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HISTÓRIA DO BRASIL

REPÚBLICA: 1989 A 1930

Ana Carollina Gutierrez Pompeu

E-book 4
Neste E-Book:
INTRODUÇÃO����������������������������������������������������������� 3
MOVIMENTO MODERNISTA E
DISCUSSÕES SOBRE IDENTIDADE
NACIONAL����������������������������������������������������������������� 6
A revolta da vacina e a questão da reurbanização do
Rio de Janeiro��������������������������������������������������������������������������15
Revolta da chibata e questões raciais na primeira
república����������������������������������������������������������������������������������24
Formação da classe operária, influência das ideias
trazidas pelos imigrantes e início da industrialização
brasileira����������������������������������������������������������������������������������29

CONSIDERAÇÕES FINAIS ���������������������������������� 35


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS &
CONSULTADAS�������������������������������������������������������38

2
INTRODUÇÃO
No raiar do século 20, “modernização” era a palavra
da vez no Brasil. O novo regime político inaugurava a
busca pela modernidade, pela renovação e oposição
ao que era tradicional. Se, por um lado, a modernida-
de era desejada por muitos setores da sociedade, por
outro lado, ela também foi incompreendida.

A tendência à urbanização do século 20 colocou a


necessidade de renovar as cidades, dando-lhes uma
cara moderna e limpa. A higiene e a limpeza dos
espaços urbanos eram adventos da modernidade.
A associação da falta de limpeza com as doenças
era outra novidade para a população, que reagiu
ao que parceria uma invasão pública aos hábitos
domésticos.

Com as intensas migrações de camponeses, imi-


grantes estrangeiros e ex-escravizados, as cidades
presenciaram o crescimento de cortiços, favelas e
formas de moradia superpopulosas. O não entendi-
mento da população aos novos hábitos gerou grande
oposição, manifestando o conflito entre o mundo
tradicional com o moderno.

A oposição aos resquícios da escravidão também


foram alvos de protestos. Os castigos punitivos
como as chibatadas, comuns durante a escravidão,
se mantiveram na Marinha aos oficiais de baixa pa-
tente. Houve oposição a essa forma brutal de cas-
tigo, manifestando a intenção de impor limites às

3
punições em locais de trabalho, rompendo com as
antigas práticas.

No movimento artístico, a modernização promoveu


reflexões sobre a identidade nacional, questionando
a europeização da cultura e a apropriação dos ele-
mentos nacionais para compor temas e cores das
novas manifestações artísticas.

Estilos próprios também começaram a ser ensaiados


pelos artistas brasileiros, com a chegada no país de
movimentos de renovação da própria concepção de
arte, na qual a Semana de Arte Moderna de 1922,
realizada em São Paulo, foi o evento mais importante
dessa vanguarda estética.

Nesse cenário, a formação da classe operária ligada


ao movimento industrial em curso no começo do
século 20 exigiu mudanças em relação à forma mo-
derna de trabalho. As longas jornadas, a utilização
do trabalho infantil e a temporização dos ganhos e
da produção faziam da indústria uma nova forma de
exploração da mão de obra.

Com a conscientização dessa classe de trabalhado-


res, também influenciada pelas ideias políticas dos
imigrantes e da Revolução Russa de 1917, deman-
das pela regulamentação do trabalho começaram
a surgir nesse período, em uma situação industrial
ainda imatura e muito ligada ao capital proveniente
das exportações de café.

Portanto, neste módulo, analisaremos a efervescên-


cia nas duas primeiras décadas do século 20 e as

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discussões sobre Identidade Nacional, mas também
a Revolta da Vacina e a questão da reurbanização
do Rio de Janeiro.

Em seguida, discutiremos sobre a Revolta da Chibata


e as questões raciais na Primeira República. Por fim,
compreenderemos a formação da classe operária e
a influência das ideias trazidas pelos imigrantes e
suas relações com o processo de industrialização.

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MOVIMENTO MODERNISTA
E DISCUSSÕES SOBRE
IDENTIDADE NACIONAL
O Modernismo no Brasil é normalmente datado com
a Semana de Arte Moderna, que ocorreu em fevereiro
de 1922 na cidade de São Paulo. Isso porque a virada
do século 19 no país foi marcada por crescente urba-
nização, fortalecimento da indústria e ampliação da
rede ferroviária, elementos associados ao progresso
e à modernização.

Nas artes, os artistas que se intitulavam “moder-


nos” contribuíram para essa marcação temporal
da chegada da modernidade. No entanto, salienta
Velloso (2008, p. 354), “podemos considerar ainda
outros marcos de modernidade, como o Manifesto
Republicano de 1870, a abolição da escravidão e a
própria Proclamação da República”.

O mais importante a se destacar é que a moderni-


dade não está resumida a uma exposição de artes
ocorrida em 1922. Trata-se de um conceito muito
mais amplo, que influenciou movimentos em diversos
outros campos do saber, que ocorreram em várias
cidades do país na virada do século 20.

6
FIQUE ATENTO
Moderno é um termo que aparece no século 19,
no contexto do mundo inaugurado a partir da
Revolução Industrial. A modernização é o imple-
mento das máquinas e da tecnologia para dominar
a natureza e o tempo, permitindo deslocamentos
mais rápidos, produção mais eficaz e ganhos ma-
teriais na qualidade de vida. O modernismo foi per-
seguido nos mais diversos setores da sociedade
a partir do século 19. De acordo com o historiador
Jacques Le Goff, “a noção de modernidade vem
com a busca de ruptura com o passado” (apud
VELLOSO, 2008, p. 353). Assim, a modernidade
adaptou-se às transformações tecnológicas e de-
finições de “novo” de cada período, podendo ser
ressignificada a cada “novidade”.

A historiografia costuma separar o movimento da


modernidade paulista de 1922 da dos demais, res-
saltando a importância histórica desse evento. Sem
diminuí-lo, é necessário historicizar a dimensão da
modernidade no Brasil desde finais do século 19,
além de considerar outros movimentos fora da cida-
de de São Paulo, para então entender as renovações
ou continuidades desenvolvidas por esse movimento
(VELLOSO, 2008).

No século 19, os entendimentos sobre cultura e civi-


lização estavam ligados às ideias científicas e pro-
venientes do Darwinismo social, o qual classificava

7
as culturas como superiores/inferiores, tendo por
referência a “civilizada” Europa.

Assim, o Brasil assumiu uma posição marginal e


“inferior” em termos culturais e raciais, devido à
miscigenação dos europeus com as raças negras
e indígenas, consideradas inferiores dentro de uma
perspectiva evolucionista.

Com essa ideologia racista, grupos de intelectuais


procuraram refletir sobre as definições da cultu-
ra brasileira, a fim de compreender as dimensões
que formavam a identidade nacional. Ainda como
um projeto de elites, a Geração de 1870 ou fase da
Modernidade Conservadora (1870-1914) começou a
pensar na mestiçagem do país como um elemento
“positivo” e necessário para entender o que era a
nacionalidade brasileira. Nesse cenário, intelectuais
como Sílvio Romero (1851-1914) procuraram nas
diversas manifestações folclóricas elementos para
o desenho da identidade nacional (VELLOSO, 2008).

Essa primeira fase da “modernidade” brasileira havia


excluído os negros e a população mestiça de suas
concepções de identidade. No entanto, Velloso (2008,
p. 362-369) informa que, na então Capital Federal, o
humor passou a incluir personagens populares nas
suas ilustrações e charges. Chamados de “intelec-
tuais boêmios”, veiculavam-se charges contendo
personagens populares como o imigrante, a mulata
sensual, o malandro, o jeca-tatu, entre outros, em
espaços comuns da vida cotidiana, como praças,
quiosques e gafieiras do Rio de Janeiro.

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Espaços informais e representantes das camadas
mais populares começaram a aparecer em ilustra-
ções humorísticas, que tentaram pensar a identidade
nacional fora do círculo das elites.

No modernismo do século 20, cujo ápice foi a dé-


cada de 1920, a corrente paulista ganhou destaque
com a Semana de Arte Moderna de 1922. “A Primeira
Guerra Mundial impactou as reflexões sobre o papel
de modelo e superioridade da Europa” (VELLOSO,
2008, p. 372). Entre as questões centrais, estava o
desafio de acompanhar os movimentos de renova-
ção estéticas da Europa, mas sem produzir meras
cópias brasileiras do modernismo europeu. Desse
modo, “libertar-se do passado colonial e escravista
e construir uma representação nacional ‘moderna’ e
projetada para o futuro estiveram entre os objetivos
dos artistas da vanguarda brasileira” (SALIBA, 2012,
p. 276).

Segundo esse autor, podemos subdividir essa etapa


do modernismo em duas fases: a primeira (1922-
1924) consistia em desenvolver as técnicas estéti-
cas da vanguarda europeia, atualizando a produção
artística do país; a segunda (1924-1930) buscou na
modernidade uma forma de construir uma identidade
nacional que abandonasse as caracterizações ante-
riormente feitas, bem como explorasse a realidade
brasileira de maneira mais profunda.

Na primeira fase, a modernidade europeia serviria de


inspiração consciente e reflexiva, constituindo assim
um ambíguo processo de busca da nacionalidade

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com a seleção dos elementos artísticos que seriam
importados.

O termo “antropofagia” reflete bem essa busca de


construção de uma modernidade nacional, apesar da
influência estrangeira. A palavra tem origem em uma
prática indígena e significa “devorar” o inimigo para
incorporar suas qualidades. Para o movimento artísti-
co, o termo representa o ato de “devorar” a cultura eu-
ropeia para a incorporação dos elementos essenciais
de manifestação do moderno, cujo resultado fosse
uma produção cultural nacional (VELLOSO, 2008).

Os intelectuais brasileiros fizeram releituras cons-


cientes das vanguardas modernistas europeias, com
isso, puderam reinterpretar o modernismo de maneira
própria. A atualização cultural das artes que as co-
locariam como modernas vieram acompanhada de
estudos que pretendiam incorporar personagens e
elementos culturais populares, ressignificando as
representações identitárias.

A tentativa de descontruir as vanguardas europeias


para pensar a temática da brasilidade foi um movi-
mento maior que a Semana de Arte de 22, e não se
restringiu à cena paulistana. Porém, a Semana de
22 foi um marco do modernismo, pois contou com
a participação de artistas de diversos segmentos,
como a literatura, a poesia, a pintura, a escultura e
a música.

Na Figura 1, temos a imagem do Teatro Municipal de


São Paulo, sede do evento da Semana de 22:

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Figura 1: Vista do Teatro Municipal de São Paulo na década
de 1920. Fonte: Domínio público/ Acervo Arquivo Nacional.
pt.wikipedia.org/.

FIQUE ATENTO
A Semana de Arte Moderna de São Paulo ocorreu
entre 11 e 18 de fevereiro de 1922. Diversos me-
cenas (patrocinadores de artes) contribuíram com
o financiamento do evento, que ocorreu no Teatro
Municipal. Artistas como Anita Malfatti, Mário de
Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira,
Tarsila do Amaral, Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti,
entre outros, participaram do evento que contou
com diferentes representações artísticas e foi ins-
pirado nas semanas de arte europeias.

O modernismo da década de 1920 não foi um mo-


vimento homogêneo. O grupo verde-amarelista re-

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presentava a vertente conservadora, que colocava
São Paulo como o centro da nacionalidade do país,
construindo a figura do bandeirante como um sím-
bolo heroico de um novo “descobrimento” a partir da
exploração do interior.

O grupo crítico a essa posição, do qual Mario de


Andrade fazia parte, passou a substituir a palavra
“raça” por “cultura”, na tentativa de desconstruir o
negativismo em torno da mestiçagem. Essa ideia
de aprofundar as reflexões sobre a cultura do país
estava na segunda fase do modernismo, na qual in-
telectuais como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque
de Holanda revisitaram o passado e enfatizando as
diversas manifestações culturais presentes, o que
incluía os índios, negros, caipiras e mulatos em seus
exercícios de reinterpretação histórica.

Dessa forma, “definir as raízes da brasilidade, em alu-


são ao famoso livro de Sergio Buarque de Holanda,
Raízes do Brasil, era a condição pensada nessa
época para direcionar a sociedade para o futuro”
(SALIBA, 2012, p. 281-2).

Nesse sentido, Macunaíma (1928), de Mário de


Andrade, buscou sintetizar a cultura brasileira, sem
explicações baseadas no clima, na raça e na miscige-
nação. Mário de Andrade baseou-se nas expedições
que realizou pelo interior do Brasil para a produção
de um inventário de cultura popular.

Com Macunaíma, diz Velloso (2008, p. 380), “preten-


deu-se construir uma identidade cultural que estives-

12
se além das diferenças regionais e que fosse capaz
de integrar o sentimento de nacionalidade”.

Em outras palavras, a obra de Mario de Andrade


lançou um olhar renovado sobre a figura do indíge-
na, de uma forma diferente do “bom selvagem” do
Império. O “herói” é o índio, Macunaíma, mas que
não apresentava a idealização do indígena feita na
primeira geração romântica. Assim, a ideia de Mário
de Andrade era compor o livro com personagens
que representassem o povo brasileiro, refletindo a
busca pela identidade do movimento modernista
de São Paulo.

SAIBA MAIS
O romance de Mário de Andrade está entre as pri-
meiras obras do Modernismo no Brasil. Escrita em
1926, mas publicada somente em 1928, trata-se de
uma fonte histórica que ajuda a perceber como foi
pensada a identidade nacional por intelectuais do
movimento modernista. Saiba mais acessando ht-
tps://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/34839.

Entre as questões artísticas e da identidade nacional,


notamos os diferentes entendimentos do conceito
de modernismo para os contemporâneos. O primei-
ro associa-se ao novo, traduzindo a necessidade
de atualizar as representações estéticas do país.
Quanto à identidade, pretendia-se sair dos referen-
ciais coloniais, escravocratas e rurais das décadas
anteriores, com isso, poder representar um Brasil

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moderno, multicultural e não inferiorizado em relação
à cultura europeia.

Cabe lembrar que a busca pela identidade na década


de 1920 foi parte de ações pontuais de grupos de
intelectuais, não se tratando de uma ação do Estado
ou de um movimento que representasse de fato a
pluralidade do país. A vertente paulista, estava in-
serida em um contexto maior de reflexões sobre a
identidade, abrangendo outras cidades do país, como
Recife, onde discussões sobre a identidade nacio-
nal ocorriam a partir da Faculdade de Direito, assim
como de outros movimentos simultâneos em outros
países da América Latina.

O grande desafio considerado pelo modernismo


paulista consistia em procurar elementos que re-
presentassem essa identidade nacional, de forma a
abranger um país heterogêneo e não integrado social
e culturalmente.

A necessidade de viajar para “explorar” o interior do


país, vivida pelos representantes do modernismo
paulista, manifestava essa proposta de abarcar dife-
rentes manifestações culturais, mas que continuava
a tratar o sertanejo como um certo “exotismo”.

O amadurecimento dessas ideias levou a uma segun-


da fase do modernismo, em que foram revisitadas
as compreensões sobre o passado, buscando “as
raízes” culturais do país.

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SAIBA MAIS
Em meio ao clima de modernidade e mudanças
nos anos 1920, algumas sufragistas defenderam
a ampliação dos direitos políticos e civis às mu-
lheres, que ainda eram colocadas em papéis de
submissão e dependência com relação aos ho-
mens. Entre elas, citamos Bertha Lutz (1894-1976),
criadora da Liga para a Emancipação Intelectual da
Mulher (1919) e representante brasileira, em 1922,
da Assembleia Geral para Mulheres Eleitoras, nos
Estados Unidos. O ativismo na luta pela ampliação
dos direitos políticos das mulheres nesse período
contribuiu com a efetivação do voto feminino nos
anos seguintes.
Saiba mais sobre essa figura proeminente da nos-
sa história, acessando www.itamaraty.gov.br.

A revolta da vacina e a questão da


reurbanização do Rio de Janeiro

Ao término do mandato de Campos Salles (1898-


1902), as crises econômicas constantes em seu
governo e a inflação dada às políticas de proteção
da economia criaram uma sensação de insatisfação
e instabilidade. Quando Rodrigues Alves assumiu,
sucessor de Campos Salles, não houve grandes mu-
danças nas diretrizes econômicas, mas aos pou-
cos o país foi saindo da situação de repressão da
economia.

15
A preocupação do novo presidente foi promover
grandes obras públicas na capital do país, o Rio de
Janeiro, buscando melhorar a infraestrutura urbana e
o saneamento básico. O engenheiro Pereira Passos
e o médico Oswaldo Cruz foram as duas figuras
responsáveis pela promoção de projetos urbanos,
assumindo as pastas de prefeito e diretor do serviço
de saúde pública, respectivamente.

Os impactos dos projetos urbanísticos de Pereira


Passos foram sentidos imediatamente, pois houve
demolições e desapropriações de casas e comércios,
realizadas a partir de 1903, com o objetivo de alargar
e construir novas avenidas e reformar o porto da
cidade (CARVALHO, 1990).

No entanto, foi na saúde que os projetos ocasiona-


ram grandes manifestações de oposição por parte
da população. A preocupação em conter os grandes
surtos de doenças com vacinas e outros métodos
ocorria desde meados do século 19, quando o au-
mento da população das cidades favoreceu a proli-
feração de enfermidades.

“Os pântanos ou mangues, hoje entendidos como


importantes ecossistemas, eram considerados fo-
cos de doenças epidêmicas” (BENCHIMOL, 2008,
p. 239). Durante as reformas urbanas da capital do
país, tentou-se acabar com os pântanos, evitando
os considerados “perigosos” gases que proliferavam
doenças.

O combate à falta de higiene nas habitações coletivas


e aglomeradas, hábitos populares como enterros

16
em igrejas urbanas, presença de animais mortos
nas ruas e lixo espalhado pela cidade, tudo isso era
considerado formas de “contaminação do ar, gerando
e espalhando doenças” (BENCHIMOL, 2008, p. 240).

O plano de reformas e obras de Pereira Passos pre-


tendia melhorar a circulação e diminuir o trânsito
da cidade, facilitando o deslocamento nos bairros
já urbanizados da Zona Sul e que coincidiam com a
rota do bonde: Flamengo, Catete e Botafogo.

O aterramento da orla marítima permitiu a cons-


trução de novos bairros, como Leblon, Ipanema e
Copacabana, que logo foram ocupados pelas classes
mais altas. A fim de promover o embelezamento do
centro, muitos cortiços e casas de comércio foram
demolidos, dando lugar a uma paisagem de inspira-
ção europeia e alinhada aos estilos arquitetônicos
mais atuais, como a Art Nouveau.

FIQUE ATENTO
O termo francês belle époque é utilizado para re-
presentar um período de crescimento acelerado,
como o de um centro urbano, onde a prosperidade
e o progresso material traziam uma expectativa
para o futuro positiva e ligada à modernização. Art
Nouveau é um estilo de arte decorativa do período,
marcado pelo uso de vitrais coloridos, cerâmicas e
ferros retorcidos, que davam a ideia de movimento
e assimetria.

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Na Figura 2, podemos verificar a Av. Rio Branco de-
pois das reformas urbanas, da belle époque carioca:

Figura 2: Vista da Av. Rio Branco e do Tetro Municipal do


Rio de Janeiro (Marc Ferrez, 1909). Fonte: pt.wikipedia.org/

A Zona Norte e os subúrbios cresceram rapidamente


nesse período, assim, bairros como Saúde, Gamboa
e Cidade Nova passaram a abrigar moradias peque-
nas e tumultuadas, muito procuradas pelas classes
mais baixas. A favela também surgiu como uma al-
ternativa de moradia, procurada por uma população
que não conseguia pagar os preços da Zona Norte
e dos subúrbios.

Operários das fábricas, profissionais liberais e ven-


dedores ambulantes, que recebiam baixos salários
em empregos com pouca estabilidade, passaram
a morar em habitações populares em morros, nas
proximidades das principais avenidas (BENCHIMOL,
2008).

18
Ao assumir a pasta da saúde, Oswaldo Cruz se pre-
ocupou em acabar com as principais enfermidades
que levaram a grandes crises sanitárias. A febre ama-
rela e a peste bubônica eram doenças que tiveram
graves surtos no período. Sabia-se que a higiene das
ruas e casas junto com o combate aos animais trans-
missores evitavam sua propagação.

Dessa maneira, iniciou-se um mutirão de agente de


saúde nas ruas, matando ratos e mosquitos e identi-
ficando locais de possível concentração desses ani-
mais. Os agentes de Oswaldo Cruz também entraram
nas casas e ruas residenciais de maior probabilidade
de propagação de doenças, principalmente nos locais
mais aglomerados e pobres, limpando as casas e
exigindo reformas ou demolições.

Com isso, mais de 100 mil casas foram vistoriadas


por agentes de saúde acompanhados de policiais,
no caso de reações de oposição por parte dos mo-
radores. As vistorias foram acompanhadas de leis
que passaram a impedir a criação de suínos e a livre
circulação de vacas leiteiras no ambiente urbano,
bem como foram proibidas as hortas e áreas de pas-
to nas cidades (CARVALHO, 1990).

O combate à varíola foi o estopim para a eclosão


de protestos, dado que essa doença necessitava
da vacina para sua prevenção. As tentativas de obri-
gatoriedade da vacina ocorriam desde o século 19,
mas foi com Oswaldo Cruz que ela foi exigida com
muito mais rigor.

19
De acordo com a nova lei, a carteira de vacinação
se tornaria obrigatória para assumir trabalhos pú-
blicos, em fábricas, para a hospedagem em hotéis,
casamentos, viagens em geral etc., com a previsão
de multas no caso de descumprimento.

A proposta de obrigar a população a se vacinar a fim


de evitar a propagação da varíola e de outras doen-
ças foi somada às políticas previamente realizadas
pelos agentes sanitários, como a entrada nas casas
para dar orientações sobre higiene e limpeza, bem
como o direcionamento de doentes para os centros
de saúde.

Como resultado de todas essas medidas, a popula-


ção reagiu argumentando como a invasão pública
do espaço privado, a defesa das liberdades indivi-
duais, além de outros argumentos de ordem moral
e espiritual, a depender do setor da população que
se manifestava.

Houve grande heterogeneidade em relação à popu-


lação que se manifestou contra a aplicação obriga-
tória da vacina, sendo que o teor dos argumentos
contrários foi distinto conforme a classe social dos
manifestantes.

No geral, a população mais elitizada argumentou em


defesa de suas liberdades individuais e da interven-
ção arbitrária do Estado em suas vidas particulares.
Ao passo que as camadas mais populares defendiam
a violação da honra das mulheres, que deveriam des-
pir partes do corpo para receberem a vacina, além da
invasão domiciliar, quando os agentes promoveram

20
danos ao mobiliário doméstico e exigiram mudanças
que comprometiam a dinâmica da vida privada.

Como se percebe, “os argumentos ‘modernos’ e ‘tra-


dicionais’ foram utilizados para defender a não obri-
gatoriedade da vacina, somados ao questionamento
científico de sua eficácia e ao medo de sua aplicação”
(CARVALHO, 1990, p. 132).

A reação da população gerou intensos protestos e foi


seguida de grande repressão pelas forças policiais,
utilizando armas letais contra os manifestantes. O
presidente colocou militares para combater os revol-
tosos e tiroteios ocorriam repetidas vezes na cidade.

A revolta da sociedade civil também foi expressada


em forma de charges na imprensa do período, como
pode ser observado a seguir, em que Oswaldo Cruz
é ilustrado com uma seringa na mão contendo a pa-
lavra “higiene”, em frente a figuras ligadas à morte e
segurando foices com as palavras “febre amarela”,
“bubônica” e “varíola”. Essas figuram parecem recuar
com a presença do sanitarista e de sua “arma” da
higiene:

21
Figura 3: Revolta da Vacina, Revista da Semana, de 02 de
fevereiro de 1908. Fonte: brasilianafotografica.bn.br

FIQUE ATENTO
A higiene define-se por técnicas e conhecimentos
aplicados à prevenção de doenças, para a melhoria
da saúde e bem-estar. Apesar de ser bem popular
atualmente, a higiene é uma prática moderna e
datada, consolidada a partir de meados do século
19, quando a ciência começou a identificar a pro-
pagação de doenças com a falta de limpeza dos
corpos e do ambiente.

22
O avanço da microbiologia começou a explicar
as causas de doenças conhecidas, relacionando-
-as à presença de materiais fecais, mosquitos,
ratos e demais agentes proliferadores. É do sé-
culo 20 a ideia de pensar em prevenção de doen-
ças a partir da higiene e do combate aos animais
transmissores.

As causas da Revolta partiram de uma situação es-


pecífica: a obrigatoriedade da vacina. A oposição
popular a essa obrigatoriedade se somou à oposi-
ção às atitudes controversas dos agentes de saúde.
Assim, a onda de oposições generalizadas às polí-
ticas higienistas se transformou em insatisfações
com o governo em geral.

A República tornou-se um inimigo do povo ao pro-


mover intensas repressões contra a manifestação
de suas insatisfações, dando a impressão de que
as vozes populares não eram ouvidas.

Lembramos que a participação popular na política


pelas eleições era ainda extremamente reduzida.
Estima-se que apenas 10% da população da cidade
do Rio de Janeiro votava, ficando mais 80% totalmen-
te fora do sistema eleitoral e outros 10% podiam, mas
não exerciam o direito ao voto (CARVALHO, 1990).
Esse cenário contribuía com o sentimento de abismo
entre a população e a política, que teve suas ma-
nifestações de opinião duramente reprimidas por
forças policiais.

23
A Revolta da Vacina contribuiu com o enfraqueci-
mento da instituição republicana, que passava por
questionamentos de outros setores no correr das
décadas de 1910 e 1920. A não aceitação de ideias
modernas, como a vacinação e a higiene, mostram
também a baixa difusão de conhecimentos e infor-
mações científicas entre a população, que estava
acostumada a confiar na religiosidade para combater
ou tratar doenças.

Além dos mortos e feridos da Revolta da Vacina, “[...]


a varíola causou uma epidemia que levou a óbito
mais de 6 mil pessoas, o dobro de mortos em rela-
ção ao mais alto índice anteriormente registrado, em
1891” (BENCHIMOL, 2008, p. 277).

Revolta da chibata e questões


raciais na primeira república

A permanência de práticas punitivas ligadas à escra-


vidão trouxe a experiência de uma revolta, levantando
questões que iam além do motivo inicial das insa-
tisfações. A aplicação de castigos físicos, comuns
antes da abolição da escravidão, foram proibidos
com a Proclamação da República, mas alguns deles
foram retomados em 1890, como a permissão de 25
chibatadas como castigo para faltas graves.

No início do século 20, “a possibilidade de punição


com castigos físicos regulamentados por lei causava
a indignação dos marinheiros, que se preparavam
para criar um movimento de oposição a essa prática”
(MATTOS, 2012, p. 115).

24
Assim, a ocorrência de um castigo com mais de 250
açoites fez eclodir uma revolta em 1910, exigindo
o fim das punições físicas. O funcionamento da
Marinha refletia a continuidade das desigualdades
sociais e raciais do país. Os marinheiros negros e
mulatos eram, em sua maioria, comandados por ofi-
ciais brancos e elitizados, que praticavam castigos
corporais que remetiam às relações entre senhores
e escravos, vistas em um passado recente.

O marinheiro negro João Cândido Felisberto foi o


líder do movimento contra a chibata, que contava
em sua maioria com negros e mulatos ocupantes
dos postos mais baixos da instituição.

Os revoltosos passaram a se identificar como


“marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos”
(MATTOS, 2012, p. 117), expulsaram os oficiais dos
navios de guerra e ameaçaram bombardear a capi-
tal, caso suas reinvindicações não fossem aceitas.
Cerca de 2 mil marinheiros participaram da revolta,
que incluiu a tomada dos navios de guerra novos,
além de outros mais velhos, e exigiam o fim das
permanências de práticas da escravidão que eram
mantidas na Marinha.

Um trecho da carta do líder Felisberto, descrito a


seguir, mostra a invocação de palavras como “re-
pública”, “cidadania”, “direitos das leis”, com vistas
a demonstrar a incoerência em relação à forma
como eram tratados. Os marinheiros se posiciona-
vam como cidadãos republicanos, que não deveriam
passar por situações de escravidão, uma vez que

25
atuavam a serviço da pátria, exigindo a retirada dos
oficiais “incompetentes” e da chibata:

Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos,


não podendo mais suportar a escravidão na Marinha
Brasileira, a falta de proteção que a Pátria nos dá; e até
então não nos chegou; rompemos o negro véu, que nos
cobria aos olhos do patriótico e enganado povo. [...]
Durante vinte anos de República ainda não foi bastante
para tratar-nos como cidadãos fardados em defesa da
Pátria, mandamos esta honrada mensagem para que V.
Excelência faça aos Marinheiros Brasileiros possuirmos
os direitos sagrados que as leis da República nos fa-
cilitam, acabando com a desordem e nos dando outros
gozos que venham engrandecer a Marinha Brasileira;
bem como: retirar os oficiais incompetentes e indignos
de servir a Nação Brasileira. Reformar o Código Imoral
e Vergonhoso que nos rege, a fim de que desapare-
ça a chibata (Manifesto dos revoltosos, 1910 - grifos
nossos).

Os revoltosos tiveram causa ganha e suas deman-


das foram consideradas justas pelo governo. Cabe
salientar que uma reação armada do governo con-
tra os revoltosos significava danificar ou destruir
completamente importantes navios de guerra re-
cém-adquiridos. “Os participantes da Revolta foram
anistiados, apesar da morte de cinco oficiais quando
se recusaram a abandonar os navios e de alguns
marinheiros que não aceitaram se juntar à revolta”
(MATTOS, 2012, p. 117).

A repercussão mais importante da Revolta foi levan-


tar a questão das discriminações raciais e a perma-
nência de práticas ligadas à escravidão. Foram feitas

26
demandas pelos direitos civis da população negra,
conforme descrito no Manifesto dos Revoltosos
encaminhado ao governo, em que se exigia um tra-
tamento de igualdade com relação aos demais cida-
dãos, em nome dos ideais da República.

Além das denúncias feitas pelos marinheiros, veícu-


los de imprensa negra e antirracista manifestavam-
-se contra a marginalização da população de cor.
Debates sobre a construção de uma identidade negra
também estavam presentes em jornais e revistas
dedicadas ao tema.

A eleição do primeiro deputado negro, Monteiro


Lopes, em 1909, levantou o debate dos direitos ci-
vis para a população negra, já que houve rumores
de que o deputado seria impedido de assumir por
causa de sua cor. Advogado, socialista e republica-
no, Monteiro Lopes participava ativamente de orga-
nizações de “homens de cor” no Rio de Janeiro e
conseguiu assumir o mandato após a mobilização
de figuras políticas importantes, como Rui Barbosa
(MATTOS, 2012).

Até meados do século 20, o racismo era “embasa-


do” cientificamente. Ou seja, o embranquecimento
da população e a esterilização eram as ideias mais
radicais colocadas por correntes eugenistas.

Considerava-se que uma sociedade branca era eco-


nômica e culturalmente mais desenvolvida, até que
esses valores deterministas e preconceituosos perde-
ram a credibilidade após a Segunda Guerra Mundial
(1939-1945).

27
Essas ideias contribuíam para a marginalização e
exclusão social promovida contra a população negra
no Brasil no século 20. A abolição em 1889 não foi
seguida de leis ou indenizações que auxiliassem
as populações libertas na recolocação profissional
e social. Pelo contrário, as ideias de embranqueci-
mento da população contribuíram para as medidas
de substituição da mão de obra escravizada pelos
imigrantes, que chegavam em grandes contingentes
ao país.

Parcamente qualificados e não assistidos pelo go-


verno, essas pessoas tinham mais dificuldade em
posicionar-se profissionalmente na sociedade re-
publicana, dada a concorrência com os brancos e
imigrantes (SCHWARCZ, 2012).

As dificuldades encontradas na integração social


e econômica pela população negra gerou posicio-
namentos e lutas que questionavam o preconceito
racial enraizado no país e a dificuldade de usufruir
plenamente dos direitos de igualdade.

REFLITA
A continuidade de práticas escravistas e a men-
talidade racista e excludente influenciaram em
movimentos como a Revolta da Chibata. Apesar
de combatida desde o início do século 20, essa
mentalidade persiste em atitudes racistas em so-
ciedade atual.

28
Você pode identificar exemplos dessas permanên-
cias, que impedem a construção de uma sociedade
mais justa e menos desigual? Como elas podem
ser combatidas pelo ensino da História?

Formação da classe operária,


influência das ideias trazidas
pelos imigrantes e início da
industrialização brasileira

Considera-se que a primeira etapa da industrialização


do país ocorreu entre 1880 e 1930. Em sua maioria,
essa atividade surgiu como resultados dos investi-
mentos feitos com os capitais excedentes das ati-
vidades agrícolas.

O crescimento industrial do país foi limitado, e a


economia continuou dependente das exportações
de insumos agrícolas. “A imigração, urbanização e
industrialização, no entanto, foram fenômenos cor-
relatos, sendo que os dois primeiros acabaram por
contribuir com o crescimento industrial alcançado
no período” (SCHWARCZ, 2012, p 43).

A modernização e a industrialização ocorridas na


República Velha não podem ser confundidas com
a industrialização de São Paulo, apesar de o estado
concentrar a maior parte da produção de café (ARIAS
NETO, 2008).

Ocorreu um desenvolvimento industrial complexo e


não linear no Brasil, ainda muito vinculado ao capital
agrícola, mas este não era diretamente proporcional

29
ao crescimento industrial. Em 1907, 85% da produção
industrial ocorria fora de São Paulo, sendo liderada
pelo Rio de Janeiro e seguida por Minas Gerais (DEL
PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 236).

Paulatinamente, essa realidade foi se alterando,


dado que São Paulo dominava o principal produto
de exportação do país. A relativa estabilidade dos
preços gerado pelo Convênio de Taubaté, em 1906,
contribuiu para o aumento dos lucros dos empresá-
rios do setor.

Assim, a partir de 1920, o grande fluxo de imigrantes


que chegaram ao estado de São Paulo permitiu a
redução dos salários do setor industrial em cresci-
mento, se comparados ao restante do país.

A dinamização da economia urbana, somada ao au-


mento do lucro dos empresários industriais, possibi-
litou maiores investimentos no setor. A belle époque
paulista, assim como a carioca, melhorou o bem-
-estar da vida urbana, isto é, pelo menos para algu-
mas classes sociais, e contou com um expressivo
crescimento da população, que passou de 23 mil
habitantes em 1872 para mais de 580 mil em 1920
(DEL PRIORE; VENANCIO, 2010; ARIAS NETO, 2008).

A princípio, a população estrangeira imigrante era des-


tinada ao trabalho nas lavouras, mas grande parte
dessa população se deslocou para os centros urbanos,
em busca de melhores oportunidades de trabalho.

Desse modo, a migração de sertanejos do Nordeste


em direção às cidades mais prósperas, impulsionado

30
pelo crescimento do trabalho fabril, ocorreu desde
o final do século 19, em virtude de secas, fim da
escravidão e declínio da economia de exportação
nessas regiões (SCHWARCZ, 2012).

Entre os imigrantes europeus, parte chegou ao Brasil


pelas promessas de terras e prosperidade feitas pelo
próprio governo brasileiro. Por sua vez, a imigração
japonesa ocorreu como resultado de incentivos feitos
pelo próprio governo japonês, a partir do início do
século 20 (SCHWARCZ, 2012).

A Tabela 1 mostra os números da entrada de imi-


grantes no Brasil, no período de 1884 a 1920, sendo
que no período de 1901 a 1920, São Paulo recebeu
mais de 58% do total de imigrantes:
Período Brasil São Paulo
1884-1887 145.800 53.023
1888-1890 304.054 157.781
1892-1900 1.129.315 733.335
1901-1920 1.469.095 857.149

Tabela 1: Entrada de imigrantes no Brasil e em São Paulo,


de 1884 a 1920. Fonte: Schwarcz (2012, p. 42).

Por muito tempo, a historiografia difundiu a relação


“direta” entre a grande entrada de imigrantes e as
ideias grevistas e sindicais que se tornaram mais
populares a partir na década de 1920. No entanto,
Batalha (2008) chama a atenção para o fato de que
a maior parte dos imigrantes era proveniente de re-
giões rurais, sem grandes conhecimentos de ideias
anarquistas, socialistas ou sindicalistas.

31
Do mesmo modo, não se deve associar diretamente
a crescente presença de indústrias no Brasil com o
aparecimento da classe operária e dos sindicatos.
Estes últimos foram o resultado de um longo proces-
so de consciência de classe, não necessariamente
ligado à existência das fábricas em si.

FIQUE ATENTO
A formação de uma classe, como a operária, é
um processo complexo e que não pode ser direta-
mente associado à existência do setor econômico
correspondente, no caso, a indústria. Relaciona-se
à percepção de interesses compartilhados por um
coletivo, que conscientemente passam a exercer
atitudes em defesa de seus interesses “de classe”
(BATALHA, 2008, p. 163).

No entanto, sem considerar essa abordagem deter-


minista da relação entre imigração e sindicalismo,
a circulação das ideias anarquistas e socialistas foi
facilitada com a chegada de trabalhadores estran-
geiros oriundos de centros urbanos, que vieram em
busca de melhores condições de vida, não por acre-
ditar na grande possibilidade de mudança ideológica
em outro continente.

Na verdade, o “conflito étnico” dos ambientes labo-


rais, que passaram a contar com trabalhadores de
diversas nacionalidades e que muitas vezes não
falavam o mesmo idioma, dificultou a organização
operária no começo da industrialização.

32
A organização operária como “realidade histórica”
no Brasil ocorreu a partir de 1917, com a presença
de movimentos em defesa dos interesses coletivos
dos trabalhadores industriais, em resposta a péssi-
mas condições de trabalho ocasionadas pela ausên-
cia de mecanismo de regulamentação do trabalho
(BATALHA, 2008).

Apesar do movimento anarquista na Europa não ter


tanta relação com o movimento operário, diferen-
temente do socialismo que cresceu na defesa dos
trabalhadores industriais, no Brasil a opção pelo
anarquismo parecia mais viável do que o socialismo.

Em um país que não permitia a participação eleito-


ral entre os analfabetos, “os trabalhadores viam no
anarquismo uma fonte mais clara de protesto, uma
vez que o socialismo estava ligado à transformação
pelas vias eleitorais” (BATALHA, 2008, p. 172).

As primeiras greves começaram no início do século


20, a exemplo da greve em uma fábrica de sapatos
no Rio de Janeiro, ocorrida em 1902. As manifesta-
ções grevistas passaram a ser duramente reprimidas
pelo governo e pelos empresários, sendo que muitos
acabavam sem emprego (SCHWARCZ, 2012).

As principais demandas dos trabalhadores estavam


ligadas à redução da jornada de trabalho para 8 ho-
ras diárias e ao aumento salarial. As maiores greves
ocorreram a partir de 1910, com o crescimento das
associações de operários, que canalizavam as insa-
tisfações e defendiam os interesses do setor, o que
deu origem aos sindicatos.

33
De 1917 em diante, diz Schwarcz (2012, p. 59), “o
crescimento dos sindicatos resultou na eclosão de
grandes greves, algumas aderidas por mais de 70
mil trabalhadores das cidades de São Paulo e Rio
de Janeiro”.

Em uma sociedade excludente como a da Primeira


República, os sindicatos e as associações de operá-
rios foram modos de dar vazão às demandas sociais
e políticas dos trabalhadores. Alguns sindicatos, a
exemplo daqueles que mantinham ligação com o
crescente socialismo, reivindicavam maior atuação
política dos operários, exigindo a ampliação do direito
ao voto (BATALHA, 2008).

No entanto, nenhuma ação nesse sentido foi reali-


zada no período, e as conhecidas fraudes eleitorais
afastavam possíveis eleitores. As ações sindicais
e as greves foram violentamente reprimidas pelo
Estado, assim como as demais formas de protestos
e manifestações populares.

O fechamento de associações, as prisões arbitrárias


e as deportações de estrangeiros eram algumas das
medidas de repressão adotadas pelo governo, dificul-
tando ações mais abrangentes, como a criação de
partidos políticos ligados à classe operária. Assim,
“a coordenação de movimentos nacionais não logrou
sucesso nesse período, em que a atuação dos par-
tidos e sindicatos se manteve restrita às cidades, o
que impediu o desenvolvimento de uma ‘cidadania
operária’” (BATALHA, 2008, p. 185-186).

34
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Belle Époque das grandes cidades do país aconte-
ceu entre 1910 e 1920, representando a busca pela
estética moderna nos espaços urbanos. A estima-
da “civilização” parecia ter chegado a essa parte da
América do Sul refletida nas grandes avenidas reor-
ganizadas após projetos urbanísticos e palácios com
o melhor estilo Art Nouveau.

Com isso, políticas higienistas foram aliadas às re-


formas urbanas, pretendendo “limpar” o centro da
capital do país, tanto com a difusão de novos hábitos
de limpeza quanto com a derrubada de cortiços, ca-
sas e comércios de populares, não condizentes com
o ideal de embelezamento da cidade.

As intervenções autoritárias nas habitações, utilizan-


do argumentos como a melhoria do espaço urbano e
o combate às doenças infecciosas, desencadearam
movimentos de oposição por parte da população,
a exemplo da Revolta da Vacina. A violenta reação
do governo contra os manifestantes mostrou que
a participação popular nas tomadas de decisão na
República não era bem-vinda.

A temática modernista também esteve presente na


renovação estética das artes e na busca por uma
identidade nacional que não fosse refém do passado
colonial e da inferiorização cultural em relação a uma
cultura afirmada como superior.

35
A Primeira Guerra Mundial, aliás, trouxe a desilusão
da Europa enquanto um exemplo de civilização e
superioridade, o que incentivou a busca por novos
referenciais. A expressão paulista do modernismo
com a Semana de Arte Moderna de 1922 revelou
artistas que buscavam suas inspirações nos espaços
sertanejos do interior do Brasil, perseguindo formas
de representar uma cultura heterogênea, dentro do
arcabouço de uma identidade.

Entendidas como resultado da modernidade e do


progresso, o país passou por grandes mudanças
estruturais na virada do século 19 para o 20. A ex-
clusão e a marginalização da maioria da população,
no entanto, não se modificaram, com isso, as elites
seguiam na condução do processo político durante
todo o período.

A questão social foi tratada como questão de polícia,


tal qual aconteceu no caso das atividades grevistas
nas primeiras tentativas de organização partidárias
a partir dos trabalhadores excluídos dos processos
políticos e com limitados direitos sociais.

Nisso, o processo de industrialização foi lento e


acompanhou os lucros provenientes das atividades
agroexportadoras. As grandes levas de imigrantes
que chegavam ao país no início do século 20, destina-
das ao trabalho nas lavouras, foram paulatinamente
transformando os ambientes urbanos com migrações
internas, em busca de melhores oportunidades de
trabalho.

36
Por fim, a Revolta da Chibata levantou a continuida-
de de práticas relacionadas à escravidão e grande
distância que a população negra tinha referente aos
seus direitos de cidadania. Foram excluídos dos direi-
tos ao voto, dificultando as possibilidades de lutarem
pela ampliação dos direitos sociais e civis, visto que
o preconceito de cor também limitava a liberdade
dessa população.

Assim, as lutas sociais foram iniciadas durante a


República Velha, quando a população manifestou
sua intenção de participar da vida política e civil.
Mesmo que duramente reprimidos pela violência
estatal, os movimentos sociais e de classe foram
a base para a ampliação da participação assistida
nas décadas que se seguiram à Revolução de 1930,
com a derrubada do regime oligárquico.

37
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