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C o m e n t á r io B íb l ic o

Ex p o s it iv o

Antigo Testamento
Volume II — Histórico

W arren W. W iersbe

T r a d u z id o p o r
S u sa n a E. K la ssen

Ia Edição
5a Impressão

Geográfica
Santo André, SP - Brasil
2010
S u m á r io

Jo su é ................................................................................................................ 0 7

J u íz e s ................................................................................................................8 9

R u t e ............................................................................................................ 1 72

1 S a m u e l ...................................................................................................... 1 9 9

2 S am uel / 1 C r ô n ic a s ............................................................................2 9 3

1 Reis............................................................................................................. 391

2 R eis / 2 C r ô n ic a s .................................................................................. 491

E s d r a s ........................................................................................................ 5 8 6

N eem ia s ......................................................................................................6 1 4

Es t e r , 689
2 R eis e 2 C r ô n ic a s

ESBOÇO 5. Colhendo os frutos do pecado


(2 Rs 8:1 -9:37; 2 Cr 21:1 -22:9) 521
Tema-chave: O julgamento de Deus sobre 6. A espada e a coroa
Israel e Judá (2 Rs 10 - 11;
2 C r22:10-23:21)...................... 528
1. O MINISTÉRIO DE ELISEU - 7. Concentrando-se na fé
2 REIS 1 - 13 (2 Rs 12 - 13; 2 Cr 24)................. 536
8. Nove reis - cinco assassinatos
II. A QUEDA DE SAMARIA - (2 Rs 14 - 15; 2 Cr 25 - 27) 543
2 REIS 14 - 17 9. Uma história de dois reinos
(2 Rs 16- 17; 2 Cr 28)................. 551
III. O CATIVEIRO DE JUDÁ - 10. A formação de um rei - Parte 1
2 REIS 18 - 25 (2 Rs 18:1 - 20:11;
2 Cr 29:1 - 31:21;
CONTEÚDO 32:24-26; Is 38)............................ 557
1. Caminhos separados 11. A formação de um rei - Parte 2
(2 Rs 1 - 2)................................. 492 (2 Rs 18:17 - 19:37; 20:12-21;
2. Graça maravilhosa! 2 Cr 32:27-33; Is 36 - 37; 39) 563
(2 Rs 3 - 4)................................. 501 12. O fim está próximo
3. Três homens - três milagres (2 Rs 21:1 - 23:30;
(2 Rs 5:1 -6:7)............................ 508 2 Cr 33:1 -35:27)........................ 571
4. A batalha é do Senhor 13. Chegou o fim
(2 Rs 6:8 - 7:20)......................... 515 (2 Rs 23:31 - 25:30; 2 Cr 36) 579
(1 Rs 18), mas Acabe e Jezabel não haviam
1 sido convencidos nem convertidos, nem sua
família (1 Rs 22:51-53). Quando Acazias fe­
riu-se gravemente ao cair pelas grades de
C a m in h o s S ep a r a d o s um quarto alto, buscou a orientação de Baal,
não do Senhor Deus de Israel. "Baal" signifi­
2 Reis 1- 2 ca simplesmente "senhor", e "Baal-Zebul"
quer dizer "Baal é príncipe". Porém, o rema­
nescente devoto a Jeová em Israel mudou
esse nome, ridicularizando o falso deus de
seus vizinhos. "Baal-Zebel" quer dizer "se­
nhor do estrume" e "Baal-Zebube" significa

E
liseu ("Deus é salvação") havia sido servo "senhor das moscas", um dos nomes que
e aprendiz de Elias por cerca de dez os inimigos de Jesus usaram para insultá-lo
anos, mas chegara a hora de o Senhor cha­ (Mt 10:25).
mar ao lar seu servo corajoso. Temos a im­ Por que o rei decidiu enviar mensageiros
pressão de que Elias e Eliseu eram homens para a cidade de Ecrom, a mais de sessenta
de temperamentos diferentes, sendo Elias o quilômetros, para consultar os sacerdotes de
"filho do trovão" e Eliseu um tipo mais bon­ Baal? E verdade que Elias matara os 450 pro­
doso e tranqüilo. Isso não significa que Elias fetas de Baal (1 Rs 18:19, 22, 40), mas isso
nunca foi afável e que Eliseu nunca foi seve­ ocorrera dez anos atrás. Sem dúvida, era
ro, pois o registro bíblico traz exemplos de possível encontrar outros sacerdotes de Baal
ambos os casos. Porém, de modo geral, Elias na terra. Os pais do rei haviam alimentado
atuou como João Batista, colocando o ma­ centenas desses sacerdotes à mesa real (1 Rs
chado na raiz das árvores, enquanto Eliseu 18:19), e não teria sido difícil para Acazias
seguiu um ministério mais reservado, como trazer de outras localidades sacerdotes de
o de Jesus (ver Mt 3:1-12 e 11:16-19). Nos Baal para servir como capelães da corte.
acontecimentos finais dessa parceria espiri­ Talvez tenha ido buscar ajuda em Ecrom
tual, vemos a revelação de quatro verdades porque não queria que o povo de Samaria
importantes sobre o Deus de Israel. soubesse quão grave era seu estado de saú­
de. O templo de Baal em Ecrom era bastan­
1. D e u s ju l g a o p e c a d o (2 Rs 1:1-18) te famoso, pois Baal era o deus principal
Depois da morte do perverso rei Acabe, a daquela cidade, e se esperava que os reis
nação de Moabe se aproveitou de Acazias, buscassem ajuda naquele local. Observe
filho e sucessor de Acabe, e rompeu os la­ que Acazias pediu aos sacerdotes de Baal que
ços de vassalagem que os haviam mantido lhe dessem apenas um prognóstico, não
presos a Israel (v. 1; ver 3:4, 5). Anos antes, que o curassem.
Davi havia derrotado Moabe (2 Sm 8:2), e Deus mantém seus servos informados de
Jeorão (Jorão), sucessor de Acazias, se jun­ questões sobre as quais as outras pessoas
taria a josafá, rei de Judá, para lutar contra nada sabem (Jo 15:15; Am 3:7). Esse "Anjo
os moabitas (3:6.ss). Porém, o Senhor domi­ do S e n h o r " pode muito bem ter sido o Se­
na sobre as nações da Terra (At 17:24-28; nhor Jesus Cristo em uma de suas aparições
Dn 5:19, 21; 7:27), e sua vontade determi­ pré-encarnadas (Cn 16:7; 18; 21:17; 22:11;
na a história. Acazias era um homem perver­ 48:16). Quando os servos de Deus estão
so (1 Rs 22:10, 51-53), mas mesmo quando caminhando com seu Senhor, podem estar
não se atribui ao Senhor a permissão de go­ certos de que serão dirigidos por ele quan­
vernar, ele prevalece (SI 33:10, 11). do for necessário. Essa havia sido, sem dúvi­
Idolatria (w. 2-4). Cerca de uma déca­ da alguma, a experiência de Elias (ver v. 15
da antes do acidente de Acazias, Elias havia e 1 Rs 17:3, 9; 18:1; 21:18). Elias intercep­
conquistado uma grande vitória sobre Baal tou os enviados do rei e lhes transmitiu uma
2 REIS 1 - 2 493

mensagem que serviria tanto para repreen­ Jezabel, mas, dessa vez, ficou onde estava
der o rei como para incutir-lhe algum bom e encarou os soldados sem qualquer receio.
senso. Por que desejava consultar o deus Por certo, o capitão não usou a desig­
morto de Ecrom quando o Deus vivo de Is­ nação "homem de Deus" como um elogio
rael estava a sua disposição para dizer-lhe o a Elias ou como uma confissão da própria
que aconteceria? Por certo, o rei morreria! fé, pois "homem de Deus" era um sinôni­
Essa declaração ominosa foi feita três vezes mo comum da época para "profeta". Em
no decorrer desses acontecimentos - duas outras palavras, o que Elias disse com sua
vezes por Elias (vv. 4 e 16) e uma vez pelos resposta foi: '
mensageiros (v. 6). Em vez de atuarem como — Uma vez que você me chama de ho­
porta-vozes de Baal, os mensageiros acaba­ mem de Deus, deixe-me provar que sou, de
ram sendo arautos da Palavra de Deus para fato, homem de Deus. Meu Deus tratará de
o rei! você de acordo com suas próprias palavras.
Orgulho (vv. 5-12). Parece incrível que O fogo que desceu do céu matou os
os mensageiros do rei não conhecessem cinqüenta homens. Esse julgamento repe­
Elias e que só tivessem descoberto sua iden­ tiu-se quando outro grupo de cinqüenta
tidade depois de voltar ao palácio! Elias era abordou o profeta. Observe que o segundo
inimigo de Acabe (1 Rs 21:20), e Acazias era capitão ordenou a Elias: "Desce depressa".
filho de Acabe, de modo que Acazias certa­ Não deixe seu rei esperando! A lembrança
mente havia comentado com seus cortesãos do confronto no monte Carmelo deveria ter
sobre o profeta. A descrição que os mensa­ advertido o rei e seus soldados de que Elias
geiros deram de Elias nos lembra de João poderia fazer fogo descer do céu (1 Rs 18).1
Batista, que ministrou "no espírito e poder Não devemos interpretar essas duas de­
de Elias" (Lc 1:17; Mt 3:4). A oração "um monstrações da ira de Deus como evidên­
homem vestido de pêlos" indica seus trajes cias de irritação da parte de Elias ou como
e não sua aparência (em algumas versões, injustiça da parte de Deus. Afinal, os solda­
"peludo"). Assim como João Batista, Elias dos não estavam apenas cumprindo seu
usava roupas comuns dos pobres, feitas de dever e obedecendo a seu comandante?
pêlos de camelo e não os mantos sofistica­ Esses dois episódios de julgamento abrasa­
dos de um rei (Mt 11:7-10). dor foram mensagens dramáticas do Senhor
A notificação da sua morte deveria ter avisando que o rei e a nação deveriam arre­
levado Acazias a arrepender-se de seus pe­ pender-se ou provariam o julgamento de
cados e a buscar o Senhor, mas, em vez Deus. O povo havia se esquecido das lições
disso, ele tentou prender o profeta. (O que do monte Carmelo, e esses dois julgamen­
nos lembra de que Herodes mandou pren­ tos o lembraram de que o Deus de Israel é
der João Batista; Mt 14:1-12.) Acazias sa­ "fogo que consome" (Dt 4:24 e 9:3; Hb
bia que Elias era um adversário temível, de 12:29). O rei Acazias era um homem orgu­
modo que enviou um capitão com cinqüen­ lhoso que sacrificou dois capitães e cem
ta soldados para trazê-lo ao palácio, mas homens numa tentativa inútil de evitar a pró­
subestimou o poder do profeta. Será que pria morte. Não se tratava de homens ino­
Acazias pensou que poderia matar o profe­ centes, vítimas dos caprichos de seu rei, mas
ta e, assim, anular a profecia? (As palavras sim de homens culpados, dispostos a fazer
do Senhor, no versículo 15, indicam que o aquilo que o rei ordenava. Se tivessem assu­
rei pretendia assassinar Elias.) Ou, talvez, mido a atitude do terceiro capitão, também
o rei esperasse influenciar o profeta para não teriam sido mortos.
que mudasse a profecia. Elias, porém, rece­ Desobediência (vv. 13-18). Em sua in­
bia suas ordens do Rei dos reis e não de sistência para que Elias lhe obedecesse, o
monarcas terrenos, especialmente de um rei rei enviou um terceiro grupo de soldados,
idólatra e filho de assassinos. Anos antes, Elias mas, dessa vez, seu capitão demonstrou sa­
havia se intimidado ao receber a ameaça de bedoria e humildade. Ao contrário do rei e
494 2 REIS 1

dos dois capitães anteriores, sujeitou-se ao 2. O S e n h o r deseja q u e n o s


Senhor e a seu servo. A súplica do terceiro lem b re m o s (2 Rs 2:1-6)
capitão por si mesmo e por seus homens O rei Acazias morreu, mas Elias não! Foi le­
mostra que ele reconhecia a autoridade de vado para o céu num redemoinho acompa­
Elias e que não faria mal algum ao servo de nhado de uma carruagem de fogo puxada
Deus. As palavras do Senhor, no versículo 15, por cavalos flamejantes. Assim como
indicam que o perigo encontrava-se nas mãos Enoque, nos tempos mais antigos, Elias an­
dos capitães e não nas mãos do rei. Talvez o dou com Deus e, de repente, foi estar com
rei tivesse ordenado que matassem Elias a Deus (Gn 5:21-24; Hb 11:5). Os dois ho­
caminho do palácio. Se o rei deveria morrer, mens ilustram o arrebatamento dos santos
então pelo menos levaria Elias consigo. quando Jesus voltar (1 Ts 4:13-18). Porém,
Acazias estava acamado quando Elias o antes de Elias deixar Eliseu para dar conti­
confrontou pela segunda vez e anunciou que nuidade a seu trabalho, caminhou com seu
morreria. Quantas vezes o Senhor precisa sucessor de Gilgal até a região além do
repetir sua mensagem a um pecador per­ Jordão, o que deve ter sido uma caminhada
verso? O rei deixaria este mundo com as e tanto! O Senhor tinha em mente pelo
palavras: "sem falta, morrerás" ainda soan­ menos três propósitos ao levar esses dois
do em seus ouvidos e, mesmo assim, re­ servos a caminhar juntos.
cusou-se a obedecer à Palavra de Deus. Mais Aproveitar o presente. Eliseu sabia que
uma vez, somos lembrados da forma como seu mestre iria deixá-lo (vv. 1, 3, 5) e deseja­
Herodes agiu com relação a João Batista, va estar com ele até o fim, ouvir seus conse­
pois Herodes ouviu as palavras de João, mas lhos e aprender com ele. A impressão é que
não se arrependeu (Mc 6:20). Depois de Elias queria que Eliseu ficasse para trás dei­
cerca de dois anos no trono, Acazias mor­ xando-o ir sozinho, mas se tratava apenas
reu, conforme Elias havia previsto, sendo de um teste da devoção de Eliseu. Quando
sucedido por seu irmão mais novo Jorão (ou Elias jogou seu manto sobre Eliseu e fez dele
Jeorão). Observe que o rei de Judá nessa seu sucessor, o rapaz prometeu: "te segui­
época também se chamava Jeorão. A fim de rei" (1 Rs 19:20) e cumpriu essa promessa.
evitar confusão, iremos nos referir ao irmão Ao longo dos anos que esses dois homens
de Acazias e rei de Israel como Jorão e ao trabalharam juntos, sem dúvida desenvolve­
filho de Josafá e rei de Judá como Jeorão. ram afeição e admiração mais profundas um
Antes de encerrarmos esta passagem, pelo outro. A declaração: "Não é bom que
devemos nos lembrar de que, um dia, este o homem esteja só" (Gn 2:18) não se aplica
mundo orgulhoso e impenitente experimen­ apenas ao casamento, mas também ao mi­
tará o fogo da ira de Deus. Isso acontecerá nistério. Moisés e Arão trabalharam juntos,
"quando do céu se manifestar o Senhor Je­ e Davi e Jônatas encorajaram-se mutuamen­
sus com os anjos do seu poder, em chama te. Paulo viajou primeiro com Barnabé e,
de fogo, tomando vingança contra os que depois, com Silas, e, ao que parece, Lucas
não conhecem a Deus e contra os que não foi um companheiro constante do apóstolo.
obedecem ao evangelho de nosso Senhor Até mesmo Jesus enviou seus discípulos dois
Jesus. Estes sofrerão penalidade de eterna a dois (Mc 6:7; ver Ec 4:9-12). Não somos
destruição, banidos da face do Senhor e da apenas colaboradores do Senhor, mas tam­
glória do seu poder" (2 Ts 1:7-9). Deus orde­ bém do povo de Deus e, ao servir ao mes­
na "aos homens que todos, em toda a parte, mo Senhor juntos, não deve haver rivalidade
se arrependam" (At 17:30), o que significa (Jo 4:34-38; 1 Co 3:1-9).
que aqueles que não se arrependem são Não temos como saber quando um ami­
rebeldes contra o Senhor. O evangelho não go e colega de trabalho nos será tirado. Deus
é apenas uma mensagem na qual se deve disse a Eliseu que Elias o estava deixando,
crer, mas também uma ordem a que se de­ mas não sabemos quando é chegada a nossa
ve obedecer. hora ou a hora de um amigo ir para o céu.
2 REIS 1 495

Que grandes oportunidades desperdiçamos (Jo 13 - 16)ede Paulo (At 20:1 7-38 e 2 Tm),
aos perder tempo com coisas insignifican­ mas o Senhor não deixou registrado o que
tes, enquanto poderíamos estar aprenden­ Elias disse a seus discípulos amados. Sem
do uns com os outros sobre o Senhor e sua dúvida, disse-lhes para obedecerem a Eliseu
Palavra! Alegra-me o coração quando vejo como lhe haviam obedecido, para perma­
cristãos mais jovens e obreiros cristãos dan­ necerem fiéis à Palavra de Deus fazendo
do o devido valor aos membros mais idosos tudo o que o Senhor lhes ordenasse ao luta­
de suas congregações e aprendendo com rem contra a idolatria na terra. Era responsa­
eles. Um dia, esses "gigantes" serão chama­ bilidade deles chamar o povo de volta à
dos de volta ao lar, e não poderemos mais obediência à aliança de Deus (Dt 27 - 30),
aprender com eles. para que ele pudesse se agradar em aben­
Esses dois homens representam gerações çoar e curar sua terra.
diferentes e personalidades opostas, no en­ Durante os anos nos quais tive o privilé­
tanto, foram capazes de andar juntos. Que gio de lecionar a alunos de seminário, ouvia,
forte repreensão para aqueles participantes de vez em quando, alguns deles dizerem:
da igreja que rotulam as gerações e que as — Por que precisamos estudar? Charles
separam umas das outras. Certa vez, ouvi Spurgeon nunca foi para o seminário, nem
um pastor jovem dizer que não queria nin­ Campbell Morgan ou D. L . Moody!
guém com mais de 40 anos de idade em Ao que eu costumava responder:
sua igreja e fiquei imaginando onde ele iria — Se alguns de vocês são Spurgeons,
obter os conselhos sábios que normalmen­ Morgans ou Moodys, sem dúvida vamos
te vêm com a maturidade. Dou graças a acabar descobrindo, então lhes daremos
Deus pelos "Elias" em minha vida que foram permissão para interromperem seus estudos.
pacientes comigo e que dedicaram tempo Deixe-me lembrá-los, porém, de que Spur­
para me ensinar. Agora, estou tentando com­ geon e Moody fundaram institutos para a
partilhar essa mesma bênção com outros. instrução de pregadores e de que Campbell
Preparar para o futuro. Em Betei, Jericó Morgan foi presidente de uma faculdade e
e Gilgal, os dois homens visitaram os "discí­ também lecionou em várias escolas. Enquan­
pulos dos profetas" (vv. 5, 7, 15; 4:1, 38-40; to isso, de volta aos estudos.
6:1, 7; 9:1; ver 1 Rs 20:35), grupos de ho­ Deus tem maneiras diferentes de prepa­
mens consagrados e chamados por Deus rar seus servos, mas ainda espera que a ge­
para estudar as Escrituras e ensinar o povo. ração mais velha passe adiante à geração
Samuel liderou uma dessas "escolas" em mais nova os tesouros da verdade confia­
Ramá (1 Sm 7:17; 28:3; ver 10:5, 10; 19:20­ dos por seus antecessores, a "fé que uma vez
23). Esses grupos eram semelhantes às clas­ por todas foi entregue aos santos" (Jd 3).
ses de discipulado em nossas igrejas ou Recapitular o passado. Gilgal, Betei e
mesmo às escolas bíblicas e seminários. A Jericó, bem como o rio Jordão, eram lugares
obra do Senhor encontra-se sempre a uma importantes para a história de Israel, sendo
geração da extinção, e devemos obedecer que cada um deles transmitia uma mensa­
fielmente a 2 Timóteo 2:2: "O que de mi­ gem significativa. Antes de deixar a terra e
nha parte ouviste através de muitas testemu­ de ir para o céu, Elias desejava visitar esses
nhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e lugares pela última vez e levar Eliseu consi­
também idôneos para instruir a outros". go. Nosso Deus eterno não habita em luga­
Aqueles jovens profetas sabiam que seu res específicos, mas somos criaturas presas
mestre estava prestes a deixá-los, de modo ao tempo e à história e precisamos dessas
que esses últimos encontros devem ter sido lembranças visíveis para nos ajudar a recor­
bastante emocionados. Nas Escrituras, en­ dar e a compreender melhor o que Deus
contramos "mensagens de despedida" de fez por seu povo. O passado não é uma
Moisés (o Livro de Deuteronômio), de Josué âncora para nos segurar, mas um leme a nos
(Js 23 - 24), de Davi (1 Cr 28 - 29), de Jesus dirigir, e o Senhor pode usar essas "memórias
496 2 REIS 1

palpáveis" para fortalecer nossa fé. O poeta Em Betei, os discípulos conversaram com
inglês W. H. Auden escreveu: "O homem é Eliseu sobre a partida de seu mestre. Talvez
uma criatura que faz história e que não pode pensassem que Eliseu estivesse a par de algo
repetir o passado nem deixá-lo para trás". É que ninguém mais sabia, uma atitude nada
importante lembrar o que Deus fez por nós incomum entre aprendizes. A mesma cena
no passado e transmitir esse tesouro para repetiu-se quando Elias e Eliseu chegaram a
nossos filhos e netos (SI 48:9-14; 71:17, 18; Jericó (v. 5). Nas duas cidades, Eliseu garantiu
78:1-8; 145:4). Esse é um dos temas princi­ educadamente aos discípulos que sabia o
pais do discurso de despedida de Moisés à que estava prestes a ocorrer, mas que dis­
nova geração prestes a entrar na Terra Pro­ cutir a questão só aumentava a dor da se­
metida (Dt 4:9, 10; 6:4-9; 11:19-21; 29:29). paração de seu mestre. A abordagem dos
O verbo "lembrar" aparece quatorze vezes discípulos àquilo que Deus estava fazendo
em Deuteronômio e "esquecer", pelo me­ era puramente intelectual, enquanto para
nos nove vezes. Eliseu, a perda de seu mestre querido trazia
Gilgal (v. 1) foi o primeiro lugar onde os dor ao coração. A marca de um verdadeiro
israelitas acamparam depois de atravessar o aprendiz das Escrituras é um coração arden­
rio Jordão e de entrar na Terra Prometida (Js te, não um cérebro extraordinário (Lc 24:32;
4:19, 20). Foi nesse local que a nova gera­ 1 Co 8:1).
ção de homens israelitas submeteu-se à cir­ Os dois homens andaram mais 20 quilô­
cuncisão, tornando-se oficialmente "filhos metros para oeste até Jericó, lugar da pri­
da aliança" (Js 5:2-9). Gilgal foi o lugar de meira vitória de Josué na Terra Prometida (Js
recomeços, e Elias queria que seu sucessor 5:13 - 6:27). Também foi o local onde Acã
se lembrasse disso. Cada nova geração é desobedeceu e tomou despojos que perten­
uma oportunidade para Deus levantar no­ ciam somente ao Senhor, um pecado que
vos líderes, e cada vez que o povo se arre­ causou a derrota de Israel em Ai (Js 7). Sem
pende e volta para o Senhor, ele pode dúvida, a vitória maravilhosa em Jericó mos­
restaurá-lo e renová-lo. Na época de Elias, trou a Israel como conquistar a terra: rece­
Gilgal era um centro de adoração idólatra bam suas ordens do Senhor; obedeçam-lhes
(Os 4:15; 9:15; 12:11; Am 4:4 e 5:5), mas pela fé, por mais absurdas que pareçam;
Elias não o abandonou. dêem toda a glória somente a Deus. Nas
De Gilgal, os dois homens caminharam duas ocasiões em que Josué não seguiu essa
até Betei (vv. 2, 3), cerca de 25 quilômetros fórmula, o líder e seu exército foram derro­
a oeste de Gilgal. Abraão adorou em Betei tados (Js 7 e 9). Josué havia amaldiçoado
(Gn 12:8; 13:3), como também o fez Jacó. qualquer um que reconstruísse Jericó (Js
Foi em Betei que Jacó viu os anjos subindo 6:26), mas a cidade havia sido reconstruída
e descendo a escada (ou escadaria) que al­ durante o governo do perverso rei Acabe
cançava o céu. Foi lá que Deus prometeu (1 Rs 16:34). Para Eliseu, Jericó lembrava a
estar com ele e cuidar dele (Gn 28:11-19). vitória da fé, a tragédia do pecado e a majes­
O nome Betei quer dizer "casa de Deus"; tade do Senhor que merece toda a glória.
nesse local, Jacó adorou ao Senhor e jurou Elias e Eliseu andaram 8 quilômetros para
lhe obedecer. Vários anos depois, Jacó vol­ o leste e chegaram ao rio Jordão, onde, sem
tou a Betei e, assim como Abraão (Gn 13:3), dúvida, lhes veio à mente e também à con­
recomeçou sua caminhada com o Senhor versa o relato de Josué 1 a 4. O Senhor abriu
(Gn 35). O rei Jeroboão havia colocado um o mar Vermelho para deixar seu povo sair
bezerro de ouro em Betei e feito da cidade do Egito (Ex 12 - 15) e, depois, abriu o rio
um local de adoração idólatra (1 Rs 12:26­ Jordão para deixar que entrassem na heran­
32; Am 3:14; 4:4-6), mas Elias olhou além ça prometida. De que adianta a liberdade
da profanação da cidade em sua época e quando não se toma posse da herança? En­
viu um tempo em que aquele foi um lugar quanto a nação seguia a arca da aliança, o
de bênção e de renovação. Senhor abriu as águas do rio, cujo volume
2 REIS 1 497

havia aumentado com as cheias, e o povo que podemos deixar é um servo preparado
atravessou em terra seca! Para comemorar para assumir nosso posto!
esse milagre, Josué ergueu um monumento
no meio do rio e outro na margem. Nada 3 . D e u s re c o m p e n s a o s e r v iç o
era difícil demais para o Senhor, pois para (2 Rs 2:7-12)
Deus todas as coisas são possíveis! E Elias Enquanto Elias e Eliseu encontravam-se à
repetiu o grande milagre! beira do rio Jordão, estavam sendo observa­
Esse é um bom momento para mostrar dos à distância por cinqüenta discípulos dos
as semelhanças entre Moisés e Elias. Os dois profetas. Sabiam que Elias iria partir naquele
separaram as águas - Moisés, do mar Ver­ dia (vv. 3 e 5), mas não sabiam como seria
melho (Êx 14:16, 21, 26); Elias, do rio Jordão. sua partida nem quando Deus iria chamá-
Os dois fizeram descer fogo do céu (Êx 9:24; lo. É bem provável que somente Eliseu viu
Lv 9:24; Nm 11:1 e 16:35). Os dois viram o que Elias foi arrebatado (v. 10), e depois que
Senhor prover alimento - Moisés testemu­ o profeta desapareceu, os cinqüenta discí­
nhou o maná (Êx 16) e as codornizes (Nm pulos pensaram que, na verdade, ele não os
11); Elias, o azeite e a farinha para a viúva, havia deixado (vv. 16-18). Viram Elias abrir
além das próprias refeições (1 Rs 17:1-16). as águas do Jordão e fechá-las outra vez, mas
Na terra do Egito, Moisés orou e Deus alte­ não viram o que Eliseu viu quando o rede­
rou as condições do tempo, enquanto Elias moinho levou Elias para o céu. Os cinqüen­
orou e Deus fez cessar as chuvas e, depois ta homens foram espectadores apenas de
de três anos, fez voltar a chover. Moisés deu parte do que ocorrera, mas Eliseu foi partici­
a lei ao povo de Israel; Elias chamou o povo pante do milagre e herdeiro do ministério
a arrepender-se e voltar para o verdadeiro de Elias.
Deus vivo. Os dois foram associados a mon­ Elias não concedeu três desejos a seu
tes (Sinai e Carmelo) e os dois caminharam sucessor, mas simplesmente lhe pediu que
pelo deserto. Os dois tiveram finais singula­ dissesse qual era o presente que desejava
res para a vida: Deus sepultou Moisés num mais do que qualquer outra coisa. Todo lí­
lugar onde ninguém poderia encontrá-lo e der precisa ter suas prioridades em ordem,
levou Elias para o céu num redemoinho. Tan­ e Eliseu soube o que responder: desejava
to Moisés quanto Elias tiveram o privilégio uma porção dupla do espírito de seu mes­
de estar presentes com Jesus no monte da tre. Não se tratava de um pedido para rece­
transfiguração (Mt 17:4; Mc 9:5; Lc 9:33). ber o dobro do Espírito Santo ou de ter um
Elias é um bom exemplo a ser imitado ministério duas vezes maior que o de Elias,
pelos cristãos com referência ao fato inevi­ mas sim de ter mais do espírito interior que
tável de que, um dia, deixaremos esta terra, motivou o grande profeta. Seu pedido ba­
quer pela morte quer pelo arrebatamento seou-se em Deuteronômio 21:17, a lei da
da Igreja. Em vez de ficar sentado sem fazer herança do primogênito. Apesar de haver
coisa alguma, visitou três das escolas de muitos "discípulos dos profetas" que eram
profetas e, sem dúvida, ministrou a seus dis­ como filhos, Eliseu considerava-se o "filho
cípulos. Não disse a seu sucessor: "vou te primogênito" de Elias, que merecia a heran­
deixar", fixando-se, desse modo, no aspec­ ça dobrada que Moisés havia ordenado.
to negativo, mas sim: "Vou para Betei, para Como um primogênito servindo ao pai,
Jericó e para o Jordão" e se manteve ocupa­ Eliseu havia caminhado com Elias e cuidado
do até o último instante, quando o Senhor o de suas necessidades (3:11; 1 Rs 19:21), mas
chamou. Além disso, não pediu a seus su­ a única herança que desejava era uma por­
cessores que lhe dessem coisa alguma, pois ção dupla do espírito interior da coragem,
não há o que possamos levar conosco da fidelidade, fé em Deus e obediência à von­
terra para o céu (1 Tm 6:7). Em vez disso, tade de Deus que seu mestre possuía. Com
antes de chegar seu fim, ofereceu um pre­ esse pedido, Eliseu estava aceitando o mi­
sente a Eliseu.2 Um dos melhores presentes nistério profético que Elias havia começado
498 2 REIS 1 - 2

e declarando que, com a ajuda de Deus, o outro lado do Jordão? Estava abandonando
levaria adiante até sua conclusão. seu país e seu povo? Sem dúvida, o redemo­
Elias foi sincero com o amigo e lhe disse inho de Deus poderia tê-lo levado com a
que não tinha o poder de conceder tal pre­ mesma facilidade de Betei ou Jericó. Em ter­
sente, pois apenas o Senhor poderia fazê-lo. mos técnicos, Elias ainda estava em territó­
Porém, se o Senhor permitisse que Eliseu rio israelita quando cruzou o rio, uma vez
visse Elias ser levado da terra para o céu, que Rúben, Gade e a meia tribo de Manassés
seria prova de que seu pedido havia sido tinham sua herança a leste do Jordão. Po­
atendido. E foi então que aconteceu! En­ rém, a questão ia além do aspecto técnico,
quanto os dois amigos caminhavam e con­ pois, ao levar Eliseu para o outro lado do
versavam, uma carruagem de fogo puxada Jordão, Elias obrigou-o a confiar que Deus o
por cavalos flamejantes passou entre os dois conduziria de volta à outra margem! O su­
e um redemoinho levou Elias embora - e cessor de Elias viu-se na mesma situação que
Eliseu viu o que aconteceu! Isso significava Josué: precisava crer que Deus abriria, como
que seu pedido havia sido atendido e que o de fato abriu, o rio para ele. Os discípulos
Senhor o havia equipado para dar continui­ que observavam a cena devem ter se per­
dade ao ministério de Elias. Sem dúvida, Elias guntado o que seu novo líder iria fazer.
foi o "profeta do fogo", pois as Escrituras Ao tomar o manto de Elias, Eliseu estava
registram pelo menos três ocasiões nas quais deixando claro que aceitava as responsabili­
ele fez descer fogo do céu (1 Rs 18:38; 2 Rs dades envolvidas em assumir a sucessão do
1:10, 12), de modo que foi apropriado Deus grande profeta e em continuar seu trabalho.
enviar cavalos e um carro de fogo para acom­ Ao usar o manto para abrir as águas do Jor­
panhar seu servo à glória. dão, estava declarando que sua fé não se
Eliseu reagiu com tristeza, como um fi­ encontrava no profeta que havia partido, mas
lho que lamenta a morte do pai querido. no Deus vivo e sempre presente. Sem dúvi­
Porém, fez um grande tributo a Elias ao da, devemos honrar a memória e as realiza­
chamá-lo de "carros de Israel e seus cavalei­ ções dos líderes que partiram. "Lembrai-vos
ros" (v. 12) - um único homem equivalente dos vossos guias, os quais vos pregaram a
a um exército inteiro! Em sua aliança com palavra de Deus; e, considerando atentamen­
Israel, o Senhor prometeu que, se a nação te o fim da sua vida, imitai a fé que tiveram"
obedecesse a ele, faria com que cem israe­ (Hb 13:7). Porém, um número excessivo de
litas fossem capazes de perseguir dez mil fundadores e de líderes falecidos ainda con­
soldados inimigos (Lv 26:6-8), e Moisés pro­ trola do túmulo os ministérios que costuma­
meteu que Deus faria um homem perseguir vam exercer, e seus sucessores encontram
mil e dois homens perseguirem dez mil (Dt enormes dificuldades em fazer as mudan­
32:30). Aquele que está com Deus está em ças necessárias para a sobrevivência do tra­
maioria. balho. Eliseu não cometeu esse erro, pois
pediu ao Deus de Elias que o ajudasse, e o
4. D e u s h o n r a a fé (2 Rs 2:13-25) Senhor honrou sua fé. Eliseu não era um
Elias havia partido, e Eliseu não poderia mais clone de Elias, mas os dois homens tinham
lhe pedir ajuda, mas o Deus de Israel conti­ uma coisa em comum: ambos tinham fé no
nuava assentado em seu trono. Daquele Deus vivo e verdadeiro. Por esse motivo,
momento em diante, a fé de Eliseu lhe daria Hebreus 13:7 ordena que nos lembremos
acesso ao poder de Deus e o capacitaria a dos líderes espirituais do passado e que "[imi­
realizar a obra do Senhor em Israel. O texto temos] a fé que tiveram".
registra três milagres, sendo que cada um A travessia miraculosa do rio Jordão por
deles constitui uma mensagem espiritual que Eliseu não apenas demonstrou o poder de
devemos compreender nos dias de hoje. Deus e a fé de seu servo, mas também anun­
A travessia do rio (vv. 13-18). Por que ciou aos discípulos dos profetas que Eliseu
Elias saiu da Terra Prometida e foi para o era seu novo líder. Quando Deus abriu o
2 REIS 1 - 2 499

jordão para que Israel atravessasse, usou o que o sal tinha sentido de amizade e de
milagre a fim de engrandecer o nome de lealdade entre as pessoas e entre Deus e os
Josué e de declarar que sua mão estava so­ homens. O sal não purificou a água nem
bre o novo líder (Js 3:7, 8; 4:14). A. W. Tozer tratou o solo - isso foi obra de Deus. Esse
costumava dizer, com razão, que "não é a milagre nos lembra do que aconteceu em
votação que faz o líder". Qualquer que te­ Mara ("amargo"), quando Moisés saneou a
nha sido sua forma de treinamento ou de água lançando nela um pedaço de uma ár­
seleção, os verdadeiros líderes espirituais ga­ vore (Êx 15:22-26). Em Mara, Deus se revelou
rantem a seus seguidores que possuem um a seu povo como "Jeová-Rafá - o Senhor
chamado divino ao demonstrar o poder de que sara".
Deus em sua vida. "Assim, pois, pelos seus Para quem visita Jericó hoje em dia, os
frutos os conhecereis" (Mt 7:20). guias turísticos mostram a "fonte de Eliseu"
Os cinqüenta discípulos dos profetas que e convidam a experimentar a água.
viram Eliseu atravessar o Jordão em terra seca Temos, mais uma vez, um milagre que
não tiveram dificuldade em sujeitar-se a ele se refere a um recomeço. Tanto que Eliseu
e em aceitar sua liderança, pois o poder Deus tirou o sal que usou de um prato novo. O
era evidente em seu ministério. milagre foi um "sermão prático" que lem­
Porém, os cinqüenta discípulos não acre­ brou o povo de que as bênçãos de Deus
ditaram que seu líder anterior havia, de fato, estavam sobre a nação leal a sua aliança.
ido para o céu e pediram uma verificação Desobedecer à lei significava perder as bên­
no local. Deus havia mostrado claramente çãos do Senhor (Dt 28:1 5ss).
que Eliseu era seu novo líder, então por que O julgamento dos escarnecedores (vv.
procurar Elias? E por que o Senhor tomaria 23-25). Esse acontecimento ocorreu em
seu servo num redemoinho só para, depois, Betei, um dos centros de idolatria em Israel
abandoná-lo em alguma parte erma da ter­ (1 Rs 12:28-33; Am 7:13). O termo hebraico
ra? Era a um Deus assim que serviam? Além traduzido por "rapazinhos" quer dizer "jo­
disso, era impossível aos discípulos fazer uma vens" ou "rapazes" e se refere a pessoas de
busca por toda a terra, então por que se­ 12 a 30 anos de idade, capazes de discernir
quer começar? A idéia toda era ridícula, e o certo e o errado e de tomar as próprias
Eliseu só permitiu que se fizesse a busca decisões. Não se tratava de um grupo de
porque se aborreceu com os repetidos pe­ garotos se fazendo de espertinhos, mas sim
didos deles. Os novos líderes não devem ir­ de uma gangue de jovens arrogantes ridi­
ritar-se com o interesse de seus seguidores cularizando maliciosamente a Deus e a seu
pelo líder anterior. Quando os grupos de servo.
busca reportaram-se de volta a Eliseu em A expressão "Sobe!" refere-se à ascen­
Jericó, pelo menos ele teve o privilégio de são recente de Elias ao céu. Cinqüenta ho­
dizer: "Eu disse!" mens viram Elias desaparecer da terra num
O saneamento das águas más (vv. 19­ instante e, sem dúvida, contaram o que ha­
22). Não apenas os discípulos dos profetas via ocorrido, de modo que o acontecimen­
foram leais a Eliseu, como também os líde­ to provavelmente foi assunto de inúmeras
res de Jericó o respeitaram e buscaram sua conversas. Na verdade, os jovens estavam
ajuda. Não deve nos surpreender que as dizendo: "Se você é mesmo um homem de
águas de Jericó fossem desagradáveis e que Deus, por que não vai para o céu como Elias
seu solo fosse improdutivo, pois a cidade foi? Que bom que ele partiu; e seria bom se
estava debaixo de maldição (Js 6:26). O você seguisse o mesmo caminho!"
israelita do Antigo Testamento considerava Um jovem chamar um homem adulto de
o sal em relação à aliança com Deus (Nm "calvo" era um grave desrespeito, e repetir
18:19) e à pureza pessoal na adoração (Lv o apelido tornava a ofensa ainda maior. O
2:13). A expressão "comer sal" significava cabelo grisalho era uma "coroa de honra"
"compartilhar da hospitalidade", de modo (Pv 16:31) para os israelitas, mas a calvície
500 2 REIS 1 - 2

era algo raro em seu meio e considerada para a capital, e Uzá foi morto por haver to­
por alguns como uma desgraça (Is 3:24). cado na arca (2 Sm 6:1-7). Quando Ananias
O que temos aqui é uma gangue de e Safira mentiram aos líderes da Igreja primiti­
desordeiros irreverentes e desrespeitosos va, Deus tirou a vida do casal (At 5). Aqui, no
zombando do servo de Deus e repetindo começo do ministério de Eliseu, o ataque
palavras que, provavelmente, ouviram em sofrido pelos jovens serviu de aviso claro de
casa ou nas ruas da cidade. Uma vez que que o Senhor Deus de Elias ainda estava rei­
conhecia a Palavra de Deus, Eliseu sabia que nando e ainda levava sua aliança a sério.
os insultos dos rapazes eram uma transgres­ A atitude demonstrada por esses jovens
são da aliança com Deus, de modo que in­ espalhou-se pela terra e foi o que, por fim,
vocou uma maldição sobre eles. (Uma das levou à queda tanto de Samaria quanto de
advertências da aliança era que Deus envia­ Judá. "O S e n h o r , Deus de seus pais, come­
ria animais selvagens para atacar o povo. Ver çando de madrugada, falou-lhes por in­
Lv 26:21, 22.) Esses rapazes não estavam termédio dos seus mensageiros [...]. Eles,
mostrando respeito para com o Senhor Deus porém, zombavam dos mensageiros, des­
de Israel nem para com Elias ou Eliseu, de prezavam as palavras de Deus e mofavam
modo que precisavam ser julgados. As duas dos seus profetas, até que subiu a ira do
ursas feriram os jovens, mas não os mata­ S e n h o r contra o seu povo, e não houve re­

ram, e, para o resto da vida deles, as cicatri­ médio algum" (2 Cr 36:15, 16).
zes que ficaram serviram para lembrá-los de Eliseu havia estado com Elias em Gilgal,
que não poderiam brincar com o Senhor e Betei e Jericó e havia atravessado o rio Jordão
escapar incólumes. com ele, mas nesta ocasião foi ao monte
É comum ver o Senhor enviando julga­ Carmelo, ao local do maior triunfo de Elias.
mentos especiais no começo de um novo Tanto quanto sabemos, Eliseu não estava
período da história bíblica, como se Deus presente quando Elias fez descer fogo do
estivesse alertando seu povo para o fato de céu. Talvez, ao visitar o local onde havia fi­
que um recomeço não significa que as re­ cado o altar, Eliseu tenha meditado sobre o
gras antigas mudaram. Depois do início do que o Senhor havia feito e seu espírito te­
ministério no tabernáculo, Deus matou nha sido renovado. Sem dúvida, deu graças
Nadabe e Abiú por terem oferecido "fogo a Deus por ser parte de uma herança tão
estranho" perante o Senhor (Lv 10). Depois maravilhosa. No entanto, não se pode viver
da primeira vitória de Israel na Terra Prome­ no passado, de modo que partiu daquele
tida, Deus ordenou que Acã fosse morto por local sagrado e foi para Samaria, capital do
ter tomado para si tesouros dos despojos de reino do Norte e lar do rei Jorão, filho de
guerra que haviam sido inteiramente consa­ Acabe. Lá, se envolveu em uma guerra que
grados a Deus (js 7). No início do reinado juntou Israel, Judá e Moabe contra Edom,
de Davi em Jerusalém, o novo rei providen­ sendo que o profeta deu aos três reis a arma
ciou para que a arca da aliança fosse levada para conquistar a vitória.

1. Tiago e João haviam estado com Elias no monte da Transfiguração e quiseram imitá-lo pedindo fogo dos céus sobre seus

"inimigos". Jesus os repreendeu (Lc 9:52-58). A reação cristã apropriada à oposição encontra-se descrita em Mateus 5:38-48

e Romanos 12:14-21.
2. A inferência, nesse caso, é que, depois de ir para o céu, Elias não poderia mais fazer coisa alguma por Eliseu. Ver Lucas

16:19-26.
para a criação de ovelhas, mas o tributo de
2 cem mil cordeiros e da lã de cem mil car­
neiros, pago anualmente a Israel, era, sem
dúvida, pesado. A morte de Acabe e o bre­
G raça M a r a v il h o s a ! ve reinado de Acazias, que durou menos de
dois anos, deram a Mesa a chance de rebe­
2 R eis 3 - 4 lar-se. Quando Jorão, um homem mais jo­
vem, assumiu o trono de Israel, pareceu uma
ocasião oportuna para Moabe libertar-se, de
uma vez por todas, do jugo israelita. No
entanto, Jorão não queria perder toda essa
renda nem desejava que o povo pensasse
esde o início de seu ministério, Eliseu
D
que era um governante fraco, de modo que
mostrou ser um operador de milagres realizou um censo militar e se preparou para
como Elias, seu mestre e antecessor, pois a guerra.
abriu o rio Jordão e o atravessou em terra Jeorão, na época co-regente de Judá, era
seca e, depois, purificou a água de Jericó. casado com Atalia, irmã de Jorão, e, portan­
Exceto pelo julgamento invocado sobre um to, pareceu correto Jorão pedir ao rei Josafá
grupo de jovens arrogantes (2:23-25), os que o acompanhasse na campanha para
milagres de Eliseu foram, antes de tudo, re­ castigar Moabe. Um ano antes, os moabitas
velações da graça e misericórdia de Deus. e amonitas haviam declarado guerra a Judá,
Elias nos lembra de João Batista, com seu e Josafá havia conquistado a vitória absolu­
machado, a pá de limpar a eira e o batismo ta sobre eles com a ajuda do Senhor (2 Cr
de fogo (Mt 3:1-12; Lc 1:1 7), enquanto Eliseu 20). Jorão queria aliados desse tipo a seu
nos lembra de Jesus, que se compadeceu lado! Os dois reis decidiram não atacar pelo
das multidões e que "andou por toda a par­ norte, pois a fronteira nessa região de Moabe
te, fazendo o bem" (At 10:38). Os seis mila­ era extremamente fortificada e havia a pos­
gres registrados nestes dois capítulos, sem sibilidade de os amonitas interferirem. Em
dúvida, exaltam a graça de Deus. vez disso, resolveram realizar um ataque pela
extremidade sul do mar Morto. O exército
1 . A GRAÇA DERROTA O IN IM IG O de Jorão iria marchar até o Sul, atravessan­
(2 Rs 3:1-27) do Judá, juntar-se aos homens de Josafá e,
Quando Acazias morreu, seu irmão, Jorão, então, os dois exército marchariam por Edom
subiu ao trono de Israel (1:17). Jorão tam­ e se reuniriam ao exército edomita na frontei­
bém era chamado de Jeorão, mas como esse ra Sul de Moabe, uma região mais vulnerável.
era também o nome do filho de Josafá e co- Um exército necessitado (vv. 9-14). O
regente de Judá, diferenciaremos os dois plano era bom, e o exército de Jorão saiu
chamando o rei de Israel de Jorão. Uma vez de Samaria; depois de três dias de marcha,
que era filho de Acabe e de Jezabel, dificil­ juntou-se ao exército de Josafá em Judá, pro­
mente se pode dizer que o novo rei era um vavelmente em Jerusalém. Então, os dois
homem piedoso. Pelo menos, removeu uma exércitos seguiram para o sul rumo a Edom,
imagem consagrada a Baal (1 Rs 16:32, 33) uma jornada de cerca de quatro dias. Assim,
e demonstrou certo respeito por Eliseu. Po­ depois de sete dias de marcha, os exérci­
rém, nem a adoração a Baal e nem os beze­ tos chegaram ao vale situado na extremi­
rros de ouro foram tirados da terra durante dade sul do mar Morto, entre os montes
seu reinado; a coluna de Baal que Jorão re­ de Judá e de Moabe. Tudo estava indo bem,
moveu foi devolvida a seu lugar e Jeú teve até que a água acabou. Os soldados esta­
de destruí-la (2 Rs 10:27). vam sedentos; os animais de carga e o gado
Uma rebelião cara (w. 4-8; ver 1:1). A ter­ que serviria de alimento também precisa­
ra de Moabe era particularmente apropriada vam de água.
502 2 REIS 3 - 4

Num esquecimento conveniente de que desceria das montanhas e cobriria a planí­


Baal, o deus de seu pai, era o deus da chuva, cie árida. Parte dessa água seria coletada nas
o rei Jorão reagiu a essa situação culpando valas e poderia ser usada para saciar a sede
o Senhor por sua dificuldade (v. 10). Josafá, dos homens e dos animais. Porém, Deus
no entanto, sugeriu que consultassem o Se­ também usaria esses reservatórios para en­
nhor e descobrissem o que ele desejava que ganar e derrotar os moabitas, mas Eliseu não
fizessem. Havia dado o mesmo conselho a explicou de que maneira isso aconteceria.
Acabe alguns anos antes, quando os dois Eliseu acrescentou, ainda, que Deus ca­
haviam unido forças para lutar contra os siros pacitaria os três exércitos a derrotar os moa­
(1 Rs 22). Jorão não conhecia nenhum pro­ bitas, mas a vitória deveria ser completa.
feta do Senhor; nem sequer sabia que Eliseu Precisariam destruir, pedra por pedra, todas
estava por perto. Um de seus oficiais teve as cidades fortificadas de Moabe e lançar
de lhe dizer que o profeta havia se juntado pedras nos campos. Deveriam, também,
aos soldados, sem dúvida sob orientação derrubar as árvores e fechar todas as fontes
divina. Naquele momento, Eliseu era o ho­ de água.1 Em outras palavras, os três exérci­
mem de maior valor em todos os exércitos tos teriam de destruir os recursos de Moabe
combinados das três nações. Eliseu havia para que os moabitas não tivessem como
comparado Elias ao exército de Israel (2:12), se reagrupar e começar a contra-atacar.
mas naquela ocasião, seu poder foi maior Os sacerdotes em Jerusalém estavam
do que três exércitos! oferecendo os sacrifícios matinais quando a
O texto não diz onde Eliseu estava, mas chuva que caiu nas montanhas desceu e
os três reis se humilharam e foram pedir a inundou o vale. A água encheu as valas, for­
ajuda do profeta. Quando Josafá uniu-se a mando grandes poças na terra, e os solda­
Acabe para lutar contra os siros, o profeta dos, o gado e os animais de carga puderam
do Senhor repreendeu-o por sua transigên­ saciar sua sede. Porém, o exército moabita
cia (2 Cr 19:1-4), mas dessa vez a presença reunido na fronteira nem suspeitou da chu­
de um descendente do rei Davi foi a chave va! Deus providenciou para que o reflexo
para a vitória. Eliseu deixou claro que não do sol nas poças de água parecesse sangue,
estava ajudando Jorão, filho de Acabe, mas e os moabitas foram levados a pensar que
sim Josafá, filho de Davi. Mais uma vez, foi a os três exércitos haviam acabado uns com
aliança de Deus com Davi que trouxe a gra­ os outros. (O que, de fato, havia acontecido
ça de Deus e seu salvamento para o povo. entre os exércitos de Moabe, Amom e Edom
A resposta de Jorão tem um tom claro de quando atacaram o rei Josafá; 2 Cr 20:22­
incredulidade: 30.) Confiantes de sua segurança e da opor­
— Estamos todos juntos nessa situação e tunidade de conseguir riquezas, os moabitas
corremos o risco de ser derrotados! atacaram o acampamento dos três reis e
Mas em se tratando de confrontar reis, sofreram derrota absoluta, sendo persegui­
Eliseu era tão audaz quanto Elias, seu mentor. dos enquanto batiam em retirada.
Uma intervenção divina (vv. 15-27). A Os três exércitos obedeceram às ordens
música do harpista trouxe tranqüilidade à de Deus e entraram em Moabe determi­
mente e ao coração do profeta, ajudando-o nados a destruir as cidades e a causar o má­
a aumentar sua comunhão com o Senhor, ximo possível de estragos a seus recursos
depois do que Eliseu revelou o plano de naturais. O rei de Moabe e seu exército re­
Deus. Os reis deveriam dar ordem a seus cuaram para Quir-Haresete, capital de Moa­
soldados para que cavassem valas ou covas be na época, e o exército invasor levantou
no vale seco. Então, Deus mandaria chuva um cerco, mas não conseguiu penetrar a
para as montanhas distantes, mas o exército cidade. O rei moabita tentou romper as fren­
dos moabitas não ficaria sabendo, pois não tes de Edom, talvez com a finalidade de per­
haveria som algum de vento nem de tem­ suadir seus antigos aliados a ajudá-lo, mas
pestade. A chuva criaria uma enchente que seu plano não funcionou. Seu último passo
2 REIS 3 - 4 503

foi apelar para o deus Quemos e lhe ofere­ fazer alguma coisa e se, de fato, tomaria uma
cer a vida do príncipe herdeiro. Realizou o providência (vv. 10, 13), e Eliseu deixou cla­
sacrifício em público, no muro da cidade; ro que ele não dava atenção ao rei apóstata
como resultado, os exércitos suspenderam (vv. 13, 14). No entanto, Jorão estava parti­
o cerco e voltaram para suas terras. cipando da grande vitória decorrente da fé
Uma conclusão estranha (v. 27). ]orão do rei de Judá! Talvez o Senhor tenha de­
conseguiu castigar Moabe por quebrar o monstrado sua ira somente contra o exérci­
acordo com Israel, mas o que exatamente to de Israel para ensinar uma lição a Jorão,
levou a guerra a terminar? A oração "houve assim como havia enviado a seca e fogo do
grande ira contra Israel" pode ser traduzida céu para ensinar uma lição a seu pai, Aca­
de várias formas, inclusive por; "Tamanha foi be. Quando Israel teve de deixar o campo,
a consternação dos israelitas ao verem o que os outros dois exércitos partiram com eles,
o rei havia feito que levantaram acampamen­ acabando, desse modo, com o cerco. A ca­
to e voltaram para sua própria terra". pital não foi destruída, e o rei moabita e seu
Não podemos crer que o falso deus Que­ exército não foram capturados e mortos, o
mos tenha feito algo para impedir os invaso­ que, portanto, redundou numa vitória incom­
res ou que Jeová tenha permitido que um pleta. Porém, por amor à casa de Davi, em
sacrifício pagão brutal tirasse a glória de seu sua graça, Deus deu a vitória aos três reis.
nome. "Eu sou o S e n h o r , este é o meu nome;
a minha glória, pois, não a darei a outrem, 2. A GRAÇA PAGA A DÍVIDA (2 Rs 4:1-7)2
nem a minha honra, às imagens de escultu­ Depois do grande conflito internacional,
ra" (Is 42:8). Assim, restam duas possibili­ Eliseu voltou aos assuntos das escolas de
dades. Talvez o sacrifício tenha renovado a profetas - um verdadeiro líder espiritual se
coragem e o zelo dos moabitas, de modo preocupa com os indivíduos - seguindo o
que seu exército atacou com novo entusias­ exemplo de seu mentor, Elias, que havia mi­
mo e expulsou os invasores. Ou, talvez, a nistrado às famílias (1 Rs 17:8-24). O fato de
repugnância dos israelitas ao verem o sacri­ a mulher ser uma viúva e mãe de dois filhos
fício tenha sido tanta que juntaram suas coi­ mostra que os discípulos dos profetas não
sas e partiram, e os outros reis seguiram com eram um grupo monástico celibatário. Eli­
seus exércitos. O sacrifício humano era proi­ seu conhecia o homem em questão e sabia
bido pela lei de Moisés (Lv 20:1-5), e é pos­ que era reputado por sua piedade. Sua mor­
sível que Josafá tenha se sentido culpado te havia acabado com qualquer renda que
por seu cerco haver causado a morte do porventura recebia, e, naquele tempo, era
príncipe herdeiro. Porém, os três exércitos extremamente difícil para uma viúva criar
haviam exterminado uma multidão no cami­ dois filhos sem esse sustento. Mesmo as
nho para Moabe, e não é provável que la­ pessoas consagradas e que estão se prepa­
mentassem a morte do sucessor do rei. Além rando para o ministério passam por prova­
disso, o texto enfatiza Israel e não Judá, e o ções e dificuldades.
rei Jorão de Israel não se perturbaria com a De acordo com a lei hebraica, um cre­
oferta de sacrifício humano. Afinal, vinha de dor poderia tomar um devedor e seus filhos
uma família de assassinos! como servos, mas não deveria tratá-los como
Se o Senhor enviou sua ira conta Israel, escravos (Êx 21:1-11; Lv 25:29-31; Dt 15:1­
então por que o fez? Julgou somente o rei 11). Seria uma grande tristeza para essa
Jorão e seu exército (Israel = o reino do mulher perder o marido para a morte e os
Norte) ou Israel e Judá em conjunto? Ao lon­ dois filhos para a servidão, mas Deus é aque­
go do texto, a designação "Israel" refere-se le que "faz justiça ao órfão e à viúva" (Dt
ao reino do Norte e não às tribos unidas, de 10:18; SI 68:5; 146:9) e enviou Eliseu para
modo que o alvo deve ter sido Jorão e o ajudá-la.3
exército de Israel. Em duas ocasiões, Jorão Com freqüência, Deus parte daquilo que
havia questionado se Jeová era capaz de já temos. Moisés tinha em mãos um bordão,
504 2 REIS 3 - 4

e Deus usou esse instrumento para realizar Carmelo orar, meditar e buscar o Senhor
grandes coisas (Êx 4:2). Pedro e seus com­ de alguma outra maneira. Uma vez que o
panheiros tinham em mãos suas redes de monte Carmelo era um lugar muito espe­
pescar (Lc 5), e o menino tinha alguns pães cial por causa do ministério de Elias, talvez
e peixes (Jo 6). Tudo o que a pobre viúva também houvesse uma escola de profetas
tinha era um pouco de azeite numa botija, nesse local.
mas "no que se refere a Deus, um pouco Uma mulher extraordinária (vv. 8-10).
pode ser muito". A maioria das vizinhas da Essa mulher cujo nome não é mencionado
viúva tinha em casa vasilhas vazias que não pertencia a uma classe social elevada e com
estavam sendo usadas, de modo que, ao alto poder aquisitivo. Porém, também era
pegar emprestadas essas vasilhas, a viúva não extraordinária por sua percepção, pois ob­
estava roubando ninguém, e uma vez que servou que Eliseu passava por aquela região
tivesse vendido o azeite, poderia devolvê- com freqüência em suas viagens ministeriais.
las. Eliseu instruiu-a a fechar a porta, a fim Percebeu, ainda, que ele era um homem de
de que ninguém visse que um milagre esta­ Deus e sentiu o desejo de servir ao Senhor
va ocorrendo em sua casa; sem dúvida, ela servindo a seu profeta. Temos a impressão
advertiu os filhos a não comentarem sobre de que faltava ao marido dela o mesmo
o assunto. A quantidade de azeite que rece­ discernimento espiritual, mas pelo menos ele
beu foi limitada apenas pelas vasilhas dispo­ não se opôs à hospitalidade que a esposa
níveis e isso, por sua vez, foi determinado ofereceu ao pregador itinerante. Permitiu
por sua fé (ver também 2 Rs 13:10-19). "Faça- que construísse acomodações permanentes
se-vos conforme a vossa fé" (Mt 9:29). O para o profeta no terraço da casa e que
dinheiro da venda do azeite foi suficiente mobiliasse o quarto com uma mesa, uma
para pagar a dívida e prover o sustento para cadeira,4 uma cama e um candeeiro. O cô­
ela e seus dois filhos. modo era grande o suficiente para se andar
Nem sempre o Senhor realiza milagres de lá para cá dentro dele (v. 35) e, ao que
desse tipo para nos ajudar a pagar nossas parece, também tinha espaço para Geazi,
dívidas, mas ele supre nossas necessidades, servo de Eliseu (v. 13). A mulher providen­
se crermos e obedecermos. Se entregarmos ciou, ainda, para que os dois homens fos­
tudo a ele, Deus pode fazer com que uma sem devidamente alimentados.
pequena quantia tenha um grande rendimen­ Em nosso tempo, com tantos hotéis e
to. Esse milagre também nos lembra do maior pousadas, a hospitalidade oferecida ao povo
milagre de todos: o perdão, pela graça, de de Deus, especialmente aos servos do Se­
todas as nossas dívidas com o Senhor por nhor, está se tornando um ministério cada
intermédio da fé em Jesus Cristo (Lc 7:36­ vez mais esquecido e uma bênção perdida.
50; Ef 1:7; Cl 2:13). Eliseu não teve de pagar No entanto, uma das qualificações para um
coisa alguma para que Deus provesse o di­ presbítero é ser "hospitaleiro" (1 Tm 3:2; Tt
nheiro necessário a fim de quitar a dívida, 1:8), e Hebreus 13:2 exorta todos os cris­
mas Jesus Cristo teve de pagar com sua vida tãos a praticar essa virtude (ver Gn 18). De­
para que nossos pecados fossem perdoados. vemos abrir nosso coração e nosso lar para
outros e não nos queixar disso (1 Pe 4:9).
3. A g r a ç a d á v id a (2 Rs 4:8-37) Um presente extraordinário (vv. 11-17).
Suném ficava pouco mais de 30 quilôme­ O profeta e seu servo estavam descansan­
tros a noroeste de Abel-Meolá, cidade natal do no quarto quando Eliseu expressou o
de Eliseu, e cerca de 40 quilômetros depois desejo de fazer algo especial pela mulher
de Suném ficava o monte Carmelo (ver o v. em retribuição a sua bondade para com eles
25). Alguém viajando a pé poderia percorrer, e pediu a Geazi que a chamasse para con­
em média, cerca de 25 a 30 quilômetros por versar com ela sobre o assunto. Eliseu diri­
dia, de modo que Suném era muito bem lo­ giu-se a Geazi, pois talvez a mulher tivesse
calizada para Eliseu quando ele ia ao monte o profeta em tão elevada consideração que
2 REIS 3 - 4 505

não se sentia digna de falar com ele. Sua única resposta foi: "Não faz mal" (no origi­
resposta, porém, foi breve e humilde: "Habi­ nal, shalom, "paz") e, posteriormente, disse
to no meio do meu povo". Não queria que o mesmo a Geazi (v. 26).
Eliseu intercedesse por ela junto ao grande A atitude de Geazi com relação à visita
Deus, pois não desejava ser tratada como da mulher revela um aspecto sombrio de seu
uma pessoa extraordinária. Seu ministério caráter que se torna ainda mais evidente no
para com eles vinha de seu desejo de servir capítulo seguinte (v. 27; ver Mt 15:23; 19:13­
ao Senhor. 15). Talvez a mulher e seu servo tenham in­
Depois que a mulher deixou os aposen­ terrompido o cochilo da tarde do profeta e
tos do profeta, Geazi sugeriu que talvez ela de seu servo, mas Eliseu percebeu que ha­
desejasse ter um filho. O marido era mais via algo de errado que o Senhor não tinha
velho do que ela, de modo que talvez não lhe revelado. Até mesmo Jesus pediu infor­
houvesse mais como ela conceber; porém, mações em certas ocasiões (Mc 5:9; 9:21;
se o Senhor permitiu que Abraão e Sara ti­ Jo 11:34). É evidente que a mulher estava
vessem um filho, poderia fazer o mesmo por amargurada e profundamente entristecida e,
aquela mulher e seu marido. Era provável ao que parece, culpava Eliseu pela tragédia.
que o marido morreria antes dela e, sem uma Não havia pedido um filho, e se Eliseu e
família, ela ficaria sozinha. Geazi chamou-a Geazi não tivessem interferido, sua alegria
novamente e, dessa vez, Eliseu lhe falou pes­ não lhe teria sido tomada.
soalmente. Deu-lhe uma promessa muito Um milagre extraordinário (vv. 29-37).
parecida com as palavras de Deus para A mulher e seu servo devem ter corrido para
Abraão e Sara (v. 16; Gn 17:21; 18:14). chegar ao monte Carmelo a tempo de Eliseu
Quantas bênçãos maridos com fé apenas e Geazi voltarem com eles no mesmo dia, e
nominal já receberam em decorrência da o animal deve ter ficado exausto com uma
devoção de suas esposas piedosas! A pro­ viagem tão cansativa sob o sol de verão. Por
messa se cumpriu, e a mulher deu à luz um que Eliseu mandou Geazi à frente? E prová­
filho. A graça trouxe vida onde antes ela não vel que Geazi fosse mais jovem que o profe­
existia. ta e, também, mais veloz, podendo chegar
Uma tristeza extraordinária (vv. 18-28). mais rapidamente à casa da mulher. Era im­
O menino ainda era pequeno quando esses portante que alguém voltasse logo a fim de
acontecimentos ocorreram, pois a mãe con­ guardar o corpo para que o pai não o desco­
seguia segurá-lo no colo e foi capaz de le­ brisse e sepultasse. Geazi colocou seu bor­
var o corpo inerte da criança até o quarto dão sobre o menino, mas nada aconteceu.
do profeta no terraço (vv. 20, 21). O texto (Pode-se atribuir isso ao que estava oculto
não especifica a causa da doença do meni­ em seu coração?) A mulher montou o ju­
no, mas talvez o calor da estação da colhei­ mento, e Eliseu seguiu-a de perto, mas o texto
ta o tenha afetado. A mãe chamou o pai da não diz que o profeta recebeu um poder
criança, que estava no campo, e lhe pediu especial como o que foi dado a Elias quan­
que providenciasse para ela um servo e um do ele correu ao lado do carro de Acabe
jumento, mas não lhe disse que o menino (1 Rs 18:46).
havia morrido. O fato de a esposa preparar- Mais uma vez, o milagre ocorreu a por­
se para sair indicou ao marido que o meni­ tas fechadas (4:4; ver também Lc 8:51). Pri­
no não corria perigo e que, provavelmente, meiro, o profeta orou e, depois, seguindo o
estivesse cochilando. Sem dúvida, a mãe fi­ exemplo de Elias (1 Rs 17:17-24), estendeu-
cou com medo de que o marido mandasse se sobre o corpo. Levantou-se e andou de
sepultar a criança de imediato, pois ninguém um lado para o outro no quarto, sem dúvida
desejava ter um corpo morto dentro de casa orando e buscando o poder de Deus e, em
na estação quente da colheita. Seu marido seguida, estendeu-se novamente sobre o
perguntou por que desejava encontrar Eli­ menino. Dessa vez, o menino voltou à vida,
seu, uma vez que não era dia santo, mas sua espirrou sete vezes e abriu os olhos. O texto
506 2 REIS 3 - 4

não explica o significado dos espirros, mas nos campos para acrescentar ao cozido. O
uma possibilidade é que tenham sido uma discípulo que voltou com o manto cheio de
forma de Deus expelir algo tóxico dos pul­ cabaças ("colocíntidas") não sabia muita
mões do menino. Seria de se esperar que coisa sobre vegetais e simplesmente trouxe
Eliseu sentisse enorme satisfação em levar o o que parecia ser comestível. Na verdade,
menino para baixo e entregá-lo à mãe, mas, ninguém sabia o que eram as cabaças!
em vez disso, chamou Geazi que, por sua Quais foram as evidências de que a co­
vez, chamou a mãe.5 Ver Hebreus 11:35. mida estava envenenada? Talvez o primeiro
No entanto, a história não termina aí (ver indício tenha sido o gosto amargo na pane­
8:1-6). Mais tarde, quando Eliseu anunciou la, e é possível que os homens tenham sen­
a vinda de uma fome de sete anos, também tido dor de estômago e náuseas.
aconselhou a mulher a se mudar, de modo Havia morte nas águas de Jericó antes
que ela foi habitar no meio dos filisteus. de serem purificadas (2 Rs 2:19-22), e ago­
Quando voltou para reassumir a posse de ra havia morte na panela em Gilgal. Tinha
sua propriedade, Geazi estava falando com sido introduzida de modo inocente por um
o rei e contando-lhe sobre a ressurreição do discípulo bem-intencionado, mas precisava
menino, e a mãe da criança apareceu no pa­ ser removida. Porém, era um tempo de
lácio! O rei autorizou seus oficiais a lhe de­ fome, e a comida era escassa, de modo que
volverem a propriedade, juntamente com a Eliseu jogou um pouco de farinha dentro
renda que ela tivesse perdido durante sua da panela, e o Senhor removeu o veneno
ausência. No final, a morte do menino foi do ensopado.
uma bênção velada. Tanto quanto sabemos, não havia plan­
Somente a graça de Deus pode dar vida, tas venenosas no jardim do Éden. Elas só
seja a um ventre estéril, seja a um menino apareceram com os espinhos e cardos de­
morto, e somente a graça de Deus pode pois que Adão pecou (Gn 3:17-19). Hoje
conceder vida espiritual ao pecador morto em dia, há muita "morte na panela", pois
(jo 5:24; 17:1-3; Ef 2:1-10). Foi Deus quem vivemos sob a maldição da lei do pecado e
deu vida ao menino, mas usou Eliseu como da morte, os dois elementos que imperam
instrumento para realizar sua obra. O mes­ sobre este mundo (Rm 5:14-21). Porém,
mo acontece com os pecadores ressurretos quando Jesus morreu na cruz, tomou sobre
dentre os mortos: Deus precisa de teste­ si a maldição da lei em nosso lugar (Gl 3:13),
munhas, de guerreiros de oração e de cris­ e, para aqueles que creram em Cristo, o que
tãos interessados em ser instrumentos que reina é a graça (Rm 5:21) e "[reina] em vida"
darão vida a esses pecadores. Nas palavras (v. 17). O ferrão ("aguilhão") da morte foi
de Charles Spurgeon: "O Espírito Santo removido (1 Co 15:50-57)!
opera por meio daqueles que se sentem
dispostos a entregar a vida por outros e a 5. A GRAÇA SACIA OS FAMINTOS
lhes conceder não apenas seus bens e ensi­ (2 Rs 4:42-44)
no, mas também o próprio ser. Ah! que bom Em Israel, o reino do Norte, não havia um
seria se houvesse mais Eliseus, pois então templo oficial consagrado a Jeová, e vários
veríamos mais transgressores mortos em pe­ dos sacerdotes e levitas fiéis haviam deixa­
cado ressurgindo".6 do a terra apóstata de Israel e se mudado
para Judá (1 Rs 12:26-33; 2 Cr 11:13-17).
4. A GRAÇA REMOVE A MALDIÇÃO Uma vez que não havia um santuário para
(2 Rs 4:38-41) o qual o povo pudesse levar seus dízimos e
Eliseu visitou os discípulos dos profetas em ofertas (Lv 2:14; 6:14-23; 23:9-17; Dt 18:3­
Gilgal no tempo da fome (8:1) e ordenou 5), essas ofertas eram levadas para a escola
que seu servo Geazi fosse preparar um en­ de profetas mais próxima, onde eram com­
sopado para eles. Não havia muitos vege­ partilhadas com pessoas fiéis à lei mosaica.
tais, e alguns homens foram procurar ervas As ofertas das primícias de cereais poderiam
2 REI S 3 - 4 507

ser espigas assadas de grãos, flor da farinha comida suficiente para todos, como também
assada em forma de bolos ou mesmo de sobrou. A Palavra do Senhor havia anuncia­
pães. É bem provável que tudo isso fosse do e realizado o impossível.
recebido com grande alegria pelos discípu­ Quando o Senhor alimentou os cinco
los dos profetas e, por certo, o Senhor hon­ mil, usou o milagre como pano de fundo
rou aqueles que se recusaram a curvar-se para a pregação de uma poderosa mensa­
diante dos bezerros de ouro em Dã e Betei. gem de salvação sobre o Pão da Vida (Jo
Havia cem homens famintos no grupo 6:25ss). Eliseu não fez um sermão, mas esse
e, apesar de as dádivas que o ofertante trou­ milagre nos garante que Deus conhece nos­
xe terem sido honradas pelo Senhor, não sas necessidades e que as supre quando
poderiam alimentar devidamente o grupo confiamos nele. Hoje em dia, temos conge­
todo. Trata-se de uma situação semelhante ladores e supermercados que fornecem
àquela pela qual Cristo e os discípulos pas­ nossos alimentos e há instituições que dis­
saram (Mt 14:13-21; 15:29-33 e textos pa­ tribuem comida aos pobres. Mas, no tempo
ralelos nos Evangelhos). A pergunta de de Eliseu, o povo preparava e consumia a
Ceazi: "Como hei de eu pôr isto diante de comida um dia de cada vez. Por isso, Jesus
cem homens?" (v. 43) se parece com a per­ nos ensinou a orar: "O pão nosso de cada
gunta de André sobre os cinco pães e dois dia dá-nos hoje" (Mt 6:11). Durante os anos
peixes: "Mas isto que é para tanta gente?" que passou no deserto como exilado, Davi
(Jo 6:9). dependeu da provisão de Deus e pôde di­
Eliseu, porém, sabia que o Senhor tinha zer: "Fui moço e já, agora, sou velho, porém
essa situação difícil totalmente sob seu con­ jamais vi o justo desamparado, nem a sua
trole. O profeta ordenou que o servo colo­ descendência mendigar o pão" (SI 37:25).
casse sobre a mesa os pães e os cereais, e O Senhor supre todas as nossas necessida­
quando Geazi obedeceu, não apenas houve des com as riquezas da sua graça.

1. Deuteronômio 20:16-20 aplicava-se aos ataques de Israel sobre cidades em Canaã que faziam parte da herança dos israelitas

na Terra Prometida. Era proibido cortar árvores frutíferas, arruinando, desse modo, a própria herança. Porém, em terras

estrangeiras, o exército poderia devastar inteiramente as áreas atacadas.

2. Não há indicação alguma de que a apresentação dos acontecimentos deste capítulo esteja em ordem cronológica.

3. Neemias 5:5 e 8, Isaías 1:17 e 23 e Amós 2:6 indicam que o povo de Israel nem sempre demonstrou o amor de Deus para
com as viúvas desamparadas. A Igreja primitiva preocupava-se especificamente com as viúvas, preocupação que deve ser

resgatada pelas igrejas de hoje (1 Tm 5:1-16; Tg 1:2 7).

4. O termo traduzido por "cadeira" também pode significar "um assento de honra" ou "trono".

5. É interessante observar a participação de Geazi nesse episódio todo (vv. 15, 25, 29, 36). Ao que parece, Eliseu preferiu que

seu servo atuasse como intermediário entre ele e a "mulher rica".

6. S purgeo n, Charles. Metropolitan Tabernacle Pulpit, vol. 25, p. 121.


"Havia também muitos leprosos em Israel
3 nos dias do profeta Eliseu, e nenhum deles
foi purificado senão Naamã, o siro" (Lc 4:27).
Naamã era um gentio, comandante do exér­
T rês H o m e n s - T rês cito de uma nação inimiga e, portanto, não
é de se admirar que a congregação em Na­
M ila g r es zaré tenha se irado contra Jesus, interrom­
2 R eis 5:1 - 6 :7 pido seu sermão e o carregado para fora da
sinagoga. Afinal, por que o Deus de Israel
iria curar um homem gentio que não fazia
parte da aliança? Era um inimigo que havia
raptado meninas israelitas e um leproso que

E
liseu foi um profeta operador de milagres, havia sido colocado em isolamento para es­
ministrando a pessoas de todos os tipos perar pela morte. Essas pessoas não tinham
que foram até ele com necessidades de conhecimento algum da graça soberana de
todos os tipos. Nesta seção, vemos Eliseu Deus. Assim como Naamã, encheram-se de
curando um general eminente, julgando o ira, mas, ao contrário de Naamã, não se
próprio servo e ajudando um discípulo hu­ humilharam e confiaram no Senhor. A expe­
milde a voltar ao trabalho. Parece haver uma riência de Naamã com Eliseu ilustra para nós
longa distância entre o imponente coman­ a obra da graça de Deus ao salvar os peca­
dante de um exército e um machado perdi­ dores perdidos.
do, mas ambos eram importantes para Deus Naamã precisava do Senhor (vv. 1-3).
e para seu servo. Assim como Jesus Cristo O rei da Síria era Ben-Hadade II, e, em seu
quando ministrou aqui na terra, Eliseu de­ cargo de comandante do exército, Naamã
dicou tempo aos indivíduos e não foi in­ era o segundo no poder. Porém, com todo
fluenciado pela posição social ou situação seu prestígio, autoridade e riqueza, Naamã
econômica dessas pessoas. "Lançando so­ era um homem condenado, pois sob seu
bre ele toda a vossa ansiedade, porque ele uniforme escondia-se o corpo de um lepro­
tem cuidado de vós" (1 Pe 5:7). so. O versículo 11 indica que a infecção
Porém, por mais importantes que sejam estava limitada a apenas um lugar, mas a
os milagres nesta seção, o tema do ministé­ lepra tem a tendência de espalhar-se caso
rio é ainda mais relevante. O Senhor não não seja tratada e, por fim, leva à morte.
deu apenas vida nova a Naamã, mas tam­ Somente o poder do Deus de Israel podia
bém um novo propósito e um novo ministé­ curá-lo.
rio. Quando Naamã voltasse para a Síria, Naamã não sabia, mas o Senhor já havia
seria muito mais do que um general: seria operado em seu favor ao dar-lhe vitória so­
um embaixador do verdadeiro Deus vivo de bre os assírios. Jeová é o Deus de Israel e da
Israel. Naamã adquiriu um novo propósito aliança com seu povo e pode usar qualquer
de vida, mas, infelizmente, Geazi perdeu seu pessoa, salva ou não, para realizar sua von­
ministério como conseqüência de sua cobi­ tade (ver is 44:28; 45:13; Ez 30:24, 25). O
ça e dissimulação. .Quando Eliseu recupe­ Senhor também mostrou sua bondade ao
rou o machado perdido, o discípulo pôde permitir que Naamã levasse a menina israe­
voltar ao trabalho, e seu ministério lhe foi lita para casa a fim de servir sua esposa. A
restaurado. menina era uma escrava, mas, porque con­
fiava no Deus de Israel, era livre. Mais do
1 . N a a m ã recebe um m in is té r io que isso, testemunhou humildemente de sua
(2 Rs 5:1-19) fé para sua senhora. Suas palavras foram
O nome do profeta Elias é citado vinte e tão convincentes que a mulher contou ao
nove vezes no Novo Testamento, enquanto marido, o qual, por sua vez, informou o rei.
o nome de Eliseu aparece apenas uma vez. Nunca subestime o poder de um simples
2 REIS 5:1 - 6:7 509

testemunho, pois Deus pode pegar as pala­ impulsivamente as vestes, algo que os reis
vras dos lábios de uma criança e levá-las aos raramente faziam. Sua mente estava turva­
ouvidos do rei. da pela incredulidade e o medo, e não era
Apesar de não haver qualquer afirmação capaz de entender o que o Senhor estava
explícita nas Escrituras de que a lepra seja fazendo.
um retrato do pecado, ao ler Levítico 13, O profeta estava em sua casa na cidade
podemos ver claramente a existência de de Samaria, mas sabia o que o rei havia dito
paralelos. Assim como a lepra, o pecado não e feito em seu palácio, pois Deus não es­
se atém à superfície, mas atinge as camadas conde de seus servos coisa alguma daquilo
mais profundas (v. 3), espalha-se (v. 7), con­ que precisam saber (Am 3:7). Sua mensa­
tamina (v. 45), isola (v. 46) e só serve para gem a Jorão deve ter exasperado o rei, mas,
ser queimado pelo fogo (vv. 52, 57). ao mesmo tempo, Eliseu estava salvando
Buscando o Senhor (vv. 4-10). Naamã Jorão de um vexame pessoal e de possíveis
não poderia sair da Síria sem a permissão complicações internacionais. Por certo, ha­
do rei e precisava de uma carta oficial de via um rei assentado em seu trono, mas tam­
apresentação para Jorão, rei de Israel. Afi­ bém havia um profeta em Israel! O rei não
nal, a Síria e Israel eram inimigos, e a che­ poderia fazer coisa alguma, mas o profeta
gada de um comandante do exército siro era um canal do poder de Deus. Eliseu sa­
poderia causar um grande mal-entendido. bia que Naamã precisava ser humilhado an­
Tanto Naamã quanto Ben-Hadade partiram tes de receber a cura. Acostumado com o
do pressuposto equivocado de que o profe­ protocolo do palácio, esse líder estimado es­
ta faria o que o rei lhe ordenasse e que, tan­ perava ser reconhecido publicamente e re­
to o rei quanto o profeta, esperavam receber ceber expressões exageradas de apreciação
presentes caros em troca do serviço. Por esse pelos presentes generosos que havia trazi­
motivo, Naamã levou consigo mais de tre­ do consigo, pois era assim que os monarcas
zentos quilos de prata e mais de sessenta procediam. Porém, Elias nem sequer saiu de
quilos de ouro, além de vestimentas caras. sua casa para receber o homem! Em vez
A serva não havia dito coisa alguma sobre disso, enviou um mensageiro (Geazi?) ins­
reis ou presentes, mas apenas indicara Eliseu, truindo o general a percorrer os cinqüenta
o profeta, dizendo a sua senhora o que o e poucos quilômetros até o rio Jordão e mer­
Senhor poderia fazer. Os não salvos care­ gulhar sete vezes no rio, depois do que es­
cem de qualquer conhecimento sobre o taria purificado de sua lepra.
Senhor e apenas complicam aquilo que é Naamã havia buscado ajuda, e sua bus­
tão simples (1 Co 2:14). Nossa salvação não ca havia chegado ao fim.
é obtida dando presentes a Deus, mas sim Resistindo ao Senhor (vv. 11, 12). Se
recebendo pela fé sua dádiva de vida eter­ Naamã começou sua jornada em Damas­
na (Ef 2:8, 9; Jo 3:16, 36; Rm 6:23). co, então havia viajado mais de 160 quilô­
O rei Jorão poderia ter honrado ao Se­ metros para chegar a Samaria, de modo que
nhor e começado a construir a paz entre a mais uns 50 e poucos quilômetros não de­
Síria e Israel, mas ele não aproveitou essa veriam tê-lo perturbado. Porém, o general
chance. Apesar de 2 Reis 3:11 dar a enten­ enfureceu-se, e a causa fundamental dessa
der que Jorão e Eliseu não eram amigos che­ ira foi seu orgulho. Ele já havia decidido em
gados, o rei sabia quem Eliseu era e o que sua mente como o profeta iria curá-lo, mas
poderia fazer; sem dúvida, sabia que a mis­ não era assim que Deus trabalhava. Antes
são de Israel era dar testemunho às nações de os pecadores poderem receber a graça
ímpias a seu redor (Is 42:6; 49:6). Porém, as de Deus, devem sujeitar-se à vontade do
preocupações de Jorão eram de caráter Senhor, pois "Deus resiste aos soberbos, con­
pessoal e político e não espiritual, e o rei tudo, aos humildes concede a sua graça"
interpretou a carta como uma declaração de (1 Pe 5:5; ver Rm 10:1-3). O Dr. Donald Grey
guerra.1 Assustado com essa idéia, rasgou Barnhouse costumava dizer: "Todos têm o
510 2 REIS 5:1 - 6:7

privilégio de ir para o céu à maneira de Deus A fé que não conduz à obediência na ver­
ou para o inferno a sua própria maneira". dade não é fé.
O Senhor já havia começado a trabalhar Quando o general emergiu da água pela
no orgulho de Naamã, mas ainda havia mais sétima vez, sua lepra havia desaparecido e
por vir. O rei Jorão não era capaz de curá- sua pele estava como a de uma criança. Na
lo, e o profeta não foi à corte nem saiu de linguagem do Novo Testamento, havia nas­
casa para saudá-lo; além disso, deveria mer­ cido de novo (Jo 3:3-8). "Em verdade vos
gulhar num rio sujo não uma, mas sete vezes. digo que, se não vos converterdes e não vos
E pensar que ele era um grande general, o tornardes como crianças, de modo algum
segundo no comando sobre a nação da Síria! entrareis no reino dos céus" (Mt 18:3). Por
"Era exatamente essa a complicação", disse meio de sua obediência, Naamã demons­
o evangelista D. L. Moody ao pregar sobre trou ter fé na promessa de Deus, e o Senhor
essa passagem. "Naamã já havia determina­ purificou-o da lepra. Citando novamente D.
do, por sua própria conta, de que modo o L. Moody, "Ele perdeu a calma, perdeu o
profeta deveria curá-lo e se zangou pelo fato orgulho e perdeu a lepra; essa costuma ser
de o homem de Deus não seguir seus pla­ a seqüência pela qual os pecadores orgu­
nos". Por acaso é diferente nos dias de hoje? lhosos e rebeldes são convertidos". Naamã
As pessoas desejam ser salvas de seus peca­ deu um testemunho público claro de que o
dos participando de rituais religiosos, afilian­ Senhor Deus de Israel era o único e verda­
do-se a uma denominação, dando dinheiro deiro Deus vivo, o Deus de toda a Terra.
à igreja, mudando de vida, fazendo boas Renunciou aos falsos deuses e ídolos da Sí­
obras e outros tantos substitutos para a de­ ria e se identificou com Jeová. Que grande
cisão de depositar sua fé em Jesus Cristo. acusação foi esse testemunho contra o rei e
"Não por obras de justiça praticadas por nós, o povo idólatras de Israel!
mas segundo sua misericórdia, ele nos sal­ Servindo ao Senhor (vv. 15b-19). Assim
vou" (Tt 3:5). como todo cristão recém-convertido, Naamã
Naamã tinha outro problema: preferia os ainda tinha muito a aprender. Havia sido
rios de Damasco em vez do lamacento rio salvo e curado ao crer na graça de Deus,
Jordão.2Acreditava que a cura viria da água, mas precisava crescer na graça e na fé e
de modo que o mais lógico era pensar que, aprender a viver de modo a agradar ao Deus
quanto melhor a água, melhor a cura. Prefe­ que o havia salvo. Em vez de apressar-se a
ria fazer as coisas a seu modo e viajar mais voltar para casa e a compartilhar as boas
de 160 quilômetros a obedecer a Deus e novas, Naamã voltou à casa de Eliseu, a fim
percorrer 50 quilômetros! Estava, ao mesmo de agradecer ao Senhor e a seu servo (ver
tempo, tão perto e tão longe da salvação! Lc 17:11-19). Isso significava viajar mais 50
Confiando no Senhor (w. 13-Í5a). Mais quilômetros, mas o general deve ter percor­
uma vez, o Senhor usou servos para cum­ rido o caminho todo se regozijando. Seu
prir seus propósitos (vv. 2, 3). Se Naamã não desejo de recompensar Eliseu foi natural, mas
estava disposto a ouvir a ordem do profeta, se o profeta tivesse aceitado o presente, te­
talvez desse atenção ao conselho de seus ria tomado o crédito para si e tirado a glória
próprios servos. "Vinde, pois, e arrazoemos, que pertencia a Deus. O Senhor nos salvou
diz o S e n h o r " ( I s 1 :1 8 ). Eliseu não lhe pediu "para louvor da glória de sua graça" (Ef 1:6,
para fazer algo difícil ou impossível, pois isso j 12, 14). Além disso, teria dado a Naamã,
teria apenas aumentado o orgulho do rei. um recém-convertido, a impressão de que
Pediu que obedecesse a uma ordem sim­ seus presentes tinham alguma relação com
ples, realizando um ato de humilhação, e a salvação. Abraão havia recusado os pre­
não havia nada de desarrazoado em sujei­ sentes do rei de Sodoma (Cn 14:17-24), e,
tar-se. Quando Naamã contou essa história posteriormente, Daniel recusaria a oferta do
na Síria e chegou a esse ponto do relato, rei (Dn 5:17); Pedro e João rejeitariam o di­
seu amigo lhe perguntou: "Você fez isso?". nheiro de Simão (At 8:18-24).
2 REIS 5:1 - 6:7 511

Naamã estava começando a crescer em em desejos pecaminosos. O último dos dez


sua compreensão do Senhor, mas ainda ha­ mandamentos é "não cobiçarás" (Êx 20:1 7),
via um longo caminho a percorrer. Eliseu mas quem transgride a esse único manda­
recusou os presentes, mas Naamã pergun­ mento coloca-se sob a tentação de transgre­
tou se poderia levar consigo uma porção da dir os outros nove. As pessoas cobiçosas
terra de Israel para a Síria, a fim de usá-la em transformam sua riqueza material em ídolos,
sua adoração a Jeová. Naquele tempo, as dão falso testemunho, roubam, envergo­
pessoas acreditavam que os deuses de uma nham o nome de Deus, ofendem os pais e
nação habitavam naquela terra, e quem saís­ até matam. A vida espiritual de Geazi estava
se daquela terra deixava o deus para trás. se degenerando, e esse episódio foi seu
Mas Naamã havia acabado de testemunhar ponto culminante. Ele havia afastado de si a
que só Jeová, o Deus de Israel, era o Deus mulher cujo filho morreu (2 Rs 4:27) e não
de toda a terra (v. 15)! No entanto, levar aque­ teve poder para restaurar a vida ao menino
la terra consigo foi um ato de coragem, pois (4:31). Aqui, vemos sua cobiça assumir o
seu senhor e seus amigos perguntariam a controle, levar à mentira e, por fim, fazer
Naamã qual era o significado daquilo, e ele Geazi ser acometido de lepra. A doença
teria de lhes faiar de sua fé no Deus de Israel. externa tipificou sua deterioração interna.
Em seu segundo pedido, Naamã mos­ Geazi mentiu a si mesmo (v. 20). Ao
trou discernimento incomum, pois se deu recusar os presentes, Eliseu havia sido firme
conta de que o rei esperaria que ele conti­ com Naamã, mas ensinara ao recém-conver­
nuasse a executar seus atos oficiais na posi­ tido uma lição difícil. Geazi estava medindo
ção de comandante do exército. Isso incluía a conduta de seu senhor de acordo com os
acompanhar o rei ao templo de Rimom, o parâmetros do mundo e não da forma como
equivalente siro do deus Baal. Naamã esta­ Deus a media. Assim como os discípulos
va disposto a realizar esses rituais externa­ quando Maria ungiu Jesus, o servo pergun­
mente, mas queria que Eliseu soubesse que tou: "Para que este desperdício?" (Mc 14:3­
não o faria de coração. Naamã anteviu que 9), com a diferença que, na situação de
sua cura e sua vida transformada teriam im­ Geazi, foi uma oportunidade desperdiçada
pacto sobre a corte do rei e, um dia, leva­ de adquirir riquezas. Na verdade, acredita­
riam à salvação do rei. Em vez de criticar os va que teria uma vida melhor, que seria mais
cristãos que trabalham em cargos públicos, feliz se aceitasse alguns dos presentes de
precisamos orar por eles, pois enfrentam Naamã e que tinha o direito de fazê-lo. "Ten­
decisões muito difíceis.3 de cuidado e guardai-vos de toda e qual­
E interessante que Eliseu não lhe tenha quer avareza; porque a vida de um homem
passado um sermão nem o tenha admoes­ não consiste na abundância dos bens que
tado, mas apenas lhe tenha dito: "Vai em ele possui" (Lc 12:1 5).
paz". Essa era a bênção habitual da aliança Por certo, Geazi sabia que a salvação e
que os israelitas invocavam quando as pes­ a cura de Naamã se deviam inteiramente à
soas partiam de viagem. O profeta iria inter­ graça de Deus e que aceitar os presentes
ceder por ele e confiar que Deus o usaria poderia dar ao general siro a impressão de
em seu novo ministério na Síria. Que gran­ que ele era capaz de fazer alguma coisa para
de testemunho Naamã poderia ser naquela se salvar. Quando voltasse para a Síria,
terra de trevas - e teria como companhia Naamã teria de prestar contas dos tesouros
sua serva! que não havia levado de volta, o que só ser­
viria para enfraquecer seu testemunho.
2. G e a z i tem seu m in is té r io r e v o g a d o Abraão recusou os presentes do rei de
(2 Rs 5:20-27) Sodoma, a fim de não comprometer seu tes­
Enquanto Naamã procurava viver de acordo temunho diante do povo dessa cidade que
com a verdade e buscar ao Senhor, o servo precisava conhecer o Senhor (Gn 14). Pedro
de Eliseu estava envolto em dissimulação e e João recusaram a oferta de Simão para não
512 2 REIS 5:1 - 6:7

dar aos samaritanos a impressão de que os deliberada, ainda que, apesar de Geazi não
dons de Deus poderiam ser comprados com saber, seu senhor tivesse conhecimento do
dinheiro (At 8:20ss). O apóstolo Paulo che­ que ele havia feito. Naamã não apenas deu
gou até a recusar o sustento da igreja de a Geazi mais do que o servo havia pedido,
Corinto para que o povo não pensasse que embrulhando tudo com cuidado, como tam­
ele era apenas outro filósofo itinerante deci­ bém ordenou que dois de seus servos carre­
dido a arrecadar dinheiro.4 gassem os presentes para ele. Quando os
Geazi usou o nome do Senhor em vão três homens chegaram ao monte sobre o
ao dizer: "tão certo como vive o S e n h o r " (v. qual ficava Samaria (ou talvez uma colina
20; ver v. 16), pois havia pecado em seu entre eles e Samaria), Geazi pegou os pre­
coração e planejava pecar ainda mais. Ao sentes e mandou os homens de volta para
que parece, Geazi não tinha temor algum que ninguém os reconhecesse e começas­
de Deus em seu coração e, em sua vida par­ se a fazer perguntas. Geazi estava perto da
ticular, usava o nome de Deus com deslei­ casa de seu senhor e deveria ter cuidado
xo. Se tivesse reverenciado o nome de Deus para que Eliseu não descobrisse o que ele
- o terceiro mandamento, Êxodo 20:7 - não havia feito.
teria sido dominado pela cobiça. Geazi mentiu a Eliseu (vv. 25-27). Agin­
Geazi mentiu para Naamã (vv. 21-24). do de modo extremamente inocente, Geazi
A caravana de Naamã não estava muito lon­ colocou-se diante de seu senhor à espera de
ge, e Geazi conseguiu correr e alcançá-la suas ordens; mas descobriu que, na verdade,
(2 Rs 4:26, 29). Naamã fez algo nobre ao estava sendo julgado! O servo havia se es­
parar seu carro e descer para encontrar-se quecido que "todas as coisas estão desco­
com o servo de Eliseu (ver At 8:31). Talvez bertas e patentes aos olhos daquele a quem
Eliseu tivesse outra mensagem para ele ou temos de prestar contas" (Hb 4:13). Deus
houvesse uma necessidade a ser suprida. O sabia o que Geazi havia feito e comunicou a
fato de um general siro demonstrar tanta con­ seu profeta. Essa cena nos lembra de como
sideração para com um servo israelita foi, Josué interrogou Acã (Js 7) e de como Pedro
sem dúvida, sinal de que o Senhor havia interrogou Ananias e Safira (At 5), sendo que
transformado seu coração. Naamã o saudou todos esses interrogados haviam cobiçado
dizendo "Shalom - Vai tudo bem?", ao que riquezas e mentido sobre o assunto.
Geazi respondeu, "Shalom - Tudo vai bem". Eliseu não apenas viu o que seu servo
Mas nem tudo ia bem! Quando o coração havia feito como também enxergou o que
de um homem está cheio de cobiça e seus havia dentro do coração dele e descobriu
lábios cheios de mentiras, ele está muito lon­ sua motivação. Geazi desejava ser um ho­
ge de desfrutar shalom, que significa "paz, mem rico, dono de terras e de rebanhos,
bem-estar, satisfação, segurança". com roupas caras e servos para obedecer a
Ao realizar seu plano perverso, Geazi suas ordens. Não se contentava em traba­
não apenas usou o nome de Deus em vão, lhar ao lado do profeta Eliseu; queria segu­
como também lançou mão da obra de Deus rança e conforto. Sem dúvida, não há nada
com "intuitos gananciosos" (1 Ts 2:1-6). de errado em desejar ser rico, se é isso que
Usando o nome de Eliseu, mentiu a Naamã Deus tem para sua vida, pois Abraão e Isaque
e pediu presentes para dois discípulos dos foram homens ricos, como também o foi
profetas de Betei e de Gilgal, de escolas que Davi. Porém, é errado conseguir essa rique­
ficavam na região do monte Efraim. Não za pela dissimulação e fazer dela seu deus.
devemos criticar Naamã por acreditar nas Geazi usou o ministério de Deus como um
mentiras de Geazi; afinal, como recém-con­ meio de enganar a Naamã, contrariando,
vertido, faltava ao general o discernimento desse modo, a vontade de Deus (1 Ts 2:1-6;
que vem de uma experiência espiritual ca­ 2 Co 2:17; 4:2).
da vez mais madura. A declaração: "Meu Deus julgou Geazi ferindo-o com lepra
senhor me mandou dizer" foi uma mentira e prometendo que pelo menos um de seus
2 REIS 5:1 - 6:7 513

descendentes a cada geração sofreria desse os ministros mais antigos do Senhor dedi­
mesmo mal. A cobiça que carcomeu lenta­ cam seu tempo para ensiná-los.
mente seu coração transformou-se em lepra, Porém, um novo crescimento traz consi­
corroendo-lhe o corpo. Geazi havia alimen­ go novas obrigações, e as acomodações à
tado esperanças de deixar uma grande ri­ beira do Jordão precisavam ser ampliadas.
queza para seus descendentes, mas, em vez Hoje em dia, escolas numa situação como
disso, deixou grande vergonha e tristeza para essa organizariam maneiras de levantar fun­
os anos vindouros. Em Israel, os leprosos eram dos e contratariam arquitetos e construtores,
considerados imundos e não tinham permis­ mas, no tempo de Eliseu, eram os discípulos
são de viver normalmente e em comunida­ que faziam todo o trabalho. Além disso, o
de. Geazi não poderia mais servir a Eliseu; líder da escola ia com eles e estimulava seu
havia perdido seu ministério. "Não avaren­ trabalho, e uma vez que possuía um cora­
to" é uma das qualificações para o servo de ção de pastor, Eliseu estava disposto a acom­
Deus (1 Tm 3:3). Uma das marcas dos últi­ panhar seu rebanho e a compartilhar seus
mos dias é que as pessoas amarão mais o fardos.
dinheiro do que a Deus ou outras pessoas Ao contrário do que encontramos à nos­
(2 Tm 3:1-5). sa disposição hoje, o povo daquele tempo
não tinha lojas de ferragens cheias de fer­
3. O MINISTÉRIO RESTAURADO DO ramentas. Os implementos de ferro eram
d is c íp u lo (2 Rs 6:1-7) preciosos e escassos, o que explica por que
Eliseu não era apenas pregador itinerante e 0 discípulo teve de tomar o machado em­
profeta que fazia milagres, mas também prestado para ajudar a preparar a madeira.
supervisor de várias escolas de profetas, em (Quando eu estava no seminário, não pos­
que rapazes chamados para o ministério re­ suía ferramenta alguma.) Não apenas as fer­
cebiam instrução e encorajamento. Sabemos ramentas eram escassas, como também não
da existência dessas escolas em Gilgal, Betei eram feitas com a mesma resistência e dura­
e Jericó (2 Rs 2:1-5) e também em Ramá, bilidade dos utensílios de hoje. Tanto é que
cidade natal de Samuel (1 Sm 19:22-24), mas Moisés deu uma lei especial referente ao
é possível que houvesse outras. Tanto Elias dano que poderia ser causado se o ferro do
quanto Eliseu consideravam de suma impor­ machado saltasse do cabo (Dt 19:4, 5), indi­
tância que a geração seguinte conhecesse cando que isso acontecia com freqüência.
o Senhor e compreendesse sua Palavra, e Se a lei acerca dos animais emprestados tam­
essa é a comissão da igreja nos dias de hoje bém se aplicava às ferramentas (Ex 22:14,
(2 Tm 2:2). D. L. Moody e Charles Spurgeon 15), então o pobre discípulo teria de reem­
não tiveram o privilégio de receber instrução bolsar pelo ferro perdido aquele que lhe
formal para o ministério, mas os dois come­ havia emprestado a ferramenta, o que pro­
çaram escolas que ainda hoje preparam ser­ vavelmente desestabilizaria seu orçamento
vos de Deus. E bom servir à nossa geração, por um bom tempo. Sem o ferro, o discí­
mas não devemos nos esquecer das gera­ pulo não teria como trabalhar, o que pro­
ções por vir. vocaria um aumento na carga de trabalho
Esse relato dá continuidade à história de de outra pessoa. Levando-se tudo isso em
2 Reis 4:44. Deus havia abençoado a escola consideração, o ferro do machado que afun­
de Jericó, e era preciso aumentar as acomo­ dou no rio poderia causar uma porção de
dações. Os discípulos estudavam juntos problemas.
quando o profeta os visitava, pois se encon­ O discípulo foi rápido o suficiente para
travam com ele e se assentavam diante dele ver onde o ferro do machado havia caído e
para ouvi-lo ensinar (v. 1). Também comiam honesto o suficiente para contar a Eliseu o
juntos (4:38-44), mas viviam nas próprias ca­ que havia acontecido. O Jordão não é o rio
sas (4:1-7). E um bom sinal quando Deus le­ mais limpo da Terra Santa (2 Rs 5:12), e se­
vanta uma nova geração de servos e quando ria muito difícil alguém ver uma ferramenta
514 2 REIS 5:1 - 6:7

no fundo. O profeta não "pescou" o ferro o próximo (1 Sm 25:13). Os servos de Deus


do machado com uma vara, mas sim atirou devem caminhar com cuidado diante do Se­
um pedaço de pau na água sobre o lugar nhor e inventariar suas "ferramentas" para que
onde o ferro havia afundado, e o Senhor le­ não percam algo extremamente necessário.
vantou a ferramenta de modo que flutuasse A boa notícia é que o Senhor pode re­
na superfície do rio e pudesse ser apanhada. cuperar aquilo que perdermos e nos colocar
Foi um milagre e tanto de um Deus podero­ de volta no trabalho. Se "perdemos o fio"
so por intermédio de um servo compassivo. em nossa incumbência, ele pode nos res­
Esse episódio nos oferece algumas apli­ taurar e nos tornar mais afiados e eficientes
cações espirituais, e talvez a primeira delas no serviço dele. O importante é saber quan­
seja a de que tudo o que temos é "empres­ do e onde aconteceu, a fim de confessar
tado". Paulo perguntou: "E que tens tu que isso a ele de todo o coração e, depois, vol­
não tenhas recebido?" (1 Co 4:7), e João tar ao trabalho!
Batista disse: "O homem não pode receber E por falar em machados, Eclesiastes
coisa alguma se do céu não lhe for dada" 10:10 oferece um bom conselho: "Se o fer­
(Jo 3:27). Quaisquer dons, aptidões, bens e ro está embotado, e não se lhe afia o corte,
oportunidades que temos vêm de Deus, é preciso redobrar a força; mas a sabedoria
e teremos de prestar contas deles quando resolve com bom êxito". O equivalente
nos encontrarmos face-a-face com o Senhor. moderno seria: "Não trabalhe com mais
Esse discípulo perdeu a ferramenta cara esforço; trabalhe com mais inteligência". A
enquanto servia o Senhor. O serviço fiel é sabedoria diz que o trabalhador deve afiar
importante, mas também pode implicar o sua ferramenta antes de começar o traba­
risco de perdermos algo de valor para nós lho. Porém, esse texto em Reis nos lembra,
enquanto realizamos nosso trabalho. Moisés ainda, de que o ferro do machado deve
perdeu a paciência e a mansidão enquanto estar fixado com firmeza ao cabo. Não tra­
supria água para o povo (Nm 20:1-13), e Davi balhe sem uma ferramenta afiada e não "per­
perdeu o domínio-próprio ao ser gentil com ca o fio"!

1. Ao que parece, jorão encarava a vida de modo pessimista, perspectiva esta que expressou ao tirar conclusões precipitadas.

Quando ficaram sem água, ele não creu que Eliseu seria capaz de prover água para os três exércitos (2 Rs 3:10, 13). Quando

leu a carta, tomou-a como sendo para eíe próprio e não deu ouvidos a Eliseu.

2. A água em Abana (Amana) e Farfar vinha da neve das montanhas ao redor de Damasco, de modo que era pura e fresca.

Naamã precisava aprender que os caminhos de Deus são mais elevados que os nossos (ls 55:8, 9).
3. Deus também feriu temporariamente Miriã de lepra, pois ela criticou o irmão, Moisés (Nm 12), e permanentemente o rei

Uzias, pois ele tentou ministrar como sacerdote (2 Cr 26:16-21). Três pecados a evitar: a cobiça, as críticas maldosas e a

rebelião contra o chamado de Deus para nossa vida.


4. Em 1 Coríntios 9:1-14, Paulo afirmou que o trabalhador cristão é digno de seu salário e incluiu a si mesmo nesse caso.

Porém, nos versículos 15 a 27, argumentou que tinha o direito de recusar o sustento deles, a fim de levar o evangelho a

mais pessoas. Tratava-se de uma convicção pessoal, que Paulo não impôs sobre todas as igrejas nem sobre todos os servos

de Deus. Paulo sabja que, especialmente em Corinto, aceitar dinheiro poderia criar uma barreira entre ele e as pessoas que
estava tentando alcançar.
dormita, nem dorme o guarda de Israel" (SI
4 121:4).
O rei da Síria estava certo de que havia
um traidor em seu acampamento, pois a
A B atalha É do S en h o r mente do incrédulo interpreta todas as coi­
sas do ponto de vista do mundo. Os idóla­
2 R eis 6 :8 - 7:2 0 tras tornam-se como os deuses que adoram
(Sl 11 5:8), de modo que Ben-Hadade estava
tão cego quanto seu deus Rimom (2 Rs 5:18).
Porém, um dos oficiais de Ben-Hadade sabia
o que estava acontecendo e informou ao
rei que o profeta Eliseu estava encarregado
nosso ver, teria sido muito mais lógico
A
da "inteligência militar" e tinha conhecimen­
o Senhor designar Elias, o "filho do tro­ to do que o rei dizia e fazia até no próprio
vão", para confrontar os exércitos inimigos quarto.
que invadiram Israel. Em vez disso, porém, A solução lógica era eliminar Eliseu. Mais
escolheu Eliseu, o jovem agricultor de espí­ uma vez, vemos a ignorância do rei, pois
rito pacífico. Eliseu era como o "cicio tran­ se Eliseu ficava sabendo de todos os planos
qüilo e suave" que veio depois do tumulto do rei para o ataque à fronteira, por certo
do vento, do terremoto e do fogo (1 Rs também ficaria sabendo desse plano - e foi
19:11, 12), assim como Jesus veio depois exatamente o que aconteceu! Os espias de
de João Batista, o pregador com um ma­ Ben-Hadade encontraram Eliseu em Dotã,
chado na mão. Ao declarar a justiça de Deus uma cidade cerca de 20 quilômetros ao
e chamar ao arrependimento, tanto Elias norte da capital, Samaria. A casa de Eliseu
quanto João Batista prepararam o caminho ficava em Abel-Meolá, mas, em seu ministé­
para o ministério de seus sucessores, pois rio itinerante, ele se deslocava de uma cida­
sem convicção da culpa não há verdadeira de para a outra. Em termos humanos, teria
conversão. ficado mais seguro na cidade fortificada de
Como sempre nas Escrituras, o principal Samaria, mas o profeta não teve medo, pois
ator desse drama é o Senhor e não o profe­ sabia que Deus cuidava dele. A chegada de
ta. Por aquilo que disse e fez, bem como uma companhia de soldados, cavalaria e
por aquilo que deixou de fazer, Eliseu reve­ carros com seus cavaleiros naquela noite não
lou o caráter do Deus de Israel ao rei Jorão perturbou nem um pouco o profeta. Não
e a seu povo. Jeová não é como os ídolos era o exército todo, mas sim um grupo gran­
das nações (SI 115), pois somente ele é o de, como aquele que realizava os ataques
verdadeiro Deus vivo. na fronteira (v. 23; 5:2; 13:20; 24:2).
Quando os servos de Deus estão den­
1. O D e u s q u e vê (2 Rs 6:8-14) tro de sua vontade e realizando sua obra,
Sempre que os siros planejavam um ataque tornam-se imortais até que essa obra esteja
à fronteira, o Senhor dava a informação a completa. Os discípulos tentaram dissuadir
Eliseu, e o profeta avisava o rei. Baal jamais Jesus a não voltar para Judá, mas ele lhes
poderia ter feito isso pelo rei Jorão, pois os garantiu que trabalhava dentro de um
ídolos "Têm olhos e não vêem" (SI 115:5). "cronograma divino" e, portanto, não cor­
O Senhor não apenas vê as ações, mas tam­ ria perigo algum (Jo 11:7-10). Somente
bém os pensamentos de todos (SI 94:11; quando "era chegada a sua hora" (Jo 13:1;
139:1-4) bem como o coração (Pv 15:3, 11; 17:1) é que seus inimigos tiveram o poder
Jr 17:10; At 1:24). A maioria das pessoas em de prendê-lo e de crucificá-lo. Se o Pai cui­
Israel, o reino do Norte, não era fiel ao da até mesmo de um pardal (Mt 10:29),
Senhor e, no entanto, em sua misericórdia, então certamente está cuidando de seus
ele cuidou do seu povo. "É certo que não filhos preciosos.
516 2 REIS 6:8 - 7:20

2. O D e u s q u e p ro te g e sabia que, se fosse da vontade de seu Pai,


(2 Rs 6:15-17) um exército de anjos poderia livrá-lo (Mt
O servo mencionado no texto não é Ceazi, 26:53). "Como em redor de Jerusalém estão
pois ele havia sido afastado de sua função e os montes, assim o S enhor , em derredor do
fora substituído. O jovem acordava cedo - seu povo, desde agora e para sempre" (SI
o que é bom sinal mas ainda era deficien­ 125:2). "O anjo do S enhor acampa-se ao re­
te em sua fé. Vendo a cidade cercada de dor dos que o temem e os livra" (SI 34:7). Os
soldados inimigos, sua reação foi natural e anjos são servos do povo de Deus (Hb 1:14),
buscou a ajuda de seu senhor. e, até chegarmos ao céu, jamais saberemos
Uma mulher disse ao evangelista D. L. exatamente quanto eles nos ajudaram.
Moody ter encontrado uma promessa ma­
ravilhosa que lhe dava paz quando estava 3. O D e u s q u e m o s t r a m is e r ic ó r d ia
preocupada e citou o Salmo 56:3: "Em me (2 Rs 6:18-23)
vindo o temor, hei de confiar em ti". Moody Eliseu não pediu que o Senhor ordenasse
disse que tinha uma promessa ainda melhor ao exército angelical para destruir os solda­
para ela e citou [saías 12:2: "Eis que Deus é dos insignificantes de Ben-Hadade. Como
minha salvação; confiarei e não temerei". acontece com as nações nos dias de hoje, a
Ficamos imaginando quais promessas do Se­ derrota só serve para promover a retaliação,
nhor vieram à mente e ao coração de Eliseu, e Ben-Hadade teria mandado outra compa­
pois é a fé na Palavra de Deus que traz paz nhia de soldados. Deus deu a Eliseu um
em meio à tempestade. É possível que se plano muito melhor. Havia acabado de orar
tenha lembrado das palavras de Davi no Sal­ pedindo que o Senhor abrisse os olhos de
mo 27:3: "Ainda que um exército se acam­ seu servo e, então, orou pedindo que Deus
pe contra mim, não se atemorizará o meu escurecesse a vista dos soldados siros. Os
coração; e, se estourar contra mim a guerra, homens não ficaram inteiramente cegos, pois
ainda assim terei confiança". Ou talvez as se isso tivesse acontecido, não poderiam ter
palavras de Moisés em Deuteronômio 20:3, seguido Eliseu; porém, sua visão foi enevoa­
4 lhe tenham vindo à mente: "Não desfale­ da de tal modo que puderam ver, mas não
ça o vosso coração; não tenhais medo, não compreender. A ilusão deles era que esta­
tremais, nem vos aterrorizeis [...] pois o Se­ vam sendo conduzidos à casa de Eliseu
n h o r , vosso Deus, é quem vai convosco a quando, na verdade, Eliseu os estava levan­
pelejar por vós contra os vossos inimigos, do para a cidade de Samaria!
para vos salvar". Eliseu mentiu aos soldados siros quando
Eliseu não se preocupou com o exérci­ foi ao encontro deles (v. 19)? Não, pois não
to; antes, sua maior preocupação foi com o se encontrava mais na cidade de Dotã e, de
servo assustado. Ao andar com Eliseu e ser­ fato, estava a caminho de Samaria. Na ver­
vir a Deus, o rapaz enfrentaria várias situa­ dade, o profeta estava salvando a vida dos
ções difíceis e perigosas e teria de aprender siros, pois se o rei Jorão estivesse no coman­
a confiar no Senhor. Nesse caso, provavel­ do, teria dado cabo deles (v. 21). Por certo,
mente oraríamos pedindo ao Senhor que Eliseu levou-os até o homem que estavam
desse paz ao coração do jovem ou que acal­ procurando. Quando o exército chegou a
masse sua mente, mas Eliseu orou pedindo Samaria, os guardas devem ter ficado espan­
a Deus que abrisse os olhos do servo. Ele tados ao ver o profeta conduzindo os solda­
vivia de acordo com as aparências, não pela dos, mas atenderam a seu pedido e abriram
fé, e não conseguia ver o enorme exército as portas; em seguida, Deus abriu os olhos
angelical do Senhor cercando a cidade. A fé dos siros. Imagine qual não foi a surpresa
nos permite ver o exército invisível de Deus desses soldados ao encontrar-se no centro
(Hb 11:27) e crer que ele nos dará a vitória. da capital e à mercê dos israelitas.
Jacó teve uma experiência parecida antes Se dependesse do rei Jorão, teria exe­
de se encontrar com Esaú (Gn 32), e Jesus cutado todos os soldados siros e assumido
2 REIS 6:8 - 7:20 517

o crédito pela grande vitória, mas Eliseu a tumultos e saques em bairros, a agitações
interveio. O rei usou de muita gentileza, em campi universitários e a divisões e confli­
chamando Eliseu de "meu pai" (v. 21), uma tos em nossas comunidades. "Bem-aventu­
designação usada pelos servos para se diri­ rados os misericordiosos, porque alcançarão
gir a seu senhor (5:13), mas, algum tempo misericórdia" (Mt 5:7).
depois, o rei quis cortar a cabeça de Eliseu
(v. 32)! Como Acabe, seu pai perverso, Jorão 4. O D e u s q u e é fie l à s u a a l i a n ç a
poderia matar um inocente num dia e "an­ (2 Rs 6:24-33)
dar cabisbaixo" diante do Senhor no dia se­ Os ataques às frontéiras cessaram, mas Ben-
guinte (1 Rs 21), uma instabilidade típica de Hadade ll decidiu que era chegada a hora
pessoas de ânimo dobre (Tg 1:8). de ir à guerra.1 Os governantes devem pro­
A resposta de Eliseu deixou o rei inteira­ var seu valor ao povo, e derrotar e saquear
mente de fora. Acaso Jorão havia derrotado o inimigo é uma das melhores maneiras de
exército em combate? De modo algum! Se revelar a própria força e sabedoria. Dessa
houvesse vencido a batalha, teria o direito vez, o rei enviou um exército completo, e
de executar os prisioneiros, mas se esse não temos a impressão de que pegou Jorão in­
foi o caso, a responsabilidade do rei era lhes teiramente despreparado. Talvez a paz nas
dar de comer. Jorão sabia que partilhar uma fronteiras tenha tranqüilizado Jorão e o leva­
refeição com eles era o mesmo que fazer do a crer que a Síria não representava mais
uma aliança com os siros (Gn 26:26-31), mas uma ameaça. Tudo indica que, em se tratan­
ainda assim obedeceu. Na verdade, fez mais do de assuntos militares, Jorão não era mui­
do que o profeta havia pedido - que desse to perspicaz.
pão e água - e preparou um grande ban­ O cerco de Samaria durou tanto tempo
quete aos soldados. que o povo da cidade começou a morrer
Salomão escreveu: "Se o que te aborre­ de fome. Ao que parece, Eliseu havia acon­
ce tiver fome, dá-lhe pão para comer; se ti­ selhado o rei a esperar (v. 33), prometendo
ver sede, dá-lhe água para beber, porque que o Senhor faria algo, mas quanto mais
assim amontoarás brasas vivas sobre a sua esperavam, pior sua situação se tornava. No
cabeça, e o S e n h o r te retribuirá" (Pv 25:21, entanto, é importante lembrar que Deus
22). Paulo citou essas palavras em Romanos advertiu que castigaria seu povo se os israe­
12:20, 21, aplicando-as aos cristãos de hoje. litas não vivessem de acordo com as estipula­
Ver também as palavras de Jesus em Mateus ções de sua aliança. Esses castigos incluíam
5:43-48 e Lucas 6:27-36. O rei Jorão deseja­ a derrota militar (Lv 26:17, 25, 33, 36-39;
va executar os siros, mas Eliseu os "abateu Dt 28:25, 26, 49-52) e a fome (Lv 26:26, 29;
com sua bondade". Ao comerem juntos, fi­ Dt 28:1 7, 48), e Israel estava sofrendo com
zeram uma aliança de paz, e as companhias as duas coisas. Se o rei Jorão tivesse chama­
de soldados siros deixaram de atacar as fron­ do o povo ao arrependimento e à oração, a
teiras de Israel. situação teria mudado (2 Cr 7:14). O povo
Será que esse tipo de abordagem evita­ foi degradado a tal ponto que precisou re­
ria conflitos nos dias de hoje? Devemos nos correr a alimentos imundos, como cabeça
lembrar de que Israel era uma nação da alian­ de jumento e esterco de pombos, pagando
ça e de que o Senhor lutava suas batalhas. por eles preços exorbitantes: um quilo de
Nenhuma nação poderia reivindicar esse prata pela cabeça de jumento e sessenta
tipo de privilégio. Porém, se a bondade subs­ gramas de prata pelo esterco.
tituísse as profundas e tão antigas diferen­ Pior do que isso, porém, era que os is­
ças étnicas e religiosas entre os povos, bem raelitas estavam comendo os próprios filhos,
como o orgulho nacional e a cobiça interna­ um castigo que também havia sido previsto
cional, sem dúvida haveria menos guerras e no caso de o povo transgredir a aliança com
bombardeios. O mesmo princípio aplica-se Deus (Lv 26:29; Dt 28:53-57). O rei encon­
ao fim do divórcio e ao abuso nas famílias, trou duas mulheres nessa situação quando
518 2 REIS 6:8 - 7:20

estava andando sobre as muralhas e ins­ que pudessem confiscar sua propriedade
pecionando a cidade. Uma das mulheres pe­ (1 Rs 21).
diu a ajuda do rei, e Jorão pensou que ela Eliseu ordenou que os anciãos manti­
queria algo para comer e beber. Na realida­ vessem as portas fechadas até que os dois
de, a resposta do rei colocou a culpa no homens estivessem do lado de fora. Ser obri­
Senhor e não nos pecados de Israel. Somente gado a ficar esperando à porta não melho­
Deus poderia encher o chão da eira e o la­ rou em nada o humor do rei, que gritou para
gar e suprir o alimento e a bebida. Mas aque­ Eliseu: "Eis que este mal vem do S enhor ; que
la mãe não queria comida e bebida, mas mais, pois, esperaria eu do S enh o r ?" (v . 33).
sim justiça. A amiga dessa mulher não ha­ Ele deveria ter dito: "Eu sou a causa dessa
via cumprido sua parte no trato e esconde­ grande tragédia e me arrependo de meus
ra o filho! pecados! Orem por mim!". Havia uma cláu­
Jorão ficou estarrecido que a nação hou­ sula na aliança para a confissão e o perdão
vesse decaído a esse ponto e rasgou as rou­ (Dt 30), caso o rei Jorão e o povo tivessem
pas em público, não como sinal de tristeza lançado mão dessa possibilidade. O Senhor
e de arrependimento, mas como prova de é sempre fiel a sua aliança, quer seja para
sua ira contra Deus e Eliseu (ver 5:7). Ao abençoar quando seu povo é obediente quer
fazê-lo, mostrou que estava usando um para disciplinar quando é desobediente.
pano de saco sob o manto real, mas de que
adiantavam panos de saco se não havia 5. O D e u s q u e c u m p re su as
humildade nem arrependimento no cora­ p rom essas (2 Rs 7:1-20)
ção? As palavras que proferiu em seguida Será que Eliseu e os anciãos permitiram que
deixam claro que Jorão não assumiu qual­ o rei entrasse na sala, junto com seu capi­
quer responsabilidade pelo cerco e pela tão e mensageiro? E provável que sim, mas
fome e que desejava matar Eliseu. Chegou quando os homens finalmente abriram a
até a usar o juramento que havia aprendido porta, Jorão teve de ser contido - não mui­
de Jezabel, sua mãe perversa (v. 31; 1 Rs to diferente daquilo que havia acontecido
19:2). Acabe, o pai de Jorão, chamou Elias com Acabe, seu pai, quando Elias o acusou
de "perturbador de Israel" (1 Rs 18:17), e de ter assassinado Nabote (1 Rs 21:1 7ss).
Jorão culpou Eliseu pela situação calamito­ As únicas mensagens que o Senhor havia
sa em que Samaria se encontrava. O rei enviado ao rebelde rei Jorão eram o exército
enviou um mensageiro para prender Eliseu ao redor da cidade e a fome dentro da cida­
e para que fosse executado. de e, ainda assim, o rei não se arrependeu.
O profeta não se perturbou nem se pre­ As boas novas do Senhor (vv. 1, 2). Que
ocupou, pois o Senhor sempre dizia a Eliseu grande privilégio para o reino de Israel ter o
tudo o que ele precisava saber. Enquanto o profeta Eliseu vivendo e ministrando no meio
profeta estava sentado em sua casa com os de seu povo! Nos momentos de crise ao
anciãos de Israel, alguns líderes que o ha­ longo da história de Israel, os profetas trans­
viam procurado para pedir conselho e aju­ mitiam a mensagem de Deus para seu povo,
da, soube que um oficial estava a caminho. quer eles lhe obedecessem quer não. O rei
Também soube que o próprio rei o seguiria Jorão podia procurar os sacerdotes de Baal,
para ter certeza de que a execução seria mas estes não tinham o que lhe dizer. O
levada a cabo. Eliseu já havia deixado claro Senhor falava por meio "dos seus servos, os
que não aceitava a autoridade do rei de Is­ profetas" (21:10).
rael, pois Jorão não era da linhagem de Davi Jorão queria que alguma coisa aconte­
(3:14). Jorão era filho de Acabe, o rei assas­ cesse de imediato, pois se recusava a esperar
sino que, juntamente com a esposa, Jezabel, mais. Porém, Eliseu começou sua mensagem
matou os profetas do Senhor que se opuse­ dizendo: "Amanhã, a estas horas mais ou
ram à adoração de Baal (1 Rs 18:4). Além menos". O que aconteceria? Voltaria a ha­
disso, mataram seu vizinho, Nabote, para ver comida disponível, e os preços abusivos
2 R EIS 6:8 - 7:20 519

cairiam drasticamente. A flor da farinha para moabitas com um milagre que havia altera­
as pessoas e a cevada para os animais deve­ do sua percepção visual (3:20-23) e, no caso
ria custar, àquela altura, aproximadamente dos siros, o milagre alterou sua audição e
o dobro de seu preço habitual em tempos pensaram que os exércitos dos egípcios e
de paz. Tratava-se de um grande alívio dian­ dos heteus estavam chegando para destruí-
te dos preços que o povo havia pago por los.2 Os quatro leprosos fizeram o que qual­
alimentos imundos. quer homem faminto teria feito: comeram
O capitão que estava com o rei não creu até se fartar e, depois, saquearam as tendas
nas palavras do profeta e zombou do que e esconderam toda a riqueza que puderam
Eliseu disse. "Por acaso será como o dilúvio encontrar.
de Noé, com comida sendo derramada do Porém, quando veio a noite, fizeram
céu em vez de chuva?", perguntou ele (ver outra conferência e analisaram a situação.
Cn 7:11. A palavra hebraica traduzida por Por que uma cidade inteira deveria ficar
"janelas" significa "comportas"). Para o co­ passando fome e as mães comerem os pró­
ração humilde que se submete ao Senhor, a prios filhos, enquanto quatro homens em via
Palavra produz fé, mas o coração orgulhoso de morrer desfrutavam egoisticamente os
e egocêntrico é ainda mais endurecido pela recursos do acampamento abandonado?
Palavra. O mesmo sol que derrete o gelo Além disso, quando viesse o dia, a cidade
endurece a argila. Na manhã seguinte, todo toda descobriria que o inimigo havia fugido
o povo da cidade - exceto esse capitão - e se perguntaria por que os homens não
despertaria para a vida; o capitão, porém, haviam dito coisa alguma. Quando a verda­
despertaria para a morte. de aparecesse, os quatro homens seriam
Boas novas do acampamento inimigo castigados por não terem transmitido as boas
(vv. 3-16). A cena se desloca para fora das novas.3
portas trancadas de Samaria, onde quatro Já era noite quando voltaram para a ci­
leprosos viviam em isolamento (Lv 13:36). dade e se aproximaram do guarda que es­
Ninguém havia falado sobre a promessa de tava à porta. Uma vez que esses quatro
Eliseu de que haveria comida. Estavam dis­ homens viviam junto à porta, é bem prová­
cutindo sua situação precária, quando che­ vel que o guarda os conhecesse. Os lepro­
garam a uma conclusão: se ficassem à beira sos lhe deram as boas notícias, e um dos
do muro, morreriam de fome, mas se fos­ oficiais levou a mensagem ao rei. Revelan­
sem até o acampamento inimigo, poderiam do mais uma vez sua incredulidade e pessi­
despertar alguma piedade e receber um mismo (3:10, 13), Jorão afirmou que aquilo
pouco de alimento. Mesmo que os siros os não passava de uma armadilha e que o
matassem, seria melhor ter uma morte rápi­ inimigo estava escondido, tentando atrair a
da pela espada do que morrer lentamente cidade para fora, a fim de que pudessem
de fome. A fim de não serem vistos do muro invadi-la. Josué havia derrotado a cidade de
da cidade, esperaram até o crepúsculo para Ai dessa maneira (Js 8). O rei não estava
se dirigirem ao acampamento dos siros. A duvidando do relato dos leprosos, mas sim
maior parte dos soldados no acampamento rejeitando a palavra de Eliseu. Se Jorão hou­
estaria descansando, e os leprosos teriam vesse crido na Palavra do Senhor, teria
de tratar apenas com alguns dos guardas. aceitado as boas novas dos leprosos.
Mas não havia ninguém lá! O Senhor Um dos oficiais teve o bom senso de
havia feito os soldados ouvirem um som que arrazoar com o rei, sugerindo que deixasse
interpretaram como a aproximação de um alguns oficiais levarem cavalos e carros e
grande exército, e os siros abandonaram o investigarem o terreno. Se tudo não passas­
acampamento do modo que se encontrava se de um ardil e eles fossem mortos, não
e fugiram 40 quilômetros até o rio Jordão, faria diferença, pois também teriam morrido
deixando seus pertences para trás enquan­ se tivessem ficado na cidade. O oficial pe­
to corriam (v. 15). O Senhor derrotara os diu cinco cavalos, mas o rei lhe deu apenas
520 2 REIS 6:8 - 7:20

dois carros, provavelmente com dois cava­ Cumprindo o que Pedro anteviu em 2 Pedro
los cada um. Os homens encontraram o 3, os escarnecedores encontram-se em nos­
acampamento vazio e, então, seguiram a so meio e perguntam: "Onde está a promes­
rota de fuga dos soldados até o rio Jordão, sa da sua vinda?" A igreja é como os quatro
uma distância de quarenta quilômetros, e leprosos: temos as boas novas da salvação
viram no chão roupas e equipamentos que e não devemos guardá-las para nós mesmos.
os siros haviam deixado para trás durante a Se as pessoas não crerem na Palavra do Se­
fuga. nhor, não estarão prontas para sua vinda;
Os espias correram de volta para a ci­ mas, se nós não transmitirmos a mensagem,
dade e contaram as boas notícias de que o não há como se prepararem. O que dire­
exército siro havia partido e de que seu acam­ mos quando encontrarmos o Senhor?
pamento estava esperando para ser saquea­ Más notícias para o capitão do rei (w.
do. Sem dúvida, foram ótimas novas para o 17-20). Ao que parece, aos poucos esse
povo, que encontrou comida para se alimen­ oficial havia aceitado a atitude pessimista e
tar e para vender na cidade, sem falar no incrédula do rei. Para ele, era impossível os
valor dos bens materiais que poderiam ser preços caírem tanto num só dia e haver fari­
transformados em dinheiro. Porém, a lição nha e cevada disponíveis tão rapidamente,
mais importante desse relato não é que Deus mas foi isso o que Deus fez! As mesmas
salvou seu povo quando não merecia, mas pessoas que pensaram que iriam morrer de
que Deus cumpriu a promessa que havia fei­ fome correram para fora da porta, derruba­
to por intermédio de seu profeta, Eliseu. Ob­ ram o capitão, pisotearam seu corpo, e ele
serve a ênfase sobre a expressão "segundo a morreu. A Palavra do Senhor permaneceu,
palavra do S e n h o r " nos versículos 16 a 18. mas o homem que negou essa Palavra foi
Jesus prometeu voltar, mas, neste fim dos morto. Jesus disse: "Passará o céu e a terra,
tempos em que vivemos, há quem questio­ porém as minhas palavras não passarão"
ne ou que até mesmo negue essa promessa. (Mt 24:35).

1. "Ben-Hadade" era o título ou “ nome real" dos governantes siros, assim como a denominação "Faraó" era o título do rei

egípcio.

2. Mais de um século atrás, os estudiosos seculares costumavam sorrir quando se fazia menção aos heteus, referindo-se a eles

como um "povo mitológico citado na Bíblia". No entanto, escavações arqueológicas revelaram a existência de uma poderosa
civilização hetéia, inimiga freqüente de Israel. Mais uma vez, as pás dos arqueólogos tiveram de confirmar a veracidade do

registro das Escrituras.

3. Não é preciso muita imaginação para aplicar essa cena à igreja de hoje. jesus conquistou a vitória sobre Satanás, e "este dia

é de boas novas". Os cristãos estão desfrutando todas as bênçãos da vida com Deus, enquanto um mundo inteiro está

sofrendo e morrendo. Como podemos guardar essas boas novas para nós mesmos? Se o fizermos, responderemos por isso

quando estivermos diante do juiz. Como nos manter calados num dia de boas novas?
Deus controla a natureza (8:1, 2). A mu­
5 lher sunamita rica e sua família aparecem
pela primeira vez em 2 Reis 4:8-37. Em vá­
rias ocasiões, Deus usou a escassez de ali­
C o lh en d o os Frutos mentos para disciplinar seu povo, pessoas
desobedientes que precisavam ser lembra­
d o P ecado
das de suas obrigações dentro da aliança
2 Reis 8:1 - 9 :3 7 (Dt 28:1 7, 48). É possível que essa fome
tenha sido a mesma citàda em 4:38. O pro­
(2 C r ô n i c a s 2 1 : 1 - 2 2 :9 ) feta alertou a mulher para que escapasse da
fome mudando-se para a terra dos filisteus.
Sabendo de antemão que a escassez de ali­
lifaz disse algumas coisas absurdas a seu
E
mentos era iminente, a mulher conseguiu
amigo Jó quando este estava sofrendo, providenciar um lugar temporário para mo­
mas também declarou alguns princípios eter­ rar na Filístia antes dos outros que fugiriam
nos como este: "Segundo eu tenho visto, os posteriormente de Israel. Observe que o
que lavram a iniqüidade e semeiam o mal, marido dela não é mencionado; porém, uma
isso mesmo eles segam" (Jó 4:8). Salomão vez que era mais velho do que ela (4:14), é
repetiu essa verdade em Provérbios 22:8: "O bem provável que tivesse falecido.
que semeia a injustiça segará males", e o A fome veio por ordem do Senhor e es­
profeta Oséias expressou esse fato de modo tava sob seu controle, pois ele é Senhor de
bastante vívido ao dizer: "Porque semeiam tudo. "Fez vir fome sobre a terra e cortou os
ventos e segarão tormentas" (Os 8:7). Jero- meios de se obter pão" (SI 105:16). No prin­
boão, Onri e Acabe haviam levado Israel, o cípio, Deus falou e a criação passou a exis­
reino do Norte, à idolatria, e Jeorão, que se tir (Gn 1), e, nos dias de hoje, Deus fala e a
casara com uma filha de Acabe, havia intro­ criação obedece à sua vontade (ver SI 148).
duzido o culto a Baal no reino de Judá. Os Se, nesses tempos de disciplina e aflição, o
dois reinos encontravam-se rebeldes contra povo de Deus tivesse orado e confessado
o Senhor e contaminados pela idolatria, mas seus pecados, Deus os teria livrado (2 Cr
o dia do julgamento havia chegado para a 7:14). Quando as pessoas ignoram a Pala­
dinastia de Acabe, conforme o profeta Elias vra de Deus, o Senhor pode falar por inter­
havia prenunciado (1 Rs 21:21, 29). médio de sua criação e nos lembrar de que
está no controle.
1. A g r a n d e z a de D e u s (2 Rs 8:1-6) Deus controla a vida e a morte (8:3-5).
É evidente que esse acontecimento ocorreu O relato dos milagres na vida da mulher
antes da cura de Naamã (2 Rs 5), uma vez sunamita revela o poder extraordinário de
que dificilmente o rei receberia um leproso Deus. Ela não tinha filhos, e seu marido era
no palácio, e Ceazi foi acometido de lepra de idade, mas assim como fez com Abraão
(5:27). O autor de 2 Reis não afirma seguir e Sara (Gn 17), o Senhor deu nova vida ao
uma cronologia rígida, nem sabemos ao casal, e a mulher concebeu e deu à luz um
certo qual rei Ceazi estava entretendo com filho. Mas o filho adoeceu e morreu e, no
histórias sobre seu senhor. Talvez esse epi­ entanto, o Senhor o ressuscitou dentre os
sódio tenha ocorrido no início do reinado mortos. E Deus quem nos preserva no meio
de Jorão. Trata-se de um relato que traz à dos viventes (Sl 66:9) e "na sua mão está a
memória a grandeza do Senhor. Os aconte­ alma de todo ser vivente e o espírito de todo
cimentos subseqüentes revelam a pecami- 0 gênero humano" (Jó 12:10). "Pois nele vi­
nosidade das pessoas, mas essa seção nos vemos, e nos movemos, e existimos" (At
lembra de que Deus é grande e realizará 17:28). As fomes nos lembram de que so­
seus propósitos apesar da iniqüidade de seu mente Deus pode tornar a natureza produ­
povo, seja ela enorme ou pequena. tiva, e a morte nos lembra de que somente
522 2 REIS 8:1 - 9:37

Deus dá vida e tem o poder e a autoridade história, Deus está no comando. Ele sabe
de tomá-la. "Não há nenhum homem que todas as coisas e pode tudo; está presente
tenha domínio sobre o vento para o reter; em toda a parte executando sua vontade; é
nem tampouco tem ele poder sobre o dia um Deus longânimo com os pecadores, mas
da morte" (Ec 8:8). que, a seu tempo, julga aqueles que lhe de­
Por sua providência, Deus controla to­ sobedecem. Ainda que nosso mundo esteja
dos os acontecimentos da vida (8:5, 6). No estremecendo (Hb 12:25-29), podemos con­
mesmo instante que Geazi descrevia o mila­ fiar que Deus está fazendo o que é certo.
gre maravilhoso da ressurreição, a mãe da
criança entrou na sala do trono! Ela havia 2. A PERVERSIDADE DO CORAÇÃO
voltado para casa e descobriu que gente h u m a n o (2 Rs 8:7-15)
desconhecida tinha se apossado de suas Quando o Senhor encontrou-se com o pro­
terras e a roubado de sete anos de produ­ feta Elias no monte Horebe (1 Rs 19:8-18),
ção. Naquele tempo, era comum levar pro­ deu-lhe uma comissão tripla: ungir Hazael
blemas desse tipo diretamente ao rei, que para ser rei da Síria, ungir Jeú para ser rei
decidia, então, como a propriedade deveria de Israel e ungir Eliseu para ser seu sucessor
ser dividida. O fato de Geazi estar lá como (1 Rs 19:15, 16). Antes de ser levado para o
testemunha de que as terras pertenciam à céu, Elias havia cumprido apenas uma des­
mulher facilitou ainda mais a decisão do rei. sas comissões - a unção de Eliseu (1 Rs
Anos antes, quando seu filho havia morrido, 19:19-21) - de modo que podemos supor
a mulher nem sequer imaginou que aquela que pediu a Eliseu que cuidasse das outras
experiência tão dolorosa teria um papel im­ duas tarefas. Jeú se tornaria o flagelo desi­
portante na preservação de sua propriedade. gnado por Deus para livrar a terra dos des­
Nosso termo "providência" vêm de duas cendentes perversos e da falsa religião de
palavras em latim - pro e video - que, jun­ Acabe.
tas, significam "ver adiante, ver de antemão". A missão de Eliseu (vv. 7-13). Eliseu
Deus não apenas sabe o que se encontra à precisou ter fé e coragem para viajar até
nossa frente, como também planeja o que Damasco. Afinal, em várias ocasiões, havia
há de acontecer no futuro e executa seu frustrado os planos da Síria de atacar as ci­
plano com perfeição. Talvez um termo mais dades fronteiriças de Israel (6:9-12) e havia
apropriado seja "preparativo". A providên­ humilhado o exército siro ao conduzir os
cia de Deus não interfere de modo algum soldados até Samaria e mandá-los de volta
em nosso poder de escolha ou em nossa para casa com a barriga cheia, mas com as
responsabilidade pelas escolhas que fazemos mãos vazias (6:14-23). Por causa de Eliseu,
e suas conseqüências (ver 1 Cr 29:11; Jó o exército siro havia fugido de Samaria, e os
41:11; SI 95:3-5; 135:6; 139:13-18; Dn 4:35; israelitas puderam saquear seu acampamen­
Tg 4:13-15). Esse episódio feliz no palácio to (7:1 ss). Quando Eliseu levou o grupo de
do rei nos revela o caráter de Deus e serve soldados para a capital de Israel, demons­
de preparativo para os acontecimentos tu­ trou misericórdia para com eles e salvou a
multuados subseqüentes. Hazael assassina vida daqueles homens.
Ben-Hadade e. se torna rei da Síria. Jeú varre O fato de o rei Ben-Hadade da Síria es­
a terra de Israel e, no processo de extermi­ tar gravemente enfermo e de querer a ajuda
nar a casa de Acabe e a adoração a Baal, do Senhor tornou a chegada de Eliseu ainda
mata reis, príncipes e sacerdotes pagãos. A mais significativa. Era um rei pagão buscan­
perversa rainha Jezabel e a rainha-mãe Atalia do a ajuda de um profeta de Jeová, o que
encontram a morte e pagam por suas per- talvez tivesse alguma relação com a conver­
versidades. Um período e tanto da história! são de Naamã. Além disso, Ben-Hadade
Não obstante, o Senhor estava assentado em enviou Hazael, um de seus oficiais do alto
seu trono, julgando o pecado e cumprindo escalão, para encontrar Eliseu e oferecer-lhe
sua Palavra. Não importa o que ocorre na presentes caros. E provável que os presentes
2 REIS 8:1 - 9:37 523

fossem mais uma espécie de "suborno" e tenha sido nesse momento que Eliseu ungiu
que o rei tivesse esperanças de que sua ge­ Hazael com óleo sagrado. Se esse foi o caso,
nerosidade levaria Eliseu a dar-lhe uma res­ Hazael foi o único rei da Síria a ter a unção
posta favorável. Porém, assim como Elias, seu do Senhor.
mestre, Eliseu sem dúvida se recusou a acei­ Mesmo antes de Eliseu anunciar a pro­
tar os presentes (5:15, 16). Ao chamar o rei moção de Hazael, pode ser que tenha visto
da Síria de "teu filho", Hazael estava ten­ no coração do siro seu plano de matar Ben-
tando honrar Eliseu ainda mais (ver 6:21). Hadade. Ou será que foram as palavras do
Então, fez a pergunta-chave: Ben-Hadade iria profeta que incitaram èsse desejo? De qual­
se recuperar de sua enfermidade? A resposta quer modo, Eliseu não poderia ser culpado
de Eliseu parece intencionalmente ambígua, por aquilo que Hazael decidisse fazer.
pois o texto hebraico pode ser entendido Hazael aceitou o fato de que seria o próxi­
tanto como: "Certamente sararás" quanto mo rei, mas não perguntou como isso ira
como: "Certamente não sararás". Ao que acontecer. Eliseu deixou claro que o rei iria
parece, o profeta estava dizendo: "Essa en­ morrer, mas não em decorrência de sua
fermidade não tirará sua vida, mas ele mor­ enfermidade. Talvez Hazael tenha pensado:
rerá de outra forma". Em outras palavras, a "Se o rei vai morrer de qualquer forma, en­
doença do rei não era terminal, mas sua vida tão por que esperar? Por que não lhe tirar a
estava prestes a terminar. Como alto oficial vida agora e me tornar rei bem antes?" Quan­
do rei, Hazael desejava dar boas notícias ao do o coração humano está inclinado para o
rei, de modo que não lhe transmitiu a segun­ mal, pode criar todo tipo de justificativa. "En­
da parte da mensagem. Eliseu não estava ganoso é o coração, mais do que todas as
mentindo para Hazael. À pergunta de Hazael: coisas, e desesperadamente corrupto; quem
"O rei irá sarar dessa doença?" respondeu o conhecerá?" (Jr 17:9).
dizendo: "Sim e não". Não, a enfermidade Quando o rei perguntou qual havia sido
não iria matar o rei, mas, sim, alguma outra a mensagem de Eliseu, Hazael lhe transmitiu
coisa iria tirar sua vida. Porém, Eliseu não re­ a primeira parte e disse: "Certamente sara­
velou o que era essa "outra coisa" nem quan­ rás". Quanto a isso, disse a verdade, pois o
do isso aconteceria. rei não morreria de sua enfermidade. Porém,
Eliseu olhou fixamente para Hazael, a fim de garantir que a segunda parte da
como se estivesse lendo seus pensamentos mensagem se cumpriria, Hazael sufocou Ben-
e vendo seu coração e, em seguida, o pro­ Hadade com um cobertor molhado e pesa­
feta começou a chorar. O Senhor havia lhe do e tomou o trono para si. Reinou sobre a
mostrado parte da violência e derramamen­ Síria durante quarenta anos (841-801 a.C).
to de sangue que viria das mãos de Hazael,
atos brutais que costumavam ser praticados 3. A INSENSATEZ DA TRANSIGÊNCIA
em tempos de guerra (15:16; Os 13:16; Am (2 Rs 8:16-29; 2 C r 21)
1:3-5). A resposta de Hazael indica que ele O escritor muda seu enfoque para Judá, o
reconhecia sua condição de subordinado no reino do Sul, e relata como o rei Jeorão trou­
governo e que imaginava onde conseguiria xe a apostasia e o julgamento sobre a terra.
a autoridade para fazer tais coisas.' Ao cha­ Durante cinco anos, Jeorão foi co-regente
mar-se de "cão" não estava se referindo a de seu pai, Josafá, e quando Josafá morreu,
sua natureza perversa - "Por acaso sou al­ Jeorão assumiu o trono. Era casado com
gum cão para fazer tais coisas?" -, mas sim Atalia, filha de Acabe, e Josafá havia ajuda­
ao fato de ser um "joão-ninguém", um ser­ do Acabe a lutar contra os siros em Ramote-
vo humilde do rei, um homem desprovido Gileade (1 Rs 22). Em outras palavras, aos
de tamanha autoridade. A réplica de Eliseu poucos, o muro de separação entre a dinas­
deixou o siro estarrecido: Hazael teria toda tia de Davi em Judá e os descendentes de
a autoridade necessária, pois se tornaria rei Acabe em Israel estava ruindo. O futuro do
da Síria. O texto não diz, mas é possível que grande plano divino de salvação dependia
524 2 REIS 8:1 - 9:37

da dinastia davídica, de modo que Jeorão O profeta lembrou jeorão de três gran­
estava se deixando usar pelo inimigo. Ao des reis de Judá: Davi, que fundou a dinas­
mostrar-se condescendente para com os tia real; Asa, um rei piedoso que purificou a
governantes perversos de Israel, Jeorão de­ terra do mal (1 Rs 15:9-24; 2 Cr 14 - 16); e
sagradou o Senhor e enfraqueceu a nação. Josafá, o pai de Jeorão.3 Em vez de seguir o
Um reinado de terror (vv. 16-22). Quan­ caminho desses reis, Jeorão imitou o modelo
do subiu ao trono, Jeorão imitou o exemplo de Acabe. Em decorrência disso, o povo se­
de Jezabel e assassinou todos os seus irmãos guiu seu mau exemplo e não foi difícil tornar
e qualquer um que pudesse ameaçar sua a adoração a Baal amplamente difundida em
autoridade (2 Cr 21:1-7). Seu pai havia dado Judá, o único lugar onde Jeová havia sido
a cada um dos filhos uma cidade fortificada adorado sem transigências ao paganismo.
sobre a qual governar, e Jeorão não queria Jeorão não apenas era idólatra, mas tam­
que seus irmãos formassem uma coalizão bém assassino e matou os próprios irmãos,
contra ele. Em vez de reuni-los para orar e de modo que o Senhor o faria colher aquilo
adorar a Deus no templo e buscar a sua que havia semeado. O inimigo invadiria e
bênção, Jeorão seguiu os caminhos de Aca­ saquearia o reino de Judá e levaria os tesou­
be e de Jezabel e reinou pela espada. Seu ros de Jeorão bem como suas esposas e fi­
desejo era ver os irmãos fora do caminho lhos. Então, o rei seria acometido de uma
para que não pudessem opor-se a sua políti­ enfermidade intestinal incurável que lhe cau­
ca de promover o culto a Baal. Jezabel havia saria grande dor e, por fim, lhe tiraria a vida.
vencido outra vez. Essas duas previsões se cumpriram Os
Deus poderia ter destruído o rei e seu filisteus e os árabes invadiram judá, levaram
reino, mas, por amor a Davi, ele manteve embora os tesouros do palácio e as esposas
viva a sua dinastia (v. 19; ver 1 Rs 11:36 e e filhos de Jeorão, com exceção do jovem
15:4 e Sl 89:29-37 e 132:17). Porém, o Se­ Acazias, conhecido também como Joacaz.
nhor permitiu que Judá fosse derrotado vá­ O rei contraiu uma doença intestinal dolo­
rias vezes, inclusive nas revoltas de Edom e rosa e persistente e morreu dois anos de­
de Libna (vv. 20-22; 2 Cr 21:8-11). Davi ha­ pois. No entanto, o povo não lamentou sua
via derrotado e subjugado Edom (2 Sm 8:13, morte nem fez a tradicional "fogueira real"
14; 1 Rs 11:15-17), porém, uma vez que em sua homenagem. Mas talvez a maior
estavam livres de Judá, colocaram o próprio humilhação tenha sido o fato de seu corpo
rei no trono. O exército de Jeorão havia in­ não ser sepultado num túmulo real, apesar
vadido Edom, mas tinha sido cercado pelas de ter ficado na cidade de Davi.4
tropas de Edom e mal conseguiu romper as A condescendência de Jeorão valeu a
linhas inimigas a fim de bater em retirada. pena? É claro que não! "Há caminho que
Uma palavra de advertência (2 Cr 21:12­ parece direito ao homem, mas afinal são
15). Observamos anteriormente que o es­ caminhos de morte" (Pv 16:25).
critor de 2 Reis não seguiu uma cronologia Infelizmente, Jeorão foi sucedido por seu
rígida, e temos aqui outro exemplo. O arre­ filho, Acazias, também seguidor do clã de
batamento do profeta Elias é registrado em Acabe, pois sua mãe, Atalia, era filha de Aca­
2 Reis 2:11, mas o rei Jeorão de Judá, filho be.5 Acazias aliou-se a seu tio, o rei Jorão,
de Josafá, é mencionado em 1:17. Isso sig­ para tomar Ramote-Gileade de Hazael, rei
nifica que Elias ainda estava vivo e minis­ da Síria, conflito no qual Jorão foi ferido.
trando no início do reinado de Jeorão. Não Jorão voltou a seu palácio em Jezreel a fim
sabemos quanto tempo se passou entre a de convalescer, e o rei Acazias desceu para
ascensão de Jorão ao trono de Israel e os visitar e animar o tio. Por que o escritor for­
acontecimento registrados em 2 Reis 2 que nece esses detalhes aparentemente triviais?
levaram ao arrebatamento de Elias. A reda­ Para nos informar que o Senhor estava reu­
ção dessa carta para o rei de Judá pode ter nindo as pessoas que seriam mortas por
sido um dos últimos ministérios de Elias.2 causa de seus pecados. "Foi da vontade de
2 REIS 8:1 - 9:37 525

Deus que Acazias, para sua ruína, fosse visi­ quando confrontou Acabe (1 Rs 21:21-24).
tar a Jorão" (2 Cr 22:7). Ter o rei de Judá e o É possível que essa profecia tivesse sido es­
rei de Israel juntos num mesmo lugar facili­ quecida pelos descendentes de Acabe, mas
taria o trabalho de Jeú quando este fosse Deus lembrava-se dela e havia chegado a
cumprir a ordem do Senhor. hora de cumpri-la. Assim como Deus exter­
minara os descendentes de Jeroboão e de
4. A REPENTINIDADE DA OCASIÃO Baasa (1 Rs 15:25 - 16:7), também usaria
(2 Rs 9:1-13) Jeú para destruir a casa de Acabe.
A cena muda para Ramote-Gileade, onde Os oficiais no pátio devem ter se pergun­
Israel e Judá haviam unido forças para reto­ tado quem era o rapaz e por que sua men­
mar a cidade dos siros. Um dos principais sagem para Jeú era tão confidencial. Será
comandantes do exército de Israel era Jeú, que viera da frente de batalha? Haveria algu­
filho de Josafá, porém não se trata do mes­ ma mudança na estratégia de combate?
mo Josafá que foi rei de Judá e pai de Jeorão. Quando o rapaz saiu correndo da casa e
Sem que Jeú tivesse conhecimento, o profe­ fugiu, os oficiais tiveram certeza de que era
ta Eliseu havia enviado um de seus jovens louco. Mais de um servo de Deus já foi acusa­
discípulos dos profetas para ungir o rei de do de loucura, inclusive Paulo (At 26:24;
Israel. Essa era a terceira tarefa que Deus 2 Co 5:13) e Jesus (Mc 3:20, 21, 31-35; Jo
havia dado a Elias (1 Rs 19:1 5, 16). Eliseu foi 10:20). Na verdade, é o mundo perdido que
sábio quando, em vez de ir pessoalmente está louco e o povo de Deus que é são.
ao campo de batalha, deu ao rapaz a autori­ Foi um sinal de humildade da parte de
dade de ungir Jeú em particular. Eliseu acon­ Jeú não ter anunciado imediatamente que
selhou o discípulo a fugir do local o mais ele era o rei? Os oficiais tiveram que extrair
rápido que pudesse, pois, sem dúvida, have­ dele a verdade, mas, uma vez que ficaram
ria um conflito grave. sabendo, aceitaram a promoção de seu co­
Jeú estava tendo uma reunião com seus mandante e a reconheceram abertamente.
capitães no pátio quando o rapaz o abor­ No que se refere ao relato bíblico, Jeú é o
dou e pediu uma audiência particular. Os único rei de Israel que foi ungido por um
dois foram para uma câmara reservada no servo escolhido de Deus. A oportunidade
interior da casa, e lá o rapaz ungiu Jeú para de Jeú surgiu de súbito, mas ele a aceitou
ser o novo rei de Israel. É interessante que o pela fé e começou a servir ao Senhor ime­
jovem profeta chamou o povo de Israel de diatamente. Há um provérbio chinês que diz:
"povo do S e n h o r " (9:6). Apesar de Israel e "A oportunidade tem um topete, mas não
Judá serem reinos separados e de não esta­ tem um rabicho. Uma vez que ela passa não
rem em conformidade com a aliança, os ci­ se pode agarrá-la". Como décimo rei de Is­
dadãos dos dois reinos ainda eram o povo rael, Jeú deu início a uma nova dinastia e
escolhido de Deus e descendentes de reinou durante vinte e oito anos (10:36).
Abraão. As alianças do Senhor com Abraão
(Gn 12:1-3) e com Davi (2 Sm 7) continua­ 5. A RAPIDEZ DO JULGAMENTO DE DEUS
vam em vigor. O povo havia abandonado o (2 Rs 9:14-37; 2 C r 22:1-9)
Senhor, mas ele não os havia deixado. Quando Jeú começou sua cruzada, a situa­
O jovem não encerrou seu trabalho com ção era a seguinte. Acazias estava reinando
a unção, mas prosseguiu explicando a Jeú o em Judá, tendo como conselheiros sua mãe
que Deus queria que ele fizesse. Sua princi­ perversa, Atalia, e os líderes da casa de Aca­
pal tarefa era exterminar a família de Acabe be em Israel. Baal era seu deus e não tinham
em Israel e executar o julgamento de Deus interesse algum na lei do Senhor. Acazias
sobre eles por causa de todos os inocentes havia ido a Jezreel para visitar o rei Jorão,
que haviam matado. Mencionou especifica­ que se recuperava dos ferimentos que ha­
mente os crimes de Jezabel e seu julgamen­ via sofrido em Ramote-Gileade e não sabia
to, referindo-se às palavras proferidas por Elias que Deus havia dado um novo rei a Israel.
526 2 REIS 8:1 - 9:37

Jeú queria pegar seus inimigos de surpresa A morte de Acazias (vv. 27-29; 2 Cr 22:1­
e, portanto, ordenou a seus capitães que não 9). Não é fácil conciliar os relatos da morte
divulgassem a notícia de que ele era rei. de Acazias em 2 Reis 9:27-29 e 2 Crônicas
A morte de Jorão (vv. 16-26). Ramote- 22:7-9, mas sugerimos a seguinte situação.
Gileade ficava cerca de setenta quilômetros Acazias foi ferido enquanto fugia de Jezreel
de Jezreel, mas Jeú conduziu seu carro com (v. 27), conseguiu chegar até Bete-Hagã e,
rapidez e ousadia, e seus homens estavam depois, encaminhou-se para o noroeste, à
acostumados a viajar a velocidades que, para subida de Gur, e de lá rumou para Megido,
aquele tempo, eram assustadoras. A palavra onde tentou esconder-se de Jeú. Porém, os
"paz" (shalom) é repetida oito vezes nesta homens de Jeú foram ao encalço de Acazias
seção (vv. 17-19, 22, 31), mas o que ocor­ e o mataram em Megido. Os servos de Aca­
reu foi, na verdade, uma declaração de guer­ zias levaram seu corpo de Megido para Jeru­
ra. Sem desacelerar seu ritmo, Jeú recebeu salém, onde ele foi sepultado com os reis,
os dois mensageiros de Jorão e lhes orde­ pois era um descendente de Davi. Se não
nou que acompanhassem seus soldados, e tivesse cedido a Jorão, adorado Baal e segui­
sua ordem foi obedecida. Porém, quando do os conselhos de sua mãe, Atalia, teria sido
os dois mensageiros não voltaram a Jerzreel, poupado de toda essa vergonha e derrota.
Jorão ficou desconfiado e mandou que o A morte de Jezabel (vv. 30-37). Não tar­
próprio carro fosse preparado para uma fuga. dou para que Jezabel e os residentes do
Jorão e Acazias facilitaram, em muito, o palácio ficassem sabendo que Jeú estava em
trabalho de Jeú quando cada um subiu em Jezreel, que era rei e que havia dado cabo
seu carro e foi ao encontro do homem que de Jorão, filho de Jezabel. Ela se maquiou,
havia sido identificado como Jeú. Talvez os "enfeitou a cabeça" e ficou observando de
dois tivessem esperança de que Jeú estava uma janela no piso superior, esperando Jeú
trazendo consigo boas novas da frente de chegar. Quando o viu passar pelo portão,
batalha. E possível que, com sua pergunta: perguntou: "Teve paz Zinri, que matou a seu
"Há paz, Jeú?", Jorão quisesse saber se a senhor?" (v. 31). Cerca de cinqüenta anos
batalha de Ramote-Gileade havia tido resul­ antes, Zinri havia matado o rei Elá, procla­
tado favorável ou, então, se o capitão viera mado-se rei e, em seguida, exterminado a
em paz. Se tinha em mente o último caso, família de Baasa (1 Rs 16:8-20). Tendo em
isso indica que Jeú talvez fosse um "rebel­ vista que Zinri reinou apenas por sete dias e
de" no exército de Jorão, e é provável que o depois se matou, é evidente que Jezabel
rei suspeitasse de seu interesse no trono. A estava tentando advertir Jeú de que sua au­
resposta de Jeú6 mostrou ao rei, no mesmo toridade era fraca e de que seus dias esta­
instante, que havia perigo no ar, o que o vam contados. E possível, até, que estivesse
levou a tentar fugir. Jorão advertiu o sobri­ sugerindo que Jeú formasse uma aliança com
nho, Acazias, que conseguiu escapar, mas ela a fim de fortalecer seu trono.
depois foi pego, enquanto uma flecha cer­ No entanto, Jeú sabia a ordem que havia
teira tirou a vida de Jorão. Uma vez que es­ recebido do Senhor. Quando pediu provas
tava se recuperando de ferimentos, Jorão de lealdade dos funcionários do palácio, dois
provavelmente não havia colocado sua ar­ ou três servos responderam e atiraram Jeza­
madura. Num golpe da providência, Jorão bel pela janela para o pátio logo abaixo. Jeú
morreu na propriedade que Acabe e Jezabel a atropelou com seu cavalo até ter certeza
haviam confiscado depois de matar Nabote, de que estava morta. Uma vez que era o
seu proprietário, bem como os filhos dele. novo rei, Jeú entrou no palácio e pediu al­
Assim, o Senhor cumpriu a profecia que guma coisa para comer. Enquanto estava
havia dado a Elias (1 Rs 21:18-24). jantando, lembrou-se de que, por mais per­
■jeu riao apenas executou o réi, como versa que “ÍDí^e, 'jezaWi xrrnci piSm-esa. -i
também matou todos os príncipes da casa filha de Etbaal, o governante de Sidom (1 Rs
real (2 Cr 22:8). 16:29-31), e assim ordenou aos servos que
2 REIS 8:1 - 9:37 527

sepultassem o corpo dela. Mas era tarde de­ Foi uma cena repulsiva, mas ocorreu exa­
mais, pois, ao sentirem o cheiro de sangue tamente como Elias havia previsto (1 Rs
humano, os cães selvagens haviam aparecido 21:21-24). A Palavra de Deus nunca falha e
e se alimentado de seu cadáver, deixando sempre cumpre os propósitos do Senhor na
apenas o crânio, os pés e as palmas das mãos. terra (Is 55:10, 11).

1. O texto hebraico diz, simplesmente: "fazer esta grande coisa" (v. 13). Para um soldado profissional, aquilo que Eliseu descreveu,
no versículo 12, era "uma grande coisa". Não se tratava daquilo que Hazazel faria, mas de como teria autoridade para fazê-lo.

2. Essa é a única vez que Elias é mencionado em 1 e 2 Crônicas. O Elias em 1 Crônicas 8:27 era um membro da tribo de
Benjamim.

3. juntamente com Davi, os reis destacados com mais freqüência por sua piedade são Asa, Josafá, joás, Ezequias e Josias.

4. 2 Reis 8:24 diz que Jeorão foi sepultado "com seus pais", o que parece uma contradição com 2 Crônicas 21:20. É possível que

Jeorão tenha sido sepultado num dos túmulos dos reis, mas que, posteriormente, seu corpo tenha sido (evado para'outro locai.
A opinião popular era tão contrária a honrar Jeorão, que seu corpo foi removido dos túmulos reais e sepultado em algum

outro lugar em Jerusalém.

5. Atalia é sempre identificada com Acabe, porém não com Jezabel. Apesar de ter aprendido muito de sua perversidade com

Jezabel, não podemos tomar por certo que Jezabel fosse sua mãe biológica. A designação "filha de Onri" (8:26) deve ser
entendida como "neta de Onri". Ver 2 C rô n ic a s ^ ^ , NN/j.

6. O termo "prostituições", no versículo 22, refere-se à adoração idólatra de Jezabel a Baal. Nos livros dos profetas do Antigo

Testamento, o adultério e a prostituição eram imagens comuns para a idolatria. Quando aceitou a aliança no Sinai, Israel

casou-se com o Senhor e foi advertido de que deveria adorar somente a Deus e não se entregar à idolatria {Is 54:5; Jr 3:14 e

31 -.32; O s 2:2). Em Israel, assim como as mulheres adúlteras eram apedrejadas, os idólatras também eram executados (Dt 13).
fim e que todos os descendentes de Acabe
6 seriam exterminados (1 Rs 21:20-29). O Se­
nhor incumbiu Jeú de cumprir essa missão
quando o ungiu rei de Israel (2 Rs 9:6-10).
A E spa d a e a C oroa Apesar de a nação ter se dividido em dois
reinos, o povo de Israel ainda era o povo da
2 R eis 1 0 - 1 1 aliança de Deus, e seus reis não poderiam
(2 C r ô n ic a s 2 2 :1 0 - 2 3 :2 1 ) fazer o que bem entendessem. Acabe e
Jezabel haviam promovido a adoração a Baal
em Israel, e quando Jeorão, rei de Judá, se
casou com Atalia, filha de Acabe, também
incentivou a adoração a Baal em judá (8:16­
estudo destes dois capítulos nos dá a 18). Com esse casamento desacertado,
O impressão de estarmos lendo o jor­
nal ou assistindo ao noticiário da noite na
Jeorão não apenas corrompeu Judá com a
idolatria, mas também corrompeu a linha­
televisão. Vemos dois líderes - Jeú, antigo gem de Davi e colocou em risco o cumpri­
comandante do exército e então governante mento das promessas messiânicas.
de Israel, o reino do Norte, e Joiada, sumo Jeú já havia assassinado Jorão, rei de Is­
sacerdote do templo em Jerusalém, no rei­ rael, Acazias, rei de Judá (9:14-29), e Jezabel,
no do Sul. Ao observar esses dois homens, a esposa perversa de Acabe (9:30-37). Em
reconhecemos que as mesmas forças do seguida, lançou-se numa missão de "busca
bem e do mal estavam atuando no mundo e destruição" com o objetivo de encontrar
deles, como continuam a fazer em nosso e de matar cada um dos descendentes de
mundo nos dias de hoje. Acabe. Seu primeiro desafio foi obter o con­
Também vemos a diferença entre líderes trole da capital, Samaria, onde os descen­
motivados por ambições egoístas e líderes mo­ dentes do sexo masculino estavam sendo
tivados pela devoção espiritual. Jeú orgulha­ protegidos e preparados para cargos de
va-se de seu "zelo para com o S e n h o r " (10:16), liderança no governo. Jeú sabia que não seria
mas esse "zelo" era uma fachada piedosa fácil seu exército tomar uma cidade murada
para esconder o egotismo e o ódio que, na como Samaria, mas, como era um estrate­
realidade, motivavam seu serviço. Deus in­ gista astucioso, sabia de um modo pelo qual
cumbiu Jeú de um trabalho importante, mas poderia levar o inimigo a se render. Uma
Jeú extrapolou essa incumbência e foi lon­ vez que tivesse tomado Samaria, as outras
ge demais. O Senhor elogiou Jeú por aquilo cidades importantes do reino também se
que ele havia realizado (10:30), mas também renderiam.
o repreendeu por seu orgulho e transigên­ Samaria aceita o reinado de Jeú (vv. 1­
cia. Em termos humanos, se não fosse pelo 5). Jeú estava em Jezreel (9:30), cerca de 40
serviço corajoso do sumo sacerdote Joiada quilômetros ao norte de Samaria e, de lá,
e de sua esposa Jeoseba, a dinastia de Davi comunicou-se com os líderes em Samaria -
teria chegado ao fim. O futuro das promes­ administradores do palácio, líderes militares,
sas de Deus a Davi, que incluía seu grande tutores e guardiões dos príncipes. Sabia que,
plano de salvação, encontrava-se intimamen­ se fosse capaz de intimidar esses líderes res­
te ligado a um bebê chamado Joás. peitados, poderia tomar a cidade sem preci­
Vejamos, agora, as forças que atuaram sar lutar. Em primeiro lugar, desafiou-os a
naqueles dias e que continuam agindo em escolher um dos descendentes de Acabe, a
nosso tempo. colocá-lo no trono e, então, a defender seu
direito de reinar. É provável que se tratasse
1. M e d o e d u p lic id a d e (2 Rs 10:1-10) de uma sugestão para que o novo rei ou um
Anos antes, Elias havia profetizado que a li­ campeão de sua escolha lutasse num com­
nhagem do perverso rei Acabe chegaria ao bate homem a homem contra Jeú e que o
2 REIS 1 0 - 1 1 529

vencedor ficasse com tudo (ver 1 Sm 17:8ss mas uma vez que não havia saído de Jezreel,
e 2 Sm 2:9). não poderia ter assassinado os setenta jo­
Jeú chegou até a destacar como o povo vens. Em seguida, lembrou o povo da pro­
de Samaria estava em vantagem: eram uma messa divina de que todos os descendentes
cidade fortificada e possuíam armaduras e de Acabe seriam eliminados, de modo que,
armas, bem como carros e cavaleiros. Jeú em última análise, a responsabilidade era do
estava empregando uma técnica que os re­ Senhor e de seu profeta, Elias. Num discur­
volucionários têm colocado em prática com so breve, Jeú lavou as mãos da matança e,
sucesso há séculos: estava fazendo uma pro­ ao mesmo tempo, aliou-se ao Senhor e ao
posta ousada e deixando que a imaginação profeta Elias!
dos líderes enchesse o coração deles de Jeú usou de uma linguagem de duplo
medo. Adolf Hitler escreveu: "Confusão sentido, como acontece com freqüência nos
mental, contradição, indecisão, pânico: es­ dias de hoje. Propinas são "pagamentos por
sas são as nossas armas". Foi preciso que serviços prestados", buracos na rua são "ir­
três grupos distintos de líderes se unissem a regularidades na pista". Os funcionários de
fim de tomar uma decisão, e esses homens um hospital deram uma dose letal de óxido
sabiam que Jeú havia exterminado dois reis nitroso para uma mãe em trabalho de parto,
e dado fim a Jezabel. Além do mais, ele pa­ causando a morte não apenas da mulher,
recia invencível, pois não havia sobrado nin­ mas também da criança. Chamaram essa tra­
guém em seu caminho. A mensagem que gédia de "acidente terapêutico". Pessoas
enviaram a Jeú em Jezreel foi de rendição pobres hoje em dia são "menos favorecidas"
total. Prometeram fazer tudo o que ele or­ e soldados não matam inimigos, mas sim
denasse e concordaram em não coroar um "eliminam alvos". Davi estava certo quando
novo rei. Em resumo, aceitaram Jeú como escreveu que "falam com falsidade uns aos
seu rei. outros, falam com lábios bajuladores e cora­
Samaria obedece às ordens de Jeú (vv. ção fingido" (SI 12:2).
6-10). Nesse momento, Jeú se revela um
mestre da dissimulação política. Aceitou a 2. A m b iç ã o e g o ís ta (2 Rs 10:11-17)
submissão de Samaria a seu domínio e, en­ A comissão divina de Jeú havia se tornado
tão, ordenou que "[tomassem] as cabeças" uma cruzada pessoal motivada pela própria
dos setenta descendentes de Acabe e que ambição egoísta. O escritor Joseph Conrad
as levassem a Jezreel. Isso tanto poderia sig­ escreveu no prefácio de suas Memórias: "To­
nificar que mandava buscar todos os líderes das as ambições são legítimas, exceto aque­
para discutir assuntos em pauta como po­ las que são conquistadas à custa da miséria
deria ser uma ordem para que decapitassem e da credulidade dos seres humanos". Uma
os setenta descendentes de Acabe e que ambição legítima vale-se da verdade e é
levassem as cabeças para ele. Seus líderes construída sobre os alicerces do passado. A
seguiram a segunda interpretação, matando ambição ilegítima, por outro lado, vale-se de
imediatamente todos os descendentes de mentiras e destrói o passado. A fim de se
Acabe e enviando mensageiros a Jezreel sentirem seguros, os ditadores vêem-se obri­
com as cabeças dos príncipes. Quando os gados a aniquilar os inimigos. Porém, ao fa­
mensageiros chegaram naquela noite, Jeú zê-lo, destroem o passado e, junto com ele,
ordenou que empilhassem as cabeças na as informações e o auxílio de que precisam
entrada da cidade. Uma lembrança inequí­ para avançar rumo ao futuro. Diz um pro­
voca para o povo de Jezreel de que não va­ vérbio alemão que "toda enguia gostaria de
lia a pena se opor a Jeú. ser uma baleia", e Jeú ia exatamente por esse
Porém, na manhã seguinte, Jeú mais uma caminho.
vez mostrou ser um político habilidoso ao Jeú vai longe demais (vv. 11-14). A fim
isentar-se de qualquer culpa! Admitiu que de provar que estava determinado a obede­
havia matado Jorão, o rei anterior de Israel, cer a Deus e a expurgar a terra da família de
530 2 R EIS 1 0 - 1 1

Acabe, em seguida, Jeú matou todos os des­ de habitarem em tendas, viviam separados
cendentes de Acabe que encontrou em da vida cotidiana das cidades e dos assuntos
Jezreel. Mas não se ateve a essa matança; políticos dos judeus.
foi além de sua incumbência divinamente Jonadabe era exatamente o tipo de ho­
ordenada e exterminou os amigos mais pró­ mem que Jeú precisava para dar credibilidade
ximos de Acabe, bem como seus oficiais a sua cruzada. Quando Jonadabe segurou
mais importantes e os sacerdotes que ser­ a mão de Jeú e subiu ao carro do rei, decla­
viam no palácio. Foi um massacre baseado rou apoio incondicional a ele. Sem dúvida,
na premissa da "culpa por associação". O Jonadabe não aprovava a adoração a Baal e
Senhor desejava livrar a terra da família de ficou feliz em saber que a família de Acabe
Acabe para que nenhum de seus descen­ havia sido erradicada. No entanto, nesse
dentes usurpasse o trono, mas não havia encontro com Jeú, Jonadabe não sabia quais
necessidade alguma de jeú matar os ami­ eram as motivações que impeliam o rei e os
gos, oficiais e sacerdotes de seu antecessor. métodos cruéis que empregava.
Na verdade, tempos depois, Jeú teve sérios Todo líder ambicioso precisa de um bra­
problemas com o povo da Síria (10:22, 23) ço direito respeitável para ajudá-lo a "ven­
e teria sido beneficiado pela sabedoria e ex­ der" sua política e suas práticas ao povo. O
periência dos oficiais da corte que havia fato de Jeú haver começado a matar inocen­
executado. Ao exterminar esses líderes an­ tes era grave o suficiente, mas o que estava
teriores, Jeú destruiu uma fonte valiosa de fazendo com Jonadabe era "usar" um ino­
sabedoria e de aptidão política. cente para fazer com que seus crimes pa­
Em seguida, partiu de Jezreel e foi a Sa­ recessem um serviço prestado ao Senhor.
maria tomar o trono para si. No caminho, Entretanto, é desse modo que muitos líde­
encontrou um grupo de viajantes seguindo res inescrupulosos trabalham. As palavras de
para Jerusalém, onde iriam visitar o rei Aca- Jeú - "verás o meu zelo para com o S e n h o r "
zias, um parente deles. Não sabiam que o (v. 16) - lembram as palavras de Elias quan­
rei Acazias, o rei Jorão e a rainha Jezabel do estava fugindo de Jezabel e foi se escon­
estavam mortos e que Jeú os havia assassi­ der numa caverna (1 Rs 19:10, 14). O termo
nado e era o novo governante. Uma vez que hebraico pode ser traduzido por "ciumen­
Acazias havia se casado com uma mulher to" ou "zeloso".
da família de Acabe (8:18), parecia lógico a Quando Jeú e Jonadabe chegaram a Sa­
Jeú que qualquer parente de Acazias esti­ maria com seus soldados, Jeú apresentou-
vesse do lado do inimigo, de modo que pro­ se como seu rei, e o povo se sujeitou a ele.
videnciou para que aqueles quarenta e dois Jeú já havia intimidado os governantes da
homens fossem mortos. Mas tais homens cidade, de modo que não encontrou resis­
não eram parentes consangüíneos de Aca­ tência alguma quando passou pelas suas
be; eram descendentes de Davi! Jeú estava portas. Os oficiais de Samaria lhe entregaram
atacando a própria dinastia davídica! (ver aqueles que ainda restavam dos parentes de
2 Cr 22:8). Acabe a fim de que Jeú os exterminasse.
Jeú recruta um amigo (vv. 15-17). Jeú
encontrou um aliado - Jonadabe, o recabita 3. D is s im u la ç ã o (2 Rs 10:18-28)
- e o usou pára dar respeitabilidade às Jeú havia concluído sua tarefa de livrar a
próprias ambições. Os recabitas pertenciam nação da família de Acabe, de modo que
ao povo queneu, os descendentes de não havia descendentes do rei anterior para
Hobabe, cunhado de Moisés (Jz 4:11). Iden­ questionar seu direito ao trono. Mas e quan­
tificavam-se com a tribo de Judá (Jz 1:16), to ao culto a Baal na terra de Israel? Essa foi
mas ficavam separados e seguiam as tradi­ a próxima incumbência de Jeú, e ele deci­
ções instituídas por seus antepassados (Jr 35). diu fazer da dissimulação sua principal arma.
Eram extremamente respeitados pelo povo Como rei de Israel, Jeú poderia ter lidado
judeu, mas, pelo fato de serem nômades e com os adoradores de Baal de três maneiras.
2 REIS 1 0 - 1 1 531

Poderia ter ordenado que deixassem a terra Uma vez que o povo estava no templo,
ou ter obedecido a Deuteronômio 13 e Jeú certificou-se de que não havia verdadei­
ordenado que fossem executados. Além dis­ ros adoradores de Jeová no meio dos devo­
so, também poderia ter procurado convertê- tos de Baal. Ordenou que os adoradores de
los, "conversão" que não teria sido muito Baal usassem trajes especiais reservados para
difícil sob a ameaça de morte. Seria possí­ esses cultos, e tanto ele quanto Jonadabe
vel, ainda, ter ordenado que o templo de advertiram os sacerdotes a não permitir a
Baal fosse destruído. Os líderes de Samaria participação daqueles que não fossem fiéis
haviam prometido apoiar Jeú (v. 5), então a Baal (v. 23). Jeú deu a entender que dese­
por que ele escolheu mentir aos israelitas e javam uma "adoração pura" para o grande
matá-los? Os servos de Deus não têm per­ sacrifício. Uma vez que os adoradores de
missão de "[praticar] males para que venham Baal estavam prontos dentro do templo, Jeú
bens" (Rm 3:8; ver 1 Ts 2:3) e, no entanto, instruiu que seus oitenta soldados do lado
foi essa linha de ação que Jeú adotou. Tinha de fora do templo se preparassem para en­
a autoridade de Moisés para matar os idó­ trar assim que o sacrifício tivesse terminado.
latras, e foi o que fez. Mas por que enganá- O pronome "ele", no texto original do
los antes? versículo 25, refere-se a Jeú ou ao sumo sa­
Mentiu ao povo sobre si mesmo e afir­ cerdote de Baal? Algumas versões optam por
mou que era mais devotado a Baal do que Jeú ("ordenou Jeú aos da sua guarda e aos
Acabe. Além disso, mentiu sobre o culto no capitães"), mas, uma vez que não sabemos
templo de Baal. No entanto, é possível que como era a disposição do templo ou a ceri­
se trate de mais um caso de palavras com mônia, é difícil decidir. Como seria possível
duplo sentido, pois o que ocorreu lá foi, de o rei ficar visível no altar e, sem levantar sus­
fato, um "grande sacrifício" a Baal - a vida peitas, deixar o seu posto e sair a fim de dar
dos sacerdotes e dos adoradores de Baal ordens aos soldados? É bem provável que
oferecidas em seu templo! Jeú era um mili­ Jeú tenha fornecido os animais para o sacrifí­
tar, cuja vida havia sido tão dedicada a es­ cio, portanto, nesse sentido, e/e estava sacri­
tratégias e conquistas que, ao contrário de ficando a Baal, quer se encontrasse no altar
Davi, não era capaz de incorporar a fé e a quer não. Os soldados mataram todos os
glória de Deus em suas batalhas. Tudo indi­ adoradores de Baal que estavam dentro do
ca que Jeú era um sanguinário e que tinha templo e lançaram os corpos no pátio exter­
grande prazer em mostrar-se mais astucioso no. Em seguida, alguns dos homens entraram
que seus inimigos. Em momento algum, o no santuário mais interno do templo, remo­
texto nos diz que ele buscou a vontade do veram e destruíram as imagens de madeira
Senhor para seus empreendimentos. dos deuses e a imagem de pedra de Baal. O
Primeiro, reuniu os profetas, ministros e lugar que, um dia, havia sido a casa sagrada
sacerdotes de Baal e ordenou que anun­ de Baal foi transformado em latrinas públicas.
ciassem um grande sacrifício a seu deus. Um O plano de jeú funcionou e permitiu que,
anúncio da parte do rei, transmitido pelos num só dia, ele exterminasse de todo a ado­
líderes religiosos, teria muito mais impacto ração a Baal em Israel. Ao mentir ao povo,
e seria muito mais acreditável. Jeú chegou a reuniu muito mais adoradores e teve menos
enviar mensageiros por toda a terra a fim de trabalho do que se tivesse de persegui-los
ordenar que os adoradores de Baal compa­ um a um. Infelizmente, porém, seu primeiro
recessem ao grande sacrifício em Samaria. ato público como rei de Samaria foi um ato
A casa de Baal em Samaria foi construída de dissimulação. Seria possível alguém con­
por Acabe para Jezabel (1 Rs 15:31, 32), fiar nele depois disso?
de modo que Jeú destruiria a "casa de Aca­
be" em dois sentidos: sua "casa" física ou 4. T r a n s ig ê n c ia (2 Rs 10:29-36)
família e a casa que ele havia construído Uma vez que as coisas se acalmaram, Jeú
para Baal. teve um longo reinado que durou vinte e
532 2 REIS 1 0 - 1 1

oito aos, mas seguiu os passos de Jeroboão 28). Atalia, a rainha-mãe, filha de Acabe,
e adorou os bezerros de ouro em Dã e em percebeu essa oportunidade e tomou o tro­
Berseba. Os bezerros deveriam ser apenas no para si, reinando durante seis anos. Como
símbolos de Jeová, mas ainda assim não fundadora do culto a Baal em Judá, não ti­
passavam de objetos de idolatria. Apesar do nha desejo algum de ver a dinastia davídica
zelo com o Senhor, em seu coração, Jeú era prosperar. Tentou matar todos os príncipes
um idólatra que usou o nome do Senhor herdeiros, mas um deles sobreviveu. A famí­
apenas para encobrir seus pecados. Ao fa­ lia de Davi estava sendo destruída rapida­
zer parte de uma "religião nacional", Jeú uniu mente. Quando Jeorão tornou-se rei em
o povo e conquistou seu respeito. Foi um Judá, assassinou todos os seus irmãos e al­
perfeito político até o fim. guns príncipes de Israel, a fim de evitar que
O Senhor elogiou Jeú por haver cumpri­ o destronassem (2 Cr 21:4), e os invasores
do sua missão e o recompensou dando-lhe árabes haviam executado os filhos mais ve­
a dinastia mais longa da história do reino do lhos de Jeorão (22:1). Jeú havia extermina­
Norte - mais de cem anos. Jeú foi sucedido do alguns dos descendentes de Davi (22:8)
por Jeoacaz, Joás, Jeroboão II e Zacarias, e, depois, Atalia ordenou que "a descendên­
sendo que todos eles foram reis perversos. cia real" fosse eliminada. Sem dúvida, Sata­
Porém, o profeta Oséias anunciou que o nás fez tudo o que pôde para impedir que o
Senhor estava descontente com Jeú por ele Messias prometido nascesse na família de
haver assassinado inocentes (Os 1:4). Jeú Davi em Belém!
instituiu sua dinastia matando o reino Jorão A retaliação de Atalia era decorrente de
em Jezreel (2 Rs 9:1 5ss), e Deus iria julgá-lo tudo o que Jeú havia feito ao erradicar a fa­
por isso. O nome "Jezreel" significa "Deus mília de Acabe e o culto a Baal em Israel.
dispersa", e o Senhor dispersaria o reino Pagar o bem com o mal é diabólico; pagar
do Norte ao permitir que fosse conquista­ o mal com o bem é divino; e pagar o mal
do pelos assírios em 722 a.C. Zacarias, o com o mal é humano. Em toda parte do
tataraneto de Jeú, reinou apenas seis meses mundo onde há conflitos, o mais comum é
e foi assassinado por Salum, que reinou ape­ encontrar esse espírito de vingança e de re­
nas um mês. A dinastia começou e termi­ taliação. Assim como indivíduos costuma­
nou com um assassinato. vam duelar para defender a honra pessoal,
Mesmo durante a vida de Jeú, o Senhor por vezes, as nações lutam em guerras para
o disciplinou permitindo que a Síria (Arã), defender sua honra nacional. Porém, ao
inimiga de longa data do povo de Israel, matar a descendência real, Atalia estava se
tomasse territórios das tribos a leste do Jor­ rebelando contra o Senhor Jeová, o qual
dão. Ter o inimigo vivendo logo do outro havia prometido a Davi que teria um descen­
lado do Jordão não foi uma situação con­ dente assentado em seu trono em Jerusalém.
fortável para Israel, jeú foi um soldado efi­ De modo geral, não vamos ao extremo
ciente, mas não um grande construtor, e é de pagar a nossos inimigos com a mesma
lembrado apenas em função das pessoas moeda, mas a vingança é algo conhecido
que matou. Poderia ter reunido um grupo no meio do povo de Deus. Ao escrever a
de homens de talento para ajudá-lo a pro­ lei, Moisés advertiu o povo para que não
mover a verdadeira fé em sua terra, mas se praticasse a vingança (Lv 19:18), e Salomão
contentou em fazer como a multidão e deu o mesmo conselho (Pv 20:22; 24:29).
adorar os bezerros de ouro. Jesus falou contra a vingança pessoal (Mt
5:38-48), como também o fizeram os após­
5 . R e t a l ia ç ã o tolos Paulo (Rm 12:1 7-21) e Pedro (1 Pe 3:8,
(2 Rs 11:1; 2 C r 22:10) 9). Planejar e executar a vingança causa mais
Voltamo-nos agora ao reino de Judá, onde danos ao vingador do que à vítima. Vários
não havia rei algum no trono, pois Jeú assas­ escritores famosos escreveram sobre a "doce
sinara Acazias perto de Jezreel (2 Rs 9:27, vingança", mas a experiência mostra que, na
2 REIS 1 0 - 1 1 533

verdade, a vingança é amarga. De acordo tivesse descoberto o que estavam fazendo,


com um provérbio judeu: "Se você vai pagar teria executado todos eles com o príncipe.
a um inimigo com a mesma moeda, escolha Durante aqueles seis anos de espera, o
um bom inimigo, pois lhe dar sua paga é sumo sacerdote havia pensado e orado, e
um luxo extremamente caro". o Senhor havia lhe dito como tirar Atalia do
trono e colocar Joás em seu lugar. Primeiro,
6. Fé e c o r a g e m Joiada reuniu os cinco oficiais encarregados
(2 Rs 11:2-12; 2 C r 22:11 - 23:11) da guarda do templo, apresentou-lhes o rei
Quando a perversa rainha Atalia mandou e os fez jurar obediência a suas ordens e
matar os herdeiros do trono de Davi, o re­ silêncio quanto ao que estava prestes a ocor­
manescente fiel em Judá deve ter se per­ rer. Depois de descrever seu plano, o sacer­
guntado onde Deus estava e o que estava dote enviou esses oficiais por todo o reino
fazendo. Por que o Senhor faria uma pro­ de Judá, a fim de ordenar aos levitas que
messa pactuai a Davi e não a cumpriria? viviam fora de Jerusalém e os chefes das fa­
Como pôde permitir que a rainha-mãe le­ mílias (clãs) de Judá que fossem a Jerusalém
vasse a cabo tamanha maldade e colocasse num determinado sábado. Deveriam reunir-
em risco a linhagem messiânica? Porém, se no templo como se estivessem lá para
Deus ainda estava assentado em seu trono adorar ao Senhor.
e tinha servos preparados para entrar em O plano de Joiada foi simples, mas efi­
ação. Neste mundo que parece controlado caz. Cada um dos cinco oficiais tinha cem
pela dissimulação e pelas ambições egoís­ homens sob seu comando. Era costume duas
tas, ainda há pessoas, como Joiada e Jeose- companhias ficarem de guarda diariamente,
ba, que crêem na Palavra de Deus e que sendo substituídas no sábado, mas naquele
fazem sua vontade com toda coragem. sábado em questão ficariam de serviço e
Proteção (vv. 2, 3; 2 Cr 22:11, 12). Joia­ guardariam o rei. Outra companhia guarda­
da era o sumo sacerdote, e sua esposa, Jeo- ria o palácio onde Atalia morava, o que lhe
seba, era uma princesa, filha do rei Jeorão e daria uma falsa impressão de segurança.
irmã do rei Acazias, que havia sido assassi­ Outra companhia se colocaria na Porta de
nado por Jeú. Assim, ela era tia do pequeno Sur (ou "Porta do Fundamento" - 2 Cr 23:5),
Joás. O fato de uma mulher tão piedosa vir a qual possivelmente era uma passagem do
de uma família como aquela é um milagre palácio para a área do templo. A quinta com­
da graça de Deus. Sabendo o que Atalia pla­ panhia se reuniria atrás da casa da guarda,
nejava fazer, o sacerdote e a princesa rou­ lugar onde os guardas do templo costu­
baram Joás, que na época tinha um ano de mavam ficar. Qualquer um que estivesse ob­
idade, do berçário real, e o esconderam, com servando o templo não teria motivos para
sua ama, primeiro num cômodo onde eram suspeitar que algo dramático estava prestes
guardadas roupas de cama velhas e, depois, a ocorrer. Veria os guardas marchando e
num dos cômodos do templo. A medida que ocupando seus postos habituais e, talvez,
foi crescendo, Joás misturou-se às outras observaria que o número de adoradores era
crianças com as quais brincava na vizinhan­ maior que o de costume.
ça do templo e não foi reconhecido como Até mesmo o rei Davi fazia parte do pla­
um dos herdeiros ao trono.1 no! O sumo sacerdote distribuiu entre os
Apresentação (vv. 4-12; 2 Cr 23:1-11). homens as armas que Davi havia confisca­
Joiada, Jeoseba e a ama do menino foram do em suas muitas batalhas, e, com elas, os
pacientes e esperaram pelo tempo de Deus, guardas protegeram o herdeiro da linhagem
pois a paciência e a fé andam juntas (Hb davídica. Foi Davi quem comprou as terras
6:12). Pela sua providência bondosa, o Se­ onde o templo havia sido construído (2 Sm
nhor cuidou da criança e também das três 24:18ss) e também foi ele quem forneceu
pessoas que sabiam quem era o menino e os recursos necessários para que Salomão
onde ele se encontrava. Se a rainha Atalia construísse o templo. Parte dessa riqueza
534 2 REIS 1 0 - 1 1

veio de seus tesouros pessoais, e o restante, a traidora. Joás era descendente de Davi e
dos espólios de batalhas que ele havia luta­ tinha todo direito ao trono, enquanto Atalia
do para o Senhor (1 Cr 28 - 29). Muitos dos havia tomado o trono para si sem direito al­
cânticos entoados pelos levitas durante os gum. Joiada ordenou que cinco capitães a
cultos no templo eram da autoria de Davi e, escoltassem para fora do átrio do templo e
nessa ocasião específica, estava contribuin­ que matassem qualquer um que a seguisse.
do com as armas para defender a própria Quando estavam de volta na área do palá­
dinastia. Davi não serviu apenas à sua pró­ cio, próximo à Porta dos Cavalos, os capi­
pria geração (At 13:36), mas a todas as gera­ tães a executaram à espada.
ções subseqüentes. Um exemplo e tanto a A consagração do povo (v. 17; 2 Cr
ser seguido! 23:16). Joiada já havia dado o Livro do Tes­
Quando todos estavam em suas posições, temunho ao rei (v. 12), mas ainda era ne­
Joiada trouxe o rei - então com 7 anos de cessário que o povo e o rei declarassem
idade - e o apresentou ao povo. Colocou a sua lealdade um ao outro e ao Senhor. Is­
coroa sobre a cabeça de Joás e lhe deu uma rael era uma teocracia, e Deus era seu Rei.
cópia da lei de Deus, a que ele devia obede­ O rei governava como representante es­
cer (Dt 17:14-20). O sumo sacerdote o un­ colhido de Deus, e o povo obedecia ao rei
giu, e o povo recebeu com grande alegria como obedecia ao Senhor. Israel era uma
seu novo rei dando gritos de "Viva o rei!" nação da aliança, pois, no monte Sinai, seus
(ver 1 Sm 10:24; 2 Sm 16:16; 1 Rs 1:25, 39). antepassados haviam jurado lealdade ao
Deus havia cumprido a promessa feita em Senhor e a sua Palavra (Êx 18 - 19). Ne­
sua aliança com Davi e colocara um dos des­ nhuma outra nação da Terra possui essa mes­
cendentes de Davi no trono de Judá! ma relação de aliança com o Senhor (Sl
147:19, 20).
7. O b e d iê n c ia A eliminação do culto a Baal (w. 18­
(2 Rs 11:13-21; 2 C r 23:12-21) 21; 2 Cr 23:17). Joiada fez em Jerusalém o
Deus protegera o jovem rei e permitira que mesmo que Jeú havia feito em Samaria: ele
Joiada e os oficias o apresentassem para o e o povo destruíram o templo de Baal e ma­
povo, mas o trabalho deles ainda não havia taram o sumo sacerdote diante do altar de
terminado. Baal.2 Por certo, outros que lideravam o cul­
A execução de Atalia (vv. 13-16; 2 Cr to a Baal também foram eliminados. Por cau­
23:12-15). Atalia assustou-se com os gritos sa de Atalia e de seu marido transigente,
repetidos de "Viva o rei!" e se apressou para Jeorão, bem como de seu filho Acazias, o
fora do palácio, a fim de ver o que estava reino de Judá havia passado pelo menos
acontecendo. Não tardou a descobrir que quinze anos sob a influência da idolatria -
estava presa. Havia guardas ao redor do pa­ um mal que foi exposto e extirpado quando
lácio e entre o palácio e os átrios do tem­ Joás subiu ao trono.
plo, de modo que ela não poderia escapar A restauração da dinastia davídica
nem chamar seus soldados para socorrê-la. (11:19-21; 2 C r 23:20-21). Deve ter sido uma
A rainha correu para o átrio do templo, onde grande multidão regozijante que acompa­
viu o jovem rei em pé junto a uma coluna nhou o rei do templo ao palácio, onde o
(1 Rs 7:21), protegido pelos capitães. Tam­ fizeram assentar-se no trono! A tentativa de
bém viu a assembléia, constituída não ape­ Satanás de pôr fim à dinastia davídica havia
nas de sacerdotes, levitas e militares, mas fracassado, e a promessa messiânica ainda
também do "povo da terra", ou seja, dos ci­ estava em vigor. O povo havia feito a vonta­
dadãos proprietários de terras cujo trabalho, de de Deus e obedecido à sua Palavra. Pela
riqueza e influência eram importantes para primeira vez, em muitos anos, a retidão e a
a nação. paz reinaram na terra.
Que grande contra-senso ela gritar "Trai­ A organização do ministério no templo
ção! Traição!", quando, na verdade, ela era (11:18b; 2 C r 23:18, 19). 2 Reis 12 informa
2 REIS 1 0 - 1 1 535

que o templo do Senhor havia caído em Quando Deus começou a restaurar o cul­
esquecimento e entrado em decadência to verdadeiro em Jerusalém e em Judá, seu
durante o tempo em que Atalia ocupou o ponto de partida foi um casal consagrado -
trono. Mais que depressa, joiada tomou as o sumo sacerdote Joiada e sua esposa
medidas necessárias para sanar essa situação Jeoseba. Estes, por sua vez, conseguiram a
ao seguir as ordens de Davi (1 Cr 23 - 26) ajuda da ama que cuidava de Joás, e Deus
e colocar os sacerdotes e levitas corretos protegeu essas quatro pessoas durante seis
em seus devidos lugares de ministérios. Era anos. Então, Joiada obteve o auxílio de cin­
importante que oferecessem os sacrifícios co capitães do exército que, por sua vez,
diários ao Senhor e que lhe cantassem lou­ reuniram seus quinhentos soldados. Os sa­
vores. Também era essencial que as portas cerdotes e levitas espalhados por várias
do templo fossem guardadas para que nenhu­ regiões, bem como o povo da terra, se reu­
ma pessoa imunda entrasse e contaminasse niram para adorar ao Senhor e obedecer à
os outros fiéis. O reavivamento consiste sim­ sua Palavra. O pecado foi expurgado, a von­
plesmente em obedecer à Palavra de Deus tade de Deus se cumpriu e o seu nome foi
e em obedecer a suas ordens, conforme fo­ glorificado!
ram dadas a nossos antepassados. Não Deus pôde fazer isso naquele tempo e
precisamos das novidades do presente; pre­ pode fazê-lo hoje — mas precisamos confiar
cisamos, sim, das realidades do passado. nele para fazê-lo do seu jeito.

1. No relato da história da salvação, muitas vezes o futuro do plano de Deus encontra-se ligado a um bebê ou uma criança. Caim

matou Abel, mas Deus enviou Sete como o próximo elo da cadeia. Abraão e Sara esperaram vinte e cinco anos pelo
nascimento de seu filho Isaque, e o pequeno Moisés deveria ter sido afogado, mas viveu para ser o homem que libertaria os

hebreus do Egito. Num dos momentos mais sombrios de Israel, o Senhor enviou Samuel a Ana e Elcana. Aqui, o futuro da

promessa messiânica e da aliança davídica encontra-se ligado a um garotinho.

2. Joiada não permitiu que os guardas matassem Atalia no terreno sagrado do templo de Jeová, mas tiveram permissão de matar

o sacerdote de Baal diante do altar desse deus. A adoração a Baal era uma religião criada por homens, e, portanto, uma

religião falsa. Ver João 4:22, 23.


têm um coração cheio de ervas daninhas
7 recebem a semente, mas os brotos são sufo­
cados pelas outras plantas inúteis que deve­
riam ter sido arrancadas. A pessoa com um
C o n c e n t r a n d o -se coração que dá frutos é honesta, contrita,
compreende a Palavra e a aceita pela fé. Em
na Fé
se tratando de sua fé pessoal, o rei Joás ti­
nha um coração sem profundidade alguma.
2 R eis 1 2 - 1 3
Observemos os estágios da vida espiritual
(2 C r ô n ic a s 24) de Joás.
Obediência (vv. 1-3; 2 Cr 24:1-3). Joás
estava com apenas 7 anos de idade quando

E
de conhecimento geral o princípio se­ subiu ao trono de Judá (2 Rs 11:4) e teve
gundo o qual aquilo em que uma pes­ um longo reinado de quarenta anos. E evi­
soa acredita determina, em última análise, a dente que uma criança dessa idade não é
forma como ela se comporta. Eva creu na capaz de governar uma nação, de modo que
mentira do diabo de que ela não morreria; o sumo sacerdote Joiada foi seu tutor e
comeu do fruto proibido e, posteriormente, mentor. Ao que parece, Joás era um aluno
morreu. Plenamente cônscio, Adão creu que dedicado, e, durante os anos em que Joiada
devia fazer o mesmo que a esposa, de modo o orientou, o rei obedeceu ao Senhor. Quan­
que tomou o fruto e comeu. Com isso, lan­ do Joás estava na idade de se casar, foi Joiada
çou toda a raça humana no abismo do pe­ quem escolheu as duas esposas do rei. Tan­
cado e da morte (Gn 3; Rm 5:12-21; 1 Tm to Davi quanto Salomão haviam tido proble­
2:14). Quando cremos na verdade, Deus tra­ mas em função de seus vários casamentos
balha em nosso favor; mas quando cremos imprudentes, de modo que o sumo sacer­
numa mentira, o diabo trabalha contra nós. dote limitou a dois o número de esposas
Quando Jesus foi tentado por Satanás, refu­ para Joás. Era importante que Joás recons­
tou suas mentiras usando a verdade de Deus truísse a família de Davi, pois a linhagem
e disse: "Está escrito"(Mt 4:1-11). Os três reis davídica havia sido praticamente destruída
apresentados nestes capítulos ilustram três por Jeorão (2 Cr 21:4), Jeú (2 Rs 10:12-14),
tipos diferentes de fé, sendo que nenhum pelos invasores árabes (2 Cr 22:1) e pela
deles é o tipo de fé que o povo de Deus rainha Atalia (2 Rs 11:1).
deve ter nos dias de hoje. A única coisa que Joiada e Joás não fize­
ram foi remover os altos de Judá, os santuá­
1 . J o ÁS - UM A FÉ SUPERFICIAL rios locais onde o povo adorava ao Senhor.
(2 Rs 12:1-21) O certo era que os israelitas fossem ao tem­
Em sua parábola sobre o semeador (Mt 13:1­ plo para adorar (Dt 12), mas, nos tempos de
9, 18-23), Jesus explicou que, do ponto de grande perversidade, durante o reinado de
vista espiritual, existem quatro tipos de cora­ Atalia, o templo foi negligenciado e até mes­
ção e que cada um deles reage à semente mo abandonado à deterioração. Porém, Joia­
da Palavra de um modo diferente. Quando da e o rei Joás conduziriam o povo a uma
aqueles que têm o coração endurecido ou­ restauração do templo, de modo que tives­
vem a Palavra, a semente não consegue sem um lugar em perfeito estado onde pu­
penetrar, de modo que Satanás a leva em­ dessem adorar ao Senhor. O povo piedoso
bora. Aqueles que têm um coração sem pro­ de Judá deve ter se alegrado com o fato de
fundidade recebem a Palavra, mas não dão um descendente obediente de Davi estar
espaço para que ela crie raízes, de modo ocupando o trono. O que eles não sabiam
que os brotos crescem, mas não duram mui­ era que Joás possuía uma fé superficial e
to tempo. E impossível uma planta crescer e que ele obedecia a Deus somente para agra­
dar frutos se ela não tem raízes. Aqueles que dar a Joiada. Joás era um excelente seguidor,
2 REIS 12 - 13 537

mas não um bom líder. Quando Joiada mor­ culpa (v. 16; Lv 5:14 - 6:7). Porém, seu pla­
reu, Joás tomou outro rumo e desobedeceu no não funcionou, provalmente porque os
ao Senhor. sacerdotes dependiam dessas fontes de ren­
Conflitos (vv. 4-1 6; 2 Cr 24:4-14). O da, a fim de manter o ministério no templo
povo de Judá não custou a perceber que e de suprir suas necessidades pessoais.
Joiada era o poder por trás do trono, o que Quanto ao censo, é possível que os levitas
provavelmente lhes deu uma sensação de tenham hesitado ao se lembrar de que o
segurança. Porém, à medida que o rei ama­ censo realizado por Davi trouxe o julgamen­
dureceu em idade e em experiência, deve to de Deus sobre a terra (1 Cr 22).
ter se frustrado com esse sistema. É normal O texto não diz quanto tempo Joás es­
os jovens desejarem liberdade para tomar perou para que Joiada tomasse uma provi­
as próprias decisões, mas na vida de Joás, é dência, mas quando estava com 30 anos de
bem possível que esse desejo fosse ainda idade e havia reinado durante vinte e três
maior, em função da autoridade que ele anos, o rei decidiu agir por conta própria.
possuía. Porém, com Joiada à frente de tudo, Chamou Joiada e, com toda cautela, repre­
Joás pôde fazer suas as palavras do rei Davi: endeu os sacerdotes por não estarem reali­
"No presente, sou fraco, embora ungido rei" zando sua incumbência. Também disse ao
(2 Sm 3:39). sumo sacerdote que o trono se encarrega­
Não é fácil ser mentor de um jovem rei ria diretamente do projeto de construção.
e determinar exatamente quando soltar as Os sacerdotes poderiam ficar com o dinhei­
rédeas. Os pais sabem disso, por experiên­ ro que lhes era de direito pela lei de Moisés,
cia própria, ao criar os filhos e vê-los chegar pois, pela sua nova abordagem, o projeto
à idade adulta. Talvez Joiada tenha exercido seria financiado por ofertas voluntárias.
um controle excessivo em vez de transferir Joiada informou os sacerdotes e levitas, que
a responsabilidade gradualmente para Joás. devem ter se alegrado grandemente com a
No entanto, talvez Joiada tenha ficado no notícia de que sua renda não seria desviada
controle por mais tempo, pois ainda via al­ para outros fundos e que não precisariam
gumas fraquezas no caráter do rei e deseja­ mais participar das reformas no templo. Uma
va dar-lhe a oportunidade de corrigi-las. É vez que já participei de projetos de cons­
possível, também, que tenha sido apenas um trução de igrejas, posso entender como se
"conflito de gerações". Qualquer que tenha sentiram!
sido a causa, o rei decidiu que era hora de Essa idéia simples funcionou. Joás pre­
se livrar do controle do sacerdócio de Judá parou uma grande caixa de ofertas, colocou-
e de começar a exercer sua autoridade. Es­ a no templo perto de uma entrada próxima
colheu as reformas do templo como o cen­ ao altar e incentivou o povo a levar suas
tro de sua campanha pela liberdade. ofertas para reformar o templo. E claro que
Sem dúvida, Joás e Joiada haviam con­ havia guardas do templo para tomar conta
versado sobre a necessidade de fazer repa­ da caixa. O povo animou-se ainda mais a
ros no templo, mas, por algum motivo, o contribuir quando descobriu que, desde
sacerdote não se mostrou empolgado o su­ então, o projeto estava sendo supervisiona­
ficiente para dar início a esse projeto. Talvez do pelo rei e executado por leigos. Saben­
uma das razões para isso tenha sido a idade do que as ofertas colocadas na caixa seriam
avançada do sacerdote. Não sabemos qual revertidas diretamente para as obras de re­
era a idade de Joás quando Joiada ordenou forma e não desviadas para outros ministé­
que as ofertas do templo fossem encaminha­ rios, o povo contribuiu com generosidade.
das para o projeto de construção (vv. 4, 5). O rei Josias seguiu um plano parecido ao
Nisso se incluía a contribuição arrecadada reformar o templo quase duzentos anos de­
no censo (Êx 30:11-16; Nm 2:32), o dinheiro pois (2 Rs 22:1-7).
do pagamento de votos pessoais (Lv 22:18­ No entanto, Joás não deixou o sacerdó­
23; 27:1 ss) e o dinheiro das ofertas pela cio de fora desse projeto, pois a contagem
538 2 REI S 1 2 - 1 3

e a distribuição do dinheiro eram realizadas levavam àquele local. Duvido que algum de
por representantes do rei e do sumo sacer­ seus membros vivesse numa casa tão mal
dote (v. 10). Joás estava seguindo, intuiti­ cuidada (Ag 1:1-6). Perguntei a um dos líde­
vamente, o princípio do apóstolo Paulo de res por que não faziam os reparos necessá­
envolver o povo em todos os passos do pro­ rios, e ele respondeu com certo sarcasmo:
cesso e de assegurar-se de que tudo fosse — É que a maior parte do nosso orça­
feito com transparência (2 Co 8:16-24). Os mento é dedicada a missões em outros paí­
trabalhadores eram tão honestos e fiéis que ses. E sabe o que os missionários fazem com
ninguém mantinha registros das entradas e o dinheiro que enviamos para eles? Refor­
das despesas, fato que pode ter exasperado mam os templos deles!
os auditores do rei. O único projeto que não Não se tratava de fazer uma coisa ou
incluíram foi a reposição dos utensílios de outra, mas sim de encontrar o equilíbrio.
ouro e de prata que haviam sido roubados Como o Dr. Oswald J. Smith costumava di­
do templo (2 Cr 24:7), mas, no final, ainda zer: "A luz cujo brilho alcança até os lugares
houve recursos suficientes para suprir essa mais distantes é a que tem maior resplendor
necessidade ( 2 Cr 24:14). a seu redor". Como o diretor de um ministé­
Os cristãos de hoje sabem que o Senhor rio missionário estrangeiro comentou comi­
não habita no templo da igreja nem em qual­ go certa vez: "Levei dez anos para aprender
quer outro edifício (Jo 4:23, 24; At 7:48-50; que Atos 1:8 não diz: "ou até os confins da
17:24), mas isso não significa que seja erra­ terra", mas sim: "e até os confins da terra".
do consagrar certas construções à glória e a O Senhor não destrói o que está num lugar
ao serviço dele. As igrejas primitivas não ti­ a fim de construir algo em outro lugar". Bem-
nham seus próprios templos e se reuniam aventurados são os equilibrados!
nas casas de seus membros e em lugares Apostasia (vv. 17, 18; 2 Cr 24:15-22).
públicos, como o templo de Jerusalém. Foi Joiada morreu com uma idade avançada -
somente no século iv que a lei permitiu aos 130 anos. Era tão querido pelo povo que foi
cristãos construir e se reunir nos próprios sepultado junto aos reis (2 Cr 24:15, 16).
templos. Hoje em dia, alguns cristãos não Porém, quando Joiada saiu de cena, o rei
concordam com a construção de templos Joás mostrou seu verdadeiro caráter e aban­
para as igrejas, alegando que são um des­ donou sua fé. Sua apostasia não foi culpa
perdício do dinheiro de Deus, enquanto de Joiada, pois o sumo sacerdote havia cum­
outros praticamente idolatram esses templos prido fielmente a tarefa de ensinar as Escri­
e confundem suas prioridades. Campbell turas ao rei. O problema era a fé superficial
Morgan esclarece essa questão com a se­ de Joás e seu desejo de agradar aos líderes
guinte advertência: da terra, "os príncipes de Judá" (2 Cr 24:1 7),
que visitaram Joás e lhe pediram que fosse
Apesar de a casa de Deus, nos dias de mais tolerante nas questões religiosas (24:1 7,
hoje, não ser mais de natureza material, 18). O rei cedeu, e a idolatria voltou a insta­
mas sim, espiritual, o templo material lar-se em Judá e em Jerusalém.
ainda é um símbolo extremamente real A apostasia de Joás foi um ato proposi­
da natureza espiritual. Quando a Igreja tado de rebelião contra Deus, pois o rei sa­
de Deus em qualquer lugar é descuida­ bia o que a lei de Moisés dizia acerca da
da com seu local de reunião, trata-se de idolatria. Mas foi também um pecado de
um sinal e de uma prova de que sua vida ingratidão por tudo o que Joiada havia feito
encontra-se fragilizada.’ em seu favor. Joiada e sua esposa haviam
salvado a vida do rei! O sumo sacerdote lhe
Lembro-me de pregar num culto de domin­ ensinara a verdade da Palavra de Deus e
go à noite numa igreja cujo templo se en­ havia caminhado com Joás enquanto ele
contrava em tal estado que envergonhava aprendia a governar o povo. No entanto, o
os membros e também os visitantes que rei jamais havia aceitado, de fato, a verdade
2 REIS 12 - 13 539

de Deus e permitido que ela se arraigasse e um assassino, o Senhor começou a dis­


em seu coração. Faltava profundidade ao cipliná-lo. Primeiro, enviou os profetas para
solo de seu coração, e sua obediência à lei advertir Joás, mas ele não deu ouvidos. En­
de Deus devia-se somente à supervisão de tão, enviou a Síria, inimiga de longa data
seu mentor, joás chegou até a tomar dinhei­ de Judá,3 e Joás foi gravemente ferido em
ro do templo que havia reformado para dar combate. Por fim, Joás roubou riquezas do
a um rei pagão como resgate! templo e subornou Hazael para que ele não
Joás serve de advertência para nós em atacasse Jerusalém. Porém, Joás nunca che­
nosso tempo. Não basta simplesmente co­ gou a se recuperar de seus ferimentos, pois,
nhecer a verdade de Deus; devemos lhe obe­ logo em seguida, dois de seus oficiais o assas­
decer "de coração" (Ef 6:6). Ter a verdade sinaram por ele haver ordenado a execução
na mente pode nos levar à obediência, mas de Zacarias, filho de Joiada.4 2 Crônicas
ter a verdade no coração e lhe obedecer de 24:26 diz que as mães dos dois assassinos
coração produz um caráter temente a Deus. não eram de judá - uma delas era de Moabe
A Palavra e a vontade de Deus devem ser e a outra de Amom. Os moabitas e amonitas
infundidas em nós - recebidas no coração eram descendentes de Ló, sobrinho de
(Sl 119:9-11); de outro modo, jamais desen­ Abraão, que havia tido relações incestuosas
volveremos um firme caráter cristão. Enquan­ com as duas filhas (Gn 19:30-38). O povo
to o dever e a disciplina não se tornarem sepultou Joás em Jerusalém, mas não no
um prazer, seremos apenas servos relutantes sepulcro dos reis, onde o sumo sacerdote
que obedecem a Deus por obrigação, não Joiada foi sepultado (2 Cr 24:25, 26).
porque desejam fazê-lo. Joiada foi uma "es­ O menino-rei, que havia tido um come­
cora religiosa" na qual o rei se apoiou. Quan­ ço tão promissor, não teve um final feliz, pois
do a escora foi removida, o rei caiu. renunciou os caminhos do Senhor. Fico ima­
Durante mais de cinqüenta anos de mi­ ginando se o profeta Ezequiel estava pen­
nistério, tenho visto, aqui e ali, a "tragédia sando em Joás quando escreveu Ezequiel
de Joás". A esposa temente a Deus morre, e 18:24-32.
logo o marido pára de ir à igreja e se entre­
ga à vida no mundo. Filhos e filhas saem de 2 . JEOACAZ - UM A FÉ SÓ PARA OS
casa e, aos poucos, vão abandonando a fé, t e m p o s d e c r is e (2 Rs 13:1-9)
pois o pai e a mãe não estão por perto para A atenção volta-se agora para Israel e para
aconselhá-los e admoestá-los. Encontrei lí­ o reinado de Jeoacaz, filho de Jeú. Não é
deres cristãos em cargos importantes que de se admirar que ele tenha escolhido
"usaram" os filhos em seu ministério, mas Jeroboão como exemplo, pois seu pai havia
quando os filhos foram viver por conta pró­ feito o mesmo (2 Rs 10:29). Jeoacaz prefe­
pria, deram as costas aos pais e ao Senhor. riu adorar bezerros de ouro em vez do Deus
Um bom começo não é garantia alguma de vivo, mas quando se viu em apuros, buscou
um final feliz. O rei Josias teve todo o incen­ o socorro do Senhor.
tivo necessário para tornar-se um homem O povo de Israel não deveria ter se sur­
piedoso, mas não aproveitou suas oportuni­ preendido quando Deus enviou os siros
dades, deixando que a verdade de Deus contra eles, pois conheciam os termos da
penetrasse seu coração. Quando o Senhor aliança de Deus com eles antes de entra­
enviou profetas para adverti-lo, ele se re­ rem na terra de Canaã. Se obedecessem ao
cusou a ouvir. Chegou até a tramar com seus Senhor, ele daria a vitória sobre os inimigos;
líderes o apedrejamento do filho de Joiada, mas, se desobedecessem, ele faria com que
Zacarias, que repreendeu o rei por seus pe­ caíssem diante dos inimigos (Lv 26:17, 25,
cados.2 Imagine assassinar o filho da pessoa 33, 36-39; Dt 28:25, 26, 49-52). As pessoas
que salvou sua vida! ainda crêem na mentira de Satanás: "É cer­
Sofrimento (vv. 19-27; 2 C r 24:23-27). to que não morrereis" (Gn 3:4). "Faça tudo
Quando o rei de Judá tornou-se um idólatra aquilo de que gosta", diz o Inimigo, "pois
540 2 REIS 12 - 13

nenhum pecado tem grandes conseqüên­ queremos desestimular ninguém a procurar


cias...". Porém, seja para disciplinar seja para a Deus nos momentos de crise. O historiador
abençoar, Deus é sempre fiel a sua Palavra. inglês William Camdem escreveu: "Entre o
A situação tornou-se tão desesperadora estribo e o chão / por misericórdia supliquei
que Jeoacaz clamou ao Senhor por socor­ / e foi entre o estribo e o chão / que miseri­
ro, exatamente como Israel havia feito no córdia encontrei".
tempo dos juizes (jz 2:10-23). Em sua mise­ Mas quantas vezes clamamos ao Senhor
ricórdia, Deus ouviu e respondeu à oração em meio a uma crise e, depois, o ignora­
do rei e prometeu enviar um libertador, mas mos quando nos vemos em segurança? As
somente depois que Jeoacaz tivesse saído pessoas que dependem de uma fé que só
de cena (v. 22). Hazael morreu e foi sucedi­ aparece em tempos de crise precisam dar
do por seu filho, Ben-Hadade, um governante ouvidos às advertências em Provérbios 1:24­
mais fraco, de modo que foi possível alguém 33 e em Isaías 55:6, 7 e não devem supor
livrar Israel das garras da Síria. Os historiado­ que, pelo fato de Deus as haver atendido e
res não apresentam um consenso quanto a socorrido, estão automaticamente salvas.
quem foi esse libertador. Alguns acreditam
que os assírios começaram a atacar a Síria 3. J e o á s - u m a fé ig n o r a n t e

no tempo de Ben-Hadade e a enfraquecer (2 Rs 13:10-25)


seu poder. Outros são de opinião que o livra­ Por algum motivo, a morte de Jeoás é men­
mento veio por um ou por ambos os suces­ cionada duas vezes, uma antes de o histo­
sores de Jeoacaz: Jeoás (v. 25) e Jeroboão II riador apresentar o relato de sua vida (vv.
(14:25-27). A afirmação: "os filhos de Israel 12, 13) e outra no final da história (14:15,
[...] habitaram, de novo, em seus lares" (v. 5) 16). Sua grande vitória sobre Amazias, rei
significa: "viveram em paz e não tiveram de de Judá, também é mencionada antes de
buscar refúgio nas cidades fortificadas". ser descrita (14:8-14; 2 Cr 25). Porém, o que
A bênção prometida por Deus mudou o mais se destaca no relato sobre Jeoás é o
coração do rei? Ao que parece não, pois ele fato de ele ter demonstrado sensatez sufi­
não removeu os ídolos da terra (v. 6; 1 Rs ciente para visitar o profeta Eliseu e buscar
16:33) nem incentivou o povo a voltar para uma bênção dele. Considere os cinco fatos
o Senhor. A fé que só aparece em tempos a seguir acerca de Jeoás.
de crise raramente é profunda e duradoura. Ele seguiu os exemplos errados (vv. 10­
Uma vez que as pessoas vêem uma espe­ 13). Assim como seu pai, Jeoás seguiu o
rança de livramento e que sua dor é alivia­ exemplo de Jeroboão I, o primeiro rei de
da, esquecem do Senhor e voltam a seus Israel. Isso significa que visitou os bezerros
antigos caminhos até a crise seguinte. Os de ouro e que se curvou diante de ídolos. E,
siros deixaram Jeocaz com um arremedo de assim como o pai, voltou-se para o Senhor
exército, que era mais uma vergonha do que apenas quando se viu em dificuldades e com
um encorajamento. Porém, Deus prometeu o tempo se esgotando. Os siros ainda domi­
que, caso seu povo confiasse nele e obede­ navam Israel, e o profeta Eliseu estava pres­
cesse à sua Palavra, seus inimigos fugiriam tes a morrer.
de diante deles (Dt 28:7; 32:30; Lv 26:8). Ele tomou uma decisão sábia (v. 14).
No entanto, a fé em tempos de crise não Não ouvimos palavra alguma de Eliseu ou
é confiável. Quantas vezes ouvi pacientes sobre ele desde 2 Reis 9:1, quando enviou
no hospital dizerem: "Pastor, se Deus me um dos discípulos dos profetas para ungir
curar e me tirar daqui, serei o melhor cristão Jeú como rei de Israel. No que diz respeito
que o senhor já viu". Deus curou essas pes­ ao registro escrito, isso representa um pe­
soas e permitiu que fossem para casa, mas ríodo de mais de quarenta anos de silêncio.
nunca mais as vi na igreja. Sem dúvida, há No entanto, Eliseu estava trabalhando em
conversões verdadeiras que ocorrem em si­ Israel, e o Senhor estava com ele. Quando o
tuações extremas ou no leito de morte; não rei foi visitá-lo, o profeta já era um homem
2 REIS 1 2 - 1 3 541

idoso e estava à beira da morte. Devemos caminham pela fé. Quando o profeta pôs
dar crédito a Jeoás pelo menos por ele ha­ suas mãos nas mãos do rei, esse gesto signi­
ver visitado o profeta e buscado sua ajuda. ficou, sem dúvida alguma, a transmissão do
Foi Eliseu quem disse a Jeoacaz que Deus poder de Deus. Quando Eliseu ordenou que
enviaria um libertador (vv. 4, 5)? Esse liberta­ ele atirasse uma flecha em direção à região
dor era Jeoás, o filho de Jeoacaz? Somente sob o domínio dos siros, tratou-se claramen­
Eliseu conhecia os planos de Deus, e o rei te de uma referência à vitória sobre o inimi­
teve a sabedoria de ir visitar o velho profeta. go (Dt 32:42; SI 120:4). O rei poderia ter
Infelizmente, os líderes espirituais não entendido tudo isso, pois Eliseu lhe deu uma
são muito valorizados em vida, mas grande­ promessa explícita de vitória.
mente aclamados depois que morrem. Os fa­ Porém, quando Eliseu ordenou que Jeoás
riseus eram mais competentes em construir tomasse as flechas restantes e que as atiras­
túmulos para os mortos do que em demons­ se contra o chão, o rei não teve o discerni­
trar gratidão em seu viver (Mt 23:29-32). Os mento espiritual necessário para aproveitar
servos fiéis de Deus nunca se "aposentam", ao máximo essa oportunidade. Se tivesse
mesmo que deixem a vocação à qual se de­ sido um adorador fiel do Deus vivo, teria
dicaram a vida toda e que saiam do ministé­ enxergado a verdade, mas Jeoás era tão cego
rio público. Até mesmo em seu leito de quanto os falsos deuses aos quais prestava
morte, Eliseu servia ao Senhor e a seu povo. culto (SI 115:3-8). Atirar uma flecha garantiu
Enquanto Deus nos der forças e lucidez, a vitória, mas o número de vezes que ele
devemos servi-lo da melhor maneira possí­ acertou o chão determinou quantas vitórias
vel em todas as oportunidades que ele nos Deus lhe daria. Pelo fato de Jeoás ter uma fé
apresentar. Como sou grato aos "servos ido­ ignorante, limitou-se a apenas três vitórias
sos" que me aconselharam e encorajaram! sobre os siros.
As lembranças da vida e do ministério des­ Mesmo enfermo, o profeta Eliseu ex­
sas pessoas ainda são uma bênção para mim pressou sua ira justificada pela ignorância e
(Hb 13:7, 8). incredulidade do rei. Jeoás perdeu uma opor­
O rei demonstrou respeito para com o tunidade inestimável de destruir seus inimi­
profeta e se dirigiu a ele usando as mesmas gos! "Faça-se-vos conforme a vossa fé" (Mt
palavras que Eliseu disse a Elias, quando Elias 9:29). Por mais importante que seja, não
foi levado para o céu (2 Rs 2:12). Eliseu era basta simplesmente conhecermos a vonta­
como um pai para a nação e mais valioso de de Deus e obedecer a ela. Precisamos
que todos os seus exércitos! Eliseu sabia que também entender a vontade e os caminhos
Jeoás estava em apuros por causa dos siros de Deus (Ef 5:17; SI 103:7). Os mandamen­
e, com toda bondade, usou as poucas for­ tos e os atos de Deus revelam seu caráter -
ças que ainda lhe restavam para ajudar o se nossos olhos espirituais estiverem abertos
rei. Por certo, o rei Jeoás era transigente e (Ef 1:17-20). É assim que compreendemos
havia desobedecido a Deus, mas Jeová é os caminhos de Deus e que lhe servimos
" S e n h o r , S e n h o r Deus compassivo, clemen­ melhor, e é assim que o Senhor faz crescer
te e longânimo e grande em misericórdia e nossa fé.
fidelidade" (Êx 34:6). Ele havia prometido li­ Ele recebeu um grande estímulo (vv. 20,
vramento para seu povo e cumpriria sua pro­ 21). E possível que, quando Eliseu faleceu,
messa. Porém, Eliseu transmitiu a promessa o rei tenha se perguntado se as promessas
de vitória do Senhor a Jeoás de tal maneira haviam morrido com o profeta. A fim de
que o rei teve de exercitar uma fé inteligente. encorajar o rei, o Senhor, em graça, reali­
Ele cometeu um erro grave (vv. 15-19). zou um milagre após a morte de Eliseu. Os
O rei Jeoás não era um homem de fé, mas judeus não embalsamavam os corpos, como
podia seguir instruções. No entanto, faltava- faziam os egípcios. Simplesmente lavavam
lhe o discernimento espiritual das pessoas o corpo do falecido e o envolviam em panos
que vivem de acordo com a Palavra e que limpos com especiarias. Um dia, quando a
542 2 REIS 12 - 13

chegada de invasores moabitas interrompeu ostensivo, blasfemando contra o nome do


uma cerimônia de sepultamento de um ho­ Senhor e poluindo sua terra, que Deus per­
mem falecido havia pouco tempo, os par­ mitiu que tanto Israel quanto Judá fossem
ticipantes colocaram o corpo às pressas no derrotados e levados para o cativeiro. Em
túmulo de Eliseu e fugiram. Mas Deus usou 722 a.C., a Assíria conquistou o reino do
essa ocasião para trazer o homem de volta Norte, Israel, e em 586 a.C., Jerusalém caiu
à vida! Por certo, o povo comentou sobre para os babilônios. O povo de Judá voltou a
esse milagre, e pode ser que o rei tenha sua terra depois de setenta anos de cativei­
ouvido o relato da boca daqueles que viram ro, mas o povo de Israel foi assimilado pelo
o ocorrido. Esse milagre mostrou a Jeoás que império assírio.
o profeta estava morto, mas que Jeová ain­ O rei Jeoás conquistou três grandes vi­
da era o Deus vivo e poderoso. Suas pro­ tórias sobre os siros, o suficiente para que
messas não iriam falhar. retomasse as cidades que Hazael e Ben-
O profeta Elias não morreu; antes, foi Hadade haviam tirado de Israel. Posterior­
levado diretamente para o céu (2 Rs 2:11, mente, o rei Jeroboão II tomou de volta o
12), mas o profeta Eliseu morreu e foi sepul­ restante da terra. O Senhor capacitou Jeoás
tado. Porém, Eliseu realizou um milagre de modo a aumentar seu poder militar (v. 7)
mesmo depois de morto. Deus tem um pla­ e a subjugar os siros comandados por Ben-
no diferente para cada um de seus servos e Hadade III. A promessa do Senhor se cum­
não devemos fazer comparações nem ques­ priu, e o povo de Deus foi poupado. Durante
tionar os atos divinos (Jo 21:19-23). os reinados de Jeoás e de Jeroboão II, o rei­
F/e conquistou três vitórias (vv. 22-25). no de Israel alcançou seu ápice e houve pros­
Os siros estavam determinados a destruir peridade em toda a terra. Mas mesmo com
Israel e a torná-lo parte de seu império, mas todas essas conquistas e riqueza, ainda era
o Senhor tinha outros planos. Sua aliança uma terra cheia de idolatria e de pecados.
com os patriarcas (Cn 12:1-3) e sua graça Durante o reinado de Jeroboão II, os pro­
para com seus descendentes comoveu-o fetas Oséias e Amós ministraram ao povo
diante da aflição de Israel e o fez livrar o de Israel. Ao ler os livros desses profetas, ve­
povo de seus inimigos. Foi somente quando mos a verdadeira situação em que a terra
o povo pecou de modo extremamente se encontrava.

1. M o rgan, Campbeii. The Westminster Pulpit, vol. 8, p. 315.


2. Alguns acreditam que esse é o homem sobre o qual Jesus falou em Mateus 23:35 e em Lucas 11:51, mas o texto do Novo

Testamento diz: "filho de Baraquias" (ver Z c 1:1). A expressão "de Abel (Gênesis) até Zacarias (2 Crônicas)" abrangia todo o

Antigo Testamento, uma vez que a Bíblia hebraica termina em 2 Crônicas. Zacarias era um nome comum entre o povo de

Israel - há vinte e sete pessoas com esse nome na Bíblia - e não é improvável que mais de um tenha sido apedrejado por

causa de sua fé.

3. Ver 8:7-15; 10:32, 33; 13:3, 22.


4. Vários reis de Judá e Israel foram assassinados. Ver 1 Reis 15:27; 16:8-10; 2 Reis 9:22-29; 15:10, 13-15, 25, 26, 29-31.
para que os homens que mataram seu pai
8 fossem executados e obedeceu a Deutero-
nômio 24:16, julgando somente os trans­
gressores, não suas famílias.4 Se tivesse
N o v e R eis - C in c o continuado a obedecer à Palavra de Deus,
sua vida e seu reinado teriam sido muito
A s sa s s in a t o s
diferentes. Observe alguns dos pecados de
2 Reis 1 4 - 1 5 Amazias.
Incredulidade (14:7; 2 C r 25:5-13).
(2 C r ô n ic a s 25 - 27 ) Amazias decidiu atacar Edom e reconquis­
tar territórios perdidos (2 Rs 8:20-22). Era uma
campanha legítima, mas ele a realizou de
// A história política é excessivamen- modo inteiramente errado. Depois de fazer
/ V te repleta de crimes e de patologias um censo, descobriu que tinha 300 mil ho­
para ser objeto de estudo para jovens", es­ mens e, em vez de confiar que o Senhor
creveu o poeta W. H. Auden. Edward Gibbon, usaria esses homens, contratou 100 mil mer­
autor de The Decline and Fali of the Roman cenários de Israel para aumentar suas for­
Empire, definiu a história como "pouco mais ças. Depositou sua fé nos números e não
que o registro dos crimes, loucuras e des­ no Senhor (SI 20:7) e, pior ainda, contratou
graças da humanidade".' soldados do reino apóstata de Israel, onde
A história registrada nestes cinco capítu­ o povo adorava a bezerros de ouro. Deus
los parece estar de acordo com as palavras enviou um profeta para repreender o rei e
de Auden e de Gibbon, pois é repleta de para adverti-lo de que Deus não estava com
intrigas egoístas, carnificinas, decadência o reino de Israel, de modo que os soldados
moral e constante rebelião contra a lei do contratados trariam derrota. "Porém vai só,
Senhor. O Israel da Antiguidade não era mui­ age e sê forte; do contrário, Deus te faria
to diferente da sociedade de hoje. Nenhum cair diante do inimigo, porque Deus tem
rei de Israel incentivou o povo a se arrepen­ força para ajudar e para fazer cair" (2 Cr
der e a buscar ao Senhor. Em Judá, tanto 25:8). O profeta foi um tanto sarcástico, mas
Amazias quanto Uzias cometerem atos de deixou sua mensagem bem clara.
ambição arrogante que trouxeram o julga­ Um dos temas que se repetem ao longo
mento de Deus sobre o seu reino. Quando da história de Israel é seu pecado ao formar
Jeroboão II tornou-se rei de Israel em 782 alianças com ímpios por não crerem no Se­
a.C., o povo nem sequer suspeitava que, nhor. Salomão tomou para si esposas pagãs,
sessenta anos depois, o reino já não existi­ usando esses casamentos para fazer trata­
ria mais. Das histórias de vida desses nove dos com nações vizinhas. Porém, suas es­
governantes, podemos fazer algumas obser­ posas o levaram à idolatria (1 Rs 11). O rei
vações práticas acerca da vontade e dos Acabe casou-se com Jezabel, uma princesa
caminhos de Deus, bem como das conse­ fenícia e adoradora de Baal (1 Rs 16:30-33),
qüências terríveis do pecado. trazendo, assim, o culto a Baal para dentro
do reino. O rei Josafá aliou-se a Acabe a fim
1. A m a z ia s , u m rei p r e s u n ç o s o de lutar contra os siros e quase foi morto.
(2 Rs 14:1-20; 2 Cr 25) Josafá também fez um acordo comercial com
Amazias foi o nono rei de Judá,2 filho de o rei Acazias, mas o Senhor rompeu essa
Joás, o "menino-rei" que, na idade adulta, parceria, destruindo a frota de Josafá. "Não
abandonou o Senhor, matou o profeta de vos ponhais em jugo desigual com os in­
Deus e foi assassinado (2 Cr 24:15-26). crédulos" (2 Co 6:14): trata-se de uma ad­
Amazias começou muito bem, mas, poste­ moestação à qual a Igreja de hoje deve dar
riormente, deixou o Senhor e também foi ouvidos. Não manifestamos o poder e a
assassinado (2 Rs 14:1 7-20).3 Providenciou graça de Deus nem realizamos sua vontade
544 2 REIS 1 4 - 1 5

imitando o mundo e nos unindo a ele, mas (Petra), uma cidade esculpida nas rochas (Ob
sim sendo diferentes dele. 1-4). Amazias ficou tão empolgado com essa
De acordo com 2 Crônicas 25:2, Ama- conquista que mudou o nome da cidade
zias não foi sincero em seu relacionamento para "jocteel", que quer dizer: "Deus des-
com o Senhor, o que se revelou pela manei­ trói" (2 Rs 14:7).
ra como ele argumentou com o profeta Idolatria (2 Cr 25:14-16). Nas palavras
sobre a vontade de Deus (25:9). O rei não do pastor escocês Andrew Bonar: "Perma­
estava disposto a enviar os mercenários de neçamos tão alertas depois da vitória quan­
volta, pois isso significaria abrir mão dos cem to antes da batalha", uma admoestação que
talentos de prata que havia pago ao rei de o rei Amazias precisava excessivamente ou­
Israel - um valor equivalente a quase quatro vir e seguir. O Senhor Jeová havia dado a
toneladas de prata. Amazias estava "consi­ seu servo uma vitória extraordinária sobre
derando os custos" e ajustando suas priori­ um inimigo forte num lugar difícil, mas ainda
dades na esperança de poder levar Deus a assim Amazias levou de volta para Judá os
mudar de idéia. O profeta respondeu com deuses do inimigo derrotado (2 Cr 25:14-16)!
sabedoria, dizendo que Deus poderia dar Por certo, o rei de Judá não pensou que, ao
ao rei muito mais, se Amazias confiasse no tomar esses ídolos, imobilizaria os edomitas
Senhor e fizesse sua vontade (Mt 6:33). e evitaria outras guerras no futuro! Todos os
Evitaríamos muitas dificuldades, se bus­ que faziam parte do povo de Deus apren­
cássemos a vontade de Deus antes de nos diam que o Senhor Jeová era o único e verda­
precipitarmos e de agirmos de modo deso­ deiro Deus vivo e que, portanto, os deuses
bediente. Mesmo depois que mudamos de das nações não eram coisa alguma (Dt 6:4,
idéia e decidimos obedecer ao Senhor, mui­ 5; SI 115). A idolatria era uma transgres­
tas vezes, ainda precisamos suportar conse­ são flagrante à lei de Moisés (Êx 20:1-6), e
qüências dolorosas. Os soldados voltaram a adoração a deuses do inimigo derrotado
para Israel irados com o tratamento que era simplesmente absurda. Afinal, o que
haviam recebido. Por que ficaram tão zanga­ esses deuses haviam feito pelos edomitas?
dos? Em primeiro lugar, perderam a oportuni­ Ainda assim, Amazias começou a adorar os
dade de lucrar com os espólios da batalha. deuses de Edom, a oferecer-lhes sacrifícios
Além disso, quem era o rei de Judá para di­ e a consultá-los.
zer que Deus prezava mais os soldados de Quando o Senhor enviou seu mensagei­
Judá do que o exército de Samaria? Para ro para alertar o rei, Amazias interrompeu o
esses mercenários valentes, foi uma vergo­ profeta e ameaçou matá-lo, se ele conti­
nha serem mandados de volta para casa de nuasse a falar. No entanto, havia uma última
mãos vazias sem ao menos terem lutado! palavra que o profeta devia transmitir: Deus
Como explicariam ao rei e a seus amigos destruiria o rei por causa de seu pecado. Na
que o exército havia sido considerado im­ verdade, Deus permitiria que o rei causasse
puro e que havia sido rejeitado? A solução a própria destruição! O maior julgamento que
que encontraram para expressar sua ira foi Deus pode enviar sobre seu povo é deixar
atacar algumas das cidades fronteiriças no que consiga exatamente aquilo que quer.
norte de Judá. Mataram três mil pessoas e to­ O rgulho (14:8-14; 2 C r 25:17-24).
maram os espólios como indenização (2 Cr Amazias derrotou os edomitas, pois obe­
25:13).5 deceu ao Senhor, mas, depois disso, os edo­
Pelo fato de o rei Amazias finalmente ter mitas derrotaram Amazias quando ele levou
obedecido ao Senhor, seu exército derrotou de volta para Judá os deuses de Edom. Enfa­
os edomitas. Mataram dez mil homens no tuado com seu grande sucesso, Amazias saiu
vale do Sal, onde Davi havia conquistado à procura de outras conquistas e decidiu
uma grande vitória (1 Cr 18:12). Em segui­ desafiar Jeoás, rei de Israel. Não apenas
da, executaram dez mil prisioneiros de guer­ ignorou a advertência do profeta que Deus
ra, lançando-os de um penhasco em Sela havia enviado, como também se esqueceu
2 REIS 1 4 - 1 5 545

das palavras de seu antepassado, Salomão: 2. J er o bo ã o , um rei p r ó s p e r o


"Antes da ruína, gaba-se o coração do ho­ (2 Rs 14:23-29)
mem, e diante da honra vai a humildade" O relato deixa Judá e se volta para Israel e
(Pv 18:12). Até mesmo o rei Jeoás o adver­ Jeroboão II, que teve o reinado mais longo
tiu de que seu orgulho seria sua ruína (14:10), dentre os reis de Israel - quarenta e um anos.
mas Amazias estava determinado a derrotar Em se tratando de questões espirituais,
Israel e a tornar-se o governante de um rei­ Jeroboão II não foi um bom rei, mas trouxe
no unido. prosperidade à nação e a livrou de seus ini­
A resposta de Jeoás (14:9; 2 Cr 25:18) migos. Já naqueles tempos antigos, desde
faz lembrar a parábola contada por Jotão (Jz que o povo tivesse comida na mesa, dinheiro
9:7-20), sendo que ambas se referem ao or­ no bolso e não precisasse temer os inimi­
gulho e ao julgamento. O grande problema gos, os cidadãos, de modo geral, não se preo­
de Amazias era seu orgulho: ele se via como cupavam com o caráter de seus líderes.
um cedro forte, quando, na verdade, era Graças às vitórias da Assíria sobre a Síria,
apenas um cardo frágil, que poderia ser es­ tanto Israel quanto Judá viram-se finalmente
magado por um animal que passasse por livres da sujeição a essa inimiga persistente,
cima dele. A pessoa verdadeiramente hu­ e os dois reinos tiveram oportunidade de
milde vê as coisas com os olhos de Deus e usar sua riqueza e força de trabalho para
não vive de ilusões. O orgulho cega o enten­ construir em vez de lutar. Israel conseguiu
dimento, distorce a percepção e faz crescer expulsar os siros de postos avançados na
o ego de tal modo que a pessoa não é ca­ fronteira, e Jeroboão também recuperou ter­
paz de distinguir entre o real e o imaginário. ritórios que haviam sido perdidos para a Síria.
Rejeitando a segunda advertência do O reino de Israel chegou a ter as mesmas
Senhor, Amazias invadiu Israel, onde seu dimensões que havia alcançado nos tempos
exército foi totalmente derrotado. O rei foi de Salomão (vv. 25 e 28; 1 Rs 8:65). O Se­
capturado a cerca de 25 quilômetros de Je­ nhor permitiu essas vitórias não porque os
rusalém e foi do palácio à prisão. O exército israelitas ou seu rei merecessem, mas por­
de Israel invadiu Judá e destruiu 200 metros que teve misericórdia de seu povo, que so­
das muralhas de Jerusalém, deixando a cida­ fria sob o domínio da Síria (2 Rs 14:26; ver
de vulnerável a futuros ataques. Além disso, Êx 2:23-25).
levaram tesouros do palácio e do templo do A prosperidade de Israel era apenas su­
Senhor, chegando até a tomar alguns líde­ perficial e, na verdade, encobria pecados e
res de Judá como reféns. O rei Amazias pas­ crimes abomináveis aos olhos do Senhor.
sou quinze anos exilado em Samaria (14:1 7), Os profetas Amós (1:1) e Oséias (1:1) mi­
depois do que, por um breve período, foi nistraram durante o reinado de Jeroboão e
co-regente ao lado do filho (14:21; 2 Cr 26:1, advertiram que o julgamento estava a ca­
3). Porém, sua idolatria perturbou alguns dos minho. De fato, o julgamento sobreveio em
líderes de Judá, que se puseram a conspirar 722 a.C, quando os assírios invadiram Is­
para assassiná-lo. Amazias fugiu para Laquis, rael, deportaram muitos dos israelitas e
onde foi capturado e morto (14:18-20; 2 Cr trouxeram gentios de outras nações con­
25:27). quistadas a se misturarem com o povo de
Amazias é uma figura trágica da história Israel. Essa política acabou gerando uma
de Judá. Teve oportunidades extraordinárias raça mestiça, parte israelita e parte gentia,
e foi grandemente ajudado pelo Senhor, mas bem como uma religião sincrética, com tem­
foi um homem de mente dobre, que não plo e sacerdócio próprios, no monte Geri-
serviu ao Senhor de todo o coração. Bus­ zim (Jo 4:20-22). Depois do cativeiro na
cou os próprios interesses e deixou de lado Babilônia, os judeus ortodoxos que volta­
a vontade de Deus. "A soberba precede a ram para Judá recusaram-se a ter qualquer
ruína, e a altivez do espírito, a queda" (Pv contato com os samaritanos (Ed 4:1-4; Ne
16:18). 2:19, 20; ver Jo 4:9).
546 2 REIS 1 4 - 1 5

Quais eram os pecados desse reino prós­ Deus. Depois da morte do pai, Uzias per­
pero? Um deles era que os ricos prospera­ maneceu no trono até que, num ato de im­
vam à custa dos pobres, os quais, por sua prudência, quis tornar-se sacerdote e foi
vez, eram explorados e abusados. Os abas­ julgado por Deus, que o feriu com lepra.
tados proprietários de terras mal cuidavam Naquela ocasião, seu filho, Jotão, tornou-se
de seus escravos, e os tribunais desobede­ co-regente ao lado do pai. De acordo com
ciam à lei e julgavam os casos em favor dos os registros, Uzias reinou sobre Judá durante
ricos, não usando de justiça com os pobres. cinqüenta e dois anos (2 Cr 26:3), incluindo
Em meio a essa corrupção, os líderes prati­ as co-regências com o pai, Amazias (quinze
cavam sua "religião", comparecendo aos anos), e também com o filho, Jotão (possivel­
cultos e levando seus sacrifícios (Am 2:1-8; mente, dez anos).
4:1-5). Enquanto os homens ricos e suas es­ Desde o início de seu reinado, Uzias
posas viviam em meio ao luxo, os pobres mostrou-se um adorador fiel de Jeová, ape­
eram oprimidos e privados de seus direitos sar de não ter tentado eliminar os "altos", os
civis (Am 6:1-7; Os 12:8). O povo "religio­ santuários nas colinas onde o povo de Judá
so" ansiava pela vinda do "Dia do S e n h o r " , adorava. O povo deveria ir ao templo para
pensando que esse grande acontecimento oferecer suas ofertas e sacrifícios ao Senhor,
traria ainda mais glória para Israel (Am 5:18­ mas era mais conveniente visitar um desses
27). O povo não se dava conta de que o santuários locais. Alguns dos altos ainda eram
"Dia do S e n h o r " , na verdade, significava o consagrados a divindades pagãs, como Baal
julgamento divino sobre a nação, pois o jul­ (2 Cr 27:2), e esses santuários só foram re­
gamento de Deus começa com o próprio movidos nos reinados de Ezequias e de
povo (1 Pe 4:1 7). Israel possuía uma disposi­ Josias (2 Cr 31:1; 2 Rs 23).
ção para a idolatria, o que levava à deca­ As realizações de Uzias (2 Rs 14:22;
dência moral e à corrupção mundana (Os 2 Cr 26:2, 6-15). Uzias foi extremamente
6:4; 7:8; 9:9; 11:7; 13:2).6Jeroboão II reinou bem-sucedido em suas campanhas militares.
de 793 a 753, e, em 722 a.C., os assírios in­ Reouve de Edom a cidade de Eiate, apesar
vadiram Israel e acabaram com a nação. de, posteriormente, ela ter sido perdida para
Oliver Coldsmith, poeta e dramaturgo in­ a Síria e para Israel (2 Rs 16:5, 6; 2 Cr 28:1 7).
glês, expressou-se com perfeição em seu A posse de Elate permitiu que Judá tivesse
poema The Deserted Village [Vilarejo Deserto]: acesso ao mar, o que contribuiu para o co­
mércio com outras nações. Uzias tinha como
A terra agoniza e, depressa, os males conselheiro o profeta Zacarias e procurou
irrompem, agradar ao Senhor. "Nos dias em que bus­
Onde a riqueza se acumula e os homens cou ao S e n h o r , Deus o fez prosperar (2 Cr
se corrompem... 26:5).
Deus fortaleceu seus exércitos e os aju­
3. U z ia s (A z a r i a s ), u m r e i il u s t r e dou a subjugar os filisteus, os árabes e os
(2 Rs 15:1-7; 2 Cr 26) amonitas. Depois de derrotar os filisteus,
Seu nome era Azarias, que significa "Jeová Uzias mandou destruir os muros de suas
tem ajudado", mas quando se tornou rei de principais cidades, e essa vitória lhe deu aces­
Judá aos 16 anos de idade, tomou para si o so ao mar. A fim de manter o controle sobre
"nome real" de Uzias, que quer dizer "Jeová territórios recém-adquiridos, Uzias construiu
é força". O povo o fez rei quando seu pai, cidades na Filístia, onde foram assentados
Amazias, foi levado para Samaria depois de soldados e oficiais de Judá. Construiu torres
sua guerra insensata contra Jeoás, rei de Is­ nas muralhas de Jerusalém e reparou os es­
rael (2 Rs 14:13). tragos causados pelo exército de Israel (2 Rs
Durante os quinze anos em que seu pai 14:13). Tinha um exército bem treinado, ao
ficou no cativeiro em Samaria, Uzias gover­ qual forneceu as armas e armaduras neces­
nou Judá e procurou fazer a vontade de sárias,7 incentivando, ainda, a construção de
2 REIS 1 4 - 1 5 547

"máquinas de guerra" que atiravam flechas dito como Davi: "Quem sou eu, S e n h o r Deus,
e lançavam pedras (2 Cr 26:11-15). e qual é a minha casa, para que me tenhas
Porém, Uzias não era apenas um soldado trazido até aqui?" (2 Sm 7:1 8). Em vez disso,
competente e construtor atento, mas tam­ convenceu-se de que, além de ser rei, mere­
bém agricultor. Procurou desenvolver a terra cia ser também sacerdote. Sabia que o sumo
construindo cisternas e colocando pessoas sacerdote queimava o incenso sagrado no
para trabalhar com diversos tipos de reba­ altar de ouro todas as manhãs e tardes (Êx
nhos bem como em campos e vinhas. Levan­ 30:7, 8), de modo que conseguiu um incen­
tou torres nos campos, de onde os guardas sório para si e foi até á parte do templo onde
poderiam vigiar e detectar a presença de era permitida somente a entrada de sacer­
invasores, protegendo o povo. Nas palavras dotes (Nm 16:40; 18:7).
de Thomas Jefferson, em sua obra Notes on O sumo sacerdote Azarias, com outros
the State of Virginia [Observações sobre o oitenta sacerdotes, colocaram-se no cami­
Estado de Virgínia]: "Aqueles que trabalham nho do rei e se recusaram a deixá-lo passar.
com a terra são o povo escolhido de Deus". Foi preciso um bocado de coragem para se
Apesar de ser soldado, construtor e monar­ opor a um rei tão querido por todos, mas a
ca, Uzias era um homem do campo. Teria lealdade deles era, em primeiro lugar, de­
concordado com BookerT. Washington, que dicada ao Senhor. Poderiam ter cedido e,
disse: "Há tanta dignidade em lavrar um cam­ talvez, conseguido algum favor do rei, mas
po quanto em escrever um poema". o único desejo desses sacerdotes era obe­
A arrogância de Uzias (15:5; 2 Cr 26:16­ decer e glorificar ao Senhor. O rei irou-se,
21). Infelizmente, Uzias seguiu o exemplo negando-se a recuar, enfurecendo-se com
do pai e permitiu que suas realizações lhe os sacerdotes por sua interferência. O ter­
subissem à cabeça. Amazias desejou ser co­ mo hebraico traduzido por "indignar-se", em
nhecido como um grande general, mas Uzias 2 Crônicas 26:19, é associado à idéia da fú­
quis servir nas funções de rei e sacerdote. ria de uma tempestade.
No sistema do Antigo Testamento, o Senhor Se o rei tivesse deixado o templo ime­
fazia separação entre reis e sacerdotes, e diatamente e se arrependido de seus peca­
enquanto um sacerdote poderia tornar-se dos, o Senhor o teria perdoado, mas Uzias
profeta (Ezequiel, Zacarias, João Batista), não se demoveu e insistiu que seu desejo
nenhum profeta ou rei poderia tornar-se fosse atendido. Então, o Senhor interveio e
sacerdote. É somente em Jesus Cristo que colocou a lepra na testa do rei, onde os sa­
encontramos as funções de profeta, sacer­ cerdotes puderam vê-la claramente. Sabiam
dote e rei combinadas num único indivíduo, que o lugar dos leprosos era fora do acam­
e seu sacerdócio é "segundo a ordem de pamento, não dentro do templo (Lv 13:45,
Melquisedeque" (SI 110:4; Gn 14:18-20; Hb 46); sem demora, forçaram o rei a se retirar
5 - 7). Cobiçar o sacerdócio foi uma insen­ da área sagrada do templo. O rei Uzias não
satez, pois Uzias conhecia a lei de Moisés; tinha como ver a lepra em sua testa, de modo
tentar tomá-lo à força foi arrogância, pois o que, possivelmente, ela começou a aparecer
rei sabia o que havia acontecido com ou­ em outras partes de seu corpo, levando-o a
tros que haviam tentado apropriar-se daqui­ perceber que, sem dúvida alguma, estava
lo que não lhes era de direito (ver Lv 10; contaminado. A lei exigia que invasores do
Nm 12, 16). "Mas, havendo-se já fortificado, templo sagrado fossem executados (Nm
exaltou-se o seu coração para a sua própria 18:7), mas, em sua graça, Deus poupou a
ruína, e cometeu transgressões contra o Se­ vida do rei e o feriu com a lepra, uma "morte
n h o r , seu Deus" (2 Cr 26:16). Sem dúvida, em vida".
Uzias foi um rei ilustre, cuja fama alcançou Como leproso, o rei não poderia apare­
até lugares distantes (26:15), mas o que o cer em público nem sequer viver no palá­
Senhor fez por ele deveria tê-lo tornado mais cio. Foi colocado de quarentena numa casa
humilde e não orgulhoso. Uzias deveria ter isolada, enquanto seu filho, Jotão, governava
548 2 REIS 1 4 - 1 5

o reino como co-regente. Quando Uzias fa­ gerações (2 Rs 10:30), promessa que se
leceu, foi sepultado no cemitério real, mas, cumpriu. Zacarias não se tornou rei por cau­
ao que parece, não no túmulo dos reis. Teve sa de sua santidade, capacidade ou populari­
um excelente começo, mas um fim trágico, dade, mas porque havia, providencialmente,
o que serve de advertência para nos man­ nascido na família real. Há somente dois fa­
termos vigilantes e orarmos pedindo ao Se­ tos relevantes registrados a seu respeito: ele
nhor que nos ajude a terminar bem. Um bom fez o que era mau perante o Senhor e foi
começo não é garantia alguma de um final assassinado publicamente por Salum, que,
feliz, e a ambição pecaminosa já foi a ruína depois, tomou o trono. Zacarias reinou so­
de muitos servos do Senhor. Uzias, o solda­ mente seis meses, e sua morte encerrou a
do, foi derrotado pelo próprio orgulho; Uzias, dinastia de Jeú.
o construtor, destruiu o próprio ministério e Salum (vv. 13-15). Sabemos pouco so­
seu testemunho; e Uzias, o lavrador, ceifou bre esse homem. Organizou uma conspira­
a colheita dolorosa daquilo que havia semea­ ção para assassinar Zacarias; reinou sobre
do. Serve de aviso a todos os que alimen­ Israel por apenas um mês e foi vítima de
tam ambições pecaminosas de interferir uma conspiração que o levou à própria mor­
naquilo que Deus não os incumbiu de fazer te. "Quem abre uma cova, nela cairá; e a
(ver SI 131). pedra rolará sobre quem a revolve" (Pv
26:27). Salum foi morto por Menaém, um
4. C in c o r e is f a m o s o s de seus oficiais e comandante, em Tirza, a
(2 Rs 15:8-31) primeira capital de Samaria (1 Rs 14:17;
De Jeroboão I, o primeiro rei de Israel, até 15:21, 33). Se Salum tinha descendentes, é
Oséias, o último rei de Israel, nem um só rei provável que estes se recusaram a revelar
é chamado de "bom". No entanto, as coi­ sua identidade. Afinal, que motivo havia para
sas não foram muitos melhores no reino de se orgulhar de Salum?
Judá, pois dos vinte reis que governaram Menaém (vv. 16-22). Uma vez que era
depois da divisão do reino, somente oito um homem temido pelo povo e que contro­
deles poderiam ser chamados de "bons".8 lava o exército, Menaém conseguiu reinar
Nesta seção de 2 Reis, encontramos cinco durante dez anos e morreu de causas natu­
reis de Israel, famosos por seu caráter ímpio rais. Quando o povo de Tifsa (localidade que
e por seus atos de perversidade. Quatro não temos como identificar) não aceitou seu
deles foram assassinados! Salum reinou ape­ governo, Menaém invadiu a cidade e ma­
nas um mês, Zacarias, seis meses e Pecaías, tou seus inimigos. Foi um homem cruel que
dois anos. Menaém, o mais cruel de todos, seguiu o costume siro de rasgar o ventre de
reinou dez anos, e Peca, vinte anos. A medi­ mulheres grávidas (v. 16; ver 8:12), algo que
da que o reino do Norte cambaleava rumo o profeta Oséias advertiu que aconteceria
à destruição, seus governantes apressaram (Os 13:16). Quando os assírios invadiram a
a vinda do julgamento de Deus. Com fre­ terra, Menaém cobrou dos cidadãos ricos um
qüência, o Senhor dá a uma nação exata­ imposto de mais de meio quilo de prata e
mente os líderes que ela merece. deu a Pul (Tiglate-Pileser) trinta e sete tonela­
Zacarias (v.v. 8-12). Há vinte e nove ho­ das de prata como tributo. Os assírios foram
mens nas Escrituras chamados Zacarias; este embora, mas voltaram vinte anos depois e
é o filho de Jeroboão II, o último grande rei tomaram toda a terra. O rei Davi teria confia­
do reino do Norte, Israel. Zacarias não tinha do em Deus, lutado contra os assírios e os
a aptidão política de seu pai e escolheu imi­ derrotado. Menaém, no entanto, adotou uma
tar os pecados do primeiro rei de Israel, política de transigência e de conciliação.
Jeroboão I. Zacarias era tataraneto de Jeú e, Pecaías (vv. 23-26). O filho de Menaém
portanto, o último daquela dinastia. Deus herdou o trono, mas reinou apenas dois
prometeu a Jeú que seus descendentes anos. Seu pai havia sido comandante e as­
ocupariam o trono de Israel durante quatro sassino do rei Salum, e Pecaías foi morto em
2 REIS 1 4 - 1 5 549

seu palácio por Peca, outro comandante precisou deportar a nação para a Babilônia
que assumiu o trono. O fato de Peca ter re­ e castigar o povo por seus pecados.
cebido a ajuda de cinqüenta homens de Assim como seu pai, Uzias, Jotão foi tan­
Gileade indica que era encarregado das for­ to um construtor quanto um guerreiro. Re­
ças militares a leste do rio Jordão.9 E bem parou as muralhas de Jerusalém e a porta
provável que Pecaías e Peca não concordas­ de cima do templo. Também construiu cida­
sem quanto à melhor política a ser adotada des nas montanhas de judá e fortificações e
com relação à Assíria. Assim como o pai, torres em seus bosques. Seu exército en­
Menaém, Pecaías procurou apaziguar os frentou os exércitos de Israel e da Síria e
assírios e lhes dar o que desejavam, enquan­ conquistou uma grande vitória sobre os amo-
to Peca, um militar, adotou uma linha dura nitas, colocando-os sob pesado tributo anual
contra a Assíria, favorecendo a Síria. - quase quatro toneladas de prata e quase
Peca (vv. 27-31). Graças à proteção de duzentos mil litros de trigo e a mesma quan­
seu exército, Peca foi capaz de reinar du­ tia de cevada (2 Cr 27:5). "Assim, Jotão se
rante vinte anos. Quando um militar assu­ foi tornando mais poderoso, porque dirigia
me o controle, é difícil livrar-se dele. Apesar os seus caminhos segundo a vontade do
de Menaém haver apaziguado os assírios, S e n h o r , seu Deus" (2 Cr 27:6). Ficamos ima­

eles voltaram a invadir Israel e, ao longo de ginando quantas coisas boas poderia ter
quatro campanhas (738 a.C., 734 a.C., 733 realizado se tivesse vivido mais tempo. Na
a.C. e 732 a.C.), tomaram não apenas várias história do povo de Israel, é comum encon­
cidades importantes, mas também grandes trarmos um pai piedoso com um filho per­
extensões de território, desde Hamate e verso e um pai impiedoso com um filho
Naftali, ao norte, até Gileade e a Galiléia, ao temente a Deus. Josafá, um bom rei, gerou
sul. Os assírios também tomaram terras da o perverso rei Jeorão, mas o piedoso rei Joás
Filístia até Gaza e chegaram a capturar Da­ deu à nação um filho (Amazias), um neto
masco, na Síria. Muitos israelitas e filisteus (Uzias) e um bisneto (Jotão) tementes a
foram deportados para a Assíria. Peca foi Deus. Porém Acaz, filho de Jotão, não foi
morto por Oséias, filho de Elá, cuja política nem um homem piedoso nem um bom rei
era partidária dos assírios. Veremos mais e, no entanto, gerou Ezequias, um grande
sobre Oséias em 2 Reis 17. Ele reinou du­ rei que, por sua vez, foi pai de Manassés,
rante nove anos e, provavelmente, foi depor­ possivelmente o rei mais perverso de todos
tado para a Assíria, onde faleceu (17:1; - e cujo reinado durou cinqüenta e cinco
18 :10, 11).10 anos! Ezequiel, o profeta na Babilônia, tra­
tou desse fenômeno interessante no capítu­
5 . JO TÃO , UM REI VIRTUOSO lo 18 de seu livro profético.
(2 Rs 15:32-38; 2 C r 27) Deus é soberano nas dádivas que conce­
Jotão, filho de Uzias, começou a reinar quan­ de a indivíduos e a nações. O Senhor foi lon-
do estava com 27 anos de idade e reinou gânimo para com seu povo durante todos
durante dezesseis anos (2 Cr 27:1). Foi co- aqueles anos de dificuldade e de perversi­
regente com o pai depois que Uzias foi aco­ dade, sendo fiel no cumprimento de suas
metido de lepra por invadir o templo. Jotão promessas a Davi. Mas o tempo estava se es­
viria a ser considerado um bom rei, apesar gotando. Depois da morte de Acaz, somente
de seu filho, Acaz, ter sido um rei perverso. Ezequias e Josias honraram a Palavra de Deus
Na verdade, desde Jotão, décimo primeiro e procuraram obedecer à sua vontade. No
rei de Judá, até Zedequias, o vigésimo e úl­ entanto, apesar dos pecados e das fraquezas
timo rei de Judá, somente Jotão, Ezequias e de seu povo, o Senhor guardou um remanes­
Josias foram chamados de reis bons - três cente piedoso em sua nação, e seria desse
dentre dez. O Senhor manteve a lâmpada remanescente que um dia viria o Messias.
de Davi acesa em Jerusalém todos esses "O Senhor [...] faz estas coisas conheci­
anos, mas chegou um momento em que das desde séculos" (At 15:18).
550 2 R EIS 1 4 - 1 5

1. G ib b o n , Edward. The D ecline and Fali o fth e Roman Empire [Declínio e Queda do Império Romano], capítulo 3. Uma década

antes, Voltaire havia escrito: "Sem dúvida, a história não passa de um retrato de crimes e de desgraças".
2. Ao contar os governantes de Judá, incluímos a perversa rainha Atalia, que reinou durante seis anos depois da morte de

Acazias e foi a sétima governante de judá. Atalia foi executada quando o jovem rei joás assumiu o trono.

3. Dos nove reis cujos reinados são descritos nestes capítulos, cinco foram assassinados: Amazias (14:19-22), Zacarias (15:10),

Salum (15:14), Pecaías (15:25) e Peca (15:30).


4. A expressão "uma vez confirmado o reino em sua mão" (2 Rs 14:5) indica que, depois de sua ascensão, Amazias enfrentou

oposição e teve de superá-la aos poucos. O rei teve um a atitude louvável ao esperar pacientemente para receber a autoridade
de que precisava, a fim de julgar os homens que haviam assassinado seu pai.

5. O texto indica que, primeiro, os mercenários se reportaram a seu rei em Samaria e, depois, voltaram para a região fronteiriça

e atacaram as cidades. É bem provável que o rei tenha aprovado o plano deles, de outro modo não teriam voltado a judá para

lutar. Posteriormente, Amazias tentou vingar-se, mas sofreu uma derrota vergonhosa (2 Cr 25:17ss).

6. Observe que o profeta Jonas ministrou em Israel nessa época (14:5), e esse fato nos ajuda a compreender melhorsua recusa

em pregar para a cidade de Nínive. Durante o reinado de jeroboão, o reino de Israel mostrou-se orgulhoso, complacente e
extremamente nacionalista. Eram o povo escolhido de Deus e não queriam que nação alguma interferisse. Jonas preferia ver

os assírios serem destruídos pelo Senhor e, a princípio, se recusou a levar a mensagem de Deus a eles.

7. Naquele tempo, era comum os soldados providenciarem as próprias armas e armadura.


8. Foram eles: Asa, Josafá, Joás, Amazias, Uzias, Jotão, Ezequias e Josias. É evidente que, no alto dessa lista, encontra-se o rei

Davi.

9. No versículo 25, a expressão "com Argobe e com Arié" é problemática para os estudiosos. Algumas traduções sugerem que

eram dois dos oficiais de Pecaías mortos com o rei, enquanto, para outras versões, são dois homens que ajudaram Peca a

assassinar o rei. A primeira interpretação parece mais adequada. Pecaías tinha apenas dois guardas, enquanto Peca tinha

consigo oitenta homens.


10. Peca uniu-se a Rezim, rei da Síria, na tentativa de forçar Acaz, rei de Judá, a entrar numa coalizão com eles em oposição à

Assíria. Foi nesse contexto que nasceu a famosa promessa messiânica em Isaías 7:14.
proibida na lei de Moisés (Lv 18:21; Dt
9 18:10). Cada filho em Israel deveria ser
redimido por um sacrifício e, portanto, per­
tencia ao Senhor (Êx 13; Nm 18:14-16).
U ma H ist ó r ia d e D o is Como era possível sacrificar a um ídolo um
filho que pertencia a Deus? Porém, Acaz
R e in o s
mostrou-se transigente tanto em suas práticas
2 Reis 1 6 - 1 7 religiosas quanto em sua liderança política.
Transigência política (vv. 5-9; 2 Cr 28:5­
(2 C rô n ic a s 28 ) 21). Peca, rei de Israel, e Rezim, rei da Síria,
queriam que Acaz se juntasse a eles para
fazer frente à Assíria, mas Acaz recusou-se,
iz um provérbio inglês: "Pense bem em
D
pois era partidário dos assírios. Aliás, con­
quem você é, de onde veio, o que faz e fiou nos assírios em vez de crer no Senhor.
para onde está indo". Tanto Israel quanto Judá Como retaliação, a Síria e Israel planejaram
não teriam dificuldades com as duas primei­ tirar Acaz do trono e colocar em seu lugar
ras questões, uma vez que as duas nações um rei que pudessem manipular, mas o Se­
teriam dito: "Somos o povo escolhido de nhor protegeu o trono de Davi, apesar de
Deus, descendentes de nosso pai Abraão". Acaz não merecer tal proteção (a história
Quanto à terceira questão, os dois reis teriam completa encontra-se em Isaías 7 - 9).
de admitir: "Fazemos o mesmo que nossos De acordo com 2 Crônicas 28:5-8, foi o
antecessores perversos". O rei Acaz de Judá Senhor quem enviou esses dois reis contra
não seguiu o exemplo piedoso de Davi, seu Judá, para castigar Acaz por seus pecados.
antepassado; Oséias, o rei de israel, imitou Peca e Rezim fizeram um grande estrago em
os reis perversos que governaram antes dele. Judá, mas não conseguiram tomar Jerusalém.
Tinham liberdade de tomar as próprias deci­ Um dos filhos de Acaz foi morto com dois
sões, mas não de mudar as conseqüências oficiais de estado importantes. Os exércitos
dessas decisões, o que nos leva à quarta ques­ invasores mataram milhares de soldados e
tão: "Para onde está indo?" No caso dos dois levaram milhares de prisioneiros de guerra
governantes, a resposta de Deus foi clara: para Samaria. Tudo indicava que Israel iria
"Você e seu povo vão afundando rapidamen­ se apoderar de Judá!
te, cada vez mais próximos do julgamento e O Senhor levantou um profeta em Israel,2
da ruína". As palavras de Salomão estavam o qual advertiu o exército samaritano de que,
prestes a ser comprovadas nos dois reinos: ao fazer prisioneiros de Judá, Israel estava
"A justiça exalta as nações, mas o pecado é transgredindo a lei de Deus e atraindo para
o opróbrio dos povos" (Pv 14:34). si o julgamento divino. Afinal, o povo de Judá
e o povo de Samaria faziam parte de uma
1 . JU D Á , UM A NAÇÃO TRANSIGENTE família, a família de Abraão. O profeta Obede
(2 Rs 16:1-20; 2 C r 28:1-27) (que não é o mesmo homem que aparece
Acaz era filho de Jotão, um bom rei, e o pai em 2 Cr 15:8), ressaltou três pecados do exér­
de Ezequias, um grande rei, mas ele próprio cito de Israel. Em primeiro lugar, enfurece­
não era um homem temente a Deus nem ram-se contra o povo de Judá, capturando e
mesmo um homem bom. Em vez de buscar matando indiscriminadamente. Em segundo
a vontade de Deus e de lhe obedecer, Acaz lugar, planejaram escravizar os próprios ir­
imitou os reis perversos de Israel e, até mes­ mãos e irmãs, desobedecendo, assim, à lei
mo, os costumes pagãos da Assíria.1 Che­ de Deus (Lv 25:39ss). Ao fazer isso, mostra,
gou a adotar as terríveis práticas de adora­ ram que não tinham temor algum do Senhor
ção dos pagãos e sacrificou seu filho (2 Cr e, portanto, atraíram para si o julgamento
28:3 diz "filhos", plural) a um deus pagão, de Deus (2 Cr 28:9-11). Sem dúvida, Deus
Baal ou Moloque, prática explicitamente ^ estava irado com judá (28:9, 25), mas havia
552 2 REIS 1 6 - 1 7

o perigo de irar-se com Israel pela forma encontram-se gravados no coração de todas
como estavam tratando judá (28:11-13). as pessoas (Rm 2:12-16), de modo que os
Depois da mensagem de Obede, alguns dos gentios desobedientes são culpados diante
líderes de Israel tomaram a frente e concor­ do Senhor. Ao ler o Antigo Testamento, vê-
daram com o profeta, instando o exército a se Deus julgando Sodoma e Gomorra (Gn
não pecar contra o Senhor e contra seus 18 - 19), o Egito (Êx 1 - 14), as nações gen­
irmãos e irmãs. tias dentro de Canaã e a seu redor (Nm 31
Então, algo extraordinário ocorreu: o - 32) e até mesmo a Babilônia (Jr 50 - 51).
povo aceitou a mensagem de Deus, arre­ Porém, pelo fato de o povo de Israel conhe­
pendeu-se e mudou seu modo de tratar os cer o verdadeiro Deus vivo e de terem o
prisioneiros. Os israelitas não apenas deram testemunho de sua lei, eram ainda mais
roupas e comida a eles, prestando socorro responsáveis. Como é triste que o Israel após­
aos mais fracos e enfermos, como também tata e não a Judá esclarecida tenha de­
seus soldados devolveram os espólios que monstrado a preocupação de obedecer à
haviam tomado de judá. Transformaram-se, vontade de Deus. Judá tinha o templo, a lei
em nível nacional, em "bons samaritanos" e o sacerdócio, mas não tinha o Senhor. "Fe­
(Lc 10:25-37), fazendo-nos lembrar da bon­ liz a nação cujo Deus é o S e n h o r " (S l 33:12).
dade de Eliseu para com os soldados siros Transigência religiosa fvv. 10-18; 2 Cr
que foram capturá-lo (2 Rs 6:15-23). Quan­ 28:22-25). Não apenas Israel e a Síria ataca­
do os prisioneiros (com os espólios da ba­ ram Judá, como Deus também fez vir con­
talha) voltaram a Judá, testemunharam da tra Jerusalém os edomitas e os filisteus. Acaz
graça e da bondade do Senhor. Porém, não enviou uma mensagem para o rei da Assíria
há registro algum de que Acaz tenha lidera­ pedindo socorro. Sua mensagem foi típica
do a nação num grande culto de louvor. de um bajulador: referiu-se a si mesmo como
Esse acontecimento notável transmitiu "servo" e "filho" de Tiglate-Pileser, postura
ainda outra mensagem a Judá: chegaria a estranha para um descendente de Davi di­
hora em que os babilônios invadiriam a ter­ ante de um governante pagão. A fim de in­
ra e levariam milhares de cativos para a centivar ainda mais o rei assírio, Acaz tirou
Babilônia. Essa experiência com o reino de riquezas do templo, do palácio e dos prínci­
Israel foi uma espécie de "ensaio geral" para pes e enviou lhe um presente. Na verdade,
o povo de Judá, mas não receberiam dos Acaz transformou Judá numa nação vassala
babilônios o mesmo tratamento que rece­ sob o controle e a proteção da Assíria. Acaz
beram dos israelitas. A maioria dos cativos não tinha fé no Senhor e depositou sua con­
de Judá morreria na Babilônia, e, depois de fiança no exército assírio, o que lhe custou
setenta anos, um frágil remanescente volta­ muito caro. De fato, a Assíria derrotou a Síria,
ria para reconstruir o templo e tentar resta­ mas Tiglate-Pileser convocou seu "servo" e
belecer sua nação. "filho" para ir a Damasco dar um relatório e
O Senhor ainda disciplina as nações receber ordens. Os tempos em que os reis
hoje em dia como fazia na Antiguidade? É de Judá e seus exércitos inspiravam medo
evidente que o povo de Judá pertencia à às nações eram coisa do passado!
nação da aliança - mesmo que esta se en­ O rei Uzias havia tentado interferir no
contrasse dividida em dois reinos - e tinha serviço sacerdotal no templo, e o Senhor o
a responsabilidade de ser fiel à aliança com havia ferido com lepra; porém Urias, o sumo
o Senhor. Mas e quanto às nações gentias sacerdote, fazia tudo o que o rei lhe ordena­
que não têm qualquer relação pactuai com va, mesmo que isso significasse desobede­
Deus? O profeta Amós deixa claro que Deus cer à lei de Moisés. Não sabemos ao certo
conhece os pecados das nações gentias e se a réplica do altar pagão foi idéia exclusi­
que elas devem lhe prestar contas (Am 1 - 2). vamente de Acaz ou se foi uma ordem do
Deus nunca entregou sua lei aos gentios rei da Assíria. Talvez, Tiglate-Pileser quisesse
(Sl 147:19, 20), mas os requisitos dessa lei esse altar no templo de Judá para lembrar o
2 REIS 1 6 - 1 7 553

rei e o povo de que se encontravam, agora, enviou fogo do céu para consumir os sacri­
sob a autoridade da Assíria. Acaz não era fícios sobre o altar pagão (Lv 9:24), pois ele
um adorador fervoroso de Jeová, de modo havia rejeitado aquelas ofertas. As novida­
que é bem provável que esse altar tenha sim­ des religiosas nas igrejas de hoje podem
plesmente sido copiado para satisfazer seu empolgar e entreter as pessoas, mas não
orgulho. Ele teria um altar real como o que edificam a igreja nem exaltam ao Senhor. O
havia em Damasco! Em decorrência disso, santuário torna-se um teatro, a adoração tor­
o altar planejado por Deus, o altar do Se­ na-se diversão, o ministério transforma-se
nhor, foi posto de lado. numa apresentação e a congregação não
Tudo isso é um retrato do que acontece passa de uma platéia. A medida de tudo isso
com freqüência nos ministérios cristãos hoje não é a glória de Deus, mas os aplausos do
em dia: alguém vê algo no mundo que pa­ povo.
rece "encaixar-se" com a obra do Senhor, e Essa substituição do altar de Deus por um
a igreja começa a imitar o mundo. Moisés altar pagão foi apenas o começo. O rei Acaz
havia recebido ordens de construir o taber­ também "reformou" a pia e os dez suportes
náculo de acordo com o que Deus ihe mos­ móveis que seguravam as dez bacias para a
trou no monte (Êx 25:40; 26:30; Hb 8:5), e, preparação dos sacrifícios (1 Cr 28:17; 1 Rs
da mesma forma, o templo foi construído 7:23-40). Ao que parece, precisava de metais
de acordo com os projetos que Deus deu a preciosos para si, de modo que os tomou do
Davi (1 Cr 28:11, 12, 19). O povo de Israel Senhor. Mas, para agradar o rei da Assíria,
não nomeou uma comissão de construção Acaz teve de tirar a própria entrada real do
nem votou num projeto arquitetônico. Hoje, templo bem como o dossel real (ou passa­
porém, a igreja está ficando tão parecida diço coberto) que ele havia colocado no
com o mundo que se torna cada vez mais templo. Quem estava no comando era Tigla-
difícil distinguir um do outro. Nas palavras te-Pileser e não mais o rei Acaz.
de A. W. Tozer: No entanto, o rei jamais poderia ter fei­
to todas essas mudanças sem a colabora­
Exceto por alguns pecados mais graves, ção de Urias, o sumo sacerdote (16:10, 11,
os pecados do mundo não regenerado 15, 16). Quando o rei Uzias tentou se rebe­
recebem a aprovação de um número as­ lar contra a Palavra do Senhor e entrar no
sustador de pessoas que se dizem "cris­ templo, o sumo sacerdote Azarias, junta­
tãs" e que copiam essas transgressões mente com oitenta sacerdotes, conseguiu
com grande avidez. Os jovens cristãos impedi-lo (2 Cr 26:16ss), mas Urias e seus
seguem o exemplo da gente mais sórdi­ sacerdotes foram transigentes, desobedece­
da do mundo e tentam imitá-los ao má­ ram à lei de Moisés e cederam ao rei. Uma
ximo. Os líderes religiosos adotaram as vez que a condescendência começa, torna­
mesmas técnicas da publicidade: a osten­ se cada vez maior e, para que o mal saia
tação, a sedução e o exagero desaver­ vitorioso, basta haver pessoas fracas como
gonhado são um procedimento normal Urias que permitam aos líderes fazer o que
no trabalho da igreja. O ambiente moral bem entendem. Acaz não apenas substituiu
não é semelhante àquele do Novo Tes­ o altar e removeu o metal dos utensílios,
tamento, mas sim ao de Hollywood e como também acabou levando todos os
da Broadway.3 utensílios para si, fechando as portas do tem­
plo e colocando altares nas ruas de Jerusa­
Acaz pensava que o Senhor se agradaria dos lém (2 Cr 28:24, 25). "Não sabeis que um
sacrifícios oferecidos nesse maravilhoso altar pouco de fermento leveda a massa toda?"
novo, mas estava errado. O Senhor não quer (1 Co 5:6; ver Gl 5:9). Uma vez que permi­
sacrifícios, mas sim obediência (1 Sm 15:22, timos que as coisas do mundo entrem na
23), e Acaz estava adorando os deuses das igreja, elas crescem em silêncio, contaminam
nações gentias (2 Cr 28:23). O Senhor não a comunhão e acabam tomando conta de
554 2 REI S 1 6 - 1 7

tudo. Somente no reinado de seu filho, (Gn 12:1 Oss), vários líderes de Israel bus­
Ezequias, o templo profanado por Acaz foi caram, em vão, a ajuda dos egípcios (ver
reaberto e santificado para o ministério Gn 26:2; Nm 14:1-4; Dt 17:16; Is 30:1, 2;
(2 Cr 29:1-29). 31:1). O mesmo acontece hoje com cristãos
Quando Acaz faleceu, foi sepultado em que se voltam para o mundo em busca de
Jerusalém, mas não nos túmulos dos reis ajuda em vez de esperar e de confiar no
(2 Rs 16:19, 20; 2 Cr 28:26, 27). Nisso, foi Senhor. Quando Salmaneser descobriu essa
semelhante a Jeorão (2 Cr 21:20), Joás (2 Cr trama, prendeu Oséias e deixou o trono de
24:25) e Uzias (2 Cr 26:23) e seria seguido, Israel vazio.5
ainda, por Manassés (2 Cr 33:20). A incre­ Em 725 a.C., Salmaneser começou o cerco
dulidade e infidelidade de Acaz fizeram um a Samaria, mas então faleceu (ou foi morto)
grande estrago no reino de Judá, sendo que e foi substituído por seu principal general,
parte desses danos foi reparada por seu fi­ Sargom II. O cerco durou três anos, e, em 722
lho Ezequias. a.C., a cidade se rendeu. A Assíria já havia
tomado as tribos a leste do rio Jordão (1 Cr
2. I s r a e l , u m a n a ç ã o c a t iv a 5:24-26), de modo que passaram a ter con­
(2 Rs 17:1-41; 18:9-12) trole sobre toda a terra, com exceção de Judá
Oséias foi o úitimo governante do reino do que, posteriormente, cairia para a Babilônia.
Norte, Israel, pois durante seu reinado (722 Israel perdeu a terra (17:6; 18:9-12).
a.C.), os assírios invadiram a terra, deporta­ Como vimos anteriormente, a Assíria prati­
ram muitos dos cidadãos e repovoaram Is­ cava uma política de relocar os povos con­
rael com povos gentios de terras que a Assíria quistados e de substituí-los por prisioneiros
havia conquistado. O reino de Israel passou de outras nações.6 A aliança de Deus com
a ser chamado de Samaria, nome de sua seu povo declarava expressamente que a
capital, e se tornou uma nação cujos ci­ desobediência do povo traria derrota na
dadãos eram uma mistura de vários grupos guerra (Dt 28:25, 49, 50, 52), opressão e
étnicos, não apenas israelitas. escravidão (Dt 28:29, 33, 48, 68) e cativeiro
Deus havia concedido inúmeras bênçãos (Dt 28:36, 43, 63-68), e tudo isso ocorreu
a seu povo, bênçãos estas que cairiam nas tanto com Israel quanto com Judá. A terra
mãos da Assíria e da Babilônia. Os israelitas pertencia ao Senhor (Lv 25:2, 23, 38), e o
possuíam um Senhor vivo, mas o substituí­ povo era "inquilino" do Senhor. Não era
ram por ídolos mortos. Sua terra tão rica foi apenas a terra que pertencia ao Senhor, mas
confiscada pelas nações inimigas, e Jerusa­ também o povo (Lv 25:55). Teriam a posse
lém e o templo acabaram destruídos (586 da terra e poderiam desfrutar suas bênçãos
a.C.). Em sua misericórdia, Deus preservou enquanto respeitassem as estipulações da
um remanescente fiel, para que uma luz aliança, mas a desobediência contumaz tra­
pudesse continuar a brilhar e ele cumprisse ria a disciplina dentro da terra e, por fim,
as promessas que havia feito a seu povo. fora da terra. Foi exatamente o que ocorreu.
Israel perdeu seu líder (17:1-5). Oséias Em função dos pecados do povo durante o
havia assassinado Peca e usurpado o trono período dos juizes, sete nações diferentes
de Israel (2 Rs 15;29-31). Tiglate-Pileser havia invadiram Israel, tomaram as colheitas e es­
morrido, e o novo rei da Assíria era Salma- cravizaram o povo na própria terra. Depois
neser V, a quem Oséias prestou homena­ da divisão do reino, Israel foi levado cativo
gem e pagou tributo. Porém, em segredo, para a Assíria e Judá, para a Babilônia. Deus
Oséias fez um tratado com o Egito, pedindo cumpriu as estipulações de sua aliança.
a ajuda dos egípcios para lutar por Israel e Israel desobedeceu à sua lei (17:7-17).
quebrar o jugo assírio.4 Desde que Abraão Estes versículos parecem um pleito judicial
fugiu para o Egito a fim de escapar de uma contra o reino do Norte, Israel. A lei era uma
escassez de alimentos, o que trouxe apenas dádiva de Deus, um acordo que garantia sua
problemas para si mesmo e para sua esposa provisão e proteção se o povo fizesse sua
2 REIS 1 6 - 1 7 555

vontade. Porém, os israelitas se esqueceram Moisés" (vv. 25, 28, 32, 34). O sincretismo
de que Deus os havia tirado do Egito e liber­ religioso entre vários povos resultou no que
tado da escravidão. Ignoraram a lei de Moisés, chamamos hoje de "pluralismo". A princípio,
segundo a qual não deveriam adorar falsos o povo de Israel abandonou inteiramente ao
deuses, mas sim destruir os ídolos, templos e Senhor, e Deus os disciplinou por sua infi­
santuários pagãos (Dt 7, 13). Israel começou delidade (v. 25). Depois, adoraram Jeová
a adorar ídolos em segredo (v. 9), mas essa além dos deuses de outras nações. Deus não
idolatria acabou se tornando pública, e Jeová aceita dividir sua adoração com falsos deu­
passou a ser reconhecido como um dentre ses, e, portanto, não é de se admirar que se
vários deuses. O Senhor enviou profetas que enchesse de indignação. Todo o povo da
admoestaram e advertiram o povo, mas os terra deveria ter se arrependido, deixado os
israelitas não lhes deram ouvidos. falsos deuses e se voltado para o Senhor;
Assim como seus antepassados haviam em vez disso, porém, o povo de Deus acei­
feito tantas vezes, o povo de Israel endure­ tou os deuses falsos de outras nações.
ceu a cerviz e o coração e se recusou a obe­ O rei da Assíria acreditava que cada Deus
decer ao Senhor (Dt 9:6, 13; 10:12-22; Ne estava associado à terra de onde o povo era
9:16, 17, 29; SI 106). Uma vez que nos tor­ proveniente e, portanto, os novos habitan­
namos semelhantes ao Deus que adoramos tes não sabiam adorar ao Senhor de Israel.
(SI 115:8), os israelitas tornaram-se "vãos" (va­ Seria impossível aprender com os israelitas
zios, insignificantes), pois adoravam ídolos que haviam ficado na terra, pois eles vinham
vãos (v. 15). Chegaram a se voltar para ídolos adorando os bezerros de ouro desde o tem­
e a fazer um bezerro de ouro enquanto po do rei Jeroboão. O rei da Assíria orde­
Moisés conversava com Deus no monte Sinai nou que um dos sacerdotes israelitas fosse
(Êx 32). Depois da divisão do reino, o rei enviado para Israel, a fim de ensinar o povo
Jeroboão fez dois bezerros de ouro para o a adorar "o deus da terra". Esse sacerdote,
povo adorar (1 Rs 12:25ss). Como acontece no entanto, foi para Betei, local onde ficava
com freqüência, são as crianças que mais um dos santuários consagrados ao bezerro
sofrem com os pecados dos pais, pois o povo de ouro! O texto não diz o que ele sabia a
começou a oferecer seus filhos e filhas nos respeito da fé verdadeira no Deus de Israel
altares de fogo dos deuses pagãos. nem o que ele ensinou, mas a situação não
Israel irou seu Senhor (17:18-33). A ira parecia muito animadora.
do Senhor é santa; não deve ser comparada Hoje em dia, muitas pessoas elogiam a
com o ataque de raiva de uma criança. O "reunião mundial de religiões", mas para o
Senhor foi longânimo para com seu povo e Senhor, ela é abominação. Numa democra­
deu várias oportunidades para que voltassem cia, aprendemos a aceitar o pluralismo, mas
para ele, mas os israelitas se recusaram. A ira isso não significa que aprovamos ou cremos
de Deus é motivada pelo amor, o que, por­ que todas as religiões sejam iguais. Nos Es­
tanto, é angústia - a angústia de um pai que tados Unidos, todas as religiões são iguais
quer o melhor para seus filhos, os quais, por perante a lei e podem ser praticadas li­
sua vez, preferem fazer tudo à maneira de­ vremente, mas os cristãos ainda crêem que
les. Esses versículos nos dizem que a divisão "debaixo do céu não existe nenhum outro
do povo de Deus em dois reinos, Israel e Judá, nome, dado entre os homens, pelo qual im­
foi um ato de Deus ao tomar as providências porta que sejamos salvos" (At 4:12). Jesus
necessárias para proteger a dinastia de Davi rejeitou a religião samaritana, pois "a salva­
da idolatria de Israel. Porém, a religião falsa ção vem dos judeus" (Jo 4:19-24). O povo
de Jeroboão contaminou Judá, e foi somente de Israel que foi deixado na terra nomeou
pela graça de Deus que um remanescente os próprios sacerdotes e se esqueceu dos
fiel permaneceu firme no S e n h o r . padrões estabelecidos por Deus através de
A expressão "temer ao S e n h o r " significa Moisés (v. 32). O povo criou as próprias ceri­
"adorar ao Senhor de acordo com a lei de mônias religiosas e incorporou a esse sistema
556 2 REIS 1 6 - 1 7

recém-criado algumas crenças de seus no­ Norte, pessoas tementes a Deus e prove­
vos vizinhos. Havia algo de interessante para nientes das dez tribos mudaram-se para Judá
todos, e não importava em que a pessoa e permaneceram fiéis ao Senhor (1 Rs 12:16­
cria ou a quem adorava, desde que fosse 20; 2 Cr 11:5-16; 19:4-10). O rei Ezequias,
religiosa (vv. 29-33). Já ouviu isso antes? um homem piedoso, convidou os fiéis a irem
Israel não aprendeu a lição (17:34-41). a Judá adorar a Deus de acordo com as Es­
Diz-se, com freqüência, que a única coisa crituras, e muitos compareceram (2 Cr 30:1­
que aprendemos com a história é que não 14, 25-27). As reformas de Josias, por sua
aprendemos coisa alguma com ela. Apesar vez, tiverem impacto tremendo sobre o povo
de o Senhor ter advertido e, depois, discipli­ (2 Cr 34:1-7, 33; 35:17-19).
nado seu povo, os israelitas continuaram a Apesar de Jesus ter falado sobre "as ove­
adorar tanto ao Senhor como a outros deu­ lhas perdidas da casa de Israel" (Mt 10:5,
ses e a fazer as coisas a sua maneira. Ignora­ 6), o Novo Testamento não faz referência
ram sua história como povo de Deus liberto alguma a "tribos perdidas de Israel" (ver Mt
da escravidão do Egito. Esqueceram-se das 4:12-16 e Lc 2:36-38). Paulo falou de "nos­
leis e das alianças de Deus e, principalmen­ sas doze tribos" (At 26:7), e Tiago escre­
te, dos mandamentos de Deus com refe­ veu às "doze tribos que se encontram na
rência à idolatria (Êx 20:1-6). Assim como Dispersão" (Tg 1:1). Se tomarmos Apoca­
muitos que se dizem cristãos hoje, o povo lipse 7:1-8 ao pé da letra, no fim dos tempos,
de Israel adorava ao Senhor quando e onde o Senhor encontrará pessoas das tribos de
bem entendesse, mas também era devoto Israel.
dos falsos deuses de outras nações. A mensagem central deste capítulo trági­
O que aconteceu, por fim, a essas dez co é que a falsa adoração conduz a práticas
tribos desobedientes? Ouvimos falar das corruptas; as práticas corruptas redundam
"dez tribos perdidas de Israel", expressão em condenação e em julgamento de Deus.
que, em momento algum, é usada na Bíblia. Os líderes desobedientes e transigentes -
Muitos dos membros das dez tribos foram tanto reis quanto sacerdotes - deixaram de
assimilados pelos povos levados para a terra ensinar ao povo a Palavra de Deus, e, a cada
de Israel pelos assírios, dando origem, as­ nova geração, a nação afastava-se cada vez
sim, ao povo samaritano. Porém, não existe mais do Senhor. Chegou o dia em que a ira
qualquer evidência nas Escrituras de que as de Deus se manifestou contra seu povo,
dez tribos de Israel estejam "perdidas". Mui­ pondo fim à entidade política conhecida
to antes de os assírios tomarem o reino do como Israel, o reino do Norte.

1. Costuma-se definir que Acaz reinou de 732 a.C. a 716 a.C. - dezesseis anos mas alguns estudiosos acreditam que esse foi

o período em que governou como único rei. É provável que tenha sido vice-regente durante nove anos e co-regente com Jotão
mais quatro anos.

2. Trata-se de algo que acontece com freqüência em 2 Crônicas. Ver 11:2, 5; 15:1-8; 18:1 ss; 25:7-9, 15, 16 e 36:12. O ministério

profético inclui a sabedoria de Deus para compreender os acontecimentos da época e ser capaz de aplicar a Palavra a essas
situações. .

3. T o zer, A. W. Keys to the D eeper Life. Christian Pubiications, p. 22.

4. A história do Egito não tem registro algum de um "Faraó Sô", mas é possível que Sô seja uma referência à capital egípcia de

Sais, que, em hebraico, é chamada de "Sô". Oséias enviou mensageiros a Sô (Sais) para pedir ajuda ao Faraó.

5. Talvez, Oséias tenha se apresentado pessoalmente a Salmaneser, como Acaz havia feito a Tiglate-Pileser (16:10), e o rei da

Assíria não tenha permitido que ele voltasse a Samaria. O governo de Israel encontrava-se extremamente fragilizado, e os
oficiais sabiam que o fim estava próximo.

6. Em Colossenses 1:13, Paulo usa essa imagem militar: "nos transportou para o reino do Fiiho do seu amor". O termo "transportar"

vem de uma palavra grega que significa "deslocar uma população derrotada para outra terra". Na cruz, Jesus derrotou o

pecado, Satanás e a morte, e o Pai transferiu todos que crêem em seu Filho do reino das trevas para o reino de vida e luz.
feita por Moisés (Nm 21:5-9), o que não é
10 citado em Crônicas. A serpente era uma re­
líquia religiosa que havia se transformado
num ídolo. E provável que "Neustã" signifi­
A F o r m a ç ã o de u m que "um pedaço ou objeto de bronze".
Como é fácil para a natureza humana sentir
R ei - P arte 1 o desejo de cultuar relíquias sem poder al­
2 R eis 18:1 - 20:11 gum! Ezequias era um homem de fé, que
confiava no Deus vivo, seguia sua lei e não
(2 C r ô n ic a s 29:1 - 3 1 :2 1 ; queria que o povo adorasse uma imagem
32:24-26; I sa ía s 38) morta e inútil.
Purificou o templo (2 Cr 29:3-19). Eze­
nome Ezequias significa "o Senhor for­ quias não perdeu tempo em sua missão de
O talece", e, ao longo de seu reinado
de vinte e nove anos (715-687 a.C.), o rei
conduzir Judá de volta à adoração ao verda­
deiro Deus vivo. Seu pai, Acaz, havia profa­
Ezequias precisou da força de Deus para nado o templo e, por fim, fechado as portas
levar a cabo todas as suas realizações. As­ e interrompido o ministério levítico (2 Cr
sim como Asa (1 Rs 15:11), Josafá (1 Rs 28:24). Ezequias ordenou que os sacerdo­
22:43) e Josias (2 Rs 22:2), Ezequias seguiu tes se santificassem, a fim de purificar o tem­
o exemplo do rei Davi. Apesar de não ter plo e de restaurar o culto conforme o Senhor
sido perfeito, Ezequias procurou obedecer havia ordenado por intermédio de Moisés.
ao Senhor e lhe agradar. Foi um dos poucos O abandono da adoração no templo pelo
reis que removeram, de fato, os "altos" e que povo do reino do Norte havia levado a seu
deram um fim à adoração nas colinas. Res­ cativeiro, e a profanação e o descaso com
taurou a adoração no templo e incentivou o templo por Acaz havia trazido a disciplina
o povo tanto de Judá quanto de Israel a ir sobre Judá, inclusive invasões pela Síria,
ao templo em Jerusalém adorar ao Senhor. Edom e Filístia. O culto no templo era a es­
Deus havia ordenado que houvesse um lu­ sência do povo de Israel, e, se isso não esti­
gar central de culto, Jerusalém (Dt 12). vesse em ordem, todo o resto estaria errado.
A seqüência de acontecimentos na vida Porém, Ezequias não se interessava me­
de Ezequias, conforme se encontra registra­ ramente por um projeto de "faxina", pois o
da nas Escrituras, não é estritamente crono­ desejo de seu coração era não apenas re-
lógica. A maioria dos estudiosos concorda consagrar o templo e o povo, mas também
que os acontecimentos ocorridos em Isaías fazer uma aliança com o Senhor (v. 10). Os
38 e 39 - a enfermidade do rei e sua recep­ versículos 12 a 14 citam o nome de catorze
ção para os embaixadores babilônios - na líderes, os quais deram o exemplo e toma­
verdade é anterior à invasão assíria (Is 36 - ram a frente no recomeço do ministério no
37). Usaremos essa abordagem ao estudar templo. Se os líderes espirituais não estive­
a vida e o ministério de Ezequias e ao pro­ rem com a vida em ordem diante de Deus,
curar integrar o material encontrado em Reis, como ele abençoará seu povo? As três famí­
Crônicas e Isaías. lias levíticas estavam representadas: Maate
e Joel dos coatitas, Quis e Azarias de Merari
1. E z e q u i a s , o refo rm ad o r e Joá e Zima dos gersonitas (ver Nm 3 - 4).
(2 Rs 18:4; 2 Cr 29:3 - 31:21) O clã de Elisafã pertencia aos coatitas (Nm
É interessante que 2 Reis traga apenas um 3:30) e havia conquistado uma reputação
versículo descrevendo as reformas de honrosa por seu serviço fiel. Foram repre­
Ezequias (18:4), enquanto 2 Crônicas dedi­ sentados por Sinri e Jeuel. Os outros homens
que três capítulos a essa parte importante citados eram cantores do templo, das famíli­
de sua vida. Porém, 2 Reis menciona como as de Asafe (de Gérson), Hemã (de Coate)
o rei Ezequias destruiu a serpente de bronze ou Jedutum (de Merari), músicos, cantores
558 2 REIS 18:1 - 2 0 :1 1

e líderes litúrgicos bastante conhecidos. O do povo, e os sacerdotes incluíram tanto Is­


rei Ezequias sabia que era preciso haver mú­ rael quanto Judá (v. 24 - "todo o Israel"). Os
sica e louvor para que a adoração no tem­ holocaustos simbolizavam a consagração
plo fosse agradável ao Senhor. Esses líderes total ao Senhor. Enquanto os sacrifícios es­
e seus ajudantes santificaram-se diante do tavam sendo apresentados ao Senhor, os
Senhor a fim de poderem santificar também músicos e cantores ofereceram louvores ao
o templo. Senhor, segundo as instruções de Davi, usan­
No primeiro dia do primeiro mês, come­ do cânticos e instrumentos de Davi (vv. 25­
çaram a purificar o templo, começando pelo 27; 1 Cr 23:5, 6).
Santo dos Santos e o santuário. Levaram para Porém, esse culto de consagração não
fora todo o lixo acumulado e os restos dos foi realizado apenas para o rei e seus líde­
cultos idólatras, carregaram tudo até o vale res, pois o povo na congregação também
do Cedrom e, lá, queimaram toda essa imun­ se santificou e apresentou suas ofertas (w.
dícia. Depois de santificarem o edifício, pu­ 28-36). Levaram uma grande quantidade de
rificaram o pórtico. Isso incluiu a remoção sacrifícios, inclusive três mil ovelhas, prova­
do altar pagão construído por Acaz e a co­ velmente usadas como ofertas pacíficas.
locação do altar do Senhor em seu devido Parte da oferta pacífica ficava com o ado­
lugar (2 Rs 16:1 Oss). Os levitas também pu­ rador e era consumida por ele com sua fa­
rificaram os recipientes e utensílios usados mília como uma refeição de comunhão.
nos cultos do templo e os colocaram em Ezequias seguia o exemplo do rei Salomão,
seus respectivos lugares. Foram necessários na consagração do templo, mais de duzen­
dezesseis dias para completar esse trabalho, tos anos antes (1 Rs 8:62ss). Foi um tempo
o que significa que não comemoraram a de grande alegria para o rei e seu povo. Lem­
Páscoa, observada no décimo quarto dia do bre-se de que devotos do reino apóstata do
primeiro mês. Porém, Ezequias realizou uma Norte, Israel (chamado, então, de Samaria),
grande celebração de Páscoa no segundo haviam fugido para Judá, a fim de poder ado­
mês (cap. 30). rar ao Senhor de acordo com a lei de Moisés,
Se desejamos ter um reavivamento na de modo que esse culto de consagração
obra do Senhor, devemos começar com a incluiu todas as tribos.
purificação. Ao longo dos anos, indivíduos Comemorou a Páscoa (2 C r 30:1-27).
e igrejas podem acumular um bocado de Os homens de Israel deveriam ir a Jerusa­
"lixo religioso", ao mesmo tempo que igno­ lém três vezes por ano para comemorar a
ram os elementos mais essenciais da adora­ Páscoa, Pentecostes e a festa dos Taberná­
ção espiritual. Não experimentamos novas culos (Êx 23:14-17; 34:22-24). Para o cristão
bênçãos do Senhor fazendo algo singular de hoje, a Páscoa refere-se à morte de Cris­
ou inédito, mas sim voltando para as "coisas to, o Cordeiro de Deus, que se entregou por
antigas" e fazendo-as com dedicação. Se nós (1 Co 5:7; Jo 1:29). Em Pentecostes, a
confessarmos nossos pecados (2 Cr 7:14), Igreja primitiva recebeu o Espírito Santo (At
acendermos as lâmpadas, queimarmos o 2), e a festa dos Tabernáculos refere-se ao
incenso (uma figura da oração, SI 141:1, 2) reino futuro, quando Jesus reinará e nós
e nos oferecermos como sacrifícios vivos governaremos com ele (Zc 14). A Páscoa
(v. 7; Rm 12:1, 2), o Senhor verá, ouvirá e celebrava a libertação do povo de Israel da
enviará sua bênção. escravidão no Egito, de modo que era uma
Consagrou o templo (2 Cr 29:20-36). comemoração nacional. Por esse motivo,
O rei e os líderes da cidade se reuniram no Ezequias convidou todo o povo, tanto de
templo e ofereceram sacrifícios ao Senhor. Judá quanto de Israel (Samaria), a participar
Levaram sacrifícios pela nação (Judá e Israel), da festa em Jerusalém. A lei de Moisés pre­
pelo templo e, mais especificamente, pelo via a possibilidade de a Páscoa ser come­
reino de Judá. Os sacrifícios pelo pecado morada no segundo mês (Nm 9:6-13), e
foram oferecidos para expiar as transgressões Ezequias aproveitou essa oportunidade.
2 REIS 18:1 - 20:1 1 559

Nem o templo nem os sacerdotes e levitas o rei Acaz havia colocado em Jerusalém
estavam preparados para celebrar no primei­ (v. 14), pois não poderia haver uma adora­
ro mês (vv. 1-3). ção conjunta, a menos que todos se encon­
O convite enfatizava que era dirigido a trassem no único altar designado para esse
"todo o Israel" (vv. 5, 6) e não apenas ao fim, no átrio do templo. Paradoxalmente, o
povo de Judá. Depois dos tempos de Salo­ povo estava ansioso para adorar ao Senhor,
mão, não havia mais sido comemorada uma mas os sacerdotes e os levitas encontravam-
Páscoa com a nação toda, e Ezequias dese­ se impuros e, portanto, não teriam condi­
java unir o povo espiritualmente, ainda que ções de ministrar no altar! Mas a situação
estivessem politicamente divididos. O reino foi resolvida, e os sacerdotes puderam ofe­
do Norte (Samaria) encontrava-se sob o do­ recer os holocaustos diários (Êx 29:38-43;
mínio dos assírios, e o remanescente israe­ Nm 28:1-8). Durante o reinado de Acaz, os
lita que ainda vivia lá adorava os deuses das cultos no templo haviam sido suspensos, e
nações gentias. Precisavam voltar para o os sacerdotes se permitiram ficar desqualifi­
Deus de Abraão, Isaque e Jacó (v. 6). O povo cados para servir junto ao altar. Porém, entre
de Israel vinha de uma mesma linhagem, e a ascensão de Ezequias ao trono e a come­
era chegada a hora de colocar o Senhor em moração da Páscoa, houve tempo suficiente
primeiro lugar - deixando de lado as dife­ para que se preparassem.
renças do passado - e de celebrar. A repeti­ No entanto, muitos do povo em geral
ção dos verbos "voltar" e "converter" revela também se encontravam impuros (Êx 12:14­
o desejo do coração de Ezequias (vv. 6, 9). 16; 13:6-10), talvez por terem saído de casa
Se todo o povo se voltasse para Deus em apressadamente ou por terem sido conta­
arrependimento, Deus voltaria para aben­ minados durante a viagem a Jerusalém (Nm
çoar seu povo. Ezequias estruturou seu apelo 9:9, 10). Mas Ezequias sabia que o Senhor
em torno das palavras de Salomão em 2 Crô­ estava interessado no coração dos adora­
nicas 7:14. dores e não nos detalhes do cumprimento
Infelizmente, o remanescente no cativei­ de requisitos cerimoniais. Assim, orou pe­
ro assírio era tão obstinado quanto seus an­ dindo que Deus os purificasse e aceitasse
tepassados, quando Deus lidou com eles no (1 Sm 15:22, 23; is 1:10-1 7; Os 6:6; Mq 6:6­
deserto. Estavam diante de uma oportunida­ 8; Mc 12:32, 33). Deus respondeu à oração
de de começar de novo e de glorificar ao do rei, pois Deus se preocupa com o cora­
Senhor, buscando sua compaixão, graça e ção e não com o simples ritual religioso. Se
misericórdia (v. 9), mas a maioria do povo havia legalistas presentes naquela congrega­
fora de Judá rejeitou o convite. Zombaram ção, é possível que tenham ficado bastante
das palavras de Ezequias e riram de seus perturbados, mas sua atitude serviu apenas
mensageiros, mas, ao fazê-lo, rejeitaram a para privá-los das bênçãos de Deus (ver Lc
bênção que o Senhor tinha para eles. No 18:9-14 e SI 51:10, 11, 15, 16). Se o povo
entanto, alguns tiveram coragem de discor­ de Deus, nos dias de hoje, preparasse seu
dar de suas famílias e amigos e foram a Jeru­ coração para adorar com tanto cuidado
salém para a festa, sendo que, dentre estes, quanto prepara suas "roupas de domingo",
havia homens das tribos de Aser, Manassés o Senhor enviaria bênçãos sobre a igreja.
e Zebulom. Vieram de lugares distantes, com Houve tanta alegria e bênçãos que Eze­
o coração humilde, buscando as bênçãos quias e o povo decidiram continuar festejan­
do Senhor. Deus deu aos adoradores ali reu­ do por mais uma semana, e o rei mostrou-se
nidos unidade de pensamento e de coração, generoso ao oferecer mais sacrifícios, pro­
de modo que o Senhor ocupou o centro vendo, desse modo, alimento para o povo.
das festividades, deixando de lado as ques­ O exemplo do rei motivou os líderes de Judá
tões políticas. a também levar mais sacrifícios, e, portanto,
A comemoração é descrita em 2 Crôni­ houve comida em abundância para todos.
cas 30:13-27. O povo removeu os altares que As ofertas espontâneas vêm da adoração
560 2 REIS 18:1 - 20:1 1

espontânea ao Senhor e da gratidão sincera desmamadas (vv. 16,18). Seu desejo era que
a ele. Quando Salomão consagrou o tem­ nenhum dos servos de Deus ou de seus fa­
plo, também pediu que o povo ficasse mais miliares passasse fome.
uma semana (2 Cr 7:8, 9). No terceiro mês (maio/junho), no tem­
Organizou e deu início ao ministério po da colheita dos cereais, o povo levou
no templo (2 Cr 31:1-21). Terminada a se­ ao templo ofertas de cereais, ajuntados
gunda semana de comemorações, antes de pelos sacerdotes e levitas. No sétimo mês
o povo voltar para casa, os sacerdotes pro­ (setembro/outubro), época da colheita nas
feriram a bênção ordenada por Deus em Nú­ vinhas e pomares, ofertas de vinho e de
meros 6:22-27, e os adoradores deixaram frutas eram acrescentadas às provisões.
Jerusalém com a bênção do Senhor sobre Assim como as ofertas levadas para a cons­
eles. Porém, ao levarem essa bênção para trução do tabernáculo (Êx 36:5-7) e do tem­
casa, também obedeceram ao Senhor e des­ plo (1 Cr 29:1-20), os dízimos e ofertas
truíram os ídolos em Judá, Benjamim, Efraim levados ao templo recém-consagrado foram
e Manassés. Uma coisa é passar um tempo muito mais generosos do que o rei espera­
empolgante louvando a Deus num encon­ va. Um povo que adora de coração sem­
tro especial de duas semanas. Outra bem pre será um povo generoso, especialmente
diferente é voltar para casa depois disso e quando seus líderes dão o exemplo, e Judá
viver como pessoas que tiveram um encon­ não foi exceção.
tro com o Senhor.
O rei Ezequias sabia que as bênçãos da 2. E z e q u i a s , o n e g o c i a d o r
comemoração da Páscoa não continuariam, (2 Rs 18:7-16)
a menos que o povo participasse do minis­ Judá havia sido um estado-vassalo sob a
tério regular no templo. É maravilhoso ter Assíria desde o reinado de Acaz, pai de
uma grande festa de Natal ou a comemora­ Ezequias (2 Rs 16:7-18). Quando Sargom,
ção de um aniversário especial, mas não se rei da Assíria, morreu em combate e Sena-
pode viver o ano todo de duas ou três refei­ queribe subiu ao trono, Ezequias considerou
ções especiais. Por esse motivo, Ezequias o momento oportuno para livrar-se do jugo
seguiu as instruções de Davi (1 Cr 23 - 26) assírio. Sabendo que Senaqueribe estava
e organizou os sacerdotes e os levitas para envolvido com outras questões do império,
o ministério no templo. Deu um bom exem­ Ezequias não lhe enviou o tributo anual. Judá
plo fornecendo animais dos próprios reba­ havia vencido os filisteus, de modo que acre­
nhos para os sacrifícios, que deveriam ser ditavam que o reino estava fortalecido. Em
realizados diária e mensalmente. O rei Eze­ 722 a.C., os assírios atacaram Israel e toma­
quias buscou ao Senhor e fez tudo para ele ram a cidade de Samaria, o que significava
de coração (v. 21). que o exército assírio estava bem próximo a
Depois de colocar pessoas para traba­ Judá. Em 715 a.C., Senaqueribe invadiu Judá
lhar no templo e de organizar seu ministé­ e rumou para Jerusalém.1 Ezequias demons­
rio, Ezequias também admoestou o povo a trou uma fé muito fraca e, portanto, humi­
levar seus dízimos e ofertas ao templo, a fim lhou-se diante do rei e lhe pagou o tributo
de prover o sustento dos sacerdotes e levi­ que devia: onze toneladas de prata e uma
tas (v. 4; Nm 18:8-32; Dt 12:1-19; 14:22-29). tonelada de ouro. Parte dessa riqueza veio
Separou câmaras especiais no templo para dos tesouros do próprio rei, mas, infelizmen­
guardar as ofertas e nomeou homens fiéis te, o restante do tributo foi tirado do templo
para supervisionar a distribuição dos alimen­ do Senhor. Ezequias seguiu o mau exemplo
tos. Os sacerdotes e levitas dependiam des­ do pai (2 Rs 16:8). O rei Davi não negocia­
sas ofertas para o próprio sustento e de suas va com os inimigos nem tentava suborná-
famílias (ver Ne 13:1-14). Ao que parece, o los; ele os atacava e derrotava. Senaqueribe
rei estava preocupado especificamente saiu de Judá, mas, sem dúvida, tinha a inten­
com as crianças pequenas que haviam sido ção de voltar.
2 REIS 18:1 - 20:1 1 561

3. E z e q u i a s , o s o f r e d o r (2 Rs 20:1­ dando ao profeta duas promessas mara­


11; 2 Cr 32:24-26; Is 38:1-8) vilhosas para transmitir ao rei. Em primeiro
De acordo com os cronologistas, trata-se do lugar, o rei se recuperaria e adoraria no tem­
próximo acontecimento importante na vida plo em três dias. Em segundo lugar, se os
de Ezequias. Ocorreu quinze anos antes de assírios voltassem, o Senhor defenderia e li­
sua morte, em 687 a.C., de modo que sua vraria a cidade de Jerusalém. Lembre-se de
enfermidade e cura, bem como a visita dos que a enfermidade de Ezequias ocorreu an­
embaixadores babilônios, deu-se em 702 a.C. tes da segunda invasão do exército de
No ano seguinte, os assírios voltaram e ata­ Senaqueribe. A fim de garantir ao rei que
caram Jerusalém. essas promessas eram verdadeiras, Deus lhe
O Senhor enviou essa enfermidade para deu um sinal miraculoso: a sombra no reló­
disciplinar Ezequias por ele haver cedido aos gio de Acaz (um grande relógio de sol) re­
assírios? O relato em 2 Crônicas 32:24 diz trocedeu dez graus. A medida que o Sol se
que o rei havia se tornado orgulhoso e que punha, a sombra deveria ficar cada vez mais
essa foi uma forma de o Senhor humilhá-lo. longa, mas, de repente, encurtou. O Senhor
O fato de o profeta Isaías tê-lo visitado com inverteu a rotação da Terra ou simplesmen­
uma mensagem tão solene indica que essa te fez a sombra voltar dez graus no relógio?
experiência foi séria, pois o rei iria morrer. A Deus não explica seus milagres, e não é pru­
expressão: "Põe em ordem a tua casa" im­ dente fazer isso por ele.
plicava, principalmente, nomear um herdei­ Deus nos disciplina porque nos ama e
ro ao trono. Ezequias havia se tornado rei deseja evitar que lhe desobedeçamos e que
aos 25 anos de idade (2 Rs 18:1) e faleceu deixemos de receber sua bênção (Hb 12:1­
em 687 a.C. Seu filho, Manassés, subiu ao 11). Essa disciplina não é semelhante àque­
trono em 687 a.C., com 22 anos de idade, o la que um juiz severo aplica ao castigar um
que significa que nasceu em 709 a.C., de criminoso. Antes, é o ministério de um pai
modo que estava com 7 anos de idade quan­ amoroso que procura fazer aflorar o que há
do Isaías disse a Ezequias que ele iria morrer. de melhor em seus filhos, pois o desejo do
Joás havia se tornado rei aos 7 anos (11:4ss), Pai é que sejamos "conformes à imagem de
mas teve Joiada, o sacerdote piedoso, como seu Filho" (Rm 8:29).
conselheiro. Fica claro que o trono de Davi
estava em perigo. 4. E z e q u i a s , o canto r (Is 38:9-22)
A reação de Ezequias foi desligar-se de O profeta Isaías registrou o salmo que Eze­
tudo a seu redor e orar ao Senhor.2 A decla­ quias entoou depois de haver sido curado
ração do rei em 2 Reis 20:3 e em Isaías 38:2 e de ter recebido mais quinze anos de vida
pode parecer cheia de vanglória, mas é im­ (is 38:9-20). É bem provável que Ezequias
portante lembrar que Ezequias estava apenas também tenha escrito outros salmos (ver o
se apropriando da promessa em 2 Crônicas v. 20), pois em Provérbios 25:1 lemos sobre
6:16, 17. Essa promessa era parte da aliança os "homens de Ezequias". O título indica que
que Deus, em sua graça, havia feito com o rei possuía uma "associação" especial de
Davi e seus descendentes (2 Sm 7:1-17), e estudiosos que trabalhavam com as Escri­
Ezequias estava simplesmente lembrando o turas e que copiavam os manuscritos.3 O
Senhor de que ele havia sido fiel em obede­ salmo que Ezequias escreveu em comemo­
cer à sua lei. Em outras palavras, como filho ração ao livramento de sua enfermidade é
fiel de Davi, possuía as "qualificações" para repleto de figuras que nos ensinam muita
viver. A mensagem de Deus ao rei por inter­ coisa sobre a vida e a morte.
médio de Isaías enfatizava a importância do Ezequias considerava a vida uma jorna­
rei Davi e a continuação de sua descendên­ da que terminava às portas da morte, ou no
cia no trono em Jerusalém. Sheol, termo hebraico para o reino dos mor­
Deus respondeu à oração de Ezequias tos (v. 10). Encontrava-se no auge de sua vida
dizendo a Isaías como curar o rei e, também, e, no entanto, estava sendo privado do resto
562 2 REIS 18:1 - 20:1 1

de seus anos (é provável que, nessa ocasião, noite, o rei vivia em ansiedade e sofrimen­
tivesse 37 ou 38 anos de idade). Talvez esti­ to, como um pássaro desprotegido sendo
vesse pensando no Salmo 139:16, no qual atacado por um leão faminto (vv. 13, 14).
Davi declara que Deus escreveu em seu livro Tudo o que lhe restava fazer era gemer como
o número de dias da vida de cada pessoa. uma pomba ou chilrear como uma andori­
Ezequias lamentou estar deixando a terra dos nha ou grou.
vivos e não poder mais ver os amigos.4 Lem­ No versículo 15, o tom muda, e o rei dá
bre-se de que ainda não havia sido apresen­ graças a Deus por sua misericórdia em livrá-
tada a revelação completa da imortalidade, lo da cova (vv. 17, 18). Deus não apenas
do mundo intermediário e da ressurreição salvou sua vida, como também apagou o
(2 Tm 1:10). registro de suas transgressões e deixou para
Porém, a morte não é apenas o fim da trás todos os seus pecados (v. 17; ver Is
jornada; também é como desarmar uma ten­ 43:25; Mq 7:19). O Senhor havia disciplina­
da (v. 12). Paulo usou a figura da tenda de do o rei por causa de seu orgulho (2 Cr
maneira semelhante (2 Co 5:1-4), como tam­ 32:24), por isso o rei prometeu andar em
bém o fez Pedro (2 Pe 1:13,14). No entanto, humildade pelo resto da vida (ver v. 15). Eze­
Ezequias retrata a própria morte iminente quias dedicou-se a louvar ao Senhor e a con­
como um tecido sendo arrancado do tear tar à geração seguinte o que Deus havia feito
(v. 12). Deus nos "teceu" no ventre de nos­ por ele. Talvez essa tenha sido a ocasião em
sa mãe (SI 139:13-16) antes de nascermos, que organizou os "homens de Ezequias"
e, ao longo de nossa vida, seu desejo é te­ para que copiassem e protegessem com cui­
cer nossos dias de modo a criar algo belo e dado os manuscritos bíblicos.
proveitoso para sua glória. Ezequias estava Porém, o orgulho de Ezequias voltou a
sendo cortado do tear antes que o desenho aparecer, e, mais uma vez, o rei foi repre­
de seu tecido estivesse completo. Dia e endido.

1. A maioria dos estudiosos acredita que judá foi invadida duas vezes pelo exército assírio, uma em 715 a.C. e outra em 701 a.C.

A segunda invasão recebe muito mais espaço no relato bíblico em função do grande milagre realizado pelo Senhor. É difícil

considerar 2 Reis 18:7-16 uma parte da invasão de 701 a.C., mas foi um prelúdio para ela.

2. O rei Acabe ficou amuado e se virou para a parede, pois não conseguiu aquilo que queria (1 Rs 21:4), mas essa não foi a

atitude de Ezequias. Talvez, ao olhar na direção da parede de seu quarto, também tenha se voltado para o templo - aquilo que
os judeus deveriam fazer quando oravam (2 C r 6:21, 26, 29, 32, 34, 38).

3. Em seu livro O ld Testament Problems [Problemas do Antigo Testamento] (Londres: Morgan and Scott, 1916), J. W . Thirtle

propôs a teoria de que os "Quinze Cânticos de Romagem" ou "Cânticos dos Degraus" {SI 120 - 134) foram compilados por
Ezequias para comemorar os quinze anos adicionais de vida que Deus lhe concedeu. Dez desses salmos são anônimos,

enquanto os outros cinco são atribuídos a Davi (quatro salmos) e a Salomão (um salmo). Thirtle era da opinião que Ezequias

escreveu os dez salmos anônimos para comemorar o fato de a sombra ter retrocedido dez graus no relógio de Acaz. A
propósito, estes são os "Cânticos dos Degraus". Tendo em vista que Davi era seu herói, o rei Ezequias deve ter tentado

escrever os próprios salmos, e é possível que o Espírito de Deus tenha lhe dado os dez salmos para essa coleção especial.

4. Na verdade, quando os cristãos morrem, deixam o reino dos mortos (este mundo) e vão para o reino dos vivos (o céu)!
enfermidade, que por pouco não lhe cau­
11 sou a morte, humilhou-o, mas a visita dos
enviados babilônios deixou claro que esse
pecado antigo ainda estava vivo dentro dele.
A F o rm a ç ã o de um Os enviados foram a Judá com dois propó­
sitos: (1) descobrir qual era a força do reino;
Rei - P a rte 2
e (2) tentar influenciar Ezequias a unir-se à
2 R eis 1 8 :1 7 - 1 9 :3 7 ; 20:12-21 Babilônia para fazer frente à Assíria. Pelo fato
de não haver compréendido inteiramente
(2 C r ô n ic a s 32:27-33; Isaía s essas intenções dos babilônios, Ezequias
36 - 3 7 ; 3 9) considerou uma grande honra ser visitado
pelos oficiais do rei da Babilônia. A essa al­
imos o rei Ezequias como um refor­
V
tura da história, a Assíria era o império mais
mador eficiente que purificou e consa­ forte, e a Babilônia representava um impé­
grou o templo e que restaurou o ministério rio em ascensão. Por que Ezequias deveria
sacerdotal. Porém, como negociador, Eze­ se preocupar com a Babilônia? Porque, um
quias rendeu-se à Assíria e pagou tributos a dia, a Assíria sairia de cena e a Babilônia
fim de evitar uma guerra. Assim, Deus aco­ seria a principal nação do Oriente Próximo.
meteu o rei com uma enfermidade grave Entre 606 a.C. e 586 a.C., a Babilônia inva­
para humilhá-lo, e Ezequias clamou ao Se­ diria Judá, destruiria Jerusalém e o templo e
nhor por misericórdia. Depois dessa vitória, levaria a nação para o cativeiro. A Babilônia
Ezequias falhou outra vez, recebendo de apresentou-se primeiro como serpente e,
braços abertos os enviados da Babilônia e depois, voltou como leão.
lhes mostrando aquilo que não tinham direito Os enviados levaram consigo presentes
algum de ver. Por certo, não foi um momento caros do rei da Babilônia, bem como cartas
louvável da vida de Ezequias. expressando seu prazer por saber que Eze­
quias havia se recuperado da sua enfermi­
1. E z e q u i a s , o o sten tad o r dade grave. Ezequias deveria ter percebido
(2 Rs 20:12-19; 2 C r 32:27-31; Is 39) que Merodaque-Baladã não tinha qualquer
As Escrituras retratam nosso inimigo, o dia­ interesse pessoal na saúde do rei de Judá,
bo, apresentando-o na forma de uma ser­ mas que desejava apenas constranger Eze­
pente e de um leão (Gn 3:1 ss; 2 Co 11:1-4; quias a tornar-se um aliado da Babilônia. E
1 Pe 5:8, 9). Satanás costuma aparecer pri­ bem provável que os enviados tenham aju­
meiro como serpente para nos enganar, mas dado a massagear o ego de Ezequias, elo­
se isso não funciona, volta como um leão giando-o por seu poderio militar e por sua
para nos devorar. Foi o que aconteceu com riqueza pessoal (ver 2 Cr 32:27-30). Num
Ezequias. Primeiro, os embaixadores da ato de insensatez, Ezequias mostrou-lhes
Babilônia dirigiram-se a Jerusalém a fim de todos os tesouros e armas. Ao que parece,
descobrir quão rico e forte era o reino de Ezequias saía-se melhor supervisionando
Judá e, depois, o exército assírio devastou a seus escribas e escrevendo seus salmos do
terra, tomou Jerusalém e deportou o povo que cuidando das questões políticas do rei­
para a Assíria. Os embaixadores enganaram no. Tudo o que o rei possuía vinha das mãos
Ezequias, pois ele não buscou a sabedoria de Deus, então que motivos Ezequias tinha
de Deus por meio do profeta Isaías. Porém, para se vangloriar e ostentar seus bens? Tal­
quando os assírios invadiram a terra, o rei vez tenha causado uma boa impressão di­
buscou ao Senhor, e Deus lhe deu a vitória. ante dos enviados, mas entristeceu o Senhor
O orgulho de Ezequias (vv. 12, 13; 2 Cr e colocou o reino e a cidade em perigo.
32:27-30; 39:1, 2). Vimos anteriormente O orgulho é uma das principais armas
que o orgulho era uma questão problemá­ de Satanás em sua batalha contra o Senhor
tica para Ezequias (2 Cr 32:25, 26). Sua e seu povo. O próprio Satanás cometeu o
564 2 REIS 18:17 - 19:37; 20:1 2-21

pecado do orgulho quando se rebelou con­ que aceitava a vontade de Deus. Mais uma
tra Deus e buscou a adoração e obediência vez, o orgulho de Ezequias havia sido que­
que pertencem somente a Deus (Is 14:12­ brado (2 Cr 32:26), mas por amor à nação e
15). O orgulho também nos leva a privar ao trono de Davi, o rei estava grato porque
Deus da glória que é devida exclusivamente haveria paz. O Senhor havia sido longânimo
a ele. Além disso, dá-nos uma sensação fal­ para com Ezequias, e o rei não sabia que
sa de segurança, que conduz ao pecado e outra provação estava prestes a iniciar - o
à derrota. Nas palavras de Charles Spurgeon ataque da Assíria a Jerusalém. Porém, o rei
a sua congregação em Londres: "Não vos havia aprendido algumas lições valiosas com
orgulheis da raça, do rosto, do lugar, nem sua enfermidade e com a maneira inepta de
da graça" - um excelente conselho! William haver cuidado da questão dos enviados
Barclay escreveu: "O orgulho é o solo no babilônios. Como é maravilhoso que o Se­
qual todos os outros pecados crescem e é o nhor, em sua graça, nos prepare para aquilo
progenitor de todas as outras transgressões". que tem planejado para nós!
A profecia de Isaías (vv. 14-18; 2 Cr
29:3-8). Ezequias deveria ter consultado 2 . E z e q u ia s , o comandante
Isaias assim que recebeu a correspondência (2 Rs 18:17-37; 2 C r 32:1-19; Is 36)
diplomática com a notícia de que enviados "Depois destas coisas e desta fidelidade, veio
babilônios estavam a caminho de Jerusalém. Senaqueribe, rei da Assíria, [e] entrou em
Quando o profeta ficou sabendo que essa Judá" (2 Cr 32:1). Essa "fidelidade" foi todo
comitiva real havia chegado e partido, diri­ o esforço de Ezequias para purificar e con­
giu-se ao rei e fez duas perguntas importan­ sagrar o templo, os sacerdotes, os levitas e
tes: "O que disseram e de onde vieram?" O restaurar a adoração verdadeira em Judá.
rei não respondeu à primeira pergunta, mas Seria de se esperar que Deus recompensas­
admitiu que os homens haviam vindo da se seu serviço dando-lhe paz, mas, em vez
Babilônia. Fica evidente que a visita de en­ disso, o Senhor permitiu que os assírios vol­
viados de "uma terra longínqua" a Judá agra­ tassem a Judá e ameaçassem Jerusalém.
dou o rei e, sem dúvida, Ezequias também Ezequias foi fiel ao Senhor, mas, ao que pa­
ficou satisfeito em encontrar um aliado no rece, o Senhor não foi fiel a Ezequias. Afinal,
conflito contra a Assíria. o rei havia feito tudo o que "era bom, reto e
Ao ler o Livro de Isaías, logo vemos que verdadeiro perante o S e n h o r " (2 Cr 31:20),
o profeta já sabia de algo relacionado ao e o fizera "de todo o coração" (v. 21). Por
futuro da Babilônia (ver 13 - 14 e 20:1-10). que, então, o Senhor não protegeu Judá de
A essa altura da história, quase todos teriam outra invasão?
indicado a Assíria como a potência mundial Como disse Alexander Maclaren: "O
mais ameaçadora, mas a Babilônia estava eterno mistério do Antigo Testamento é o
começando a conquistar reconhecimento fato de indivíduos bons serem atribulados,
no cenário mundial. A Assíria derrotara o enquanto os perversos prosperam". ’ Não
reino de Israel, mas Judá seria conquistada é difícil entender por que os assírios des­
pela Babilônia, e Isaías 39:5-7 são as primei­ truíram o reino do Norte, Israel; afinal, aque­
ras palavras claras do profeta sobre esse la nação havia se entregado à idolatria e se
acontecimento. Um século depois da morte rebelado contra a lei de Deus. Mas Judá se
de Ezequias, a Babilônia destruiria Jerusalém voltara para o Senhor sob a liderança de Eze­
e o templo, tomaria cativos alguns descen­ quias e, apesar de o rei ter cometido alguns
dentes de Ezequias e levaria as riquezas do erros, seu coração era sincero diante de
rei para a Babilônia. Deus. Porém, Deus desejava cumprir seus
A paciência do Senhor (v. 19). A respos­ propósitos na vida de Ezequias e na vida
ta de Ezequias não foi um suspiro de alívio de sua nação. Era fácil para Deus enviar um
ao saber que sua geração havia escapado anjo e destruir 185 mil assírios, mas era muito
do julgamento, mas sim uma expressão de mais difícil trabalhar com o rei Ezequias e
2 REIS 18:17 - 1 9:37; 20:12-21 565

transformá-lo num homem de fé. Quando Ezequias ainda tinha catorze anos de vida
permitimos que Deus aja a sua maneira, as e, por certo, não desejava passá-los no cati­
tribulações da vida operam em nosso favor veiro. Porém, o profeta Isaías já havia lhe dito
e não contra nós, trazendo grande glória para que Deus livraria Judá e defenderia Jerusalém
o Senhor. O rei precisava aprender que es­ por amor ao rei Davi (20:6), de modo que
tava sob o comando de Deus (ver Js 5:13­ Ezequias tinha uma grande promessa na qual
15) e que somente o Senhor era soberano. poderia crer. O povo de Deus não vive de
A preparação (2 C r 32:1-8). Ezequias explicações, mas sim de promessas.
sabia que os assírios estavam a caminho, Os assírios escolheram como acampa­
de modo que se reuniu com seus líderes e mento central a cidade de Laquis, a cerca
tomou as devidas providências para fortifi­ de 50 quilômetros de Jerusalém, e se diri­
car Jerusalém. Ao trabalhar em conjunto giram à capital de Judá com um "grande
com seus líderes, o rei uniu seus coman­ exército". Três oficiais assírios disseram a Eze­
dantes em afinidade e em estratégia, fator quias que enviasse três de seus oficiais para
importante para a liderança em tempos de combinar os termos da rendição. O texto
guerra. Os registros assírios afirmam que não cita o nome deles, mas sim os seus títu­
seu exército tomou quarenta e seis cida­ los: Tartã —comandante supremo; Rabe-Saris
des em Judá antes de assentar-se em Laquis — oficial-chefe; e Rabsaqué — comandante
e de planejar o cerco a Jerusalém. Ao blo­ de campo. Os representantes de Ezequias
quear o suprimento de água fora da cidade, foram Eliaquim, o administrador do palácio;
Ezequias evitou que os invasores tivessem Sebna, o escrivão e Joá, o cronista (ver Is
água fresca em abundância. Ezequias já 22:15-25; 36:3).
havia cavado um túnel entre a fonte de O encontro deu-se exatamente no mes­
Giom e a cidade de Jerusalém (2 Rs 20:20), mo local onde Isaías havia confrontado Acaz,
a fim de que o povo na cidade não morres­ pai de Ezequias, dizendo-lhe para não fazer
se de sede. Até hoje, esse túnel é uma atra­ um tratado com os assírios (Is 7; 2 Rs 16:5­
ção bastante visitada pelos turistas na Terra 9). Isaías havia predito que, com ou sem tra­
Santa. tado, os assírios voltariam, e suas palavras
Ezequias também providenciou para que se cumpriram.
as muralhas de Jerusalém fossem reparadas Os seis oficiais não tiveram uma conver­
e para que as torres fossem acrescentadas a sa em voz baixa, mas sim ficaram separados
esses muros. Construiu até um muro externo por uma distância que obrigou o comandan­
e, em seguida, fortificou a "Milo" - a série te de campo a levantar a voz. É evidente
de terraços junto aos muros (1 Cr 11:8; 1 Rs que os assírios desejavam que o povo no
11:27). Organizou o exército, nomeou co­ alto do muro ouvisse o que se passava, pois
mandantes, deu-lhes armas e, depois, os desejavam assustá-los. Os oficiais se recusa­
encorajou com um discurso. Suas palavras ram a falar em aramaico, a língua comum
refletem o que Moisés disse a Israel e a Josué da época, preferindo usar o hebraico (18:26,
(Dt 31:1-8) e as palavras de Deus a Josué (Js 27; 32:18; 36:11, 12). É significativo que os
1:1-9; ver também 2 Rs 6:16). Ezequias de­ líderes assírios tivessem aprendido o hebrai­
monstrou sabedoria ao usar a Palavra de co para usar essa língua em suas guerras.
Deus para encorajar seus soldados e lembrá- Ao proclamar a mensagem da paz, os ser­
los de vitórias passadas do povo de Deus vos de Deus devem seguir o exemplo des­
por haverem confiado no Senhor. ses gentios.
A confrontação (vv. 17, 18; Is 36:1-3). A proclamação (vv. 19-36; 2 Cr 32:9­
A enfermidade de Ezequias, que quase lhe 19; Is 36:4-21). A fim de entender a dinâmi­
custou a vida, ocorreu em 702 a.C., o mesmo ca desse acontecimento, é importante que
ano em que recebeu a visita dos enviados identifiquemos três "discursos". Primeiro, o
babilônios. Isso significa que os assírios inva­ comandante de campo falou a Ezequias e ao
diram a terra logo no ano seguinte, 701 a.C. povo de Judá e blasfemou contra seu Deus
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(2 Rs 18:1 7-36). Em seguida, Ezequias foi ao com aquilo que o rei havia feito? O coman­
templo e falou com Deus sobre o que o co­ dante sabia que havia em Jerusalém pes­
mandante havia dito (19:1-19). Por fim, Deus soas descontentes por não poderem adorar
falou a Ezequias (por intermédio do profeta em altares diferentes nem nos altos, sendo
[saías) sobre o julgamento que enviaria so­ obrigadas, portanto, a adorar no templo. O
bre os assírios (19:20-34). A última palavra é comandante foi tão ousado que chegou a
sempre de Deus. afirmar que ele e o exército assírio haviam
O comandante de campo era um ho­ se dirigido a Jerusalém em obediência ao
mem ardiloso, que sabia tecer as palavras e Senhor (18:25; Is 36:10; ver 2 Cr 35:21).
transmitir sua mensagem com clareza. É evi­ Afinal, tendo em vista que o Senhor havia
dente que não estava muito preocupado em usado a Assíria para disciplinar e destruir o
dizer a verdade, pois sabia que quase todas reino de Israel, por que não usaria os assírios
as pessoas (inclusive o povo de Jerusalém) para conquistar Judá?
se baseiam naquilo que parece ser e não De acordo com o comandante, se o
naquilo que é e raciocinam com suas emo­ povo de Judá confiava em seu poderio mili­
ções, não com sua mente. O tema central tar, então estava em sérias dificuldades, pois
de seu discurso foi a fé (18:19, 20; 2 Cr não possuía cavalos em número suficiente
32:10; Is 36:4, 5). Perguntou ao povo: "Em nem cavaleiros para montá-los. Se o rei de
que vocês crêem de fato? Existe alguém que Judá "fizesse um acordo" com Senaqueribe
possa livrá-los?". Observe a repetição dos ter­ (ou seja, se assinasse um tratado), os assírios
mos "livrar" e "das mãos" e também como cessariam o cerco, e a vida do povo seria
Rabsaqué fez pouco de Ezequias, chaman­ poupada.
do Senaqueribe de "sumo rei" (18:19, 28; Is Em resposta à interrupção de Eliaquim,
36:4, 13). O que Rabsaqué não sabia era Sebna e Joá (18:26), o comandante dirigiu
que Jeová é o Grande Rei e que ele estava uma mensagem especificamente ao povo
ouvindo todas as palavras do comandante. que estava nos muros da cidade. Caso não
"Pois o S e n h o r Altíssimo é tremendo, é o se entregassem, um dia teriam tanta sede e
grande rei de toda a terra" (SI 47:2). Jerusa­ fome que beberiam e comeriam os próprios
lém era a "cidade do grande Rei" (SI 48:2), e excrementos (18:27; Is 36:12). O relato de
o próprio Senhor disse: "eu sou grande Rei" 2 Crônicas 32:11 afirma que o comandante
(Mi 1:14). começou seu discurso advertindo o povo
O comandante começou a dizer em que de que morreriam, inevitavelmente, de fome
Judá estava confiando, ressaltando sempre e de sede se não se entregassem.
que cada uma daquelas coisas falharia. Co­ Porém, no ano anterior, o profeta Isaías
meçou com o Egito (18:21, 24; Is 36:6, 9) e, havia dito a Ezequias que Deus defenderia
sem dúvida, havia oficiais em Judá que acre­ Jerusalém e que destruiria os assírios (20:6;
ditavam que o Faraó poderia ajudá-los. De­ Is 38:4-6), e foi essa promessa que o rei trans­
pois da divisão do reino, sempre houve um mitiu ao povo (18:29, 30). Mais uma vez,
grupo forte de partidários do Egito em Judá, nos admiramos com todo o conhecimento
e o profeta [saías havia advertido os líderes do comandante acerca dos assuntos de
a não buscar a ajuda dessa nação (Is 30:1-7; Ezequias. Rabsaqué estava se esforçando ao
31:1-3). Porém, o Egito não passava de um máximo para acabar com a confiança do
"bordão de cana esmagada" que feriria a povo em seu rei. O comandante fez uma
mão de quem se apoiasse nele.2 bela descrição do que aconteceria se Judá
Em 2 Reis 18:22 e 30 (2 Cr 32:12; Is 36:7, se rendesse. Viveriam em paz na própria
10), o comandante tentou convencê-los de terra, até que fossem deportados para a
que não podiam crer que o Senhor seu Deus Assíria, uma terra muito parecida com Judá
os livraria. Como confiar em Jeová se Eze­ (18:31, 32; Is 36:16, 17). Sempre que o ini­
quias havia removido os altares do Senhor migo faz uma oferta, ela é acompanhada de
da cidade? Acaso o Senhor estava satisfeito um fatídico "até que".
2 REIS 1 8:1 7 - 1 9:37; 20:1 2-21 567

O argumento final apresentado pelo Senaqueribe. O rei assírio ouviria uma notí­
comandante foi inteiramente pragmático e cia, e o Senhor o assustaria de tal modo que
bastante ilógico: nenhum dos deuses das na­ ele voltaria para casa. A notícia assustadora
ções conquistadas até então havia sido ca­ foi que Tiraca, rei do Egito,3 estava a cami­
paz de derrotar Senaqueribe, de modo que nho de Judá, o que significava que Sena­
Jeová também estava condenado a fracas­ queribe teria de combater em duas frentes
sar (18:33-35; Is 36:18-20). Porém, Jeová não (19:9; 37:9). Não era isso o que o rei assírio
é como os ídolos mortos e impotentes das desejava e, portanto, abandonou tempora­
nações: ele é o verdadeiro Deus vivo! Em riamente o cerco e voltou para Laquis, a fim
obediência ã ordem do rei, o povo nos mu­ de se preparar para a guerra. Porém, o co­
ros não disse coisa alguma ao comandante. mandante enviou uma última mensagem a
O silêncio é a melhor resposta para as pes­ Ezequias, dessa vez numa carta (19:8-13; Is
soas ignorantes que blasfemam contra o 37:8-13), e simplesmente repetiu aquilo que
Senhor e que não possuem qualquer conhe­ já havia dito.
cimento de sua verdade e grandeza.
A humilhação (18:37 - 19:13; Is 36:22 3. E z e q u i a s , o in t e r c e s s o r (2 Rs
- 37:13). Os três oficiais deixaram o campo 19:14-19; 2 Cr 32:20; Is 37:14-20)
do Lavandeira e voltaram para a cidade, a Quando as perspectivas são desanimadoras,
fim de contar a Ezequias o que o coman­ tente olhar para o alto. Foi o que Ezequias
dante havia dito. Numa expressão de humi­ fez quando recebeu a carta blasfema do rei
lhação diante de Deus e de reconhecimento da Assíria. Em várias ocasiões ao longo de
da própria impotência, os três rasgaram as meu ministério, tive de apresentar cartas ao
vestes e buscaram o auxílio do Senhor. Con­ Senhor e de crer na sua intervenção - e ele
taram ao rei o que o comandante havia dito, nunca falhou.
um relato que, provavelmente, causou tris­ Ezequias olhou para além de seu trono
teza profunda ao rei. Como era possível al­ e do trono do "sumo rei", Senaqueribe, e
guém ser tão arrogante e blasfemar de tal voltou toda a atenção para o trono de Deus,
modo contra o nome do Senhor? Rabsaqué "entronizado acima dos querubins" (19:15;
havia difamado o Deus vivo ao associá-lo Is 37:14; ver SI 80:1; 99:1). Uma vez que
aos ídolos mortos das nações. Ezequias tam­ não era sumo sacerdote, Ezequias não po­
bém rasgou as vestes e se humilhou perante deria entrar no Santo dos Santos, onde o
o Senhor. propiciatório ficava sobre a arca da aliança,
O rei sabia que precisava de uma pala­ mas poderia "entrar", pela fé, na presença
vra do Senhor, de modo que enviou seus de Deus, como os cristãos de hoje fazem
oficias a Isaías, pedindo que o profeta oras­ (Hb 10:19-25). Em cada extremidade do
se e buscasse o auxílio de Deus (trata-se da propiciatório havia um querubim, sendo que
primeira vez em que Isaías é mencionado o propiciatório em si era o trono de Deus
em 2 Rs). A metáfora do rei sobre o nasci­ na terra (Êx 25:10-22). O Senhor não é ape­
mento é um retrato de perigo extremo. nas o Rei de Israel e de todas as nações,
Quando chega a hora de a criança nascer, a mas também Criador dos céus e da terra.
mãe não tem forças para realizar o trabalho Ezequias ficou inteiramente absorto em ado­
de parto e, assim, tanto a mãe quanto a crian­ ração ao perceber a grandeza do Senhor, o
ça correm o risco de perder a vida. O rei tam­ único Deus verdadeiro. Esse é um bom exem­
bém sabia que apenas um remanescente do plo a ser seguido quando oramos pelos
povo de Deus de Israel e Judá era fiel a Jeová problemas em nossa vida. Ao nos concen­
(19:4, 30), mas o Senhor estava disposto a trarmos no Senhor e vermos quão grandio­
intervir por amor a eles e por amor a Davi. so ele é, adquirimos uma perspectiva correta
Isaías disse a Ezequias para não se atemo­ de nossas dificuldades.
rizar (SI 46:1-3), pois o Senhor havia ouvido O rei tinha um grande fardo no coração:
a blasfêmia de Rabsaqué e trataria com que o Deus de Israel fosse glorificado diante
568 2 REIS 18:1 7 - 19:37; 20:12-21

das nações da Terra. Senaqueribe havia blas­ com as mulheres que levavam cativas. Po­
femado contra o Senhor, e Ezequias pediu rém, o Senhor trataria os assírios como gado
que Deus interviesse em favor de Judá, a e colocaria anzóis no nariz deles, fazendo-
fim de que seu nome fosse honrado. "San­ os voltar pelo caminho por onde tinham
tificado seja o teu nome" é o primeiro pedi­ vindo. O Senhor citou para Rabsaqué e Se­
do da oração do Pai Nosso (Mt 6:9). Como naqueribe exatamente as mesmas palavras
um homem temente a Deus, o rei sabia que que eles haviam usado ao se vangloriar de
os deuses das nações derrotadas não eram suas vitórias. Na verdade, os carros eram
deuses verdadeiros (Is 2:20; 40:19, 20; 41:7; feitos para serem usados em terrenos planos,
44:9-20). Pediu ao Senhor que salvasse o mas eles se gabaram de que seus carros
povo de Judá, não por amor a eles, mas pela haviam subido os altos montes do Líbano.
glória de seu nome.4 As terras secas e desertos não poderiam
Algumas pessoas entram correndo na impedi-los, nem os rios. Outros reis usavam
presença de Deus sempre que enfrentam barcas para atravessar os rios, mas eles se­
algum problema, mas o Senhor nunca ouve caram o rio Nilo e caminhavam por terra seca
a voz delas em outra ocasião. Esse não era (trata-se de um referência a Israel no Jordão,
o caso do rei Ezequias. Era um homem que Josué 4 - 5 ? Não há qualquer evidência de
buscava a bênção do Senhor sobre seu povo que, em algum momento, a Assíria tenha con­
em todo tempo. Procurava conhecer a Pa­ quistado o Egito). Derrubavam cidades e pes­
lavra e a vontade de Deus, e era isso o que soas, como um lavrador corta o capim em
dava poder a suas orações. Feliz é a nação suas terras, e nada ficava em seu caminho.
cujos líderes sabem orar! Mas foi o Senhor quem planejou essas
vitórias e permitiu que a Assíria fosse bem-
4. E z e q u i a s , o v i t o r i o s o (2 Rs 19:20­ sucedida (37:26, 27). Aquela nação foi sua
37; 2 Cr 32:20-22; Is 37:21-38) arma para julgar Israel e outros povos e para
O Senhor disse a Isaías para transmitir sua disciplinar Judá (Is 10:5-19). Que tolice o
mensagem ao rei, e o profeta obedeceu. A machado se vangloriar diante do lenhador e
resposta à oração de Ezequias tinha três par­ que tolice Senaqueribe tomar sobre si a gló­
tes: (1) Deus livraria Jerusalém; (2) Deus der­ ria por aquilo que o Senhor havia feito! Em
rotaria o exército assírio, e eles deixariam vez de honrar a Deus, Senaqueribe enfure­
Judá; (3) Deus cuidaria do povo, e eles não ceu-se contra o Senhor (19:27; Is 37:28, 29)
morreriam de fome. No entanto, Deus tam­ e se exaltou acima do Deus dos céus. Quais­
bém tinha uma mensagem de repreensão quer que sejam os motivos ou justificativas
para Senaqueribe por causa de seu orgulho apresentadas pelos líderes para aquilo que
e blasfêmia. A fé de Ezequias foi recompen­ fazem, a causa fundamental de seus atos é
sada e sua oração foi respondida. a rebelião contra Deus e sua lei (Sl 2:1-6; At
Repreensão (vv. 20-28; Is 37:22-29). 4:23-31). Porém, o Senhor trataria os assírios
Deus havia usado a Assíria para disciplinar como gado, colocaria anzóis no nariz deles
Israel, e o Senhor havia concedido a Sena­ e os levaria embora! Os assírios eram conhe­
queribe a vitória sobre outras nações, mas cidos por fazer isso com seus prisioneiros
Senaqueribe jamais havia dado a glória a de guerra, mas dessa vez seriam as vítimas.
Deus. Na verdade, seu comandante de cam­ Provisão (v. 29; Is 37:30). A Assíria ha­
po havia difamado o nome do Senhor (19:4, via tomado posse de Judá, saqueado a ter­
16, 22, 24; Is 37:4, 17, 23, 24) e blasfemado ra, se apoderado de cidades fortificadas e,
contra o Deus de Israel. Mas a "virgem, filha agora, estava sitiando Jerusalém. Quanto
de Sião" - a cidade de Jerusalém - menea­ tempo duraria o alimento? E mesmo que Je­
ria a cabeça num gesto de desprezo. O Se­ rusalém sobrevivesse, quanto tempo levaria
nhor usou a imagem de uma virgem, pois para restaurar a terra, plantar as lavouras e
os assírios não conseguiriam tomar a cidade ter uma colheita? O comandante havia avi­
e violá-la como os soldados pagãos faziam sado que o povo de Jerusalém morreria de
2 REIS 18:17 - 19:37; 20:12-21 569

fome e de sede caso não se sujeitasse à noite, o Anjo do S e n h o r matou 185 mil sol­
Assíria (2 Cr 32:11). Mas quem estava no dados assírios, dando fim ao cerco a Jerusa­
controle era o Senhor da ceifa. Setembro e lém. Rabsaqué havia se vangloriado de que
outubro eram os meses em que se fazia a um só capitão de menor graduação dos
semeadura, enquanto março e abril eram assírios era mais forte do que dois mil carros
dedicados à colheita. Os pomares e vinhas de Judá (Is 36:8, 9), mas quando o Senhor
produziam seus frutos de julho a setembro. quis exterminar 185 mil soldados inimigos,
Sem dúvida, os assírios chegaram na época tudo o que precisou fazer foi enviar um de
da colheita e confiscaram o alimento do seus anjos! ■
povo. Com os assírios na terra e com Jeru­ Foi uma derrota humilhante para os assí­
salém sitiada, o povo não poderia trabalhar rios, mas esse acontecimento trouxe gran­
nos campos, mas Deus prometeu que, quan­ de glória ao Senhor e honra para Ezequias
do os assírios partissem, o alimento cresce­ (2 Cr 32:23; ver SI 126:2, 3). Senaqueribe
ria por conta própria, até que os homens saiu de cena e voltou para casa, onde foi
pudessem cultivar os campos, pomares e vi­ morto por dois de seus filhos. Seus deuses
nhas. Deus não permitiria que seu povo não foram capazes de lhe dar a vitória em
morresse de fome. Judá, nem puderam protegê-lo da própria
Alguns estudiosos vêem uma relação família em sua terra natal. Por que Deus
entre essa profecia e o Salmo 126, um dos livrou seu povo? Para a glória do nome dele,
"Cânticos de Romagem" (ver o capítulo 10, evidentemente, mas também por Davi, a
nota 3). O salmo fala de um livramento sú­ quem ele amava (19:34). Por que Deus
bito e dramático de Jerusalém, o que, por abençoa seu povo hoje? Para sua própria
certo, não foi o caso no final do cativeiro glória e por amor a seu Filho, que morreu
na Babilônia. Trata-se, talvez, de uma refe­ por nós.
rência ao livramento de Jerusalém das mãos Morte (vv. 20, 21; 2 Cr 32:27-33). "Eze­
do exército assírio, quando Deus matou 185 quias prosperou em toda a sua obra", diz
mil soldados inimigos? Se esse é o caso, a 2 Crônicas 32:30. Pelas bênçãos do Senhor,
oração do Salmo 126:4 é apropriada. Ao teve muitas riquezas, rebanhos enormes e
saírem para os campos a fim de semear, os grandes armazéns de cereais e vinho. "Con­
homens estariam chorando de alegria, pois fiou no S e n h o r , Deus de Israel" (2 Rs 18:5).
sua terra havia sido liberta, mas é possível "Assim, foi o S e n h o r com ele; para onde quer
que também chorassem porque as semen­ que saía, lograva bom êxito" (2 Rs 18:7). Foi
tes que plantavam seriam transformadas em um exemplo do homem "bem-aventurado"
pão para seus filhos. As sementes eram es­ no Salmo 1, a pessoa que obedece à Pala­
cassas e, no entanto, Deus cuidou de seu vra, medita sobre ela e depende do poder
povo. de Deus.
Livramento (vv. 28, 30-37; 2 Cr 32:21, Ezequias não apenas recebeu o favor de
22; Is 37:31-38). Deus prometeu que livra­ Deus, mas também foi amado por seu povo.
ria seu "remanescente" de seus inimigos e Foi sepultado com os reis em Jerusalém, "e
eles iam "lançar raízes" e voltar a dar frutos. todo o Judá e os habitantes de Jerusalém
Não apenas Senaqueribe jamais entraria na lhe prestaram honras na sua morte" (2 Cr
cidade, como também não lançaria flecha 32:33). Como todos nós, Ezequias teve lap­
alguma contra ela, nem construiria fortifica­ sos de fé e falhas, mas sem dúvida foi um
ções ao seu redor durante o cerco! Em uma dos maiores reis da história do povo de Deus.

1. M aclaren, Alexander. Expositions of H oly Scripture. 2 Kings - Nehemiah, Baker, 1974, p. 244.

2. Ao estudar o discurso do comandante, somos tentados a crer que os assírios tinham alguém dentro de Jerusalém. Rabsaqué

sabia não apenas do partido favorável ao Egito, mas também, que Ezequias havia removido os altares pagãos (18:22) e que

isaías havia advertido o povo a não depender de cavalos nem de soldados (18:23; Is 30:15-17).
570 2 REIS 1 8 : 1 7 - 1 9:37; 20:1 2-21

3. Algumas versões também o chamam de "rei da Etiópia", numa referência ao Alto Nilo. Nessa época, era comandante oo

exército e, por fim, se tornou governante do Egito.


4. Muitos dos grandes acontecimentos da história de Israel ocorreram com o propósito de exaltar o nome de Jeová diante oe

todas as nações. Dentre eles, o êxodo (Êx 9:16); a conquista de Canaã (Dt 28:9, 10); a entrada em Canaã (Js 4:23, 24.-; á

execução de Golias (1 Sm 17:46) e a construção do templo (1 Rs 8:42, 43).


(33:23); Josias verdadeiramente se humilhou
12 diante do Senhor e foi usado como instru­
mento para um despertar espiritual em Judá
(34:19, 27). Nas palavras de A. W. Tozer: "A
O F im E stá P r ó x im o verdadeira humildade é algo saudável. O
indivíduo humilde aceita a verdade acerca
2 R eis 21:1 - 2 3 :3 0 de si mesmo".2
(2 C r ô n ic a s 33:1 - 3 5 :2 7 )
1. M an assés - h u m il h a d o pela
a f l iç ã o (2 Rs 21:1-18; 2 Cr 33:1-20)
O fato de o piedoso rei Ezequias ter gerado
um filho perverso é mais um daqueles mis­
e acordo com Cari F. Henry, eminente
D
térios da história bíblica. Se Manassés nas­
teólogo: "Vivemos no crepúsculo de ceu em 709 a.C., então estava com 7 anos
uma grande civilização, em meio ao declínio quando o pai foi curado e o milagre da som­
cada vez mais profundo da cultura moder­ bra ocorreu. Tinha 11 anos quando os 185
na. Aqueles impérios estranhos representa­ mil soldados assírios foram mortos. Ao que
dos por bestas nos livros de Daniel e de parece, esses milagres não causaram gran­
Apocalipse parecem estar à espreita e se de impacto em seu coração. Vários estudio­
espalhando sobre a superfície da Terra".1 sos acreditam que Manassés foi co-regente
Palavras como essas poderiam ter sido com o pai durante cerca de dez anos (697­
escritas a respeito de Judá nos dias dos três 687 a.C.), dos 12 aos 22 anos, tendo, por­
reis que estudaremos nestes capítulos: Ma- tanto, um relacionamento próximo com um
nassés, Amom e Josias. Do povo israelita pai temente a Deus.3 O que impressiona,
procederia a testemunha do verdadeiro Deus porém, é que Manassés tornou-se o rei mais
vivo ao mundo, mas muitos israelitas passa­ perverso da história de Judá, tanto que é
ram a adorar ídolos de outras nações. Israel responsabilizado pela queda do reino do Sul
tinha dado ao mundo os profetas e as Escri­ (2 Rs 24:3; Jr 15:1-4).
turas, mas a maioria dos líderes de Judá não A perversidade de Manassés (vv. 1-16;
dava mais ouvidos à Palavra de Deus. Josias 2 Cr 33:1-10). Ele foi terrivelmente ímpio e,
foi o último rei piedoso de Judá. O Senhor no entanto, teve o reinado mais longo da
havia feito uma aliança garantindo a prote­ história de Israel e Judá. Foi como se o Se­
ção do trono de Davi para que o Redentor nhor tivesse retirado a mão do reino de Judá
prometido viesse um dia, mas o governo de e permitido que toda imundície fosse derra­
Judá estava em decadência, e a própria exis­ mada do coração do povo. Em seu caráter e
tência do reino corria perigo. O futuro do conduta, Manassés foi pior que os amorreus
plano de Deus para o mundo perdido estava que Josué havia derrotado em Canaã, uma
num remanescente fiel que resistiu às inva­ nação conhecida por sua brutalidade e per­
sões das culturas pagãs e que permaneceu versidade (2 Rs 21:11; Gn 15:16). Tudo o
firme no Senhor. que Ezequias, seu pai piedoso, havia des­
A promessa de Deus não havia muda­ truído, Manassés reconstruiu ao conduzir a
do: "Se o meu povo, que se chama pelo meu nação de volta à idolatria, inclusive à adora­
nome, se humilhar, e orar, e me buscar, e se ção a Baal. Além disso, confeccionou ídolos
converter dos seus maus caminhos, então, abomináveis, colocando-os no templo do
eu ouvirei dos céus, perdoarei os seus peca­ Senhor (21:3; 2 Cr 33:7, 15), e incentivou o
dos e sararei a sua terra" (2 Cr 7:14). Cada povo a adorar "todo o exército dos céus"
um desses três reis teve de aprender algo (21:3; 33:3, 5; ver Dt 4:19 e 17:1-7). Deve­
acerca da humildade. Era quase tarde demais ria haver um só altar no átrio do templo,
quando Manassés se humilhou (2 Cr 33:12, porém Manassés acrescentou altares con­
19); Amom nunca se sujeitou ao Senhor sagrados a diversos deuses (ver 16:10-16)
572 2 REIS 21 1 - 23:30

e, assim, fez de Jeová apenas um "deus" den­ mediria a nação com seu prumo, mas essa
tre muitos outros. Deus havia colocado seu medição seria para destruir e não para
nome em um só lugar - no templo de Jeru­ edificar. Todos conheciam os prumos usa­
salém (21:4, 7; Dt 12:11; 1 Rs 8:20, 29; 9:3), dos pelos pedreiros para manter as paredes
mas uma profusão de falsos deuses passou retas à medida que as construíam, mas nin­
a dividir com ele essa honra. Manassés se­ guém mede uma construção para destruí-la
guiu a religião de Moloque, sacrificando um (ver Is 34:11 e Am 7:7-9, 17). Os julgamen­
de seus filhos a esse deus (Lv 18:21; 20:1-5), tos de Deus são justos, e ele daria a Judá o
e também consultou adivinhos e médiuns que merecia, como havia feito com Israel
(21:6; 33:6; Lv 19:31; Dt 18:11). (Samaria). O terceiro retrato é relacionado à
Em sua misericórdia, o Senhor enviou cozinha: Deus limparia o reino de Judá como
profetas para advertir o rei e o povo, mas quem tira toda a sujeira de um prato e re­
eles se recusaram a ouvir. Alguns desses move toda a água depois de lavá-lo. Trata-se
homens de Deus foram, sem dúvida, exe­ de uma figura do despovoamento da terra
cutados pelo rei (21:16) ao lado de outras causado pela morte ou pela deportação e
pessoas piedosas que se opunham à adora­ que deixaria a terra vazia (Jr 51:34).
ção de falsos deuses. Deus lembrou seu povo O termo "abandonarei", em 21:14, signi­
de que o usufruto da terra dependia de sua fica "entregar para julgamento". Deus prome­
obediência à lei do Senhor. Essa era a esti­ teu que jamais abandonaria seu povo (1 Sm
pulação básica da aliança que Deus fez com 12:22; 2 Sm 7:23, 24), mas também avisou
seu povo (Lv 26; Dt 28 - 29). Deus havia que os disciplinaria, se lhe desobedecessem.
garantido mantê-los na Terra Prometida (2 Sm Deus não quebrou sua promessa, pois ele é
7:10), mas, nos dias de Manassés, o Senhor sempre fiel a sua aliança, quer para aben­
os advertiu de que seriam tirados da terra e çoar pela obediência quer para castigar pela
dispersos entre as nações (Dt 28:64-68; Lv desobediência.
26:33-35). Esse julgamento já sobreviera ao O arrependimento de Manassés (2 Cr
reino do Norte com a invasão do exército 33:11-1319). O escritor de 2 Reis não faz
assírio, e o mesmo ocorreria com Judá quan­ qualquer referência à mudança impressio­
do os babilônios viessem (606-586 a.C.). nante na vida de Manassés, mas encontra­
Infelizmente, Judá não aprendeu com a dis­ mos o registro disso em 2 Crônicas.4Ao que
ciplina de Israel. parece, ele desagradou, de algum modo, o
Não sabemos quais profetas transmitiram rei da Assíria, e Deus permitiu que os ofi­
a mensagem em 2 Reis 21:10-15, mas suas ciais assírios fossem a Judá e capturassem o
palavras foram inequívocas. Se Manassés e rei. Não se tratou de um ato respeitável de
0 povo não se arrependessem e deixassem colocar alguém sob vigilância; puseram um
seus caminhos perversos, Deus enviaria um anzol em seu nariz e prenderam o rei com
julgamento tão severo que a simples men­ correntes (33:11). Foi tratado como um no­
ção dele faria seus ouvidos tinirem (21:12; vilho sendo levado para o matadouro - um
1 Sm 3:11; Jr 19:3). Trata-se de uma descri­ tratamento merecido. Naquele tempo, a ci­
ção da reação a notícias tão terríveis que dade da Babilônia servia de segunda capital
soam como um ruído muito alto, daqueles da Assíria, e foi lá que mantiveram Manas­
que fazem os ouvidos zunirem. O termo sés cativo.
hebraico salal significa "tinir, badalejar" e é Foi uma experiência de grande humilha­
relacionado à palavra usada para címbalos ção para o rei perverso, mas o Senhor a usou
e sinos. Quando ficassem sabendo que o exér­ para discipliná-lo e prostrá-lo. Manassés orou
cito da Babilônia se aproximava, seria como ao Senhor pedindo perdão; o Senhor cum­
ouvir o estrépito repentino de címbalos! priu sua promessa e o perdoou (2 Cr 7:14).
Acordem! Acordem! Mas seria tarde demais. Mais do que isso, o Senhor tocou os assírios
Porém, Deus usou outra imagem para des­ para que o libertassem e permitissem que vol­
pertá-los. Como um construtor meticuloso, tasse a Jerusalém, a fim de governar sobre
i
2 REIS 21:1 - 23:30 573

seu povo. Que demonstração maravilhosa levou os oficiais de Amom a assassiná-lo, mas
da graça de Deus! Manassés humilhou-se dificilmente foi por motivos espirituais. Ape­
(33:12), mas antes foi humilhado pelo Se­ sar de ser verdade que a lei de Moisés de­
nhor (33:19). O verdadeiro arrependimento cretava a execução dos idólatras (Dt 13), não
é uma operação de Deus no coração e uma havia em Judá quem tivesse autoridade para
resposta favorável do coração ao Senhor. tratar com um rei idólatra. E bem possível
A reforma de Manassés (2 C r 33:14-18, que os conspiradores estivessem mais in­
20). Ao voltar para casa, Manassés demons­ teressados em questões políticas. Amom
trou a sinceridade de sua conversão pro­ provavelmente era partidário dos assírios -
curando reparar todo o mal que havia feito. afinal, eles haviam libertado seu pai da pri­
Fortificou Jerusalém e outras cidades em são -, enquanto os oficiais favoreciam a
Judá, removeu seu ídolo do templo (33:7, Babilônia, sem perceber que a ascensão da
15) e também tirou de lá todos os altares Babilônia significaria, em última análise, a
que havia erguido a falsos deuses. Depois queda de Judá. Josias, filho de Amom, era,
de purificar o templo, fez os reparos ne­ sem dúvida alguma, partidário dos babilônios
cessários no altar abandonado do Senhor e e perdeu a vida no campo de batalha ten­
ofereceu sacrifícios de ação de graças ao tando impedir que o exército egípcio aju­
Senhor que o havia salvado. Ordenou que dasse a Assíria contra a Babilônia. O fato de
o povo de Judá servisse ao Senhor e deu o o povo ter escolhido Josias para ser rei de­
exemplo a ser seguido. Permitiu que ofere­ pois de Amom indica que não desejavam
cessem sacrifícios nos altos, mas não a deu­ um governante que favorecesse a Assíria.
ses pagãos - somente ao Deus de Israel.
"Produzi, pois, frutos dignos de arrependi­ 3. J o s i a s - h u m il h a d o p e la P a lavra
mento", disse João Batista aos fariseus e sadu- de D (2 Rs 22:1 - 23:30;
eus

ceus (Mt 3:8), e foi exatamente isso o que 2 C r 34:1 - 35:25)


Manassés fez. Dos vinte governantes de judá, inclusive a
Com a morte de Manassés, encerrou-se perversa rainha Atalia, somente oito deles po­
sua longa vida e reinado, e o rei foi sepulta­ deriam ser chamados de "bons": Asa, josafá,
do no jardim da própria casa, não no sepul­ Joás Amazias, Uzias, Jotão Ezequias e Josias.
cro dos reis (ver 2 Cr 28:27). Não há dúvidas de que Josias foi um grande
rei, pois até mesmo o profeta Jeremias usou-
2. A M O M - EMPEDERNIDO PELA o como um exemplo a ser seguido por ou­
(2 Rs 21:19-26;
d e s o b e d iê n c ia tros governantes. "Julgou a causa do aflito e
2 Cr 33:21-25) do necessitado", afirmou jeremias acerca de
Depois de seu arrependimento, Manassés Josias, ao passo que os reis que o sucederam
tentou reparar todos os estragos que havia exploraram o povo a fim de construir palá­
feito em Jerusalém e em Judá, mas houve cios luxuosos (Jr 22:11-17). Josias governou
um lugar que ele não pôde mudar: o cora­ durante trinta e um anos (640-609 a.C.) e
ção de seu filho, Amom. O jovem Amom andou nos caminhos do Senhor, pois seguiu
havia sido influenciado demais pelos peca­ o exemplo de Davi. Por certo, sua mãe era
dos do pai para dar atenção à nova vida de uma mulher piedosa que guiou seu filho com
obediência de Manassés e, sem dúvida, hou­ sabedoria. O rei tinha 8 anos de idade quan­
ve gente na corte que o incentivou a man­ do o colocaram no trono, de modo que os
ter as coisas como eram. Enquanto Manassés oficiais da corte foram seus mentores; mas,
humilhou-se diante do Senhor, seu filho aos 16 anos, Josias entregou-se ao Senhor e
Amom recusou-se a fazer o mesmo (2 Cr começou a buscar sua bênção.
33:23) e, quanto mais tempo passava em A purificação da terra (2 Cr 34:3-7).
pecado, mais seu coração endurecia. Ezequias havia purificado Judá depois de
"Porque o salário do pecado é a morte" Acaz, enquanto Manassés havia tratado das
(Rm 6:23). O texto não deixa claro o que conseqüências de práticas perversas que ele
574 2 REIS 21:1 - 23:30

próprio havia instituído. Então, Josias, um Jeremias aos exilados de Judá na Babilônia
rapaz de 20 anos de idade, dispôs-se a repa­ (Jr 29:1-23), e seu filho, Aicão, foi um dos
rar os estragos feitos peio pai, Amom. Infe­ homens que consultou a profetisa Hulda
lizmente, nem todos os líderes de Judá guar­ acerca do Livro da Lei (1 Rs 22:12-20). Aicão
daram a lei de Deus e levaram a nação a também intercedeu junto ao rei Jeoaquim
honrar Jeová a todo tempo. Os quatro reis para que não executasse o profeta Jeremias
que sucederam Josias desfizeram todo o (Jr 26:16-24). Depois da queda de Judá e
bem que ele havia feito e entregaram a na­ de Jerusalém, Gedalias, neto de Safã, foi no­
ção nas mãos dos babilônios. A ascensão e meado governador de Judá. De seus quatro
queda de todas as coisas deve-se a sua lide­ filhos, o único que trouxe decepções foi
rança, e o jovem rei Josias ofereceu ao povo Jaazanias, que adorou ídolos no templo do
uma liderança espiritual assertiva. Havia bus­ Senhor, como revelado a Ezequiel em uma
cado ao Senhor desde os 14 anos de idade visão (Ez 8:11, 12).
e estava preparado para purificar a terra. O povo estava contribuindo para a ma­
Expurgou Judá dos altos e conclamou o nutenção do templo, de modo que o rei
povo de volta à adoração no templo em Je­ ordenou a Safã que dissesse ao sumo sacer­
rusalém. Destruiu os ídolos e altares con­ dote Hilquias para distribuir os fundos entre
sagrados a Baal e a outros falsos deuses e os trabalhadores e começar a fazer as refor­
profanou os lugares em que o povo adorava mas no templo. Não bastava apenas acabar
esses ídolos. Depois de purificar Jerusalém com a idolatria na terra; o templo deveria
e Judá, rumou para o norte e, já em Israel estar disponível para a adoração do verda­
(Manassés, Efraim e Naftali), livrou essa re­ deiro Deus vivo. Assim como havia ocorrido
gião da idolatria. É interessante observar que com a reconstrução do templo no reinado
o rei de Judá pudesse ter influência e exer­ de Joás (2 Rs 12), não houve necessidade
cer autoridade sobre essas tribos em Israel de manter registros detalhados. A liderança
(Samaria), mas muitos membros de Efraim, é um exercício de mordomia, e os líderes
Manassés, Issacar e Zebulom haviam com­ devem providenciar para que o trabalho seja
parecido à comemoração de Páscoa orga­ feito com integridade e que o dinheiro de
nizada por Ezequias e voltado para casa Deus seja usado com sabedoria.
determinados a agradar ao Senhor (2 Cr A descoberta das Escrituras (22:8-20;
30:18). De acordo com 2 Crônicas 34:7, o 2 Cr 34:14-28). É impressionante que o Li­
rei fez essas viagens pessoalmente, encabe­ vro da Lei tivesse se extraviado dentro do
çando a remoção da idolatria nesses locais.5 templo! Seria como perder a Bíblia dentro
A reforma no templo (22:3-7; 2 C r 34:8­ de uma igreja e passar anos sem sentir falta
13). O décimo oitavo ano de Josias como dela. E provável que esse rolo contivesse os
rei foi, sem dúvida alguma, extraordinário. cinco livros de Moisés, mas "Safã leu nele
Reformou o templo do Senhor, em que o diante do rei" (2 Cr 34:18); isto é, leu passa­
Livro da Lei foi descoberto; fez uma aliança gens escolhidas pelo rei, talvez do Livro de
com o Senhor; realizou mais reformas na Deuteronômio.6 Safã apresentou ao rei um
terra e organizou uma grande comemora­ relatório do projeto de reformas no templo
ção de Páscoa. Tinha, então, 26 anos de e, depois, como se quase tivesse esque­
idade. O homení que deu andamento aos cido, comentou sobre o livro recém-desco-
planos do rei para reformar o templo foi Safã, berto. Josias teve uma atitude louvável ao
pai de uma família excepcional. Seu filho, expressar seu desejo de ouvir o que o livro
Gemarias, foi um daqueles que instou o rei dizia e, quando foi feita a leitura para ele,
Jeoaquim a não queimar o rolo escrito por ficou abalado de tanto temor e tristeza. A
Jeremias, e seu neto, Micaías, ouviu Baruque maneira de as pessoas reagirem à Palavra
fazer a leitura do segundo rolo de Jeremias de Deus é um bom indicador de seu apetite
no templo, relatando-a aos secretários do rei espiritual e da intensidade de seu desejo em
(Jr 36:11 ss). Seu filho, Elasa, levou a carta de agradar ao Senhor.
2 R EIS 2 1 : 1 - 23:30 575

Se, de fato, Safã leu do Livro de Deute- piedosa e de sua humildade diante do Se­
ronômio, então o que Josias ouviu nos capí­ nhor (ver 2 Cr 33:12, 23). Apesar de Josias
tulos 4 a 13 serviu de condenação para o ter morrido em decorrência de ferimentos
que a nação havia feito de perverso. Os ca­ sofridos numa batalha, desceu à cova em
pítulos 14 a 18 o perturbaram com relação paz, pois Nabucodonosor e seu exército
ao que a nação havia deixado de fazer, en­ ainda não haviam invadido a terra. Deus
quanto a aliança descrita nos capítulos 27 a chamou Josias para junto de si antes que
30 foi uma advertência sobre o que Deus sobreviesse o terrível julgamento.
faria se a nação não se arrependesse. Nas A aliança com o Senhor (23:1-3; 2 Cr
estipulações de sua aliança, o Senhor dei­ 34:29-33). A delegação transmitiu a mensa­
xou claro que, se a nação desobedecesse à gem de Hulda ao rei, que reuniu imediata­
sua lei, seria castigada com severidade. O mente os anciãos, sacerdotes, profetas e o
rei ficou tão comovido que rasgou suas ves­ povo do reino e lhes contou o que havia
tes e ordenou ao sumo sacerdote e a vários ouvido. Em seguida, pediu que, juntos, fi­
oficias que consultassem o Senhor quanto à zessem uma aliança com o Senhor. A "reno­
situação espiritual de Judá. Josias estava com vação da aliança" é uma ocorrência comum
apenas 26 anos de idade e havia começado ao longo da história do povo de Deus. Quan­
a buscar ao Senhor havia apenas dez anos, do a nova geração estava prestes a entrar
no entanto, sua resposta à Palavra de Deus em Canaã, Moisés conduziu-os numa reno­
demonstrou grande maturidade. vação da aliança, registrada em Deuteronô-
Hilquias não consultou Jeremias sobre mio. Em duas ocasiões, Josué pediu que a
esse assunto, nem o profeta Sofonias, um aliança fosse renovada (Js 8:34ss; 24), como
parente de Josias (Sf 1:1) que estava minis­ também o fez Samuel (1 Sm 7:2ss; 12:1 ss).
trando naquela época. É possível que Depois que Neemias e o povo completa­
Jeremias não estivesse em Jerusalém, mas ram a reconstrução dos muros de Jerusalém,
sim com a família em Anatote, e que Sofonias Esdras liderou-os numa reconsagração ao
também estivesse fora. De qualquer modo, Senhor (Ne 8 - 1 0 ) . Em nosso tempo, não
a comissão organizada pelo rei encontrou devemos supor pelo crescimento de nossas
uma serva capaz do Senhor, a profetisa Hul­ igrejas nem pela prosperidade de nosso mi­
da, cujo marido, Salum, era encarregado do nistério que o povo de Deus se encontre,
guarda-roupa real.7 Além de Hulda, as ou­ necessariamente, em seu auge. Existem oca­
tras profetisas que aparecem nas Escrituras siões em que a melhor coisa a se fazer é
são Miriã (Êx 15:20), Débora ()z 4:4), Noadia reafirmar em comunidade nossa consagra­
(Ne 6:14), a esposa do profeta Isaías (Is 8:3), ção a Cristo.
Ana (Lc 2:36) e as quatro filhas de Filipe, o O rei colocou-se junto a um pilar do tem­
evangelista (At 21:8, 9). plo (ver 11:14) e leu as palavras da lei para a
A mensagem de Hulda foi apresentada assembléia. Entrou em aliança com o povo,
em duas partes. A primeira (2 Rs 22:15-17; prometendo andar na presença do Senhor
2 Cr 34:23-25) foi dirigida "ao homem que em obediência e devoção. Josias deu o exem­
vos enviou", significando que, diante da lei plo, pois se os líderes não andarem com
de Deus, Josias era um homem comum, Deus, de que maneira o Senhor poderá ofe­
como o restante do povo de Judá e Israel. A recer suas melhores bênçãos a seu povo?
segunda (22:18-20; 34:26-28) foi dirigida "ao Essa assembléia não foi uma demonstração
rei de Judá", ou seja, a Josias como um indi­ de "religião civil", em que todos obedeciam
víduo com necessidades e preocupações porque o rei ordenara. Josias suplicou a que
espirituais. No que se referia à nação, Deus entregassem o coração e o espírito ao Se­
enviaria, de fato, sua ira por causa da deso­ nhor em sinceridade e em verdade.
bediência contumaz do povo. Porém, com A reforma da terra (23:4-20; 2 C r 34:33).
referência a Josias, ele seria poupado do jul­ Em seguida, o rei começou a implementar
gamento vindouro em função de sua vida as estipulações da aliança e a obedecer às
576 2 REIS 21:1 - 23:30

leis do Senhor. Primeiro, removeu do tem­ o santuário colocado ali pelo rei Jeroboão
plo tudo o que pertencia aos cultos idóla­ (1 Rs 12:28-33). Tomou restos mortais de
tras, queimou esses objetos no vale do sacerdotes de Betei, sepultados nos arredo­
Cedrom e ordenou que as cinzas fossem res, e queimou-os no altar, espalhando as
levadas a Betei e espalhadas de modo a pro­ cinzas para poluir toda a região. Com isso,
fanar o santuário do bezerro de ouro que cumpriu a profecia feita três séculos antes
Jeroboão havia construído naquele local. (1 Rs 13:31, 32). Quando Josias viu o túmulo
Também demoliu esse santuário e destruiu do homem de Deus que havia profetizado
tudo o que era associado a ele (2 Rs 23:15; esses atos, ordenou que fosse deixado
Os 10:5; Sf 1:4). Tirou de dentro do templo intacto.
o ídolo abjeto que Manassés havia coloca­ Josias fez por toda a terra de Samaria o
do ali (ver 2 Rs 21:7; 2 Cr 33:7), queimou e mesmo que havia feito em Betei, destruindo
pulverizou aquela imagem e espalhou as ídolos e santuários consagrados a eles e
cinzas sobre os túmulos daqueles que o ha­ matando os sacerdotes idólatras que ser­
viam adorado a fim de profaná-los. Josias des­ viam em seus altares (Dt 13:6-11; 18:20). É
truiu as casas dos sodomitas (prostitutos importante não confundir os sacerdotes idó­
templares; 1 Rs 14:24; 15:12), em obediên­ latras do versículo 20 com os sacerdotes
cia a Deuteronômio 23:17, 18. desobedientes do versículo 8. Estes últimos
Além disso, removeu os sacerdotes leví- receberam permissão de viver em Jerusalém,
ticos que haviam ministrado nos altos por mas não de servir no altar do templo. Por
todo Judá (2 Rs 23:8), desde a fronteira ao fim, Josias removeu os diversos médiuns es­
norte (Ceba) até o extremo sul (Berseba), píritas da terra (2 Rs 23:24), pessoas que, no
profanou esses lugares e levou os sacerdo­ passado, foram incentivadas pelo rei Ma­
tes para Jerusalém. Não lhes era permitido nassés a continuar com suas práticas (21:6).
servir no templo, mas recebiam sua parte Porém, apesar de todo o bem que Josias fez,
em alimentos dos sacrifícios. Também pro­ não pôde impedir o Senhor de enviar seu
fanou Tofete, o local de sacrifícios humanos julgamento sobre Judá. Os pecados de
no vale de Hinom (ver Is 30:33; Jr 7:31, 32 e Manassés haviam sido tão grandes que nada
19:6, 11-14). Removeu os cavalos consagra­ evitaria que o Senhor derramasse sua ira
dos ao deus sol e queimou as carruagens. sobre seu povo.
Imagine usar os átrios do templo como es­ A celebração da Páscoa (23:21-23; 2 Cr
tábulo! Derrubou e destruiu os altares aos 35:1-19). Em vários aspectos, Josias estava
exércitos dos céus que Acaz havia colocado seguindo o exemplo do rei Ezequias, ao pu­
no terraço do templo (2 Rs 16:1-4, 10-16; rificar a nação da idolatria, fazer os reparos
21:3, 21, 22), que haviam sido removidos necessários no templo, restaurar a adoração
por Ezequias e recolocados ali por Manassés e comemorar uma grande festa nacional de
(ver Jr 19:13 e 32:29). Também se livrou dos Páscoa em Jerusalém. Apesar de todas as
altares que Manassés havia colocado no átrio festas indicadas em Levítico 23 serem ex­
do templo. Todas essas coisas foram despe­ pressivas e relevantes, a Páscoa era espe­
daçadas e lançadas no depósito de lixo no cialmente importante. Dentre outras coisas,
vale de Cedrom. lembrava o povo de Deus de sua origem
Na encosta sul do monte das Oliveiras, como nação no Êxodo, quando o Senhor
havia altares providenciados por Salomão os livrou da escravidão do Egito. A liberta­
para suas esposas pagãs adorarem seus deu­ ção havia sido uma demonstração da graça
ses (1 Rs 11:5-7), e Josias removeu e des­ e do poder de Deus. Ele os tomou para si
truiu esses altares. A fim de certificar-se de como seu povo e entrou numa relação de
que aquela região nunca mais seria usada aliança com eles no monte Sinai. Eram o po­
para a idolatria, profanou-a enterrando os­ vo escolhido de Deus, o povo da aliança de
sos humanos no local (Nm 19:16). Levou sua Deus, um povo cujo propósito era glorificar
cruzada até Samaria, onde destruiu em Betei o nome do Senhor.
2 REIS 21 1 - 23:30 577

Ezequias havia celebrado uma grande Josias governou numa época em que a
festa de Páscoa no segundo mês do ano, Assíria estava em declínio, e a Babilônia ain­
mas a comemoração promovida por Josias da não havia chegado a seu auge. Foram
ocorreu no primeiro mês. Observe que, em tempos de mais tranqüilidade, em que o
2 Crônicas 35, dá-se ênfase aos levitas e à povo podia viajar sem maiores perigos. A
importância de seu ministério durante a Pás­ comemoração foi, de fato, uma grande reu­
coa (vv. 2, 5, 8-12, 14, 15, 18). De acordo nião do povo, tanto de Judá quanto de
com 2 Reis 23:22 e 2 Crônicas 35:18, essa Samaria. O povo de Deus precisa de oca­
Páscoa foi ainda mais grandiosa do que siões como essa para celebrar em conjunto
aquela comemorada no tempo de Ezequias, ao Senhor e a sua bondade e para ter co­
pois "todo o Judá e Israel [...] se acharam munhão uns com os outros.
ali" (2 Cr 35:18; ver 30:18). A Páscoa de Eze­ O sacrifício de sua vida (23:28-30; 2 Cr
quias durou duas semanas, mas na Páscoa 35:20-27). Nínive, capital da Assíria, foi to­
de Josias, o povo ofereceu quase o dobro mada por babilônios e medos em 612 a.C,
de sacrifícios. Pelo menos 37.600 animais e a Assíria entrou, irreversivelmente, em
foram oferecidos, além de 3.800 bois. Os declínio. Em 608 a.C., o Faraó Neco socorreu
sacerdotes e levitas foram purificados, san­ os assírios com seu exército, lutando contra
tificados e preparados para servir, e estavam os babilônios.8 Josias era partidário dos
presentes muitos levitas que cantaram louvo­ babilônios e não gostou de ver os soldados
res ao Senhor e tocaram seus instrumentos. egípcios marchando ao longo da fronteira
Josias obedeceu ao que havia lido na lei ocidental de Judá, de modo que conduziu
do Senhor. pessoalmente o exército de Judá contra
O que significa a admoestação do rei Neco. O confronto entre os dois exércitos
Josias aos levitas com referência a carregar deu-se cerca de 80 quilômetros ao norte de
a arca (2 Cr 35:3)? Carregar a arca sagrada Jerusalém, em Megido, onde Josias foi mor­
havia sido uma incumbência dos coatitas talmente ferido. Seus oficiais o levaram de
(Nm 4), mas a nação não era mais um povo volta a Jerusalém; lá, ele faleceu e foi sepul­
peregrino, e a arca havia sido colocada no tado com os reis.
Santo dos Santos no templo. No que diz res­ Josias não havia recebido ordem algu­
peito ao Livro da Lei ter sido perdido e ao ma do Senhor para interferir no conflito en­
fato de ele ser mantido dentro da arca (Dt tre o Egito e Babilônia e, no entanto, o Faraó
31:24-29), conjeturou-se que, talvez, a arca Neco afirmou que havia sido enviado pelo
tenha sido retirada do templo e escondida Senhor para ajudar a Assíria. De acordo com
durante os dias de perversidade de Manas- 2 Crônicas 35:22, essa mensagem veio "da
sés e que a arca e o Livro tenham sido sepa­ parte de Deus". O Egito e a Assíria não con­
rados. Sugeriu-se, ainda, que, no lugar da seguiram deter a Babilônia, mas pelo fato
arca, Manassés colocou a imagem que fize­ de Neco haver derrotado Josias, Judá pas­
ra e à qual adorava (2 Rs 23:4-6; 2 Cr 33:7). sou alguns anos sob o controle do Egito (2 Cr
O termo hebraico traduzido por "ponde", 36:3, 4). Josias foi grandemente pranteado
em 2 Crônicas 35:3, também pode ser tra­ em Judá, e Jeremias chegou a escrever la­
duzido por "deixai", de modo que essa or­ mentos em homenagem ao rei (2 Cr 35:25;
dem pode significar: ver Jr 22:10). Esses lamentos se perderam e
— Não tragam a arca; no momento, não não devem ser confundidos com o Livro de
precisamos dela. Não estamos mais pere­ Lamentações.
grinando. Da morte de Josias em 608 a.C. até a
E possível que alguns dos levitas mais destruição de Jerusalém pela Babilônia em
zelosos quisessem acrescentar a presença 586 a.C. - um período de vinte e dois anos
da arca àquela grande comemoração, mes­ - o trono de Davi foi ocupado por uma
mo que não se tratasse de uma estipulação sucessão de quatro reis, sendo três deles fi­
da lei. lhos de Josias que não seguiram seu exemplo
578 2 R EIS 21:1 - 23:30

de fé. Jeoacaz e Jeoaquim reinaram ape­ remanescente fiel que continuava seguin­
nas três meses cada um. Foram dias tristes do ao Senhor e ajudando, a cada geração,
para o povo de Deus, mas ainda havia um aqueles que buscavam ao Senhor.

1. H enry, Cari F. Twilight o fa Creat Civilization. Crossway Books, J 988, p. 15.

2. T o zer, A. W . Coc/ Te//s tfte Man Who Cares. Chrisíian Publications, p. 138.

3. Se Manassés estava com 12 anos de idade em 697 a.C., então havia nascido em 709 . a.C. Foi co-regente com o pai de 697

a.C. a 687 a.C. e governou sozinho nos quarenta e cinco anos seguintes. Tinha 7 anos de idade em 702 a.C., quando seu pai

foi acometido da enfermidade grave, e se tornou co-regente cinco anos depois (697 a.C.). Uma vez que Manassés era herdeiro

do trono de Davi, sem dúvida seu pai o ensinou a obedecer à Palavra.

4. E bem prováve! que 1 e 2 Crônicas tenham sido escritos e colocados em circulação quando o povo de Judá estava no cativeiro

na Babilônia, de modo que o Espírito Santo dirigiu o escritor a enfatizar as mensagens que os exilados precisavam ouvir. Se

Deus era capaz de perdoar e de restaurar um homem tão perverso quanto Manassés, não poderia, também, perdoar e

restaurar seu povo cativo? O rei Manassés é um testemunho vivo da veracidadeda promessa de Deus em 2 Crônicas 7:14.

5. A ênfase em 2 Crônicas é sobre "todo Israel", a união dos dois reinos como povo de Deus. Muita gente piedosa do reino do
Norte havia se mudado para Judá, a fim de ficar sob a liderança espiritual dos sacerdotes levíticos no templo consagrado ao

Senhor. A menção a Simeão em 34:6 lembra que, em termos políticos, essa tribo fazia parte de Judá (1 Cr 4:24-43).

6. Alguns estudiosos afirmam que esse episódio todo foi uma "fraude piedosa" e que Hilquias "encontrou" o livro a fim de

chamar a atenção de Josias para a lei de Moisés e para a aliança que Israel havia feito com o Senhor. Mas, por que seria preciso

usar de uma abordagem tão desonesta com um rei que demonstrava abertamente seu amor pelo Senhor? Durante o longo

reinado de Manassés, a lei de Deus havia sido ignorada e desobedecida explicitamente, e não era nada difícil que a cópia das

Escrituras que ficava no templo tivesse sido escondida a fim de ser protegida, tendo, depois, caído no esquecimento. Porém,

esse rolo não era a última e única cópia da lei de Deus na terra, uma vez que o sumo sacerdote e outros oficiais do templo
certamente possuíam mais cópias. Essa foi a ocasião oportuna para Josias ouvir a lei de Deus, e o Senhor providenciou para

que isso ocorresse.


7. Não existe evidência alguma de que esse Salum fosse o tio de Jeremias (Jr 32:7).

8. De acordo com algumas versões de 2 Reis 23:29, o Egito "subiu contra o rei da Assíria", quando, na verdade, os egípcios

haviam se aliado aos assírios contra a Babilônia. Outra versão diz:, "O Faraó-Neco... subiu ao rei da Assíria".
Jeoacaz. Não temos informação alguma so­
13 bre Joanã e podemos supor que ele morreu
quando ainda criança. Quando Josias fale­
ceu, o povo colocou no trono seu filho mais
C h ec o u o F im novo, Jeoacaz, passando-o à frente de seus
dois irmãos mais velhos. Seu nome era Salum
2 R eis 23:31 - 2 5 :3 0 (Jr 22:11), mas ao assumir o trono, foi cha­
(2 C r ô n ic a s 3 6 ) mado de Jeoacaz. Ele e Zedequias eram ir­
mãos por parte de pai e mãe (2 Rs 23:31;
24:18). E evidente que o Jeremias mencio­
nado em 23:31 não é o profeta Jeremias,
uma vez que o profeta não era casado (Jr
/ / “ Todas as grandes nações cometeram 16:1, 2).
I suicídio." O líder político inglês Ri­ Jeoacaz reinou apenas três meses. Quan­
chard Cobden fez essa observação, ilustrada, do Neco estava voltando para o Egito, de­
de modo bastante apropriado, pela história pôs Jeoacaz e colocou no trono Eliaquim.
do reino de Judá. Não foram golpes milita­ Mudou o nome do novo rei para Jeoaquim
res ou políticos externos e inesperados que e impôs um tributo pesado sobre Judá. É bem
derrubaram Judá. A nação cometeu suicídio provável que Jeoaquim tivesse uma política
ao se deteriorar moral e espiritualmente de favorável ao Egito, enquanto Jeoacaz favo­
dentro para fora. Esses capítulos narram a recia alianças com a Babilônia, como havia
história trágica dos últimos anos de uma feito seu pai, Josias. O Faraó encontrou-se
grande nação. Podemos observar os passos com Jeoacaz no quartel-general egípcio, em
de seu declínio e as decisões de seus reis Ribla, e de lá o levou para o Egito, onde Jeoa­
que arrastaram o povo para a destruição. caz morreu. Esses acontecimentos haviam
sido preditos pelo profeta Jeremias. O profe­
1. P e r d e r a m s u a in d e p e n d ê n c ia ta disse ao povo para não prantear a morte
(2 Rs 23:29-33; 2 Cr 35:20 - 36:4) de Josias, mas sim o exílio de seu filho e
O rei Josias foi um homem piedoso, com sucessor, Salum, pois ele jamais voltaria a
um desejo sincero de servir ao Senhor, mas ver Judá (Jr 22:10-12). Porém, ao contrário
que cometeu um erro tolo ao atacar o Faraó- do pai, Josias, Jeoacaz foi um homem ímpio
Neco. Sua interferência nos assuntos do e um rei perverso e mereceu o exílio.
Egito foi uma decisão política pessoal e não Jeová chamou Israel para ser um povo
uma ordem recebida do Senhor. Josias que­ "que habita só e não será reputado entre
ria evitar que o Faraó-Neco ajudasse a Assíria as nações" (Nm 23:9). Deveria depositar
a lutar contra a Babilônia, sem perceber que sua fé somente no Senhor e não em con­
a Babilônia - e não a Assíria - se mostraria a cessões ou tratados realizados por diplo­
maior inimiga de Judá. Josias foi mortalmen­ matas astutos. Israel era a "propriedade
te ferido por uma flecha em Megido e mor­ peculiar" de Deus, um "reino de sacerdo­
reu em Jerusalém. Com a morte desse rei tes" (Êx 19:5, 6; ver Dt 7:6-11). Foi Salomão
piedoso, Judá perdeu sua independência e quem tirou Israel de sua posição de isola­
teve de se sujeitar ao domínio egípcio. Essa mento e colocou a nação no cenário da
situação estendeu-se de 609 a.C. até cerca política internacional. Casou-se com sete­
de 606 a.C., quando o Egito retirou-se e a centas mulheres (1 Rs 11:3), sendo que a
Babilônia assumiu o controle. maioria dessas esposas representava trata­
De acordo com 1 Crônicas 3:15, 16, Jo­ dos firmados com governantes e homens
sias teve quatro filhos: Joanã; Eliaquim, influentes, pais ou irmãos dessas mulheres.
chamado posteriormente de Jeoaquim; Ma- Esses tratados permitiram o afluxo de ri­
tanias, chamado posteriormente de Zede- quezas para a nação e a mantiveram afas­
quias e Salum, também conhecido como tada de guerras, mas no final, tanto Salomão
580 2 REIS 23:31 - 25:30

quanto Israel entregaram-se à idolatria das Josias, seu pai, não tinha respeito algum pelo
nações a seu redor (1 Rs 11:1-13). Senhor nem por sua Palavra (Jr 22:1-23).
Se o povo de Israel tivesse obedecido Porém, o novo império da Babilônia es­
ao Senhor e guardado sua aliança, ele os tava prestes a tomar o lugar do Egito como
teria colocado à frente das nações (Dt 28:1 - grande inimigo e senhor de Judá. Seu rei,
14), mas sua desobediência redundou em Nabucodonosor, atacou o Egito, mas a ba­
derrotas e na dispersão pelas nações da Ter­ talha terminou sem um vitorioso, e Nabuco­
ra. Infelizmente, a Igreja seguiu o péssimo donosor voltou para a Babilônia a fim de
exemplo de Israel e se envolveu com o mun­ reequipar e de fortalecer seu exército antes
do em vez de manter-se separada dele (2 Tm de entrar novamente em combate. Jeoaquim
2:4; Tg 1:27; 1 Jo 2:15-17). Os cristãos en­ concluiu, equivocadamente, que, com essa
contram-se no mundo, mas não são do mun­ "retirada" da Babilônia, o Egito era forte o
do, o que nos permite ir ao mundo e falar suficiente para resistir aos babilônios, de
de Jesus Cristo aos pecadores (Jo 17:13-19). modo que, depois de passar três anos como
Campbell Morgan comentou que as maio­ rei vassalo, rebelou-se contra Nabucodo­
res contribuições da Igreja ao mundo se de­ nosor e se recusou a pagar o tributo anual.
ram quando ela se parecia menos com ele. Enquanto não podia ir a Jerusalém em pes­
Seja separado e diferente! soa, Nabucodonosor ordenou que os exér­
citos de algumas de suas nações vassalas
2. P erd eram su a terra atacassem e saqueassem Judá. Esses ataques
(2 Rs 23:34 - 24:7; 2 C r 36:5-8) foram apenas um prelúdio da grande inva­
Uma vez que depôs Jeoacaz, Faraó-Neco são que levaria à destruição de Jerusalém e
escolheu o segundo filho de Josias para ser do templo. Isaías havia dito ao rei Ezequias
o próximo regente, mudando seu nome de que isso aconteceria (2 Rs 20:12-20), e o rei
Eliaquim para Jeoaquim. Os dois nomes sig­ Manassés havia recebido a mesma adver­
nificam "Deus estabeleceu", mas seu novo tência, mas a ignorou (21:10-15). Jeremias
nome trazia a designação "Jeová", usada tivera a visão da panela ao fogo voltada para
para Deus na aliança, no lugar de "El", nome o norte, simbolizando a invasão vindoura da
comum para Deus. Com isso, Faraó-Neco Babilônia (Jr 1:11-16; ver 4:5-9; 6:22-26).
declarava ser o agente do Senhor no gover­ A situação em que ocorreu a morte do
no de Judá. E evidente que o novo rei teve rei Jeoaquim deve ser reconstituída a partir
de prestar um juramento de lealdade a Neco, de informações encontradas em 2 Reis, em
em nome de Jeová, sendo que sua nova 2 Crônicas e no Livro de Jeremias. Em 597
designação serviria para lembrá-lo de suas a.C., Nabucodonosor foi a Jerusalém casti­
obrigações. A fim de pagar tributo a Neco, gar o rei rebelde, mas, antes de chegar, seus
o novo rei taxou o povo de Judá. Jeoaquim oficiais já haviam capturado e acorrentado
reinou durante onze anos e, durante esse Jeoaquim, a fim de levá-lo cativo para a
tempo, Judá envolveu-se cada vez mais em Babilônia (2 Cr 36:5, 6). O texto não diz se
conflitos com as nações a seu redor. ele morreu de causas naturais ou se foi exe­
Jeoaquim era um homem perverso. cutado (2 Rs 24:6); o versículo menciona
Quando o profeta Urias o censurou e de­ apenas sua morte ("descansou Jeoaquim
pois fugiu para o Egito, o rei enviou seus com seus pais"), mas não fala de seu sepul-
homens atrás dele a fim de encontrá-lo e tamento. Morreu em dezembro de 598 a.C.,
matá-lo (Jr 26:20-24). O profeta Jeremias antes de Nabucodonosor entrar em cena em
anunciou que Jeoaquim não seria prantea­ março de 597 (2 Rs 24:1 Oss). O profeta
do quando morresse, mas que seria sepulta­ Jeremias avisou que Jeoaquim teria uma
do como um jumento e não como um rei (Jr morte ignominiosa e que não seria sepulta­
22:18, 19). Foi Jeoaquim quem cortou em do. É provável que, quando o rei faleceu,
pedaços e queimou o rolo contendo a seu corpo tenha sido jogado em alguma cova
profecia de jeremias (Jr 36). Ao contrário de do lado de fora dos muros de Jerusaíém.
2 REIS 23:31 - 25:30 581

Viveu uma vida de desgraça e foi, apropria­ terceiro filho de Josias, foi nomeado rei no
damente, sepultado de modo vergonhoso. lugar de Joaquim.2

3. P e r d e r a m s u a r i q u e z a e s e u s l íd e r e s 4. P e r d e r a m s u a c i d a d e e s e u t e m p l o
(2 Rs 24:8-17; 25:27-30; (2 Rs 24:18 - 25:21; 2 Cr 36:11-21)
2 C r 36:9, 10) Joaquim havia reinado apenas três meses
Nabucodonosor nomeou Joaquim (Jeconias, quando foi exilado na Babilônia, mas seu
Conias), filho de Jeoaquim, para ocupar o sucessor, Zedequias, ocupou o trono duran­
trono, mas seu reinado durou apenas três te onze anos. Zedequias fingiu sujeitar-se aos
meses. Na época, Joaquim tinha 18 anos de babilônios, enquanto negociava com os egíp­
idade.' Quando o rei babilônio chegou a cios e dava ouvidos aos líderes do governo
Jerusalém acompanhado de seus oficiais e de Judá partidários do Egito (Ez 17:11-18).
de seu exército, em março de 597 a.C., Joa­ Zedequias jurou em nome do Senhor que
quim liderou a família real e os líderes de seria fiel ao rei da Babilônia (2 Cr 36:13; Ez
Judá na rendição ao inimigo. Jeremias havia 17:11-14). Manteve contatos diplomáticos
predito esse acontecimento humilhante (Jr com a Babilônia (Jr 29:3) e chegou até a
22:24-30). visitar a corte de Nabucodonosor (Jr 51:59);
Os babilônios tomaram os tesouros do mas também enviou representantes ao Egi­
rei e também os tesouros do templo do Se­ to para buscar a ajuda do Faraó Hofra.
nhor. Alguns dos utensílios do templo já ha­ Em 605 a.C., durante o reinado de Joa­
viam sido levados para a Babilônia (2 Cr quim, os babilônios haviam deportado para
36:7), mas, dessa vez, os babilônios remo­ sua capital alguns dos jovens mais distintos
veram todo o ouro que puderam encontrar. de judá, inclusive Daniel e seus amigos, a
Em seguida, deportaram para a Babilônia fim de prepará-los para cargos oficiais (Dn
mais de dez mil pessoas importantes, inclu­ 1:1, 2). A segunda deportação ocorreu em
sive membros da família real, funcionários 597 a.C. (2 Rs 24:10-16), quando mais de
do governo e artesãos proeminentes. Foi dez mil pessoas foram enviadas para a
nessa ocasião que ocorreu a deportação do Babilônia. Ainda assim, Zedequias mostrou-
profeta Ezequiel (Ez 1:1 -3). Tudo isso foi ape­ se favorável a obter auxílio do Egito e, em
nas um "antegosto" dos acontecimentos 588 a.C., a situação política mostrou-se ideal
terríveis que sobreviriam quando Nabucodo­ para Zedequias revoltar-se contra a Babilônia
nosor voltasse em 588 a.C. e sitiasse Jerusa­ (2 Rs 24:20; 2 Cr 36:13). Nabucodonosor
lém durante dois anos (ver Is 39:1-8; Jr 7:1-15; respondeu enviando seu exército a Jeru­
Ez 20:1-49). salém, mas quando o exército egípcio mo­
Joaquim passou trinta e sete anos no bilizou-se para defender o rei Zedequias, os
cativeiro babilônio, sendo libertado poste­ babilônios recuaram temporariamente para
riormente por Evil-Merodaque, filho e her­ lutar contra o Egito. Nabucodonosor sabia
deiro de Nabucodonosor (2 Rs 25:27-30; Jr que não era prudente guerrear em duas fren­
52:31-34). O falso profeta Hananias havia tes ao mesmo tempo. Deus enviou Jeremias
predito que Joaquim seria liberto a fim de para avisar Zedequias que Nabucodonosor
voltar a Judá (Jr 28), mas, ainda que tenha voltaria (Jr 37), mas Zedequias escolheu con­
sido tratado com bondade depois de sua fiar no Egito e não no Senhor (Ez 17:11-21).
anistia, o rei continuou exilado na Babilônia. Zedequias chegou a convocar uma "confe­
Sempre que o rei da Babilônia mostrava seus rência internacional", da qual participaram
prisioneiros especiais em eventos oficiais, Edom, Moabe, Amom, Tiro e Sidom (Jr 27),
colocava o trono de Joaquim acima do tro­ na esperança de que essas nações criassem
no dos outros reis cativos. Conforme uma coalizão para manter a Babilônia afasta­
Jeremias havia predito, nenhum dos filhos da. Porém, Nabucodonosor deteve o Egito
de Joaquim assentou-se no trono de Davi e, então, voltou para Jerusalém a fim de cas­
(Jr 22:28-30), pois Matanias (Zedequias), o tigar Zedequias.
582 2 REIS 23:31 - 25:30

O cerco a Jerusalém começou em 15 templo, no dia 14 de agosto de 586 a.C. os


de janeiro de 588 a.C. e se estendeu até 18 babilônios concluíram a destruição dos mu­
de julho de 586 a.C., quando a fome era tão ros da cidade e atearam fogo em Jerusalém
grande que o povo começou a cozinhar e a e no templo. Os oficiais babilônios captura­
comer os próprios filhos (Lm 4:9, 10). Os ram os líderes religiosos da cidade bem
invasores penetraram os muros e tomaram como os funcionários do rei - aqueles que
a cidade, saqueando e destruindo as casas haviam se oposto a Jeremias e dado ao rei
e ateando fogo à cidade e ao templo em 14 conselhos insensatos - e os executaram dian­
de agosto de 586 a.C. O profeta Jeremias te de Nabucodonosor em Ribla. Os sacer­
havia aconselhado Zedequias e seus oficiais dotes haviam profanado a casa do Senhor
a se entregarem a Nabucodonosor, salvan­ com ídolos e incentivado o povo a romper
do, desse modo, a cidade e o templo (Jr 21; a aliança com Deus (2 Cr 36:14; ver Lm 4:13
38:1-6, 14-28), mas eles se recusaram a obe­ e Ez 8 - 9). Os líderes de Judá haviam se
decer à Palavra de Deus e prenderam recusado a ouvir os servos do Senhor, de
Jeremias como se fosse um traidor! Os ofi­ modo que Deus enviou seu julgamento (2 Cr
ciais o colocaram sob custódia e chegaram 36:15, 16). "Não houve remédio", e o dia
a jogá-lo numa cisterna seca, onde o profe­ do julgamento chegou. Somente os pobres
ta teria morrido, caso não tivesse sido salvo ficaram na terra (2 Rs 24:14; 25:12; Jr 39:10;
(Jr 38:1-13). Hipócrita e incompetente que 40:7; 52:16) para cuidar do que havia resta­
era, Zedequias pediu a Jeremias que pergun­ do das vinhas e das lavouras.
tasse ao Senhor o que ele deveria fazer (Jr O rei Zedequias passou o resto de seus
21), mas o rei se recusou a aceitar a respos­ dias na Babilônia e, cumprindo a promessa
ta do profeta. Assim, Zedequias pediu que que o Senhor havia feito por intermédio de
Jeremias orasse por eles (Jr 37:1-3), mas o Jeremias (Jr 34:4, 5), foi sepultado como che­
rei mostrou-se um homem orgulhoso, que fe de Estado. Sem dúvida, não merecia essa
recusou humilhar-se e suplicar por si mes­ honra, mas o Senhor concedeu-a por amor
mo (2 Cr 36:12, 13; 2 Cr 7:14). a Davi, o fundador da dinastia.
Quando os soldados babilônios finalmen­
te entraram na cidade, o rei Zedequias fugiu 5. P e r d e r a m a e s p e r a n ç a
com sua família e seus oficiais, mas foram (2 Rs 25:22-36; Jr 40 - 44)
interceptados nas campinas de Jericó e le­ Os babilônios trataram Jeremias com bon­
vados presos. A profecia de Jeremias se cum­ dade extraordinária e lhe deram a opção de
priu (Jr 34:1-7; ver também caps. 39 e 52). ir para a Babilônia ou de permanecer na ter­
Zedequias foi confrontado por Nabucodo­ ra (jr 40:1-6). Como verdadeiro pastor que
nosor em seu quartel-general em Ribla, onde era, Jeremias escolheu ficar com o povo,
foi declarado culpado de rebelião e senten­ mesmo que a maioria deles tivesse rejeita­
ciado ao exílio na Babilônia. Antes, porém, do o profeta e seu ministério durante qua­
para dar ao rei uma última memória tortu­ renta anos. Entristeceu-se profundamente ao
rante, os babilônios obrigaram-no a assistir ver as ruínas da cidade e do templo, mas
enquanto matavam seus filhos e, por fim, sabia que a Palavra do Senhor havia se cum­
vazaram seus dois olhos! No exílio, Ezequiel prido (2 Cr 36:21). O povo não havia permi­
havia profetizado que o rei tentaria escapar, tido que a terra desfrutasse o descanso que
seria capturado e levado para a Babilônia, Deus havia ordenado (Lv 25:1-7; 26:32-35),
mas que não veria a cidade (Ez 12:1-13). então a terra teria um "sábado" de setenta
Como seria possível Zedequias ver o rei da anos (Jr 25:11, 12; 29:10-14; Dn 9:1-3).
Babilônia (Jr 34:2), mas não ver a cidade Os babilônios nomearam Gedalias go­
da Babilônia? Simples: depois de ter visto o vernador de Judá. Ele era neto de Safã, um
rei, Zedequias foi cegado por seus inimigos. homem piedoso que havia servido no go­
Uma vez que terminaram de remover verno do rei Josias, e era filho de Aicão, que
tudo o que havia de valioso na cidade e no havia apoiado fielmente o profeta Jeremias
2 REIS 23:31 - 25:30 583

(2 Rs 22:1-14; Jr 26:24). Gedalias garantiu piedade hipócrita, Joanã e os líderes pedi­


àqueles que permaneceram na terra que os ram a Jeremias que buscasse a vontade do
babilônios os tratariam bem se fossem coo­ Senhor sobre essa questão, e o profeta aten­
perativos, o mesmo conselho que Jeremias deu a seu pedido. O Senhor demorou dez
havia dado anteriormente aos exilados de dias para responder e, durante esse tempo,
Judá na Babilônia (Jr 29:1-9). Sem dúvida, o provou que poderia mantê-los bem e em se­
povo sabia da promessa que Deus havia gurança na própria terra.
dado por intermédio de Jeremias, segundo A mensagem de Jeremias ao remanes­
a qual o cativeiro duraria setenta anos, en­ cente (Jr 42:7-22) foi transmitida em três
tão os exilados teriam permissão de voltar a partes. Primeiro, ele lhes deu a promessa de
Judá. O propósito de Deus era lhes dar "o que Deus os protegeria e supriria suas ne­
fim que desejais" (Jr 29:11), mas deveriam cessidades na própria terra (vv. 7-12). Em
aceitar essa promessa pela fé e viver de seguida, advertiu-os de que a decisão de ir
modo agradável ao Senhor. para o Egito seria fatal (vv. 13-18). A espada
Porém, um grupo de rebeldes liderado do Senhor poderia alcançá-los no Egito da
por Ismael, um membro da família real (2 Rs mesma forma que havia chegado até eles
25:25; Jr 41:1), decidiu usurpar a autorida­ em sua terra. Não seriam capazes de passar
de de Gedalias (ver Jr 40 - 41 para os deta­ algum tempo no Egito e, depois, retornar a
lhes sobre o assunto discutido abaixo). Essa Judá, porque nenhum deles voltaria. Por fim,
conspiração perversa de assassinato envol­ Jeremias revelou a perversidade no coração
veu vários fatores. Em primeiro lugar, Ismael do povo, que os levou a mentir para ele e
desejava ocupar o trono e se ressentiu por fingir que buscavam a vontade de Deus (vv.
Gedalias ter sido nomeado governador e se 19-22). Esses líderes eram como muitas pes­
sujeitado aos babilônios. (Ver Tg 4:1-6.) Os soas nos dias de hoje, que "buscam a vonta­
oficiais do exército disseram a Gedalias que de de Deus" por meio de vários pastores e
o rei dos amonitas havia enviado Ismael para amigos, sempre esperando que alguém lhes
assumir o controle da terra (Jr 40:13-16),3mas diga aquilo que já decidiram fazer. O povo
Gedalias recusou-se a acreditar neles. Se de Judá rejeitou a mensagem de Deus e foi
Gedalias tivesse dado ouvidos a esse conse­ para o Egito, levando o profeta Jeremias con­
lho sábio e tratado Ismael com severidade, sigo (Jr 43:1-7).
as coisas teriam sido diferentes para o rema­ Porém, o relato bíblico não termina com
nescente que permaneceu em Judá, mas esse tom desanimador; antes, registra a pro­
Gedalias foi ingênuo demais para ver o que clamação de Ciro, de acordo com a qual o
estava acontecendo. Outro fator foi a che­ remanescente cativo de Judá poderia voltar
gada a Judá de um grande grupo de israelitas a sua terra e reconstruir Jerusalém e o tem­
vindos de terras vizinhas (Jr 40:11, 12). É pos­ plo (2 Cr 36:22, 23). O Livro de Esdras come­
sível que essa gente de lealdade duvidosa ça com essa proclamação (Ed 1:1-4) e conta
tivesse sido facilmente influenciada por a história do regresso desse remanescente a
Ismael. Todas as nações vizinhas haviam sua terra. Esse decreto foi publicado em 538
sofrido com a expansão da Babilônia e te­ a.C., quando Ciro derrotou a Babilônia e
riam sido libertadas de bom grado. estabeleceu o império persa. Os babilônios
Ismael matou Gedalias e levou o povo começaram seus ataques a Judá quando o
cativo, mas Joanã e outros oficiais resgata­ exército invadiu o reino do Sul, em 606-605
ram os cativos. Ismael e oito de seus homens a.C., e deportou prisioneiros, dentre eles
fugiram para a terra dos amonitas. Joanã Daniel e seus amigos. De 606 a.C. a 538
tornou-se o novo líder do remanescente e a.C., passaram-se aproximadamente setenta
decidiu que todos deveriam fugir para o Egi­ anos, o período anunciado por Jeremias (Jr
to em vez de obedecer à mensagem de 25:11, 12; 29:10). Alguns estudiosos prefe­
Jeremias, permanecendo na terra e servin­ rem começar a contagem com a destruição
do aos babilônios. Numa demonstração de do templo em 586 a.C. Setenta anos depois,
584 2 REIS 23:3 1 - 25:30

em 516-515 a.C., o templo foi consagrado e que agradava o povo. A fim de adverti-los
o cativeiro chegou oficialmente ao fim. sobre essa insensatez, Deus levantou ho­
Como haviam feito com tanta freqüên­ mens e mulheres inconfundivelmente dis­
cia ao longo de sua história, os líderes de tintos, que procuraram agradar o Senhor.
Judá viveram em função de tramas e de cons­ Porém, essas testemunhas fiéis foram igno­
pirações, em vez de crer nas promessas de radas, abusadas e martirizadas. O drama­
Deus. Jeremias havia dado esperança ao turgo e cético George Bernard Shaw definiu,
povo, prometendo que Deus estava com eles incorretamente, o martírio como "a única
e que providenciaria para que ficassem em maneira de um homem incompetente ficar
segurança e voltassem a sua terra (Jr 29:11). famoso". As pessoas que sofreram e morre­
Porém, ao fugir para o Egito, os líderes dei­ ram pela fé possuíam as aptidões que ha­
xaram para trás todas as esperanças, pois lá viam recebido de Deus para confiar nele,
morreram e foram sepultados. Infelizmente, colocar a verdade e o caráter à frente das
o profeta Jeremias, que havia sido tão fiel e mentiras e da popularidade e se recusar a
sofrido tanto pelo povo e pelo Senhor, aca­ fazer como a maioria, conformando-se com
bou sepultado em algum lugar do Egito que a superficialidade e o pecado do mundo.
caiu no esquecimento. Neste momento crítico da história, Deus
Ao chegar ao final deste relato do declí­ está à procura de pessoas diferentes - não
nio e destruição trágicos de uma grande de cristãos que seguem os modismos, do
nação, devemos considerar seriamente al­ tipo "maria-vai-com-as-outras". Viver em
gumas lições. A ascensão de um povo é di­ amizade com o mundo é viver em inimiza­
retamente proporcional a sua adoração a de com Deus (Tg 4:4); amar e confiar no
Deus. A nação de Israel foi dividida em dois mundo é perder o amor do Pai (1 Jo 2:15­
reinos como resultado dos pecados de 1 7). Devemos ser "sacrifícios vivos" para o
Salomão, que adorou ídolos a fim de agra­ Senhor (Rm 12:1, 2), pessoas diferentes cuja
dar a suas esposas pagãs. Uma vez que o vida e testemunho apontam para Cristo e
povo do reino do Norte, Israel, entregou-se brilham como luzes em meio à escuridão.
à idolatria e abandonou o verdadeiro Deus "Não se pode esconder a cidade edificada
vivo, seu povo foi levado cativo para a Assíria. sobre um monte" (Mt 5:14). Crer é viver sem
Judá também não demorou a sucumbir e, tramar. Se começarmos a racionalizar os
por fim, foi capturada pela Babilônia. Torna­ ensinamentos bíblicos acerca da obediên­
mo-nos semelhantes ao deus a quem adora­ cia ao Senhor e da separação do pecado,
mos (SI 115:8). Se nos recusarmos a adorar logo nos veremos escorregando aos poucos
o verdadeiro Deus vivo, seremos tão vulne­ para fora da luz, caindo nas sombras e, de­
ráveis quanto os ídolos que nos cativam. pois, na mais completa escuridão, até termi­
Israel e Judá se desviaram, pois foram narmos envergonhados e derrotados.
conduzidas por pessoas conformistas, gen­ "Aquele, porém, que faz a vontade de
te fraca que seguia o exemplo da maioria e Deus permanece eternamente" (1 Jo 2:17).

1. Em algumas versões, 2 Crônicas 36:9 diz "oito anos de idade", mas o fato de ele ter duas esposas (2 Rs 24:15) torna essa

informação extremamente duvidosa, além do que é pouco provável que Nabucodonosor nomearia uma criança pequena

para liderar uma nação vassala. Depois de apenas três meses de reinado, Joaquim foi colocado numa prisão na Babilônia

(24:15), algo que o inimigo dificilmente faria com uma criança. Assim como o latim antigo, a língua hebraica emprega as letras

do alfabeto para expressar números. A diferença entre "oito" e "dezoito" é a presença de um símbolo parecido com um
"gancho" sobre as letras que expressam o número dezoito e, caso a pessoa que copiou o manuscrito tenha deixado de

acrescentar esse "gancho", o erro pode ter sido registrado e copiado. Esses erros ocasionais de escribas não afetam, de modo

algum, a inspiração das Escrituras e não envoivem qualquer um dos principais ensinamentos da Bíblia.

2. A oração "ao tio paterno deste", em 2 Reis 24:1 7, refere-se ao pai de Joaquim, cujo irmão era Matanias (Zedequias) e,

portanto, tio de Joaquim. Zedequias foi o último governante do reino de Judá. De acordo com o profeta Jeremias, nenhum
2 REIS 23:31 - 25:30 585

filho de Joaquim (Conias) ocuparia o trono de Davi, palavras estas que, de fato, se cumpriram. Depois do exílio, quando o

remanescente voltou a Judá a fim de reconstruir o templo, um dos líderes foi Zorobabel (Ed 3:8; Ag 1:1 e 2:20-23), descendente

de Joaquim (Jeconias) por Saiatiel (M t 1:11, 12). Porém, apesar de vir da linhagem de Davi, Zorobabel nunca ocupou o trono
de Davi. Jeconias jamais estabeleceu uma dinastia reai.

3. Talvez os amonitas tivessem esperanças de restaurar a coalizão descrita em Jeremias 27 e de se revoltar contra a Babilônia.

É evidente que isso teria sido contrário à vontade de Deus, mas Ismael não hesitaria em aproveitar a oportunidade de se tornar
o novo líder de Judá.

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