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Introdução
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A CNBB- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, produziu vários documentos relativos às CEBs e
sua presença na sociedade brasileira, destaca-se o documento nº 25: Comunidade Eclesial de Base na
Igreja do Brasil. São Paulo. Paulinas. 1982.
responsáveis: a falta de espaço e a pouca importância documental do material
guardado pela diocese tais como: folhetos, textos manuscritos, livros de canto
e etc.
Os encontros Intereclesiais devem ser vistos pelos historiadores como
marcos na caminhada das CEBs, são eventos fundamentais para uma
interpretação da história e da presença no cenário nacional desta forma de
eclesialidade. Segundo Teixeira (1996, p.12): “Fundamental durante os
Encontros é o momento de partilha das experiências. Os relatos da caminhada
eclesial das comunidades, suas lutas, sofrimentos e conquistas são
apresentados à grande assembléia, que não apenas se apercebe da dimensão
comum dos problemas vividos, como também vislumbra as questões teóricas e
práticas envolvidas e os sinais promissores presentes”. Perder estes registros,
ou conservá-los de forma inadequada é de certo modo, silenciar segmentos
eclesiais e sociais quase sempre marginalizados na história, tanto na
sociedade brasileira como no âmbito da própria Igreja Católica.
Em muitas paróquias e dioceses houve uma reorientação – e até mesmo
recuo – pastoral, com o reforço de antigas estruturas, particularmente a
estrutura da paróquia, sendo relegadas a segundo plano as redes de
comunidades animadas por uma militância social. Continuam existindo ali, mas
de modo marginal ou informal, expressões de CEBs, como os círculos bíblicos,
a celebração da Palavra, a coordenação colegiada da comunidade, a ação
transformadora na realidade. Para dar conta de sua presença e do seu
significado eclesial, é necessário recorrer a outros meios de coleta de dados.
Lendo algumas atas de assembléias diocesanas e de encontro das
CEBs, quase sempre deparamo-nos com textos fragmentários, e que em
muitos casos oferecem pouca informação sobre a participação, os conflitos de
interesse e as negociações ocorridas em torno das deliberações assumidas ao
término do evento analisado. Entretanto, quando estes textos são colocados
em paralelo com depoimentos orais, o cenário modifica-se drasticamente.
Numa das primeiras entrevistas realizadas pelo projeto TESTEMUNHOS
ORAIS DA CAMINHADA, fomos surpreendidos por uma afirmação de Eduardo
Hoornaert2, quando perguntado sobre o lugar da política no nascimento das
CEBs. Ele disse que o apelo político nas comunidades surgiu no decorrer dos
anos 70, mas, de fato, não fazia parte do processo que originou as CEBs. Uma
das conclusões possíveis com relação à afirmação de Hoornaert, é de que a
politização das CEBs não foi algo natural ou necessário ao processo eclesial
experimentado por estas comunidades, sendo portanto, decorrente de diversos
fatores presentes na conjuntura dos anos 70.
É inerente à história das CEBs um permanente diálogo entre o cotidiano
das pessoas e a construção da comunidade. Telles (1986) atribui importância
social às CEBs a partir de seu inserção na realidade social dos excluídos, por
seu: “... ancoramento nas experiências da vida cotidiana, as comunidades de
base transformavam-se em lugares onde os sentimentos de injustiça e
privação eram elaborados como experiências coletivas. No incentivo à
reivindicação e luta por direitos, instituíam novos significados aos espaços
onde as pessoas vivem e enfrentam suas dificuldades diárias, como espaços
onde é recuperada uma certa noção de liberdade, enquanto possibilidade
interferir e alterar os destinos de suas existências através da ação coletiva.”(p.
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O depoimento de Eduardo Hoornaert ainda não está disponível aos pesquisadores.
É comum a existência de muitas reuniões – quase sempre em formato
circular -, com coordenação e ativa participação dos presentes na
apresentação na ‘leitura’ de sua realidade, a partir de testemunhos e
experiências marcantes. Boa parte deste processo não resulta em
documentação escrita, mas é parte de uma rica memória centrada na
oralidade.
A recente publicação pela Fundação Getúlio Vargas das memórias de
Dom Waldyr Calheiros, nos serve de indicativo, da riqueza de informações,
além de interessantes chaves de leitura sobre os acontecimentos relativos aos
últimos 40 anos3.
É possível escrever uma história que considere a realidade a partir dos
excluídos e dos grupos e pessoas que se colocaram a serviço do movimento
popular e da construção de uma Igreja dos pobres. Em termos de história,
podemos afirmar com Sharpe (1992, p. 58), que: “...a escrita da história vista
de baixo é um projeto que se comprovou extraordinariamente frutífero. Atraiu a
atenção de historiadores que estão trabalhando em várias sociedades
passadas, tanto geograficamente variadas quanto cronologicamente
estendendo-se dos séculos treze ao vinte. Esses historiadores são oriundos de
vários países e de várias tradições intelectuais e posições ideológicas. Ao
escrever a história vista de baixo, esses historiadores buscaram socorro de
formas tão variadas, quanto a quantificação, com a ajuda do computador e da
teoria antropológica, e seus achados apareceram em formatos tão diferentes
quanto o artigo erudito técnico e o livro best-seller.”
É certo que as narrativas em primeira pessoa, estão carregadas de
subjetividade, de parcialidade diante das tenções, conflitos e representações
das situações vividas enquanto pessoa, membro de uma comunidade religiosa
e participante de uma dada sociedade. Isto não retira valor das informações
obtidas, pelo contrário, nos possibilita uma visão que combina a percepção do
cotidiano e os passos adotados por instituições sociais: organismos eclesiais, o
estado etc.
Parte significativa dos ‘pais e mães’ fundadores das CEBs, já estão com
mais de 60 anos, e este fato produz algumas repercussões. Dentre elas,
destacamos, as dificuldades inerentes ao envelhecimento, tais como o
esquecimento, a perda de algumas referências temporais, a manifestação de
doenças mais graves podem impedir que se contextualize a origem e os
principais passos dados pelas CEBs, no entender de quem nos relata;
Alguns ‘patriarcas’ já estão aposentados, no caso dos bispos, eméritos,
e seus sucessores/substitutos nem sempre se identificam com a caminhada
eclesial anteriormente realizada, ocorrendo não raro um esvaziamento dos
processos anteriores e a supressão do que se relaciona com o passado
recente – em alguns casos chegando-se até à ‘queima de arquivos e materiais’.
Exemplificando esta situação: é do conhecimento geral a ruptura pastoral que
ocorreu em Recife quando D. Helder Câmara se aposentou e, o arcebispo que
o substituiu, simplesmente encerrou diversas atividades realizadas e/ou reduziu
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COSTA, Celia Maria Leite, PANDOLFI, Dulce Chaves e SERBIN, Kenneth. O bispo de Volta
Redonda: Dom Waldyr Calheiros. Rio de Janeiro . FGV. 2001.
significativamente o empenho da Igreja nas pastorais sociais e na defesa dos
direitos humanos.
Alguns ‘patriarcas’ e ‘matriarcas’ são estrangeiros e sua permanência
no país não está assegurada, inclusive por motivos de transferências - no caso
de religiosos -, e retorno a diocese ou organismos que durante anos os
sustentaram no trabalho pastoral realizado.
O falecimento de alguns ‘pais e mães’ fundadores acaba por sepultar
informações, processos, vivências que ao não serem relatadas, nos deixam de
informar sobre os caminhos percorridos e que podem ter influído de modo
decisivo nas ações e mística das comunidades.
O recurso à relatos orais, mais do que nos vincular à uma técnica de
construção documental da história, nos coloca em sintonia com o modo
tradicional de transmissão de conhecimentos, experiências, praticas e
espiritualidade dos pobres. Quase sempre marginalizados, os pobres e aqueles
que com eles se identificam em suas lutas e militância socio-eclesial, tornam
conhecidos seus sonhos, utopias e ações transformadoras, pela partilha desta
memória perigosa.
Na coleta e organização destes testemunhos orais, visamos
disponibilizar a partir do acervo de história oral um conjunto de informações
que possam ser utilizadas por pesquisadores das mais diversas áreas do
conhecimento. Entendemos que “a história oral é um ponto de contato e
intercâmbio entre a história e as demais ciências sociais e do comportamento,
especialmente com a antropologia, a sociologia e a psicologia”(Lozano, 1998,
p. 19). Efetivamente este trabalho em história oral soma-se ao conjunto
documental já coletado pelo Programa Memória e Caminhada, e como um de
seus desdobramentos no contexto da Universidade Católica de Brasília,
esperamos que os estudantes encontrem em nosso acervo um farto material
de pesquisa.
Queremos neste programa Memória e Caminhada das CEBs,
sistematizar o quanto for possível, esta memória que para nós, se situa no
plano do memórial, isto é, nos desafia a dar continuidade no presente, tudo
aquilo que alimentou a resistência dos pobres e sua esperança de construção
definitiva do Reino de Deus.
Referências Bibliográficas