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Curso 80

Aula 10 – data 05/08/80


Filosofia do Evangelho
Huberto Rohden

Viemos falando do espírito da filosofia oriental. O que é que vocês entendem por
oriental? – Já sei, quando vocês ouvem „oriental‟ logo pensam na Índia, na China e no Japão.
Mas isto não é o oriente, isto é uma pequena parte do oriente. Aí começou a filosofia. Mas ela
não terminou aí. Nem na filosofia oriental - ela foi muito além da Índia e da China. Muito
além do Japão. Na Índia tivemos a grande filosofia da Bhagavad Gita. Na China tivemos o
Tao Te King de Lao-Tse e o budismo em geral. No Japão tivemos o zen-budismo até hoje.
Mas isto não é oriente. Isto é oriente longínquo. Mas temos que incluir no oriente também o
oriente próximo, que vai até o Mar Mediterrâneo. Tudo isto é oriente. A Palestina é oriente.
Quer dizer que temos que incluir o oriente próximo no nosso programa de filosofia
oriental. E felizmente o espírito é o mesmo. Tanto na Índia, como na China, como no Japão,
seja bramanismo na Índia, seja budismo e taoísmo na China, seja zen-budismo no Japão e
também o Evangelho da Palestina. Está no mesmo sentido. Porque tudo isto começa com o
centro e se dirige à periferia. Fiz um círculo para esse fim:

Imaginem esse centro, o princípio - e a periferia continuação. Então o centro só, não é
a filosofia de que nós vamos tratar. A periferia só também não é filosofia de que temos de
tratar. O centro é o uno. A periferia é o verso. Tomando por base a palavra – universo -, como
sempre temos feito: Uni – verso. Uni é do oriente. Verso é do ocidente. Nós estamos aqui no
ocidente. Estamos na filosofia intelectual do verso. Estamos tratando, porém, da filosofia
racional do uno. Se unirmos o centro com todos os pontos da periferia, se fizéssemos isto:

Então teríamos o quê? Nós não teríamos mais filosofia oriental, aqui nós teríamos...,
Como é que vocês chamariam isto? Unir o centro com as periferias, o uno com o verso. Como
é que vocês chamariam essa filosofia?
– Integral.
- Integral, universal ou univérsica. Temos que preparar a filosofia universal. A
filosofia integral, a filosofia univérsica. Isto é Filosofia completa. Enquanto estamos no
centro estamos numa parte da filosofia. Se vamos para a periferia e nos esquecemos do centro,
também estamos numa filosofia parcial. Mas, nós temos que fazer filosofia integral, senão não
estamos numa filosofia completa. Filosofia não é só oriental nem é só ocidental. Ela é
integral, universal. A dificuldade é unir estas duas partes. As nossas faculdades aqui no
ocidente só tratam da periferia. Quase nenhuma faculdade trata do centro. Dizem: isto é coisa
espiritual, isto é misticismo, etc. Desprezam e pensam que não é necessário - ir ao centro da
filosofia. Basta a periferia.
Periferia eu chamo a parte intelectual da filosofia, a parte analítica. A inteligência é
sempre analítica. Quer provar com silogismo A+B, quer provar tais e tais coisas. Isto é

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filosofia analítica. Isso é filosofia intelectualista que predomina em todas as faculdades e
universidades ocidentais, tanto europeia, americana e brasileira. Mas nós temos de
convencermos que isso não é filosofia integral. Se nos isolarmos no oriente – qualquer país do
oriente – na Índia, na China, no Japão, ou mesmo na Palestina, também não temos ainda
filosofia integral, porque aí temos a alma, mas não temos o corpo da filosofia. Se quiserem só
a alma da filosofia podem ir para o oriente. Se quiserem só o corpo da filosofia, vão para o
ocidente onde estamos.
Mas se quiserem uma filosofia integral vocês não podem dizer, isto é só alma.
Também não podem dizer, isto é só corpo. A alma não é um homem, a alma é um fantasma
sem corpo. Uma alma sem corpo é um fantasma e um corpo sem alma é um cadáver. Nós não
vamos tratar de filosofia-cadáver, nem que filosofia-fantasma. Vamos tratar de filosofia
humana e integral. Porque o homem é o centro de toda a filosofia.
Já foi dito na Grécia no tempo de Sócrates, quatro séculos AC. O homem é a medida
de todas as coisas. Tudo é medido pelo homem. A filosofia é antropocêntrica. Antropos quer
dizer homem em grego. Antropocêntrico quer dizer: o homem está no meio. A ciência não é
antropocêntrica. A ciência é cosmocêntrica. A ciência trata das coisas cósmicas, isto é, do
mundo material e suas leis. Isto é ciência. Ciência é cosmocêntrica. Mas a filosofia não é
cosmocêntrica. A filosofia é antropocêntrica.
Antes de Sócrates e Platão aqui no ocidente (porque a Grécia é ocidente - a filosofia
aqui no ocidente começou praticamente na Grécia)... Antes de Sócrates apareceram alguns
filósofos que queriam fazer da filosofia um cosmocentrismo. Tales de Mileto, por exemplo, e
muitos outros queriam saber em que consiste a essência do universo. Perderam o seu tempo.
Trabalharam dois séculos, sem chegar a um acordo... Quando apareceu Sócrates, o grande
iluminado, o grande intuitivo que nunca escreveu um livro, nem nunca lecionou filosofia.
Sócrates de Atenas...
Ele disse: que vocês estão fazendo investigando a essência do cosmos, a essência do
universo? Nós não estamos interessados nisso. Nós queremos saber qual é a essência do
homem. Aí começou com Sócrates a filosofia antropocêntrica. Ele insistiu que o
conhecimento do homem é muito mais importante do que o conhecimento do universo. E a
gente não pode conhecer exatamente o universo sem se conhecer a si mesmo. Aí começou
aquilo que agora chama autoconhecimento.
Hoje a palavra se tornou célebre. Parece que é nova a palavra autoconhecimento. Não
é nova. Ela tem mais de 2000 anos de existência. Sócrates já usava isso. E mandaram gravar
como já disse no grande santuário de iniciação de Delfos, na Grécia – mandaram gravar as
palavras: Homem conhece-te a ti mesmo. Isto é a quintessência da filosofia de Sócrates e de
Pitágoras e de Platão. Homem conhece-te a ti mesmo. O principal da filosofia não é conhecer
átomos e astros. Isso é ciência que vamos respeitar. Mas o centro da filosofia é Homem
conhece-te a ti mesmo, e vive de acordo com o teu autoconhecimento.
Quando a gente tem autoconhecimento e não vive de acordo com o seu
autoconhecimento é filosofia parcial, não é integral. Mas quando alguém tem
autoconhecimento de si mesmo e vive de acordo com aquilo que ele conheceu sobre si
mesmo, que se chama autorrealização. De maneira... Essas duas palavras autoconhecimento e
autorrealização compreendem toda a filosofia antropocêntrica. Esta começou no oriente
longínquo, provavelmente na Índia, 5000 anos antes da era cristã. 5000 anos antes da era
cristã já existia na Índia uma grande filosofia antropocêntrica. Autoconhecimento - saber o
que é o homem. Tempo dos Vedas que vai até 5000 anos AC. Do nosso tempo, são 7000
anos. A filosofia tomou o curso do sol. Veio do oriente e vai para o ocidente. O sol nasce no
oriente e vai para o ocidente.
Então a filosofia progrediu da Índia, do Japão, da China... Avançou com o curso do
sol, esbarrou com o Mediterrâneo que é a linha divisória entre o oriente e ocidente, a

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Palestina, sobretudo, e aí se formou a maior das filosofias orientais. E muita gente não
considera como oriental – eles pensam que o que aconteceu na Palestina, 2000 anos antes do
nosso tempo, isso não é oriental. Mas é claro que é oriental. A Palestina é oriente.
Então a grande filosofia do oriente se cristalizou, tomou um aspecto muito nítido,
muito cristalino na Palestina. Esta filosofia que nasceu na Palestina 2000 anos antes (vamos
daqui a pouco chegar ao ano 2000 para celebrar este acontecimento) se chama a filosofia do
Evangelho. Não a teologia do Evangelho, nós não vamos tratar de teologia. Deixamos isto
para as igrejas, mas nós não tratamos de teologia do Evangelho. Nós não vamos tratar do que
se deve crer como a teologia faz. A teologia é para as massas. A massa só pode crer. Não
pode fazer outra coisa senão crer, crer, crer. Mas, nós não estamos fazendo filosofia de massa,
estamos fazendo filosofia de elite. Para a elite é saber, para a massa é crer. A massa não pode
saber. Ela só deve fechar os olhos e dizer: eu creio que é assim, mas não sei nada.
Nós não vamos fazer assim. Aqui não se exige crença de ninguém. Nenhum de vocês
deve ser um crente. Cada um deve ser um sapiente. Saber dá a palavra sapiente. Devemos ser
sapientes da filosofia. Isso é questão de filosofia cósmica do Evangelho.
O Evangelho está cheio de filosofia cristalizada de modo maravilhoso. Na Índia, na
China e no Japão a filosofia é mais nebulosa. É mais vaga. Não é muito definida, sobretudo na
China e no Japão. Não é muito definida no taoísmo da China e no zen-budismo do Japão. É
muito nebulosa, é difícil entender claramente o que é que eles querem dizer. Na Índia já é um
pouco melhor. A Bhagavad Gita já entra na psicologia e filosofia. E a Bhagavad Gita é muito
clara para ser entendida, para ser compreendida, não para ser crida. Não se deve crer na
Bhagavad Gita. Deve-se saber o que ela quer dizer.
Mas a cristalização máxima da filosofia oriental aconteceu na Palestina, quando um
homem que nunca foi filósofo, foi um pobre carpinteiro – ninguém sabe como isso
aconteceu... Ele nunca frequentou escola, nunca escreveu um livro sobre filosofia, aquele
carpinteiro de Nazaré. Mas, ele era um homem tão intuitivo, não era muito analítico,
intelectualista, mas era terrivelmente intuitivo. Ele enxergava nitidamente a realidade
invisível e falava dessa realidade invisível para seus discípulos, que eram em geral pobres
pescadores e alguns negociantes e naturalmente eles não podiam compreender a filosofia do
Mestre. Mas guardaram as palavras dele.
Guardaram e consideraram nos chamados Evangelhos. Três pescadores da Galiléia
escreveram três vezes o que o Mestre disse: Mateus, que, aliás, não era pescador, Mateus era
o chefe da alfândega e era um pouco mais avançado... Chefe da Alfândega de Cafarnaum.
Mateus escreveu o primeiro relato sobre as palavras do grande Mestre de Nazaré. Depois veio
Marcos e veio João no fim. Os três galileus, os três judeus... Propriamente galileus, do norte
da Judeia se chama Galileu - e no sul era a Judeia. Então esses três - um era o chefe da
alfândega de Cafarnaum, os dois outros eram pescadores lá do Mar da Galiléia - consignaram
por escrito, porque naquele tempo ainda não havia analfabetos. Isso é invenção nossa.
Analfabetismo é invenção nossa.
Nesse tempo ninguém era analfabeto. Ninguém! Era proibido – em Israel não havia
um analfabeto. Era proibido não saber ler e escrever. Porque eles tinham obrigação de ler os
livros sagrados do Antigo Testamento. Sobretudo, os Salmos de David faziam parte da vida
nacional de Israel: conhecer os Salmos. Conhecer os cinco livros de Moisés. Era obrigatório
conhecer os livros de Salomão, o grande rei, de Salomão. Era obrigatório! Os pescadores da
Galiléia não eram analfabetos como alguém disse num livro que eu li. Disse que Jesus
escolheu pobres analfabetos. Não escolheu nenhum analfabeto porque não havia. Todos
sabiam ler e escrever naquele tempo. Então eles escreveram na sua língua o que o grande
Mestre de Nazaré, o carpinteiro, tinha dito nas ruas - grande sabedoria intuitiva.
Finalmente apareceu um que não era judeu. Que era grego... Pagão grego, chamado
Lucas, um médico muito culto. Ele escreveu por último a mesma filosofia do cristianismo.E

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nunca viu o Mestre. Mas ele se informou com todas as testemunhas presenciais dos fatos
como ele diz no princípio do Evangelho dele. Eu me informei com todas as testemunhas
presenciais dos fatos para saber exatamente o que é que o Mestre de Nazaré diz. E então
apareceu um Evangelho mais cientifico, mais erudito do que os três primeiros. É o mais
agradável para ler, ao menos para mim... É Lucas. É muito humano.
E assim nasceu a grande filosofia cósmica do Evangelho. Se eles tivessem inventado o
que escreveram, eles teriam sido grandes sábios. Mas eles não eram sábios. Pescadores - e
chefes da alfândega não eram uns homens sábios. E o médico também não tinha grande
sabedoria. Tinha ciência da medicina, mas não tinha sabedoria. Mas eles não entenderam bem
o que eles escreveram. Confinaram automaticamente o que eles tinham ouvido. E isso foi
bom. Não interpretaram nada. Nunca deram a sua opinião sobre o que escreveram.
Simplesmente reproduziram automaticamente, quase como um computador; reproduziram
fielmente o que tinham ouvido, sem entender. E assim nasceu a culminância da filosofia
cósmica do oriente.
Quer dizer que temos aqui o oriente completo: Índia, China, Japão e Palestina. Tudo
isso faz parte do espírito da filosofia oriental. Nós começamos por outro lado. Começamos
pelo lado de fora e eles começaram pelo lado de dentro. A intuição é central. A análise é
analítica. A análise é intelectual, vamos dizer. O centro é racional. A periferia é intelectual. O
ocidente começa no intelectual que procura chegar até o racional. O oriente começa no
racional e às vezes não sai daí. Em grande parte o oriente nunca saiu do racional, que nós
chamamos o espiritual. Mas a palavra espiritual não é palavra filosófica. É palavra teológica.
Nós não usamos a palavra espiritual. Usamos a palavra racional.
Agora como vocês estão acostumados a confundir intelectual com racional é um pouco
difícil explicar a diferença. Mesmo as nossas benditas faculdades não fazem a menor
diferença entre intelectual e racional. Quando alguém é muito intelectual, dizem que é um
racionalista. Coitado! Ser racionalista é o maior elogio que se pode dizer de alguém.
Racionalista é que se guia pela razão. Em grego a razão se chama Logos. Quem se guia
somente pela inteligência, pelo Noos, como diziam os gregos, este é intelectual, periférico;
mas quem se guia pessoalmente pela razão central, este é um homem avançado. A intuição é
da razão, a análise é da inteligência.
Mas nenhuma nem outra é filosofia integral. Nós não podemos isolar-nos na filosofia
puramente racional. Nem podemos isolar-nos na filosofia puramente intelectual. Nem na
intuição central nem na análise periférica. Não podemos. Temos que procurar um caminho
para unir as duas partes da natureza humana - porque a natureza humana é racional no centro
e é intelectual nas periferias. Quem nunca sai das suas periferias que nós chamamos o ego,
não é o homem integral. Quem somente fica no seu centro, no Eu, e nunca vive de acordo
com o seu Eu, então nós dizemos que é um homem espiritual. Que um homem espiritualista é
um homem místico (qualquer coisa parecida); mas nem o intelectual, nem o racional que nós
chamamos místico, são homens integrais.
De maneira que o grande problema da nossa filosofia é como unir o centro com a
periferia e como fazer da nossa filosofia uma coisa homogênia, completa, total e integral. Esse
é o nosso grande problema. E se algum dia a filosofia penetrar todo o ocidente, suponhamos
que a filosofia que começou no oriente esbarrou no Mar Mediterrâneo e em pequenas parcelas
atravessou o oriente médio, que é a Palestina; e entrou na Europa e até nas Américas.
Suponhamos que toda a filosofia oriental em vez de chegar até o Mediterrâneo atravessa o
Mediterrâneo, invade toda a Europa e depois transpõe o Oceano Atlântico e entra nas
Américas, o que é que ia acontecer? Então seria uma filosofia integral porque o centro
oriental mais as periferias ocidentais, a racionalidade oriental e a intelectualidade ocidental
dariam uma filosofia completa.

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Mas isto não vai acontecer tão cedo. Não aconteceu em 7000 anos porque a filosofia já
tem 7000 anos no oriente e 2000 anos. 2500 mais ou menos, no ocidente. No ocidente a
filosofia começou praticamente com a Grécia. Na Grécia a filosofia começou 500 anos AC.
500 anos antes da era cristã surgiu em Atenas, em Alexandria na África, a filosofia ocidental
baseada em grande parte na filosofia oriental. Vocês vejam bem, no ocidente apareceu
Sócrates, o pai da filosofia grega e seu grande discípulo Platão. Não vamos falar de
Aristóteles porque Aristóteles está mais na linha intelectual do que na linha racional, mas
Sócrates e Platão estão inteiramente na linha racional.
Parte II
Depois apareceram os grandes neoplatônicos... Os neoplatônicos de Alexandria.
Naquele tempo Alexandria era uma cidade no norte da África, no Egito. Hoje é um montão
de ruínas. Eu estive lá e ninguém sabia dizer onde tinha existido - era Alexandria. Mas no
tempo em que nasceu a filosofia grega, Alexandria era uma cidade muito grande e bonita e era
o centro da filosofia neoplatônica – dos discípulos de Platão que chamavam neoplatônicos.
Viviam três grandes corifeus da filosofia grega em Alexandria. Um era pagão, outro era judeu
e outro era cristão. O pagão se chamava Plotino, um grande filósofo neoplatônico intuitivo e
místico. O outro era judeu, Filos, também era neoplatônico. E o 3o no princípio da era cristã
era Orígenes, um dos grandes pensadores da filosofia cristã do 3o século da nossa era. Esses
viviam em Alexandria, no norte da África. Realmente eles representavam a filosofia oriental
porque eles eram muito mais intuitivos do que analíticos, muito mais racionais do que
propriamente intelectuais.
E depois a filosofia foi avançando da Grécia e do norte da África – o norte da África
naquele tempo era o berço de grandes gênios. Quando nós falamos hoje de africanos achamos
que é uma gente muito atrasada, mas naquele tempo havia no norte da África, no Egito (o
Egito é África) grandes gênios – imaginem! Moisés, africano, nasceu no Egito. Foi um dos
maiores homens da humanidade. Antes do Cristo talvez não existiu homem maior do que
Moisés. Um homem extraordinário e um homem perfeito de corpo e de alma. Moisés nunca
esteve doente, não consta nenhuma doença de Moisés. Viveu 120 anos, diz o texto, em
perfeita saúde e em perfeita juventude. Ora, viver 120 anos em perfeita juventude, sem
decrepitude senil, é uma coisa rara, é uma coisa extraordinária. E sem ter doença... Moisés
não esteve doente, nem morreu. Transformou o seu corpo material num corpo astral. Isso seria
a perfeição do homem.
Se nós pudéssemos no fim da vida transformar o nosso corpo material, que agora
temos, num corpo imaterial, mas num corpo, num corpo astral que é pura energia... (Astral é
pura energia sem matéria. Energia sem matéria isso se chama astral), então nós seriamos
perfeitos. Não precisávamos nem morrer e também não precisávamos ter doença. Agora
somos cheios de doença e a cada momento estamos em perigo de morrer, ou de velhice, ou de
acidente, ou de doença - não sabemos. Mas os grandes homens não morrem. Eles têm a
possibilidade de transformar o seu corpo material num corpo astral. Moisés o fez... - não
morreu... - não consta nada da morte e do túmulo de Moisés. Foi o maior homem antes de
Cristo, não tem dúvida nenhuma.
Bem, ele é africano. Há outros africanos extraordinários. Agostinho é africano. Santo
Agostinho, o grande filósofo e teólogo do cristianismo do 3o e 4o século... Ele nasceu no 4o
século e morreu no 5o século. Ele é africano. Escreveu 103 obras filosóficas profundas.
Tertuliano, outro grande africano de Cartago, um grande sábio. E depois Hermes
Trismegistos que os africanos chamavam o Thot, o grande Thot que era um grande sábio.
Quer dizer que a África já produziu grandes gênios. Orígenes, que eu já nomeei há
pouco como neoplatônico era um grande gênio intuitivo. Isto foi em tempo passado. E todos
eles tinham recebido a sua filosofia do oriente. Havia contato entre a Índia, a Grécia e o norte
da África. Havia... Pitágoras - foi para a Índia. Pitágoras, o grande iniciado, esteve muito

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tempo na Índia e voltou da Índia com a sabedoria oriental. Introduziu no sul da Europa que é a
Grécia filosofia oriental e no norte da África.
Depois, em séculos além a filosofia foi avançando rumo ao oeste. Eu já disse, a
filosofia tomou o curso do sol. Ela começa no oriente e vai para o ocidente. Na Europa houve
grandes pensadores filosóficos. Não só na Grécia e na África, mas também no resto da
Europa. Mesmo na idade média temos grandes pensadores. Por exemplo: Meister Eckart tão
criticado hoje em dia e tão ignorado! Meister que quer dizer mestre - ele se chama Eckart.
Alemão... Era superior dos padres dominicanos da Alemanha. Superior geral dos padres
dominicanos da Alemanha – falava em Colônia na Alemanha Ocidental. Era um grande
pensador como os grandes pensadores gregos - era absoluto monista, místico monista.
Místico é aquele que tem intuição racional. Está além da inteligência. Isso é o místico.
Também se chama monismo quando alguém vê Deus não como uma pessoa, mas como a
alma do universo, como a vida universal, como a consciência cósmica – esse é monista.
Meister Eckart era monista, pregava na Catedral de Colônia o puro monismo. Para ele Deus
não é uma pessoa que mora em alguma região do universo como pensam os teólogos. Não,
Deus para ele era uma realidade, uma essência, a vida universal, a consciência cósmica. Bem,
a realidade cósmica do universo que alguém chamou a alma do universo. Isto é ensinado pelo
grande intuitivo Meister Eckart. Alguns livros dele existem em português, mas muito pouco.
Não são livros para o povo, para a massa. Porque a massa só pode compreender Deus como
pessoa.
Se vocês falam a uma criança que Deus não é pessoa, que Deus é a alma do universo,
que Deus é a vida universal, que Deus é a consciência cósmica, a criança não vai entender
nada. Para a criança a gente tem que dizer que Deus é uma pessoa que mora em alguma região
do universo. Isto propriamente não é verdade. Mas quem é que pode dizer às crianças grandes
verdades? A gente tem que contemporizar com as crianças.
Ainda não temos um catecismo para crianças porque esse catecismo que nós
aprendemos está cheio de invenções humanas. Mas nós devíamos ter um catecismo baseado
na verdade, mas em linguagem infantil. Se alguém quiser escrever, escreva como se deve
ensinar a uma criança o que é Deus. Não é fácil. Porque a criança pensa em termos de
personalidade e não pensa em termos de universalidade que é muito difícil para a criança.
Mas os grandes monistas não são crianças. São homens muito avançados. Esses existiram na
Europa. E existiram outros grandes iniciados na Europa monistas e místicos. Mas em nosso
tempo também há.
Bérgson, o grande filósofo francês do nosso século, falecido há poucos anos, escreveu
obras maravilhosas que estão dentro do monismo universal. Ele considera Deus não como
pessoa, mas como a alma do universo, como a vida universal, como a consciência cósmica do
mundo.
E Pascal, outro francês, Blaise Pascal um grande matemático, um grande cientista que
escreveu aquele livro “Pensées” em francês – está cheio de intuição mística. Quando ele diz
que o coração tem razão de que a razão nada sabe, ele fala como monista. Coração ele
entende a intuição. E razão ele entende a análise. Vamos traduzir as palavras de Pascal e
dizer: a razão tem razões de que a inteligência nada sabe. Isto é o sentido das palavras de
Pascal. A razão, o Logos tem razão de que a inteligência nada sabe. Ele diz; o coração tem
razões de que a razão nada sabe, na linguagem daquele tempo, mas em nossa linguagem é
isso. O intuitivo sabe de coisas de que o analítico não sabe nada. O intuitivo é racional. E o
analítico é o intelectual. Pascal foi um grande gênio.
E em nosso século Albert Schweitzer não foi um grande iniciado? Um grande místico,
um grande monista. Albert Schweitzer saiu da Europa, foi para a África para viver no meio
dos africanos, - 52 anos no meio de gente mais atrasada do mundo. Abandonou todo o
conforto da Europa e toda glória que ele já tinha como grande pensador e se enterrou lá no

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fundo da África, no mato da África tropical para servir aos pobres africanos. Doou 52 anos...,
viveu como um grande sábio no meio dos ignorantes.
Quer dizer, os grandes iniciados não estão somente no oriente. Nós temos grandes
iniciados no ocidente. Se alguém compreendeu o que eu escrevi sobre Einstein e devem ter
compreendido um pouco da intuição. Porque Einstein é terrivelmente intuitivo. Era muito
analítico como cientista, mas era muito intuitivo como matemático. Também era um grande
intuitivo.
E no primeiro semestre eu falei muito num outro homem do nosso tempo, Victor
Frankl, médico da Áustria; que viria aqui fazer conferência, não veio e provavelmente nunca
virá. Porque nós não temos ambiente para ele... Nós não temos ambiente para ele. Não tem. É
difícil ele falar aqui. Porque ele já não estava na inteligência, ele já estava na pura razão.
Ultrapassando a inteligência a gente entra na razão que é muito além da inteligência. A razão
é central. A inteligência ainda é periférica.
Então os que estão na racionalidade pura se chamam os monistas, ou os místicos, ou
os iniciados. Estes estão todos no centro da razão. Nós temos muitos destes e muitos outros.
Quer dizer, a filosofia começa no oriente, avança para o ocidente e espera dominar
todo o ocidente daqui a milhares de anos - é claro. Em poucos séculos não vai acontecer,
porque a evolução anda com passos mínimos em espaços máximos. Não se esqueçam dessa
verdade. A evolução, sobretudo a evolução mental e racional caminha com passos mínimos
em espaços máximos. Em um século a evolução avança um milímetro. Em um milênio ela
avança um centímetro. Falar em centímetros é bobagem porque a verdade não tem centímetro
nem milímetro. É uma comparação que eu faço. A evolução ascensional, que vai para cima, a
evolução ou aperfeiçoamento da natureza humana que começa com os sentidos, passa pela
inteligência, e culmina na razão. Isso é evolução.
Nos sentidos nós somos como animais. Nós temos os mesmos sentidos que qualquer
animal. Na inteligência nós já somos diferentes. O animal não tem a nossa inteligência. A
inteligência humana é privilégio nosso. Então alguns param na inteligência. Mas alguns
ultrapassam a própria inteligência e chegam até a razão, até a racionalidade. Ultrapassam o
Noos e entra no Logos como diria Teilhard de Chardin.
Teilhard de Chardin, aquele grande cientista e filósofo francês, diz que o homem vem
da Hilosfera, passa pela Biosfera, e está agora na Noosfera - e futuramente ele vai estar na
Logosfera. Muito bem feita essa classificação de Teilhard de Chardin. A Biosfera é a vida,
viemos da vida, mas ultrapassamos a vida e entramos na Noosfera, na esfera da inteligência. E
ainda não entramos na esfera da razão, a Logosfera. Mas diz Teilhard de Chardin: algum dia a
humanidade vai ultrapassar a própria Noosfera da inteligência e vai entrar na Logosfera da
razão superior.
Se nós estivéssemos na racionalidade, na Logosfera, nós não íamos matar uns aos
outros como estamos fazendo, não íamos roubar ou defraudar uns aos outros como estamos
fazendo. Isto é próprio da inteligência. A inteligência é muito perversa, mas a razão é sagrada.
A razão não comete mentiras, não comete ladroeiras, não comete homicídios, não comete
nada disto. Então seria a humanidade perfeita, se a humanidade fosse racional e não apenas
intelectual. Mas isto não vai acontecer tão cedo.
Há sempre alguns homens que avançam na evolução. São indivíduos, mas a massa
não. Alguns homens avançam terrivelmente em pouco tempo. Yogananda, no livro
“Autobiografia de um Iogue” – aquele livro que foi traduzido lá da Índia – Paramahansa
Yogananda diz: o que o homem comum faz em 20 séculos o homem racional pode fazer em 20
anos. Nós podemos fazer um progresso de 20 séculos em 20 anos se usarmos os meios
necessários, que é, sobretudo, introspecção, introversão e meditação. Pela introspecção,
olhando para dentro do nosso centro nós podemos acelerar a nossa evolução terrivelmente.
Não precisamos de 20 séculos para avançar, bastam 20 anos, talvez nem 20 anos.

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Os grandes iniciados não viveram muito tempo, em geral. Eles fizeram muito em
pouco tempo, porque se concentraram terrivelmente no seu centro. Descobriram o seu centro,
a sua fonte e por isso progrediram mais. Vamos supor que a humanidade algum dia faça esse
circuito, do oriente para o ocidente. Quando chegar aqui nas Américas tem que transpor
grandes Cordilheiras dos Andes para atravessar o Oceano Pacífico e voltar outra vez para o
oriente. E depois do oceano Pacifico vai encontrar o Japão que é um país do oriente. Então vai
voltar atrás? Não, se a humanidade fizer esse circuito: oriente → ocidente, e mais oriente -
então vai entrar numa filosofia perfeita e integral, porque vai unir todos os elementos tanto do
oriente como do ocidente. Vai fazer uma harmonia, um equilíbrio entre os elementos internos
que são do oriente e os elementos externos – entre a razão mística do oriente e a inteligência
analítica do ocidente, unindo todos os elementos de evolução. Chegaria outra vez lá para o
oriente, mas completamente diferente. Seria uma filosofia integral.
Isto talvez aconteça algum dia. Com alguns já aconteceu, mas são só indivíduos. Com
a humanidade não vai acontecer tão depressa porque as massas são vagarosas. As elites
avançam muito depressa. Quando eu falo de elite eu não falo de elite social ou elite financeira
como dizem; elites de evolução, elites evolutivas, porque há homens que progridem muito
depressa e outros que progridem vagarosamente ou não progridem mesmo. Isto depende da
intensidade da consciência.
Quando alguém pensa que ele é o seu corpo não vai progredir. Quando ele pensa que é
a sua inteligência vai progredir um pouco, mas não muito. Mas quando ele sabe que ele é a
sua razão, o seu centro, o seu Eu, o seu espírito como dizem as religiões, então ele entrou no
seu centro e no centro ele pega toda força para transformar as suas periferias. Mas quem
nunca entrou no seu centro, quem nunca fez autoconhecimento real não pode fazer
autorrealização. A autorrealização é progresso da natureza humana baseada no
autoconhecimento.
Então, quanto mais autoconhecimento alguém adquire, tanto mais rapidamente ele
progride. E por que deve progredir? Porque a natureza humana não é ainda perfeita. Ela é
realizável, mas não está realizada. Nós podemos aperfeiçoar-nos não somente o corpo, não
somente a inteligência, mas a natureza integral do homem tem que ser aperfeiçoada. Isto só se
pode fazer pelo autoconhecimento que produz a autorrealização. Autoconhecimento é a raiz.
Autorrealização é a árvore toda.
Quer dizer, esse é o curso...
Eu vou tratar logo esse ano da filosofia cósmica do Evangelho. Não no sentido
teológico que se chama religião, para crer. Nada disso! Mas eu vou escolher muitas palavras
do grande Mestre de Nazaré, o que ele disse a seus discípulos e explicar filosoficamente
segundo o nosso modo de pensar intelectual e racional. Isto é que vai ser o nosso assunto
durante este ano. Isto eu chamo Filosofia Cósmica, não filosofia religiosa, nem teologia, nem
nada disso, mas filosofia. Muitas vezes as palavras dos grandes mestres são interpretadas
pelos seus discípulos erradamente. Aconteceu também com o Evangelho. Não pensem que
Jesus tenha pensado tudo o que nós pensamos do Evangelho. Nós temos as palavras, mas não
temos o sentido.
As palavras podem ser interpretadas de muitos modos. A teologia interpreta de um
modo as palavras... Que a gente deve crer - bem isto é teologia. Nós não podemos nos
contentar com teologia. Nós devemos ultrapassar qualquer crença, que é teologia e chegar até
a sapiência que é filosofia. Isto é que nós vamos fazer. Saber intuitivamente o que o grande
Mestre de Nazaré quis dizer com certas palavras. Ele fala três anos consecutivos na sua vida
pública de um único ponto: O reino dos céus está dentro de nós. Sempre falou desse reino do
céu. Então todos pensaram que era um reino lá fora, organizado politicamente e socialmente.
Ele disse: não, não, não, eu não estou falando de um reino de fora, sim de um reino de dentro

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do homem. O reino de Deus não vem com observância externa, com regulamentos externos,
nem se pode dizer ei-lo aqui, ei-lo acolá. Não, o reino dos céus está dentro de vós.
Imaginem, dizer tais coisas seria uma tremenda filosofia cósmica.
Aprofundemos cada vez mais a nossa intuição e a nossa compreensão.

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