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Provocações

Na última aula discutimos como seria possível adicionar uma dimensão de historicidade nos
modelos microeconômicos e de escolha racional. Os textos desta aula, principalmente o
trabalho de Pierson, vão de encontro aos debates travados no último encontro. Pierson
aponta a fraqueza de modelos explicativos que se sustentam em análises estáticas de
momentos específicos do tempo e que não consideram de forma apropriada a dimensão
histórica do processo social em estudo, deixando de lado a sequência dos eventos e o seu
timing. Análises sobre processos de mudança institucional que adotam perspectiva histórica
e que captam mecanismos como feedback e path dependence apresentam, quase que em
sua totalidade, abordagem metodológica qualitativa. Isto faz sentido, já que a investigação
bem-feita de trajetórias históricas demanda grande profundidade, o que, muitas vezes,
somente pesquisa documental e entrevistas, por exemplo, podem fornecer. Tais
investigações aprofundadas poderiam ajudar na empreitada de cientistas políticos que
buscam recuperar a rede de causalidades que levaram a um determinado resultado social de
interesse. As técnicas qualitativas de pesquisa estão necessariamente associadas a um
paradigma descritivo da ciência política, que foi deixado de lado há muitas décadas em
nome de um paradigma da causalidade? Como é possível identificar as redes de causalidade
que levaram a resultados específicos através de técnicas que seriam, em grande medida,
descritivas e, por isso mesmo, pouco capazes de inferir causalidade?
Pierson declara que um dos objetivos de seu livro é o de demonstrar de forma aprofundada
a validade da afirmação de que a história importa. De fato, a história importa muito na
grande maioria das vezes. Só é possível compreender o papel que a burocracia veio a
desempenhar na política americana quando se adota uma perspectiva essencialmente
histórica e temporal, como mostra Daniel Carpenter em trabalho que Pierson utiliza como
exemplo ilustrativo. No entanto, mesmo que o objetivo de Pierson seja o de qualificar a
afirmação de que a história importa, dando a ela significado substantivo e a retirando
daquela lista de máximas que de tão abrangentes e repetidas se tornam irrelevantes, é
necessário entender que os eventos históricos e a sua sequência importam de maneira
diferente e têm pesos distintosem cada caso. No entanto, mesmo com as contribuições do
autor, ainda parece ser bastante difícil estabelecer quando a história e a sequência de
eventos passados são fatores de fato determinantes e relevantes dos outcomes sob estudo.
Mesmo que se trate de um mecanismo a ser identificado nos estudos de caso, a
dependência da trajetória não se torna, na realidade, um tipo de abordagem, de “visão de
mundo”, que acaba por deixar de lado elementos não vinculados a dimensão da
historicidade, mas que seriam muito relevantes para a determinação dos resultados? A
adoção de uma abordagem histórica, no final das contas, ignora estes outros
determinantes? A adoção de uma abordagem mais “estática”, vinculada ao paradigma da
escolha racional e dos modelos microeconômicos, ignora os determinantes históricos? É
possível resolver este dilema? Quando estas duas abordagens se tornam “visões de mundo”
(no sentido de que é a maneira pela qual o cientista político enxerga a evolução das
instituições) é impossível escapar de um certo viés, armadilha, que leva os institucionalistas
históricos a sempre concluírem que a história importa em diferentes casos e que leva os
teóricos da escolha racional no campo do institucionalismo a quase sempre ignorarem a
relevância dos eventos passados?

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