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Empresa Psicopata x Empresa Cidadã

Autoria: Luis Felipe Nascimento

Resumo

Neste artigo propõe-se uma reflexão sobre os perfis de comportamentos, que


caracterizariam uma “Empresa Psicopata” e uma “Empresa Cidadã”. O artigo teve origem
após um debate sobre o documentário The Corporation. Este documentário, produzido em
2004 e que já recebeu 24 prêmios internacionais, apresenta 40 depoimentos de altos
executivos de multinacionais, professores universitários, cineastas, historiadores, lideranças
de organizações não governamentais, de um prêmio nobel, de um operador da bolsa de
valores, de um espião de empresas, etc. Uma vez que uma empresa é considerada uma
pessoa jurídica, questiona-se que tipo de personalidade terá esta “pessoa”? Ela poderá ter
um perfil psicopata ou cidadã. Utilizando-se da proposta de tipologias das perspectivas
ambientalistas proposta por Egri e Pinfield, analisa-se os depoimentos e a conduta das
empresas. Por fim, questiona-se, quem terá mais sucesso nos próximos anos, as empresas
psicopatas ou as empresas cidadãs?

1. Introdução

Este artigo teve origem após um debate realizado com os alunos de mestrado e doutorado
sobre o documentário The Corporation. Este documentário, produzido em 2004 e já recebeu
24 prêmios internacionais, apresenta 40 depoimentos de altos executivos de multinacionais,
professores universitários, cineastas, historiadores, lideranças de organizações não
governamentais, de um prêmio nobel, um operador da bolsa de valores, de um espião de
empresas, etc. Uma vez que uma empresa é considerada uma pessoa jurídica, questiona-se
que tipo de personalidade terá esta “pessoa”?
Ao analisar a personalidade das pessoas jurídicas, os depoentes manifestam a sua visão
sobre o papel das empresas na sociedade. Em alguns depoimentos as empresas são
consideradas nefastas para a sociedade, sendo comparadas com o perfil de uma pessoa
psicopata, teríamos então uma “empresa psicopata”. Em outros, é salientado a
responsabilidade social que uma empresa privada deve assumir, sendo comparada com o
perfil de um bom cidadão, ou seja, uma “empresa cidadã”.
Os depoimentos poderiam ser analisados sob diferentes ângulos, na reflexão realizada
neste artigo, optou-se por utilizar a proposta da tipologia das perspectivas ambientalistas de
Egri e Pinfield (Clegg e Nord, 1998), onde as perspectivas são classificadas em paradigma
social dominante, ambientalismo renovado e ambientalismo radical.
O processo produtivo e a conduta adotada pela “pessoa” empresa irá impactar o ambiente
social e ambiental de alguma forma, contribuindo para a construção de um desenvolvimento
mais sustentável ou utilizando-se dos recursos naturais e humanos sem preocupações sociais
e ambientais. A sua conduta e o relacionamento com os stakeholders em determinado
período contribui para a formação do que é apresentado no The Corporation como a sua
personalidade.
Observa-se que muitas empresas que na década de 90 foram condenadas por violações e
ilegalidades cometidas, mudaram de conduta e atualmente publicam relatórios de
responsabilidade social e anunciam que desenvolvem projetos sustentáveis. A primeira
questão que surge é sobre o entendimento das empresas acerca de sustentabilidade. Estariam
as empresas preocupadas com a sustentabilidade do planeta ou com a sua sustentabilidade?

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Neste artigo propõe-se uma reflexão sobre estes dois perfis de comportamentos, que
caracterizariam uma “Empresa Psicopata” e uma “Empresa Cidadã”. Para tanto foram
analisados os depoimentos do documentário “The Corporation”, as declarações de gestores
de empresas brasileiras e realizado uma revisão na literatura.
A seguir é apresentado uma síntese da tipologia das perspectivas ambientalistas proposta
por Egri e Pinfield (1998), seguido por relatado o surgimento das corporações. No item 4 são
apresentados os argumentos do por que considerar uma empresa psicopata, enquanto no item
5 são apresentados os argumentos de por que considerar uma empresa cidadã. No item 6
discute-se o papel dos cidadãos numa empresas, finalizando com algumas considerações
sobre a reflexão proposta.

2. As tipologias das perspectivas ambientalistas

Segundo Egri e Pinfield (1998) a relação homem e natureza pode ser dividida em três
perspectivas: o paradigma social dominante, que representa a visão tradicional de mundo da
sociedade industrializada; o ambientalismo radical que representa a visão de mundo daqueles
que defendem a mudança tranformacional; e o ambientalismo renovado, que representa
aqueles que se colocam numa posição intermediária entre o paradigma social dominante e o
ambientalismo radical. A seguir são apresentadas as três perspectivas.

2.1 A Perspectiva do Paradigma Social Dominante


O Paradigma Social Dominante (PSD) identifica-se com os princípios e objetivos da
sociedade capitalista ocidental, que visa o crescimento econômico e o lucro. Neste
paradigma os recursos naturais são vistos como exploráveis infinitamente e os impactos
ambientais como externalidades. A relação do homem com a natureza é hierárquica, de
dominação.
A economia deve funcionar com o mínimo de intervenção do estado, pois um mercado
livre se auto regula e corrige eventuais distorções. O crescimento econômico irá gerar maior
consumo e os resíduos e demais problemas resultantes deste aumento de consumo, serão
resolvidos pela tecnologia. Ou seja, se alguma coisa é problema hoje, amanhã haverá uma
tecnologia que irá resolver este problema.

2.2 A Perspectiva do Ambientalismo Radical


O Ambientalismo Radical coloca-se em oposição ao Paradigma Social Dominante e
defende um redesenho dos sistemas agrícola e industrial de produção e transporte
(Commoner, 1990). Tem como objetivos o equilíbrio holístico com a natureza e prega a
justiça ambiental e social.
Dentro do Ambientalismo Radical predominam quatro filosofias: a ecologia profunda, a
ecologia espiritual, a ecologia social e o ecofeminismo, as quais diferem-se pelos meios
utilizados e não pelos fins.
A proposta da ecologia profunda é o igualitarismo biosférico, onde os homens não teriam
direito de intervir na riqueza e na diversidade de todas as formas de vida, sejam elas
humanas ou não humanas.
A ecologia espiritual também defende a necessidade da mudança na consciência humana
como pré-requisito para as mudanças nos níveis físicos da existência. Para superar a visão
mecanicista da sociedade industrializada, é preciso as ligações sagradas da humanidade com
todos os aspectos da criação.
A ecologia social propõe o muncipalismo libertário, que seria implantado por meio de
um planejamento que priorizaria o biorregionalismo, que estaria em sintonia com os
ecossistemas locais.

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No eco-feminismo a dominação da natureza é relacionada com a dominação hierárquica
dos homens, baseada no gênero, raça, etnia e classe social. A questão central do eco-
feminismo é por fim a todas as formas de opressão (Warren, 1990).
O ambientalismo radical serve como um guarda-chuva filosófico para diversos grupos de
interesse, cujos objetivos nem sempre coincidem.

2.3 A Perspectiva do Ambientalismo Renovado


O ambientalismo renovado surgiu no século XIX, como uma crítica ao industrialismo,
alertando as pessoas sobre os efeitos deste processo sobre a saúde humana e sobre o meio
ambiente. Esta perspectiva apresenta uma modificação de valores antropocêntricos,
incorporando os valores biocêntricos e propõe a construção de sistemas industriais
sustentáveis. Propõe também o conceito de stakeholders e a defesa dos seus direitos.
O ambientalismo renovado tem como objetivos o desenvolvimento sustentável do
ambiente natural, bem como o desenvolvimento econômico e industrial para reduzir as
desigualdades sociais no nível local e global.
As três perspectivas ambientalistas apresentadas serão utilizadas nos itens a seguir para
identificar o posicionamento ideológico de alguns dos depoentes. O item 3 faz um histórico
sobre o surgimento das corporações e de como elas conquistaram o poder que possuem
atualmente.

3. O Surgimento das Corporações

Segundo uma das entrevistadas no documentário “The Corporation”, Mary Zepernick


que é integrante do Program on Corporation, Law and Democracy, no início da história dos
EUA, as sociedades anônimas tinham funções bem definidas. Era estabelecido na carta
patente quanto tempo elas poderiam operar, o limite de capital, o que elas fariam, etc. Uma
corporação não podia comprar outra corporação e os acionistas eram responsáveis por tudo o
que acontecia nesta corporação.
Howard Zinn, autor do livro A people history of the USA, afirma que revolução industrial
e a Guerra de Secessão contribuíram para o crescimento das corporações americanas. Neste
período as ferrovias receberam grandes subsídios em terras e financiamentos bancários. Os
advogados das corporações argumentavam que uma corporação tinha poderes limitados e
que precisavam de mais liberdade. No final da Guerra de Secessão, foi aprovada a Emenda
14, com o objetivo de dar direitos iguais aos negros recém libertados da escravidão. Esta
Emenda dizia: “Nenhum estado privará alguém da vida, liberdade ou posse, sem a aprovação
da lei”. A Emenda visava evitar que os governos continuassem retirando a vida, a liberdade
ou posses dos negros, como era feito antes. Aproveitando-se da Emenda 14, os advogados
das corporações foram aos tribunais alegando uma corporação é uma “pessoa”, uma pessoa
jurídica, e portanto, segundo a Emenda 14, as corporações também teriam direito a vida,
liberdade e posse. O Supremo Tribunal americano aceitou a argumentação. Segundo a
pesquisa de Zinn, entre 1890 e 1910 houve 307 casos julgados com base na Emenda 14.
Destes, 288 foram apresentados por corporações e 19 por negros.
As corporações aumentaram o seu poder, passaram a comprar e vender propriedades,
fazer empréstimos, processar e ser processadas, enfim, passaram a ser um membro da
sociedade. Sendo uma empresa uma “pessoa”, elas poderiam ser comparadas com as demais
pessoas, ou não? Analisando o perfil de conduta das empresas surgiram questionamentos,
tais como: Pode se dizer que uma empresa é cidadã? Seria uma empresa psicopata? A seguir
apresentamos depoimentos que analisam estas questões.

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4. A Empresa Psicopata

Robert Hare é um consultor do FBI para análise de casos de pessoas psicopatas. No


depoimento dado no documentário The Corporation, ele faz uma relação das empresas com
as pessoas psicopatas. Diz ele, se uma empresa apresenta:
- total desinteresse pelo sentimento alheio;
- incapacidade de manter relações duradouras;
- total desconsideração pela segurança alheia;
- argumentos mentirosos e enganadores para obter mais lucros,
Devemos considerá-la como uma empresa psicopata, pois ela possui o perfil de uma
pessoa psicopata.
Noam Chomsky, pesquisador do MIT/EUA, diz que, ao analisar uma empresa, é preciso
distinguir os “indivíduos” da “organização”, ou seja, da empresa onde trabalham. Uma
empresa que tem por objetivos o lucro para seus acionistas em primeiro lugar, pode ser
comparada com um monstro faminto. Chomsky cita o exemplo das empresas escravocatas,
onde os indivíduos que participavam dela podiam ser amigáveis, benevolentes, gentis e até
mesmo preocupados com os escravos. Mas, em seu papel institucional, eles eram monstros,
porque os objetivos da empresa eram monstruosos.
A posição de Chomsky é reforçada pelo depoimento do corretor da bolsa de valores de
Nova York, Carlton Brown, quando relata que o atentado de 11 de setembro foi a coisa mais
horrível que ele já viu na vida e acrescenta: “ mas, eu e qualquer outro corretor, que não
estava naquele prédio, a primeira coisa que nós pensamos foi... Meu Deus, o ouro vai
explodir! Por sorte, os meus clientes tinham ouro e o capital deles dobrou. Foi uma benção
disfarçada!” Referindo-se ao bombardeio americano no Iraque em 1991, Brown confessa
também que tudo aquilo foi catastrófico, mas que quando viu o barril de petróleo passar de
13 para 40 dólares, ele e os colegas torciam para que Saddam Hussein criasse mais
problemas, assim o preço subiria ainda mais. Ele conclui dizendo que “na devastação
também há oportunidades!” (Achbar, Abbot e Baken, 2004).
Robert Monks do Corporate Governance Adviser, em seu depoimento ao The
Corporation, questiona a proposta de cidadãos corporativos e cita Baron Thurlow quando
afirmava que “as corporações não tem alma para salvar, nem corpos a aprisionar”. Ao visitar
uma fábrica de papel que jogava seus efluentes diretamente no rio, Monks constatou que
todos naquela cidade eram cientes e contrários a poluição do rio, desde os diretores da
empresa, o prefeito da cidade e as lideranças da comunidade, mas a empresa continuava lá
poluindo. Refletindo sobre este fato, ele diz: “...é como se nós, em busca da riqueza e
prosperidade, criássemos uma máquina para nos destruir, e mesmo sabendo que estamos nos
destruindo, continuássemos operando até a destruição total.”
Milton Friedman, prêmio Nobel de Economia, diferencia a corporação das pessoas que
nela atuam e questiona: “Um prédio pode ter responsabilidade social? Como esperar que
uma corporação o tenha? A corporação não passa de uma estrutura legal artificial, mas as
pessoas que a compõem, sejam acionistas, executivos ou funcionários, todos tem
responsabilidades morais” (Achbar, Abbot e Baken, 2004).
Michael Moore, cineasta entrevistado no The Corporation, afirma: “Há corporações que
beneficiam suas comunidades e produzem bens e serviços que melhoram nossas vidas, e isto
é bom. O problema é a motivação para o lucro, porque para esta gente, nem o céu é o limite.”
Analisando os depoimentos, poderíamos dizer que Carlton Brown é o típico defensor do
Paradigma Social Dominante, pois percebe e sensibiliza-se com as tragédias, mas vê nas
tragédias uma oportunidade de lucrar mais, chegando ao ponto de dizer que torcia para que
Saddan Hussein “criasse mais problemas”, para que o preço do petróleo subisse mais.

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Quando Michael Moore, referindo-se aos gestores das corporações, afirma que “para esta
gente, nem o céu é o limite”, está assumindo uma posição identificada com o Ambientalismo
Radical, opondo-se frontalmente aos objetivos e métodos do Paradigma Social Dominante.
Robert Monks, ao constatar a poluição de um rio, questiona-se dizendo que, “...é como se
nós, em busca da riqueza e prosperidade, criássemos uma máquina para nos destruir...” Sua
reação poderia parecer de um ambientalista radical, mas provavelmente, o que Monks
gostaria de ver era aquela fábrica produzindo, gerando os empregos e a riqueza para aquela
cidade, mas sem poluir o rio, o que o caracterizaria como um ambientalista renovado.
Deixar de poluir ou de cometer infrações é um processo ocorreu com várias empresas na
década de 90, após terem sido condenadas a pagar multas milionárias. A seguir são
relacionadas às empresas que pagaram as cinco maiores multas nos EUA durante a década de
90.

Empresa Motivo Valor da multa


(US$)
Exxon pelo derramamento de petróleo em Valdez 125 milhões
Pfizer por violações anti-truste 20 milhões
General por fraudar o governo 9,5 milhões
Eletric
IBM por exportações ilegais 8,5 milhões
Chevron por violações ambientais 6,5 milhões.
Quadro 1 – Maiores multas pagas por corporações nos EUA na década de 90
Fonte: Documentário The Corporation (Achbar, Abbot e Baken, 2004).

No item 5 é discutido o perfil de uma empresa cidadã e, passado cerca de uma década, as
empresas multadas na década de 90, apresentam um perfil bem diferente, conforme é
demonstrado no quadro 2.

5. A Empresa Cidadã

Qual seria o perfil de uma empresa cidadã? É possível sobreviver num ambiente
competitivo e manter um comportamento ético e as responsabilidades sociais e ambientais?
O documentário The Corporation mostra Ira Jackson, diretor do Center for Business and
Government da Kennedy School/Harvard University, fazendo uma palestra para um grupo de
pessoas, onde ele diz:
“Uma corporação é como uma família, seus integrantes trabalham juntos por um objetivo
comum. Assim como uma águia, ela plana, tem visão aguçada, é competitiva e ataca,
mas não é um abutre. Ela é nobre, visionária, majestosa. As pessoas podem acreditar e se
inspirar nela. Ela cria condições de vôo.”

Ele sugere este texto como princípios de uma empresa que deseje ser responsável. Para
surpresa de quem está assistindo o documentário, ao final, Jackson sorri ironicamente, bate
palmas e diz: “Bem pessoal, chega de bobagens, vamos ao trabalho!”
O depoimento de Jackson reforça a idéia de que as empresas utilizam no seu vocabulário
a responsabilidade socioambiental apenas para melhorar sua imagem, para fazer de conta que
estão preocupadas com a sociedade e com o meio ambiente, mas que na verdade, tudo isto é
bobagem, o que interessa é atingir o objetivo, a geração de lucro para os seus acionistas. Ou
seja, do tripé sobre o qual se assenta a proposta de desenvolvimento sustentável, só interessa
o desempenho econômico. Jackson é o outro legítimo representante do Paradigma Social
Dominante, pois ironiza a figura da água e identifica-se com o abutre.

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Uma proposta intermediária, é a de incorporar as externalidades, ou seja, quantificar os
danos sociais e ambientais decorrentes da atuação das empresas e incorporar estes valores
nos custos operacionais. Esta posição, embora menos extrema, ainda enquadra-se nos
princípios do Paradigma Social Dominante. Segundo Milton Freedman, uma externalidade
é o resultado de uma transação entre dois indivíduos sobre um terceiro, que não consentiu ou
participou no desenrolar da transação” (Achbar, Abbot e Baken, 2004). A proposta de
incorporar as externalidades vai além do que já existe hoje nas legislações ambientais, que
exigem de quem cause um dano ao meio ambiente, uma reparação deste dano e de
compensações para a sociedade. Com a incorporação das externalidades no custo do produto,
a empresa estaria acrescentando aos atuais custos, os custos da deteriorização ambiental
causada para a produção deste produto, resultando num preço final maior a ser pago pelo
consumidor.
É interessante observar que, as corporações multinacionais que pagaram as maiores
multadas na década de 90 nos EUA, publicam em 2006 nos seus websites e relatórios de
responsabilidade social corporativa uma nova postura.
A Exxon, após o derramamento de óleo ocorrido no Alaska, conhecido como Exxon
Valdez, publica em seu site informações sobre as medidas tomadas para a redução dos
derramamentos de óleo. A Pfizer, após ser condenada por violações anti-truste, em 2006 fala
em conformidade legal e comportamento ético. A GE, condenada por fraudar o governo
americano, em 2006 divulga que possui rigorosa conformidade com todas as exigência legais
e financeiras. A IBM condenada por exportações ilegais, integrou as auditorias internas e
externas e divulga os dados em seus relatórios. A Chevron, que pagou US$ 6,5 milhões de
multa por violações ambientais, em 2006 declara como meta “ser reconhecida e admirada em
qualquer lugar, por sua excelência ambiental”.
Empresa Declarações publicadas nos websites das respectivas empresas
Exxon Em 2004 a Exxon Móbil teve apenas dois derramamentos de óleo por navios
operados pela Empresa, o que significa uma redução de 80% em relação ao
ano de 2000. Isto é resultado de um intenso programa de gestão que inclui
treinamento, novos procedimentos e equipamentos de manutenção, etc.
(exxonmobil.com/corporate/citizenship/ccr4/2004_ccr_environ_spills.asp
acessado em 26.4.2006)
Pfizer Assegurar conformidade legal e comportamento ético – Os funcionários da
empresa devem obedecer as leis e as regulamentações, bem como demonstrar
um padrão de comportamento ético.
(www.pfizer.com/pfizer/subsites/corporate_citizenship/report/company_rsp.js
p acessado em 26.4.2006)
General A GE possui rigorosa conformidade com os requisitos legais. Um
Electric desempenho econômico sustentável deve ser construído com base numa
rigorosa conformidade com todas as exigências legais e financeiras.....
(www.ge.com/files/usa/em/citizenship/pdfs/citizrep2005.pdf – acessado em
26.4.2006)
IBM Em 31 de dezembro de 2004 a Empresa integrou a auditoria interna com a
auditoria externa realizada pela International Business Machines Corporation,
consolidando os dados financeiros de 2004 .....
(www.ibm.com/annualreport/2004/annual/roia.shtml acessado em 26.4.2006)
Chevron ... nossa meta é ser reconhecido e admirados em qualquer lugar, por nossa
excelência ambiental (www.chevron.com/social_responsability/environment/
acessado em 26.4.2006)
Quadro 2 – Declarações das empresas nos seus respectivos websites
Fonte: websites das empresas, acessado em 26.4.2006

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Para o leitor mais crítico irá permanecer a dúvida: Será que estas informações publicadas
em sites e relatórios são verdadeiras? Quem fiscaliza e pode atestar que isto é verdade? Em
qual das tipologias ambientalistas estas empresas se enquadrariam?
Existem várias organizações que estão estabelecendo normas e indicadores sobre o
desempenho socioambiental das empresas. A certificação AS 8000, criada pelo The Council
Economic Priorities Accreditation Agency em 1997, com o objetivo de atestar que na cadeia
produtiva de uma organização existem boas práticas sociais. Em 1999, o Institute of Social
and Ethical Accountability lançou a AA 1000, que visa monitorar a relação da empresa com
a comunidade. No Brasil, o Instituto Ethos indicadores sociais, abrangendo sete temas:
valores e transparência, público interno, meio ambiente, fornecedores, clientes,
consumidores, comunidade, governo e sociedade (Tachizawa, 2005).
Mas para ser uma empresa cidadã, não é necessário obter todos estes certificados e
atender a todos os indicadores socioambientais. Obviamente que não basta cumprir
legislação e pagar os seus impostos. Uma empresa cidadã deve buscar ser um referencial de
excelência nas áreas social, econômica e ambiental.
Ao definir responsabilidade social, Grajew(2001) reforça a idéia da empresa cidadã
como um ir além das exigências legais.

“... a questão da responsabilidade social vai, portanto, além da postura legal da empresa,
da prática filantróprica ou de apoio à comunidade. Significa mudança de atitude, numa
perspectiva de gestão empresarial com foco na qualidade das relações e na geração de
valor para todos”. (Grajew, 2001)

Algumas organizações já foram criadas visando esta excelência sócio, econômica e


ambiental, como é o caso das cooperativas ecologistas. Mas como transformar uma
multinacional numa empresa cidadã, isto é possível?
O caso da Empresa Natura Cosméticos S.A. pode ser um exemplo de empresa que atua
em diversos países e que vem buscando a excelência sócio, econômica e ambiental. Segundo
Dinato (2006), os investimentos na linha Ekos realizados pela Natura superaram todas as
suas expectativas, tornando-se hoje o seu carro chefe.
A Empresa Natura declara: “a base da nossa existência são as nossas relações”,
identificando-se com a visão de Grajew. Percebe-se que a Empresa busca a excelência em
tudo o que faz, e estimula um comportamento autônomo e comprometido de seus
colaboradores, bem como para que eles desenvolvam trabalhos voluntários nas comunidades.
O que diferencia a Natura de outras empresas que também estimulam o trabalho
voluntário de seus colaboradores, é que na Natura, as pessoas estão indo além do exigido
pela Empresa. Os colaboradores realizam trabalho voluntário independentemente de
conquistar pontos na avaliação realizada pela Empresa. O comprometimento com a
responsabilidade socioambiental deixou de ser trabalho, para fazer parte das suas
responsabilidades como cidadãos engajados. Isto acontece porque os colaboradores
incorporaram os valores na sua vida pessoal.
Quais são condições necessárias para que isto ocorra em outras empresas? No item 6, são
relatados depoimentos de gestores que explicam como ocorre este processo de conversão.

6. Os cidadãos na Empresa

Em 1994, quando os clientes começaram a perguntar sobre o que a Comercial Carpet


Manufacturer fazia pelo meio ambiente, Ray Anderson (CEO - Comercial Carpet
Manafacturer), percebeu que precisava fazer alguma coisa. Em seu depoimento diz: “...nós
não tínhamos o que dizer, isto nos perturbou e então decidimos criar uma força tarefa com
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funções ecológicas. Mas foi a leitura do livro a Ecologia do Comércio, de Paul Hawken, que
mudou a minha vida”. Continuando o seu depoimento, Ray Anderson afirma que alguns
produtos simplesmente não deveriam ser produzidos, a não ser que possam ser produzidos de
modo sustentável. Ele conclui dizendo: “A minha atuação era igual a de um saqueador,
saqueando algo que não era meu, mas que pertence a todos os seres vivos da terra, aí eu
pensei: Meu Deus! Um dia isto será ilegal! O dia que o saque a natureza for proibido, e este
dia vai chegar, gente como eu vai parar na cadeia” (Achbar, Abbot e Baken, 2004).
Na pesquisa realizada por Dinato (Dinato, 2006) com executivos e técnicos da Empresa
Natura Cosméticos S.A., foi constatado que o desenvolvimento da linha de produtos Ekos
transformou não só a visão da Empresa, como também o comportamento e os valores das
pessoas envolvidas com o projeto. Uma das pessoas entrevistadas disse que se orgulhava de
trabalhar na Natura e complementou:

“...eu estou fazendo a coisa certa! A minha vida mudou desde que me engajei neste
projeto. Mudei a forma de decorar a minha casa, mudei os lugares para onde eu vou nas
férias, mudei de amigos,... enfim, mudei meus valores!” (Técnica da Natura, in
Dinato,2006)

Outro técnico entrevistado informa que a Natura gera centenas de idéias e só implementa
uma pequena parte, pois um dos critérios na seleção das idéias, é de que o produto deve fazer
bem para a saúde do consumidor. Algumas propostas com grande viabilidade de mercado
foram abandonadas por não atenderem o pré-requisito de ser um produto não agressivo a
saúde (Dinato, 2006).
Talvez aqui esteja o segredo, quando os colaboradores, percebem que as práticas da
empresa onde trabalham são coerentes com os valores anunciados, que existe respeito para
com os colaboradores, clientes, fornecedores, e transparência nas sua atuação no mercado,
consegue-se mais do que o chamado “vestir a camiseta da empresa”, consegue-se que os
colaboradores introjetem os valores e se tornem cidadãos mais comprometidos com as
questões sociais e ambientais. Portanto, não é possível ter uma empresa cidadã, se não tiver
colaboradores, dirigentes e acionistas cidadãos comprometidos.

7. Considerações Finais

A empresa típica do século XX era extrativista, esbanjadora, linear, que extraia os


recursos naturais do solo desperdiçando a matéria prima e devolvendo ao solo os resíduos.
As práticas da empresa típica do século XX, são denominadas no documentário The
Corporation de “tirania intergeracional”, uma forma de taxação livre imposta por nós às
gerações futuras.
As empresas que na década de 90 foram condenadas, apresentam-se hoje como
convertidas. Desejam ser reconhecidas e admiradas em qualquer lugar, por sua excelência
ambiental, conforme consta no website da Chevron
(www.chevron.com/social_responsability/environment/ acessado em 26.4.2006).
Os gestores e colaboradores, identificados como defensores do Paradigma Social
Dominante continuam obtendo sucesso, mas será que, uma reportagem mostrando a vibração
dos colaboradores de uma empresa com resultados de uma catástrofe, não traria perdas
significativas, ou talvez irreversíveis, para esta empresa?
Será que no século XXI haverá mercado para as empresas psicopatas? Poderá uma
empresa continuar saqueando o que não é seu, como diz Ray Anderson? Em havendo
algumas empresas com práticas diferenciadas, reconhecidas pela sociedade como empresas
cidadãs, não haverá uma maior cobrança pelos consumidores das demais empresas?

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Será que ter uma relação de respeito com os colaboradores, boas relações com a
comunidade do entorno, alianças com os fornecedores, buscar oferecer produtos e serviços
sustentáveis aos seus consumidores, será que tudo isto não resulta em melhorias na imagem e
na competitividade de uma organização?
São muitos os “serás”, muitas as dúvidas, mas é de se considerar que os preços dos
produtos tendem a tornarem-se muito semelhantes entre os diversos concorrentes. Neste
momento, a imagem de uma empresa cidadã poderá ser o grande diferencial.
Este é o desafio que as organizações terão que enfrentar nos próximos anos e, quem
quiser continuar sendo uma “empresa psicopata”, talvez não tenha tempo para tornar-se uma
“empresa cidadã”. O futuro poderá chegar antes do que eles esperam.

Referencias Bibliográficas

Achbar, M.; Abbot, J.; Baken, J. The Corporation. Documentário apresentado na HBO e
disponível no site www.thecorporation.com. EUA, 2004.
Clegg, S.; Hardy, C.; Nord, D. Handbook de Estudos Organizacionais. Ed. Atlas, São
Paulo, 1998.
Commonover, B. Making Peace with the Planet. New York, Pantheon Books, 1990.
Dinato, M. Produção e Consumo Sustentáveis: a visão da Natura Cosméticos S.A. Tese
de Doutorado defendida no PPGA/EA/UFRGS. Porto Alegre, 2006.
Egri, C.P; Pinfield, L.T. As Organizações e a Biosfera: Ecologia e Meio Ambiente. In:
Clegg, S.; Hardy, C.; Nord, D. Handbook de Estudos Organizacionais. Ed. Atlas, São
Paulo, 1998.
Grajew, O. Evolução e perspectivas da responsabilidade social. Jornal Valor Econômico.
Ed. 301, 12.07.2001.
Tachizawa, T. Gestão Ambiental e Responsabilidade Social Corporativa. Ed. Atlas, São
Paulo, 2005.
Warren, K. J. The power and the promise of ecological feminism. Environmental Ethics,
12(2): 125-46. 1990
Websites consultados:
exxonmobil.com/corporate/citizenship/ccr4/2004_ccr_environ_spills.asp acessado em
26.4.2006
www.pfizer.com/pfizer/subsites/corporate_citizenship/report/company_rsp.jsp acessado em
26.4.2006
www.ge.com/files/usa/em/citizenship/pdfs/citizrep2005.pdf – acessado em 26.4.2006
www.ibm.com/annualreport/2004/annual/roia.shtml acessado em 26.4.2006
www.chevron.com/social_responsability/environment/ acessado em 26.4.2006

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