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Resumo
1. Introdução
Este artigo teve origem após um debate realizado com os alunos de mestrado e doutorado
sobre o documentário The Corporation. Este documentário, produzido em 2004 e já recebeu
24 prêmios internacionais, apresenta 40 depoimentos de altos executivos de multinacionais,
professores universitários, cineastas, historiadores, lideranças de organizações não
governamentais, de um prêmio nobel, um operador da bolsa de valores, de um espião de
empresas, etc. Uma vez que uma empresa é considerada uma pessoa jurídica, questiona-se
que tipo de personalidade terá esta “pessoa”?
Ao analisar a personalidade das pessoas jurídicas, os depoentes manifestam a sua visão
sobre o papel das empresas na sociedade. Em alguns depoimentos as empresas são
consideradas nefastas para a sociedade, sendo comparadas com o perfil de uma pessoa
psicopata, teríamos então uma “empresa psicopata”. Em outros, é salientado a
responsabilidade social que uma empresa privada deve assumir, sendo comparada com o
perfil de um bom cidadão, ou seja, uma “empresa cidadã”.
Os depoimentos poderiam ser analisados sob diferentes ângulos, na reflexão realizada
neste artigo, optou-se por utilizar a proposta da tipologia das perspectivas ambientalistas de
Egri e Pinfield (Clegg e Nord, 1998), onde as perspectivas são classificadas em paradigma
social dominante, ambientalismo renovado e ambientalismo radical.
O processo produtivo e a conduta adotada pela “pessoa” empresa irá impactar o ambiente
social e ambiental de alguma forma, contribuindo para a construção de um desenvolvimento
mais sustentável ou utilizando-se dos recursos naturais e humanos sem preocupações sociais
e ambientais. A sua conduta e o relacionamento com os stakeholders em determinado
período contribui para a formação do que é apresentado no The Corporation como a sua
personalidade.
Observa-se que muitas empresas que na década de 90 foram condenadas por violações e
ilegalidades cometidas, mudaram de conduta e atualmente publicam relatórios de
responsabilidade social e anunciam que desenvolvem projetos sustentáveis. A primeira
questão que surge é sobre o entendimento das empresas acerca de sustentabilidade. Estariam
as empresas preocupadas com a sustentabilidade do planeta ou com a sua sustentabilidade?
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Neste artigo propõe-se uma reflexão sobre estes dois perfis de comportamentos, que
caracterizariam uma “Empresa Psicopata” e uma “Empresa Cidadã”. Para tanto foram
analisados os depoimentos do documentário “The Corporation”, as declarações de gestores
de empresas brasileiras e realizado uma revisão na literatura.
A seguir é apresentado uma síntese da tipologia das perspectivas ambientalistas proposta
por Egri e Pinfield (1998), seguido por relatado o surgimento das corporações. No item 4 são
apresentados os argumentos do por que considerar uma empresa psicopata, enquanto no item
5 são apresentados os argumentos de por que considerar uma empresa cidadã. No item 6
discute-se o papel dos cidadãos numa empresas, finalizando com algumas considerações
sobre a reflexão proposta.
Segundo Egri e Pinfield (1998) a relação homem e natureza pode ser dividida em três
perspectivas: o paradigma social dominante, que representa a visão tradicional de mundo da
sociedade industrializada; o ambientalismo radical que representa a visão de mundo daqueles
que defendem a mudança tranformacional; e o ambientalismo renovado, que representa
aqueles que se colocam numa posição intermediária entre o paradigma social dominante e o
ambientalismo radical. A seguir são apresentadas as três perspectivas.
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No eco-feminismo a dominação da natureza é relacionada com a dominação hierárquica
dos homens, baseada no gênero, raça, etnia e classe social. A questão central do eco-
feminismo é por fim a todas as formas de opressão (Warren, 1990).
O ambientalismo radical serve como um guarda-chuva filosófico para diversos grupos de
interesse, cujos objetivos nem sempre coincidem.
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4. A Empresa Psicopata
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Quando Michael Moore, referindo-se aos gestores das corporações, afirma que “para esta
gente, nem o céu é o limite”, está assumindo uma posição identificada com o Ambientalismo
Radical, opondo-se frontalmente aos objetivos e métodos do Paradigma Social Dominante.
Robert Monks, ao constatar a poluição de um rio, questiona-se dizendo que, “...é como se
nós, em busca da riqueza e prosperidade, criássemos uma máquina para nos destruir...” Sua
reação poderia parecer de um ambientalista radical, mas provavelmente, o que Monks
gostaria de ver era aquela fábrica produzindo, gerando os empregos e a riqueza para aquela
cidade, mas sem poluir o rio, o que o caracterizaria como um ambientalista renovado.
Deixar de poluir ou de cometer infrações é um processo ocorreu com várias empresas na
década de 90, após terem sido condenadas a pagar multas milionárias. A seguir são
relacionadas às empresas que pagaram as cinco maiores multas nos EUA durante a década de
90.
No item 5 é discutido o perfil de uma empresa cidadã e, passado cerca de uma década, as
empresas multadas na década de 90, apresentam um perfil bem diferente, conforme é
demonstrado no quadro 2.
5. A Empresa Cidadã
Qual seria o perfil de uma empresa cidadã? É possível sobreviver num ambiente
competitivo e manter um comportamento ético e as responsabilidades sociais e ambientais?
O documentário The Corporation mostra Ira Jackson, diretor do Center for Business and
Government da Kennedy School/Harvard University, fazendo uma palestra para um grupo de
pessoas, onde ele diz:
“Uma corporação é como uma família, seus integrantes trabalham juntos por um objetivo
comum. Assim como uma águia, ela plana, tem visão aguçada, é competitiva e ataca,
mas não é um abutre. Ela é nobre, visionária, majestosa. As pessoas podem acreditar e se
inspirar nela. Ela cria condições de vôo.”
Ele sugere este texto como princípios de uma empresa que deseje ser responsável. Para
surpresa de quem está assistindo o documentário, ao final, Jackson sorri ironicamente, bate
palmas e diz: “Bem pessoal, chega de bobagens, vamos ao trabalho!”
O depoimento de Jackson reforça a idéia de que as empresas utilizam no seu vocabulário
a responsabilidade socioambiental apenas para melhorar sua imagem, para fazer de conta que
estão preocupadas com a sociedade e com o meio ambiente, mas que na verdade, tudo isto é
bobagem, o que interessa é atingir o objetivo, a geração de lucro para os seus acionistas. Ou
seja, do tripé sobre o qual se assenta a proposta de desenvolvimento sustentável, só interessa
o desempenho econômico. Jackson é o outro legítimo representante do Paradigma Social
Dominante, pois ironiza a figura da água e identifica-se com o abutre.
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Uma proposta intermediária, é a de incorporar as externalidades, ou seja, quantificar os
danos sociais e ambientais decorrentes da atuação das empresas e incorporar estes valores
nos custos operacionais. Esta posição, embora menos extrema, ainda enquadra-se nos
princípios do Paradigma Social Dominante. Segundo Milton Freedman, uma externalidade
é o resultado de uma transação entre dois indivíduos sobre um terceiro, que não consentiu ou
participou no desenrolar da transação” (Achbar, Abbot e Baken, 2004). A proposta de
incorporar as externalidades vai além do que já existe hoje nas legislações ambientais, que
exigem de quem cause um dano ao meio ambiente, uma reparação deste dano e de
compensações para a sociedade. Com a incorporação das externalidades no custo do produto,
a empresa estaria acrescentando aos atuais custos, os custos da deteriorização ambiental
causada para a produção deste produto, resultando num preço final maior a ser pago pelo
consumidor.
É interessante observar que, as corporações multinacionais que pagaram as maiores
multadas na década de 90 nos EUA, publicam em 2006 nos seus websites e relatórios de
responsabilidade social corporativa uma nova postura.
A Exxon, após o derramamento de óleo ocorrido no Alaska, conhecido como Exxon
Valdez, publica em seu site informações sobre as medidas tomadas para a redução dos
derramamentos de óleo. A Pfizer, após ser condenada por violações anti-truste, em 2006 fala
em conformidade legal e comportamento ético. A GE, condenada por fraudar o governo
americano, em 2006 divulga que possui rigorosa conformidade com todas as exigência legais
e financeiras. A IBM condenada por exportações ilegais, integrou as auditorias internas e
externas e divulga os dados em seus relatórios. A Chevron, que pagou US$ 6,5 milhões de
multa por violações ambientais, em 2006 declara como meta “ser reconhecida e admirada em
qualquer lugar, por sua excelência ambiental”.
Empresa Declarações publicadas nos websites das respectivas empresas
Exxon Em 2004 a Exxon Móbil teve apenas dois derramamentos de óleo por navios
operados pela Empresa, o que significa uma redução de 80% em relação ao
ano de 2000. Isto é resultado de um intenso programa de gestão que inclui
treinamento, novos procedimentos e equipamentos de manutenção, etc.
(exxonmobil.com/corporate/citizenship/ccr4/2004_ccr_environ_spills.asp
acessado em 26.4.2006)
Pfizer Assegurar conformidade legal e comportamento ético – Os funcionários da
empresa devem obedecer as leis e as regulamentações, bem como demonstrar
um padrão de comportamento ético.
(www.pfizer.com/pfizer/subsites/corporate_citizenship/report/company_rsp.js
p acessado em 26.4.2006)
General A GE possui rigorosa conformidade com os requisitos legais. Um
Electric desempenho econômico sustentável deve ser construído com base numa
rigorosa conformidade com todas as exigências legais e financeiras.....
(www.ge.com/files/usa/em/citizenship/pdfs/citizrep2005.pdf – acessado em
26.4.2006)
IBM Em 31 de dezembro de 2004 a Empresa integrou a auditoria interna com a
auditoria externa realizada pela International Business Machines Corporation,
consolidando os dados financeiros de 2004 .....
(www.ibm.com/annualreport/2004/annual/roia.shtml acessado em 26.4.2006)
Chevron ... nossa meta é ser reconhecido e admirados em qualquer lugar, por nossa
excelência ambiental (www.chevron.com/social_responsability/environment/
acessado em 26.4.2006)
Quadro 2 – Declarações das empresas nos seus respectivos websites
Fonte: websites das empresas, acessado em 26.4.2006
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Para o leitor mais crítico irá permanecer a dúvida: Será que estas informações publicadas
em sites e relatórios são verdadeiras? Quem fiscaliza e pode atestar que isto é verdade? Em
qual das tipologias ambientalistas estas empresas se enquadrariam?
Existem várias organizações que estão estabelecendo normas e indicadores sobre o
desempenho socioambiental das empresas. A certificação AS 8000, criada pelo The Council
Economic Priorities Accreditation Agency em 1997, com o objetivo de atestar que na cadeia
produtiva de uma organização existem boas práticas sociais. Em 1999, o Institute of Social
and Ethical Accountability lançou a AA 1000, que visa monitorar a relação da empresa com
a comunidade. No Brasil, o Instituto Ethos indicadores sociais, abrangendo sete temas:
valores e transparência, público interno, meio ambiente, fornecedores, clientes,
consumidores, comunidade, governo e sociedade (Tachizawa, 2005).
Mas para ser uma empresa cidadã, não é necessário obter todos estes certificados e
atender a todos os indicadores socioambientais. Obviamente que não basta cumprir
legislação e pagar os seus impostos. Uma empresa cidadã deve buscar ser um referencial de
excelência nas áreas social, econômica e ambiental.
Ao definir responsabilidade social, Grajew(2001) reforça a idéia da empresa cidadã
como um ir além das exigências legais.
“... a questão da responsabilidade social vai, portanto, além da postura legal da empresa,
da prática filantróprica ou de apoio à comunidade. Significa mudança de atitude, numa
perspectiva de gestão empresarial com foco na qualidade das relações e na geração de
valor para todos”. (Grajew, 2001)
6. Os cidadãos na Empresa
“...eu estou fazendo a coisa certa! A minha vida mudou desde que me engajei neste
projeto. Mudei a forma de decorar a minha casa, mudei os lugares para onde eu vou nas
férias, mudei de amigos,... enfim, mudei meus valores!” (Técnica da Natura, in
Dinato,2006)
Outro técnico entrevistado informa que a Natura gera centenas de idéias e só implementa
uma pequena parte, pois um dos critérios na seleção das idéias, é de que o produto deve fazer
bem para a saúde do consumidor. Algumas propostas com grande viabilidade de mercado
foram abandonadas por não atenderem o pré-requisito de ser um produto não agressivo a
saúde (Dinato, 2006).
Talvez aqui esteja o segredo, quando os colaboradores, percebem que as práticas da
empresa onde trabalham são coerentes com os valores anunciados, que existe respeito para
com os colaboradores, clientes, fornecedores, e transparência nas sua atuação no mercado,
consegue-se mais do que o chamado “vestir a camiseta da empresa”, consegue-se que os
colaboradores introjetem os valores e se tornem cidadãos mais comprometidos com as
questões sociais e ambientais. Portanto, não é possível ter uma empresa cidadã, se não tiver
colaboradores, dirigentes e acionistas cidadãos comprometidos.
7. Considerações Finais
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Será que ter uma relação de respeito com os colaboradores, boas relações com a
comunidade do entorno, alianças com os fornecedores, buscar oferecer produtos e serviços
sustentáveis aos seus consumidores, será que tudo isto não resulta em melhorias na imagem e
na competitividade de uma organização?
São muitos os “serás”, muitas as dúvidas, mas é de se considerar que os preços dos
produtos tendem a tornarem-se muito semelhantes entre os diversos concorrentes. Neste
momento, a imagem de uma empresa cidadã poderá ser o grande diferencial.
Este é o desafio que as organizações terão que enfrentar nos próximos anos e, quem
quiser continuar sendo uma “empresa psicopata”, talvez não tenha tempo para tornar-se uma
“empresa cidadã”. O futuro poderá chegar antes do que eles esperam.
Referencias Bibliográficas
Achbar, M.; Abbot, J.; Baken, J. The Corporation. Documentário apresentado na HBO e
disponível no site www.thecorporation.com. EUA, 2004.
Clegg, S.; Hardy, C.; Nord, D. Handbook de Estudos Organizacionais. Ed. Atlas, São
Paulo, 1998.
Commonover, B. Making Peace with the Planet. New York, Pantheon Books, 1990.
Dinato, M. Produção e Consumo Sustentáveis: a visão da Natura Cosméticos S.A. Tese
de Doutorado defendida no PPGA/EA/UFRGS. Porto Alegre, 2006.
Egri, C.P; Pinfield, L.T. As Organizações e a Biosfera: Ecologia e Meio Ambiente. In:
Clegg, S.; Hardy, C.; Nord, D. Handbook de Estudos Organizacionais. Ed. Atlas, São
Paulo, 1998.
Grajew, O. Evolução e perspectivas da responsabilidade social. Jornal Valor Econômico.
Ed. 301, 12.07.2001.
Tachizawa, T. Gestão Ambiental e Responsabilidade Social Corporativa. Ed. Atlas, São
Paulo, 2005.
Warren, K. J. The power and the promise of ecological feminism. Environmental Ethics,
12(2): 125-46. 1990
Websites consultados:
exxonmobil.com/corporate/citizenship/ccr4/2004_ccr_environ_spills.asp acessado em
26.4.2006
www.pfizer.com/pfizer/subsites/corporate_citizenship/report/company_rsp.jsp acessado em
26.4.2006
www.ge.com/files/usa/em/citizenship/pdfs/citizrep2005.pdf – acessado em 26.4.2006
www.ibm.com/annualreport/2004/annual/roia.shtml acessado em 26.4.2006
www.chevron.com/social_responsability/environment/ acessado em 26.4.2006