito, ação e objeto. Então podemos dizer: imaginemos que a Divindade seja o
grande pensador. E cada um de nós emanou do pensador... - emanou... - é uma emanação do

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pensador. E se tornou então um pensado. O pensador pensa e o objeto dessa pensação
(podemos dizer perfeitamente, essa pensação – pode dizer pensamento, mas também pode
dizer pensação – pensação indica mais um ato) então nós somos o resultado dessa pensação
que saiu do pensador. Essa comparação não é perigosa porque o pensado ou o pensamento
nunca está fora do pensador. Enquanto ele pensa: o pensado existe. Se ele não pensa mais não
existe mais. O pensado existe enquanto o pensador continua a pensar. No momento em que
ele deixa de pensar, também o pensado deixa de existir. Essa comparação seria muito boa.
Se nós não fôssemos permanentemente pensados pelo infinito, nós não existiríamos.
Nossa existência é o pensado, e a essência é o pensador. Essa comparação se pode fazer entre
o pensador e o pensado através do pensamento. Porque o pensamento não está fora do
pensador. O pensamento está nele, mas não é ele... Porque ele também pode ter outros
pensamentos, mas ele sempre fica o mesmo. O pensador não muda, mas os pensamentos
mudam. Mas sempre os pensamentos enquanto eles são pensados estão dentro do pensador.
Não são idênticos ao pensador, mas estão imanentes no pensador. Assim poderíamos segundo
o monismo, compreender a relação entre a essência que é o pensador e a existência que é o
pensado.
Mas aqui no ocidente sempre entendemos por creação uma coisa que veio do nada.
Nós aprendemos no catecismo que Deus creou o mundo todo do nada. Do nada não se pode
crear nada. Do nada fica o eterno nada. Nós devemos acostumar a pensar que as creaturas são
uma emanação, ou uma manifestação, ou um pensamento, ou um pensado do creador. Não
estão fora dele, mas são diferentes dele. Não são idênticos, mas também não estão separados.
As creaturas são distintas do creador ou da Divindade. As creaturas são distintas da
Divindade. Não são idênticas à Divindade, mas também não estão separadas da Divindade.
Tudo isto podemos dizer:
Separado então é creação.
Idêntico seria panteísmo absoluto.
Mas são distintos da Divindade, mas não estão separados da Divindade. Isso é puro
monismo.

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