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O come-out-age e o amadurecimento como narrativa

A juventude é um momento de transições e primeiras experiências de boa parte


da população. É nesse momento em que a pessoa desperta da inocência que a infância e
adolescência traziam e encaram, de primeira mão, os mistérios que a vida adulta oferece
e provam os primeiros atos da independência. Nossa geração, denominada como Z,
compreende aqueles nascidos nos anos 1990 e primeira década do século XXI. Quando
nascemos, presenciamos uma era digital, com computadores e vimos telemóveis se
desenvolvendo diante dos nossos olhos. Há quem defenda que nossa geração é
privilegiada por não ter encarado grandes exílios, Guerras Mundiais, secas ou abalos da
saúde em que a ciência não poderia socorrer de maneira imediata como hoje em dia é
possível.

Contudo, nossa geração também deve encarar diversos desafios intimidadores


também: em uma realidade inundada de exposição, é necessário encarar padrões de
comportamento e de aparência, cobranças sociais – por exemplo, com a nossa idade,
nossos pais possivelmente já tinham uma família constituída, casa ou carro próprios.
Com isso, toda essa geração convive com a sensação de falha ou medo e o anseio para
realizar e conquistar sonhos, com a constante sensação de que não haverá tempo
suficiente para realizar tudo no “tempo ideal”.

De maneira natural, a arte busca expressar esses anseios. Para manifestar a


profundidade que o amadurecimento do jovem traz consigo o come-out-age é o gênero
voltado para isso. A sociedade dos poetas mortos (1989), Na natureza selvagem (2007),
Juno (2007) e As Vantagens de Ser Invisível (2012) são exemplos de obras
cinematográficas que buscaram discutir passagens das vidas de seus protagonistas
viviam enquanto Jovens e como tais momentos foram essenciais para seu crescimento,
inclusive como tais experiências influenciaram em suas personalidades e vidas.

Para a literatura, esse termo condiz para Young-adult (em português, pode se
assemelhar à literatura infanto-juvenil; mas a discussão das termologias é bem mais
profunda e pode ser debatida em outra ocasião). Como Cássia Farias defende em sua
dissertação intitulada Narrativas de amadurecimento: relações entre o romance de
formação e a literatura infanto-juvenil (2016) que a atual leva de adultos acaba se
identificando bastante com o que estes livros podem abordar. A autora comenta que esse
público se encontra em algumas das narrativas, uma vez que são jovens que têm
dificuldades de se encontrar no mundo e, apesar de serem adultos (ou quase), ainda são
imaturos e cada vez menos com certezas de si.

Por mais que, tanto em livros, séries e filmes, as histórias busquem mostrar um
mundo idealizado e confortável para o seu espectador, é comum ver que, de algumas
décadas para cá, assuntos mais polêmicos e “pesados” também estão sendo discutidos
nessas plataformas. Violência doméstica, perseguição escolar, relacionamentos
abusivos, suicídio e questões sexuais estão sendo cada vez mais trabalhadas em histórias
do Young-adult e do come-out-age, afinal, adolescentes e jovens, nesse “período”
transição e dúvidas acabam se centralizando nessas pautas.

Vale ressaltar que come-out-age (a partir desse ponto, usarei o termo a me referir
em obras televisivas, cinematográficas e literárias) não é, necessariamente, para abordar
assuntos desconfortáveis; muitos deles também exploram o primeiro amor e primeiras
vezes, assim como apresentam momentos divertidos e inesquecíveis. Esse gênero busca
explorar o momento de transição da personagem, em que ela vai amadurecendo com o
passar de suas experiências que, nem sempre, serão agradáveis.

Cássia Farias estabeleceu três categorias em que se manifesta o come-out-age e,


nesse artigo, serão mostradas obras que se encaixam, em cada um das categorias, no que
cerne a narrativa de amadurecimento.

1) Construção da própria identidade: A fada do levantamento de peso, Kim Bok


Joo (kdrama).

Essa primeira categoria explora como a personagem vai criando sua própria
personalidade e identidade, ainda mais ao se relacionar com três núcleos relevantes:
seus vínculos familiares, sua relação com os terceiros e, principalmente, sua relação
consigo mesmo.

Em A fada do levantamento de peso, Kim Bok Joo (2016) se conhece Kim Bok Joo
(Lee Sung Kyung), ela é uma universitária de 21 anos, que estuda Educação Física,
com especialidade em halterofilismo (esporte também conhecido como levantamento de
peso). Ela é uma esportista de grande destaque da área, acumulando prêmios, leal a suas
amigas e uma boa filha e sobrinha. Entretanto, Bok Joo enfrenta alguns dilemas
pessoais: apesar de não se ver afetada por padrões de estética e aparência, Bok Joo, de
maneira silenciosa, sente-se atingida por não externalizar um comportamento
socialmente feminino.

Sua mãe faleceu quando ela era muito pequena, então sua criação se centralizou na
convivência masculina (seu pai e tio), seu interesse pelo levantamento de peso a fez
conviver em ambientes mais rústicos. Em nenhum momento ela apresenta vergonha de
sua trajetória, até que ela tem contato com o doutor Jung Jae Yi (Lee Jae Yoon), caindo
em uma paixão platônica por ele e, assim, sente o peso por não ser necessariamente
feminina e envergonha-se de seu comportamento (tem uma dieta pesada, usa roupas não
delicadas e não é tão “sensível” com outros rapazes). A partir desse seu amor unilateral,
Bok Joo acaba criando uma personalidade diferente da sua, a fim de buscar a admiração
do médico nutricionista. E isso desencadeia uma série de problemas para ela mesma,
principalmente com a decepção que ela sente por ter tomado tais decisões.

Ao encarar a dor do primeiro coração partido, ela vê a necessidade de guardar um


tempo para si e, mesmo que incomode quem a ame, seria necessário ter para si o direito
de contemplar a solidão e aproveitar os momentos em que se recupera. Bok Joo encara
seus problemas e admite o direito que tem de tomar as próprias decisões. Com isso, ela
foi capaz de conseguir o primeiro emprego, estudar assuntos novos e praticar novos
talentos, explorando um universo totalmente desconhecido. A história gira em torno de
Kim Bok Joo se desvencilhando das expectativas de sua família sobre si, ao passo que
tenta criar autonomia fora de suas amigas e, principalmente, explora a prazer da própria
companhia e orgulho das pequenas conquistas.

O que resulta em uma Kim Bok Joo mais saudável, focada e disposta a encarar
novos desafios, sem que a insegurança da falha ou perda a afetem novamente.

2) O enfrentamento com problemas da condição humana: O último adeus, livro da


Cynthia Hand.

A segunda categoria diz respeito à maneira como as personagens encaram as


adversidades que deficiências, doenças psicológicas, a velhice ou a perda de um ente
querido implicam em suas vidas.

Em O Último Adeus, Cynthia Hand nos apresenta Lex e sua jornada com a perda.
Há poucas semanas seu irmão, de 17 anos, cometeu suicídio. E em um turbilhão de
sentimentos: raiva, rancor, tristeza, saudades e arrependimento, ela expressa com cartas
seu luto.

Por mais que Tyler aparentasse ter a vida perfeita, Lex não compreende o que o faria
se sentir tão vazio. Era popular, inteligente, esportista, tinha namorada... O que o levou
a fazer isso enchem sua mente de questionamentos. Além de lidar com a falta que o
irmão faz Lex também deve enfrentar seus problemas pessoais, entre eles os olhares
invasivos que recebe na escola, a falta de reação da mãe, as saudades do ex-namorado, o
estresse com as inscrições da faculdade.

Sua trajetória em enfrentar esse estresse apresenta uma trajetória de reflexão da


personagem ao encarar suas dores: ela não poderia salvar seu irmão, muito menos
usando palavras e apoio (que eram de imensa importância, sim, mas não era o amparo
profissional por qual Tyler deveria receber), que antes de seu pai e sua mãe se
separarem, eles também foram um homem e uma mulher que existiam antes de haver
esse núcleo familiar; Lex também pôde compreender que tinha direito de seguir em
frente e não era justo consigo conviver com uma dor ocasionada por uma situação que
não estava sob seu controle.

A dor, a tristeza e a superação são os elementos chaves para que o amadurecimento


de Lex ocorra nessa história: ela encara tais cenários e entende quais seriam seus papéis
em cada um; cada possibilidade se torna um passo para sua cura e compreensão de
mundo.

3) A vida em uma sociedade plural: O sol também é uma estrela, livro escrito por
Nicola Yoon e adaptado para os cinemas em 2019.

Nessa terceira e última categoria, Barros implica que aqui a trajetória está dentro de
compreender e ter conhecimentos interculturais, como também, o respeito às minorias.
Essa descrição se encaixa perfeitamente no enredo de O sol também é uma estrela em
que a história gira em torno de um dia da vida de Daniel e Natasha, dois adolescentes
que tem 24 horas para mudar o rumo de suas vidas.

Daniel é filho de coreanos e carrega nos ombros a pressão de não cometer os erros
do irmão mais velho que, mesmo sendo inteligente e habilidoso, conseguiu ser suspenso
da faculdade de Direito de Harvard. Tendo capacidade e inteligência de passar em
Medicina em Harvard (ou qualquer outra universidade grandiosa dos EUA), Daniel
sente uma angústia infinita em ter que seguir esse caminho apenas porque os rigorosos
pais desejam.

Ele reconhece o quanto seus pais batalharam para conseguirem se estabelecer nos
EUA e tem convicção de que é capaz de ser um grande médico um dia e deseja poder
orgulhar seus pais. A questão é que isso não é e nunca foi seu sonho, Daniel ama poesia
e quer seguir isso como carreira. Logo, esse dia em que o livro é narrado, é o dia da
entrevista de Daniel para a faculdade e sua mente está em um conflito eterno.

Natasha é jamaicana, assim como seus pais. O pai, um homem que um dia foi um
ator em ascensão na Jamaica, buscou reconhecimento nos EUA e, infelizmente, não
obteve resultados. Em alguns dias, a família será deportada de volta para o seu país.
Assim como Daniel, Natasha encara um grande dilema: enquanto seus pais e irmão mais
novo (nascido estadunidense, mas totalmente patriota à Jamaica) estão ansiosos pelo
retorno à terra natal, a jovem se encontra desesperada. Ela se reconhece estadunidense e
não consegue admitir outro lugar como seu lar. Nesse dia em específico, Natasha tentará
convencer alguém do governo a impedir sua deportação.

Em dado momento da história, Daniel e Natasha se encontram e a partir daí,


dialogam sobre seus anseios e julgamentos que recebem: enquanto toda uma população
espera que Daniel seja um gênio matemático e tímido, outra parcela estranha Natasha
não ser fã de reggae e o desejo em ser uma grande astrofísica.

Racismo, xenofobia, medo do futuro, orgulho das origens, mas anseio para se
desprender de estereótipos e a luta pelo controle da própria vida comandam a narrativa
de O sol também é uma estrela. Sua adaptação para os cinemas foi bem fiel ao expor a
personalidade das personagens: Natasha (Yara Shahidi) cética e questionadora em
relação à sensibilidade do mundo em contraste com Daniel (Charles Melton),
romântico e sensível.

Todas essas três obras conseguiram compreender o principal objetivo do come-out-


age ao contar uma história: como situações que podem ser banais na vida adulta podem
ser, na verdade, situações de conflito para o adolescente ou jovem adulto que acaba de
entrar no “mundo real”. Da mesma maneira que para eles existe esse estranhamento,
para o telespectador, existe o reconhecimento – e quem sabe, conforto –, uma vez que a
identificação pode se causar pela idade próxima ou pela vivência em conflitos similares.

A experiência da vida e noção de que você existe no mundo e possui um significado


ou missão nele, esse despertar para o real são elementos capazes de construir sua
realidade. Assim como nossas experiências de existência e o que fazemos com elas,
implicam em nossa maturidade.

A arte, com livros, filmes, séries e músicas, tentam explorar, com as mais infinitas
possibilidades, cenários que possamos nos ver e viver ali, mesmo que seja uma ficção
dura em comparação a nossa suave – em comparação – realidade e com isso, seja
possível tirarmos lições e aprendizagens. Ainda que o contrário também ocorra (e
bastante).

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