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CRIMINOLOGIA
TEMAS ESPECIALIZADOS AVANÇADOS DE
CRIMINOLOGIA II
Por Rochester Araújo
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SUMÁRIO
1. A PRISÃO NA SOCIEDADE MODERNA. PRISÃO E CAPITALISMO...............................................3
2. FOUCAULT E A QUESTÃO PRISIONAL......................................................................................6
3. MARXISMO E A QUESTÃO CRIMINAL....................................................................................12
4. O REALISMO CRIMINOLÓGICO DE ESQUERDA. A ESQUERDA PUNITIVA................................16
5. VERTENTES DO ABOLICIONISMO PENAL...............................................................................17
6. A PRIVATIZAÇÃO DO CONTROLE DA PENA............................................................................19
7. RACISMO E SISTEMA PENAL.................................................................................................21
8. GÊNERO E SISTEMA PENAL...................................................................................................23
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ATUALIZADO EM 26/03/201712
Wacquant! Wacquant! Esse tema é muito ligado aos trabalhos desenvolvidos por Wacquant e
sua crítica a nova função que a prisão ocupa dentro de uma estrutura capitalista. Recortamos alguns
trechos de um artigo do Wacquant para situar melhor a questão:
estupidamente longas para crimes envolvendo drogas ilícitas e reincidência, muitos evitam entrar ou
afastam-se do comércio ilegal de rua e submetem-se aos princípios do trabalho não-regulamentado.
Para alguns dos recém-saídos de uma instituição carcerária, a intrincada malha da supervisão pós-
correcional aumenta a pressão para a opção pela vida “do caminho certo” ancorada no trabalho,
quando disponível. Em um caso como no outro, o sistema de justiça penal atua em anuência com o
workfare, para forçar a entrada da sua clientela nos segmentos periféricos do mercado de trabalho.
Segundo, o aparato carcerário ajuda a “fluidificar” o setor de empregos mal remunerados e
reduz de maneira artificial a taxa de desemprego, subtraindo à força milhões de indivíduos
desqualificados da força de trabalho. Estima-se que o confinamento carcerário tenha diminuído o índice
de desempregados nos Estados Unidos em dois pontos percentuais durante a década de 1990. Com
efeito, segundo Bruce Western e Katherine Beckett, quando se contabilizou a diferença entre o nível de
encarceramento das duas áreas, os Estados Unidos divulgaram uma taxa de desemprego mais alta do
que a média para a União Europeia durante dezoito dos vinte anos entre 1974 e 1994, contrariando a
visão propalada pelos entusiastas do neoliberalismo e críticos da “euroesclerose”.
Ainda que seja verdade que nem todos os prisioneiros fariam parte da força de trabalho se
estivessem em liberdade, a diferença de dois pontos percentuais não inclui o estímulo keynesiano
proporcionado pela explosão dos gastos públicos e do emprego em instituições correcionais: o número
de empregos nas cadeias e prisões municipais, estaduais e federais mais que dobrou nas últimas duas
décadas, saltando de menos de 300 mil em 1982,para mais de 716 mil em 1999,quando a folha de
pagamento mensal excedia US$ 2,1 bilhões9.
O crescimento penal também impulsionou o emprego no setor privado de produtos e serviços
carcerários, um setor com altas taxas de empregos precários e rotatividade, e que cresce paralelamente
à privatização da punição (já que a fonte da “competitividade” das empresas correcionais são os salários
incrivelmente baixos e os benefícios insuficientes concedidos ao seu quadro de empregados). Western e
Beckett argumentam que a hipertrofia carcerária é um mecanismo tardio, bipartido e com efeitos
contraditórios: a um só tempo doura o cenário trabalhista de curto prazo, amputando o suprimento de
trabalho na base da hierarquia ocupacional, e agrava-o a longo prazo, inviabilizando em menor ou maior
intensidade milhões de pessoas para o trabalho.
Na visão desses autores, “o encarceramento reduziu a taxa de desemprego dos Estados Unidos,
mas [...] sustentar índices baixos de desemprego no futuro vai depender da expansão do sistema
penal”10. Porém, esse argumento ignora um terceiro impacto do ultra encarceramento sobre o
mercado de trabalho, que é o de facilitar o crescimento da economia informal e de empregos abaixo da
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linha de pobreza, e o faz gerando continuamente um grande volume de trabalhadores marginais que
podem ser explorados sem quaisquer escrúpulos. Ex-detentos dificilmente podem exigir algo melhor
que um emprego degradante e degradado em razão das trajetórias interrompidas, dos laços sociais
esgarçados, do status jurídico ignominioso e do amplo leque de restrições legais e obrigações civis
implicadas.
O meio milhão de condenados que escoam das prisões americanas todos os anos fornece a
força de trabalho vulnerável apropriada para suprir a demanda de empregos temporários, o setor do
mercado de trabalho que mais cresceu nos Estados Unidas ao longo das duas últimas décadas (e que
responde por um quinto de todos os novos empregos criados desde 1984)11. O encarceramento
extremo, portanto, alimenta o emprego contingente, que é a linha de frente da flexibilização do
trabalho assalariado nas camadas mais baixas da distribuição de empregos. Além disso, a proliferação de
penitenciárias nos Estados Unidos (seu número triplicou em trinta anos, e já ultrapassa 4.800) contribui
diretamente para o crescimento e a disseminação do tráfico ilícito (drogas, prostituição, produtos
roubados), que são o motor do capitalismo de pilhagem das ruas.
(…)
A PRISÃO E O WELFARE TRANSFORMADO EM WORKFARE
Assim como no seu nascimento, a prisão como instituição está diretamente vinculada ao
conjunto de organizações e programas encarregados de prestar “assistência” às populações
desfavorecidas, e alinhada à crescente interpenetração organizacional e ideológica entre os setores
penal e social do estado pós-keynesiano. Por um lado, a lógica pan-óptica e punitiva própria ao campo
penal tende a contaminar e em seguida redefinir os objetivos e mecanismos de prestação de assistência
pública.
Desse modo, além de substituir o direito de crianças desfavorecidas à assistência estatal pela
obrigação de seus pais trabalharem após dois anos, a “reforma do welfare”,endossada por Clinton em
1996, sujeita os beneficiários da assistência pública às práticas intrusivas do registro vitalício de
informações e controle rígido, em como estabelece um monitoramento rigoroso de suas condutas — no
que diz respeito à educação, emprego, consumo de drogas e sexualidade — por força do qual podem ser
acionadas sanções administrativas e criminais.
Um exemplo: desde 1998, na região central de Michigan, os beneficiários de programas de
assistência social devem se submeter a testes de uso de drogas periódicos, da mesma forma que os
condenados em liberdade condicional ou sursis. Esses testes são realizados pelo Departamento
Penitenciário Estatal em beneficiários e presos em liberdade condicional, todos juntos nas mesmas
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instalações. Por outro lado, as instalações correcionais devem em condições de penúria e emergência
permanentes, enfrentar as adversidades médicas e sociais que a sua “clientela” não conseguiu resolver
do lado de fora: nas principais cidades do país, o abrigo para sem-teto de maior capacidade e as mais
amplas instalações para doentes mentais prontamente acessíveis ao subproletariado é a prisão
municipal16.E a mesma população oscila de um polo ao outro desse continuam institucional,
percorrendo uma trajetória quase fechada, que encerra sua marginalidade socioeconômica e intensifica
seu senso de indignação. Finalmente, as limitações orçamentárias e a moda política de “menos governo”
convergiram para intensificar as tendências da retificação do welfare, assim como as do
encarceramento.
Diversas jurisdições, como o Texas e o Tennessee, consignam uma parte considerável dos seus
condenados a estabelecimentos privados e subcontratam firmas especializadas para a administração
dos beneficiários da assistência pública, pois o estado não tem capacidade administrativa para
implementar sua nova política de combate à pobreza. Essa é uma maneira de tornar pessoas pobres e
prisioneiros (cuja grande maioria era pobre em liberdade e voltará a ser pobre quando libertada)
“lucrativos”, em termos ideológicos e econômicos.
O que nós estamos testemunhando aqui é a gênese, não de um “complexo industrial prisional”,
como é sugerido por alguns criminólogos, acompanhados por um coro de jornalistas e ativistas dos
movimentos pela justiça, mobilizados contra o crescimento do Estado Penal, mas de uma forma
organizacional verdadeiramente nova, um continuum carcerário-assistencial em parte explorado para
fins lucrativos, que é a linha de frente do Estado liberal-paternalista nascente. Sua missão é vigiar e
subjugar, e se necessário reprimir e neutralizar, as populações refratárias à nova ordem econômica que
segue uma divisão do trabalho por sexo, com o seu componente penal voltando-se sobretudo aos
homens e o componente assistencial exercendo sua tutela sobre as mulheres e crianças (desses mesmos
homens).
Ao manter a tradição política americana estabelecida durante a era colonial, esse corpo
institucional formado e in status nascendi é caracterizado, por um lado, pela interpenetração
entranhada entre os setores público e privado e, por outro, pela fusão das funções de estigmatização,
reparação moral e repressão do Estado.
concisos aqui, sobretudo em razão de já termos apresentados diversos conceitos que também foram
trabalhados com bases foucaultianas. Busque relacionar a leitura a seguir com as bases da criminologia
crítica já estudada.
O conceito de sistema carcerário no pensamento de Michel Foucault: algumas considerações.
Haroldo de Resende.
#RESUMO: Trata-se do conceito de sistema carcerário em Michel Foucault a partir de suas análises
sobre a dispersão de técnicas disciplinares por toda a sociedade, fazendo funcionar uma rede de
vigilância, controle e punição. Em uma palavra, é o carcerário. É a migração dos dispositivos penais para
todo o corpo social, provocando a difusão do instrumental técnico da instituição prisão pela sociedade,
produzindo determinados efeitos que estabelecem a formação de uma rede, cujas ligações agrupam
dispositivos disciplinares, configurando assim tal sistema em seu vivo e pleno modo de materialização.
Ao desenvolver o conceito de carcerário Foucault desloca a noção de sistema penitenciário do ambiente
puramente prisional para a sociedade inteira, mostrando que tal conceito e suas relações não
pertencem estritamente ao campo jurídico-penal, propriamente dito, mas é algo que se generaliza,
espraiando-se por todas as relações sociais. A onipresença dos mecanismos disciplinares na sociedade
garante o reinado do carcerário, permitindo compreender que a instituição prisão não se limita a muros
e grades, mas está arraigada em nós, fazendo-nos exercer o poder normalizador realizando, a cada dia,
um pouco do carcerário. Palavras-chaves: sistema carcerário, prisão, poder disciplinar.
dispersão generalizada da técnica penitenciária. É a transposição dos dispositivos carcerários para todo
o corpo social, provocando a difusão do instrumental técnico da instituição penal.
fabricada num encarceramento e por um encarceramento que a prisão no fim de contas continua por
sua vez. A prisão é apenas a continuação natural, nada mais que um grau superior dessa hierarquia
percorrida passo a passo. O delinquente é um produto de instituição, não admira, pois, que, numa
proporção considerável, a biografia dos condenados passe por todos esses mecanismos e
estabelecimentos dos quais fingimos crer que se destinam a evitar a prisão (Foucault, 1991, p. 263).
2. 3. A naturalização do poder de punir
O carcerário naturaliza e legitima o poder de punir. Há, pela própria continuidade e progressão
instaurada pelo carcerário, que estabelece relações interinstitucionais de poderes disciplinares que vão
das minúsculas sanções até a grande detenção, uma naturalização e legitimação do poder de punir. Pelo
efeito extensivo do sistema carcerário, em sua linha de progressão e continuidade, a prisão, enquanto
forma de disciplina, autoriza o poder disciplinar, dando-lhe uma espécie de garantia legal, legitimando-o
em sua função de punir.
De um extremo a outro dessa rede, que compreende tantas instituições ‘regionais’,
relativamente autônomas e independentes, transmite-se com a ‘forma-prisão’, o modelo da grande
justiça. Os regulamentos das casas de disciplina podem reproduzir a lei; as sanções, imitar os veredictos
e as penas; a vigilância, imitar o modelo policial; e acima de todos esses múltiplos estabelecimentos, a
prisão que é em relação a todos eles uma forma pura, sem mistura nem atenuação, lhes dá uma
maneira de caução de Estado (Foucault, 1991, p. 264).
Assim, qualquer sombra de arbitrariedade das disciplinas e seu funcionamento de poder
desaparece frente à chancela que a prisão lhes oferece, pois a ação de tais disciplinas é a mecânica do
próprio aparelho judiciário, evitando, justamente o aprisionamento, máxima intensificação da disciplina.
É nesse sentido que o carcerário estabelece a naturalização do poder de punir, ou seja, é como se o
caminho da progressão dos aparelhos disciplinares levasse naturalmente à prisão que, por sua vez, não
iniciaria nenhum trabalho disciplinar, nenhum processo de adestramento, mas apenas daria
continuidade a um trabalho já iniciado além de seus muros, na amplidão do corpo social, sobre cada
indivíduo, por intermédio de toda uma gama de mecanismos disciplinares.
2. 4. A instauração do poder normalizador
O carcerário instaura o poder normalizador. A rede carcerária com suas canalizações
espalhadas no corpo social em seus esquemas de observação, vigilância, organização, concentração,
disseminação, traça uma forma muito singular de operacionalização do poder (Cf. Foucault, 1991: 265),
fundando a norma como sendo uma nova espécie de lei na qual aspectos legais, propriamente ditos,
naturais, prescritivos e constitutivos se misturam para estabelecer um padrão de julgamento que deve
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estar condizente com aquilo que é normal, que está nos parâmetros de normalidade. O juiz em seu
papel de julgar e condenar ou absolver terá, antes como atividades de base desse papel a função de
diagnosticar, medir, comparar, enfim, verificar se se trata de algo normal ou anormal.
Essa função judiciária, exercida pelo juiz, tem seu patamar de atuação ditado pela lei, mas em
sua essência provém do poder normalizador. E, em nossa sociedade panóptica, esse funcionamento do
poder judiciário ganha terreno na sociedade inteira, extravasando os limites puramente judiciários.
Levado pela onipresença dos dispositivos de disciplina, apoiando-se em todas as aparelhagens
carcerárias, este poder se tornou uma das funções mais importantes de nossa sociedade. Nela há juízes
da normalidade em toda parte. Estamos na sociedade do professor-juiz, do médico-juiz, do educador-
juiz, do assistente-social juiz; todos fazem reinar a universalidade do normativo; e cada um no ponto em
que se encontra, aí submete o corpo, os gestos, os comportamentos, as condutas, as aptidões, os
desempenhos (Foucault, 1991, p. 266).
2. 5. A formação de conhecimento
O carcerário torna-se instrumento para formação de conhecimento. A gestão dos homens em
toda a aparelhagem punitiva da sociedade requer saberes específicos para a própria manutenção desse
aparelho de punição e que, por sua vez, são produzidos exatamente a partir do funcionamento desse
aparelho. Ao fixar, separar, hierarquizar, registrar, dividir, a máquina panóptica acabou por desenvolver
a atividade do exame que propiciou a objetivação do comportamento humano (Cf. Foucault, 1991, p.
266). A política do corpo introduzida, no sentido de administrar a vida dos homens, deu lugar a uma
formação de saber, já que essa modalidade específica de poder trazia a exigência de correlacionar
conhecimentos definidos nas relações de poder. “Homem conhecível (alma, individualidade,
consciência, comportamento, aqui pouco importa) é o efeito-objeto desse investimento analítico, dessa
dominação-observação” Foucault, 1991, p. 267).
2. 6. A resistência ao fim ou à modificação da prisão
O carcerário produz uma resistência ao fim ou à modificação da prisão. Fazendo funcionar o
regime do panoptismo, em que os dispositivos disciplinares, na densidade de sua rede, nunca se
desligam e têm na prisão a representação máxima do funcionamento dessa rede, onde todos vigiam em
nome da normalidade, o carcerário está de tal forma arraigado na sociedade inteira, que qualquer
projeto de mudança da estrutura prisional é prontamente rejeitado.
Nesse sentido, convém lembrar a argumentação de Foucault, segundo a qual, quando se
pretende modificar o regime de encarceramento, as dificuldades não vêm só da instituição judiciária; o
que resiste não é a prisão-sanção penal, mas a prisão com todas as suas determinações, ligações e
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efeitos extrajudiciários; é a prisão como recurso de recuperação na rede geral das disciplinas e das
vigilâncias; a prisão tal como funciona num regime panóptico (Foucault, 1991, p. 267).
Em suma, o que Foucault faz ao desenvolver o conceito de carcerário é deslocar a noção de
sistema carcerário, de penitenciário, do ambiente puramente jurídico para a sociedade inteira. Sua
análise mostra como o conceito e suas relações não pertencem estritamente às malhas da justiça, ao
poder judiciário propriamente dito, mas é algo que se generaliza, espraiando-se por todos os cantos.
A onipresença dos mecanismos disciplinares na sociedade inteira garante o reinado do
carcerário. A prisão com suas ligações, determinações e efeitos não pode ser entendida apenas como
um lugar específico para onde se levam aqueles que “necessitam de seu tratamento por algum crime
cometido”. A prisão não se restringe aos seus muros e grades, ela está no meio de nós e em cada um; e
cada um, em maior ou menor grau, exercendo o poder normalizador, realiza um pouco do carcerário a
cada dia. Ao se espalhar pelo corpo social o carcerário também toma conta de nossos corpos que
também ficam presos aos exercícios específicos do poder disciplinar.
(Disponível em: http://anais.anpuh.org/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S24.1192.pdf)
criminoso traz uma diversão à monotonia da vida burguesa; defende-a do marasmo e faz nascer essa
tensão inquieta, essa mobilidade do espírito sem a qual o estímulo da concorrência acabaria por
embotar. O criminoso dá, pois, novo impulso às forças produtivas...” — Karl Marx (“apud” Henri
Lefebvre. Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense, 1968, pp. 79 e 80).
No “Dicionário do Pensamento Marxista"[1], cuja leitura recomendo fortemente aos
que desejam ser iniciados no assunto, o sociólogo britânico Tom Bottomore nos oferece um escorço
sobre a visão de Marx e Engels a respeito da questão criminal. Bottomore nos ensina que nos diferentes
textos marxistas em que se discutem crime e criminalidade, destacam-se temas bem definidos.
Primeiro, o crime é analisado como o produto da sociedade de classes. Em "A condição da
classe trabalhadora na Inglaterra", Engels argumenta que a degradação dos trabalhadores ingleses,
acarretada pela expansão da produção fabril, despojava-os de vontade própria, conduzindo-os
inevitavelmente para o crime. A pobreza fornecia a motivação, e a deterioração da vida familiar
interferia na educação moral adequada das crianças. Engels observou, porém, que o crime é uma reação
individual à opressão, ineficaz e facilmente esmagada. Por esse motivo, os trabalhadores cedo voltaram-
se para formas coletivas de luta de classes. Mas o ódio de classe, alimentado por essas reações
coletivas, continuava a dar lugar a algumas formas individualistas de crime.
Em outros textos, como "Esboço de uma crítica da economia política", "Discurso de Elberfeld" e
“Anti-Duhring”, Engels atribuiu o crime à competitividade da sociedade burguesa, que favorece não só
os crimes cometidos por trabalhadores empobrecidos, como também a fraude e outras práticas
comerciais enganosas. Citando estatísticas criminais da França e da Filadélfia, Marx afirmou em "Capital
punishment", artigo escrito para o New York Daily Tribune (18 de fevereiro de 1953), que o crime era
menos um produto de instituições políticas peculiares de um dado país do que "das condições
fundamentais da sociedade burguesa em geral".
Dessa concepção sobre as causas do crime resulta que as medidas policiais repressivas não o
eliminam, apenas o contêm. A erradicação do crime não prescinde de condições sociais radicalmente
transformadas. O progresso da civilização já havia reduzido o nível de crimes violentos (mas aumentava
o crime contra a propriedade); uma sociedade comunista, ao suprir as necessidades individuais,
eliminando a desigualdade e dando um fim à contradição entre o indivíduo e a sociedade, "cortaria o
crime pela raiz", assegurou Engels em seu "Discurso de Elbelferd". Mais tarde, Marx observou que a
ascensão da classe trabalhadora na Comuna de Paris tinha virtualmente acabado com o crime (A guerra
civil na França).
Willem A. Bonger, social-democrata holandês (um dos muitos criminalistas de fins do século XIX
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e início do século XX influenciados, simultaneamente, pelo pensamento marxista e pelo positivismo não
marxista), procurou refletir sobre a relação entre capitalismo e crime propondo que a competitividade
do capitalismo dava lugar ao egoísmo - busca dos interesses pessoais em detrimento de outrem.
Embora socialmente prejudicial, o comportamento egoísta é encontrado em todas as classes, mas a
força política da classe dominante confere a suas modalidades particulares de comportamento
explorador uma imunidade pelo menos parcial em relação à responsabilidade criminal.
O crime, pensava Bonger, só desapareceria quando o socialismo abolisse as fontes sociais do
egoísmo. Análises marxistas mais recentes do crime tentaram entender a criminalidade entre as classes
subalternas como uma adaptação ou resistência à dominação de classe e a criminalidade da classe
dominante como um instrumento de dominação de classe. Quando se transformaram as relações de
classe numa determinada formação social, mudaram também os padrões do crime, assim Taylor,
Walton, Young, Edward Palmer Thompson etc.
Um segundo aspecto tematizado pelos pensadores marxistas é a crítica da justiça criminal. Uma
das dimensões dessa crítica refere-se ao fracasso da imposição da lei nas sociedades capitalistas, no que
diz respeito à concretização dos próprios ideais manifestos de respeito justo e imparcial da lei. Em
artigos publicados em Vorwarts, em 1844, Engels observou que o processo criminal inglês, com a sua
exigência de que o cidadão tivesse propriedade para servir no júri, funcionava a favor das classes
abastadas. Discriminações odiosas no cumprimento da lei têm merecido atenção contínua da
criminologia radical norte-americana.
Outra dimensão concerne aos aspectos ideológicos da justiça criminal. Marx e Engels iniciaram
essa crítica em "A Sagrada Família", e Marx retomou-a em um dos artigos que escreveu para o New York
Daily Tribune (16 de setembro de 1859), intitulado "Population, Crime and Pauperism", onde criticou as
justificações filosóficas da pena criminal por sua abstração, sua incapacidade de situar os criminosos nas
circunstâncias sociais concretas que deram lugar a seus crimes. Textos contemporâneos buscaram fazer
avançar a crítica da ideologia, através de análises críticas de explicações criminológicas das causas do
crime, e da representação do crime nos meios de comunicação de massas. Podemos citar novamente
Taylor, Walton e Young e, muito especificamente num contexto latino-americano, apesar de não ser
marxista, o professor Zaffaroni.
Em um outro nível, a crítica da justiça criminal assumiu a forma de uma economia política de
controle do crime. Rusche e Kirchheimer (1939) explicaram as mudanças históricas das práticas
punitivas desde a Idade Média até o século XX em termos de controle do trabalho. Durante épocas de
escassez de força de trabalho, as instituições penais (a prisão, a casa de correção, as galés) poderiam ser
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criminalização da pobreza na própria pele. Em certa ocasião, o próprio Marx, em estado de grande
necessidade, saiu para penhorar algumas pratas domésticas. Ele não estava particularmente bem
vestido e seu domínio do inglês não era tão bom (como se tornou mais tarde). As pratas, infelizmente,
como se descobriu depois, portavam o timbre da família do Duque de Argyll, os Campbells, com cuja
casa a senhora Marx estava diretamente conectada. Marx chegou ao Banco dos Três Globos e
apresentou suas colheres e garfos. Noite de sábado, judeu estrangeiro, roupa desordenada, cabelo e
barba grosseiramente penteados, bela prata, timbre nobre - evidentemente, uma transação, de fato,
bastante suspeita. Assim pensou o dono da loja de penhores a quem Marx se dirigiu. Ele, portanto,
deteve Marx, com base em algum pretexto, enquanto chamava a polícia. O policial teve a mesma
opinião que o dono da loja de penhores e levou o pobre Marx para a delegacia de polícia. Ali, outra vez,
as aparências jogavam fortemente contra ele... Assim Marx recebeu a desagradável hospitalidade de
uma cela policial enquanto sua ansiosa família lamentava seu desaparecimento.
(Disponível em: http://justificando.com/2015/05/28/o-pensamento-marxista-sobre-crime-e-
criminalidade/)
o fortalecimento do movimento de Lei e Ordem na década de 80, a Criminologia Crítica, que vinha em
desenvolvimento desde a década de 60, passou por uma divisão, na qual se estruturaram diversos
movimentos teóricos, dentre estes, o Realismo de Esquerda. Esse movimento, que se desenvolveu
principalmente na Inglaterra, fez uma crítica às teorias criminológicas existentes, que estabeleciam suas
teorias sem levar em consideração diversos fatores que influenciavam no processo criminal.
O Realismo de Esquerda, então, buscou abarcar todos os aspectos do processo criminal:
Sociedade, Estado, Criminoso e Vítima; e, em oposição aos movimentos político-criminais repressivistas,
prioriza políticas criminais preventivas.
desinstitucionalização.
A censura que se faz à criminologia abolicionista é que ela não possui anuência da maioria dos
povos, já que a realidade social e a estruturação dos governos de muitos países não incitam a
implantação dos sistemas abolicionistas. Ele é considerado utópico, não deixando claro que os conflitos
sociais irão desaparecer com a abolição do sistema penal, mas se funda na crença que este serve apenas
como instrumento de falsa resolução dos conflitos. Não há como se extinguir a violência da sociedade,
mas se pode tentar diminuí-la priorizando a queda da desigualdade que privilegia o interesse das classes
dominantes, as quais ficam isentas dos processos de criminalização que são desviados para as classes
inferiores.
Por fim, surgida também na década de 80, se tem a corrente minimalista, onde o conceito de
ultima ratio é, em tese, simples. Consiste basicamente em relegar ao Direito Penal apenas o
estritamente necessário, deixando que casos menos graves sejam resolvidos em outras searas do
Direito. É o dito “minimalismo penal”, corrente que defende uma menor atuação do Direito Penal tendo
em vista o caráter opressor e muitas vezes desnecessário deste, ainda mais quando é usado
incisivamente contra as classes mais débeis para reafirmar relações de poder. Em um cenário de direito
penal mínimo a ultima ratio legitimaria o Direito Penal apenas nos casos mais graves, aonde nenhuma
outra área do Direito é capaz de prover uma pena que repare de maneira justa os danos causados pelo
crime e pelo criminoso. Em suas essências, o minimalismo parece muito com o abolicionismo,
justamente pela interpretação crítica do direito penal como ferramenta de domínio das classes
hipossuficientes. É uma das várias visões que existem a respeito do direito penal mínimo, havendo
quem inclusive discorde pelo caráter permissivo e pelo perigo de não se punir, por exemplo.
Em resumo, a criminologia minimalista grita por uma menor intervenção do direito das penas
em assuntos que, de fato, não exigem penas. Hoje isso se vê nos Juizados Especiais Criminais, aonde
reparações alternativas são propostas para evitar a restrição, de direitos e de liberdades, de pessoas que
não representam real ameaça à sociedade. O que deve ser levado em consideração é que o
minimalismo parte do pressuposto que o crime nada mais é do que um reflexo da condição
socioeconômica, o que se sabe, não é uma verdade absoluta. Ainda que seja uma proposta honesta e
munida de boas intenções, se deve antes de qualquer coisa, pensar nas possíveis consequências de
deixar de punir evitando assim um retorno ao estado de natureza, aonde o pacto social não mais inspira
temor e a justiça não mais respira aquilo que, de fato, é justo.
(http://www.simposiodedireitouepg.com.br/2014/down.php?id=1032&q=1)
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Prisões privadas: benefícios privados, custos públicos Para muitos estudiosos, o endurecimento
da legislação penal americana explica-se por uma perversa conjugação de interesses, tendo como pano
de fundo a “guerra contra as drogas” (“war on drugs”), que tem contribuído para a edição de leis cada
vez mais severas, o que significa mais gente presa e mais lucros para as companhias que atuam nessa
área.
De um lado, encontram-se políticos explorando, em proveito próprio, uma percepção da
criminalidade gerada e estimulada pela mídia, que se traduz em acentuado medo da população,
desproporcional à quantidade de crimes praticados. A influência da mídia nessa amplificação do medo
não pode ser negligenciada: estudos mostram, por exemplo, que, entre 1991 e 1993, triplicou o tempo
dedicado à violência na televisão e que, no mesmo período, o medo do crime aumentou 6 vezes.26 De
outro lado, estão lobistas de companhias que constroem e operam prisões, intermediando verbas para
financiar campanhas desses mesmos políticos. O Senador Phil Gramm, por exemplo, que é considerado
o pai dos mandatory minimums, foi um dos maiores beneficiários dos fundos de campanha das
companhias que gerenciam prisões privadas.
Parentes de deputados são contratados como lobistas e associações diversas entre políticos e
“carcereiros” privados já foram denunciadas. Todos desejosos de se beneficiarem dos lucros que o crime
proporciona. No Brasil, com o crescimento das privatizações, o debate sobre vantagens e desvantagens
de prisões privadas começa a ganhar realce. Muitos juristas sustentam que a privatização de prisões é
ilegal e inconstitucional, mas este é um argumento frágil, porque leis e Constituições são alteradas com
freqüência neste canto do mundo, como todos sabemos.
A privatização de prisões é inaceitável sobretudo do ponto de vista ético e moral. Numa
sociedade democrática, a privação da liberdade é a maior demonstração de poder do Estado sobre seus
cidadãos e, como tal, só deve ser exercida pelo próprio Estado. Licitar prisões é o mesmo que oferecer o
controle da vida de homens e mulheres a quem der o melhor preço, como se o Estado tivesse o direito
de dispor dessas vidas a seu bel-prazer. Mas os defensores das prisões privadas não estão preocupados
com questões legais, éticas ou morais, e procuram justificar a privatização com o argumento de que a
iniciativa privada teria capacidade de gerir prisões com mais eficácia, oferecendo um serviço de melhor
qualidade a custos menores.
Tal argumento foi invalidado pelo General Accounting Office, órgão do governo norte-
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americano, que, ao analisar estudos comparativos, realizados em diversos estados daquele país,
concluiu não existirem evidências de que as prisões privadas custem menos que aquelas geridas pelo
poder público. Nos EUA, já existem 150 dessas prisões, distribuídas por estados, abrigando, no total, 5%
da população carcerária norte-americana. Se o contribuinte não está ganhando com isso, quem está? E
por que cresce o número de prisões privadas nos Estados Unidos? Em primeiro lugar, estão ganhando as
companhias que constroem e operam prisões. A Corrections Corporation of America tem a maior fatia
desse mercado e o valor total de suas ações passou de 50 milhões de dólares em 1986 para 3,5 bilhões
em outubro de 1997, o que significa um incremento de 6.900% em 11 anos.
Não é de admirar que os executivos dessas companhias andem alardeando que o crime
compensa e que têm nas mãos um negócio hoteleiro fantástico, com garantia de 100% de ocupação
permanente. Segundo eles, trata-se de um ramo privilegiado, porque as prisões “não poluem, não saem
do mercado e não encolhem” (“they don’t pollute, they don’t go out of business, they don’t get
downsized”).
Mas qual a estratégia para manter a todo vapor esse negócio fabuloso? Funcionários de prisões
privadas revelaram sofrer pressão para punir os presos com rigor, mesmo pelas faltas mais leves, de tal
forma que possam ser adiadas as concessões de livramento condicional. É a privatização de prisões
ameaçando o cumprimento da pena dentro da legalidade.
Muitas companhias transformam seus funcionários em acionistas. Assim eles serão os
primeiros a querer manter esta rede hoteleira “sui generis” permanentemente ocupada. Quanto mais
“hóspedes”, mais lucros com a valorização de suas ações. O negócio das prisões privadas já se tornou
tão lucrativo que companhias contratam brokers (agenciadores) que negociam lugares nas prisões entre
estados interessados. A situação chegou a níveis tão absurdos que há presos do Havaí cumprindo pena
em prisões do Texas, onde existem vagas ociosas.
Além de não existirem estudos demonstrando serem as prisões privadas menos caras, não há
qualquer indicação de que estas prestem um serviço de melhor qualidade. Ao contrário, inspeções
realizadas por agências governamentais já indicaram que a necessidade 18 de reduzir custos para tornar
a operação dessas prisões mais lucrativa tem levado seus administradores a cortar pessoal e pagar
salários menores, o que provoca um alto grau de rotatividade do corpo funcional, comprometendo
seriamente o trabalho desenvolvido.
Relatórios demonstram que o nível de violência em alguns estabelecimentos privados,
sobretudo em razão da falta de experiência de seus profissionais, é muito superior ao encontrado nas
unidades públicas. Por todos esses motivos, os críticos da privatização de prisões garantem que hoje,
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nos Estados Unidos, não é o contribuinte quem está ganhando. A privatização de prisões,
contrariamente ao que acontece em outros setores, significa apenas privatizar os dólares dos impostos,
transformando dinheiro público em lucro privado.
É um negócio impulsionado pela caríssima política de “endurecimento” penal, cujo suposto
objetivo é reduzir a criminalidade e aumentar a segurança da população, mas cujo real benefício acaba
sendo uma maciça transferência de recursos públicos para os que exploram a chamada “indústria de
controle do crime”: como se ouve frequentemente entre empresários do setor, “é só construir [as
prisões] que eles [presos] virão” (“build and they will come”). O que significa também uma crescente
subordinação do Sistema de Justiça Criminal aos interesses dessa “indústria”:27 quanto mais repressivo
o sistema, mais ela cresce; quanto mais alta a taxa de encarceramento, melhor.
Países como o Brasil, que precisam investir na redução da pobreza e das miseráveis condições
de vida de parcelas tão grandes da população, não podem deixar-se iludir pelo falso fascínio das prisões
privadas. Privatizar prisões é permitir que o dinheiro dos impostos encha os bolsos de aventureiros e
que o nosso já combalido Sistema de Justiça Criminal se torne refém dos interesses de quem lucra com
o crime.
(Disponível em: http://www.ucamcesec.com.br/wordpress/wp-
content/uploads/2011/06/Controle-da-criminalidade_mitos-e-fatos.pdf)
O sistema carcerário brasileiro tem cor. Essa é uma consideração, que infelizmente não pode
ser vista como absurda, já que ao avaliar as condições humanas, em que a população negra foi
submetida, será fácil perceber que, essa se encontra em grande vulnerabilidade social. Durante o pós-
escravidão, a população negra brasileira, foi jogada a esmo, ficando a margem da sociedade, que via o
ideal de “perfeição”, algo similar ao perfil europeu. Dessa forma, não houve nem um espaço para o
negro, e nem para o indígena, no que tange a “evolução” da sociedade brasileira.
Durante o final do século 19 e começo do século 20, o Brasil passa por uma grande
transformação em sua estrutura social e urbana. Com advento da segunda revolução industrial, e após
os conhecimentos da evolução humana, proposta por Darwin, muitos dos valores, que antes eram
considerados como normais- a escravidão que antes era vista como algo normal, passa a ser vista com
maus olhos- foram caindo por terra. As lutas abolicionistas, que bebiam muito dos ideais positivistas, e
evolucionistas da época, não tinham apenas o intuito de livrar o negro da senzala. Escritores
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abolicionistas como Joaquim Manoel de Macedo, afirmava que o contato do homem branco, com o
homem negro, era algo extremamente danoso para o homem branco.
As ideias que estavam sendo amplamente divulgadas nessa época, traziam em seu bojo um
ideário, da existência de uma “raça superior”. Dessa forma, todas as raças consideradas não brancas,
eram tidas como “menos evoluídas”.
Dentro dessa conjuntura os negros foram excluídos e tiveram suas imagens marginalizadas.
Muitos por causa do descaso do Estado, e do restante da sociedade, sem poder gozar do status pleno de
cidadão, terminaram por buscar alternativa em praticas ilícita. Nina Rodrigues e Thobias Barreto, dois
dos principais divulgadores das ideias eugênicas, afirmavam que os negros se encontravam em situações
degradantes, por causa da sua inferioridade racial.
Recorriam a práticas da antropometria- mediam partes dos corpos como nariz, córtex cerebral,
dizendo que pessoas que supostamente, tivessem traços fenotípicos de um negro, seriam marginais em
potencial – estudos como esse, foram um combustível para o desenvolvimento da antropologia criminal.
Um caso que pode servir como “ilustração” desses perfis de criminosos, foi o recente caso do ator que
ficou preso 16 dias, sem ter ao menos uma prova cabal contra ele. A justificativa para tal prisão foi que
ele parecia com um suposto assaltante.
Não é preciso dizer que esse ator, era negro, e mesmo ele estando “bem vestido”, não escapou
do estigma de ser um suposto bandido. Seguindo essa lógica, o homem negro ficou mais longe da
sociedade, e esteve mais perto do cárcere. Cabe dizer que de escravizado, ele passou a ser um
“criminoso” em potencial, tendo seus hábitos, religiosidade, e imagem, passiveis de criminalização.
Muitos foram presos apenas por estarem cultuando o candomblé, ou jogando capoeira (as casas de
candomblé para funcionar, deveriam ser registradas na delegacia de jogos e costumes, e a capoeira foi
proibida até a década de 30).
Essa é uma forma evidente, que mostra o racismo estampado na história da nossa sociedade.
Racismo esse, que gerou sequelas existentes ainda hoje em nosso seio social. Um fato histórico não fica
enterrado no passado, longe do nosso presente. E sabendo disso, pode-se perceber os péssimos frutos
colhidos por esse sistema excludente, que foi instaurado no Brasil durante anos.
Atualmente, mais que da metade do número de presos, são pertencentes à raça negra.
Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (2013) cerca de 54% dos detentos são pretos e pardos.
Há quem queira recorrer para os estudos da eugenia, e afirmar que estes presos, são a prova viva dos
experimentos de Nina Rodrigues. Muitos preferem ignorar o fato, que muitos desses que estão presos,
são na verdade vítimas do racismo institucional.
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O racismo institucional, funciona basicamente, com ampla e total deficiência do sistema público
-falhas na educação, falta de emprego, lazer, aumentam a proximidade com a criminalidade. Segundo
uma pesquisa, feita pelo IBGE (2010) aponta que, a taxa de alfabetização entre negros e brancos é algo
completamente desigual. Os dados mostram que pretos e pardos apresentaram taxa de analfabetismo
de 14,4% e 13% respectivamente, enquanto brancos apresentaram 5,9%. Com essa deficiência, só
restam as vagas nos sub empregos, ou a criminalidade.
O sistema carcerário, não é apenas uma forma de corrigir um sujeito, por um ato infracional
cometido. Ele na verdade, é uma forma de desumanização e exclusão da humanidade, da pessoa que
venha cometer um delito. Para Foucault (1975) a prisão servia para manter os corpos “dóceis”,
obedecendo as lógicas do meio social. Porém, as prisões se mostram como o local onde a redenção, e a
inclusão do marginalizado, se tornam verdadeiros mitos, e o número de reincidentes, se transformam
em regras concretas. Essa precariedade do sistema prisional, mesclado com o racismo velado, faz com
que muitos desses “marginais”, permaneçam na mesma posição social.
Esses agravantes devem ser resolvidos com seriedade, e devem ser enxergados como
problemas urgentes. Não se pode mais ignorar o fato do racismo institucional, e ter a inabilidade de não
perceber os efeitos disso, dentro da nossa sociedade. Cabe tanto ao poder público, quanto ao restante
da sociedade brasileira, um verdadeiro combate ao racismo, e uma verdadeira garantia de equidade e
de humanização das minorias que se encontram em vulnerabilidade social. Só dessa maneira, será
possível retirar a população negra da sombra da criminalidade.
(https://escrevivencia.wordpress.com/2014/07/30/a-questao-racial-e-o-sistema-prisional-
brasileiro-breve-historico-sobre-a-marginalizacao-do-negro/)
Quando se trata de gênero e Sistema Penal, uma primeira perspectiva mais evidente que surge
é a da proteção jurídica da mulher através do direito penal, sobretudo em razão do símbolo que
representa a Lei Maria da Penha. Todavia, o edital apresenta a questão da lei Maria da penha específica
em outro tópico. Por isso, aqui, iremos abordar o tema sobre outro enfoque: o aprisionamento
feminino.
Para tanto, segue parte do artigo de Rochester Araújo (sou eu, gente! Não é outro Rochester
não) que aborda o tema. O artigo na integra você pode ler depois da aprovação!
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aplicação da proteção à mulher baseada na Lei Maria da Penha se diferencia de um sistema punitivista
puro que a criminologia critica denuncia, sendo um novo modelo que é regido por uma lógica diversa do
modelo misógino central no direito penal; d) independentemente dos pontos nevrálgicos existentes
entre as perspectivas, há um espaço aberto de total compatibilidade, voltado para o estudo do
fenômeno do encarceramento feminino; e) a pauta do movimento feminista, apesar de contar com
contribuição paralela, deve ser definida pelo próprio movimento, e não pode ser exigido desta que seja
vanguardista em uma política abolicionista criminal quando é, simultaneamente, a parcela da população
que sofre maior violência de gênero e que vem sendo aprisionada de forma alarmante.
Assim, contornando o debate, passamos a discutir o alarmante índice de encarceramento
feminino no cenário nacional e capixaba, bem como problematizar alguns aspectos e verificar o quanto
os movimentos feministas e os movimentos abolicionistas ou minimalistas podem contribuir para a
solução dessa questão.
(…)
O perfil da mulher presa capixaba na Unidade Prisional de Bubu se aproxima muito da realidade
nacional estampada nos números oficiais, sobretudo quando destacamos aspectos da sua
vulnerabilidade sócio econômica como a escolaridade, raça, idade e taxa de emprego e renda. Outros
aspectos, específicos das detentas de Bubu, levantadas pela pesquisa institucional, corroboram que as
mulheres presas em cumprimento de pena são aquelas mais vulneráveis da sociedade, tais como o
número elevado de filhos, o local de residência antes da prisão e a presença de outros familiares presos.
Todavia, um índice que embora presente de forma já alarmante no cenário nacional, no
contexto capixaba desperta ainda mais atenção, é o tipo penal que permite as instâncias formais de
punição atuarem: o comércio de drogas ilícitas. Enquanto no cenário nacional esse índice aponta para
cerca de 60% das mulheres presas respondem ou responderam criminalmente por tráfico de drogas, no
Espírito Santo esses índices chegam a 80%. A predominância absoluta do encarceramento feminino em
razão do tráfico de drogas suscita uma problematização que imbrica uma perspectiva feminista com
uma criminologia crítica, afastando-se de antemão a possibilidade de tensão entre as instâncias a partir
do sujeito que é investigado: a mulher no cárcere.
A partir da comunicação entre as teorias feministas com a crítica criminológica, é possível
apontar que o gênero é um elemento de implemento da vulnerabilidade, sobretudo em razão da
criminalização do tráfico de drogas. Os contextos familiares, econômicos e sociais de onde provém as
mulheres que são objeto de atuação das agências de controle acabam por gerar uma exposição da
mulher, transformando as construções sociais a respeito do afeto e os papéis à serem impostos à
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#ACEREJADOBOLO
CULPABILIDADE POR VULNERABILIDADE
Começando, é bom lembrar um conceito de culpabilidade - Culpabilidade normativa: juízo de
reprovação do agente por ter praticado um fato típico e antijurídico – (culpabilidade como juízo
negativo). Essa ideia está muito vinculada ainda à perspectiva do livre arbítrio (fez porque quis, paga!).
Teoria da coculpabilidade surge questionando esse livre arbítrio em razão da participação da sociedade
nas escolhas de determinadas classes.
Pressupostos: sociedade extremamente desigual – pessoas em condições diversas – sociedade também
tem parcela de culpa por determinadas condutas, já que é responsável por deixar aquela pessoa na
situação de pobreza. Causou a marginalização do indivíduo, e, por isso, fez surgir condições propícias
para o delito!
O problema central aqui é associar a pobreza ao cometimento de crimes (determinismo social). É a
ideia de “pratica crime já que é pobre” que justificaria uma responsabilização também da sociedade, e,
portanto, a coculpabilidade. O fundamento é achar que o indivíduo tem uma autodeterminação
reduzida (aquela ideia do livre arbítrio), em razão das condições sociais em que se encontra, e por isso
pode-se reduzir a sua pena (fundamento legal genérico no art. 66, CP).
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Associar crime e pobreza assim é um erro por várias razões. Não tem base empírica: você deduz que
pobre comete mais crime já que tem mais pobre preso. É a mesma falha que Lombroso cometia lá no
passado ao olhar pra prisão e vê várias pessoas que tinham mesmos traços físicos que eu (Rochester)
presos, e disso deduzir que eles cometem mais crimes. A questão é que se prende mais (apenas) pobre
(ideia principal da vulnerabilidade, mas falo mais na frente). Além disso, a coculpabildiade só teria
serventia para delitos patrimoniais. E também você incentiva o punitivismo. Enfim, vários problemas.
Mas o principal é o do início ai.
Não dá para dizer que foi superada totalmente, mas teoricamente, sim. Zaffaroni mesmo é um crítico
da teoria. Mas ela tem um “apelo” grande ainda já que é fácil difundir esse raciocínio em que ela se
baseia. Pra vocês, por favor, está superada.
A culpabilidade por vulnerabilidade está relacionada sobretudo ao conceito de criminalização
secundária: todo mundo comete crime – e o sistema repressivo não consegue (não quer sobretudo)
perseguir todo mundo, e a partir daí ele é seletivo e busca sempre perseguir e punir determinados
sujeitos.
Com isso, a mídia, a economia, as agências estatais de criminalização e etc. formam os estereótipos
criminais que passam a ser alvos de todo o mecanismo de legitimação (Polícia, MP, “chance de defesa”,
Judiciário, condenação, prisão).
Reconhecendo tudo isso, se constrói uma ideia de direito penal que deveria servir para limitar o poder
punitivo, operando de forma contra-seletiva (basicamente quem não é abolicionista e acha que ainda
pode salvar o Direito Penal).
A ideia da culpabilidade passa a ter um elemento a mais. Antes, a culpabilidade é pelo ato (livre arbítrio
e autodeterminação). Mesmo no caso da coculpabilidade é uma redução da autodeterminação dessa
lógica. Já aqui, você acrescenta um dado real na análise da culpabilidade, que seria a seletividade.
Seletividade nada mais seria do que o estado de vulnerabilidade que não se confunde com a situação
de vulnerabilidade. Estado de vulnerabilidade é mais abstrato – é o conjunto de fatores que a
sociedade estabelece como estigmas e seletividade (ser preto, pobre, analfabeto, morador de
periferia). A situação de vulnerabilidade é mais concreta e é uma espécie de esforço que a pessoa faz
para sair do seu estado de vulnerabilidade e passar para uma situação em que corre efetivamente o
risco de ser pega (comete um crime e ser presa ou investigada). É esse esforço que deve pautar a
análise da culpabilidade.
Exemplificando: sou branco, classe média e morador de bairro bom. Meu estado de vulnerabilidade é
baixo. Para eu ingressar numa situação de vulnerabilidade eu tenho que ter um esforço grande! Sair
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fumando baseado aqui no elevador, com mais 3 kg na bolsa, usando camisa da Dilma e arrumar briga
com o promotor que é sindico do prédio. Pessoas em estado de vulnerabilidade mais alto podem até
ter um helicóptero com 500kg de cocaína etc.
Já José, preto, morador da periferia e pobre está num estado de vulnerabilidade alto e constante… Pra
ele sair desse estado de vulnerabilidade e passar pra uma situação de vulnerabilidade, não precisa de
quase nada: basta ele andar do lado de um amigo que esteja em posse de 3 baseados. O esforço dele
foi muito menor, correto?
(Pop-up: por isso que só se noticia crimes cometidos pela classe alta – estado de vulnerabilidade baixo
– quando são coisas aberrantes! Homicídio grosseiro, tráfico de grande quantidade, violência
doméstica fatal… ou seja, a pessoa se esforçou muito para entrar na situação de vulnerabilidade.
A culpabilidade pela vulnerabilidade então diminui a punição ao indivíduo ao reconhecer que sua
conduta é bem insignificante em relação a esse esforço de sair da situação do estado de
vulnerabilidade (que pra ele é alto) até a situação de vulnerabilidade (foi pego). Ela inclui não só a
questão da culpabilidade do indivíduo (aquele juízo de reprovação lá do início) mas também uma
culpabilidade do ato.
Não cai na mesma ideia de reduzir a responsabilidade do indivíduo em razão da situação de pobreza e
associar crime a pobreza. Ao contrário, desfaz essa associação quando reconhece que o sistema
seleciona as pessoas (ou seja, todos cometem crimes, mas escolhe um grupo).
Daí a aplicação dessa teoria tem mais fundamento no art. 59, quando fala que o juiz atendendo à
culpabilidade (etc, etc) estabelecerá a reprovação suficiente. Mas, também cabe usar o art. 66.
(https://jus.com.br/artigos/48278/a-culpabilidade-por-vulnerabilidade-na-pratica-penal-brasileira/1)