Você está na página 1de 48

SECRETARIA DA CASA CIVIL

TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 22/10/2015

LOCAL : AUDITÓRIO PAULO ROSAS - ADUFEPE

MOVIMENTO DE CULTURA POPULAR - MCP


DEPOENTES:
ARGENTINA ROSAS

JOMAR MUNIZ DE BRITO

GERALDO MENUCCI

LEDA ALVES

MARIA LUCIA MOREIRA

1
SECRETARIA DA CASA CIVIL

FERNANDO COELHO - Havendo número legal, declaro aberta a sessão.


(trecho inaudível, gravação ruim) Mas já tenho conhecimento por telefone do
planejamento desta sessão. O que posso dizer para começar é que esta se
caracteriza, sobretudo, por ser uma reunião de amigos. (trecho inaudível,
gravação ruim) mas os mais antigos lembram, e quase todos, um grande
número está presente, participaram do MCP, eu, inclusive, tive a honra de ter
sido um dos fundadores e aqui se encontram vários fundadores (trecho
inaudível, gravação ruim) tendo durante o período de sua existência dado
assistência ao governo de doutor Miguel Arraes e não precisou contratar
advogado; na época, eu ocupava a chefia da procuradoria da Prefeitura do
Recife e a Prefeitura do Recife, foi o grande espelho para a orientação do
trabalho do MCP. (gravação ruim) lembrando inclusive uma outra circunstância,
e agora me vem o nome de Paulo Rosas. Paulo foi meu companheiro e amigo
durante toda a vida. Ele, do Rio Grande do Norte e eu daqui, mas a nossa
amizade surgiu ante de ir pra faculdade, e fortaleceu-se no período da
faculdade, até quando ele se afastou para ir para a Espanha, cumprir outra
opção profissional, sem nunca ter se desligado da minha turma. Nós o
considerávamos e consideramos a vida toda Paulo Rosas como um dos
nossos. Acho que o espírito dele deve estar aqui presente, tenho certeza, na
pessoa de Argentina, também. (Trecho de gravação ruim) E não me furto ao
dever de dizer que Paulo prestou um serviço ao governo de Pernambuco, na
grande gestão de Miguel Arraes, um serviço que não foi devidamente
reconhecido pelo MEC. Eu na época presidia o Instituto de Previdência do
Governo do Estado e através de Paulo Rosas fiz, no IPSEP, o primeiro
recenseamento de entidades de previdência social e o planejamento completo;
lamentavelmente, depois de nossa saída, depois do golpe de 64 não teve

2
SECRETARIA DA CASA CIVIL
continuidade, mas nós tínhamos, já realizado, um planejamento que, inclusive,
se vê em detalhes através de um gráfico, que permitia inclusive a possibilidade
de um funcionário da prefeitura trabalhar nas cercanias, nas proximidades de
suas residências, dispensando o transporte coletivo para chegar ao trabalho.
Atendia, inclusive, a área de lazer e tudo mais que interessava ao funcionário
público. Lembro até que, na época, o Secretário de Educação do Estado me
disse: “Olhe o que vocês conseguiram foi um verdadeiro milagre e inclusive de
graça”. Paulo Rosas, que durante toda a minha vida me ajudou, por amizade e
colaboração. Para mim é extremamente significante estar aqui no auditório
Paulo Rosas. Mas está presente entre nós, honrando a Comissão com a sua
presença, o Reitor em exercício, professor Sílvio Romero Marques, vamos dar
a palavra a ele mas, antes de mais nada, de público, agradecer não só a sua
presença, mas o apoio também que a Universidade Federal de Pernambuco
nos tem dado, e tem dado, de uma maneira geral, ao trabalho da Comissão.
Agradecendo a sua presença eu passo a palavra ao doutor Sílvio Romero.

SÍLVIO ROMERO - Muito bom dia a todos vocês, que vieram nesta manhã
aqui, em solidariedade aos depoentes, em solidariedade à nossa História,
queria fazer um cumprimento aos membros da mesa, José Áureo Bradley,
nosso companheiro Fernando Coelho, coordenador da Comissão da Verdade,
Nadja e Socorro também, dizer que (trecho de gravação ruim) participando de
reuniões como esta e a Universidade está muito feliz de poder ter vocês aqui
hoje reunidos, em torno de um tema que é muito importante para nossa
História. História que é História também da Universidade. Eu comentava no
início da reunião, a importância que tem de estabelecerem critérios de
preocupação com a Memória. A Memória e a História pra que ela chegue
realmente, aos dias atuais, na sua essência e na sua verdadeira versão, pra
que ela traga a sua contribuição para as gerações mais jovens, principalmente
os que vivem hoje este momento da Universidade. Queria também dizer a
vocês que é um prazer substituir o professor Anísio que está ausente mais uma
vez e eu estou em exercício, são meus últimos dias de função, oficialmente,

3
SECRETARIA DA CASA CIVIL
mas relembrar que nesses anos e substituições, eu tive também a
oportunidade de estar aqui, com Argentina Rosas, no dia da inauguração deste
auditório e me lembro que foi uma sessão muito feliz, muita alegre, em que nós
lembramos, eu pessoalmente lembrei, do professor Paulo Rosas e da sua
contribuição na Educação e em outros setores em Pernambuco. Queria
lembrar que nós não estaremos mais na gestão maior da universidade, mas
estaremos ainda acompanhando os seus passos, até a conclusão do nosso
estatuto, e eu espero que essa sessão que hoje se realiza seja mais um
encontro de pessoas não somente que estão aqui para nos (...?...) mas
também na maneira de pensar, na maneira de agir que nos torna assim tão
próximos, tão amigos dos depoentes de hoje. Então é como uma reunião entre
amigos (...?...) aqui o que nós vivemos com tanta intensidade anos passados,
que eu considero que minha presença aqui já marcada, pela felicidade de
poder estar aqui para fazer a abertura desta sessão. Muito obrigado pela
presença de todos e eu espero que essa seja mais uma sessão histórica da
Comissão da Verdade de Pernambuco. Muito obrigado.

(aplausos)

FERNANDO COELHO – Antes de passar a palavra ao primeiro depoente eu


quero dizer um muito obrigado ao Reitor e à Reitoria. Antes de convidar o
primeiro depoente atendendo a ordem alfabética, eu queria registrar a
presença, para nós muito honrosa, além da do Magnífico Reitor, que precisou
por outros compromissos se retirar, da professora Sílvia Cordeiro, Secretário
Estadual da Mulher, Márcia Souto, presidente da FUNDARPE e José Ricardo
Oliveira do CENDHEC. A todos agradeço a presença, como sempre, dessas
entidades todas de quem nós temos também tido muita colaboração. Para
prestar depoimento, atendendo a ordem alfabética dos depoentes e pedindo
desculpas pela ausência de alguns depoentes convidados, todos ausentes por
motivo de saúde conforme comunicação a nós feita. Mas convido para prestar
o seu depoimento, a professora Argentina Rosas. (aplausos) Eu quero convidar

4
SECRETARIA DA CASA CIVIL
logo também para vir compor a mesa dos trabalhos, o professor Geraldo
Menucci, Jomard Muniz de Brito, Leda Alves e Lucinha Moreira. (aplausos após
cada nome citado) Eu passo a palavra à Argentina.

ARGENTINA ROSAS - Para não perder o vício de professora, eu vou ficar em


pé pra falar.

FERNANDO COELHO - Para não perder a oportunidade da sua frase, diga sua
qualificação.

ARGENTINA ROSAS - Eu sou Argentina da Silva Rosas, professora, eu sou


aposentada, professora da Universidade Federal de Pernambuco, fundadora
do MCP, fundadora do (...?...) e de todos os movimentos sociais daquele nosso
tempo saudoso e muito rico da História de Pernambuco. Bom, primeiro
cumprimentar a todo o pessoal presente na mesa e a todos os homens e
mulheres que estão aqui pra nos ouvir, pensar e descobrir o passado para
planejarmos o futuro, certo? Eu não sabia da existência da Comissão, eu não
sabia, não me avisaram que esse depoimento hoje aqui, do MCP, era dentro
desta Comissão. Então talvez a minha palavra, o meu depoimento tenha
alguma coisa que não seja tão dentro dos objetivos da Comissão, mas de
qualquer maneira eu me preparei e vou falar o que eu me lembro, o que eu
quero salientar, é que eu não sei pensar no MCP que não seja de maneira
comprometida, inclusive emocionalmente, por que acho aqui esse momento
muito rico e que (...?...) muito a respeito. Eu começaria dizendo que o que
marca a minha vivência no MCP... Eu parei e me perguntei: que lembranças
que tenho hoje do MCP? Muitos anos já se passaram, outras experiências
foram se acumulando e a história do MCP como tantas outras foram obrigadas
a ir lá pra um canto, que a gente não podia, durante muitos anos nem pensar,
quanto mais falar no que viveu no MCP e todos aqui sabem e era só isso que
se falava. Ocorreu-me imediatamente uma visão de meus filhos, Augustinho
que está aqui presente, o mais velho, Emanuel correndo embaixo daquelas
mangueiras, gritando por mim e dizendo: “Pega a gente mamãe”. Era assim a

5
SECRETARIA DA CASA CIVIL
minha visão do MCP primeira. Morava vizinha ao MCP e lá, meus filhos e eu,
vivemos bons momentos com a convivência, não só com eles mas com a
natureza que ali estava. Lembrei das intermináveis reuniões realizadas em
nossa casa com Germano, Norma, Anita e tantos outros que iam lá pra casa
ainda não deixando realmente o MCP, mas já discutindo a semente do MCP.
Também Paulo Freire, quer dizer, ali era o núcleo, ele conversava e dizia: “Não
pode ser mais assim”. A gente dizia que tinha ideias, mas não ia para a política
porque não queria sujar as mãos. Então política partidária, naquele tempo, já
sujava as mãos. Então a gente não podia. O que é que a gente vai fazer? E
essa pergunta era feita não só do ponto de vista da gente, como pessoas
humanas, também como fundamento dos cristãos. Nós éramos cristãos
praticantes, e não podíamos ver o país vivendo daquele jeito e a gente de
braços cruzados porque não queria sujar as mãos. Isso era muito pensado por
nós e daí, desses pensamentos, Germano, Valdemir Fernandes, muitos aqui
conhecem, vinha com uma experiência na Europa e em Israel e trazia muitas
novidades que estavam se desenvolvendo na Europa, mesmo naquele tempo
que não tinha internet. As notícias chegavam por carta e olhe lá, e a gente
ficava muito distante do mundo, principalmente Norte e Nordeste. O Leste e o
Sul já eram mais próximos e já viviam mais experiências de conhecimento em
outros países, mas para nós era muito distante, muito difícil ainda. Quero só
lembrar, pra vocês entenderem aquele tempo, é que se a gente precisava de
um livro e mandava buscar na Europa, não era nunca nos Estados Unidos, era
na Europa, chegava quando você já tinha terminado o curso, aí era que o livro
chegava. Porque demorava muito para vir os livros que a gente estudava. Bom,
assim, eu acompanhei a gestação, o nascimento, o desenvolvimento, a
realização do MCP, dessa associação, até o golpe de 64. Vivi intensamente,
apesar de nunca ter sido contratada como funcionária do MCP. Germano uma
vez conversando comigo e com Paulo, disse: “Não contrato você para o MCP
não ficar familiar”. Era uma instituição, não era governamental, mas era pública
e tinha o apoio econômico da Prefeitura, então era importante que não fosse

6
SECRETARIA DA CASA CIVIL
familiar. E assim eu nunca fui contratada. Trabalhei e vivi como voluntária, e
mulher de Paulo Rosas. Eu era muito conhecida como “a mulher de Paulo
Rosas”. Naquele tempo a mulher não tinha muita autonomia para ser ela. Era
sempre a mulher e o homem ficava na frente dela. (trecho com gravação muito
ruim). Então eu me perguntava que lembranças, o que é que eu podia trazer
hoje para cá, que não tinham sido, ainda, ditas ainda publicamente ou
documentadas por escrito. Pensei muito, tentei realmente ir lá no fundo, para
tentar fazer uma seleção do que eu tinha ouvido ou lido de Germano, de
(...?...), que ambos fizeram com muito critério, escreveram fatos, dados
estatísticos, feitos, muitas realizações, e está tudo documentado nesse livro, o
livro de Germano e, portanto, este material está no alcance de quem quiser.
Mas o MCP tinha uma belezura, como dizia Paulo Freire, tão grande, que não
se esgota, que muita coisa não veio ainda ao público. Então, perguntei o que
eu posso dizer hoje aos meus companheiros que lá estão? Soprei as cinzas,
eu deixei que o consciente, subconsciente ou memória deixassem escapar os
murmúrios, insatisfações, dificuldades vividas nas relações, que dificultaram a
tomada de decisões e as realizações que (...?...). É o outro lado do pano de
fundo, certo? Eu trago aqui justamente os murmúrios, as insatisfações, as
discussões paralelas que se passavam como em todas as instituições; mas o
que eu trago, são os que tem a ver com o próprio desenvolvimento do MCP, e
mesmo essas dificuldades que pouco chegavam a público, elas foram muito
importantes para que o MCP realmente se firmasse. E a sociedade mudou
depois do MCP. Nunca mais “Eva viu a uva”, nunca mais nas escolas se
decorou tabuada e nunca mais foi alfabetizada do jeito que fui alfabetizada,
memorizando as letras, as sílabas, as palavras. O MCP, como instituição, tinha
as dificuldades que são vistas em todas as instituições, mas tinham outras
maiores que eram dificuldades ideológicas e familiares; apesar do que
Germano tinha dito haviam laços familiares muito fortes dentro do MCP. E
essas lutas familiares, traziam muito fortemente ideologias diferentes, que já
entravam como, não digo subgrupos, mas eram diferenciações. Ainda bem

7
SECRETARIA DA CASA CIVIL
que o MCP se abriu para todos: brancos, pretos, religiosos, não religiosos,
comunistas, partidários, não partidários. Era uma instituição aberta e isso, de
uma certa maneira, contrabalançava aquilo que já era forte dentro da
instituição. Então, além das variáveis externas, políticas, que eram muito fortes,
as estruturas, formais, rígidas, estruturais da própria sociedade eram muito
fortes, eram tão fortes que quem ler Casa Grande e Senzala vai perceber como
foi difícil iniciar, não digo iniciar, mas dar um passo bem grande à frente, para
mudar essas estruturas que hoje são diferentes. Embora haja muita coisa ainda
daquele tempo, antes até do MCP; então era uma luta muito grande no
ambiente externo naquele tempo, mas as diferenças políticas, as divergências,
a luta de poder interna era também muito forte. A meu ver havia duas correntes
muito bem definidas dentro do MCP: a dos cristãos, que não era popular, e a
dos comunistas, que também não era popular, mas que juntavam-se por um
objetivo maior, mas que eram bem diferenciadas e as vezes com metodologias,
maneiras de fazer, bem diferentes. Eu acho que isto eu não vi em nenhuma
análise sobre o MCP, mas acho que precisa ser estudado pra se conhecer
melhor o movimento. Aqui eu trago só uma lembrança, uma análise
comprometida do que eu pude perceber naquele tempo, e que hoje me passou
pra dizer pra vocês. Vejamos um exemplo que eu acho que é bem explicativo:
por que um núcleo grande daqueles que estavam na direção do MCP, precisou
procurar o arcebispo de Olinda e Recife, Dom Carlos Coelho, para pedir o
beneplácito para cristãos trabalharem no MCP. A gente entende eu era uma
coisa muito importante isso aí; o medo do comunismo era uma coisa
generalizada. O político, o americano, fazia daquilo uma bandeira porque era
fácil impressionar os ignorantes do Brasil. Certo? Então todo mundo sabe disto,
comunista pega criancinha para levar para a Europa, pra Rússia e outras
tantas coisas. Mas deixando de lado isso que para nós era muito claro que não
é verdade, dizíamos que o MCP era apartidário, que integrava nos seus
quadros pessoas identificadas com objetivos políticos bastante diferentes. Isso
é o que é lido no estatuto e o MCP é a partir daí. E acredito que na minha

8
SECRETARIA DA CASA CIVIL
percepção, que inicialmente não tinha ligações partidárias. Era político, mas
não era partidário. Mas numa visão comprometida, eu não vejo que Abelardo
da Hora tinha essa mesma visão. Tinha um outro também, que não lembro o
nome dele, sei que era Falcão que era Aluísio Falcão, que era tão assim
apartidário. O Partido Comunista não tinha um partido oficial, mas tinha o não
oficial. Bom, deixa eu ver, esse item para os estudiosos que me vem a
lembrança: a cartilha do MCP e o método Paulo Freire no MCP também foi
um divisor de águas. Aqui envolveu famílias e envolveu pedagogias, tudo isso
não foi fácil. Eu trabalhei, “trabalhava”, entre aspas, no departamento de
pesquisas com Paulo Rosas e Paulo Freire e ouvi muitas discussões, muitas
queixas, Paulo Freire que já estava em outro patamar para o desenvolvimento
do processo e Paulo Rosas que ficava aqui no dia a dia, desenvolvendo com o
grupo pesquisas pro trabalho (...?...). Houve num determinado momento, a
dificuldade de chegar até Germano. Germano estava sempre muito ocupado e
está sempre com muitas ideias. Antes que uma se concretize ele já está com
dez na frente. Meu marido dizia que se pegassem Germano Coelho e fizessem
um presidente esclarecido e bem intencionado, preparava uma sala com todo
conforto, acústica, porque ele não podia trabalhar com qualquer ruído, botava
duas, três secretárias das melhores que tivesse, dava todo conforto físico e
intelectual que ele precisasse, livre de problemas. Deixava ele sozinho só para
pensar, para ter ideias, por que isso era a contribuição maior que Germano
podia dar para o Estado. Estou dizendo mentira, Fernando? (risos) Agora então
o que eu quero dizer é o seguinte, que enquanto Norma, Jocilda, Germano e
um grupo preparavam uma cartilha, com realmente uma preparação
pedagógica, que ele tinha feito na França, e um (...?...) deram um passo de
milhões de léguas na pedagogia para o povo. A cartilha foi realmente muito
importante; muitíssimo importante para as escolas radiofônicas, mas ainda não
chegou a romper com a (...?...). Paulo Freire estava muito mais além, só o
futuro veio mostrar, mas Paulo Freire era mais original. Paulo Freire avançou
muito mais. Quem estuda Paulo Freire ainda hoje vê como ele foi avançado na

9
SECRETARIA DA CASA CIVIL
pedagogia para alfabetização, para conhecimento do estado de
desenvolvimento educacional do povo brasileiro, é outro assunto que eu trago
como dificuldades e luta de ideias e luta de poder. Outro foi a Praça de Cultura.
Quase todo mundo sabe o que foi a Praça de Cultura, as Praças de Cultura.
Paulo Rosas havia estado demoradamente no Rio Grande do Sul e tinha visto
a novidade das bibliotecas ambulantes, que iam de um bairro pro outro, só
tinha uma semente, e não criava uma biblioteca só. Nós tínhamos que fazer
reuniões, discutir com a comunidade, pensar em outras coisas, algumas ideias.
Quando ele volta, começa a trabalhar no projeto que não foi... No começo ele
não chamou Praça de Cultura. A Praça de Cultura se deve a Germano, isso
ele estava com o projeto praticamente preparado pro MCP e disse a Germano
isso que ele estava preparando. Germano chegou lá em casa no sábado mais
ou menos 8 horas da manhã e saiu 11horas da noite. Foi ele e Norma. Ele,
Norma, eu e Paulo. Por isso que eu digo, sempre eu entrava como a mulher de
Paulo. Por que corria um pouco pra cozinha, organizando tudo, mas tinha que
estar presente também na discussão por que Paulo não me permitia, ele dizia,
“Não, você tem que estar comigo porque a gente tem que avançar juntos”.
Então eu tinha que estar lá. Aí o projeto ficou pronto, Germano leu, discutiu
com a gente, deu sugestões, e foi ótimo, só parou a noite pra jantar porque nós
não paramos nem pra almoçar. No fim da noite então todo mundo exausto,
Germano disse: “Paulo, você permite que eu fique com esse projeto, pra
arrumar, pra apresentar com você presente, (trecho inaudível)”. Mas o certo é
que na implantação da primeira Praça de Cultura eu fui com Paulo. E ele me
disse: “Eu estou fora. Não vou ficar nisso. Essa Praça de Cultura não é o que
eu queria. Não é algo que se possa fazer com o povo. Aqui vai ser núcleo de
votos para vereador tal, tal e tal, que conseguiu da prefeitura a praça, limpar, e
essa coisa todinha. Todo mundo que está aqui, a maioria pelo menos, é voto
para esses vereadores. E não é pra isso que eu fiz esse projeto”. E ele não
assumiu, foi Silke Weber que assumiu. Ela trabalhava com Paulo no MCP e
Paulo disse a ela: “Silke, assuma, é importante.” E ali marcou a decisão dele de

10
SECRETARIA DA CASA CIVIL
sair do MCP e se concentrar na Universidade Federal de Pernambuco, que era
o que ele tinha como vocação. Lá era uma missão. Uma missão cristã.

(aplausos)

FERNANDO COELHO - Passo a apalavra a Nadja para algumas


considerações.

NADJA BRAYNER - Eu quero cumprimentar a todos, nossos depoentes


Lucinha, Leda, Jomard, e Argentina, nosso presidente aqui, e os colegas
Socorro e Áureo. Eu só queria antes da gente continuar as oitivas, esclarecer o
seguinte: na verdade doutor Fernando já começou a falar sobre isso, é que a
escolha realmente deste Auditório pra gente fazer essa audiência, foi pensada
pela relatoria, justamente por levar o nome do Professor Paulo Rosas. Meu
querido professor, com quem eu tive a honra de conviver, em vários momentos,
inclusive nesta associação docente, durante muito tempo. E a gente também
queria destacar aqui alguns nomes que participaram do movimento, e não
estão mais presentes entre nós: Anita Paes Barreto, Abelardo da Hora, Norma,
Joacir Castro, Luiz Mendonça, Jocilda Godoi, Zé Wilker, Nelson Xavier, Aloísio
Falcão, José Cláudio, enfim, é uma lista extensa e não teria como citar todos,
mas dizer exatamente que eles também, de certa forma, estão sendo
homenageados, no momento em que nós estamos fazendo essa discussão. O
que eu queria colocar, mais esclarecer pra vocês, é o seguinte, na verdade
essa sessão de hoje tinha sido pensada em dois momentos, uma parte na
manhã e uma parte na tarde, mas como alguns depoentes não puderam
comparecer por questões de saúde ou de agenda, de horário, que
são,exatamente, Jarbas, Germano, e a professora Silke Weber, que também
não pôde vir por questão de agendamento. Mas isso não impossibilita que a
gente volte a ouvir essas pessoas. Eu presto este esclarecimento por que por
isso nós resolvemos concentrar tudo na parte da manhã. Aproveito para
anunciar a presença do professor Geraldo Menucci, (aplausos) e dizer que a

11
SECRETARIA DA CASA CIVIL
nossa sistemática vai ser de dar 15 minutos para cada depoente e depois se
abrirá para questões a serem levantadas pelos membros da Comissão.

(aplausos)

FERNANDO COELHO - Agora toma assento à mesa o professor Geraldo


Menucci. E obedecendo estritamente a ordem alfabética, Geraldo com a
palavra. (aplausos)

GERALDO MENUCCI - Bom dia, obrigado pela calorosa recepção, é um


prazer estar aqui. (Trecho completamente inaudível, fala fora do microfone)
Bom, sou carioca, aliás, fui carioca, cheguei aqui com 20 anos para passar 3
meses de férias envolvido com esse trabalho de ação política, social, cultural,
até quando fui despedido em 64, envolvido pela raiz nas minhas atividades
profissionais. Quando aqui cheguei, já conhecia o regente da Orquestra
Sinfônica do Recife (trecho inaudível) que me abriu um espaço na orquestra
sinfônica e logo depois já era convidado para regente (trecho inaudível) com
essa aposentadoria compulsória, todavia, o grande realce foi justamente a
ligação profissional que eu tive com a comunidade pernambucana. Conheci
Abelardo da Hora também, lamento não estar aqui, e em 52 mais ou menos,
Abelardo da Hora idealizou a Casa das Artes, que funcionou dentro do MCP,
durante 8 anos de um trabalho muito importante, que passou por toda a
comunidade do Recife, por todos os bairros do Recife. Era (...?...) nas artes,
Luís Mendonça no teatro, Flávia Barros na dança, e eu na música. Andávamos
em todos os lugares, enaltecendo cada vez mais a cultura do nosso povo. Em
55... Sim, aí eu idealizei, logo de saída, um Coral, que foi o Coral do Recife, o
único coral que (trecho inaudível) do nosso amado Recife. Em 57, participamos
do Encontro de Coros do Brasil, com 82 países participando, fizemos grandes
concertos, com gravação (trecho inaudível) de Moscou. (Longo trecho
incompreensível, gravação muito ruim). Mas, antes disso, eu queria esclarecer,
houve um projeto cultural muito importante. (Inaudível) Chegou ao Recife de
pra 60. Fiz também um trabalho com Paulo Freire, no Centro, fizemos várias

12
SECRETARIA DA CASA CIVIL
atividades com corais no Recife, em escolas. Em 60, Miguel Arraes assumiu a
Prefeitura, com apoio de pessoas de formação como Germano Coelho, (...?...)
que acontecia na França, (trecho inaudível). De tudo o que tivemos no MCP,
tivemos um coral também no MCP, onde jovens de todas as idades e também
os pais, iam para o coral, e em seguida gravamos o Hino das Ligas
camponesas, de Francisco Julião. Essa semana que passou agora, estivemos
lá em São Bernardo do Campo, e estão agora nacionalizando o hino. Pra mim
foi uma surpresa. Muito importante saber que o hino idealizado por Julião
passa agora a ser de todos os camponeses. Enfim, essa é uma síntese da
minha participação nessa atividade do MCP (inaudível). E, como maestro, a
contribuição que posso dar, não sei se é possível, que seria a música, nesse
cd aqui, com a voz perfeita da poesia. Então aqui nós vamos ouvir o Hino do
Camponês, com o coral do MCP. (trecho inaudível) Muito obrigado.

https://youtu.be/WjknKnwBeZ0

(Obs: Nessa versão do youtube não é o coral do MCP que interpreta.)

Hino do Camponês

Letra: Francisco Julião / Música: Geraldo Menucci


Regência Geraldo Menucci

Companheiros, irmãos de sofrimento,


Nosso canto de dor sobe da terra.
É a semente fecunda que o vento
Espalha pelo campo e pela serra

Estribilho: A bandeira que adoramos, Não pode ser manchada, Com o sangue de uma
raça, Presa ao cabo da enxada.

Não queremos viver na escravidão,


Nem deixar o campo onde nascemos.

13
SECRETARIA DA CASA CIVIL
Pela terra, pela paz e pelo pão,
Companheiros, unidos , venceremos.
Estribilho

Hoje somos milhões de oprimidos,


Sob o peso terrível do cambão.
Lutando nós seremos redimidos;
a reforma agraria é a salvação
Estribilho
Nossas mãos têm calos de verdade,
Atestando o trabalho honrado e duro.
Nossas mãos procuram a liberdade
E a glória do Brasil para o futuro.
Estribilho

(Aplausos)

FERNANDO COELHO - Dando sequência aos depoimentos passo a palavra a


Jomard Muniz de Brito. Quero antes registrar a presença da vereadora do
Recife, Isabela de Roldão.

JOMARD MUNIZ - Bom dia a todos, a todas, a alguns e até mesmo a nenhuns.
(risos). Estou bastante comovido depois que ouvi o hino, que eu não conhecia,
e prometo a mim mesmo que fiz muitas anotações sobre o depoimento da
nossa amiga Argentina Rosas, mas eu não vou tentar fazer nada em torno o
depoimento dela. Quando se fala depois de uma pessoa, você tende a se
prender a muitas coisas ditas por aquela pessoa, então eu vou apenas fazer
aqui o meu depoimento, eu diria assim, como acusavam a nossa universidade
toda de ser muito elitista, muito alienada e o grande problema da época do
MCP era o choque do jogo entre a alienação e a participação e engajamento;
ou você era alienado ou você queria se desalienar e entrava num processo de
engajamento. Era uma época que se falava muito na pré-revolução brasileira e
nas reformas de base, todas eram reformas de base. Eu vou apenas dizer aqui

14
SECRETARIA DA CASA CIVIL
pra todos que, em nome da verdade, eu não acredito muito em comissão da
verdade pelo seguinte, porque eu perguntei logo quem estava patrocinando
esta, porque eu fui convidado há 2 anos atrás, uns anos atrás, pelo professor
de História (...?...) também para um projeto de comissão da verdade sobre 64 –
e que tinha o apoio ou o patrocínio do Ministério da Justiça. Então eu fui dar o
depoimento, eles gravaram e então eu perguntei: e os outros depoentes? Aí ele
(...?...) e eu quis saber qual era a dimensão, qual era o tempo, pra organizar a
minha fala, abreviar minha fala, mas o tempo do depoimento era de pessoa
para pessoa porque com Manoel Messias ele usou 17 horas. Eu fiquei
abismado! Mas como foi isso? Ele falou: “Não foi de uma vez, fomos várias
vezes na casa dele”. Eu disse: no meu depoimento, deixem, no máximo,
perguntas pra fazer; é diferente de vocês. Então, é primeiro a palavra e o
debate seria depois, seria, será, que será... Então eu prometo que no máximo
duas horas, mas eu vou falar uns dez minutos. Eu quero falar apenas de uma
coisa além dessa dicotomia, porque nós éramos reconhecidos ou mal vistos
como pessoas alienadas. Eu continuo ainda sendo. Tenho a pachorra, o
desplante, a impertinência até de, pela manhã quando eu acordo, ver o Bom
Dia, Pernambuco e o Bom Dia, Brasil. Então eu sou duplamente alienado. Mas
eu sou e não tenho problema de confessar isso. E eu queria falar sempre
desse problema do elitismo. A Universidade era considerada muito elitista e
estou vendo que continua, que continua elitista, querem que eu observe os
mestrados, os doutorados... Então eu queria colocar isso, a pessoa ficar
dividida entre qualquer (...?...), entre ser, você falou, ser cristão, eu era católico
praticante hoje em dia sou mais do hedonismo flutuante. Então dentro dessa
coisa, de ser católico praticante, e estar trabalhando com o movimento... Outra
coisa, eu nunca fui vinculado diretamente ao MCP. Eu tinha amigos, conhecia o
pessoal do MCP. Mas eu quero somente, nessa minha breve intervenção,
entrar numa coisa que é mais “jomardiana” mesmo, sou eu mesmo, minhas
contradições. Eu queria dizer, com um grande constrangimento pra usar a
palavra elegante, mas a coisa mais desagradável que houve foi quando nosso

15
SECRETARIA DA CASA CIVIL
Paulo Freire estava com um sistema, não era só o método, o Sistema Paulo
Freire de Educação de Adultos, que era todo na base se slides, de palavras
geradoras utilizadas, mas a coisa era os slides projetados, era a grande
novidade, a grande revolução tecnológica. O MCP lança um livro de leitura
para adultos e um excelente livro de leitura, por que naquele tempo, as
cartilhas eram alienadas e alienadoras. Mas o livro do MCP não tinha nada
disso, era um livro bastante engajado nos problemas da sociedade brasileira.
Então, por que colocar isso? Pra mim, o que eu vivenciei muito (...?...) foi um
constrangimento entre o Paulo Freire já estar com uma projeção nacional com
esse método de educação, não se fala mais em método de educação, é
sistema de educação, e foi um sistema muito importante, porque jogou, antes
das palavras, o debate sobre natureza e cultura. Então a grande revolução de
Paulo Freire, pra mim, que teve sua origem no MCP sem dúvida, foi ter dado
esse movimento antropológico à educação, porque o problema da natureza
versus cultura ainda hoje é o tema da antropologia. Então a importância do
sistema Paulo Freire não foi ter usado projetor, slides, palavras geradoras, mas
foi, sobretudo, começar o debate que se chamava não salas de aula, mas
círculos de cultura, com debate sobre natureza e cultura. Então quero registrar
isso. A minha contribuição nesse debate é a verdade em que eu acredito mas
desacredito ao mesmo tempo, eu acho que é uma coisa muito parcial e muito
personalista também, mas não estou fazendo crítica nenhuma a nenhum
desses dois que estão aqui, (refere-se aos depoentes anteriores a ele), fizeram
seu depoimento perfeito. Eu é que sou personalista e sou famigerado também.
(Trecho inaudível). Então eu quero registar aqui, uma coisa muito
desagradável que houve na época, que foi esse constrangimento, o sistema
Paulo Freire de audiovisual tecnológico e o livro de leitura do MCP. Nada mais
a declarar.

(Aplausos)

FERNANDO COELHO - Com a palavra Leda Alves.

16
SECRETARIA DA CASA CIVIL
LEDA ALVES - Ela é mais nova do que eu. Vai ser o contrário. Ela fala
primeiro.

FERNANDO COELHO - Então, Lucinha Moreira com a palavra.

LUCINHA MOREIRA: -- (...?...) Mas não é isso não, é por que, de fato, o MCP
era aqui na cidade. Era aqui que se engajavam os jovens. Inicialmente os
católicos e depois todas as atividades não vou entrar em detalhes porque tem
um livro de 700 páginas que quem quiser saber do MCP, esse livro é fantástico
porque tem todas as experiências. Não tinha tido a oportunidade, Geraldo
Menucci, de parabenizá-lo pelo hino. Eu conhecia que ele é realmente muito
bonito. E pra gente, pra mim, de uma forma especial, ele é muito importante,
porque enquanto o trabalho do MCP foi muito na cidade, o trabalho do MEB foi
rural. Então, pela própria estrutura, pela própria instituição do Movimento de
Educação de Base pelos bispos no Brasil, pela CNBB, nós tivemos uma
capilaridade muito grande porque todas as dioceses do Estado e mais uma da
Paraíba e uma do Juazeiro da Bahia, faziam parte do sistema de escolas
radiofônicas do Movimento de Educação de Base; como isso funcionava, eu
acho muito importante. Aqui no Recife, que era a equipe que chamava-se
equipe diocesana, aqui no Recife a gente tinha a (...?...) toda, começando com
Lêda, transmitindo aula, José Carlos Borges fazendo textos pra aula e muita
coisa. Eu fui fundadora também do MCP, mas o MEB depois me absorveu
completamente e eu fiquei na coordenação estadual. Então a gente tinha por
obrigação, não só de constituir as equipes locais que eram as diocesanas,
como supervisiona-las, treina-las, etc. Eu acho que atendeu muito ao período.
Eu acho que a juventude em si, integrou no Movimento da Educação de Base,
em sua grande parte no interior. Eram convidadas e eram formadas as equipes
locais, especialmente as professoras primárias e o pessoal que, de alguma
maneira, participava da Ação Católica. Apesar de ser um movimento criado
pela CNBB, nós não tínhamos absolutamente nenhuma discriminação religiosa.
Até porque nós tivemos a sorte incrível, e teve no primeiro momento foi o bispo,

17
SECRETARIA DA CASA CIVIL
o bispo arquidiocesano, que era o presidente de honra do movimento no
estado, e nós tivemos Dom Carlos Coelho, que era um educador e que
acreditou completamente no trabalho e depois Dom Helder que pensou o MEB
junto com Dom Távora, e que era já o precursor de todas as mensagens e,
portanto, as estruturas e tudo. Eu acho que tanto no MCP, no MEB e em outras
organizações, havia uma mística de trabalho. E eu acho que essa mística era
muito... Por que a gente acreditava, mas acreditava piamente, que a gente ia
levar à transformações de estrutura, não era educar ninguém, era levar o
conhecimento a essas pessoas. No nosso caso, na zona rural, a gente ia pra
onde não tinha luz, não tinha água, não tinha escola. Então o que era
destinado à educação de adultos? A gente usava o tema educação de uma
forma bem ampla, a gente nunca, nunca o MEB se propôs a simples
alfabetização. A alfabetização era somente e tão somente a porta de entrada. A
gente dizia inclusive, é só porta de entrada. Mas a grande coisa que eu acho,
que levou a tudo isso a todo um, eu digo até um sucesso, porque a gente
entrou em engenhos , e especialmente na zona da mata, que era muito difícil.
A gente vê em lugares como em Palmares, que para instalar as escolas a
gente teve que pedir permissão ao sindicato e foi uma coisa muito rica a troca
com o sindicato, tão rica que chegou a, eles diziam, que muita coisa tinha sido
treinada em Cuba então eles sabiam o que era pra fazer, mas na hora, no dia 2
de abril, dia que se teve que sair, pra fora, muita gente saiu, especialmente do
campo, foi através do MEB; foi o MEB que (...?...) procurou, pra sair do estado
de Pernambuco e ir ganhar o mundo. Eu tinha anotado aqui algumas coisas. A
metodologia do MEB, ela se baseava profundamente em treinamentos. Então
eu acho que só vou dizer vantagem, viu Argentina, ao contrário de você, eu só
vou contar as vantagens do MEB, até porque a gente não teve esses casos.
(...?...) mas eu acho que ele sendo nacional, ele procurava falar a língua local.
A gente vinha da equipe nacional com pessoas, realmente, de uma elite
intelectual que procurava a educação popular, que era o tema da moda, então
todo mundo procurava estudar o que era educação popular. E tem até um livro

18
SECRETARIA DA CASA CIVIL
de Aída Bezerra e outros, “A questão política da educação popular”. Chegava
ao problema das estruturas, das reformas, e tudo isso. Mas esses
treinamentos, tinha o para nacional, tinha o para estadual, para o local, para as
escolas, para os motoristas, tudo dentro do mesmo tema, só que com a
linguagem e o aproveitamento da cultura do povo. A gente nunca desejou
mudar nada na cultura do povo. O que a gente queria era estimular para que
ela se desenvolvesse, para que ela aflorasse e o povo a tivesse. E aí era o
povo mesmo, que era camponês e que a gente chamava de trabalhador rural.
Mas depois passou, na linguagem de Julião, a se chamarem camponeses. Mas
o que a gente queira era que eles percebessem o valor deles. Eu lembro que
nos últimos treinamentos, em Afogados da Ingazeira, e a gente perguntou para
um dos trabalhadores: “Como é que vocês sabem o que é gente?” aí ele foi
tranquilo na resposta: “Eu penso.” E não precisou estudar filosofia para dizer
penso, logo existo. Mas eu acho que essa questão de ir passando foi
profundamente rica para quem passava. Eu digo que eu devo muito da minha
formação pessoal ao trabalho com o MEP. Foi aí que eu me enriqueci, foi aí
que eu encontrei o verdadeiro povo rural. A gente não tinha trabalho na cidade,
era realmente com o povo rural, e até tinha-se uma linguagem própria. Eu
lembro que na área de São Francisco a gente não podia falar no rabo do gato
dentro do cachorro, era o cabo do gato entrar no cachorro. E por aí ia. E essa
linguagem era respeitada ao mesmo tempo em que se tomava conhecimento
que em outros lugares não era legal. Era errado. E por aí vem o “di cumê’, o tá
na hora do ‘di cumê’, tá na hora de comer, aí também se dizia se era hora do
almoço, a hora do lanche, a hora do jantar, e ia integrando. Eu acho que as
equipes locais, a estadual e mesmo a nacional, nessa troca, porque é um
movimento de troca, e isso faz parte da minha vida hoje, que ao conhecer
alguém eu quero trocar eu quero absorver a pessoa e dar o que eu tenho e que
a pessoa não tem, em termos de qualquer conhecimento. Agora tem uma coisa
que estava implícito no convite, que era a questão da repressão. O MEB ia
muito bem e até chegou a lançar uma cartilha “ Lutar é Viver”. As duas coisas

19
SECRETARIA DA CASA CIVIL
se combinam, mas essa cartilha ela foi e voltou tanto pro povo, que custou
muito a sair, inclusive teve uma edição dela que não chegou a ser edição,
apenas uma proposta, que Ziraldo fez todas as ilustrações e o povo não
aceitou. E a gente teve que aceitar isso, tenha paciência não é, por que era o
papel deles (...?...). Mas essa cartilha ao mesmo tempo que ela veio, Jomard,
eu vou chamar aqui essa ‘cartilha’ como se dizia na época, mas não é livro de
leitura não, é livro de ensinar. Essa cartilha, ao mesmo tempo que ela foi uma
inspiração, por que todo mundo procurou contribuir, ela também foi uma
frustação. Pouquíssimas áreas chegaram a usar a cartilha, porque aí começou
o nosso processo de repressão (trecho inaudível).É pior do que as brigas de
poder, é pior, muito pior. Até por que havia uma coisa engraçada, por que
muitos de nós viemos da AP e muitos de nós fomos fundadores da AP. Então a
coisa já caminhava muito ruim de forma que a gente sabia que não podia falar
em mudança de vida que não falasse em mudança de estrutura. Ainda mais
que na época era reforma agrária, universitária, em todos os níveis (trecho
incompreensível) a começar pela universitária. Por aí a gente vê como o
universitário se engajou nesse trabalho. Não foi só MEP, não foi só MCP, mas
houve uma grande procura com o despertar e desse despertar querer fazer
alguma coisa. E foi muito engraçado depois por que teve uma época posterior
que era a luta contra a repressão e quando acabou a repressão a gente ficou
“E agora? A gente vai lutar por quê? ”. Aí a gente voltou a lutar pelas (...?...).
Mas terminou o MEP dessa forma. A primeira coisa foi a denúncia de Carlos
Lacerda, depois nós tivemos o fechamento das equipes, e eu sei que pra gente
foi a prova de que Dom Helder, ele realmente, a prática dele, era de muito
respeito pelas pessoas. Ele acreditava. Ele foi fundador do MEP. Mas no dia
em que nós duas, coordenadoras, fomos a ele dizer: “Não dá, está
deturpando”, ele disse: “Feche, se vocês acham.” Então não botou toda a
responsabilidade pra gente, ele tinha muita confiança e sabia também como
era a censura das aulas. Por que também a gente usou um método que era
fundamental, a gente usou um meio de comunicação que até hoje é um dos

20
SECRETARIA DA CASA CIVIL
maiores meios de comunicação de massa, que é o rádio. E a gente foi com o
rádio para uma comunidade que não tinha rádio por que não tinha luz. Mas o
MEP fabricou rádios que não precisavam de luz e que eles ouviam não só na
aula, mas na hora que eles quisessem ouvir. Agora, só o BBC, por que era só o
que chegava na área metropolitana. Mas haviam outras também, por que tinha
a Rádio Petrolina, a Rádio da Diocese, a Rádio do planalto que também até
hoje é usada pelos comunicadores sociais. Aqui era a Rádio Olinda, mas a de
Carpina atendia outras, em outras comunidades. Então era onde a emissão
chegava melhor. Agora a gente fazia muita emissão nas escolas do sertão que
tivessem uma linguagem do sertão. A do agreste, que era Caruaru o centro,
que era uma equipe muito boa, tanto que chamou tanta atenção que a equipe
toda foi presa e o bispo foi junto e ele disse que só saía quando a gente saísse.
Ele ficou uma noite e uma manhã inteira, mas um dos rapazes que era
advogado da equipe, ele foi preso no Recife e foi muito torturado. Eles tiraram
os óculos dele e ele não enxergava nada sem óculos, ele era de Caruaru. E aí
a censura foi o segundo elemento de fechamento das equipes. Caruaru foi tão
visado, que o exército botou nas portas aquelas traves assim, em X, pra não se
abrir. Na equipe estadual eu digo sempre que a gente tem uma sorte, que
papai do céu protege, protege mesmo, eu não tenho nenhuma dúvida. No dia
1º de abril eu recebi às 5 horas da manhã uma comunicação de que o pessoal
da Ação Católica tinha, eu morava junto da sede estadual, tinha passado a
noite rodando um manifesto a favor de Arraes, contra o exército, etc. etc. então
eu, junto com um rapaz que trabalhava lá também, nos deslocamos pra lá, e aí
a gente teve que enterrar mimeógrafo, arrumar tudo o que tinham deixado, e o
mimeógrafo era daquele à álcool, que saía roxinho. E tinham deixado tudo
espalhado, a gente recolheu tudo. Às oito horas da manhã, depois de três
horas, eu tendo pensado que já tinha limpado tudo, que a gente foi sair,
disseram: “Ah, não, vocês não vão sair, vocês estão presos”. Aí, na rua,
estavam Dom Helder e dona (...?...) sem poder entrar e a gente sem poder sair,
mas eu digo que a sorte chegou por que quando chegou o delegado ele era

21
SECRETARIA DA CASA CIVIL
sobrinho de Dr. Arruda, que era a pessoa de um projeto de eletrificação rural
Itacuruba-( ...?...) e eu já tinha trabalhado na SUDENE com esse projeto no
tempo do... Por que eu fui do Serviço Social Rural do IPA e do (...?...), não sei
mais por que mudava muito o nome, ou Ministério da Reforma Agrária. Então
tinha esse projeto e a gente já ia todo mês a Itacuruba pra fazer a supervisão
(trecho incompreensível) Bodocó e aquela área toda. E o delegado que chegou
era sobrinho dele e me conheceu lá. Então quando ele entrou foi muito
engraçado, eu vou contar, ele entrou e disse “Lucinha, você aqui?” e eu disse
“Carlos, você aqui? Por que aqui é meu ambiente de trabalho mas você aqui?”
Foi uma coisa fantástica, por que ele não levou nada. Os soldados que vinham
junto queriam levar a máquina fotográfica, queriam levar... E eu dizia: “Não,
isso pertence ao Ministério da Educação, e eu tenho que prestar conta”. Enfim,
ele levou uns papéis do MEP que não tinha muito problema não, mas essa
brincadeira terminou as 7 horas da noite e então a gente passou o dia todinho
com fome, por que o ‘di cumê’ não chegava. E isso foi assim a confirmação
final de que não dava pra continuar por que isso ia se repetir, e isso ia chegar a
prender, e como o pau sempre quebra no mais fraco, nós começamos a
receber a notícia de prisão de monitores nos engenhos. Na zona da mata era
uma tragédia. Era uma coisa difícil, por que parecia de vez em quando, ainda
parece, que o dono do engenho, o dono da usina, são donos das pessoas.
Então fizeram fogueiras queimando os rádios, e era uma coisa muito difícil,
coisa que a gente queria combater muito, pra que o homem da zona da mata
se sentisse homem, do jeito que o sertanejo se sentia. O sertanejo falava com
a gente olhando no olho da gente. O sertanejo conversava com a gente
sentando na mesa e comendo com a gente; o homem da zona da mata, tirava
o chapéu, botava debaixo do braço, olhava pro chão, então a gente queria
muito que ele se sentisse capaz e se considerasse pessoa com vontade e com
tudo. Era um trabalho lindo. A gente tinha certeza que a gente ia mudar, agora,
também se a gente não tivesse essa certeza não tinha entrado muita coisa,
não é? Mas a gente entrou pra valer, a gente entrou todo mundo dando tudi de

22
SECRETARIA DA CASA CIVIL
si. Tem um jogador do Náutico que diz, “dei tudo de mim”. Eu acho que ele joga
dando tudo de si. O terceiro foi o papel, aí tem uma coisa importante. Os bispos
de um modo geral, com raras intenções, eles não se envolveram com as
equipes locais, nem com a estadual, que no caso era já Dom Helder. Mas eles
protegeram as equipes. O de Caruaru foi pra prisão com a gente, o de
Afogados da Ingazeira disse: “Aqui vocês não tem nada para ver” e por aí se
foi. Tinha o de Carpina, que se chamava Mané Pereira, ele dizia “Não, no meu
pessoal ninguém mexe, não”. E assim foi uma vantagem enorme, não somente
na instalação mas também no fechamento do MEP, contar com a Igreja na
pessoa dos bispos. Algumas dioceses, como a própria Afogados da Ingazeira,
que tinha rádio própria, ainda continuou por um tempo, mas depois viu que não
dava. Eu pergunto aqui o que foi o MEP, como começou, como terminou e o
que ficou. E eu escrevi, na medida que a escola se transformava cada vez mais
numa das importantes estruturas de participação popular, o ensino tendia a se
vincular aos problemas locais. A questão era muito essa. Esse livro é uma
beleza, a gente não tem nenhum livro assim. E eu queria dizer a vocês que eu
bati todos os (...?...) de Pernambuco e não achei nenhum que fizesse. A gente,
muitos anos depois, se reuniu e escreveu isso: “MEB, uma história de muitos”.
Então a gente começou assim. Eu cheguei aqui por acaso, mas a minha
conclusão, que não é só minha, acho, é também dos estudiosos, desse
pessoal, Renato Brandão, Eduardo Wanderlei, Paulo Freire, Benjamim Garcia,
Sílvia Manfredi, etc, que escreveram “A questão política da educação popular”,
eles também chegam à conclusão que nós chegamos nessa história de muitos:
quem mais aproveitou foi o líder intermediário. As pessoas que formaram as
equipes locais eram alienadas mesmo, Jomard, e não era pouco não, eram
inocentes completamente, tomaram um susto. Tinha uma parte dos
treinamentos, A situação atual, quando se dizia qual era a situação eles diziam
“É mesmo, é?”. Era assim. E pros monitores, o esforço que eles faziam para
assimilar era tanto, que a gente tinha que botar nos cantos uma cestinha cheia
de aspirina, melhoral, por que eles ficavam com dor de cabeça, e ficavam

23
SECRETARIA DA CASA CIVIL
mesmo por que era uma onda de informações que eles não estavam
acostumados. Agora, o bonito disso tudo eu deixei pra Leda contar, que era
como funcionava a escola, as aulas, a comunidade.

(aplausos)

LEDA ALVES – Eu vou dar uma introduçãozinha sobre o TPN para chegar no
MEP. O TPN nasceu aqui no começo dos anos 60, no ano 60, mas ele veio do
teatro dos estudantes de Pernambuco dos anos 40. A mesma equipe, com
alguns acréscimos que (...?...) a mesma equipe que (...?...) com a vinda do
Curso Superior de Teatro pra Universidade, essa mesma equipe, jovens
estudantes de Direito criaram o Teatro de Estudantes de Pernambuco – TEP.
Lá eles inovaram, abriram campos novos para a dramaturgia, para a cena,
naquela época, brasileira e nordestina, onde misturaram o popular e o clássico
de uma maneira completamente (...?...), com um bom gosto muito fino, onde,
pela primeira vez no Brasil, houve uma mesa de debates com os mestres da
cultura popular. Hoje isso é useiro e vezeiro, mas nos anos 40, você pegar um
mestre de boi, um mestre de mamulengo, um mestre de caboclinho e sentar
numa mesa, eu vim ver isso com outro nome, nos anos 70, num debate
organizado por Evandro Rabelo, uma figura excelente, apaixonado pelo cultura
popular, ele fez um seminário “O carnaval tem que abrir por quem faz”. Então
na sala estavam os pesquisadores, os estudiosos, os carnavalescos, não sei
quê, não sei quê, não sei quê. E eu olhando tudo aquilo, por que em 47 eu era
uma pessoa, uma criança, absolutamente alienada de tudo, de tudo, de tudo.
Nessa eu... é nisso que eu fui formada, que eu vou abrir os caminhos da minha
vida e é nisso que eu vou me agarrar com Evandro agora (trecho
completamente inaudível, colocação incorreta do microfone) Então o TEP
revolucionou, foi um negócio formidável! Morreu por inanição, por falta de
dinheiro, Hermilo foi embora pra São Paulo, desagregou-se e morreu. Mas não
morreu dentro de quem fez. Quando Hermilo foi chamado pra cá, vocês me
desculpem eu falar muito em Hermilo, primeiro por que é verdade, e essa é a

24
SECRETARIA DA CASA CIVIL
Comissão da Verdade, e nesse caminho, o timoneiro da gente mesmo era
Hermilo. Da minha vida, como mulher, e de todos com quem ele viveu,
principalmente Ariano. E então Ariano fez com que ele voltasse de São Paulo
pra cá, foi criado o Curso Superior de Teatro, onde eu me matriculei como
aluna, e aí eu conheci esse universo. E aí eu me entreguei, eu não sabia ainda
pra onde eu canalizava o meu trabalho na Ação Católica. Mas eu não vou falar
disso agora, vou falar sobre o teatro. Então criou-se o TPN, reunindo esses do
TEP e acrescentando mais duas pessoas: eu, representando (...?...) dramática
e Aldomar Conrado, escritor, jovem, de dramaturgia. O TPN nasceu com
compromissos políticos. Uma politica cultural fechada com a cultura brasileira
mas sem exclusividade pra olhar outras culturas. Não, dando vez a quem não
tinha. Aí a gente caminhou com muita dificuldade, mas pinçando algumas
pessoas da sociedade que podiam ajudar. Bom, quando nós estreamos a
gente ainda não tinha sede e alugamos o Teatro do Parque, no ano 60, 1960,
com a peça ‘A pena e a lei’, de Ariano Suassuna, com musica de Capiba, e
usando também o cancioneiro popular e um elenco, desde a primeira vez,
profissional. A gente ganhava desde o ensaio (...?...). Era profissional mesmo.
Ia pra ponta do lápis. Agora quanto é o meu? Seis horas de ensaio é seis
horas, você chegar com três vezes em atraso, você já não é olhado com bons
olhos e se faltasse algum ensaio estava liquidado. Joel Pontes, amigo dele no
Jornal, jornalista e um ator acima da média, faltou a três ensaios de Blacktie,
quando ele chegou e pediu desculpas por ter faltado o ensaio, Hermilo disse:
“Não tem problema, não. Você já está substituído”. Era assim, não tinha a
menor brincadeira. Mas aí quando a peça estreou, como toda peça de Ariano,
apesar dele ser um homem de muita fé, um pouco ortodoxo nas coisas, mas
ele sempre mostrava uma Igreja pobre. Tinha o poder e a pobreza (...?...). Na
“A pena e a lei” um dos personagens era o padre, que era gaiato, que era feito
por Hiram Pereira, que aqui eu vou contar um fato: Hiram Pereira que era do
Partido Comunista, fechado, odiado pela direita e pelos capitalistas de todo
esse mundo e ator. Ele se integrou ao TPN e Hermilo deu a ele o papel de

25
SECRETARIA DA CASA CIVIL
padre e não houve nenhuma outra intenção nisso, até por que Hiram era muito
engraçado, dançava muito bem e Hermilo queria acrescentar a ideia de Ariano
uma vestimenta que reforçasse o caráter do padre, que não valia nada. Era
venal, pagodeiro, engraçado, mas venal, (...?...) o Evangelho, mas venal e
muito simpático, o povo todo é mau caráter, não é? (risos) Tem coisa mais
importante e envolvente do que um mau caráter? Não tem. Então a peça foi um
sucesso. Dois meses diariamente no Teatro do Parque com 1200 lugares. Não
era brincadeira no ano 60. Eis que, a nossa Santa Madre, comandada por D.
Antônio Moraes Júnior, vulgo Toinho Coca Cola, foi pro (...?...) dizendo: “Olhe,
essa peça não presta, não. Esse grupo é comunista. Imaginem que tem um
comunista fazendo o papel de um padre, e que faz isso, aquilo...” Tem uma
hora que ele dança, levanta a batina, segura a batina nos dentes e dança um
forró danado. Isso era uma coisa... Então daí em diante a coisa se agravou e
ele mandou os padres recomendarem pro público que essa peça não era uma
peça aconselhável, recomendada para os cristãos assistirem. Estava no fim da
temporada... A segunda peça do TPN foi a Mandrágora de Maquiavel onde
existe, como sói acontecer no teatro medieval, um fradre muito libidinoso, um
frade que foi feito por Baby Rosa Borges e eu era a namorada do frade.
Imagine, eu que seria a namorada dele, mas eu, bem recatada, bem
principiante na vida, com todos os trancos de duma família de tradição católica,
recebi o papel; e eu era da JIC, da direção da JIC, Juventude Independente
Católica. Um segmento da JUC. Pronto, a mãe dela, (mostra Vera Martins na
plateia) Silvia, era da Liga independente Católica. Então eu peguei o papel, eu
dou o testemunho na Comissão, eu peguei meu texto na peça, cheguei até o
professor, Hermilo, (...?...), eu não combinei com ninguém, cheguei e disse que
queria dar uma palavrinha com ele e disse: “Hermilo eu não vou poder fazer
esse papel não”. Aí ele disse: “Não vai querer por quê?” – “Esse papel... Eu
coordeno um movimento da igreja católica, meus pais são muito
conservadores” – “Ora, isso é pecado mortal que qualquer ator não tem o
direito de cometer com o papel que recebeu para interpretar. Não tem nada a

26
SECRETARIA DA CASA CIVIL
ver com o caráter dele, com a religião e com a posição política dele. Ele aí está
emprestando, está interpretando o papel, não tem nada que ver com ele.” Mas
eu disse: “O que é que a minha família vai pensar, o que é que a igreja vai
pensar, o que o arcebispo vai pensar de mim?” Eu era da diretoria do TPN. Ele
não disse mais nada, pegou o papel dobrou e: “Até logo!”. Eu fiquei menor do
que eu entrei. Arrasada, por que ele não dialogou, não fez nada. Isso é uma
besteira que eu fiz na vida, naquela hora. Bom, a peça, aí foi que D. Antônio
Moraes veio em cima, já tinha a censura do Exército, e ainda juntou com o
bispo. Pronto! Aí a segunda peça veio com o bispo namorando uma religiosa,
uma freira, debaixo dos cobertores, (...?...) que é da condição humana cometer
essas coisas, esses escândalos, mas ainda trazer para o palco? Ainda foi pior,
então outro chavão em cima da gente. E o TPN, nesse comecinho de vida... Eu
tinha uma irmã, ainda tenho, que era alfabetizadora, trabalhava no INCRA e
Lucinha convidou pra ela se integrar ao MEB e ela foi fazer parte da equipe
juntamente com Argentina, com Elza, com Norma, fazerem a cartilha do MEB.
E quando, no momento que o MEB precisou, aí Lucinha me chamou pra o
MEB, dizendo que a gente precisava de fazer uma aula, eu e Zélia Barbosa,
acho que poucos aqui conhecem ela, mas foi a maior cantora que esse estado
já produziu, mas rendeu-se ao marido, Castor, e hoje ela perdeu a voz, ela foi
embora daqui. Então Zélia veio fazer a produção das aulas comigo, mas tinha
um assunto que era conhecimentos gerais e tinha toda aquela série de coisas
que não era da educação formal, higiene, meio ambiente, cidadania, aí eu
imediatamente... Hermilo, não era nada meu ainda, viu gente, ele era meu
amigo, meu líder, meu chefe, a pessoa que eu mais admirava, aí ela chamou
Hermilo e ele se apaixonou imediatamente pelo projeto, o TPN entrou. Então
era assim, ela (Lucinha) dava a matéria, o resumo do assunto que a gente teria
que desenvolver. Hermilo com Dr. Zé Carlos Borges e Zé de Moraes Filho, que
eram dois diretores do TPN e escritores de teatro, aí eles escreviam os
capítulos como rádio novela, onde existia o personagem entremeado pelo
espírito cômico que é utilizado pelo mamulengo, pelo bumba-meu-boi, você

27
SECRETARIA DA CASA CIVIL
veja que junção, que mistura maravilhosa, onde Hermilo, José Carlos e José de
Moraes criavam um ambiente prevendo o espetáculo popular nordestino que
eram o mamulengo, o bumba-meu-boi e o pastoril. São os 3 maiores
espetáculos populares do Nordeste que Hermilo considerava. E criavam as
histórias, os capítulos, e o elenco do TPN vinha adaptar. Então na hora da
gravação das aulas, que era feita por mim e por Zélia, pedagógica mesmo,
quando abria a hora dos conhecimentos gerais já estava (...?...). Então meu
conhecimento foi de mão dupla mesmo, por que o pessoal do TPN não tinha a
vivência, de chão mesmo, do elenco com estes aspectos, a gente ia para o
interior, testar, acompanhar os camponeses, as reuniões eram de noite, ao ar
livre não era volantismo não, era mesmo. A gente não tinha essa
disponibilidade de grandes espaços, não. Uma noite a gente enfrentou Julião,
que fez parede contra a gente num certo momento. Dificultou uma grande
reunião com os camponeses. A gente conversando sobre a importância do
rádio e ele botou um negócio dele bem perto a tocar, fazer barulho, pra
atrapalhar o trabalho da gente. Naquela época ainda a gente não era
companheiros de mãos dadas de jeito nenhum, ele ainda era um opositor. E D.
Helder com medo (...?...) na luta deles. Isso foi uma coisa tão estranha, tão...
Então essa participação da gente no MEB foi riquíssima pro TPN, riquíssima,
Hermilo nunca tinha dirigido pra rádio, pra ele também foi um acréscimo, e
também para os dois escritores de teatro, que nunca tinham feito radio novela.
Então foi uma coisa formidável. E para o MEB, eu também sou justa em
reconhecer, além de oferecer essa matéria prima ao TPN, o TPN também deu
do volta um trabalho de alto nível pro MEB, como tudo que o MEB fazia, era de
alto nível. Não estou aqui pra rasgar seda, mas haja vista a qualidade de gente
que é Lucinha Moreira. Não estou conversando aquelas conversas que um
rasga seda pro outro, mas é a verdade. Então o TPN, até no golpe, ele teve
atitudes, também essa é a hora de dizer, atitudes que podiam ou poderiam ou
podem ter sido, interpretadas como em cima do muro e até conivência. E não
foi nada disso. Quem acompanhasse a linha de trabalho do TPN, quem

28
SECRETARIA DA CASA CIVIL
assistisse aos espetáculos do TPN, que depois do Teatro do Parque ele alugou
o Teatro de Arena, e foi no golpe que a gente estava no Teatro de Arena, onde
passamos dois anos com muita dificuldade porque aquele não era o tamanho
de teatro que prestava pro TPN, mas a gente ficou, na impossibilidade total de
outra coisa. E a gente então estabeleceu um convênio com a Fundação de
Promoção Social do governo de Cid Sampaio, que era, José Rafael de
Menezes, um homem do bem, por que ele não tinha... Por que aqui nesse
pedaço do TPN, nos anos 60, entrou o problema da política partidária e isso
atrapalhou e confundiu muita coisa. Criou-se o MCP. Hermilo foi convidado por
Germano , Paulo Freire era amigo de Hermilo, companheiro de Belas Artes,
onde Hermilo, Ariano, Joel, que era professor de lá também e todo mundo que
fazia Belas Artes, lutou muito para Paulo ser o diretor de Belas Artes, o Reitor,
e ele perdeu pra João Alfredo, mas ele ensinava lá e era amigo. Então
Germano convidou Hermilo para se fundar o MCP. Todos nós fomos porque
era uma luta que a gente estava explodindo, era uma frente que a gente estava
abrindo, não era um adversário, era um companheiro que a gente queria
abraçar, mas sem a gente ter entrado na luta do partido político. Nenhum de
nós era filiado a nenhum partido político. Então Hermilo... A gente foi tudo pro
MCP. Batiam-se. Eram as mesmas propostas. O fazer podia ser ainda
diferente, mas isso era um passo da dança que a gente aos pouquinhos vai se
acertando. Você encontra um casal que já vive junto a muito tempo dançando
num salão, parece que nem se tocam de tão maneiros de tão afinados com o
passo, que ele nem precisa tocar no corpo dela nem segurar a mão. E ela vai e
ele vem, é uma coisa linda de se ver. Mas voltando ao TPN, sim, então a gente
foi pra lá, participou da fundação e tudo e Germano pediu que Hermilo
pensasse no que fazer no setor de teatro. Que Hermilo pensasse na forma de
um grande projeto a ser debatido no MCP sobre o teatro no Recife. Ora isso
era o Teatro do Estudante de Pernambuco e o Teatro Popular do Nordeste que
vinha fazendo sem publicação, mas na teoria, nos debates, nas reuniões e nos
propósitos da vida. Hermilo fez. Discutiu com a gente, tudo certo, e Germano

29
SECRETARIA DA CASA CIVIL
apresentou num programa de TV. No dia seguinte Hermilo foi para o trabalho
dele, ele era diretor do departamento de cultura, de uma Secretaria de Cultura
do Recife, da Prefeitura do Recife. Ele era funcionário e quando ele chegou no
departamento dele, eu volto a dizer que é a primeira vez que eu estou falando
isso em público, mas pela seriedade com que eu encaro a Comissão da
Verdade, eu não podia chegar aqui e escamotear, então uma funcionária da
Fundação, secretaria, perguntou o que ele estava fazendo ali. Ele disse: “Por
quê?” – “O senhor não é mais diretor”. – “Como? Eu? Sou”. Aí o Diário Oficial
estava aberto na mesa dele: - “No Diário Oficial saiu a sua demissão”. “Quem
vem pro meu lugar?” -“Paulo Freire”. Aí Hermilo tomou um choque danado,
claro, ele tinha família, ele tinha 4 filhos, então ele se reuniu com Ariano,
Capiba, José de Moraes Filho, Gastão de Holanda, com Aluísio Magalhães que
era do TPN, e discutiu isso, foi um impacto grande Eu não vou trazer isso pra
discussão absolutamente; é o meu depoimento, aqui morreu. Eu só estou
falando no meu depoimento. Então todos resolveram sair do MCP. Então todos
saíram do MCP. Então não é verdade quando, agora há poucos anos eu era
presidente da CEPE... Desculpe Fernando, mas vai bater em você, viu? Eu era
presidente da CEPE quando foi encaminhado para o conselho editorial o livro
de Germano sobre o MCP. E no livro, Germano afirma que Hermilo saiu do
MCP por discordar das ideias de Arraes. Isso me corroeu muito e muito. Foram
noites, momentos, horas de destruição por dentro, de forças que debatiam aqui
dentro, claro que eu me sentei com Lucinha, na época D. Marcelo Carvalheira
estava (...?...) e eu me amparei, pra conversar, pra ver o que eu devia fazer, se
como presidente da CEPE denunciar a inverdade e aí vinha o outro lado disso:
como presidente da CEPE eu não devo envolver coisas pessoais, or uq todo
mundo sabe que eu fui mulher de Hermilo, com um livro que ninguém está
garantindo a veracidade de nada que a CEPE publica. Ela tem um Conselho
Editorial. Fui ao governador, fui aberta, abri o jogo, e ele disse: “E o que é que
você quer fazer?” Eu disse: (...?...). Fui ao lançamento do livro, lancei o livro,
mas eu queria dizer a vocês que não é verdade o que está ali sobre Hermilo.

30
SECRETARIA DA CASA CIVIL
Vamos continuar. Então durante a ditadura o TPN sofreu o que todos nós
sofremos, todos nós fomos vítimas do que o país atravessou. Então sede
cercada, invadida, batida com metralhadoras, sim, porque durante a repressão
a (...?...) virou a mesa. A gente alugou, os amigos se cotizaram, e um deles foi
fiador e nunca o incomodamos, e alugamos um casarão antigo lindo de morrer
na Conde da Boa Vista, que não era nada disso do que vocês conhecem hoje,
era uma avenida residencial, muito agradável. A gente saia 2 horas, 3 da
manhã, depois do TPN, andando a pé por ali. Isso não é saudosismo isso é
qualidade da vida que a gente tinha. Saía a pé, a lua batendo, o vento do rio
batendo na gente. Ia para uma (...?...) farrear, acompanhar tudinho, uma
cervejinha, Pitu, tudo bom, tudo ótimo, vendo o balanço do rio, a e gente
chegava em casa já livre dos demônios dos personagens que a gente tinha
vivido, numa boa, sem medo, sem cuidado com ninguém. E nesse negócio a
gente viveu até 72, quando o TPN quebrou. E claro que a gente pagou o preço,
a gente precisou fazer do TPN uma (...?...). Por exemplo, a faculdade de
arquitetura mudou-se da Conde da Boa Vista porque estava havendo a
construção do campus, e aí a faculdade de arquitetura, eu nem me lembro
mais o que é hoje, é uma casa velha perto da curva, era arquitetura ali. E
arquitetura abastecia muito o TPN com a presença de estudantes, não pra ver
teatro muito não, o pessoal preferia mais tomar cerveja. Havia o bar ali atrás,
que se chamava Aroeira onde a banda de pífanos de Caruaru tocou, a ciranda
tocou, a gente ia pra comer arrumadinho, fritadinha não sei de quê. Nada disso
existia ainda e aí começou com Sílvia Martins, louvo a orça e a capacidade
dessa mulher que já se foi, ela, Lucinha e Iná Coimbra, que criaram a
COOPERARTE, a primeira cooperativa de artesãos, a Cooperativa Mista
Artesanal, pela primeira vez se teve essa experiência, artesãos, artistas, que
com o apoio dos organizadores, criaram a cooperativa, um negócio
maravilhoso, onde você via o que havia de melhor, e eles comandando o
negócio deles ali. A gente também tinha uma lojinha de música, de discos e
atrás, dois ex seminaristas que vieram do seminário e foram viver ali, por que

31
SECRETARIA DA CASA CIVIL
não tinham onde morar, e então eles foram morar lá atrás do TPN, porque a
casa era imensa, não acabava nunca. O quintal dava na Casa d´Itália. Então
eles foram morar lá. Nos processos da gente, aquilo era uma célula comunista;
dois famigerados estavam ali, fazendo horrores, ameaçando a segurança do
povo pernambucano, foi um horror! Hoje em dia são até sociólogos ou qualquer
coisa assim, são até importantes. (Vera Martins fala algo na plateia, mas sem
microfone, inaudível). Eles se lembram disso. Aí a gente começou a engajar
com o trabalho do MEB, e o elenco começou também a querer trabalhar nessa
luta. Quando se oferecia o borderô dessa (...?...), a gente era uma cooperativa
também, pra dividir entre nós, todo mundo abria mão, porque fulano tá preso,
fulano tá sem comida, tá sem trabalho e precisa ajudar essa família com a feira
da semana, um advogado que vai viajar para defender um homem que tá lá
nas brenhas, a gente precisa de passagem... E como a estética de Hermilo no
TPN era antes de (...?...), eu não vou explicar em detalhe porque seria uma
aula, mas a gente se sentia bem para improvisar. Então durante dois meses de
ensaio de mesa, Hermilo ia treinando a gente, no que o ator popular faz na
maior galhardia e competência possível, que é improvisar. O ator formado,
patatá, patatá, tem muita dificuldade de improvisar, e a gente foi estudando o
exercício da improvisação. Então na temporada, alguns de nós se
encarregavam de dizer o noticiário europeu: o que é que pegou fogo, o que é
que desapareceu, quem desapareceu, tinha coisa assim, e a gente pegava as
coisas mais contundente e um de nós ia para o proscênio e falava, “hoje
aconteceu isso”, quase como uma reportagem, e personagens que podiam
fazer isso durante o espetáculo também faziam. Claro que isso aumentou o
ódio da polícia federal e da censura porque não sabiam o que é que a gente ia
fazer toda noite. Mas o pessoal estava muito engajado nisso e a gente se saía
muito bem. Aí veio o 477. A gente fazia visitas nas Universidades falando sobre
a peça, a história do autor, tudo isso era perfeito, a linha da história, tatatí,
tatatá, a dinâmica da estética, etc, mas era uma prévia apresentando o trabalho
dos atores e daí eles tinham um abatimento nos ingressos, no teatro. O 477

32
SECRETARIA DA CASA CIVIL
proibiu reunião, proibiu congresso, proibiu tudo, nem no TPN a gente
conseguia fazer. A gente passou ser mais vigiado, mais perseguido, com
precauções pra poder fazer as coisas, aí começou a maior dificuldade. As
verbas do Ministério da Cultura foram cortadas, as ajudas de patrocínio do
estado, prefeitura. O TPN tinha uma tinha uma carga pesada, a folha de
pagamento (...?...). Ah, o enterro de padre Henrique, foi preparado no primeiro
andar do TPN, as coisas não podiam ser feitas as claras e o TPN cedia o
primeiro andar. As pessoas se reuniam lá, com calma e faziam as coisas, como
o enterro de padre Henrique que, em parte, foi planejada lá no TPN e todos nós
fomos pra lá. Documentos que eram rodados lá, a gente tinha mimeógrafo,
naquela época era mimeógrafo que se usava, o pessoal rodava lá no TPN.
Motivo, a repressão tinha pra não gostar do TPN, mas a essa altura, logo
depois da casa nova, da sede, toda a diretoria do TPN se reuniu com exceção
de (...?...) que já estava no Rio, Gastão de Holanda já estava excluído também,
só ficamos eu e Hermilo, por que o resto todo pediu licença do TPN,
discordaram da linha política do TPN, estavam muito envolvidos e isso ia trazer
complicações. Hermilo perdeu o emprego na prefeitura, eu já contei como foi, a
gente casou, mas não pode tomar casa, porque foi tudo cortado, eu fui morar
com meus pais. E o carro da gente foi arrombado, todo o material que estava
no carro foi espalhado na Ilha do Leite, por ali afora, só pra fazer medo, não
pegavam nada, só pra fazer terrorismo com as pessoas, não é? Ninguém foi
preso. Eram chamados pra fazer alguns depoimentos, mas assim,
acompanhados quando saiam do teatro, esse terrorismo, e ameaças ao
espetáculo, peças vetadas, carreira interrompida do espetáculo, censura,
porque quando o censor começou a fazer aquela censura oficial, a gente
aprendeu a fazer aquele espetáculo que a gente chamava ‘branco’. Todos os
acréscimos eram tirados, todos os comentários, por exemplo, aquele caso da
prisão de Gregório, a gente trouxe pra cena, porque na peça que a gente
estivesse interpretando, a gente arrumava um pretexto e largava a denúncia.
Então, na hora que chegava ele, vestido de censor por que são burros, aquela

33
SECRETARIA DA CASA CIVIL
roupa, paletó, chapéu, a gente dizia: “Hoje tem censor na plateia.” Então a
gente fazia um espetáculo pobre, um espetáculo sem nada, pra ele ver que o
espetáculo que a gente estava fazendo coincidia com o texto que a gente tinha
mandado pra ele. Então esses aperreios que todo mundo sofreu, o TPN sofreu
mesmo na vida, até que veio a doença de Hermilo, muito complicada, e os
médicos, depois de muita luta e muita vitória, mandaram que ele escolhesse
trabalhar só dois expedientes. Ele trabalhava três, dois não. Um em casa
escrevendo e lendo e outro na Universidade dando aula e de noite no teatro,
dirigindo, formando a gente e encenando. Então foi muito doloroso a gente
achar que tinha que fechar o teatro, porque era onde ele se encaixava mais,
era onde o coração dele era mais cobrado de emoção e exigências e aí a gente
deixou o TPN. Aí a chama foi murchando, porque coincidiu coma a crise grave
política também. Muitos atores que estavam na luta começaram a chiar, a não
ir pros debates que a gente escalava pra fazer, na Católica, num sei o quê,
arrumava um motivo, uns viajavam, iam embora pro sul, e a gente foi sentindo
que o grupo não era mais, que se a gente continuasse a gente ia trair. Com
quem ficou a gente se reuniu, “Vamos fechar”. Doamos cadeiras, sistemas de
som a grupos de teatro, ar condicionado. Da galeria de arte cada um de nós,
atores, recebia um quadro de lembrança do TPN, pronto. Hoje eu encontro o
pessoal do TPN, os que estão vivos, já morreu muita gente, mas não morreu
de velhice não, foi câncer, muita gente de HIV; e outras doenças, enfarte... O
do homossexualismo lá foi uma experiência que me preparou pra depois
enfrentar outra mais dolorosa, e era tratado com respeito, com uma dignidade,
sem mistura e sem depravação. Não quer dizer que vivesse (...?...); não. Não
havia isso. Mas havia uma seriedade, quem namorava, quem se apaixonava,
quem se envolvia, tudo isso era tratado como da condição humana, e isso
forjou um tipo de gente muito forte, forjou um tipo de gente que está
conseguindo enfrentar as coisas agora. E a gente viveu isso de manhã, de
tarde e de noite; no meio de cachaça, de bebidas, de gargalhadas que não
terminavam, de boemia. Hoje em dia eu só fico até meia noite, assim

34
SECRETARIA DA CASA CIVIL
entendeu? Uma hora... E eu já estou dizendo que vou para casa, minha cama
tá dizendo “Venha descansar que amanhã você começa cedo”, mas naqueles
dias a gente ficava até o sol começar a nascer, e a gente se refazia logo, logo,
daqui a pouco já estava trabalhando e emendando o dia com outra noite. A a
casa do TPN foi cercada, uma das vezes a gente estava em pleno ensaio de
mesa no andar de cima em 72, e a gente estava ensaiando um trabalho de
mesa, lá em cima, quando um dos atores foi fumar na janela, aí olhou e disse:
“Olha, o teatro está cercado”. Não era hora do espetáculo não, era hora do
ensaio, o ensaio era das 6, as 8/ 8 e pouco. A gente saía dali, se aprontava e ia
pra cena. Então Hermilo botou a cabeça (...?...). Hermilo disse: “vocês
continuam trabalhando, eu vou receber...” Deixou eles subirem, a porta ainda
estava fechada por dentro, e deixa eles percorrerem tudo, mas o bar já estava
quase cheio, eles já estava sabendo e a gente não desceu, a gente ficou lá em
cima. Essa foi a coisa mais afrontosa e uma ameaça de bomba que foi
Germano quem recebeu. Um aviso de alguém, que tinha sabido que ele
descobriu no banheiro dos homens, por que o TPN tinha banheiro de homem e
banheiro de mulher no teatro, pra poder trocar de roupa. Naquele tempo era
assim e eu concordo com isso até hoje. Então ele viu no banheiro dos homens
a bomba. Hermilo era diretor e ator ao mesmo tempo. (Fala inaudível de
Socorro Ferraz, fora do microfone). Então, isso foi agora. Sem chance
nenhuma pra nada, eu fiquei na Universidade por que eu era concursada,
então tinham que abrir um processo, e eles não tinham prova de nada contra
mim por que a vida toda o trabalho da gente era nessa base que eu contei a
vocês; e assim a gente viveu, atravessou, e ainda a semente está viva! Aqui e
acolá, a semente brota numa árvore, sai um brotinho e hoje tem árvores tanto
aqui como fora daqui, frutos plantados no TPN e eu tenho a gratidão à Hermilo,
à Ariano, a essas pessoas que me mostraram esse mundo, mas principalmente
a Deus por ter tido o privilégio de conviver com as pessoas que eu convivi, e
que convivo ainda, que vem daquela época, soldada essa amizade, esse amor,

35
SECRETARIA DA CASA CIVIL
no fogo da verdade e da justiça e com compromisso até o fim pelos interesses
do povo. (aplausos)

GILBERTO MARQUES – É uma intervenção rápida que eu quero fazer, (trecho


incompreensível) mas está em cima da hora e eu vou ter que sair. Sou membro
da comissão, meu nome é Gilberto Marques. Nós tivemos oportunidade hoje de
ver, apesar da falta de alguns convidados uma grande apresentação. Apesar
de muita gente, este auditório poderia estar repleto. E é uma pena que não
tenham tido a oportunidade de ouvir o que foi dito aqui. Eu queria logo
ressaltar, de Jomard, quando ele faz aquela (...?...) e aquela comparação entre
o método e o sistema. Isso é importante e mais importante ainda, Jomard,
porque, naquele momento, você está dizendo a gente, dando uma notícia que
talvez não tenha sido vista com esse olhar: que Paulo Freire transcendeu a ele
mesmo. Por que tanto um quanto o outro, o método é de Paulo Freire e o
sistema Paulo Freire, ele evoluiu e hoje estamos aí na internet, na cibernética,
etc. e Paulo Freire transcendeu a ele mesmo por que ambos eram da autoria
de Paulo, não é isso? Mas eu queria ressaltar de Lucinha, o papel fundamental
(...?...) da comissão. Nós fomos criados com o objetivo de investigar a violência
institucional, o descumprimento dos direitos humanos e as garantias
fundamentais feitas pelo estado brasileiro naquele momento de exceção
(...?...). E é justamente nesse momento se negava certos direitos. A tortura
feita contra Gregório Bezerra pelo capitão Viloque, no meio da rua, na Estrada
das Ubaias, eu tive a infelicidade de ver com menos de 9 anos. Eu nasci em 55
e faço aniversário em abril, junto com Gregório. (trecho incompreensível) eu já
contei essa história aos membros da Comissão. Pois bem, você trouxe a
notícia que um advogado, que pertencia ao MEB de Caruaru, tinha sido
torturado no primeiro momento. E a primeira tortura foi tirar metade dos olhos
dele já que ele não via nada sem óculos. E foi torturado no seu dizer. Quer
dizer, não foi só Gregório. Então isso é fundamental para o nosso estudo e pra
nossa compreensão e pro que a gente vem fazendo ao longo desse tempo.
Quando a gente ouve Jomard falando, quando a gente ouve você, Leda,

36
SECRETARIA DA CASA CIVIL
falando do TPN, a gente entende porque a repressão teve tanto ranço contra
quem fazia esse tipo de movimento. Procurava já fazer (...?...) que a educação
era importante para o filho dele. E era isso que vocês estavam fazendo e
desafiando, no MCP. Na igreja, no pátio da escola, numa sala de dança, que se
transformaram em sala de aula. Tudo isso foi fundamental e parou por isso,
(trecho incompreensível) Então é fundamental essa história. O TPN, Paulo
Castro que trabalhou com vocês, eu ganhei um ingresso para assistir, era de
noite, ele não perguntou minha idade, e nesse dia não tinha censor. Eu entrei e
saí perto da meia noite, eu vi pela primeira vez um strip tease lá no TPN.
(...?...) Era uma coisa feita com muito rigor, com muita arte e com muita beleza
e eu não esqueci. (Incompreensível) preciso sair porque eu tenho uma
audiência e peço desculpas a vocês por ter que me retirar e ao presidente.

FERNANDO COELHO: Socorro Ferraz!

LUCINHA MOREIRA - Eu só quero acrescentar uma coisa muito importante


pra citar comissão. Fazia parte da minha equipe do MEB, Regina que depois já
esteve aqui, passando férias, numa situação muito engraçada. Ela casou com
Raimundo, com a gente fazendo a festa no seminário de Olinda. Quando
chegou na hora do casamento ela virou-se e disse assim: “E o fotógrafo, não
tem nenhum fotógrafo, pra eu mandar a foto pra minha irmã?” Aí desceu
alguém correndo e tinha um fotógrafo lá embaixo. Quando o fotógrafo chegou,
ele era sargento do Exército, e então eu acho que ele não percebeu ou não
levou em consideração. Mas não aconteceu nada com isso, mas depois ficou
todo mundo agoniado. Mas Regina se propunha, pelo MEB, a uma outra
atividade que ela chamava Caravana Popular, Caravana de Educação
Popular, que seria juntar (...?...) e sair pelos lugares que se tinha escola, até
que ela começou a ser perseguida. E resolveu ir para o Rio. Aliás, primeiro
Raimundo morreu aqui e ela então foi pro Rio com as filhas. Eu queria só
registrar, por que Regina era do MEB e foi morta pela repressão.

FERNANDO COELHO - Socorro com a palavra.

37
SECRETARIA DA CASA CIVIL
SOCORRO FERRAZ - Bom dia, serei breve. Ouvimos os depoimentos valiosos
dos que aqui se pronunciaram. A Comissão investiga a violência que foi
perpetrada após 64 ou mesmo antes, contra os direitos humanos. A Comissão
tem esse nome, Jomard, Comissão da Verdade, porque tudo que foi feito
principalmente depois de 64, foi fundamentado no medo e na mentira.
Sabemos principalmente, os historiadores sabem muito, que essa palavra
‘Verdade’, é muito pesada. Nem os historiadores acreditam nela, porque a
verdade não é só (...?...), a verdade tem muitas e muitas formas, são muitas
versões, e isso é o que é a verdade. Esse título é porque foi dado à Comissão
Nacional e todas repetiram. Mas se perguntar, eu acho que a maioria que faz
parte da Comissão, seria outro nome, porque nós, a Comissão, se baseia em
duas questões para ouvir um depoimento. Depois de 40, quase 50 anos, as
pessoas tem que construir sua própria verdade, as pessoas construíram uma
história, e a grande pergunta dentro da Comissão é se vai ou não vai ouvir
essas histórias. E claro que vai, porque a comissão não tem esse poder de
julgamento nem pode dizer que a sua história é verdade e a sua não é
verdade. Nós vamos fazer um relatório por que temos que explicar à sociedade
as circunstâncias em que essas violências aconteceram. É isso que a
comissão tem como compromisso, com essas circunstâncias, por isso ouvimos
as vítimas e os torturadores, que também são convocados e às vezes vem, a
maioria não vem. A comissão tem toda essa dúvida, toda essa preocupação,
que devemos nos aproximar o mais possível da verdade. Temos que fazer a
prova documental, que também é discutível, por que muitos documentos são
feitos para a posteridade, então tem que haver uma crítica interna e externa
séria desses documentos e nós temos que ter essa crítica interna e externa e
também na retórica, por que é nessa retórica que nós (...?...) e que
agradecemos o que vocês vieram dizer, por que não é para a Comissão, mas
para a posteridade. Porque daqui a 50,100 anos, as pessoas irão perguntar, o
que aconteceu nessa época? E uma das verdades pode ser o relatório dessa
Comissão, certo?. Acho que você tocou num ponto muito importante, por que a

38
SECRETARIA DA CASA CIVIL
comissão tem que falar sobre isso, mas tem dificuldade não é? Porque tem o
título, Comissão de Verdade, uma coisa pomposa e difícil. Então eu queria
dizer, rapidamente, observando nós temos muita documentação dos arquivos
do DOPS e arquivos outros do sistema de repressão. A Comissão tem milhares
de documentos. Mas por exemplo, tem um documento dos arquivos do DOPS,
referente a uma perseguição, uma campana ao MCP, ao MEB, ao teatro, a
toda essa parte da cultura, ao trabalho de Paulo Freire de alfabetização, desde
60 a 1962, já estava tudo montado. Tudo. Antes do golpe de 64. Por exemplo,
aqui, nesse documento aqui, é uma nota oficial do Movimento de Cultura
Popular, assinada por vários diretores, acho que por todos os seus diretores
em 62, já denunciando toda a perseguição que a Câmara do Recife fazia.
Principalmente com o vereador Wandenkolk Wanderley e um outro vereador
chamado (...?...). Então há uma perseguição e uma denúncia sobre o que se
fazia no MCP, e o mínimo que chamavam o MCP, através dos jornais, é que
era um antro de prostituição das jovens meninas estudantes, etc. Então há uma
nota oficial assinada por Germano, como presidente, Anita Paes Barreto que
era uma das diretoras de ensino, Paulo Freire que era diretor da divisão, eu
acho que de alfabetização, Norma Porto Carrero, que era representante da
comissão dos estudantes e coordenadora de educação, Arnaldo Marques,
diretor da divisão provavelmente de saúde, é o pai de Silvio Marques, não, o tio
de Silvio; então, Abelardo da Hora, diretor de artes plásticas e de artesanato,
Geraldo Vieira, diretor de divisão de alfabetismo, o maestro Mario Câncio,
diretor da divisão de música, canto e dança, o jornalista Aluísio Falcão, diretor
do departamento (...?...) da cultura, Luís Mendonça, diretor de teatro, Reinaldo
Pessoa, diretor da divisão de esportes, Paulo Rosas coordenador de pesquisa,
Silke Weber, coordenadora de Praças da Cultura e a professora Zélia (...?...),
coordenadora dos centros educacionais. Então, se olharmos para essa nota
em 62, a nota oficial diz que no Recife são duzentas e uma escolas instaladas
em menos de 3 anos, com turnos diurno, vespertino e noturno. São 19.656
alunos, crianças, adolescentes e adultos que recebem educação primária,

39
SECRETARIA DA CASA CIVIL
supletiva e de base. E mais uma rede de escolas radiofônicas para adultos,
cobrindo o Recife e o interior com uma relação com o MEB. Há um centro de
artes plásticas e artesanato funcionando provisoriamente no Parque Amorim.
Cursos de tapeçarias, toda essa parte de artes, e há abaixo dessas
informações da polícia, do arquivo do DOPS, eles tem um prontuário específico
sobre Arraes e Germano Coelho, número do prontuário, (trecho
incompreensível). E o outro prontuário funcional do MCP, Documento 1501/d e
a data: 1960 a 1984; o que significa que até 84 continuavam o controle, as
perseguições e as prisões e até mortes que nós sabemos que aconteceram,
inclusive depois de 64. O fundo do arquivo é 29.(?)48. Então, diante disto,
diante de tudo que vocês ouviram aqui e de toda essa reação da polícia, e não
só uma reação da polícia, mas uma reação de parte da sociedade política, a
pergunta, para todos, seria: por que os movimentos de educação de base, o
que vocês acham, por que houve perseguição a esses movimentos?

NADJA BRAYNER - Pelo adiantado da hora... Mas eu queria colocar uma


questão sobre a violência, a perseguição que havia sobre as pessoas que
estavam a frente desses movimentos. É que eu tenho aqui, nós localizamos na
Comissão, um documento confidencial da chamada Assessoria Especial de
Segurança e Informações, ou seja, ligada ao SNI. Toda autarquia, depois do
golpe, criou, em vários locais, essa assessoria que era o SNI dentro da
Universidade, que todo mundo sabe que funcionava no segundo andar e tal.
Mas esse documento aqui é um documento relativo ao professor Germano
Coelho, de 74, e nos dá uma dimensão de como funcionava isso. Isso aqui é
05/02/74, o assunto é Germano Coelho, o órgão é a AESI/UFPE. Difusão para
o IV Exército:

“Informamos que o epigrafado, é professor titular desta UFPE, com atividades


na Faculdade de Ciências Econômicas, responsável pelas disciplinas: Estrutura
das Organizações Econômicas e Economia Politica. O passado político do
nominado deixa muito a desejar tendo em vista sua participação ostensiva
durante o governo do Sr. Miguel Arraes, ao qual serviu como secretário de

40
SECRETARIA DA CASA CIVIL
estado, sendo conhecido como elemento vinculado às esquerdas, que tanto
prejuízo causaram ao Estado na sua conjuntura política social, antes da
revolução democrática de 64. Persistindo sua presença a frente de disciplinas
tão marcantes com profunda penetração econômica e social na realidade atual
o magnífico reitor achou por bem determinar a esta AESI/UFPE, que fosse
comunicado a este comando do IV Exército, sua determinação para segurança
do país e comunidade universitária. Entregar o ensino de tão importante tópico
a um professor que, sem dúvida, não merece a confiança do governo
revolucionário. Acontece que o referido professor é estável e efetivo, portanto,
o Reitor não tem poderes para o seu afastamento na legislação atual. Ao
referido professor, no entanto, por iniciativa do Reitor, não foi entregue nenhum
curso regular da Universidade. Seria interessante, em casos como o do
professor efetivo, que fosse possível a aposentadoria compulsória por processo
sumário, o que a Constituição somente prevê através do AI5, cujo uso é
específico do Exmo.Sr. presidente da república”.

Isso é a comunicação que a Universidade fez, e aí, sem dúvida, que foram
tomadas providências no seguinte sentido. Diz o seguinte:

“[...] que esta Assessoria tomou conhecimento da informação nº 16/74 desta


Assessoria de Informação, que o professor Germano Coelho encontrava-se no
desempenho daquelas atividades na faculdade de Ciências Econômicas da
UFPE responsável pelas disciplinas Estruturas das Organizações Econômicas
e Economia Política. A informação mencionava ainda a preocupação do reitor a
cerca de tamanha responsabilidade econômica e social perante os
estudantes.[...] Entretanto, conforme notificação da AESI, fomos cientificados
que por Ato do reitorado, o Professor Murilo Guimarães, o professor Germano
coelho fora lotado na Faculdade de Direito, e que em razão de existirem cursos
introdutórios de Direito, em outras áreas do departamento, o referido professor
teria sido encaminhado a lecionar na Escola Superior de Administração. Infere-
se do exposto, que o professor Germano pertence, efetivamente vinculado, às
entidades de ensino, mantendo direto relacionamento com estudantes e
professores da UFPE. Julga esta assessoria de informação haver transmitido a
periculosidade do professor Germano Coelho, ativo colaborador do Governo
Miguel Arraes, com fortes antecedentes subversivos. Com efeito, esta secção
acredita que talvez essa AEI pudesse sugerir novas providências no sentido de
ser reconsiderada a sugestão de lotar o professor referido na Escola de

41
SECRETARIA DA CASA CIVIL
Administração, determinando sua remoção para setor desvinculado do sistema
de ensino e negando-lhe novas oportunidades de práticas subversivas no
alunato.”

Gente, eu sei que foi longo isso que eu li aqui, mas foi por que eu achei
importante isso ser lido, exatamente, por que ele era o presidente do MCP. Isso
quer dizer que em 74, a perseguição existia na Universidade Federal e em
várias Universidades, e como é que funcionava esse sistema? Era o controle
de cada professor, das disciplinas que ele estava dando, o conteúdo das
disciplinas, e o perigo que era oferecido aos estudantes através dos seus
ensinamentos. Então, quem viveu esse período, na verdade sabe o que é isso.
Nas salas de aula tinham os informantes, eram estudantes, eram funcionários,
professores também, militares, que passavam esses elementos para essa
assessoria que aglutinava todas as informações e remetia para o comando e
para o próprio reitor. Então eu queria só acrescentar a isso que Socorro já tinha
colocado, a questão da repressão.

LUCINHA MOREIRA - Sobre por que a repressão foi tão forte atingindo os
meios educativos eu acho que no meio rural, não interessava a nenhum
proprietário que, na zona da mata, o senhor de engenho, que o seu pessoal,
que era tratado como escravo tomasse consciência dessa situação. Eles não
admitiam, E tanto que foi essa a época que o sindicalismo se desenvolveu,
porque na medida que eles tomavam consciência eles procuravam algo que
defendesse eles, e esse algo mais próximo era o sindicato. E por isso que eles
perseguiam, tinha toda a cobertura dos proprietários.

LÊDA ALVES – No campo da cultura é o mesmo caso. Interessava muito


pouco à repressão, aliás, não interessava à repressão qualquer movimento ou
processo que levantasse na cabeça das pessoas dúvidas sobre o regime
vigente; essa segurança que o regime pensava dar ao povo, na hora que a
gente desestabilizava isso através da música, através do teatro, da literatura,
da dança, isso incomodava o governo porque passava a se sentir em perigo,

42
SECRETARIA DA CASA CIVIL
fraco. Por isso quanto mais nuvem, quanto mais pó, quanto mais fumaça nos
olhos da pessoa, menor a visão, pior a visão e melhor pra ser guiado pra outras
coisas. Eu acho que é isso.

FERNANDO COELHO - Franqueada a palavra à Argentina Rosas.

ARGENTINA ROSAS - Só acrescentando ao que Nadja colocou documentado,


eu não tenho documentado porque nunca me interessei de procurar, nem
Paulo, mas no tempo que... Em 64, 65, então nós tínhamos uns amigos que
eram muito ligados ao Exército e então esses amigos tentaram com seus
parentes, que eram já dos altos comandos do Exército aqui, que estavam
comandando aqui em 64, 65, para ver se tinham alguma coisa contra Paulo
Rosas que nós eramos, os dois, candidatos para uma bolsa de estudo na
França, que a Universidade estava parada. Paulo me propôs nós sairmos, para
nos prepararmos para depois voltarmos por aqui quando as coisas tivessem
passado. Então na ficha de Paulo no Exército, era uma ficha mesmo, cada
professor tinha uma ficha, e a de Paulo era: socialista avançado, mas sem
ação. Então Paulo inclusive brincava que não sabia que era tão avançado, nem
sabia que era tão sem ação. Porque ele participava e tinha ação, certo? Então
isso é para complementar o que você estava dizendo, que tudo está
documentado no IV Exército. E todos nós que estávamos em sala de aula,
naquele tempo, nós ainda tínhamos um elemento, uma variável, que a gente
percebia quando tinha um policial na sala de aula, quando não era um aluno,
era um policial. Depois foi aluno, mas no começo era policial por causa do corte
do cabelo. Era o tempo dos cabeludos e aquele que vinha da polícia ou do
Exército tinha um corte de cabelo, a gente já sabia. E um desses alunos uma
vez, eu trabalhava justamente em psicologia organizacional, (...?...)
organizações tanto públicas como particulares, eu estava trabalhando um
tema, não me lembro mais, quando um aluno me provocou. Provocou,
provocou... Os outros calados e ele queria que eu definisse ali qual era a minha
posição politica. E eu até briguei com ele e disse: “Olha aqui, eu não tenho

43
SECRETARIA DA CASA CIVIL
nenhuma obrigação de lhe dizer minha posição politica, agora, tenho é de
transmitir”, e nem é isso que eu penso, eu penso em educar, mas na hora eu
disse “transmitir os conhecimentos que a disciplina propõe, agora, se você quer
saber a minha posição política vamos lá em casa que eu preparo um galetinho
e a gente conversa nós dois na minha casa”. Aí todo mundo brincou e ele se
calou.

JOMARD MUNIZ - Eu quero agradecer o convite, a experiência da gente foi


muito boa, aprendi muita coisa hoje. No ofício de professor eu aproveito pra
lembrar a vocês, que talvez já conheçam outros não conhecem, um livro
chamado ‘Golpe na alma’, de Marcius Cortez, ele foi o único adolescente ligado
a (trecho incompreensível), ele foi preso em casa, por vários soldados, (trecho
incompreensível). Então ele faz, nesse livro, que já foi muito vendido na livraria
Cultura. Embora (...?...) me diga que comerciar cultura não deu nenhum
dinheiro para ele (risos). Mas não tem problema, você procura saber na livraria
cultura se tem esse livro, se não tiver, bom, agora vou ter que fazer uma
propaganda desse cara, você entra no Google e procura Marcius Cortez, ele
podia ser dono dessa editora Cortez, mas não é não. Aqui agora tem uma
propaganda meio indecorosa (...?...) que me interessa muito em função da
contemporaneidade e eu descobri, um amigo meu lembrou, que essa revista
Piauí, no número de agora, de outubro, tem um artigo que eu li que achei um
artigo fantástico, um verdadeiro livro, sobre Mário de Andrade, escrito por José
Miguel Wisnik. Então esse livro é imprescindível mesmo, eu procurei ler e
anotei muito, é importante ler por causa da contemporaneidade, por que esse
problema que nós passamos, o Mário de Andrade passou muito mais na
década de 30. Com E continua esse problema, sobretudo o que não se falou
agora talvez nem de sexualidade, por que continuamos ainda muito reprimidos
e temerosos. Tem banheiro pra mulher, banheiro pra homem, e pra quê
construir um terceiro banheiro transgenerico? Isso é discriminação também.

FERNANDO COELHO: Geraldo Menucci, para as considerações finais.

44
SECRETARIA DA CASA CIVIL
GERALDO MENUCCI – Bom, na verdade, eu fui muito sintético quando peguei
a palavra, tinha muita coisa ainda que precisava ser falado, mas felizmente o
que vocês expuseram, já abordou bastante do que eu queria realçar, cada um
a sua maneira, mas o importante é a essencialidade dessa proposição
histórica. Todavia, o realce que eu quero fazer aqui é a Paulo Freire, que
realmente foi quem racionalizou, vamos dizer assim, a pedagogia do MCP,
preocupando muito as elites. (trecho incompreensível) a teoria antes da prática,
e sua utilização nas escolas radiofônicas foi muito importante por que que
sentido tem falar de castelo pra quem vive num barraco (trecho
incompreensível) onde realça o viver de cada um, e aí toda sua pedagogia de
alfabetização vinha em função das circunstâncias em que o povo vivia e o povo
era muito pobre e foi realçado de maneira fantástica por Paulo Freire. E eu
também, a minha aproximação com Paulo Freire foi reforçada quando eu fui
fazer na União Soviética, uma formação filosófica para jovens (trecho
incompreensível) russos com chineses. Então sabendo do meu interesse pela
música chinesa, já me disseram que em Leningrado, num instituto psicotécnico
fabuloso, você vai encontrar dois chineses que vão passar um maior conteúdo
filosófico, específico sobre a música chinesa, que é essa exaltação psicológica,
Aí você pode perguntar por que a própria Medicina despreza a Psicologia. Se
não houvesse Filosofia, não tinha sentido a Psicologia. Quando essa maravilha
despertou nos primeiros homens, era pra resguardar a exaltação de existir, que
é o fato histórico. Isso é interessante e só pra exemplificar de maneira concreta
o que eu estou dizendo, perguntas como essa que me fizeram: “Quantos
corações nós temos?” Perguntei aos chineses: “Como assim?” Com a mesma
função temos só um. Ele disse que não. São 3. Esse coração aqui traz o
sangue no máximo pro baixo ventre; contra a gravidade (...?...) leva o sangue
até o cérebro, mas esse sangue desce. Quem vai trazer esse sangue de baixo
até aqui pra ativar a circulação? (trecho incompreensível) Qual o órgão da
respiração? Eu respondi mais uma vez o que todos nós diríamos: o pulmão. E
eles mais uma vez disseram não. No pulmão só cabe 1/3 do ar que a gente

45
SECRETARIA DA CASA CIVIL
respira. A função do pulmão é auxiliar o sangue através dos movimentos. A
prática de respiração do homem é (...?...) se você olhar uma criancinha
respirando, a barriguinha dela sobe e desce. (mostra exercício da respiração,
mas a voz não pode ser entendida por causa da colocação do microfone.)

(palmas)

FERNANDO COELHO – Lucinha Moreira.

LÚCIA MOREIRA - Agora é bem rapidinho, eu só queria dizer aqui que dentro
do assunto que a Comissão tem interesse em saber, eu fui cassada pelo AI5
por conta do trabalho rural.

FERNANDO COELHO - Manoel Moraes.

MANOEL MORAES - A análise as professoras Nadja e Socorro já fizeram, mas


eu só queria acrescentar algo. O país vivia, e Dr. Fernando escreveu muito
sobre isso no seu livro, um grande investimento americano cultural em relação
ao Brasil, chamado Aliança para o progresso; e além da Aliança ela teve o
desdobramento que foi (...?...). Como é que vocês pensam isso? O MCP, todos
esse movimentos, porque representavam a resistência? Como é que essa
coisa foi avassaladora na educação a ponto de promover a reforma da
educação? Essa reforma que teve o famoso acôrdo MEC/USAID que o
movimento estudantil combateu. Então é lembrar isso, e talvez um de vocês,
talvez Lucinha, pudesse pensar o que é que isto representou do ponto de vista
do confronto entre uma educação importada e esse conceito de uma educação
que era feita dessa forma tão importante (trecho incompreensível).

FERNANCO COELHO – Lucinha Moreira.

LUCINHA MOREIRA - Era só mais uma frente de luta e uma frente muito difícil
mas foi enfrentada e eles então passaram a atuar em níveis mais altos,
Secretarias, e aí até chegar ao Ministério da Educação e influir diretamente
por que por aí entrava o dinheiro.

46
SECRETARIA DA CASA CIVIL
ARGENTINA ROSAS: - Fernando dá licença?

FERNANDO COELHO – Ah, pois não, Argentina.

ARGENTINA ROSAS - Olhe, é pra você (refere-se a Manoel Moraes). Leia um


livro de Paulo Rosas: COMO COMPREENDER A UNIVERSIDADE
BRASILEIRA. Se não encontrar por aí, eu tenho exemplares. Não sei como
fazer, anote meu telefone.

FERNANDO COELHO – (...?...), e no meu currículo pobre, é o melhor trabalho


que existe pra dar uma visão de como funcionou a Universidade durante
aquele período da ditadura. Mas, também nesse livro, há referência à
documentação e ela visa a mostrar a interferência do SNI em todas as
repartições federais e estaduais do País. Funcionava como um sistema
encadeado, que as repartições locais, regionais e etc. passavam para o SNI as
informações gerais e a partir daí pro SNI nacional. Isso está tudo documentado
no livro de Paulo Rosas. Eu acrescentaria minha opinião, pessoal, que há de
ter sido de todos os professores da época. A gente dava aula na faculdade, eu
ensinava na Católica, dava aula com três microfones na frente. A justificativa
era de gravar pra fazer apostilas, etc. Mas nós sabíamos e identificávamos que
uma delas era para diretamente controle da repressão. Mas, nessa época,
entre outras medidas para facilitar a interferência e a ação do serviço de
repressão na Universidade, se permitia o ingresso na Universidade,
independentemente do vestibular, a alunos que cursavam o grau inicial da
carreira de oficial. Então nós convivemos, em todas as faculdades do Brasil,
ingressando sem concursos, com militares, incumbidos de fazer esse trabalho
de dentro dessa sitemática.

NADJA BRAYNER - Antes de encerrar eu só queria dá um esclarecimento; é


que nós vamos ainda, nessa relatoria, fazer um encontro, uma audiência sobre
o movimento estudantil. Vamos envolver o movimento estudantil, o 477, as
perseguições, então, devemos fazer isso em novembro, não é, então essa

47
SECRETARIA DA CASA CIVIL
questão, Manoel, que você colocou tão corretamente, vamos entrar nela
também por que vamos entrar na questão da Universidade. Obrigada.

FERNANDO COELHO - Antes de concluir eu queria transmitir aqui um convite


feito pela vereadora Isabela de Roldão, para abraçar a praça de Parnamirim
em homenagem ao padre Antônio Henrique Pereira Neto, local onde o jovem
mártir da ditadura militar foi sequestrado e levado para a morte. No dia 24 de
outubro as 8:00 horas. Fica o convite transmitido a todos os presentes. Eu
quero afinal... E tem também o convite que haverá uma sessão solene no
plenário da casa José Mariano a 27 de outubro do corrente as 9:00 horas. O
convite é do vereador Vicente André Gomes e da vereadora Isabela de Roldão
autora do requerimento nº(xxxxxx), que tem a honra de convidar para a sessão
solene em homenagem aos 75 anos de nascimento do padre Antônio
Henrique. Posso garantir que a Comissão se fará representar. Afinal eu quero
agradecer uma vez mais a gentileza da ADUFEPE e da Reitoria pelo apoio que
tem dado às nossas atividades, hoje viabilizada na cessão deste auditório. E
quero agradecer aos presentes e agradecer, sobretudo, aos depoentes que
enriqueceram os nossos arquivos. Muito obrigado a todos. (aplausos) -----------
----------------------------------------------------------------------------------------------------------

48

Você também pode gostar