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referência As palavras e as pedras

De Architectura I, 2: o preceituário da boa


arquitetura*

Mário Henrique Simão D’Agostino


Doutor em História da Arquitetura, professor da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP), Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da USP, Rua do Lago 876, Cidade
Universitária, CEP 05508-900, São Paulo, SP, Brasil, (11) 3091-
4553, marioagostino@uol.com.br

O De Architectura de Vitrúvio, único supérstite


dentre muitos escritos sobre arquitetura de que
No entanto, as expectativas de colhermos no
tratado romano um testemunho fiel do modo
somos apenas informados pelo autor (VII, Praef.), como a simetria se vincula a preceitos mais
*
O presente texto correspon- afigura-se a nós como uma sorte de «lente» -velha operativos, peculiares à consecução da beleza na
de ao terceiro capítulo da Tese
e opaca, a bem dizer-, pela qual procuramos ars aedificatoria, cedo se dissipam. A exposição
de Livre-Docência de Mário
Henrique Simão D’Agostino vislumbrar algo dos praecepta a que assistiram os do autor, sobretudo aquela reservada ao livro
“A Beleza e o Mármore. O
gregos em seus acumes, clássicos e helenísticos. prólogo (I, 2), alimenta, desde o Renascimento,
Tratado de Arquitetura de
Vitrúvio e o Renascimento”, Redigido em outro momento e lugar, o aparato inflamadas diatribes. À luz das recentes exegeses
(FAU-USP, 2007).
de vocábulos que lhe serve de parâmetro, flores do escrito antigo, objetiva-se aqui sopesar as
da Hélade, contrapõe-se, como lastima reiteradas invectivas lançadas contra Vitrúvio -amiúde contra a
vezes o arquiteto, a um cotidiano de práticas preceptística «abstrusa» ligada à simetria clássica-,
edilícias e de valores deveras distinto dos então bem como seus contributos aos esforços de
emulados. O apreço pelo léxico helênico e os teorização da arte no ocidente moderno.
ajustes realizados entre o latim e o grego -com
a infinitude de obstáculos postos à assimilação 1. Symmetria e Eurythmia
almejada-, não impedem o leitor de reconhecer, no
elenco dos preceitos fundamentais, a prevalência Primeira e principal definição, embora quarta
de uma noção que, por muitas sendas, apresenta- na seqüência expositiva dos requisitos da
se como o princípio maior da «sempiterna beleza» arquitetura,
dos antigos.
«a simetria consiste na concordância harmônica dos
Listado entre as seis partes constitutivas da membros da obra entre si, e na correspondência
arquitetura, o preceito da simetria (συμμετρία, entre as partes singularmente tomadas e a
em grego; mantida no latim, symmetria) adquire configuração total, sob a base de uma [parte]
autoridade indelével pelo aval dos maiores. Duas calculada como módulo». (1997, De Arch., I, 2,
referências: Platão, no Timeu, esquadrinha a 4, pp. 27-9)
ordem harmônica do universo, detalhando suas
correspondências analógicas e números divinos; As dificuldades começam ao esquadrinhar o
n’A república (VII, 529e-530a-b), o filósofo adverte campo semântico e operativo dos preceitos de
que a verdadeira simetria não se encontra neste simetria e proporção. Silvio Ferri (1960) observou
mundo, mas descende do supraceleste. Aristóteles que a introdução dos vocábulos gregos symmetría
a ela também faz referência nos Tópicos (116b21), e analogía no orbe cultural (e no canteiro de
anotando que «a beleza parece ser uma certa obras) de Roma deveu-se sobretudo a Cícero e
simetria dos membros»; na Ética a Nicômaco Varrão, e a eles, igualmente, a confusão que tal
(1106b8-12) memora que o artista em sua obra terminologia veio a adquirir desde então. Autor
visa ao ìÝóïí, ao «meio-termo» proporcionador dos Disciplinarum libri, com um volume destinado
da harmonia. ao estudo da arquitetura, Terêncio Varrão foi uma

8 2[2008 revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo programa de pós-graduação do departamento de arquitetura e urbanismo eesc-usp
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das principais referências para Vitrúvio, como relata expediente não ofusca as elucidações de Ferri sobre
o arquiteto no prefácio ao Livro Sétimo de seus dez a transliteração equivocada de Cícero e sequazes,
De Architectura, lamentando raras as publicações por outro lado permite melhor dimensionar a sua
romanas sobre o tema (apenas três: a de Fufício; incompatibilidade com a matemática de Vitrúvio.
o tratado de Varrão sobre as Nove Disciplinas; e No De Architectura , a proporção assegura a
outros dois volumes de Publio Sétimo; cf. De Arch. comensurabilidade das partes entre si e com o todo,
VII, Praef., 11-14). Com respeito ao conceito de afere-se pela subordinação das medidas do edifício
analogia, Varrão reitera o proposto por Cícero em a uma mesma unidade, por conseguinte, «responde
sua tradução do Timeu de Platão (De Universo, a uma concepção totalmente diferente do termo
4), igualando a palavra grega ἀναλογία à latina ἀναλογία»; a clivagem de sentido não afeta,
proportio. No original -Ferri esclarece- o filósofo porém, a urdidura lógica da preceptística vitruviana.
grego sempre relaciona o termo a subdivisões de «Naquela que é a perspectiva de Vitrúvio», observa
partes (μέρος, μοιρα, μερίζω etc.), com o propósito Gros, «a iniciativa mostra-se muito menos ruinosa
de ressaltar a «condição de coesão e de vínculo do que a deixa entender Silvio Ferri, pois a palavra
entre 3 ou 4 partes (Platão, Tim. 31c, 32c, 37a)», portio, designando a parte determinada de um
sua correspondência e semelhança; na tradução, todo, pode muito bem entrar na composição de um
porém, Cícero «faz dos dois conceitos (subdivisão termo que evoca somente uma relação proporcional
e semelhança) uma só palavra latina, que quiçá sem recorrência analógica» (Gros, 1990b, Vitruve
lhe parece mais feliz: “...id optime assequitur III, 1, 1, n. 3, p. 59).
quae graece ἀναλογία latine... comparatio
proportione dici potest”. E acrescenta que foi sua Os distanciamentos com relação ao pensamento
a inovação». grego não param aí. No Livro Terceiro, ao discorrer
sobre o princípio da symmetria visado nos templos,
Nessa linha, também Varrão (Ling. X, 1-2 e 37) o arquiteto observa: «essa [simetria] nasce da
traduz ἀναλογία por proportio, justificando-a proporção, que em grego se diz ἀναλογία. A
pela equivalência entre λόγος e ratio , termo proporção é a comensurabilidade sob a base
considerado pelos significados de valor, cômputo de uma determinada unidade (rata pars)» (De
etc.. «Isto não é exato?», indaga Ferri, argüindo: Arch., III, 1, 1). Como ajuíza Antonio Corso, nessa
«não parece ser; uma coisa é “ratio” e outra passagem sobre a determinação do módulo, a
“portio”. Este último termo significa “parte, indicação da rata pars reporta-se provavelmente
subdivisão” [...] Porém ἀνά λόγον vale como à expressão grega τò ‘ρετός μέρος, fato com
“segundo o respectivo valor”; depois, tornando-se implicações relevantes, pois se méros designa a
adjetivo, ἀνάλογος vale fundamentalmente como «medida de base ou módulo», rhetós corresponde
“similar”, e daqui o abstrato ἀναλογία “semelhança, a «racional», denotando tratar-se de um número
correspondência”» (Ferri, 2002, III, 1, n. 1, pp. inteiro. «A tradução de rhetós por ratus», ultima
164-5). Com toda evidência, a noção de proporção Corso, «muda em parte o conceito expresso, pois
possui menor envergadura semântica do que a privilegia a noção de que tal medida é aquela
de vínculo, semelhança, correspondência entre “determinada” ou “estabelecida”, enquanto
termos. Compreendendo os domínios quantitativo rhetós expressa que essa corresponde a um número
e qualitativo, a ἀναλογία assim concebida também inteiro e racional» (1997, De Arch., III, I, 1, n. 29,
poderia convir, na atribuição dos predicados, aos p. 274). Seguindo o viés interpretativo da Quinta
preceitos da eurythmia e do decor, responsáveis Academia, de Cícero e Varrão, e desobrigando a
pelo aspecto harmônico, pela concordância visual e proportio da observância dos números inteiros,
conveniência entre as partes e o todo. Vitrúvio perdurará como autoridade não apenas
para os que pretensamente o redescobriram na
Pierre Gros detém-se na passagem do Timeu (31c e aurora dos tempos modernos, mas no curso de
32c) supracitada, reiterando a ênfase matemática: toda a Idade Média, fascinada pelos números
trata-se de apreender uma cadeia de relações em irracionais e pela seção áurea.
progressão, na qual os elementos guardam a mesma
relação entre si, o que só pode ser verificado em, no Embora não se beneficie de um correlato latino,
mínimo, três termos. Se o primado quantitativo do como atesta Plínio em sua História Natural (N.H.,

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34, 65), a simetria grega (συμμετρία) terá uma entre unidade métrica e componente arquitetônica
sorte diversa à da analogia. Vitrúvio, sob o guia (diâmetro do imoscapo, tríglifo etc.) influi tanto
dos Glossários (conforme Ferri), fornece-nos uma no aperfeiçoamento da sintaxe modular como na
tradução com o termo commodulatio (modicus coesão da eurythmia do edifício.
metrius: com-modus sym-metros; commoditas
symmetria; cf. sobretudo De Arch. I, 2, 2; II, 1, 1; III, Na plêiade dos conceitos fundamentais da arquitetura,
1, 1). «Os dois termos, o grego (symmetría) e o latino simetria e eurritmia perfazem um círculo:
(commodulatio)», comenta Gros (1997, p. LIV), «são
construídos sob o mesmo esquema e têm o mesmo «A eurritmia consiste no belo aspecto e na visão
valor semântico, pois modus é um equivalente harmônica oferecida pela composição dos membros.
correto de métron». Todavia, o historiador observa Essa se realiza quando os membros da obra convêm
que a comensuração, em Vitrúvio, não se pauta pelo entre altura e largura, largura e comprimento, e, em
estabelecimento do módulo como um componente suma, todos respondem às suas simetrias.» (1997,
identificável da obra (diâmetro de base, capitel ou De Arch., I, 2, 3, p. 27)
outro elemento), adquirindo muita vez um aspecto
abstrato na definição de proporcionalidade entre Breve retrospecto. No período arcaico, a percepção
as partes; mais, as relações modulares «preexistem do ritmo, da matemática das ordenações não se
aos próprios edifícios» (id., p. LVIII). Silvio Ferri desprende das peças do edifício. Nos templos dóricos,
(2002, III, 1, n. 1, 1) havia igualmente alertado: sabe-se, a escansão regular de tríglifo e métopa vê-se
«lá onde é claro e notório também aos antigos comprometida por problemas estruturais advindos
[...] que a teorética da simetria veio se formando, da transposição na pedra do simulacro lígneo da
pouco a pouco, juntamente com o desenvolver-se construção - o bom ritmo do entablamento impõe,
funcional dos edifícios, e que se tornou ciência como contraparte, alterações no espaçamento
1
Sobre o «conflito angular» no dia em que, de uma estrutura funcional e rítmico das colunas de ângulo1. Operando unidades
dos templos dóricos, limito-
natural, passou a uma estrutura em material «abstratas», a symmetría do período clássico permite
me aqui a remeter ao estudo
de Gottfried Gruben sobre diverso, devendo manter lineamentos antigos que «uma eurythmia mais unitária pela onipresença do
“Il Tempio”, in Settis (1996,
não eram mais cônsonos com os novos materiais; “número”», mas, adverte Ferri (2002, I, 2, n. 1-ss.,
tomo II, vol. 1, p. 413).
Vitrúvio parece crer que todos os arquitetos e em p. 109), entre os dois preceitos não há relação causal
todos os tempos começaram a fabricação com os direta. «Vitrúvio mescla os dois conceitos e chega a
cálculos». Se o caráter abstrato - ou, se se quiser, dizer que quando uma estrutura é “comensurada”
a «mística dos números» - da estética clássica não também é bela, o que não é exato. Historicamente,
é apanágio exclusivo da obra mestra de Vitrúvio, no campo de todas as artes, a eurythmia é a evolução
deve a ele muito da sua consagração, quer na da simetria numérica, enquanto com a sua graça e
práxis construtiva, quer no corpus disciplinar da beleza a corrige e supera, a ponto de a primeira vir,
arquitetura. sem mais, colocada à parte» (id., n. 3, p. 116). Ligada
à visualidade, a eurritmia exacerba a distância que
A simetria não se dissocia da aferição do módulo, as especificações quantitativas da ordem harmônica
equivalha este ou não a uma peça do edifício. «Dois podem guardar da consecução da beleza, sempre
ou mais números são symmétroi», adverte Heron, a se consumar no domínio da qualidade.
«quando cada um deles é divisível exatamente pela
unidade de medida dada» (Deff., 136). Radica-se A brevidade com que Vitrúvio cuida da eurritmia
aí o termo embater, empregado por Vitrúvio em no Livro Primeiro remedeia-se, em boa medida,
paralelo a rata pars; oriundo do léxico técnico por detalhamentos posteriores. No Livro Terceiro,
grego, comporta o sentido de «o entrante» - as suas relações com a comodulação mostram-se
máximo divisor comum ou unidade métrica que menos imediatas: «deve-se sempre acrescentar ao
subsume todas as magnitudes do edifício (βατήρ, cálculo teórico uma quantidade suplementar nas
ἐμβατήρ: soleira da porta, base da estátua; ἐμβαίνω: membraturas obtidas com o sistema proporcional,
entrar em um edifício, em uma nave) (cf. Ferri, com o propósito de conservar a relação das grandezas
1960, I, 2, n. 1-ss, pp. 113-4) -, e também o de um (symmetria), quer se encontrem em posições muito
elemento arquitetônico com valor de módulo (cf. altas ou apresentem dimensões colossais» (1997,
Fleury, 1990, Vitruve I, II, 4, p. 114). Mas a disjunção De Arch., III, 5, 9, p. 259). Diferentemente do que

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afirma Ferri, para o arquiteto, os ajustes eurrítmicos tomados singularmente, e em estabelecer o conjunto
com base nas correções óticas não dão provas do das proporções aos fins da simetria.» (1997, I, 2,
rebaixamento de valor da simetria em prol das 1, p. 27).
qualidades estéticas, antes garantem a sua excelência
na esfera do visível. Não parece ser outro o significado de simetria
(cf. I, 2, 4).
Persistem, contudo, incongruências. A propalada
tautologia ou superposição de competências na Mas não convém delongar-se na ambivalência
definição dos seis preceitos fundamentais da dos termos. Nas últimas décadas, como já dito,
arquitetura parece orbitar basicamente em torno criteriosos estudos têm lançado novas luzes sobre a
das noções de symmetria e eurythmia. armação lógica da preceptística vitruviana. Quanto à
distinção entre ordinatio e dispositio, Louis Callebat,
2
Segundo o arquiteto, «a 2. Ordinatio e Dispositio reportando-se à arte oratória, adverte que, se
ordenação [...] se baseia Quintiliano mostra-se reticente sobre a pertinência
na quantidade, em grego
ποσότης. A disposição con- Para muitos, a pretensão de Vitrúvio de elucidar do binômio, o Auctor ad Herennium e Cícero, no De
siste na [...] realização da os princípios da arquitetura, amálgama de noções Oratore, assinalam com nitidez a sua dupla função na
obra em relação à qualidade
[ποιότης, não nomeada pelo florescidas em momentos históricos distintos, retórica: em uma, entram em jogo critérios de seleção
autor]» (1997, De Arch., I, malogrou por força de sua própria a-historicidade. e juízos com vistas à ordenação dos argumentos e
2, 2, p. 27). Como pondera
Júlio César Vitorino (2004, Principiando pela distinção entre quantitas e tópoi pertinentes ao tema; em outra, a disposição
pp. 107-9), os conceitos qualitas2, parelha peculiar a uma teoria da arte segundo os graus de importância, as ênfases, os
parelhos de «qualidade» e
«quantidade» remontam às tardia, já do período helenístico, o esforço de abreviamentos etc.4. «Constata-se, sobretudo»,
categorias aristotélicas (posó- compatibilizá-la a preceptivas de fases anteriores conclui o autor, «malgrado o julgamento severo
tes-poiótes), porém a palavra
qualitas, neologismo cunha- - por certo indistintamente listadas nos manuais de S. Ferri, que os equivalentes semânticos postos
do por Cícero (Academica, lexicográficos -, bem como a equivalentes latinos por Vitrúvio (ordinatio=τάξις; dispositio=διάθεσις)
22 [7,25]), não é atestada em
outro autor antes de Vitrúvio, comuns ao vocabulário da retórica, não poderia, manifestam uma escolha pertinente e lingüisticamente
e, fato inadvertido pelos estu- segundo Ferri, propiciar ao autor senão um competente» (Callebat, 1994, p. 38). Todavia, poucas
diosos, muito provavelmente
deve-se ao arquiteto a criação «emaranhado de sinônimos destacados um do são as informações do historiador sobre o alcance
do termo quantitas: «Vitrúvio outro por um delicadíssimo diafragma semântico»3. de tais preceptivas no mister do arquiteto5.
sente a necessidade de glosar
a palavra (ao contrário do que Vitrúvio:
ocorre com qualitas) e de dar No mesmo colóquio em que Callebat apresenta
o seu correspondente grego
exatamente porque é nova», «A arquitetura consiste na ordenação (ordinatio), seu Rhetorique et Architecture, Herman Geertman
argumenta o autor. Sobre em grego τάξις, na disposição (dispositio), que os traz a público um estudo inovador sobre a lógica
o emprego pertinente dos
termos e as diferenças entre Gregos chamam διάθεσιν, na eurritmia (eurythmia), de articulação dos seis «conceitos-base» da
«ordenação» e «disposição», na simetria (symmetria), na conveniência (decor) e arquitetura. Demarcando, na senda de Scranton,
v. as considerações a seguir.
na distribuição (distributio), em grego οἰκονομία.» os procedimentos projetivos e os atributos da
3
O historiador ultima: «o (1997, I, 2, 1, p. 27). construção, o autor enumera três níveis distintos
autor menos adaptado a
tal tarefa [etimológica] era
na seqüência expositiva de Vitrúvio: «a forma
Vitrúvio»; (Ferri, 2002, I, 2, Ordinatio, dispositio e distributio, como sinônimos, arquitetônica como constituição matemática; a
p.108).
podem conectar-se todos à τάξις; ainda, sendo forma arquitetônica como beleza de conteúdo e de
4
«É necessário», escreve Cí- termos ativos, remetem a expedientes técnicos, forma; a forma arquitetônica como função social»
cero, «uma vez encontrado
a ação; no elenco das preceptivas, porém, não (Geertman, 1994, p. 17). Suas hipóteses ganharam
os argumentos, não somen-
te ordenar, mas reparti-los vêm diferenciados de symmetria, eurythmia e importantes desdobramentos com os comentários
segundo os seus graus de
decor, palavras passivas que acusam um estado de Antonio Corso e Elisa Romano à edição italiana
importância e dispô-los per-
tinentemente»; De Orat., I, ou propriedade, vale dizer, qualidades estéticas da do De Architectura (1997, cf. especif. VI, n. 62-77,
31, 142; cf. Callebat (1994,
obra (Scranton, 1974; Geertman, 1993). Quanto pp. 881-92).
p. 37).
ao conteúdo, ordinatio e symmetria são, à primeira
5
Cf. as advertências de Ge- Ao argumento de Callebat sobre a pertinência dos
vista, designações diversas para noções similares,
ertman (1994, n. 31, p. 25)
ao estudo de Callebat, pau- se não coincidentes. preceitos de ordinatio e dispositio, Geertman provê
tado basicamente nas corres- perspicazes vínculos com a arquitetura. Adstrita ao
pondências entre arquitetura
e retórica. «A ordenação» - expõe Vitrúvio - «consiste em domínio da quantidade, a ordenação limita-se aos
adaptar à justa medida os elementos da obra cálculos de proporção com base em uma unidade

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determinada. Não se desvincula, por certo, da desenvolva o âmbito singular do comprimento das
atenção ao destinatário, mas aí a observância das sedes da futura implantação e, uma vez definida a
«conveniências» está longe de abraçar o conjunto sua dimensão, lhe siga a instituição das proporções
das prerrogativas do decor. A ordenação mantém-se em função da conveniência (decor), de modo que
no território abstrato das relações modulares, dos não resulte dúbia aos observadores a aparência da
tipos de composição (as species de templos, de eurritmia.» (1997, VI, 2, 5, p. 837)
fóruns, basílicas etc.), enfim, das doctrinae. Passagem
«do cálculo ao desenho», somente na dispositio a Para o dimensionamento do edifício basta uma
ideação do edifício vem a ganhar dimensões reais medida - a largura do frontispício, no caso dos
ajustadas às proporções, ou, por assim dizer, um templos, ou o comprimento dos cômodos, no dos
corpo integral. edifícios privados -; por ela, respeitadas as relações
de proporção, alça-se da icnographia à orthographia
«A disposição» - expõe Vitrúvio - «consiste na e à scaenographia (cf. Corso, 1997, VI, n. 76, pp.
apropriada colocação dos elementos e, a partir da 890-91). Depois são necessárias modificações do
sua composição, na elegante realização da obra sistema das relações de modulação. Vitrúvio não
em relação à qualidade. Os aspectos da disposição, se reporta aí àqueles ajustes propostos para a
que em grego se chamam ἰδέαι, são a icnografia, a arquitetura religiosa, à eurritmia considerada «dentro
ortografia e a cenografia.» (1997, I, 2, 2, p. 27) do conceito de simetria», pois eles são quantificados
a priori; de um plano no qual a ordo se impõe
As espécies de desenho empregadas pelo arquiteto como «exatidão de simetrias» - o «corpo perfeito»
- icnographia, orthographia e scaenographia, dos templos - passamos agora para o terreno do
respectivamente planta, elevação e «perspectiva»- imprevisível e contingente (id., VI, n. 75, p. 890; n.
evidenciam que a disposição abrange o processo 65, pp. 882-3). Na edilícia privada e alhures, para se
efetivo de ideação da obra. «[Vitrúvio] define aqui», alcançar a beleza, competem correções da simetria
pondera Geertman (1994, p. 19), «a estrutura do visando instituir proporções.
edifício, portanto o seu aspecto qualitativo, e com
as suas terminationes oferece os meios para torná- Portanto, no encadeamento dos conceitos podem-se
lo concreto». demarcar dois tipos de vínculo entre disposição e
ajustes métrico-proporcionais (eurythmia). Primeiro,
O manejo das representações gráficas e as fases o dimensionamento das partes e do todo (dispositio)
do projeto são instruídos no Terceiro e Sexto Livro permite o controle do aspecto eurrítmico da obra,
do tratado. Na explanação sobre as excelências demandando muitas vezes adições ou detrações de
do templo êustilo, Vitrúvio detalha o princípio módulos para ver assegurado a ratio symmetriarum
de implantação do edifício «através das divisões do edifício. Todavia, a dispositio não se atém a uma
da área frontal que será constituída em templo» mensuração pautada por preocupações técnico-
(1997, III, 3, 7, p. 247). Ferri acusa o contraste construtivas; sobretudo nos edifícios privados,
entre tal procedimento vitruviano (dedução do nos quais as necessidades de uso predominam,
módulo através de implantações definidas) e o dos com freqüência se impõem adequações das regras
6
Cf. Ferri (1960, III, 3, n. 10, gregos (definição inicial do módulo)6; Corso (1997, preestabelecidas, segundo as circunstâncias do lugar
p. 185).
III, n. 109, p. 309), no entanto, pondera tratar-se e as demandas particulares dos destinatários.
mais de adaptação do que adulteração do modus
operandi helênico, balizada pelo terreno como Vitrúvio formula o conceito de disposição com
ponto de partida e «típica da mentalidade romana, termos emprestados da retórica (conlocatio,
que considera dado preliminar o solo à disposição, «sýnthesis», colocação; compositio, «sýstasis»,
em Roma notoriamente custoso e limitado». No coerência), coligando-os diretamente aos termos da
segundo capítulo do Livro Sexto, sobre os edifícios eurritmia (commodus in compositionibus aspectus
privados, o arquiteto explicita: - o aspecto equilibrado; elegans compositionibus
affectus - a execução elegante; cf. Geertman,
«Deve-se instituir em primeiro lugar o sistema 1994, p. 18 e 20). Nas duas modalidades de ajustes
racional de relações modulares, a partir do qual se eurrítmicos supra-assinaladas - correções óticas
tome sem incertezas toda modificação. Depois se visando garantir a ordem simétrica ou alterações

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das regras preestabelecidas - não se perde de vista homólogo ao decorum ciceroniano. Em atenção
o requisito de unidade orgânica (compositio) que à preceptística retórica, compreendemos melhor
está no cerne da beleza. No segundo caso, porém, os vínculos e diferenças entre dispositio e decor.
a organicidade se consuma pela «instituição de Cícero e Quintiliano, malgrado as dissensões quanto
proporções em função da conveniência (decor)». à ordinatio e dispositio, convêm em que ambas
atendem, na economia do discurso, à lógica interna
O decoro respeita regras rígidas. Espécies de colunas da argumentação; o decoro, pelo reverso, requer
e ornatos adequados aos templos e seus respectivos outra ordem de raciocínio, peculiar à lógica da
deuses, requisitos de salubridade, orientação solar exposição9.
7
«Haverá conveniência con- dos edifícios, todos vêm rigorosamente prescritos7.
forme a natureza se para os
quartos de dormir e para as
Mas a fixidez das prescrições, respectivas ao aspecto No retor, a excelência da elocução prima pela
bibliotecas as aberturas lu- (specie), natureza dos lugares (natura loci) e uso «conveniência» entre o tema e o estilo, entre as
minosas vêm orientadas ao
oriente, para os banhos e
(usus) (VI, 2, 1), não apaga as imprevisibilidades idéias e as palavras, entre estas e as pessoas, «sejam
os recintos invernais ao oci- das situações (condições específicas de insolação, as que falam como as que escutam», segundo «os
dente, para as pinacotecas e
para os ambientes que pre-
topografia etc.) a serem controladas - ou contornadas diferentes lugares e momentos» (Orator, 71-2);
cisam de uma luz uniforme - no cumprimento das exigências de edificação. o arquiteto prescreve a rigorosa observância dos
ao norte». (1997, De Arch.,
I, 2, 7, p. 31)
Nesse monde de l’«à-peu-près», para retomar a destinatários (o caráter de cada deus, as diferenças
expressão de Koyré, o arquiteto se orienta com o entre os homens), dos lugares, dos materiais. As
8
Ictino realizou ajustes eur-
esquadro da conveniência, tendo como bússola as aproximações ficam patentes com a assimilatio
rítmicos in situ no Parthenon,
seguindo um procedimento sutilezas do acume. vitruviana entre os estilos da elocução - tenro, médio
similar ao da valorização do
e elevado, segundo a fórmula ciceroniana - e os
momento oportuno (kairós)
no qual todas as coisas apa- Em abertura ao referido capítulo segundo do Livro gêneros dos templos:
recem em harmonia (khá-
Sexto, Vitrúvio define a disposição do edifício como
ris), então perseguido pelos
artistas na escultura e na «obra de sagacidade» (acumen) (1997, VI, 2, 1, «A Juno, Diana, Baco e outras divindades similares,
pintura.
p. 835). O termo não designa preferencialmente tenha-se em conta a sua posição de meio,
9
À estrutura argumentativa o cálculo das comodulações, a dimensionalidade construindo-lhes templos jônicos, pois o princípio
da dispositio aditam-se as e os ajustes eurrítmicos próprios à simetria, mas, peculiar destes edifícios colocar-se-á em equilíbrio
exigências da elocutio. Quin-
tiliano ilustra tal expediente sobretudo, as modificações exigidas pela situação seja com a severidade do dórico seja com a delicadeza
com a imagem da ossatura e condições do terreno, pelas necessidades do uso, do coríntio.» (1997, De Arch., I, 2, 5, p. 29)
guarnecida de suas carnes
(Institutio Oratoria, VI, 12, e ainda, a capacidade de encontrar novas relações
6). harmônicas, externas aos cânones. «A valorização Único preceito, dentre os seis, ao qual Vitrúvio não
do acume», conclui Corso, «depende à distância avizinha o correlato grego, era assaz conhecida a
daqueles conceitos de kairós e cháris próprios do sua procedência, como assinala com precisão o
“fazer artístico” no primeiro Helenismo, solicitado Orator, reportando decor ao πρέπον clássico (70-1).
freqüentemente ao estado de graça do artista, Pertinente aos atrativos da beleza, o decoro expõe a
[valorização esta] reelaborada na dialética entre concordância e harmonia das partes entre si e com
natura (compreendendo as precondições naturais e o todo, a adequação dos ornatos, dos materiais.
as normativas sobre as symmetriae) e ars (reenviando Em Cícero, como em Vitrúvio, decorum e venustas
às qualidades nascidas do artifex), típica da cultura são sinônimos.
eclética tardo-republicana, inclinada mais ao et et do
que ao aut aut» (Corso, 1997, VI, p. 883, n. 65)8. Vigendo em todos os recintos da arte edificatória, o
Convém ladear ao acumen latino a μέτις grega - a decoro consubstancia a unidade orgânica da beleza,
«astúcia» artística, com suas sutilezas e artimanhas mas o seu valor precípuo reside na exposição e
(ou armadilhas) -, Vitrúvio não o faz; em mais de um reconhecimento públicos, no modo de apresentação
lugar, porém, será seduzido por sua arte. e no êthos da aparência, na celebração. Legislando
sobre ornamentos, materiais, cores, introduz
3. Decor ingredientes novos na apreciação estética. Fica sob
sua jurisdição boa parte do que hoje entendemos
Que o léxico da retórica fosse familiar a Vitrúvio, por acabamento da obra. O primado dos números
isso se confere, por igual, no «decoro». O termo, divinos, da comodulação, da proporção harmônica
embora raro na época de Augusto, possui significado divisa-se assim por outros apelos aos sentidos.

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As palavras e as pedras - De Architectura I, 2: o preceituário da boa arquitetura

Aqui se insinuam dificuldades novas. Se, além de jônico. A simetria, por sua vez, não se limita a
ritmo e medida - modus et numerus -, o decor abraça qualidades puramente visuais, ao estrito domínio
outras qualidades (ornatos, materiais adequados da estesia, mas radica-se na estruturação mesma
etc.), não há porque excluir a symmetria de seu do edifício, evidenciando uma ordem e consonância
domínio. Significativo, nesse sentido, o fato de entre as partes cuja necessidade assemelha-se àquela
os procedimentos e critérios peculiares a um e entre os membros do corpo.
outra se espelharem freqüentemente na figura do
corpo humano. No Livro Terceiro, Vitrúvio afirma Detenhamo-nos na relação entre dispositio e decor
que «a ordenação dos edifícios religiosos (aedium segundo as exigências do uso.
compositio) está fundada sobre a simetria», sendo-
lhes condigno uma exatidão tal como a do homem «No discurso, como na maior parte das coisas», diz
bene figuratus (Cf. Vitruve, 1990, III, 1, 1, pp. Cícero, «a natureza mesma, com incrível habilidade,
5-6). A palavra compositio é o equivalente latino faz com que as obras, em maior medida úteis, sejam,
de uma noção grega: σύνθεσις ou, com maior ao mesmo tempo, as mais dignas, e freqüentemente
10
Cf. Gros (1999b, Vitruve III, probabilidade, σύστασις (συνίστημι: compor)10. também as mais belas. [...] Fixa agora a atenção sobre
1, 1, n. 1, pp. 55-6).
Na primeira acepção, Cícero emprega o termo ao as formas e figuras dos homens e outros animais.
11
Cf. Gros (n. 2, p. 56): «A discorrer sobre a composição ou boa colocação das Nenhuma parte do corpo é desnecessária, privada
compositio define o sistema palavras, de modo a evitar hiato e cacofonia; também de função, e a inteira estrutura é, por assim dizer,
orgânico que se estabelece
em toda obra arquitetônica conlocatio comparece na terminologia técnica da uma obra de arte e não do acaso.» (De Oratore,
complexa entre seus com- arquitetura designando os eixos horizontais do III, 45, 178-8013)
ponentes».
aprumo dos muros na construção. Entretanto,
12
O arquiteto consulta pro- na fórmula de Vitrúvio, a harmonia resultante Rebatendo a desqualificação do orador pelos
vavelmente uma fonte he-
lenística sobre o cânone de da compositio cinge à organização integral do filósofos, o retor, perito numa arte sem a qual o
Policleto, a qual integrava edifício, não se desvincula do arranjo utilitário: «é discurso no foro peca por ineficiência, conduz seu
num só corpus outras pres-
crições proporcionais, como a estrutura mesma da obra» - ressalva Gros (1990b, ofício como o faz em seu edifício o arquiteto:
as de Lisipo; cf. Ferri (1960, n. 1, p. 55) -, «sua coerência interna, que está
III, 2, pp. 166-7).
em causa». Tal o sentido de composição (sýstasis) «as colunas sustentam os lintéis dos templos
13
Cf. também a passagem na doxografia pitagórica concernente à teoria da e dos pórticos, mas sua utilidade é igual à sua
semelhante do De Officiis
1, 28, 98, cit. por Callebat proporção e na retórica platônica (Fedro, 264c). Na dignidade. Não foi certamente a busca de beleza
(1994, p. 39). Placita Hippocratis et Platonis, Galeno ajuíza nascer mas a necessidade que fez o célebre frontão de
a beleza da simetria dos membros, «da proporção nosso Capitólio e de outros edifícios religiosos. De
14
Corso (1997) nota que Icti-
no já havia ideado as mesmas de um dedo para o outro, destes para o resto da fato, uma vez cogitado o modo que permite escoar
relações de proporção (4:9)
mão, da mão para o antebraço [...], enfim, de todas as águas de um e outro lado do teto, a dignidade
para o intercolúnio do Parthe-
non; e Mnesicles, no Propileu, as partes entre si, como está escrito no cânone de veio se unir à utilidade do frontão, de modo que,
a ampliação do intercolúnio
Policleto»11. Sobre a simetria almejada em todo mesmo se se construísse no céu o Capitólio, lá onde
central (1997, De Arch., III,
n. 107, p. 309). edifício, Vitrúvio, no Livro Primeiro, esclarece: não há chuva, ele pareceria privado de dignidade
sem o seu frontão». (id., III, 46, 180 - sigo de perto
«Tal como no corpo humano, a propriedade simétrica a tradução de Gros, 1990b, Vitruve IV, p. XXXII)
da eurritmia deriva da proporção entre côvado, pé,
palmo, dedo e outras pequenas partes, o mesmo advém Vitrúvio reitera a aliança entre utilidade e beleza,
na realização das obras.» (De Arch., I, 2, 4)12 aditando-lhe firmeza. A tríade firmitas, utilitas e
venustas (De Arch., I, 3, 2) - muito (e anacronicamente)
Mas aqui não há contradição. No De Architectura, mencionada por todos - adquire nexo pleno com as
ao fim e ao cabo, as exigências do decoro aludem prescrições dos templos (III, 3, 6) e suas modenaturas
à conveniência da symmetria, à sua acomodação (IV, 2, 2; IV, 2, 5), dos edifícios públicos (V, 1, 2) e
a condicionantes «externos» (adequação dos privados (VI, 4, 2; VI, 8, 10). Atribuindo a Hermógenes
tipos a condições topográficas e de insolação, a a excelência do templo êustilo pseudodíptero,
destinatários diversos etc.), mais do que à constituição «digno de máxima aprovação pela utilidade (usus),
propriamente do sistema harmônico de relações. Um beleza (species) e solidez (firmitas)»14, o arquiteto
templo êustilo, por exemplo, não pressupõe um e elogia a elegância e comodidade da configuração, o
único destinatário, o mesmo vale para o ornamentum intercolúnio a não obstar a passagem, a amplitude

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As palavras e as pedras - De Architectura I, 2: o preceituário da boa arquitetura

do ambulacro em torno da cela. Nas modenaturas A justa medida a tudo convém, mas, consoante a
dos entablamentos dobram-se os cuidados com as oração de Cícero, molesta mais o excesso que a falta
precisões do uso: tríglifos e métopas, adverte, têm (Orat., 73). O que, em que ordem e como  das coisas
uma razão de ser nas construções lígneas dóricas, que o orador tem em conta, se as duas primeiras
os mútulos dos templos pétreos reproduzem a atendem às necessidades da disposição e a última
imagem das traves oblíquas salientes das primeiras às necessidades do adorno (ornatus) (id., 44), este
construções; o mesmo sucede com as jônicas, nas se rege também pela utilidade. Para a elocução
quais, em vez de mútulos, os dentículos se originam oratória, mostram-se inadequadas, desmedidas,
15
V. ainda Cícero, Brutus, 8: da imitação das ripas proeminentes (1997, De Arch., a rima e rigidez métrica da poesia15. Em suma, o
a passagem também conclui
com a contraposição entre
IV, 2, 5, p. 379). conveniente e o justo são conexos.
observação da natureza e
obra do acaso.
Em suma, a utilitas convalida-se pela justeza e «A conveniência (decor)» -ê-se no De Architectura -
excelência da exposição, pelo aspecto belo. Tal «consiste no aspecto correto de uma obra, realizada
parâmetro faz do ornatus algo imperativo, segundo com competência pela composição de elementos
requeiram as conveniências do decoro. Uma e outro considerados justos.» (1997, I, 2, 5, p. 29)
têm no belo o útil, ambos sorvem da natureza o
seu modelo e ordem de necessidade. Assim como Compete ao decoro legislar sobre os tipos de
Cícero, também Quintiliano recorre ao modelo da edifícios, os sistemas de proporção e os ornamentos
natureza para esclarecer os adornos da elocução: conforme destinatários distintos. Legislação tão rígida
em certos casos, «os argumentos possuirão mais quanto a das modenaturas e prescrições utilitárias,
força e mais graça (decor) se não mostrarmos os Vitrúvio a sanciona pela tradição, endereçando, como
seus membros nus e, por assim dizer, despidos da esperado, à terminologia grega. «Os dois termos,
carne» (Institutio Oratoria, VI, 12, 6). statio em latim, θεματισμός em grego, apresentados
[na definição do decoro] como equivalentes»,
Para além de arbitrariedades, o ofício do arquiteto observa Gros, «não se superpõem exatamente e
regra-se pela transposição em pedra de elementos apresentam mesmo divergências semânticas assaz
necessários, permitindo «deduzir os modos sensíveis devido à diversidade de seus empregos;
consuetudinários de verdades de natureza. [...] mas eles implicam um e outro a idéia de um estado
com base nessas origens» - conclui Vitrúvio - «[os imutável, onde a permanência é devida ao respeito
Antigos] deixaram constituídas relações modulares por certos princípios de base. [...] O fixismo encontra
e proporcionais (symmetrias et proportiones) de para Vitrúvio [...] a sua justificação nas convenções
cada ordem» (1997, De Arch., 2, 6, p. 379). A ancestrais (consuetudo) ou nas leis da natureza
proporção das colunas, sabe-se, procede de cepo (natura)» (1990b, Vitruve IV, pp. XXXI e XXXII).
nobre. Colhidas da natureza as razões da simetria,
«de modo que [as colunas] fossem aptas a portar Assenhorear-se da veritas da forma e figura
o peso e tivessem na aparência uma reconhecida dos edifícios, eis o propósito de Vitrúvio. Como
beleza» (id., IV, 1, 6, p. 371), os gregos as fizeram mostrou Antoinette Novara (1994, pp. 58-9), no
«uma de aparência nua sem ornamentos, viril; outra, De Architectura a evocação recorrente da utilitas -
seja por ornamento seja por relações modulares, das coisas apropriadas aos gêneros de edifícios, das
caracterizada pela sutileza mulheril» (IV, 1, 7, p. 373). normas e, em suma, do próprio tratado - alenta,
O respeito ao uso (e utilitas remete ao cômodo e como outrora em Cícero, as ambições de dignificação
adequado, não à funcionalidade moderna) conforma- máxima da arte.
se à beleza; esta não advém por subserviência (a
vaticinar que «a forma segue a função»), mas como 4. Distributio
consonância na qual vibram as harmonias universais
da natureza. Equivalente latino da οἰκονομία grega, a distribuição
(distributio) propicia o decoro, a conveniência das
Por decoro e por costume, na arquitetura e nas artes, edificações.
à beleza nua dos homens segue a feminil, mulher e
vestes (cf. Corso, 1997, De Arch., IV, n. 44, p. 423- «A distribuição consiste na comedida repartição dos
4). Nada é fortuito, nem symmetria nem ornatus. recursos e do terreno, e, nas obras, na prudente

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As palavras e as pedras - De Architectura I, 2: o preceituário da boa arquitetura

administração das despesas segundo o cálculo.» «Pois a inteligência divina» - lê-se -«os bens
(De Arch., 1997, I, 2, 8, p. 31) necessários aos humanos não lhes tem feito difíceis
de encontrar e custosos como as pérolas, o ouro,
Por seu intermédio, o arquiteto enfrenta as o argento e todas aquelas coisas de que nem o
contingências do ofício, os meios de adaptação à corpo nem a natureza desejam, mas tem profusos,
16
«Na falta de areia de cava diversidade dos lugares16, censurando a exorbitância oferecendo ao alcance das mãos para todo o mundo,
será usada aquela do rio ou
do mar, depois de ter sido
dos gastos, o emprego de materiais impróprios, os bens sem os quais a vida dos mortais carece de
lavada; também na ausência raros na região ou disponíveis a um alto preço. segurança.» (id., VIII, Praef., 3, p. 1.109)
de abeto ou tábua de abeto
se poderá remediar utilizando
Para além da conveniência utilitária e econômica,
lenho de cipreste, de álamo, o foco de Vitrúvio recai sobre a conotação que tais A contraposição do «conveniente» e do «raro»,
de olmo ou de pinho, e de
modo análogo serão resol-
escolhas assumem na esfera pública, a significância advogada na definição da distributio, prolonga-se
vidas as restantes dificulda- que ganham, sobretudo a prodigalidade é seu algo. na do «necessário» e do «supérfluo». Trata-se, como
des» (1997, De Arch., I, 2,
8, p. 31).
Assertiva instigante, visto o decor dos templos ou mostrou E. Romano (1987), do professo alinhamento
dos edifícios públicos não só justificar como exigir do arquiteto às invectivas contra o luxo lançadas
esplendor, impondo discernimento entre «beleza por Catulo, Cícero e tantos outros.
máxima», «magnificência» e «suntuosidade».
A defesa dos valores morais diante dos efeitos
Os modos de nobilitar a arquitetura supõem juízos desagregadores da riqueza e do dinheiro modela-
distintos sobre a beleza. Vitrúvio não dá margens à se, nos séculos II e I a.C., pelo contraste entre a
dúvida: por sobre o precioso, o condigno. A excelência dignitas do homem honrado e o prestígio resultante
da beleza não se computa pela exorbitância dos da propriedade de bens exteriores. Aos que cuidam
gastos, pela raridade dos materiais, afere-se pela da coisa pública convém a gravitas, isto é, rigor
aptidão, acuro, conveniência, entre outras qualidades. moral, honestidade, desinteresse em prol do bem
Raciocínio análogo o autor desenvolve para a pintura. comum, temperança ou autocontrole sobre prazeres
A moléstia e derrogo da pintura afiançam, por assim momentâneos (abstinentia). Endógenas ao dinheiro
dizer, a corrupção da arquitetura: são a «libido, luxuria, avaritia, cupiditas, a paixão
caprichosa e desenfreada, o prazer desregulado
«Quem dera fizessem os deuses imortais voltar à do luxo, a insana sede e cupidez de riqueza» (cf.
vida Licino e corrigir essa insensatez e os desvios Romano, 1987, pp. 146 e 155). No De Officiis, Cícero
em voga nas nossas pinturas parietais! Mas não refuta abertamente a profusão do luxo em magníficas
será fora de lugar explicar por qual motivo um habitações privadas, como a de Emílio Scauro,
estilo baseado na ficção (ratio falsa) prevaleça fenômeno correlato à paulatina transferência dos
sobre o critério do verossímil. O fato é que aquele afazeres públicos para a esfera privada; a edificação
resultado que os antigos, despendendo fadiga e de amplas e suntuosas residências, capazes de
energia, se esforçavam por tornar apreciável graças acolher grandes clientelas, converte-se num meio
à habilidade técnica, agora se obtém graças às cores eficaz de promoção política, exemplificado por Gneo
e à sua elegância toda exterior, e o prestígio que o Ottavio e sua vila no Palatino. A domus, ultima o
fino trabalho do artista conferia às obras agora é autor, deve convir ao prestígio do proprietário como
assegurado pela despesa sustentada pelo comitente.» um «ornamento para a dignidade»; não atende
(1997, De Arch., VII, 5, 7, p. 1.047) apenas a exigências do uso, porém, previne-se
«dos excessos de uma suntuosidade tão faustosa
Irracionalidade igual anuncia-se na arquitetura com a quanto dispendiosa» (cf. Romano, 1994, p. 64;
transferência de motivos de um entablamento a outro Coarelli, 1989). Em outras obras, precisa-se o foco:
e com o fausto (id., I, 2, 6, p. 29-30). Como antídoto, a magnificência dos edifícios privados não pode
17
«Quem de fato entre os
antigos não parece ter feito a observância do verossímil, a destreza, o esmero, a rivalizar com a das obras públicas, ditame exalçado
uso do inabro com parcimô-
elegância da feitura. Esses os atributos apreciados a programa político por Augusto.
nia, como se se tratasse de
uma substância medicinal? pelos antigos, e, salienta o autor, majoravam o
Hoje em dia as paredes vêm
valor dos materiais nobres ao deles se servirem com Paradoxalmente, na exposição de Vitrúvio,
revestidas aqui e ali, o mais
das vezes por inteiro. A isto parcimônia17. No prefácio ao Livro Oitavo, Vitrúvio às advertências contra o suntuoso seguem
se acrescentam a crisocolla, a
deixa patente a convicção de a natureza, copiosa, recomendações para «dar aos edifícios disposições
púrpura, o azul de Armênia»
(id., VII, 5, 8, p. 1.049). jamais desprover do necessário. diferenciadas, segundo sejam adequados ao uso

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As palavras e as pedras - De Architectura I, 2: o preceituário da boa arquitetura

dos pais de família ou à riqueza ou à eloqüência à grandeza de Roma, em oposição às leis suntuárias
(eloquenciae dignitatem)» (Vitruve, 1990, I, 2, 9, propostas por Pompeu e Crasso em 55 a.C.; cf.
p. 19). A consonância entre o decoro edilício e a Romano, 1987, p. 160) aviva na memória, de
excelência do proprietário acolhe, pondo-os lado imediato, o proêmio a Augusto em louvor da maiestas
a lado, dignidade e riqueza. Insinua-se assim, não imperii. Nos dois casos, o aval aos mármores da
obstante as advertências antes assinaladas, uma cidade testemunha o arrebatamento do arquiteto
validação do prestígio social diversa à de cunho moral perante a magnificentia das obras. Mas as emoções
ciceroniana. No juízo do arquiteto, diferentemente que ele assim acende discrepam dos sentidos de
do elo entre dignitas e elegantia, o critério precípuo beleza outrora acalentados.
da consecução do decoro está no «teor de vida»
dos indivíduos. «Nas categorias que Vitrúvio passa As contradições ficam evidentes em duas passagens
em revista», avalia Romano (1987, p. 35), «toma- do tratado. A primeira diz respeito à suntuosidade.
se por base a riqueza ou o prestígio-poder, mas o Em conclusão ao Livro Sexto, mencionando as
signo de pertencimento é o modo de condução atribuições de praxe que competem a comitentes,
da vida, a qualidade e a freqüência das relações mestres construtores e arquitetos, Vitrúvio enumera
sociais, a possibilidade de convidar, receber visitas, os três aspectos em jogo na apreciação dos edifícios:
organizar reuniões». a habilidade construtiva, a magnificência e a
disposição. A responsabilidade da segunda cabe
O Livro Sexto amplia a exposição sumária do ao proprietário, pois, conforme seus recursos,
Primeiro. Distinguindo nos edifícios privados as decide «se construirá obra lateralícia ou cimentícia
partes reservadas ao uso dos pais de família e as ou quadrada». Por outro lado, a especificação
destinadas à visitação pública, o autor elabora dos diferentes materiais a serem empregados na
uma tipologia na qual o decor sagra e celebra a construção, «pelo fato de que em todos os lugares
estratificação social. Em ordem: os detentores de não se formam todos os tipos de materiais»,
uma fortuna modesta «não necessitam de magníficos está mais sob a alçada do construtor, de sua
vestíbulos, escritórios e átrios», pois solicitam favores; «sagacidade», do que do arquiteto. «Se o edifício
aqueles que se ocupam dos produtos do campo têm possuir elegante respeitabilidade (auctoritas) por
estabelecimentos apropriados ao uso, «à conservação proporções e relações modulares, a glória será a aura
dos produtos mais que à conveniência da elegância»; do arquiteto.» Desobrigando o arquiteto de definir
os que emprestam dinheiro e os cobradores de a soma dos recursos investidos em magnificência,
impostos públicos devem edificar «ambientes mais igualmente acentua que o seu «efeito», exigindo
cômodos, refinados e protegidos das insídias»; beleza, mede-se sobretudo pelo sumptus, pelo
aos advogados e retores convêm «ambientes mais montante despendido. «Quando se aprecia a
elegantes e espaçosos para receber a clientela»; last magnificência, se ela perfaz toda a obra, as despesas
not least, aos que lidam com honras e magistraturas serão louvadas» (id., VI, 9, 9, p. 859).
e devem pôr-se ao serviço dos cidadãos, «elevados
vestíbulos reais, átrios e peristilos assaz amplos, A segunda passagem refere ao emprego de materiais
bosques e extensos passeios silvestres condignos à nobres na arte. No longo prefácio ao Livro Sétimo,
sua majestade», e também bibliotecas, pinacotecas súmula das obras sobre arte edificatória redigidas
e basílicas «aprestadas de modo não dessemelhante por antigos e modernos, poetas, filósofos, arquitetos
da magnificência das obras públicas, pois nas suas «cujo talento possui em eterno uma fama quão mais
habitações freqüentemente se efetuam deliberações ilustre e sempre em flor» (13), uns poucos romanos,
públicas e juízos e arbitragens privadas» (1997, De enfim, o autor finaliza lastimando a ausência de
Arch., VI, 5, 1-2, p. 845). Ganham pleno contorno escritos pelos que edificaram obras grandiosas,
as sucintas palavras do Livro Primeiro sobre o decoro como Cossúcio, autor do Olympieion em Atenas,
segundo os costumes: «para edifícios com interiores e G. Múcio, cujo templo de Honra e Virtude «se
magníficos também são predispostos vestíbulos fosse feito de mármore, de modo a possuir não
convenientemente elegantes» (id., I, 2, 6, p. 29). só refinada arte mas prestígio (auctoritas) pela
magnificência e grande despesa, seria mencionado
Tal adesão a práticas edilícias e estilos de vida entre as primeiras e supremas obras» (id., VII, Praef.,
consolidados (e que Hortênsio exortava condignos 17, p. 1.027).

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As palavras e as pedras - De Architectura I, 2: o preceituário da boa arquitetura

Nas duas passagens, Vitrúvio faz aceno positivo à fórmula consagrada na Renascença. A estese não
magnificência e suntuosidade das edificações; pelo se desliga do espectador, mas os sentidos que nele
reverso, evidencia a sua excisão da «necessidade» e acorda tocam ao edifício como um todo. Cícero
«ordem natural» antes admirada na beleza. recomenda ao orador espelhar-se na arquitetura, as
emoções que inflama «não pertencem a membros
5. Auctoritas singulares», são um colorido e humor que tudo
tinge, «e para que se disseminem flores das
Em um estudo magistral sobre a semântica das palavras e pensamentos, não devemos espalhá-
ordens no De Architectura, Pierre Gros (1989) ajuizou las uniformes em todo o discurso, mas dispô-las
como, no prólogo laudatório a Augusto, engajado como ornatos insignes e luzes» (Cicerone, 2000,
em fornecer-lhe regras sólidas sobre uma arte edilícia De Orat., III, 25, 96, p. 639). Nesse cosmo, não
que aos olhos de todos exclamava com suas pedras obstante a deliberada celebração do poder político
a maiestas imperii, o arquiteto finda por anuir a com monumentos públicos, desde pelo menos
18
Sobre os significados em uma política edificatória estranha aos códigos de o Parthenon18, conviria mais falar de reverência
jogo no Parthenon como e respeito do que de «manifestação» de poder.
monumento de celebração
valores que nutrem a porção mais substanciosa do
específica do poder político escrito. «A grandeza do império», exalta Vitrúvio, Sequer a escala hierárquica que principia pelos
em vez de edifício de culto, edifícios religiosos, descende aos públicos e ultima
cf. Höcker e Schneider (1997,
«também se manifesta no extraordinário prestígio
pp. 1.239-74). dos edifícios públicos» (id., I, Praef., 2, p. 11). nos privados - a enunciar com suas pedras o
Como manifestação de poder, valor precípuo da status de cada qual no corpo civil (ou, postulam,
monumentalidade, a arquitetura adquire para o na ordem da natureza) - tem por metro aquela
arquiteto professo «prestígio», auctoritas. Assim terribilità que Piranesi, nas Luzes, emula em sua arte
proferida, a palavra assume um sentido distinto ao como a quintessência da grandeza dos romanos:
corrente noutros lugares do tratado, sincronizados, magnificenza dei Romani! Transpondo em pétreos
ao que tudo indica, com um período anterior. edifícios a estratificação social, sua moeda continua
Sua acepção tradicional, atestada em Cícero e a ser o esplendor da beleza, seu «efeito» de poder
Quintiliano, comparece, por exemplo, na demarcação se nutre da solenidade que esta lhes transmite, da
das competências do arquiteto em relação às do respeitabilidade que incita no espectador.
proprietário e mestre construtor, supramencionada
(VI, 9, 9); aí a «respeitabilidade» da obra nasce O páthos da magnificência é outro. Envolve o
da beleza e, como corolário, da mímesis, em espectador com a sua grandiosidade, capturando-
cujo esplendor refulge a perenidade da natureza lhe os sentidos. Sua imponência o constrange,
e dos pretéritos, summi auctores (Quintiliano). suscita contenção, incide sobre ele subjugando-o,
«Nós estamos ptróximos, portanto», observa Gros por assim dizer. Para além da perfeição e esplendor
(1989, p. 127), «da - παράδοσις, desse saber ou do belo, é do «terror» que irrompe a admiração.
saber-fazer transmitido pela doctrina, respectivo ao Sobretudo, sua arte visa ao exterior, rescinde o corpo
conhecimento e a aplicação rigorosa das convenções coeso da symmetria. Cenográfica, espetacular,
modulares contidas nos tratados normativos do unidirecional. Fictícia, como as pinturas. Urbe
primeiro período helenístico». e Orbe, nesse universo imperam a auctoritas e
maiestas do mármore augústeo. «O código de valor
Diverso é o significado da palavra no proêmio ao qual reenviam essas [duas] palavras», pondera
primeiro e em outras passagens do De Architectura Gros (1989, p. 126), «entra dificilmente no quadro
nas quais Vitrúvio avaliza o uso de colunas soberbas definido pela morfologia modular que rege o
ou da ordem colossal em espaços suntuosos e conjunto dos capítulos consagrados à construção
magnificentes. Os desvios da parcimônia e da pública, religiosa ou profana. A concepção da
justa-medida na consecução da beleza coligam-se arquitetura como manifestação do poder parece,
a mudanças superlativas no modo de ideação do em primeira análise, funcionalmente estranha a um
próprio edifício. Rompe-se, em síntese, a urdidura sistema no qual os critérios da beleza se nutrem de
bem tecida dos seis conceitos que vimos analisando. relações internas ao edifício, como a symmetria,
Na symmetria, a coerência entre partes e todo, a a eurythmia, o decor, e do qual parece excluída,
harmonia de forma e figura enfeixa-se na coesão por princípio, toda busca de efeito orientado para
do corpo, em sua unidade orgânica, conforme a o exterior».

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As palavras e as pedras - De Architectura I, 2: o preceituário da boa arquitetura

Percorrendo o itinerário de imponentes colunas, como despesas. As mesmas colunas de altura ininterrupta
aquelas do aparato cênico erigido para a edilidade até as traves da cobertura parecem aumentar seja
de Emílio Scauro, posteriormente transportadas para a magnificência dos recursos seja a autoridade»
o átrio de sua residência no Palatino, e novamente (1997, De Arch., V, 1, 10, pp. 555-7). Suntuosidade
deslocadas, por ordem de Augusto, para adornar e magnificência inscrevem-se enfim integralmente
a parte central do teatro de Marcelo, Gros (id., p. no mundo da ratio falsa.21
129) assinala o prestígio das insignes magnitudes
como «expressão plástica de poder». No volumoso 6. Liberalitas Principis
L’architecture romaine, o autor multiplica exemplos
dessa nova Kunstwollen da arquitetura tardo- A contraposição entre o verossímil e o fictício
republicana e imperial. À artificialidade de colunas possui memoráveis antecedentes históricos. Desde
ornamentais adossadas à cela, sem função portante, Platão, as críticas ao ilusionismo artístico tinham
em templos nomeados «pseudoperípteros» por por contrapartida a defesa acirrada dos valores
Vitrúvio - grecismo pelo qual o arquiteto fabula uma formais próprios ao primado técnico, vale dizer,
19
«Outros, deslocando para explicação lógica para os elementos formais19 -, une- dos atributos que evidenciavam a habilidade ou o
o exterior os muros do tem-
plo e fazendo-os chegar aos
se a crescente predileção pelo ritmo «picnóstilo» dos talento do artifex22. A atmosfera de neopitagorismo
intercolúnios, com o espaço intercolúnios - cuja pequenez intensifica o jogo de luz e neoplatonismo que toma o período tardo-
subtraído da perístase fazem
um amplo alargamento da
e sombra (Gros, 2001b, pp. 144-6). Consagrando a republicano, acalorando as invectivas contra os
cela, e conservando para as tendência, no templo períptero sine posticum votado «enganos dos sentidos», aspira, contudo, a uma
demais partes as mesmas
proporções e simetrias pare-
a Vênus Genetriz, no fórum de Júlio, o fuste das atitude conciliatória. Que a ambição, ao fim e ao
cem ter dado origem a um colunas se alonga até elas alcançarem uma relação cabo, comportava um elemento autoritário, sempre
outro tipo de configuração e
denominação, o pseuperípte-
proporcional próxima à 1:10, majestoso proscênio a a constranger a arte aos «ditames do verossímil»,
ro» (1997, De Arch., IV, 8, 6, amplificar a aparição de César no intercolúnio central Vitrúvio e outros logo assinalam.
pp. 395-7).
do pórtico: «o pódio privado de escadaria, ao menos
20
Cf. Vitruvio (1997, De na parte baixa, as colunas coríntias esplêndidas e Por ironia, o desprestígio dos materiais preciosos,
Arch., III, 3, 9, p. 249). Para
por fim o frontão, cujo ângulo aberto contribuía a do luxo, mostrou-se particularmente útil à apologia
Gros (1989, p. 128) deve-se
a auctoritas também a maior acrescer a dimensão vertical da composição, tudo não da verossimilhança mas da «perícia» artística
altura das colunas, definida
era estudado para criar em torno do patrão de Roma como tal, a abranger habilidade técnica, capacidade
pelas prescrições de propor-
ção segundo o espaçamento uma atmosfera de transcendência e inacessibilidade» imaginativa, efeito visual e outras qualidades. Este
do intercolúnio.
(id., p. 155). Inspirando-se nele, Augusto edifica o motivo por que, numa cultura estranha aos
21
«É somente a aparência seu templo de Marte Vingador com dupla fileira de ideais vitruvianos de firmitas, utilitas e venustas
dessas colunas de cinco pés colunas nos lados do pronau e ao longo da cela,
de diâmetro e perto de 15
como na Idade Média, tais reclamos persistam com
metros de altura», ultima «intensificando, na visão perspéctica, a densidade uma vitalidade verdadeiramente impressionante,
Gros (1989, p. 131), «que dá do ritmo picnóstilo» (id., ibid., pp. 155-6).
ao edifício uma imagem de
sobretudo na censura ao fausto das catedrais. No
riqueza e de potência». início do século XII, os abades de Saint-Trond, próximo
Avultam nesse cenário alguns aspectos da preceptística a Liège, se referem a Wiricus consentindo que «tanto
22
Dentre outros, v. Catoni
(1997, especif. pp. 1.042-3). vitruviana. Ao listar as inovações de Hermógenes no cuidado pôs o industrioso arquiteto na decoração do
templo êustilo pseudodíptero, junto aos benefícios monastério que todos os conterrâneos convêm em
utilitários, Vitrúvio inclui a auctoritas do «forte que avantaja aos palácios mais magníficos pela sua
contraste dos intercolúnios», cujo efeito de luz e variada execução (operosa varietate)» (apud Schapiro,
sombra vem acrescido com o amplo ambulacro20. 1985, p. 16). Guillelmo de Malmesbury, reportando-
Na basílica de Fano, única obra de que testifica ser se à catedral de Lanfranco, em Canterbury, notifica
autor, o «ilusionismo» atinge extremos. Comentando que a perícia dos artesãos «avantaja a preciosidade
a «dignidade» e «beleza» de suas proporções, a dos materiais» (id., ibid., p. 25). O próprio abade
ordenação das colunas internas, dispostas de modo Suger de Saint-Denis, em sua conhecida ode à claritas
a garantir uma perfeita visão do templo de Augusto do ouro e pedras preciosas, ao enaltecer o mosaico
conexo à basílica, e com pronau «voltado para o que executa num dos portais protogóticos da igreja,
centro do fórum e o Templo de Júpiter» (V, 1, 7) surpreendentemente - e paradoxalmente - apela ao
- axialidade visual rara em todo o De Architectura argumento dos que, seguindo a Ovídio, advertiam
-, o arquiteto conclui sublinhando que o emprego ser a perfeição da forma superior à dos materiais:
da ordem colossal «reduz consideravelmente as «maravilhai-vos não com o ouro ou com o custo,

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As palavras e as pedras - De Architectura I, 2: o preceituário da boa arquitetura

mas com a habilidade do trabalho» (cf. Panofsky, e «irracional» - a sobrepujar o «necessário», «útil»
1976, p. 177). S. Bernardo de Clairvaux, com e «natural», como assinala Vitrúvio - fornecem
indignação (e astúcia não menor), na Apologia ad todos armas poderosas para a prossecução dos
Willelmum inverte o tópos retórico: «de todas as novos valores da elocutio perseguidos no período
partes aparece tão rica e surpreendente variedade tardo-republicano e imperial. Mas a alvorada não
de formas que é mais agradável ler os mármores prenuncia, por certo, o nítido contraste entre as
que os manuscritos, e passar um dia inteiro a preceptivas próprias ao ἖θος da simetria e ao -
admirar essas coisas, uma a uma, do que meditar πάθος do sublime, como cria o romântico inglês nos
sobre as Divinas Leis. Por Deus, se estes desatinos séculos XVIII e XIX da nossa era; antes, consiste na
não lhes dão vergonha, por que não pensam ao gêmula de uma concordia discors cuja parábola,
menos no gasto?» (Panofsky, id., p. 176; Schapiro, perpassando o escrito vitruviano, prolonga-se muito
id., p. 17). Nestes e noutros testemunhos que nos além do chamado mundo antigo.
chegam do Medievo, o encômio da habilidade
do artífice se desliga por completo dos reclamos 7. Vitrúvio e o Renascimento
à verossimilhança e à mímesis naturalista (cf.
Chastel, 1988a, pp. 85-99). Se não falece de todo, Chegado a este ponto, podemos melhor dimensionar
a preceptística de Vitrúvio permanece estranha à as invectivas que desde o Renascimento são lançadas
23
Ainda são referenciais as estética medieval23. contra Vitrúvio e sua escrita «sem acuro». Por uma
considerações de Krauthei-
mer (1993, pp. 98-150) sobre parte, é de todo improcedente reputar à pouca
a irrelevância do trinômio No mundo antigo, por outro viés, a exaltação da familiaridade do autor com as preceptivas «clássicas»
vitruviano firmitas, utilitas e
venustas para a arquitetura
magnificência e da suntuosidade das obras públicas a razão primeira das redundâncias e paradoxos do De
medieval. condescende com o requisito de «manifestação do Architectura. Como assinalam os recentes estudos
êthos principesco», peculiar ao decoro (embora assim exegéticos, a definição das seis partes constitutivas
desencadeie a paulatina asfixia do prépon clássico). da arquitetura mostra-se bastante coerente quando
Tal a divisa da Liberalitas Augusta, impressa em considerada, não tanto pela «etimologia» ou
inúmeras medalhas romanas a partir de Adriano, «pertinência histórica» dos vocábulos gregos a que
e que, rediviva pelo Renascimento italiano (temo-la fazem remissão, mas sobretudo pela lógica que os
inclusive entre as imagens de poder da Iconologia preceitos assumem na ordem expositiva do tratado
de Cesare Ripa), alenta o ideal de grandeza e glória (para a qual os empréstimos à retórica possuem uma
eterna. «Por meio da liberalitas», esclarece Martin importância não pequena). Por outra parte, cruciais
Warnke (1995, p. 84), «o príncipe demonstra não incongruências do tratado antigo, permanecendo
acumular o poder e as riquezas para si mesmo, ou inadvertidas pelos homens do Renascimento, findam
seja, de modo tirânico; ele os entende sobretudo por afetar de modo bastante comprometedor a
como encargo a ocupar-se do bem público. [...] um tratadística do período.
mau príncipe é aquele que não coloca à mostra a sua
liberalidade através de obras públicas arquitetônicas». «Aprendemos que os homens mais sábios e
Pavimenta-se assim a via para a legitimação moral da prudentes da Antigüidade», fala Leon Battista
vultosa política edificatória de Augusto, direcionada Alberti, «recomendavam, com vigor, tal como na vida
à exaltação da majestade do império. pública e privada, também na arquitetura moderação
e parcimônia nas despesas» ([1452] 1989, IX, 1, p.
Contudo, se no orbe augústeo a eloqüência 431). Memorando o zelo dos antigos no combate
arquitetônica vale pelo êthos que proclama, ao luxo, o primeiro grande tratadista da arquitetura
pela verossimilhança dos sentimentos acesos no do Renascimento finda por condescender, como
espectador - posto que condizentes com o caráter outrora Vitrúvio, com a defesa da ornamentação
do proprietário ou o uso do edifício -, a capacidade nos edifícios privados. A cada um aquilo que lhe
de impressionar pela exorbitância, magnificência ou convém. Consoante ao decoro, o arquiteto adverte
preciosismo, pelo excesso mais que por medida, os benefícios de se «transmitir aos pósteros uma
formas todas de manifestação de poder, finda por fama de sabedoria e igualmente de potência»,
acolher, no coração mesmo do estilo elevado, aqueles respeitando a prerrogativa de que «bem é tudo o
elementos «antinaturalistas» combatidos com afinco que é proporcional à própria importância» (id., 1, p.
por Cícero e outros sequazes. O «fictício», «ilusório» 433). Sob tal olhar, compete mais reprovar aos que,

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As palavras e as pedras - De Architectura I, 2: o preceituário da boa arquitetura

tendo recursos, edificam suas casas sem ornamentos, beleza e esplendor ou a fazê-lo durar em eterno.»
do que àqueles que não poupam gastos. (id., VII, 3, p. 291)

«Contudo» - ultima Alberti - «que fique bem claro: Se o repúdio ao «atrativo» dos ornamentos podia
quem almeja saber com exatidão em que consiste suscitar um vago alvitre das palavras de Bernardo,
realmente o ornamento dos edifícios deve entender a «exposição das preciosas raridades» coaduna-se
que esse é alcançado e depende não de grandes a um estudo mais abrangente sobre a suntuosidade
despesas, mas sobretudo da força do engenho. na arquitetura, a amalgamar valores estimados nos
Ninguém que seja sábio, creio, desejará afastar-se exempla da própria Antigüidade.
do uso geral no adornar a própria casa, precavendo-
se de suscitar inveja com a ostentação do luxo. Sobre as implicações e dificuldades da conjunção
Desejará, sim, não ser superado em nada, por quem de preceitos e estesias proposta nessas páginas do
quer que seja, quanto à presteza da construção, Sétimo Livro do De Re Aedificatoria, Alberti se mostra
à sabedoria e à perspicácia; fatores estes que bastante cauteloso. Ao enaltecer a magnificência
ilustram admiravelmente a subdivisão e a harmonia dos templos antigos, consente que se devam dar aos
do desenho, ou seja, o gênero mais importante e edifícios religiosos «as maiores proporções possíveis»,
essencial do ornamento.» (id., ibid., p. 433) porém acrescenta: «parece-nos igualmente justo
louvar aqueles templos que, compativelmente com
Somam-se a tais observações as advertências as proporções da cidade onde surgem, não se
contra o uso de ouro diretamente aplicado na obra, poderiam desejar maiores» (id., ibid., p. 291). Para
prevalecendo a pintura do mesmo, cujo valor, lê-se no além do «efeito de grandeza» em si, perseguido na
De Pictura, «equipara-se a muito mais ouro» (Alberti, arquitetura imperial ou nas catedrais, o expediente
1989, II, 25, p. 96; cf. Gombrich, 1999, p. 107); ou clássico de proporção harmônica impõe consonância
sobre a execução das estátuas dos templos, onde integral das partes do edifício entre si e com o todo,
o cobre e o mais puro e alvo mármore, por serem e, por conseqüência, entre ele e as edificações do
menos susceptíveis à avidez humana, são igualmente entorno (regio) ou, no limite, as dimensões da
24
Sobre a vigência de tais preferíveis ao ouro (De Re Aed., VII, 9, p. 363). No própria cidade24.
expedientes nos círculos pro-
interior dos templos coibi-se a frivolidade e a atração
fissionais próximos a Alberti,
cf. Benevolo (1985, pp. 219- de ornamentos «aptos a desviar a mente dos fiéis Por igual ilação, em mais de um lugar, Alberti
31, especif. sobre Rosselino
dos pensamentos religiosos com os aliciamentos advoga a veritas do ornato, a necessidade de ele
e as proporções da catedral
de Pienza, p. 225). e lisonjas dos sentidos», convindo-lhes «pureza e «iluminar» as divisões e a harmonia dos lineamentos,
simplicidade» (id., ibid., p. 331). Essas ponderações, pondo-se de acordo com a ordem imanente ao
longe de se endereçarem ao culto do luxo e da corpo da edificação, num conúbio amistoso de
25
Cf. De Re Aed., VI, 1, p. magnificência, revigoram razões similares às que pulchritudo e ornamentum25. Esse é o propósito
235: «Se não me engano, [os
arquitetos,] fazendo uso de
moviam Vitrúvio a contrapor decor a sumptus. Os maior da narrativa sobre a origem e evolução
ornamentos, ou seja, recor- ornamentos devem evidenciar sabedoria, uma ratio histórica da arquitetura antiga, rumo à glória máxima,
rendo a tinturas, escondem
as partes que ferem a vista, e
que perfaça o todo da obra. Continuamos aqui a significativamente situada num período posterior ao
polindo e ressaltando as par- operar no orbe da symmetria, dos valores próprios império de Augusto. Por juventude, o poderio da
tes mais belas, conseguem o
efeito de tornar naqueles edi-
ao corpo coeso, ou, nas palavras de Alberti, ao Ásia, com suas obras colossais, seus edifícios grandes
fícios umas menos fastidiosas organismo unitário. e faustosos, a culminar na «idéia insana de erigir
e mais prazerosas outras. Se
isto é verdade, o ornamento
pirâmides» (id., VI, 3, p. 237); seus sucessores, os
pode ser definido como uma Em outras passagens, no entanto, o autor quase gregos, sobejam na potência do engenho, «extraindo
sorte de beleza auxiliar ou de
complemento».
parece anuir ao fausto e à magnificência: os fundamentos da arquitetura e das outras artes
do seio da própria natureza» (p. 238), amantes
«Em meu entender, sobretudo uma qualidade deve que eram da beleza. Na Itália, a arquitetura alcança
ter o templo. Tudo quanto nele é visível deverá a «esplêndida maturidade». O inato sentido de
ser tal que resulte difícil ajuizar se compete mais economia propiciou aos autóctones conceber o
o encômio do engenho e da obra dos artífices ou edifício como «um organismo animal [...] cujos
da solicitude dos cidadãos no recolher e expor ali membros, louvados pela sua forma, quase sempre se
as mais preciosas e admiráveis raridades, e se as adaptam no modo mais perfeito às funções próprias
suas características são mais aptas a conferir-lhes no corpo do animal, de modo que o aprazível das

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As palavras e as pedras - De Architectura I, 2: o preceituário da boa arquitetura

formas nunca se separa da prática que o uso requer.» suntuosas. A pouco e pouco, o culto à magnificência
(p. 239). Com o Império mundial acentuam-se os exacerbava o hiato intransponível entre os recursos
esmeros por beleza, a engendrar obras magníficas; materiais e humanos da Roma imperial e os do
porém, a teleologia se cumpre quando: presente. A «ficção», para além de um valor a
imitar, revela-se uma imposição, impossibilitados
«Num dado momento preferiu-se conciliar a que estavam os homens do Renascimento de
parcimônia tradicional com a magnificência dos restabelecerem a maniera antica em toda a sua
reinos mais potentes, fazendo sim que a frugalidade integridade monumental (id., pp. 61-2).
não subtraísse em nada a prática conveniência,
nem esta tivesse muita cautela com as riquezas, Isso não obstante, Filarete, Francesco di Giorgio,
acrescentando às duas qualidades tudo o que se Bramante e tantos mais almejam na arquitetura
pudesse encontrar para conferir de algum modo uma excelência e perfeição de natureza símile a do
suntuosidade e prazer às obras.» (id., ibid., p. homem bem figurado, «uno intiero, e ben finito
239) corpo», nas palavras de Palladio. A assunção efetiva
do «ilusionismo» nos edifícios, anunciando-se pelo
Desse compromisso resulta aquela busca de «poder parecer mais do que realmente eram»,
consonância entre ornamento e arquitetura mural tida impõe, contudo, o soçobro do paradigma do corpo,
por Rudolf Wittkower (1988, p. 42) como distintivo o ocaso de uma assimilação que, exalçada a modelo
de Alberti. Se algo da fictio florescida nos canteiros do de beleza arquitetônica pela voz dos antigos (Cícero
império persiste, jamais transgride a prossecução de e sobretudo Vitrúvio), recobra plena vitalidade na
uma ordem que cinge ao todo orgânico da edificação. Renascença. Em síntese, impõe o divórcio entre
Inferência insólita se pensarmos que, no proêmio aos utilitas e venustas.
Dez Livros, o autor colhe dessa arquitetura antiga
exatamente o elemento desagregador da simetria Erwin Panofsky (1985c, pp. 67-92) mostrou como
ou corporeidade clássica. «Com razão Tucídides a aliança entre «fidelidade à natureza» e «beleza»
aprova a sabedoria daqueles antigos que tinham esteve no alvo dos tratados e escritos de arte do
elevado nas suas cidades todo gênero de edifícios, Maneirismo. Pintores e poetas têm sempre poder
de modo a aparecerem mais potentes do que em de tudo ousar... Segundo testemunho de Francisco
realidade eram» (De Re Aed., 1989, Proêmio, pp. de Holanda, Michelangelo, apelando ao dictum
8-9). Amalgamando preceitos peculiares a momentos Horatii sobre a liberdade artística, conforme uma
históricos distintos, as componentes mais radicais do equivocada interpretação em voga por todo o
feitio cenográfico da auctoritas - votado ao exterior Medievo, convalidava o inverossímil da «fantasia»
e subversivo da coesão corpórea da arquitetura, pictórica e da «licença» arquitetônica, desobrigando-
como assinala Gros -, ficam interditadas no De Re as do respeito às conveniências de uso, comodidade
Aedificatoria. e firmeza - outrora observados por Vitrúvio na
disposição das colunas e na modenatura dos
26
«Daí as iniciativas que têm No Quatrocentos e boa parte do Quinhentos, o entablamentos26.
desconcertado e também es-
candalizado a tantos», pon-
tratado de Alberti fixa oriente para o regresso aos
dera Chastel (1988a, p. 95), Antigos; todavia, esteve longe de moderar o fascínio A defesa do poder do artista na criação das regras
«como a introdução de nudez
lá onde a “conveniência” pa-
do Renascimento pela magnificência. A ambição por da arte cinge questões estéticas controversas, como
rece excluí-la, o conflito entre obras grandiosas, o êmulo dos maiores, contagia a a das diferenças estilísticas entre os indivíduos,
membros arquitetônicos, as
deformações dos mascarões.
todos. Antonio Averlino, dito Il Filarete, argüindo os povos ou civilizações. Mas o mal-estar que,
A sua exegese do quidlibet aos comitentes «jamais evitarem construir grandes e desde a Antigüidade, recai sobre os que, no juízo
audendi potestas [poder de
tudo ousar] é calculada para
belos edifícios em atenção às despesas», mostra-se do Romano, condenam a «verdadeira arte» às
impedir que a frase não se um dos analistas mais lúcidos, no juízo de Christof sombras, aqueles cuja «insensatez e desvios» dão
reverta contra ele mesmo».
Thoenes (1995, p. 58), sobre a distância histórica origem a «um estilo baseado na ficção» (De Arch.,
e econômica entre o presente e o passado. Em sua VII, 5, 7), persistirá por muito tempo! A postulação
utópica cidade ideal, o «Ergastolon», preserva a de uma arte legítima, pautada na necessidade e
prática antiga do trabalho escravo, suprimindo a conforme à natureza, ainda que não perfile com
pena de morte para assim servir-se dos prisioneiros nitidez o seu arquétipo, contém, por implicação,
como mão-de-obra na ereção de obras principescas um critério igualmente preciso sobre a falsa arte, a

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As palavras e as pedras - De Architectura I, 2: o preceituário da boa arquitetura

operar com o desnecessário e contrário ao natural. Aristóteles. (1973) Ética a Nicômaco. In Os Pensadores (Aris-
tóteles). Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim.
Nessa divisa, talvez seja Goethe, no momento de São Paulo: Abril Cultural.
sua conversão plena aos «antigos», quem melhor
Benevolo, Leonardo. (1985) Historia de la arquitectura del
desvele o caráter falacioso do locus classicus ora
Renacimiento. Trad. de M. T. Weyler. Barcelona:
assinalado. Em Viagem à Itália, na paragem de Gustavo Gili.
Vicenza, dia 19 de dezembro de 1786, comovido
Callebat, Louis. (1994) “Rhetorique et Architecture dans le
com a beleza das obras de Palladio, o poeta relata De Architecture de Vitruve”. In Gros, P. (a cura di) Le
a maestria com que o arquiteto enfrentou «a maior project de Vitruve. Object, destinataires et réception
du De Architectura, Acte du colloque international
dificuldade contra a qual ele, bem como toda a (Rome, 26-27/3/1993). Rome.
arquitetura mais recente, teve de lutar [...] [ou seja,]
__________. (1989) “Organisation et structures du De
a disposição acertada das colunas na construção Architectura de Vitruve”. In AA.VV. Munus non in-
burguesa, pois unir colunas e paredes permanece gratum. Proccedings of the International Symposium
on Vitruvius’ De Architectura and the Helenistic and
sendo algo contraditório» (Goethe, 1999, p. 62). Republican Architecture. Ed. by H. Geertman & J. J.
Rudolf Wittkower compartilha o desafio (e o êxito) de Jong. Leiden.
com Alberti. Mas o fascínio maior de Goethe, __________. (1973) Vitruve VIII (introd. et comment.) Paris:
concorde-se ou não com sua apreciação da obra Les Belles Lettres.
palladiana, está em afiançar, uma vez exposto o __________. (1986) Vitruve X (introd. et comment.) Paris:
concerto com que o vicentino emprega colunas e Les Belles Lettres.
paredes, simultaneamente a sua inexorável ficção,
Chastel, Andre. (1988a) “Il dictum Horatii «quidlibet
sem a qual o lógos da obra jamais poderia alçar audendi potestas» e gli artisti (XIII-XVI secolo)”. In
aos cumes da arte. Ordem construtiva e potência Favole, forme, figure. Trad. M. Zini e M. V. Malvano.
Torino: Giulio Einaudi Ed.
poética não se desligam, amalgamadas num e mesmo
impulso espiritual. Avivando a comparação entre as Ciapponi, Lucia A. (1960) “Il «De Architectura» di Vitruvio
nel Primo Umanesimo”. In Italia Medievale e Uma-
palavras e as pedras, o poeta externa: nistica III. Padova: Antenore.

Cicéron. (1843) Paradoxa / Les Paradoxe. In Oeuvres com-


«Há, de fato, algo de divino em suas construções, pletes. Trad. de M. Nisard. Tome Premier. Paris: J. J.
algo que se assemelha bastante ao poder do poeta, Dubochet et Comapagnie.
capaz de, partindo dos universos da verdade e da Cicerone. (2000) De Oratore / Dell’Oratore. Trad. di M.
mentira, criar um terceiro, cuja existência emprestada Martina, M. Ogrin, I. Torzi e G. Cettuzzi. Milano:
Rizzoli.
nos encanta.» (id., ibid., p. 62)
__________. (1991) Orator / El Orador. Trad. de E. S. Salor.
Seguindo a fórmula platônica, pode-se dizer que a Madrid: Alianza.

arte forja um daímon semelhante ao Amor. A validez __________. (1998a) De Inventione. Trad. di M. Greco.
do conúbio entre verdade e mentira, pelo qual a Università di Lecce, Marco Congredo Ed.

poesia ganha realidade, está no poder e encanto __________. (1998b) De Officiis / I Doveri. Trad. di A. R.
do que ela assim nos faz ver. Nessa senda, são de Barrile. Milano: Rizzoli.
todo legítimos elementos contraditórios -como Ferri, Silvio. (1941) “Problemi di estetica vitruviana”. In La
coluna e muro -, falsos - como colunas ornamentais Critica d’Arte VI-VII, 1941-42. Firenze: Sansoni.
adossadas ao muro -, fantasiosos - como colunas
__________. ([1960] 2002) (Recensione del testo, tra-
sem suporte, michelangelescas. Embaralhando os duzione e note) Vitruvio. Milano: Ed. Biblioteca
Universale Rizzoli.
confins entre o verdadeiro e o falso, Goethe dissipa,
por igual, os limites estanques entre o necessário e __________. (1953) “Note archeologico-critiche al testo
o supérfluo, o coerente e o absurdo. Quanto à arte di Vitruvio”. In Parola del passato, XXX.

edificatória, se de regra lhe objurgam os «abusos Filarete. ([c. 1460] 1972) Trattato di architettura. A cura
do inútil», que valha o axioma: a arquitetura mente di A. M. Finoli e L. Grassi; introd. e note di Liliana
Grassi. Milano: Il Polifilo.
sempre, mesmo quando diz a verdade.
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Paris: Les Belles Lettres.
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