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ENTRE FIGURANTES E PROTAGONISTAS: A REPRESENTAÇÃO DA

COMUNIDADE LGBTQIA+ EM JORNAIS IMPRESSOS DO MARANHÃO

RESUMO

A representação discursiva de minorias sociais no jornalismo, sobretudo nos veículos de


comunicação tradicionais, é ainda uma discussão necessária. Assim, este estudo investigou a
produção de sentidos sobre a comunidade LGBTQIA+ como pauta nos jornais impressos O
Estado do Maranhão e Jornal Extra, conforme o enquadre analítico da Análise de Discurso
Crítica (FAIRCLOUGH, 2001; 2003). Para tanto, a análise centrou-se na categoria da
representação de atores sociais do significado representacional, utilizando como aporte a
Teoria dos Atores Sociais de Van Leeuwen (2008). O corpus de análise foi composto por
quatro matérias de cada impresso publicadas entre 2017 e 2018. Por meio de uma análise
qualitativa, identificamos que os atores da comunidade LGBTQIA+ são incluídos no texto
jornalístico por individualização, seja por nominação, seja por funcionalização destacando
suas profissões e espaços de atuação social, mas também por meio de categorizações que
podem contribuir para manutenção de discursos e práticas sociais excludentes.

Palavras-chave: Comunidade LGBTQIA+; Análise de Discurso Crítica; Jornalismo;


Representação; Atores Sociais.

ABSTRACT

The discursive representation of social minorities in journalism, especially in traditional


media, is still a necessary discussion. Thus, this study investigated meanings production about
the LGBTQIA+ community as an agenda in O Estado do Maranhão and Jornal Extra
newspapers using the analytical framework of Critical Discourse Analysis (FAIRCLOUGH,
2001; 2003). Therefore, analysis focused on representation of social actors, a category of the
representational meaning, using as reference the Social Actors Theory of Van Leeuwen
(2008). Four articles from each newspaper, published in 2017 and 2018 composed the corpus
of analysis. Through qualitative analysis, we identified that LGBTQIA+ community actors
are included in the journalistic text by individualization, either by nomination or
functionalization, highlighting their professions and spaces for social action, but also through
categorizations that can contribute to maintaining exclusionary social discourses and
practices.

Keywords: LGBTQIA+ Community; Critical Discourse Analysis; Journalism;


Representation; Social Actors.

INTRODUÇÃO

As discussões acerca do compromisso social do jornalismo na representação de


sujeitos sociais se relacionam diretamente ao dever do campo jornalístico de ser um
potencializador de falas. Contudo, em muitos momentos, a veiculação de notícias em que são
mantidos discursos hegemônicos excludentes, com representações compreendidas
coletivamente como “naturais”, evidencia um processo de marginalização social de certos
grupos.
Esse discurso de posição conservadora (FAIRCLOUGH, 2001), que trabalha para manter as
práticas discursivas estabelecidas, sobretudo por meio do modo como são representados
determinados atores sociais, favorece um apagamento da multiplicidade social de grupos
minoritários e seus discursos, os quais, por sua vez, são alocados ainda mais para as margens
sociais.
Darde (2018, p. 224) explica que a compreensão da naturalidade no jornalismo dispõe
de processos culturais que são historicamente construídos. Assim, para problematizar essa
questão, entendemos, com o autor, que a significação da notícia é derivada e constituinte do
sistema cultural no qual ela está inserida, o qual, em relação à sexualidade, há uma construção
heteronormativa que constrói valores como masculinidade e feminilidade e determina os
arranjos familiares aceitos de acordo com determinadas relações de poder presentes na
sociedade.
É por meio dessa perspectiva que buscamos compreender como a comunidade
LGBTQIA+1, enquadrada fora desse padrão normativo, é representada pelas redações do
impresso. Historicamente, a população LGBTQIA+ é considerada uma minoria social por não
estar encaixada na heteronormatividade, que restringe as diversidades e expressões sexuais
dos indivíduos. A partir dessa constante, observamos que essas restrições chegam até o campo
jornalístico quando há uma baixa inserção de vozes da comunidade nas matérias produzidas
pelas redações e a manutenção de posicionamentos preconceituosos, que posicionam a
comunidade à margem nas representações e participações sociais.
Com essa visão contextual, o presente trabalho tem como objetivo geral: analisar a
produção de sentidos sobre a comunidade LGBTQIA+, por meio de sua representação como
ator social (VAN LEEUWEN, 2008) nos jornais impressos O Estado do Maranhão e o Jornal
Extra. A seleção da mídia impressa denota a perspectiva de identificar como a
tradicionalidade envolta no jornal impresso lida com assuntos de relevância e sensibilidade

1
A sigla LGBTQIA+, significada aqui como: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Gênero Queer,
Intersexual, Assexuais e ‘+’, que enquadra a multiplicidade de outros gêneros, será utilizada para englobar a
comunidade. Ainda assim, compreendemos que a sigla vem sofrendo diversas variações ao logo dos anos e dos
movimentos. Por isso, o intuito da utilização dessa variação no presente estudo visa identificar nominalmente
toda a comunidade, porém não há nenhum intuito de padronizar ou protagonizar um gênero em detrimento de
outro.
social. Os impressos objetos desta pesquisa possuem linhas editoriais distintas, o que nos
permite analisar discursivamente a produção de sentidos sobre a comunidade nos variados
segmentos estilísticos. Como metodologia de trabalho, em um primeiro momento, são
realizadas pesquisas bibliográficas para nortear as reflexões apresentadas, com vistas a
compreender a linguagem sociodiscursiva construída sobre a comunidade LGBTQIA+ nos
textos jornalísticos. Em seguida, em pesquisa documental, de cunho qualitativo, analisamos
quatro matérias do Jornal Extra e quatro matérias de O Estado do Maranhão, todas com
temática ou traços discursivos marcantes que envolvem a comunidade LGBTQIA+, utilizando
a Análise do Discurso Crítica (FAIRCLOUGH 1989, 1995, 2001 [1992], 2003).

COMUNIDADE LGBTQIA+ : GÊNERO E PREPRESENTAÇÃO


Nos Estados Unidos, a Revolta de Stonewall (1969)2 é reconhecida como o estopim
para o início dos movimentos LGBTQIA+ por todo mundo, inclusive no Brasil que na época
estava vivenciando o Regime Militar (1964-1984), com forte repressão política e moral.
As discussões sobre a homossexualidade adentraram as universidades a partir dos anos
1980, quando os estudos sobre as representações sexuais tomaram forma. Durante a década,
os impasses sobre as categorizações da comunidade LGBT aumentaram gradativamente,
quando se identificou que os modelos de dominação do homem atigiram a comunidade,
posicionando o homem gay como o centro das discussões sobre homossexualidade (LOURO
2001).
Após a luta de movimentos de mulheres lésbicas, houve o reconhecimento de que,
durante muitos anos, as lésbicas foram invisibilizadas pelo patriarcado que insistia em
objetificar a mulher como um artigo masculino. Nesse contexto, ocorreu uma mudança de
nomenclatura, a sigla GLBT passou a ser LGBT, dando destaque à luta das lésbicas na
conquista de espaço em uma sociedade machista (MOURA, 2014, p. 55).
Segundo Louro (2001, p. 546), a identidade homossexual tinha rupturas conceituais, já
que não sustentava as diversas formulações identitárias existentes. Assim, surgiu a Teoria
Queer, proposta pelo autor e posteriormente adicionada à sigla LGBT, sendo um movimento
subversivo que reúne o raro, o estranho e o esquisito em um único contexto. Segundo Louro

2
Policiais nova-iorquinos tentavam constantemente fechar o bar Stonewall Inn, em Nova York, Estados Unidos.
O estabelecimento era muito frequentado por LGBTQIA+s. Os frequentadores vinham sofrendo perseguições e
agressões da polícia que, por sua vez, alegava que o bar era propriedade da máfia italiana. Porém, na noite de 28
de junho de 1969 – data que hoje marca a luta e a resistência da comunidade LGBTQI+ – um grupo de
homossexuais, lésbicas e transexuais atacou os policiais com garrafas e pedras, proferindo frases de
empoderamento. O episódio atraiu a atenção da imprensa, proporcionando a visibilidade da comunidade e o
incentivo aos primeiros movimentos LGBTQIA+s pelo mundo (MARIUSSO, 2011, p. 2).
(2008, p. 07), queer é um corpo estranho que perturba, provoca e causa fascínio. Para além
disso, o queer não possui uma identidade e orientação sexual específica, podendo então
transitar entre gêneros ou novas conceituações.
Por muitas décadas, a homossexualidade, a heterossexualidade e a bissexualidade
foram as orientações sexuais preponderantes. Porém, se pensarmos em categorizar a
orientação em apenas três segmentos, contradiremos o discurso segundo o qual a orientação
sexual varia de pessoa para pessoa, podendo ou não estar enquadrada em uma dessas três
classificações. Podemos citar, como exemplo, a assexualidade que ocorre quando um
indivíduo não sente atração sexual por nenhum gênero. Ainda assim, o assexual pode
manifestar interesse afetivo e emocional por alguém. A pansexualidade também é uma
orientação sexual. As pessoas pansexuais podem desenvolver atração física, emocional e
sexual por outras, independente da sua identidade de gênero ou sexo biológico. Em oposição à
bissexualidade, a pansexualidade é uma orientação que rejeita a noção de dois gêneros.
A necessidade, portanto, de reconhecimento de diversas identidades de gênero e de
orientações sexuais gerou processos de organização dos sujeitos em grupos que buscam a
quebra da hegemonia organizada em torno do gênero binário em masculino e feminino e da
heteronormatividade.
Criada inicialmente para questionar a formulação biológica dos sujeitos, a distinção
entre gênero e sexo se firma na tese de que, para além do sexo biológico, o gênero é
construído por meio da percepção identitária do sujeito social. Segundo Butler (2003), a
multiplicidade derivada do conceito de gênero impossibilita a unidade do sujeito, uma vez que
possui múltiplas interpretações.
A discussão sobre a multiplicidade de gênero gera uma ruptura na dicotomia homem
versus mulher, construída por uma visão naturalizada da binaridade dos gêneros, que
sistematiza a subordinação patriarcal, ou seja, essa segmentação de gênero evidencia um ser
como superior e outro como inferior. Desse modo, as relações de identidade e de gênero são
marcadas pela dominação masculina e pela heteronormatividade, que organizam as relações
básicas de divisão social e provocam uma hierarquia entre os sexos que é culturalmente
construída e aceita.
Bourdieu (2002) observa que essa visão androcêntrica, que coloca homem como
modelo de representação coletiva, é vista como neutra e incontestável. Por esse motivo, a
ordem social funciona como uma simbologia para corroborar a dominação masculina sobre a
qual se alicerça, construindo ideologicamente a figura do homem “macho” como dominante,
ou seja, hegemônica (FAIRCLOUGH, 2001).
Nesse processo, é importante considerar o papel dos discursos, que constroem
identidades e representações sociais por meio dos sentidos elaborados nos diversos sistemas
semióticos (FAIRCLOUGH, 2001). Nesse processo, temos um conjunto de sentidos que
denotam as noções de normalidade e de anormalidade das práticas e dos sujeitos, fazendo com
que a construção identitária seja dependente dessa distinção, dessa avaliação. Por exemplo, a
homossexualidade, que sempre fez parte da História, estando presente nas mais diversas
culturas, é vista como pecado na tradição judaico-cristã, contexto discursivo em que o
indivíduo com orientação ou identidade sexual distinta da “normalidade” tem suas relações
sociais marginalizadas.
Para fugir desse estigma da marginalização social, a comunidade LGBTQIA+ busca
um local de voz, uma vez que, dentro do sistema discursivo, a comunidade não é representada
em sua realidade social, seguindo sempre padrões de representações externas a ela. Muitas
vezes, esses discursos controem representações e identidades que corroboram
posicionamentos que excluem não somente pela interdição, mas também pela pela separação e
rejeição desses sujeitos e de seu grupo social (FOUCAULT, 2009).
Segundo Foucault (2009, p. 37), nem todo discurso é aberto e penetrável. Algumas
regiões discursivas são proibidas, enquanto outras não possuem restrições e estão à disposição
de cada sujeito que fala. lembrando que discurso “é, também, aquilo que é o objeto do desejo;
e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo
que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mais aquilo porque, pelo que se luta, o poder
do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 2009, p. 10). Assim, ainda que a comunidade
LGBTQIA+ emita um discurso que busca visibilidade e reconhecimento de seus direitos, a
forma como esses sujeitos sociais são representados nas práticas sociais relacionam-se aos
papéis sociais a eles atibuídos (VAN LEEUWEN, 2008), que podem ser de sujeitos
subjulgados quando é feita uma representação associada a uma linguagem negativa ou
positiva na caracterização dos indivíduos.
Ademais, o processo de estigmatização de um membro da comunidade LGBTQIA+
também perpassa o estereótipo de homem afeminado. Segundo Darde e Morigi (2012, p. 159),
a atribuição negativa à afeminação é algo historicamente construído. “Ao considerar o ser
efeminado alguém inferior, os grupos estabelecidos como majoritários dentro da
heteronormatividade imediatamente atribuem a todos os homens homossexuais essa
característica”.
Assim, na sociedade contemporânea, em que o poder hegemônico é construído por
meio de processos de consentimento e naturalização, o conceito de representatividade é
protagonista dessa luta por inclusão, já que esta acontece quando identificamos o poder
discursivo dos sujeitos, uma vez que discursos materializados nas práticas sociais contribuem
para que se mantenha ou se subverta a ordem do discurso e relações sociais hegemônicas
opressoras (FAIRCLOUGH, 2001).
  
SULBATERNIDADE NO JORNALISMO
            O jornalismo, intrínseco ao processo de comunicar, é um elemento fundamental da
organização social. Temer (2014) reflete que a imprensa é a porta-voz da democracia, do
progresso e da cidadania. O jornalista, como principal agente desse processo, entra em contato
com diferentes vivências todos os dias e, a partir disso, delimita espaços que serão integrados
na construção da informação. 
            Rozendo (2012) explica que, embora alguns atores sociais, como as minorias sociais,
não componham as manchetes televisivas ou as capas dos jornais impressos, isso não significa
que essas minorias não façam parte da realidade social. Contudo isso é sintomático de
movimentos discursivos em prol de manutenção de projetos de poder, como nos casos do
patriarcado e da heteronormatividade, principalmente porque o espaço midiático é um campo
no qual o sujeito que fala é, ao mesmo tempo, aquele que pode corroborar os fatos, assim
como aquele que pode produzir a sua verdade e submetê-la à realidade, pelo poder que exerce
na sociedade (NAVARRO, 2010). 
            Sodré (2005) explica que os grupos sociais compostos por minorias não têm direito à
voz no espaço tradicional. Mulheres, negros e a comunidade LGBTQIA+, tidos como
minorias, trabalham contra-hegemonicamente na mídia alternativa. Ainda assim, o grande
desafio continua sendo o de inserir as minorias na imprensa como um todo, democratizando
os espaços. 
            Santana (2018), ao estudar a comunidade LGBTQIA+ como pauta em jornais da
Bahia, observou que o enquadramento dado a um acontecimento é fechado, de modo que não
se deixa espaço para refletir sobre aspectos outros que não os noticiados. Ademais, a
comunidade LGBTQIA+ não tem lugar de fala, sendo silenciada dentro das condições
subalternas a que está submetida. 
O conceito de subalternidade é compreendido como o daquele que está na contramão
da hegemonia, vivendo no seio da invisibilidade dentro de estruturas estabelecidas na
sociedade contemporânea. “São os historicamente oprimidos pelo sistema ‘normatizador’. Na
prática aplicada ao mundo ocidental, a subalternidade é ocupada principalmente por mulheres,
negros pobres e LGBT” (SANTANA, 2018, p. 29). 
Assim, os estudos das subalternidades associam-se a movimentos de democratização,
uma vez que é crucial prever a proteção de grupos sociais enfraquecidos e a promoção de
canais efetivos de expressão política que inviabilizem a dominação opressora de grupos mais
poderosos. Essa luta se trava também no âmbito do discurso, no qual a imprensa ocupa um
papel de destaque no surgimento e na manutenção de regimes democráticos e na contestação
de representações hegemônicas opressoras.
Analisando a cobertura das eleições presidenciais de 2014, Santana (2018) identificou
que assuntos como a criminalização da homofobia e a identidade de gênero foram pautas
entre os presidenciáveis e, consequentemente, das matérias jornalísticas. Contudo, o corpo das
reportagens era construído com duas vozes, a do jornalista e a fala de uma representação
política. Esse contexto possibilita a reflexão sobre como os enquadramentos do acontecimento
noticioso podem silenciar a voz da comunidade LGBTQIA+ na cobertura jornalística.
Orientado pelas ponderações de Foucault (2014), Santana (2018, p. 28) analisa que o
discurso se manifesta na forma de um acontecimento e, por isso, há a necessidade de olhar
para os diversos enunciados presentes nesse discurso, a fim de compreender os caminhos da
prática discursiva. No jornalismo, enquadramentos e perspectivas podem ser colocados em
segundo plano, deixando de considerar o que está além do que foi noticiado. Assim, quando
não há voz da comunidade LGBTQIA+ em uma pauta relacionada a ela, o jornalismo está
subalternizando a relevância da comunidade.
Contexto semelhante foi econtrado por Jeronimo (2019), que ao analisar a
representação da comunidade LGBTQIA+ na cobertura do Jornal O Povo nas eleições
presidenciais de 2018, observou que os temas mias frequentes na seleção das noticias marcam
a afirmação ou negação do reconhecimento dos membros da comunidade. Além disso, o
pesquisador identifica que:

[...] hegemonicamente a representação das LGBTI+ no material tende a


apresentar esse grupo pelo viés do não reconhecimento da luta pelo direito à
igualdade, haja vista que o discurso sobre essa comunidade, como vimos,
fica boa parte das vezes concentrado nas declarações dos que rejeitam a
humanidade do povo queer (JERONIMO, 2019, p. 10).

Ademias, o modo como um jornal lida com os locais de fala gera a invisibilidade e/ou
o silenciamento de sujeitos e a perpetuação dos espaços de privilégios. Contribuem para essa
prática o controle editorial regido por interesses políticos e ecônomicos que colocam a
imprensa no papel de produtora de discursos, cujos sujeitos são posicionados conforme os
interesses de grupos específicos (FAIRCLOUGH, 2001). Assim, por exemplo, o campo
ideológico de uma redação jornalística pode validar o discurso de anormalidade para a
comunidade LGBTQIA+, principalmente se pensarmos nos modelos de represetnação
hegemônicos e as construções identitárias já descritos neste estudo.
Uma forma de problematizar essas questões é analisar os discursos veiculados pela
imprensa e suas representações, pois se a comunidade LGBTQIA+ for apresentada apenas por
meio de enunciadores externos a ela, os fatos ali apresentados são meramente noticiosos, sem
potencializada para gerar reflexões sobre suas implicações sociais, por exemplo. 

METODOLOGIA

Esta pesquisa se dedica ao estudo da representação discursiva da comunidade


LGBTQIA+ em jornais impressos do Maranhão, uma vez que essa representação é percebida
como um problema sociodiscursivo (RAMALHO; RESENDE, 2011) que merece ser
analisado através de estudos voltados para a linguagem e questões sociais, como é o caso da
Análise de Discurso Crítica (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999; FAIRCLOUGH, 2001;
RAMALHO; RESENDE, 2011).
            Nessa abordagem teórico-metodológica de estudos do discurso, a linguagem é
compreendida como elemento de práticas sociais3 e os textos são a base da análise, pois são
compreendidos como artefatos por meio dos quais podemos investigar os valores, as
ideologias e os contextos sócio-históricos ligados ao funcionamento das práticas sociais em
que se inserem (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 22-23).
Nesta investigação, como os documentos a serem utilizados como fonte de dados
sobre a prática estudada, selecionamos textos de dois jornais impressos do estado do
Maranhão: o jornal O Estado do Maranhão, que nasceu em 01 de maio de 1959, com a
proposta de trabalhar em prol do serviço da verdade e tornou-se o jornal com a maior
circulação no estado atualmente (COSTA; CONCEIÇÃO, 2008); e o Jornal Extra, que
começou a circular em 27 de junho de 2004 e compoem hoje a classe dos jornais menores em
circulação no estado (CONCEIÇÃO, 2012). A escolha deveu-se a percepção de que, em meio

3
Práticas sociais são: “maneiras recorrentes, situadas temporal e espacialmente, pelas quais agimos e
interagimos no mundo” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 21).
a diversas transformações comunicacionais, o impresso reflete a tradicionalidade do
jornalismo e, consequentemente, a credibilidade da informação. 
            As matérias selecionadas apresentam a comunidade LGBTQIA+ e/ou seus membros
como sujeito principal do discurso, ou àquele/a para quem o discurso fora direcionado. Além
desse critério, os jornais deveriam estar disponíveis em repositório da Internet para que os
textos pudessem ser acessados e salvos para posterior análise. A coleta do material que
compõe o corpus da pesquisa compreendeu o período de 2017 e 2018. O recorte temporal de
dois anos foi escolhido com o objetivo de compreender como a linguagem jornalística pode
sofrer alterações de um período para outro.
Para orientar o processo de identificação das matérias, foi criado um conjunto de
palavras-chave: 37 termos – conforme o Quadro 1 – que foram selecionados segundo o
Manual de Comunicação LGBT (2010), compreendendo terminologias características da
comunidade, além de palavras utilizadas para denotar estereótipos e preconceitos de gênero. 
 

Quadro 1 – Palavras-chave para identificação das matérias

“LGBT”, “Gls”, “Gay”, “Homossexualidade”, “Homossexual”, “Bissexualidade”,


“Bissexual”, “Homoafetivo”, “Intersexual”, “Lésbica”, “Transsexual”, “Travesti”,
“Transgênero”, “Drag Queen”, “Pansexual”, “Gênero Fluido”, “Assexual”, “Orientação
Sexual”. “Sair do Armário”, “Aidético”, “Homofobia”, “Homossexualismo”, “Opção
Sexual”, “Sapatão”, “Veado”, “Viado”, “Viadinho”, “Baitola”, “Boiola”, “Gilete”,
“Homofobia”, “Lesbofobia”, “Transfobia”, “LGBTfobia”, “Traveco”, “Queima Rosca”,
“Marica”.

Fonte: Elaborado pelos autores com base no Manual de Comunicação LGBT (2019).

Todas as matérias fora m registradas por meio de print e armazenadas em nuvem com
conteúdo completo. As matérias são nomeadas com um código composto por uma indicação
de data – dia, mês e ano –, editoria, título da notícia e palavra-chave. Exemplo: 26.01.2017 –
POLÍCIA – Jovem é preso por tentativa de homicídio em Humberto de Campos –
Homofobia.
  No primeiro levantamento, foram obtidas 79 matérias no Jornal Extra e 232 no Jornal
O Estado do Maranhão. Elas puderam ser agrupadas nas seguintes categorias/editorias:
coluna, editorial, política, polícia, geral, economia, televisão, alternativo e mundo. De total,
foram selecionadas quatro (04) reportagens representativas de cada periódico, totalizando oito
(08) textos, organizados conforma a data de publicação, sendo as matérias 01, 02, 03 e 04
referentes ao Jornal Extra e as Matérias 05, 06, 07 e 08 referentes ao O Estado do Maranhão,
conforme Quadro 2. Essa seleção não prejudica a análise, pois são representativas das marcas
discursivas dos jornais, que se mantêm, ainda que veladas, em todas as suas linhas editoriais.

Quadro 02 – Matérias selecioadas no Jornal Extra e O Estado do Maranhão

DATA DA
TEXTO TÍTULO EDITORIA CONTEÚDO
PUBLICAÇÃO

JORNAL EXTRA

Acordo estabelecido entre países


Tribunal Mundial dos
que compõem o Tribunal Mundial
Matéria Direitos Humanos não
Política 10/06/2017 dos Direitos Humanos, que não
01 reconhece casamento
reconhece o casamento
de boiolas
homoafetivo.

Mais uma bicha velha Namoro do cantor Lulu Santos com


Matéria
incubada sai do Televisão 27/07/2017 o especialista em sistemas da
02
armário informação, Clebson Teixeira.

Hormônios masculinos Processo de transição do Homem


Matéria
fazem “Seu Thammy” Televisão 27/07/2018 Transexual, Thammy Miranda,
03
perder os cabelos filho da cantora e atriz, Gretchen.

Atentando que ocorreu com o até


Gay roda a baiana e então candidato à presidência da
Matéria tentar (sic!) leva facada república, Jair Bolsonaro, ao levar
Política 07/09/2018
04 durante ato de uma facada em um evento político
campanha na cidade de Juiz de Fora – Minas
Gerais (MG).

O ESTADO DO MARANHÃO

Editorial apresenta os números


positivos da 21ª Parada Gay em
Matéria Um domingo colorido
Opinião 17/06/2017 São Paulo, evidenciando o
05 de direitos
potencial consumo da comunidade
LGBTQIA+.

Burocracia que travestis e


Transexuais vão à transexuais precisam fazer na
Matéria
Justiça para alterar Cidades 30/09/2017 justiça do Maranhão para
06
nome e gênero conseguiram a alteração do nome
no registro de nascimento.
Questionamento sobre os
posicionamentos em favor da
Matéria Ideologia de gênero:
Opinião 23/01/2018 diversidade de expressão de gênero
07 entre o ser e o vir a ser
relacionando-os ao conceito de
ideologia de gênero.

Ambulatório de Serviços oferecidos pelo Hospital


Matéria sexualidade atende Dom/ Universitário (HU-UFMA), entre
03/02/2018
08 pessoas em transição Comportamento eles a terapia hormonal e o
de gênero acompanhamento psicológico.

Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

A REPRESENTAÇÃO DE ATORES SOCIAIS DA COMUNIDADE LGBTQIA+ NO


JORNALISMO IMPRESSO

Os discursos são socialmente constituídos dialéticamente entre práticas sociais e textos


(FAIRCLOUGH, 2001; RAMALHO; RESENDE, 2011) e, na Análise de Discuso Crítica,
podem ser investigados por meio de categorias associadas aos significados: acional,
representacional e identificacional (FAIRCLOUGH, 2003), que se referem respectivamente a
maneiras de (inter) agir; de representar; de identificar (-se) em práticas sociais.
Para a análise proposta nesta investigação, utilizamos a categoria de significado
representacional. Por meio dela, analisamos a produção de sentidos sobre a comunidade
LGBTQIA+, por meio da representação dos sujeitos da comunidade LGBTQIA+ como atores
sociais (VAN LEEUWEN, 2008), a partir dos mecanismos de inserção desses atores nos
textos.
Observamos que a inclusão é feita principalmente pela utilização de escolhas lexicais
que buscam identificar a identidade de gênero dos sujeitos. Os termos utilizados nesse sentido
estão descritos na tabela abaixo.

Tabela 1 – Palavras que identificam a identidade de gênero dos atores sociais


EXTRA O ESTADO DO MARANHÃO
Matéria 01: Gays, boiolas e Matéria 05: Gay, travestis, LGBTs,
homossexual homossexuais e transgêneros
Matéria 02: Bicha, viado, homossexual, Matéria 06: Transexuais, travestis.
gays.
Matéria 03: Ex-mulher e transgênero Matéria 07: Homem, mulher
Matéria 04: Gay Matéria 08: Pessoas em transição de gênero,
transgênero, homossexuais e LGBT
Fonte: Elaborado pelos autores (2019).

No processo de representação, o jornal Extra faz escolhas de termos que, em sua


maioria, representam os sujeitos de forma pejorativa, identificando negativamente a
orientação sexual das pessoas citadas. Dentre esses termos, podemos destacar bicha e boiola,
os quais podem ser usados até mesmo como xingamentos pelos usuários da língua.
Quase sempre, ao serem citados nas matérias, os membros da comunidade
LGBTQIA+ são incluídos por nominalização, posto que são citados os seus nomes nos textos,
como ilustrado na Matéria 02: “A família de Clebson Teixeira foi pega de surpresa com a
notícia de que o rapaz é o novo namorado de Lulu Santos. O especialista em sistemas da
informação é abertamente homossexual para os parentes, mas ninguém esperava a entrada de
um famoso para o grupo” (EXTRA, Televisão. 2017, grifos nossos).
Algo semelhante acontece na Matéria 06, em que o autor nomeia a fonte do texto que
representa a comunidade LGBTQIA+, e na Matéria 08, na qual é citado nominalmente o
sujeito que busca atendimento na rede pública de saúde: “A presidente da Associação
Maranhense de Travestis e Transexuais, Andressa Sheron Dutra, que também pediu a
alteração do seu nome e gênero para o feminino, disse que quase todos os associados desejam
fazer essa mudança também” (O ESTADO DO MARANHÃO, Cidades. 2017); e “Jhefferson
Felipe ressalta que fazer o acompanhamento no HU-UFMA lhe trouxe a segurança de que
precisava para dar um novo rumo a sua vida” (O ESTADO DO MARANHÃO,
Comportamento. 2018).
Além disso, percebemos que, na Matéria 2 e na Matéria 6, houve a categorização por
funcionalização dos indivíduos, destacando sua profissão, atividade ou ocupação (VAN
LEEUWEN, 2008). Nas representações designadas a Clebson Teixeira e Lulu Santos, ambos
são categorizados por funcionalização, posto que este é apresentado como “famoso artista” e
“cantor”; e aquele como “especialista em sistemas da informação”.
Contudo, somente Clebson Teixeira é identificado como homossexual: “O especialista
em sistemas da informação é abertamente homossexual para os parentes”. O leitor infere que
essa identificação se estende a Lulu Santos por meio da representação relacional feita para os
dois, que são representados como “namorados”: “o rapaz é o novo namorado de Lulu
Santos”. A representação por nomeação e por identificação relacional (VAN LEEUWEN,
2008) também aparece na Matéria 03, ao afirmar: “Uma foto postada por Thammy Miranda
nas redes sociais durante um jantar com namorada e amigas está chamando a atenção dos
internautas”.
A representação relacional que identifica os atores como “namorados” aponta uma
aceitação desse tipo relacionamento homoafetivo, o que não acontece quando se trata do
casamento. Tanto no Extra, quanto no O Estado do Maranhão, aparecem trechos que
problematizam o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na Matéria 01, afirma-se que:
“não existe direito ao casamento homossexual” e que “a noção de família [...] só contempla o
conceito tradicional de casamento, ou seja, a união de um homem e uma mulher” (EXTRA,
Política, 2017). Já na Matéria 06, mesmo de forma geral, é apontado que a Lei que trata dos
registros de casamento não prevê o caso de transexuais e travestis: “Marcelo Oka explicou
que a Lei n° 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos) disciplina as normas gerais para o registro
de nascimento, casamento e óbito, trata dos casos de retificações, restaurações e suprimentos
no registro civil, mas não prevê o caso dos transexuais e travestis” (O ESTADO DO
MARANHÃO, Cidades, 2017).
Percebemos, de modo geral, que as matérias possuem personagens que são
representados como sujeitos individualizados, pela citação de seus nomes, e categorizados por
funcionalização por suas profissões e espaços de atuação social e por identificação
relacionanal com seus parceiros. Segundo Van Leeuwen (1997, p. 200), a imprensa usa a
nomeação e mesmo a categorização para representar os atores sociais por meio de identidade
única, dando-lhes centralidade na narrativa e tornando-os pontos de identificação para o/a
leitor/a.
Segundo Rechetnicou e Lima (2019), a nomeação, a categorização e a generalização
podem ser consideradas componentes comuns em gêneros jornalísticos e em nosso corpus
isso se confirmou, pois, além da inclusão por nomeação e categorização, os membros da
comunidade LGBTQIA+ são quase sempre representados por meio da genericização. Nesse
tipo de representação, são apagadas as especificidades de cada sujeito e destacada a
classificação do grupo social a que ele é relacionado (VAN LEEUWEN, 2008), no caso um
grupo que expressa determinada orientação sexual. Essa representação funciona
ideologicamente por meio do apagamento das diferenças (THOMPSON, 2011) dos vários
sujeitos que compõem a comunidade, homogeneizando-os e unificando-os, posto que a
representação elabora para os indivíduos uma identidade coletiva, na qual se desconsideram
as diferenças dos sujeitos.
Ademais, nessa represensentação por genericização, a comunidade, muitas vezes,
ainda é representada como um grupo homogêneo a partir dos “gays”, apenas um grupo dentro
do todo. Um destaque que traz questões relacionadas à hegemonia masculina em nossa
sociedade, posto que essa designação apaga os membros não homens do grupo. Assim, temos
ainda a utilização de nomenclaturas como: Parada Gay e Movimento Gay. Com isso, temos
uma exclusão de integrantes dentro da própria representação da comunidade, ou seja,
poderíamos afirmar que não há representação de todos os membros LGBTQIA+, ou mais, que
há um apagamento de seus membros identificados com o gênero feminino. Apenas a
expressão “ex-mulher” na Matéria 02 e “as travestis” (às vezes, os travestis) trazem essa
representação no conjunto de textos analisados.
A hegemonia masculina pode ser percebida ainda na alternância da determinação de
gênero do termo “travestis”, que ora aparece determinado como “as travestis”, ora como “os
travestis”. A correta grafia, segundo o entendimento do que seria uma travesti, é a travesti.
Assim, esse “erro de concordância” pode ser associado à visão normativa do sexo biológico,
que designa o gênero masculino ao indivíduo. Além disso, notamos a força da divisão do
mundo em homens e mulheres, referência que se sobrepõe em qualquer designação e se apoia
em visões biológicas da determinação de sexo, não dando espaço para a construção social de
gênero, nem para os sujeitos que escapam essa binariedade, excluindo-os da representação por
meio de seu apagamento nas construções textuais apresentadas.
No texto da Matéria 07, o autor argumenta a favor da impossibilidade de escapar à
binaridade do ser homem e ser mulher e, para inculcar sua representação, valores e crenças
(FAIRCLOUGH, 2001), convoca o discurso da biologia naturalista, elencando aspectos
anatômicos dos corpos como evidências de uma determinação biológica da sexualidade, como
por ser visto no recorte a seguir:

1º. Nenhum homem da face da terra, mesmo que se submeta a uma cirurgia para
substituir o pênis por uma vagina, isto porque decidiu agora tonar-se mulher, nunca
vai ovular e saber que significa uma TPM; nunca vai parir e saber que é sentir a
dor de um parto. E não o vai, porque lhe são inexistentes o útero e as trompas de
falópio.
2º. Nenhuma mulher da face da terra, mesmo que se submeta a uma cirurgia para
tirar os seios e substituir a vagina por um pênis (e aqui não faço a mínima ideia de
tal engenharia!), isto porque decidiu ficar homem, nunca vai produzir
espermatozoides. E não o vai, porque lhe são inexistentes a próstata e os
testículos.
3º. Nunca o orgasmo da mulher será como o orgasmo do homem, assim como o
orgasmo do homem nunca será como o orgasmo da mulher. Com efeito, o orgasmo
do homem será sempre um orgasmo másculo, porque o homem ejacula em forma de
jato. O orgasmo da mulher será sempre um orgasmo feminino, idêntico à sua
natureza íntima e discreta.
4º. A nenhum homem da face da terra, mesmo que se submeta a uma cirurgia para
substituir o pênis por uma vagina, isto porque decidiu agora tonar-se mulher, fará
sentindo marcar uma consulta ginecológica para fazer o exame de prevenção. Pois
como se poderá diagnosticar se está ou não com mioma, inflamação, corrimento,
se o aparato gerador não lhe é inerente?
5º. A nenhuma mulher da face da terra, mesmo que se submeta a uma cirurgia para
tirar os seios e substituir a vagina por um pênis (e aqui não faço a mínima ideia de
tal engenharia!), isto porque decidiu ficar homem, fará sentido marcar uma consulta
com o urologista para fazer o exame de próstata. Pois como se poderá diagnosticar
se está ou não com a próstata alterada se este aparato produtor não lhe é inerente? (O
ESTADO DO MARANHÃO, Opinião. 2018).

Nos trechos destacados da Matéria 07, o autor tenta reafirmar as identidades do ser
homem e do ser mulher, marcando diferenças, para ele permanentes. Ele procura, portanto,
reafirmar essas identidades por “por meio da marcação de diferenças que levam a um
processo de inclusão ou exclusão” (ALVES, 2017, p. 119), pois ao determinar o que alguém
é, estamos simultaneamente dizendo o que não é, e isso se traduz em afirmações sobre “quem
pertence e sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e sobre quem está excluído”
(SILVA, 2000, p. 82) na sociedade e em suas práticas, legitimando uns e deslegitimando
outros.
Assim, a exemplo do que ocorre no texto da matéria, apenas são incluídos homens e
mulheres, excluindo da representação os demais sujeitos e suas diversas construções
identitária de gênero. Contudo, eles não são suprimidos do texto, apenas colocados em
segundo plano (VAN LEEUWEN, 2008), pois a exclusão assim construída deixa vestígios ao
criar espaço para pensar em quais atores sociais estão sendo negados nessa argumentação, ou
seja, mesmo não mencionado aos atores sociais da comunidade LGBTQIA+, o/a leitor/a pode
inferir quem eles são.
Associado aos atores sociais da comunidade LGBTQIA+, também são incluídos nos
textos outros atores, dentre eles podemos destacar aqueles identificados como homofóbicos e
preconceituosos – comportamentos que parecem ser julgados negativamente no texto da
Matéria 02, que diz: “Ninguém quer ser tachado de homofóbico” e “Os preconceituosos
tentam se disfarçar”. Até mesmo o Estado e suas instituições são representados em uma
posição de rejeição ou negação da comunidade LGBTQIA+ e seus membros, como ocorre na
Matéria 01 que cita: “Quanto ao princípio da não-discriminação, o Tribunal também
acrescentou que não existe qualquer discriminação, já que os Estados são livres de (sic!)
reservar o casamento apenas a casais heterossexuais”, levando à interpretação de que os
países têm poder para impedir essas uniões.
Algumas identificações, contudo, apontam aspectos positivos da comunidade como no
caso da Matéria 05, como “o colorido”, “a festa”, “o brilho”, normalmente associados à
comunidade. Porém, infelizmente, em nossa análise, essa foi uma representação pontual, pois
a representação da comunidade tende a uma busca de neutralidade como no uso de
generalizações como “pessoas do mesmo sexo” e “usuário transgêneros”, mas acaba
prevalecendo um tom de reprovação, ou seja, construída por identificações depreciativas com
o uso de palavras como “boiola”, “bicha velha” e com afirmações como “gays não podem dar
mais o anel”, ou “movimentos gays de todo país vão ter que rebolar, para reverter essa
decisão do Tribunal Mundial dos Direitos Humanos”; ou ainda, na negação da “ideologia de
gênero”, identificada como: “força ideológica [que] obscurece” e que representa uma
“escuridão recalcitrante”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho se caracterizou pelo interesse em analisar a produção de sentidos sobre a


comunidade LGBTQIA+, por meio da sua representação social como pauta nos jornais
impressos O Estado do Maranhão e Jornal Extra, uma vez que o discurso jornalístico pode se
tornar um instrumento de manutenção, propagação e transformação das relações de poder
entre os atores sociais representados nos seus textos.
Com a análise da representação dos atores sociais na perspectiva da Análise de
Discurso Crítica (FAIRCLOUGH, 2001; 2003), com base nos aportes da Teoria da
Representação dos Atores Sociais (VAN LEEUWEN, 2008), verificamos que as matérias
possuem atores representados como sujeitos individualizados por meio de nominação ou
mesmo por sua categorização por funcionalização e relação identificacional, seguindo a
prática da representação dos textos jornalísticos (RECHETNICOU; LIMA, 2019). Contudo,
apensar de a comunidade LGBTQIA+ não ser representada apenas como um grupo, mas
como membros individualizados, percebemos que, quando há representação por
generalização, a figura da comunidade é centrada nos gays, ou direcionada linguisticamente
para o masculino. Esse processo favorece o apagamento das outras personas cujos grupos
estão representados na sigla, assim como promove e se apropria da hegemonia masculina na
sociedade. A exclusão também é percebida em representações que, para negar a diversidade
de gênero existente em nossa sociedade, colocam todos os sujeitos associados a elas em
representação em segundo plano.
Por fim, esperamos que os achados desta pesquisa possam contribuir para o
desenvolvimento de estudos do discurso jornalístico voltado à comunidade LGBTQIA+, bem
como em relação às demais minorias. Nesse sentido, acreditamos que o presente estudo possa
ser parte de discussões acadêmicas profundas e, quem sabe, formulações éticas mais sensíveis
e preocupadas com o jornalismo que incluí e não discrimina.

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