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Cinema Queer: O que é isso, companheir@s?

Tatiana Brandão de Araujo1

Neste trabalho será analisado o documentário Fabulous! The Story of Queer Cinema de
2006, dirigido por Lisa Ades e Leslie Klainberg. O filme pretende fazer uma cronologia
de produções feitas por/para/sobre gays e lésbicas, principalmente, nos EUA a partir da
década de 1940. Um dos principais temas que ele aborda, enquanto traça sua
cronologia, é a questão da visibilidade, e de que como gays e lésbicas ficaram ausentes
por muito tempo enquanto sujeitos das representações cinematográficas. Nesse
sentindo, além da temática da visibilidade, o filme discute representação, voz, auto-
expressão, e a importância da identificação com o que se vê na tela. Os filmes citados
no documentário rompem de alguma forma com os padrões normativos de
feminilidades e masculinidades, mas em que sentido o termo queer é pensado quando se
referem a estas produções? Segundo Annamarie Jagose (1996) e Jack Halberstam
(2005), o queer não pode ser considerado sinônimo de homossexualidade, significando
assim, que nem todos gays e nem todas as lésbicas poderiam ser considerados queer. E
sendo o queer uma crítica a política de identidades, seria este um termo coerente para
demarcar e identificar certos filmes?
Palavras-chave: visibilidade. Queer. Cinema.

A pergunta “O que é Cinema Queer?” não se trata de um questionamento


simples, já que possivelmente se encontrarão diferentes respostas. Na tentativa de
buscar uma resposta, entendo que é importante a discussão do termo queer e do
entendimento do mesmo para a teoria, assim como, do modo como essas discussões
refletem nas produções cinematográficas. O caminho que escolhi para tentar achar uma
resposta é analisar de que forma o documentário Fabulous! The Story of Queer Cinema
trabalhou essas questões, quais filmes foram citados, o que existe em comum para
estarem ali, e se a Teoria Queer se faz presente no discurso que construiu as escolhas
dos títulos apresentados.
Entendo que o documentário citado acima, dirigido por Lisa Ades e Lesli
Klainberg, tem como principal tema a questão da visibilidade, e de que como gays e
lésbicas ficaram ausentes por muito tempo enquanto sujeitos das representações
cinematográficas, não somente como representados, mas também como produtores. Ao
contrário das primeiras décadas da história do cinema, em que essas representações
eram relegadas a subtextos ou partindo apenas de um ponto de vista heteronormativo,

1
Aluna do Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Literatura na Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis, Brasil. Bolsista CNPq – Brasil.
com a afirmação dos movimentos sociais, a partir de 1960 nos EUA, os grupos
considerados minorias começaram a produzir suas próprias representações, produzindo
um contra-imaginário à heteronormatividade vigente na maioria dos filmes lançados até
então.
Essa heteronoramatividade presente no cinema não acabou, mas atualmente se
encontram mais filmes que apresentam outras visões sobre como as pessoas vivem suas
relações, seus corpos e seus afetos. Desta forma, o documentário analisado procura
traçar uma cronologia, mostrando que se presenciamos um momento no qual gays e
lésbicas não são mais raridade no cinema, é por que houve um caminho árduo
percorrido por cineastas que vivenciaram maiores dificuldades das encontradas hoje em
dia.
Como B. Ruby Rich afirmou no documentário, no período anterior à década de
60 não existia uma produção de filmes voltados para um público específico
homossexual. Segundo a autora, o diretor Kenneth Anger e seu curta Fireworks foram
importantes para o começo do que ela chama de uma gay sensibility. Porém, foi apenas
nos anos 60 (os filmes do Andy Warhol fazem parte deste marco), e, principalmente, na
década de 1970 (momento após Stonewall) que mais filmes começaram a surgir. Apesar
de ficarem relegados a um circuito alternativo, eles demonstraram que existia um
público que correspondia a esse outro olhar sobre a questão.
E para entender a questão da visibilidade no cinema é importante pensar no
contexto desses movimentos sociais, e nas discussões que eram feitas naquele momento.
Questionamentos esses, versando sobre a representação e voz no espaço público, que
tomaram conta de discussões acadêmicas, e também de produções artísticas. Mulheres,
negros, homossexuais, queriam representar-se, tomar o lugar de fala, e construir olhares
diferentes do dominante, que os colocava como objeto do olhar do homem branco e
heterossexual.
Na década de 1970 surgiram artistas que caminhavam na margem dos discursos
dominante. Filmes como The Rocky Horror Picture Show de Jim Sharman, ou os filmes
do diretor John Waters e sua personagem Divine. Títulos que fizeram sucesso,
principalmente, nas chamadas sessões de meia noite, e que demonstravam o interesse de
um público por temáticas que subvertiam as narrativas normativas predominantes na
Hollywood da época. O caminho percorrido pelo documentário tem relação direta com
as questões discutidas pelos movimentos de gays e lésbicas, assim como o crescimento
e ampliação dessas mesmas discussões. Apesar do contexto conservador estadunidense
nos 80, cresceram o número de produções que representavam relações homossexuais, e
estas começavam a sair dos circuitos alternativos. E assim como mencionado no filme,
com o surgimento do VHS, esses filmes se tornaram mais acessíveis, facilitando para
que mais pessoas tivessem contato com essas produções.
No documentário, a autora B. Ruby Rich afirma que nos anos 80 existe uma
vontade maior de criar essas imagens com as quais gays e lésbicas pudessem se
identificar diretamente, na tentativa de conquistar um espaço público para essas
representações e para os sujeitos em si, caracterizando o momento em que tais sujeitos
não queriam mais ser relegados a uma subcultura. Nessa época começou uma produção
independente mais forte, procurando romper com a narrativa clássica, representando
outros tipos de personagens, e nesse panorama, gays e lésbicas começam a emergir mais
dessas representações. E não somente em um formato tão diferente, mas até mesmo
assumindo gêneros mais clássicos, como no caso do romance Desert Hearts de 1985,
dirigido por Donna Deitch
O histórico proposto pelo documentário é muito interessante, pois além de ser
uma discussão importante, trata de alguns filmes que são relegados à marginalidade
sendo esta uma maneira de conhecê-los. Porém, ao acompanhar a discussão do
documentário dá para entender que a compreensão do que significa uma produção
cinematográfica queer refere-se apenas aos sujeitos LGBT. Nesse sentindo o mesmo
fixa um significado que é contestado por teóricos que trabalham com Teoria Queer,
como Richard Miskolci e Annamarie Jagose, e não abre possibilidades para outras
desconstruções da heteronormatividade.
Segundo Judith Halberstam, o termo queer: …refers to nonnormative logics and
organization of community, sexual identity, embodiment, and activity in space and time
(2005, p.6). Sendo assim, o significado do queer não pode ser limitado à orientação
sexual, tendo outros fatores que devem ser pensados. Fabulous! The Story of Queer
Cinema traz questões para pensar nessas discussões, no termo Cinema Queer, e quais
suas possíveis relações com a teoria

Sobre a teoria queer:

Para falar sobre Cinema Queer, entendo como importante traçar alguns paralelos
com a Teoria Queer que começou na década de 1980 nos EUA. Como destaca o autor
Richard Miskolci (2012), essa teoria surge sob a influência de movimentos sociais de
duas décadas atrás. Segundo o autor, foram movimentos “... associados à emergência de
novos sujeitos históricos que passam a demandar direitos e também a influenciar na
produção de conhecimento” (Miskolci, 2012, p.13). No entanto, algumas reivindicações
feitas nos movimentos de contracultura das décadas de 60 e 70 não foram suficientes
para comportar outras identidades que não estavam sendo contempladas.
No caso dos feminismos, questionava-se que o movimento não era inclusivo, e
tinha como foco dominante mulheres brancas, ocidentais, e heterossexuais. Referente
aos movimentos homossexuais, a questão da epidemia da AIDS foi de grande impacto,
e os questionamentos queer surgem desse momento de crise, no qual novas idéias e
práticas eram necessárias para incluir sujeitos que não estavam nas reivindicações dos
antigos movimentos. Como afirmou Annamaria Jagose (1996), o queer apresentou as
limitações das categorias de identidade para a representação política.
A perspectiva branca, Ocidental, classe média e heterossexual não compreendia
os múltiplos sujeitos, e suas diferentes vivências de seus corpos, sexualidades, e
relacionamentos. Para Miskolci (2012), os movimentos homossexuais dos anos 60/70
queriam incorporação da sociedade vigente, aceitando os valores dominantes, já o queer
desafiava e pedia por mudanças dessa sociedade, criticando os valores hegemônicos que
a regia. Por mais que queer tenha sido uma palavra usada pejorativamente para falar
sobre homossexuais, e depois incorporada pela própria comunidade, a idéia da teoria
não refere-se a um sinônimo de homossexualidade, ela abrange outras questões, e vai
além da vivência da sexualidade.

O queer, portanto, não é uma defesa da homossexualidade, é a recusa dos


valores morais violentos que instituem e fazem valer a linha da abjeção, essa
fronteira rígida entre os que são socialmente aceitos e os que são relegados à
humilhação e aos deprezo coletivo (Miskolci, 2012, p.25)

As queer is unaligned with any specific identity category, it has the potential to
be annexed profitably to any number of discussions (Jagose, 1996, p.2). Nesse sentido,
como afirmou Miskolci, a teoria queer enriquece tanto os estudos gays e lésbicos
trazendo uma perspectiva feminista, assim como os estudos feministas, apresentando
que as discussões vão além da categoria mulher.
Uma questão importante apontada pela teórica Judith Butler, e que se trata de
um das discussões queer, é da necessidade de desconstruir uma relação de causalidade
entre sexo-gênero-desejo, apresentando que essa suposta estabilidade não é natural, mas
sim reforçada por um pensamento heteronormativo. A autora fala dos chamados
“gênero inteligiveis” (Butler, 2003, p.38), que seguem o sistema afirmado acima, e que
estes constituem na estabilização de uma fronteira para o aceito e o não-aceito.
Judith Butler (2007) trabalha a idéia de que esses corpos normativos são
construídos por discurso, e que sua materialização é fruto do mesmo. Porém por não se
tratar de algo natural, exige a constante reafirmação de seu status normativo. Desta
forma, a autora afirma que nessas brechas e instabilidades que corpos e identidades não
normativas vão encontrar meios de colocar em debates os saberes dominantes que os
consideram abjetos perante a sociedade.

O abjeto designa aqui precisamente aquelas zonas “inóspitas” e “inabitáveis”


da vida social, que são, não obstante, densamente povoadas por aqueles que
não gozam do status de sujeito, mas cujo habitar sob o signo do “inabitável é
necessário para o domínio do sujeito circunscrito (ibid., p.155).

Por isso, deve-se ter em mente que essa matriz que constrói uma idéia de
(hetero) normatividade é sempre excludente. E a materialização de seus corpos, que
correspondem a uma coerência entre sexo-gênero-desejo, é construída sempre pensando
no que seria o oposto dessa norma, estabelecendo assim a margem do aceitável, do
normal, daquilo que deve ser seguida por homens e mulheres.

(New) Cinema queer:

O início dos anos 90, principalmente nos EUA, foi um contexto importante para
gays e lésbicas no cinema, e/ou o que pode se chamar de cinema queer. Novas e mais
produções começaram a ser feitas, tendo espaços em grandes festivais, e apresentando
uma variedade de histórias que não correspondiam necessariamente a um imaginário
positivo sobre a homossexualidade. Aliás, a tentativa era romper com essa necessidade
de incorporação social, pois como afirmado anteriormente, com a epidemia da AIDS
dos anos 802, outras questões precisavam aparecer, não somente nas discussões
acadêmicas, mas também na produção de imagens artísticas.

2
A maior parte das pessoas, sobretudo as que estavam com HIV, não faziam parte desse grupo pelo qual
o movimento homossexual forjado na década de 1960 lutava. Em sua maior parte, o movimento
homossexual emerge marcado por valores de uma classe média letrada e branca, ávida por aceitação e até
mesmo incorporação social (Miskolci, 2012, p.24).
Neste sentido, uma leva de filmes, dirigidos majoritariamente por homens
brancos e gays chegaram aos festivais (como o de Sundance, por exemplo)
apresentando uma nova proposta, não somente de temática, mas rompendo com uma
narrativa clássica hollywoodiana. Filmes que tinham personagens gays que não se
conformavam, e até mesmo se rebelavam, perante a sociedade em que viviam,
refletindo a revolta do contexto. These filmes give voice to the marginalised not simply
in terms of focusing on the lesbian and gay communitiy, but on the sub-groups
contained within it (Aaron, 2004, p.3). Desta forma, o contexto da epidemia da AIDS,
mais as discussões da Teoria Queer, não podem ser pensadas como questões
distanciadas dessas produções cinematográficas.
Como afirmou Miskolci, o queer em termos políticos, tem relação com “....a luta
por desvincular a sexualidade da reprodução, ressaltando a importância do prazer e a
ampliação das possibilidades relacionais” (2012, p.22). Não somente subverter a relação
de causalidade entre sexo-gênero-desejo, apresentando que as normas não se restringem
apenas aos relacionamentos heterossexuais, mas também aos homossexuais. Queer
represents the resistance to, primarily, the normative codes of gender and sexual
expression but also to the restrictive potential of gay and lesbian sexuality (Aaron,
2004, p.5).
A autora B. Ruby Rich considerou enquanto um movimento esses filmes que
foram lançados no início dos anos 90, reconhecidos em festivais, e que possuíam como
características um desafio à narrativa normativa cinematográfica, assim como os temas
e sujeitos tratados nas histórias - ela chamou este movimento de New Queer Cinema.
No ano de 1991, quando Paris is Burning de Jennie Livingston e Poison de Todd
Haynes ganharam o grande prêmio do júri em Sundance, se apresentou uma mudança e
uma abertura que ficaria clara no festival do ano posterior. Mais filmes com
personagens gays, de diretores com propostas diferentes, e com narrativas que
desafiavam o que costumeiramente se via nos cinemas.
New Queer Cinema is gay independent cinema, made in the midst of the AIDS
crisis, that defies cinematic convention. This defiance can take the form of being
fragmented, non-narrative, and ahistorical (Pearl, 2004, p.23). Para Monical Pearl não
tem como dissociar o contexto da AIDS com essa produção de filmes dos anos 90, e
independente se eles abordam diretamente a questão da doença ou não, ela estará
refletida inclusiva na forma como os filmes são montados narrativamente. It’s my
contention that New Queer Cinema is AIDS cinema not only because the films (...)
emerge out of the time and the preoccupations with AIDS, but because their narratives
and also their formal discontinuities and disruptions, are AIDS-related (ibid., p.23).
Segundo a autora, as produções do New Queer Cinema podem ser consideradas
o oposto do que é produzido no mainstream, contexto no qual não se caracteriza por
apresentar desafios e normalmente não representa sujeitos que estão na margem, ou
considerados abjetos perante à heteronormatividade. Como B. Ruby Rich afirmou em
Fabulous! The Story of Queer Cinema, o momento do New Queer Cinema já passou, e
estamos vivenciando um outro momento na representação de sujeitos LGBT no cinema
(e também na televisão). Pode-se pensar, inclusive, que existe uma demanda de
mercado, e por isso, personagens gays ou lésbicas não são mais um dado raro.
Sendo assim, retorno a minha pergunta inicial. Afinal, o que é Cinema Queer?
Existe um número de filmes que podem ser classificados como queer? E tal
classificação não seria criar uma identidade fechada da qual a própria teoria queer
gostaria de evitar? Essa expressão pode ser válida para pensar uma produção que deseja
contestar um discurso que legitima a heteronormatividade, mas a questão de como
utilizá-la é que ainda permanece em aberto.

Considerações finais

Se o queer nasceu como uma crítica à política de identidade, e para trazer novas
questões aos movimentos LGBT e feministas, falar da existência de um Cinema Queer
poderia significar uma limitação? Não seria mais interessante encontrar elementos que
tornem um filme queer? E sendo assim, a discussão dependeria do espectador, e daquele
que se propor a discutir o que tal filme discute ou apresenta que pode ser contestador,
ou legitimador, da heteronormatividade.
Partindo da discussão do documentário, os filmes citados pelo mesmo são
muitos diferentes, do circuito alternativo ao mainstream, da história de amor, à história
de crime, tragédia. Porém, todos são sobre relacionamentos e personagens
homossexuais. Se queer não é um sinônimo para homossexual, o documentário tem um
entendimento diferente do que o pensado por essa teoria que surgiu na década de 80. A
palavra queer é usada como referência a sujeitos que sentem desejo pelo mesmo sexo,
mas isto não significa, que esta palavra seja um sinônimo para palavras como “gay”,
“lésbica” e “homossexual” (Jagose, 1996)
Uma coisa é pensar em Festivais de Cinema LGBT, já que estes se organizam a
partir de uma temática, focando em sujeitos e relacionamentos que não são
heterossexuais. Porém, isso não significa que sejam filmes que apresentam uma visão
de mundo queer, com elementos que contestem a heteronormatividade. E esta é uma
diferenciação importante de se fazer. Se não é sinônimo de homossexualidade, filmes
que apresentam relações ou sujeitos heterossexuais, mas que fogem à
heteronormatividade, também deveria ser abordado, mas isso o documentário não faz.
Acredito que o melhor caminho para pensar na questão das representações
cinematográficas seja na maneira com a qual refletiremos sobre o filme. Não o
enquadrando, mas elencando de que maneira sua proposta rompe com a
heteronormatividade, se é em sua narrativa, em sua estética, nos temas abordados, ou
tudo isso unido. Talvez se um filme apresente inúmeros elementos que podem ser
considerados queer, ele pode ser caracterizado como Cinema Queer, mas isso não
impede, e não deve excluir, as pequenas subversões que acontecem também em
produções mais mainstream, e, consequentemente mais normativas.
Segundo Michele Aaron (2004) houve um progresso referente à representação
de gays e lésbicas no cinema. Porém, é importante ser cauteloso no momento que se
comemora essa suposta vitória. Como a autora afirmou, for it its only certain form of
queerness that are flirted with, embraced or even championed by the mainstream
(p.198). Entendo como negativo quando nega-se as produções mais mainstream como
se não tivessem valor, mas é sempre importante manter o olhar crítico (e também não
somente com essas produções, com as independentes também), e pensar sobre as
identidades que ainda se encontram invisíveis por trás dessas representações que tanto
chegam até nós.
Acredito que é indiscutível o alcance da visibilidade de sujeitos LGBT no
cinema, e na cultura pop em geral. No meu entendimento, uma vitória que faz parte de
todo esse caminho que mostrou o documentário Fabulous! The Story of Queer Cinema,
e da história daqueles que lutaram para terem suas representações apresentadas nas salas
de cinema, e programas de televisão. Dentro disso, a questão queer se apresenta como
uma discussão bastante complexa perante a constante legitimação da
heteronormatividade.
Segundo Michele Aaron, as queerness moves into the centre of mainstream
production, it inevitably loses it edge (2004, p.198). A radicalidade dos teóricos e dos
cineastas que configuraram o movimento New Queer Cinema se perde na maioria das
representações atuais. O que se pensou enquanto um Cinema Queer continua
caminhando pelas margens, mas pode-se encontrar pequenas subversões, elementos
queer, em produções mais acessíveis, e que são vendidas enquanto algo mais
convencional, e que até mesmo, se moldam em gêneros clássicos do cinema.
O próprio documentário que inicia falando de produções mais independentes e
marginais, como os filmes de John Waters, ou os filmes que chegaram a Sundance no
anos de 1991 e 1992, termina por falar em produções como Billy’s Hollywood Screen
Kiss de Tommy O’Haver, D.E.B.S de Angela Robinson, e Saving Face de Alice Wu. Os
últimos são filmes que se encaixam em um tipo de história e narrativa mais tradicional,
mas apresentam elementos que contribuem para a construção de um contra-imaginário,
questionando uma verdade sobre como as pessoas vivem suas relações, sexualidades e
corpos.
Em acordo com o acima exposto é possível afirmar que a teoria queer, e as
discussões que surgem a partir da mesma, pode ser muito válida no momento da análise
de um filme, e como este apresenta seus sujeitos e suas relações. Tentando refletir sobre
como a história de determinado filme trabalhou as categorias de identidade de gênero,
sexualidade, e heteronormativdade, e se seus personagens (heterossexuais ou
homossexuais) legitimam posturas normativas ou tentam rompê-las, e quais as formas
que isso ocorre. Por isso pode ser mais interessante pensar de que forma tal história é ou
não queer, do que categorizá-la como Cinema Queer, como se isso, tivesse se tornado
uma espécie de gênero cinematográfico.
A proposta do documentário Fabulous! The Story of Queer Cinema é coerente, o
mesmo se propôs a tratar de produções que foram feitos por/sobre/para um público
LGBT, e a partir disso traça uma cronologia trabalhando a importância da visibilidade e
da construção de um outro imaginário. Porém, é importante relativizar a categoria
queer, e pensar nas outras possibilidades que ela questiona, e não se fechar apenas sobre
uma questão de sexualidade.
Referências

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MILSKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo


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ROCKY Horror Picture Show, The. Direção: Jim Sharman. 91 min, color. 1975.
What is queer cinema?

Astract: This work will analyze the documentary Fabulous! The Story of Queer
Cinema (2006), directed by Lisa Andres and Leslie Klainberg. The film aims at building
a chronology of the productions made by/for/about gays and lesbians, mainly in the
USA beginning in the 1940’s. One of the main themes the film approaches while tracing
this chronology is the question of visibility, and of how gays and lesbians as subjects
were absent from the cinematographic representations for a long time. In this sense,
beyond the thematic of visibility, the film discusses representation, voice, self-
expression, and the importance of identification with what is seen on screen. The films
cited in the documentary in some ways break with the normative patterns of femininity
and masculinity, but in what sense the term queer is thought of when referring to these
productions? According with Annamarie Jagose (1996) and Jack Halberstam (2005),
queer cannot be consideres synonym with homosexuality, meaning, thus, that not all
gays and lesbians could be considered queer. Moreover, being queer a criticism of
identity politics, would it be a coherent term to demarcate and identify certain films?
Keywords: visibility. Queer. Cinema.

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