Tatiane C,. Trigo, Flávia P. Tirelli, Alexsandra Schneider, Thales R. O.

de freitas, Eduardo Eizirik Pesquisa e Conservação do gato-do-mato-grande Leopardus geoffroyi (Carnivora, Felidae) no Pampa Gaúcho
Mastofauna do Pampa [ ione@smail.ufsm.br ] ; [ cassi.rauber@gmail.com ] ; [ marcoavf@hotmail.com ] Tatiane C,. Trigo, Flávia P. Tirelli, Alexsandra Schneider, Thales R. O. de freitas, Eduardo Eizirik

formações mais florestais (Mapa

Pesquisa e Conservação do gato-do-mato- 1). Segundo a literatura existente, o
gato-do-mato-grande é um felídeo
grande Leopardus geoffroyi (Carnivora, predominantemente associado a
vegetações mais abertas como os
campos e as savanas (Oliveira 1994,
Felidae) no Pampa Gaúcho Nowell & Jackson 1996), assim o
padrão de distribuição da espécie no
No Brasil são reconhecidos
estado pode estar realmente
atualmente seis biomas continentais:
associado à ocorrência destes tipos
Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata
de ambientes. A avaliação precisa
Atlântica, Pantanal e Pampa. O
dos padrões de associação com
Bioma Pampa apresenta-se como
habitat por esta espécie no estado
exclusivo da América do Sul,
está no momento sendo conduzida
compreendendo apenas os
por nosso grupo de pesquisa. Neste
países da Argentina, Uruguai e
trabalho, nosso objetivo principal é
Brasil. Neste último, encontra-se
investigar quais categorias de
somente no estado do Rio Grande do
habitat são utilizadas por esta
Sul (RS), sendo o segundo menor
espécie e quais delas são
bioma do país. O Pampa ocupa cerca
utilizadas com maior frequência.
de 60% do território do estado do RS
Para este fim, registros de ocorrência
e concentra-se em sua metade sul
da espécie estão sendo coletados e
(IBGE 2004). A vegetação é
analisados juntamente com mapas
composta predominantemente
de vegetação do estado do RS. Este
por gramíneas, que constituem o
tipo de estudo é de fundamental
campo propriamente dito, e por
importância para avaliarmos os
vegetações arbustivas e
requerimentos específicos de habitat
arbóreas geralmente esparsas
e como estes podem estar
(Rambo 1994). Neste bioma,
relacionados com a delimitação da
podemos encontrar ainda
distribuição geográfica da espécie.
banhados, matas ciliares ou de
galeria e algumas manchas de
Além da avaliação dos padrões de
floresta estacional. Apesar de até
MAPA 01 - Distribuição dos registros de ocorrência obtidos para Leopardus geoffroyi associação com habitat, nosso grupo
recentemente ter sido considerado
(círculos azuis) e L. tigrinus (triângulos vermelhos) no estado do Rio Grande do Sul. As vem, atualmente, desenvolvendo
como um ecossistema menor de áreas de ocorrências simpátricas estão indicadas pelos quadrados de cor rosa. Fonte: uma importante pesquisa sobre
pouca importância conservacionista, Eizirik et al. (2006). aspectos da dieta desta espécie
atualmente é reconhecido como um
através da análise de tratos
bioma único no mundo com uma aspectos ecológicos, morfológicos e regiões da América do Sul. No estado digestivos. O conhecimento da
ampla biodiversidade, sendo de genéticos do gato-do-mato-grande do RS, estes limites foram apenas dieta ou nicho trófico é
e x t r e m a i m p o r t â n c i a p a ra a estão sendo desenvolvidas com o recentemente documentados por fundamental para que possamos
conservação. objetivo de ampliar os Eizirik et al. (2006). Neste trabalho, a compreender melhor o
conhecimentos existentes sobre este distribuição da espécie no estado foi c o m p o r t a m e n t o d e
Neste ecossistema encontram-se felídeo e assim contribuir de maneira definida a partir da compilação de forrageamento, uso do habitat e
algumas espécies de mamíferos mais adequada para sua registros de ocorrência de espécimes a dinâmica das populações
da Família dos felídeos, sendo conservação. encontrados mortos em estradas, selvagens deste felídeo.
duas delas bem características
vítimas de atropelamento; Infelizmente, os estudos
deste tipo de ambiente: o gato- O gato-do-mato-grande é uma espécimes mantidos em zoológicos abrangendo estes aspectos são
palheiro (Leopardus colocolo) e o Figura 1A - Gato-do-mato-grande ( Leopardus geoffroyi) - Foto: Raquel von Hohendorff espécie de felídeo que apresenta ou criadouros conservacionistas que escassos e concentrados
gato-do-mato-grande uma ampla distribuição
geográfica são realmente escassos, Apesar deste panorama negativo, apresentassem procedência principalmente em diferentes áreas
( Leopardus geoffroyi ). Estas geográfica na América do Sul,
ainda menos significativos quando uma das espécies, o gato-do-mato- geográfica conhecida; e registros da Argentina (e.g. Johnson &
duas espécies de felídeos de ocorrendo desde a Bolívia e sul do
levamos em conta apenas os estudos grande, há alguns anos vem sendo confirmados de espécimes Franklin 1991, Novaro et al. 2000,
pequeno porte são atualmente Brasil até o extremo sul do continente
desenvolvidos no Brasil. A ausência alvo de diversas pesquisas depositados em museus ou coleções Manfredi et al. 2004). Além disso, a
consideradas ameaçadas em sul-americano, cobrindo
de conhecimento básico sobre a realizadas por nosso grupo em científicas. A partir dos dados maioria destes utiliza-se
grande parte de suas áreas de praticamente toda Argentina e
ecologia, comportamento e habitat associação com outros obtidos, a ocorrência da espécie principalmente de fezes coletadas
ocorrência (Wozencraft 2005, Uruguai (Nowell & Jackson 1996).
destas espécies evidencia a pesquisadores do estado. Por meio foi delimitada à metade sul do em campo, dificultando muitas vezes
Marques et al. 2002), e apesar de Apesar do atual conhecimento de sua
necessidade de estudos mais destes estudos algumas questões estado, caracterizada a obtenção de identificações precisas
relativamente frequentes na região distribuição em uma escala mais
aprofundados sobre sua biologia a sobre a biologia desta espécie historicamente por formações do predador e de seus itens
do pampa ainda são extremamente global, os limites de sua ocorrência
fim de auxiliar na elaboração e estão começando a ser vegetais mais abertas, estando alimentares. Por outro lado, a
pouco conhecidas. Os estudos em escalas mais locais ainda são
definição de estratégias adequadas elucidadas na região do pampa. esta ausente nas regiões mais ao análise da dieta a partir da coleta
realizados com estes felídeos ao pouco conhecidos em algumas
para seu manejo e conservação. No momento, pesquisas sobre norte onde predominam direta de tratos digestivos
longo de toda sua distribuição e
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 Pesquisa e Conservação do gato-do-mato-grande Leopardus geoffroyi (Carnivora, Felidae) no Pampa Gaúcho
Tatiane C,. Trigo, Flávia P. Tirelli, Alexsandra Schneider, Thales R. O. de freitas, Eduardo Eizirik
permite a identificação exata da
espécie predadora e uma melhor
identificação das presas
consumidas . Neste contexto,
apesar da dificuldade de obter-se um
grande número de amostras para a
análise a partir de tratos digestivos,
este tipo de material apresenta a
vantagem de gerar informações mais
específicas sobre as presas
utilizadas. Em nosso grupo, animais
mortos por atropelamentos nas
rodovias do interior do estado do RS,
vêm sendo coletados desde 1993
permitindo assim, a formação de um
razoável banco de amostras para este
fim. Os resultados obtidos neste
trabalho serão de grande
contribuição para o conhecimento tão
escasso dos hábitos alimentares
desta espécie no estado, gerando
informações importantes sobre o
nível de especificidade de sua dieta e
de sobreposição com a dieta de
outras espécies de felídeos similares.
A caracterização morfológica do
gato-do-mato-grande no estado do
RS é também um dos focos de nosso
grupo de pesquisa. Atualmente,
nossos estudos envolvem
principalmente a parte de biometria
e caracterização de padrões de
40 PAMPA SEM FRONTEIRAS - http://pampasemfronteiras.com - Agosto/2009
[a]
Figura 1B - Espécimes de gato-do-mato:
[a] Leopardus geoffroyi apresentando pelagem típica da
espécie;
[b] possível híbrido apresentando proporções corporais de
L. geoffroyi e pelagem intermediária com L. tigrinus;
[c] indivíduo L. tigrinus com pelagem típica da espécie.
[c] Fotos: Tatiane Trigo
pelagem, visto que as proporções
corporais e o padrão de pintas e
coloração da pelagem são as
principais características
m o r f o l ó g i c a s u t i l i z a d a s p a ra
distingui-lo de outras espécies de
pequenos felídeos similares (Oliveira
1994). A pelagem do gato-do-
mato-grande, geralmente,
apresenta uma coloração cinza
com pequenas pintas pretas
sólidas e bem próximas, sem a
formação de ocelos que são
característicos de outras
espécies de pequenos felídeos
similares como o gato-do-mato-
pequeno (L. tigrinus) e o gato-
maracajá (L. wiedii). Quanto ao
tamanho, o gato-do-mato-grande
apresenta-se geralmente maior
e mais robusto do que estas
espécies. Apesar deste padrão
geral, no estado podemos encontrar
uma grande amplitude de variação.
Uma das principais descobertas de
nosso grupo, por exemplo, constitui
a identificação de padrões de
pelagem intermediária entre os
padrões típicos de L. geoffroyi e L.
tigrinus. Neste padrão
intermediário, indivíduos com
porte claramente de L. geoffroyi
apresentam pelagens com uma
[b]
tendência a formar ocelos típicos
de L. tigrinus (Figuras 1A e 1B).
Este padrão foi principalmente
evidenciado na região central do
estado onde as distribuições das
duas espécies se encontram,
levantando a suspeita da
existência de eventos de
hibridação entre estas duas
espécies em suas regiões de
contato geográfico . Análises
genéticas posteriores conduzidas
por nosso grupo de pesquisa
confirmaram a ocorrência destes
eventos, demonstrando a
existência de uma extensa zona
de hibridação entre estas duas
espécies principalmente na região
central do estado onde há o contato
entre elas (Trigo et al. 2008). A
hibridação entre espécies selvagens
pode tanto apresentar uma origem
natural, neste caso sendo parte do
legado evolutivo das espécies
envolvidas, como pode apresentar
uma origem de influência
antropogênica, como devido a
mudanças nos habitats ou alterações
das densidades relativas das
espécies. No segundo caso, a
ocorrência destes eventos assume
fundamental importância no que diz
respeito à conservação das espécies
Pesquisa e Conservação do gato-do-mato-grande Leopardus geoffroyi (Carnivora, Felidae) no Pampa Gaúcho
Tatiane C,. Trigo, Flávia P. Tirelli, Alexsandra Schneider, Thales R. O. de freitas, Eduardo Eizirik
envolvidas, pois neste caso,
poderíamos ter um profundo
comprometimento da integridade
genética dos táxons devido a fatores
não-naturais que poderiam levar a
extinção de uma ou ambas as
espécies parentais (Allendorf et al.
2001). No caso de L. geffroyi e L.
tigrinus, os estudos iniciais indicam
um processo de hibridação histórico e
de origem natural, no entanto
diversos estudos ainda são
necessários para confirmar se
alterações ambientais como
fragmentação, alteração e destruição
de habitats não estariam de algum
modo influenciando na ocorrência
destes eventos.
Apesar de, aparentemente, o gato-
do-mato-grande ser ainda um felídeo
relativamente comum no pampa
gaúcho, este vem sofrendo com um
grande número de ameaças à sua
preservação. Dentre elas, destacam-
se a caça motivada pela predação
de aves domésticas, a elevada
frequência de atropelamentos
em algumas rodovias do estado e
principalmente a perda de
habitats devido aos
desmatamentos, pecuária
extensiva, queima de campos
nativos e drenagem de áreas
úmidas (Indrusiak & Eizirik 2003).
Tendo em vista a associação deste
felídeo às regiões que compreendem
o Bioma Pampa, a sua conservação
a longo prazo, assim como de
outras espécies também
associadas a este, torna-se
profundamente dependente da
preservação deste ecossistema
único representado por uma ampla
biodiversidade.
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Gato-do-mato-grande ( Leopardus geoffroyi )
Foto: Thales R. O. Freitas
Sobre os Autores
Tatiane C. Trigo é natural de Porto
Alegre/RS - BRASIL, possui graduação em
Biologia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, mestre e doutora pelo Programa
de Pós-graduação em Genética e Biologia
Molecular da UFRGS. Contato:
tatiane.trigo@gmail.com
PAMPA SEM FRONTEIRAS - http://pampasemfronteiras.com - Agosto/2009
Flávia P. Tirelli é natural de Alegrete/RS -
BRASIL, possui graduação em Biologia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS), atualmente é mestranda do
Programa de Pós-graduação em Genética e
Biologia Animal da UFRGS. Contato:
flatirelli@yahoo.com.br
Alexsandra Schneider é natural de
Lageado/RS - BRASIL, possui graduação em
Biologia pela Universidade Federal de Santa
Maria, mestre em Zoologia, pelo Programa de
Pós-graduação em Zoologia da PUCRS,
atualmente é doutoranda do Programa de Pós-
graduação em Biologia Celular e Molecular da
PUCRS. Contato:
ale-schneider@hotmail.com
Thales R. O. de Freitas é Biólogo,
possui mestrado e doutorado em Genética e
Biologia Molecular, ambos pela UFRGS.
Realizou estágio de pós-doutorado no Museum
of Vertebrate Zoology, Universidade da
Califórnia-Berkeley. Atualmente é Professor
Associado do Departamento de Genética da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Sócio-fundador e ex-presidente da Sociedade
Brasileira de Mastozoologia, "Life Member" da
American Society of Mammalogists, participa
também ativamente de encontros da
Sociedade Brasileira de Genética e de Zoologia.
Desenvolve projetos de pesquisa na área de
Genética Animal, com ênfase em temas como
citogenética, filogeografia, genética da
conservação e evolução. Concentra-se em
espécies da classe Mammalia, principalmente
evolução e conservação do gênero Ctenomys,
tendo já trabalhado com outras ordens de
mamíferos (Cetáceos, Chiroptera, Carnivora).
Contato: thales.freitas@ufrgs.br
Eduardo Eizirik é Biólogo, possui
mestrado em Genética e Biologia Molecular
pela UFRGS, doutorado em Biologia pela
University of Maryland at College Park, EUA e
Pós-Doutorado em Genética Evolutiva no
National Cancer Institute, NIH, EUA.
Atualmente é Professor adjunto da Faculdade
de Biociências e coordenador do PPG em
Biologia Celular e Molecular da PUCRS,
Pesquisador associado do Laboratory of
G e n o m i c D i v e r s i t y, N C I , N I H , E U A ,
Pesquisador-membro do Instituto para
Conservação dos Carnívoros Neotropicais, e
membro do Cat Specialist Group e do Small
Carnivore Specialist Group - IUCN - World
Conservation Union. Tem experiência nas áreas
de Genética Evolutiva, Sistemática
Filogenética, Ecologia Molecular e Genética da
Conservação, atuando principalmente nos
seguintes temas: evolucao, genética, ecologia,
sistemática e conservacao de mamíferos, com
ênfase em carnivoros neotropicais. Contato:
eduardo.eizirik@pucrs.br
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