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TESTE DIAGNÓSTICO DE PORTUGUÊS – 11º ANO

“O homem que parecia um domingo”

         O Velho Fausto parecia um domingo. Costumava vê-lo, manhã cedo, cruzar o passeio,
pisando sem ruído as flores das acácias, muito aprumado no seu fato de linho branco, chapéu
de palha, laço e bengala, e tão sem pressa, meu Deus!, cumprimentando com acenos lentos
(largos sorrisos) a turba ansiosa. Um dia alguém o provocou:

         “Afinal, o que faz você nos dias úteis?”

         Ele sorriu, ainda mais generoso, e o claro fulgor dos seus dentes perfeitos cegou o
atrevido:

         “Todos os meus dias são inúteis”, respondeu com solene orgulho: “Eu os passeio.”

         Durante muitos anos, devo confessar, quis ser como ele. Hoje sei que pecava por
excessiva ambição. Trabalhando intensamente qualquer pessoa é capaz de alcançar, no fim da
vida, relativa prosperidade e a admiração dos outros. Um ladrão hábil pode ficar rico em dez
ou quinze anos. A conquista do poder também impõe considerável esforço; isto, já para não
falar em santidade ou heroicidade. A inutilidade, porém, exige algo mais difícil: talento. Nem
todos podem ser inúteis, realmente inúteis, da mesma forma que poucos conseguem fazer
chorar um violino. Também nem todos merecem ser inúteis. Fausto sim, era inútil ― e
merecia-o. Foi, enquanto viveu, ocioso e magnífico como uma tela de Gauguin.

         Depois veio a revolução. Nenhuma revolução tolera pessoas desnecessárias. Nas


revoluções há os revolucionários e os reacionários; não há lugar para observadores e muito
menos para imprestáveis. Fausto percebeu isso num dia em que, tendo decidido passar pela
Cervejaria Biker para refrescar a alma, encontrou a velha e gloriosa catedral da boémia
luandense transformada numa espécie de centro cultural. Alguém se tinha lembrado de
organizar ali uma receção a um poeta, antigo preso político, há poucos dias regressado do
Tarrafal. O poeta era um homenzinho miúdo, de densa barba negra, rosto pálido, liso como o
de uma criança, mãos muito finas, de dedos longos, que se moviam com veemência, como se
fossem independentes do corpo. Leu alguns poemas e contou histórias da cadeia. Explicou que
para conseguir sobreviver à solidão e ao desespero, fechado sozinho numa minúscula cela
escura, se entretivera durante anos e amestrar insetos. Em particular fizera amizade com uma
barata, um bicho amável e inteligente, à qual ensinara a dançar. O poeta calou-se, a cabeça
entre as mãos, enquanto na sala se fazia um silêncio comovido. Então Fausto levantou-se e
pediu a palavra:

         “O que aconteceu à barata?”

         A pergunta ecoou na sala como um traque. Alguém gritou: “Fascista!” Um tipo alto, de
bigodes, sentado ao lado do escritor, encolheu os ombros:

         “Calma! O camarada que falou é um notório vadio.”

O desprezo com que disse aquilo serenou os ânimos. Encontrei Fausto, horas mais tarde, ainda
na mesma mesa. Ardia ao lume brando do crepúsculo. “Gostaria realmente de saber o que
aconteceu à barata”, disse-me com tristeza. Ele queria saber que género de música dançava o
inseto: rumba, valsa, a velha rebita? Recomendei-lhe mais cuidado com a língua. Podia-se ser
preso, naquela época, por coisas assim. Fausto encolheu os ombros, cético, terminou de beber
a sua cerveja e foi-se embora. Morreu, tempos depois, atropelado por um camião do exército.

Voltei a lembrar-me dele quando, há poucos dias, um amigo me disse ter descoberto no
Cemitério do Alto das Cruzes uma lápide partida: “Aqui repousa Fausto Bendito. Foi ele quem
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renunciou à vida/ podeis continuar a ocupar o seu lugar/ vós, que nos roubastes/ Não foi,
nunca foi, renunciou-se/ atingiu o zero.” Reconheci os versos de Agostinho Neto, musicados
depois pelos Irmãos Kafala no belo álbum “Salipo”. “E agora vivei, cantai, chorai/ e agora casai-
vos, matai-vos/ embriagai-vos/ e agora dai esmolas aos pobres/ nada me pode interessar/ que
não sou, não sou/ Atingi o zero/ Nada me pode interessar/ Não sou, não sou/ Atingi o zero.”.

AGUALUSA, José Eduardo, Catálogo de Sombras, 4ª ed., Publicações D. Quixote, Lisboa, 2003.

1.    Diz-se, no conto, que “O Velho Fausto parecia um domingo.”. Explica esta afirmação
partindo do texto que leste.

2.    Segundo o narrador, ser inútil é muito difícil. Explica a afirmação por palavras tuas.

3.     No texto conta-se um episódio da vida do ocioso Fausto. Faz o seu breve resumo e explica
a importância desse episódio no contexto social e político em que aconteceu.

3.1.        Explica a expressividade da comparação “A pergunta ecoou na sala como um traque.”.

4.    Explica a ironia do tipo de morte sofrida por Fausto.

II

Superpotências: ao assalto da África


Por: CARLOS REIS,  Jornalista

“No século XXI, África constitui-se definitivamente como fornecedor de recursos naturais das
duas superpotências. A China não impõe contrapartidas políticas, enquanto os Estados Unidos
não são indiferentes aos problemas de segurança e às emergências humanitárias. A não
ingerência de Pequim é mais sedutora para os Estados africanos.

Com a ascensão da China ao estatuto de superpotência, o novo milénio apresenta-se como um


mundo bipolar tendo como centros Washington e Pequim. A nova realidade é visível
especialmente no relacionamento do G2, a China e Estados Unidos, com África. Os países do
continente menos desenvolvido passaram a contar com as opções das vias norte-americana ou
chinesa. Pequim oferece a harmonia ao proclamar a ajuda ao desenvolvimento sem pré-
condições e ao prezar a paz, desenvolvimento e comércio e ignorar modelos políticos ou
económicos. O gigante asiático não está nos negócios com África para exportar modelos de
desenvolvimento ou projetos políticos, em oposição aos Estados Unidos, que pretendem
contrapartidas como mais democracia, liberdade, direitos humanos e o domínio da lei.

O Governo de Hu Jintao pretende apenas fazer negócios em paz sob a sua conceção do mundo
em que o crescimento é o objetivo absoluto. Uma visão estratégica assente na convicção de
que a economia resolverá a maioria dos problemas de direitos e desenvolvimento humano do
continente. Esta ênfase na harmonia abona a favor de Pequim, tanto mais que rivaliza com a
estratégia de compensações norte-americana. «Se o consenso de Washington é
ideologicamente intervencionista, o emergente consenso de Pequim parece ideologicamente
agnóstico», observa Roger Cohen, colunista do diário «The New York Times».

Enquanto a Administração norte-americana condiciona a ajuda a África à democracia e


combate à corrupção, a China faz acordos energéticos sem pré-condições como o estabelecido
no FOCAC, o fórum de cooperação China-África. Os países africanos têm agora uma
superpotência alternativa e podem desvalorizar não só os Estados Unidos, como o G8, grupo
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dos países mais industrializados, e as ONG de ajuda ao desenvolvimento, muito preocupadas
com a boa governabilidade e os direitos humanos. (…)”

In http://www.alem-mar.org

1. Para cada um dos itens de 1.1. a 1.7., escolhe a alternativa correta, de acordo com o sentido
do texto:

1.1. Segundo o primeiro parágrafo do texto,

a. os negócios entre África, a China e os Estados Unidos são harmoniosas.

b. as negociações com a China são consideradas mais vantajosas.

c. os Estados Unidos são um país sem preocupações sociais.

d. o regime chinês não necessita dos recursos naturais africanos.

1.2. Neste novo século,

a. continua a verificar-se a supremacia dos Estados Unidos da América sobre o mundo.

b. a China aspira cada vez mais ao estatuto de superpotência.

c. o continente africano já depende pouco da ajuda externa.

d. o maior país da Ásia continua a não valorizar os direitos humanos.

1.3. O que significa o enunciado “em oposição aos Estados Unidos, que pretendem
contrapartidas como mais democracia, liberdade, direitos humanos e o domínio da lei.” (2º
parágrafo)?

a. Os Estados Unidos seguem as mesmas ideologias da China.

b. Os Estados Unidos procuram fazer respeitar a democracia no seu país.

c. A China e os Estados Unidos têm pontos de vista diferentes no que concerne aos negócios
com África.

d. Os Estados unidos não são uma nação interventiva.

1.4. Qual é o processo irregular de formação de palavras que se verifica em “FOCAC” (último


parágrafo)?

a. Truncação.

b. Empréstimo.

c. Sigla.

d. Acrónimo.
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1.5. A expressão “O gigante asiático”, referido no segundo parágrafo, pretende retomar a
palavra “China”, sendo considerada, por isso,

a. uma anáfora.

b. uma catáfora.

c. um correferente.

d. uma elipse.

1.6. Que figura de retórica se verifica no enunciado “continente menos desenvolvido” (2º


parágrafo)?

a. Eufemismo.

b. Perífrase.

c. Antonomásia.

d. Metonímia.

1.7. Que figura de retórica se verifica no enunciado “Pequim oferece a harmonia  (…)” (2º
parágrafo)?

a. Metonímia.

b. Metáfora.

c. Eufemismo.

d. Pleonasmo.

2. Responde, de forma correta, aos itens apresentados.

2.1. Indica a que classe de palavras pertence a palavra sublinhada em “Pequim oferece a


harmonia ao proclamar a ajuda ao desenvolvimento  sem  pré-condições”.

2.2. Identifica a função sintática sublinhada no enunciado “Os países do continente menos


desenvolvido passaram a contar  com as opções das vias norte-americana ou chinesa.” (2º
par.).

2.3. Classifica a oração subordinada presente no enunciado “em oposição aos Estados Unidos,
que pretendem contrapartidas como mais democracia, liberdade, direitos humanos e o
domínio da lei.” (2º par.).
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III

         Num texto bem estruturado, entre 150 e 200 palavras, comenta o cartoon apresentado,
refletindo sobre a importância que os computadores assumem na vida do Homem: moderno.

BOM TRABALHO!!!

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