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Pré-Vestibular Social
Língua
Portuguesa
3ª edição
revisada e ampliada
Módulo 2
2012
Governo do Estado do Rio de Janeiro
Governador
Sérgio Cabral
Fundação Cecierj
Presidente
Carlos Eduardo Bielschowsky
Vice-Presidente Científica
Mônica Damouche
Pré-Vestibular Social
Direção Geral
Maria D. F. Bastos
Capítulo 1
Literatura brasileira (I): Barroco e Arcadismo
5
Capítulo 2
Literatura brasileira (II): Romantismo
19
Capítulo 3
Literatura brasileira (III): Realismo e Naturalismo
37
Capítulo 4
Literatura brasileira (IV): Parnasianismo e Simbolismo
49
Capítulo 5
Literatura brasileira (V): Pré-modernismo e Modernismo
61
Capítulo 6
Variação linguística
99
Capítulo 7
Gêneros textuais
113
1
Literatura brasileira (I):
barroco e arcadismo
6 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
Note a diferença quanto à linguagem utilizada em cada texto. Em uma pri- Texto II
meira observação, o que salta aos olhos é o fato de que o primeiro está escrito em O gênio da língua
prosa, ao passo que o segundo, sendo um poema, é composto por versos. Mas Corno manso.
isso não é tão relevante, na medida em que textos literários podem aparecer tanto Bobo alegre.
em verso quanto em prosa. ALVIM, Francisco. Elefante. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Na verdade, o que mais importa é notar que o primeiro texto emprega uma
linguagem objetiva e literal (denotativa). O resultado é que sua interpretação pa- É fácil constatar que a linguagem desses dois poemas é profundamente dis-
rece clara, inequívoca. No segundo texto, por outro lado, predomina a linguagem tinta. De forma bem simplificada, essas diferenças podem ser resumidas no quadro
figurada (conotativa). O resultado é um texto cujas leituras, por serem múltiplas, a seguir:
dependem muito mais do ponto de vista de cada um (sua interpretação, portanto,
tende a ser mais subjetiva). Texto i Texto ii
Estabelecido esse contraste, diremos que o primeiro exemplo é um caso típico Presença de rima Ausência de rima
de texto não-literário, ao passo que o segundo exemplo é um caso típico de texto Frases longas, Frases nominais
literário. Na prática, nem sempre as diferenças são assim tão nítidas, e há muitos sintaticamente elaboradas extremamente curtas
textos que ficam na fronteira entre o literário e o não-literário. Agora, contudo, o Vocabulário erudito Vocabulário coloquial (frases feitas)
importante é que você saiba reconhecer um texto literário típico.
Isso porque os textos literários são, precisamente, o objeto de estudo da lite-
ratura, disciplina que começamos a explorar neste capítulo. Há diversas maneiras
A que se devem essas diferenças? Talvez você responda: ao estilo individual
de estudar os textos literários. No vestibular, eles são frequentemente abordados
de cada autor, ou seja, às preferências de cada um. É verdade que o estilo do
a partir de um ponto de vista histórico. Na próxima seção, você vai entender
autor tem bastante peso, mas há aqui um ponto talvez mais importante: esses
exatamente como isso é feito.
dois poemas foram escritos em épocas muito distintas. O primeiro é do século
XVI; o segundo foi publicado no ano 2000. E, assim como cada escritor tem suas
preferências, cada momento histórico também acaba sendo marcado por deter-
minados traços de estilo. Por exemplo: no século XVI, era comum que os poetas
Capítulo 1 :: 7
empregassem um vocabulário erudito; por outro lado, a linguagem coloquial está mento. Uma perspectiva antropocêntrica implica, essencialmente, a afirmação da
presente em boa parte da poesia praticada no século XX. capacidade e do poder de realização do homem, valorizando suas conquistas e sua
Cada época, portanto, tem seu estilo próprio. É por isso que, de agora em felicidade sobre a Terra.
diante, falaremos em estilos de época. Além disso, cada época define um reper- Fundamentalmente, a arte barroca irá expressar o conflito entre a perspectiva
tório próprio de temas e um conjunto de marcas de estilo considerados mais apro- teocêntrica medieval, em alguma medida resgatada pelo movimento contrarrefor-
priados para a expressão artística. Por isso, podemos falar também em escolas ou mista, e a perspectiva antropocêntrica do Renascimento. Na prática, isso irá se
movimentos literários. Em resumo, estudar a história da literatura é acompanhar refletir nos poemas barrocos por meio da aproximação entre inclinações e desejos
os diferentes estilos de época que surgem a cada momento histórico. E aqui é contraditórios, que oscilam entre a matéria e o espírito, o pecado e o perdão, o
importante frisar que nem sempre esses movimentos se sucedem: muitas vezes, sagrado e o profano. Mais do que apenas aproximar esses opostos, nota-se muitas
estilos diferentes convivem em uma mesma época. vezes uma tentativa de fundir essas tendências antagônicas, reconciliando-as de
A partir de agora, você passa a acompanhar, em ordem cronológica, os estilos alguma maneira.
de época que compuseram a história da literatura brasileira do século XVI até Uma das manifestações mais frequentes do conflito barroco aparece na
meados do século XX. dúvida dilacerante entre aproveitar os prazeres terrenos ou levar uma existência
virtuosa, segundo os preceitos católicos. Por um lado, os valores renascentistas,
que não desparecem por completo com a Contrarreforma, produzem o desejo de
2. Barroco aproveitar a felicidade aqui e agora. Por outro lado, a renovação da influência cató-
lica traz de volta a culpa e o medo da punição divina. De todo modo, o desejo de
1. Informações iniciais experimentar a felicidade terrena produz o resgate de um tema já muito explorado
No Brasil, costuma-se assinalar o início do Barroco literário com a publicação, na Antiguidade Clássica: o carpe diem, expressão latina que significa, literalmente,
em 1601, do poema épico Prosopopeia, de Bento Teixeira. No entanto, seus dois “aproveite o dia” (ou, conotativamente, “aproveite a vida”).
maiores representantes são, sem dúvida alguma, o poeta brasileiro Gregório de Se a poesia barroca é (frequentemente) a expressão de um conflito exis-
Matos e o padre português Antônio Vieira. tencial, não surpreende que duas de suas figuras de linguagem mais recorrentes
Gregório de Matos produziu uma poesia diversificada, que se desdobra em sejam a antítese (aproximação de contrários) e o paradoxo (fusão de contrários).
quatro vertentes: a religiosa, a amorosa, a filosófica e a satírica. Esta última Mas elas não são as únicas. Com efeito, um dos traços mais marcantes do Barroco
vertente, composta por poemas que denunciam os desmandos da administração é a abundância de figuras de linguagem, dentre as quais se destacam, ainda, a
pública e a hipocrisia dos religiosos, deu ao poeta o apelido pelo qual ele se tornou metáfora, o quiasmo, a anáfora, as inversões sintáticas e o paralelismo.
conhecido: Boca do Inferno.
O padre Antônio Vieira, por sua vez, ficou conhecido pela qualidade dos seus
sermões, admirados até hoje pelo emprego engenhoso de metáforas, antíteses e Conceitos importantes
outros recursos estilísticos com o objetivo de persuadir seus interlocutores. A maior parte dessas figuras já foi explicada no capítulo 3 do módulo 1
(Figuras de Linguagem). Por isso, é importante que você volte a esse capítulo
2. Visão geral caso sinta necessidade. Abaixo, apresentamos os conceitos de paralelismo e
Ao longo da primeira metade do século XVI, a Igreja católica sofreu com a quiasmo.
debandada de fiéis, motivada pela Reforma Protestante que teve início em 1517
pelas mãos do monge alemão Martinho Lutero. A reação – articulada em um Paralelismo: é a repetição de uma mesma estrutura gramatical.
movimento conhecido hoje como Contrarreforma – começa a ser orquestrada em Exemplo
1545, ano em que são decididas, no Concílio de Trento, algumas medidas que “Caíam rimas do céu
visavam reafirmar os dogmas da Igreja católica e revitalizar sua influência. Dentre Saltavam rimas do chão” (Manuel Bandeira)
essas medidas, merecem destaque o ressurgimento da Inquisição, a fundação da
Companhia de Jesus – ordem religiosa dedicada à formação de missionários para Quiasmo: é o cruzamento de pares de palavras ou expressões, de
difundir os princípios do catolicismo ao redor do globo – e a criação do Index modo que os elementos correspondentes em cada par ocupem posições in-
Librorum Prohibitorum, o índice de livros proibidos aos católicos. vertidas.
Graças à Contrarreforma, uma nova onda de religiosidade começa a soprar Exemplo:
fortemente na Europa – sobretudo em Portugal, na Espanha e na Itália – na “A vida é breve instante que se passa
segunda metade do século XVI. Esses novos ventos acabam por restaurar, em Meteoro fugaz, fugaz clarão” (Guerra Junqueiro)
alguma medida, o teocentrismo medieval, quer dizer, a visão de mundo que coloca
Deus, e portanto a fé, no centro das preocupações humanas. Esse resgate, porém,
entra em choque com os valores antropocêntricos que haviam se sedimentado no A abundância de figuras de linguagem, muitas delas ligadas à estruturação
decorrer do século XV, durante o movimento cultural conhecido como Renasci- sintática do texto, mostra que o poema barroco resulta de um cuidadoso e minu-
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cioso trabalho formal. Como resultado, a estrutura formal do poema, sua “arquite- Aos afetos, e lágrimas derramadas, na ausência da dama a
tura”, tende a ser bastante sofisticada. quem queria bem
Neste ponto, cabe a pergunta: o que justifica a estrutura formal intrincada que Ardor em firme coração nascido;
é marca tão característica do Barroco? pranto por belos olhos derramado;
Por um lado, o estilo rebuscado e complexo parece refletir a época de confli- incêndio em mares de água disfarçado;
tos, angústia e incertezas na qual o homem barroco está imerso. Por outro lado, é rio de neve em fogo convertido:
preciso entender que o poeta barroco escreve fundamentalmente para ser lido por
seus pares – outros poetas – e costuma ter em mente o objetivo de impressioná- Tu, que em um peito abrasas escondido;
los, evidenciando um profundo domínio das técnicas de composição poética. Tu, que em um rosto corres desatado;
Nos poemas abaixo, você poderá conferir, na prática, os principais traços Quando fogo, em cristais aprisionado;
temáticos e formais da poesia barroca. Quando cristal, em chamas derretido.
A Jesus crucificado, estando o poeta para morrer Se és fogo, como passas brandamente,
Meu Deus, que estais pendente de um madeiro Se és neve, como queimas com porfia?
Em cuja lei protesto de viver, Mas ai, que andou Amor em ti prudente!
Em cuja santa lei hei de morrer
Animoso, constante, firme e inteiro. Pois para temperar a tirania,
como quis que aqui fosse a neve ardente,
Neste lance, por ser o derradeiro, permitiu parecesse a chama fria
Pois vejo a minha vida anoitecer, MATOS, Gregório de. Obras completas. Salvador: Janaína, 1972.
É, meu Jesus, a hora de se ver
A brandura de um pai, manso cordeiro. Observações
• Toda a primeira estrofe se estrutura a partir de uma oposição. De um lado,
Mui grande é o vosso amor e o meu delito: estão os elementos “ardor”, “incêndio” e “fogo”; de outro, “firme cora-
Porém pode ter fim todo o pecar, ção”, “mares de água” e “rio de neve”. Podemos entender que o primeiro
E não o vosso amor, que é infinito. grupo está associado metaforicamente à paixão, ao passo que o segundo
grupo associa-se à contenção emocional, ou seja, à resistência à paixão.
Esta razão me obriga a confiar, Nota-se mais uma vez, portanto, o recurso à antítese. Cabe observar, ain-
Que, por mais que pequei, neste conflito da, a aproximação dos opostos: o “incêndio” está disfarçado em “mares
Espero em vosso amor de me salvar. de água”, e o “rio de neve” se converteu em “fogo”.
MATOS, Gregório de. Obras completas. Salvador: Janaína, 1972. • Nos versos 9 e 10, novamente, reconhecemos a aproximação de opos-
tos, na medida em que o fogo parece adquirir características da neve,
Observações e vice-versa.
• Os versos 2 e 3 exprimem o conflito central do homem barroco: o choque • Nos últimos dois versos, o eu-lírico parece caminhar na direção da fusão
entre os princípios da fé cristã, de um lado, o desejo de aproveitar a vida terre- dos opostos. O que era antítese se torna paradoxo: “neve ardente” e
na, de outro. Observe que a expressão desse conflito se faz através da figura “chama fria”.
de linguagem conhecida como antítese. Esta é uma figura muito frequente no
Barroco exatamente porque permite expressar a aproximação de contrários. Contemplando nas cousas do mundo desde o seu retiro, lhe
• No primeiro terceto, aparece novamente o conflito central do homem bar- atira com o seu apage, como quem a nado escapou da tormenta.
roco, desta vez sob a forma da oposição entre pecado e perdão. Mais uma Neste mundo é mais rico o que mais rapa;
vez, o autor recorre a antíteses, agora entre vosso amor e meu delito/todo quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
o pecar, e também entre pode ter fim e infinito. com sua língua, ao nobre o vil decepa;
• Observe que, neste soneto, o eu-lírico não se limita a suplicar o perdão o velhaco maior sempre tem capa.
divino. Em vez disso, ele procura demonstrar, por meio de um raciocínio
engenhoso, que sua salvação é uma decorrência lógica dos fatos. Eis o Mostra o patife da nobreza o mapa;
raciocínio: se (1) o pecar é finito e (2) o amor de Deus é infinito, então quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
(3) o eu-lírico deve ser perdoado por seus pecados. quem menos falar pode, mais increpa;
quem dinheiro tiver, pode ser Papa.
Capítulo 1 :: 9
A flor baixa se inculca por tulipa; (3) na pintura, a aproximação de opostos típica do Barroco se traduz num
bengala hoje na mão, ontem garlopa; jogo de contrastes entre claro e escuro, luz e sombra;
mais isento se mostra o que mais chupa; (4) ainda na pintura, a disposição dos elementos tende a ser assimétrica, ou
seja, os elementos não se distribuem de forma homogênea pelo espaço da tela;
para a tropa do trapo vão a tripa, (5) por fim, a temática religiosa está muito presente.
e mais não digo; porque a Musa topa Na imagem 1, uma placa de metal do barroco boliviano, note a abundância
em apa, em epa, em ipa, em opa, em upa de detalhes: a obra é ricamente ornamentada (enfeitada) com uma profusão
MATOS, Gregório de. Obras completas. Salvador: Janaína, 1972. de curvas. A imagem 2, uma fotografia do interior da igreja de São Francisco
(Salvador, Bahia), também mostra o gosto barroco pelo excesso de ornamenta-
Observações ção: note como nenhuma parte das paredes ou de teto fica vazia, sem detalhes
• Observe, no segundo verso, o recurso da antítese, com a aproximação de decorativos.
contrários. Neste caso, ela serve para denunciar o que o eu-lírico enxerga A imagem 3 representa a tela A incredulidade de São Tomé, do pintor italia-
como falhas ou defeitos da sociedade: por trás de uma aparência louvável no Caravaggio. No que diz respeito à dramaticidade, note a expressão de pavor
(“quem mais limpo se faz”), oculta-se um comportamento condenável e perplexidade no rosto de Tomé, assim como a expressão de dor no rosto de
(“tem mais carepa”). Jesus. Observe também o contraste entre claro e escuro, com a iluminação que
• Nos versos 6, 7 e 8, observe não apenas a figura conhecida como anáfora, vem do alto se concentrando sobre o corpo de Jesus. Repare ainda na disposição
mas o recurso ao paralelismo sintático: estes três versos reproduzem a assimétrica dos elementos: três pessoas de um lado e apenas Jesus na metade
estrutura “quem X, Y”.
esquerda da tela, em destaque. Finalmente, vale chamar atenção para a própria
• Observe a construção do décimo verso (“bengala hoje na mão, ontem garlo-
temática religiosa.
pa”). Se deslocarmos sua segunda parte para baixo, teremos uma estrutura
em que os elementos correspondentes aparecem entrecruzados: “bengala”
está para “garlopa” assim como “hoje” está para “ontem”. Essa organiza-
ção corresponde à figura de linguagem conhecida como quiasmo.
• O último verso ilustra um procedimento formal muito frequente na poesia
barroca, conhecido como espalhamento e recolha. Trata-se de reunir, no
verso final, palavras ou expressões que tenham sido anteriormente espa-
lhadas ao longo do poema.
Lira XVIII
Lira XIV Não vês aquele velho respeitável
Minha bela Marília, tudo passa; Que à muleta encostado
A sorte deste mundo é mal segura; Apenas mal se move, e mal se arrasta?
Se vem depois dos males a ventura, Oh! quanto estrago não lhe fez o tempo!
Vem depois dos prazeres a desgraça. O tempo arrebatado,
Que o mesmo bronze gasta.
[...]
Ornemos nossas testas com as flores. Enrugaram-se as faces, e perderam
E façamos de feno um brando leito, Seus olhos a viveza;
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito, Voltou-se o seu cabelo em branca neve:
Gozemos do prazer de sãos Amores. Já lhe treme a cabeça, a mão, o queixo,
Sobre as nossas cabeças, Não tem uma beleza
Sem que o possam deter, o tempo corre; Das belezas, que teve.
E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre. Assim também serei, minha Marília,
Daqui a poucos anos;
Com os anos, Marília, o gosto falta, Que o ímpio tempo para todos corre.
E se entorpece o corpo já cansado; Os dentes cairão, e os meus cabelos,
triste o velho cordeiro está deitado, Ah! sentirei os danos,
e o leve filho sempre alegre salta. Que evita só quem morre.
A mesma formosura
É dote, que só goza a mocidade: Mas sempre passarei uma velhice
Rugam-se as faces, o cabelo alveja, Muito menos penosa.
Mal chega a longa idade. Não trarei a muleta carregada:
Descansarei o já vergado corpo
12 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
Imagem 1 Imagem 4
Exercícios
Imagem 2
Textos para a questão comentada
Texto I
Discreta e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo claramente
Na vossa ardente vista o sol ardente,
e na rosada face a aurora fria;
Foto: Claudia Meyer. Disponível em: http://www.sxc.hu. Acesso em: 03/11/2011 Gozai, gozai da flor da formosura,
Antes que o frio da madura idade
Tronco deixe despido o que é verdura.
Imagem 3
Que passado o zenith da mocidade,
Sem a noite encontrar da sepultura,
É cada dia ocaso da beldade.
Gregório de Matos Guerra
Texto II
Minha bela Marília, tudo passa;
Foto: Jean-Pierre Lavoie. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Pantheon_wi- A sorte deste mundo é mal segura;
der_centered.jpg. Acesso em: 07/10/2011 Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
Estão os mesmos deuses
Sujeitos ao poder do ímpio Fado:
Apolo já fugiu do Céu brilhante,
Já foi pastor de gado.
Ah! enquanto os Destinos impiedosos
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Não voltam contra nós a face irada, Grupo 1 – Temas recorrentes do Barroco
Façamos, sim façamos, doce amada,
Os nossos breves dias mais ditosos, Texto para a questão 1
Um coração, que frouxo A Maria dos povos, sua futura esposa
A grata posse de seu bem difere Discreta, e formosíssima Maria,
A si, Marília, a si próprio rouba, Enquanto estamos vendo a qualquer hora,
E a si próprio fere. Em tuas faces a rosada Aurora,
Ornemos nossas testas com as flores; Em teus olhos e boca o Sol, e o dia:
E façamos de feno um brando leito,
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito, Enquanto com gentil descortesia
Gozemos do prazer de sãos Amores. O ar, que fresco Adônis te namora,
Sobre as nossas cabeças, Te espalha a rica trança voadora,
Sem que o possam deter, o tempo corre; Quando vem passear-te pela fria:
E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre. Goza, goza da flor da mocidade,
Tomás Antônio Gonzaga Que o tempo trata a toda ligeireza,
E imprime em toda flor sua pisada.
Questão comentada (PUC-MG) O texto I é barroco; o texto II é arcádico.
Comparando-os, só não é correto afirmar que: Oh não aguardes, que a madura idade,
(a) Os barrocos e árcades expressam sentimentos. Te converta essa flor, essa beleza,
(b) As construções sintáticas barrocas revelam um interior conturbado. Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.
(c) O desejo de viver o prazer é dirigido à amada nos dois textos. MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos - Seleção de José Miguel Wisnik. 2a ed. São Paulo: Cultrix, [s.d.]
(d) Os árcades têm uma visão de mundo mais angustiada que os barrocos.
(e) A fugacidade do tempo é temática comum aos dois estilos. 1) (UFRJ / 2006) O primeiro verso da 3ª estrofe apresenta-se como consequên-
cia de um aspecto central da visão de mundo barroca. Justifique essa afirmativa
Resposta: D com suas próprias palavras.
Comentário: Dividido entre duas visões conflitantes (o teocentrismo e o
antropocentrismo), o homem barroco é fortemente marcado pela dúvida e pela
angústia. Esta é, de fato, uma característica central da estética barroca – e não do
Arcadismo. Por isso, a alternativa D é falsa. Texto para as questão 2
A alternativa A é verdadeira na medida em que ambos os poemas exprimem a Segue neste soneto a máxima de bem viver que é envolver-se
preocupação do eu-lírico com a passagem do tempo. A letra B também é verdade: na confusão dos néscios para passar melhor a vida
a sintaxe rebuscada da poesia barroca, marcada pelas inversões, tem duas fontes:
de um lado, resulta o desejo de mostrar domínio da linguagem na composição Soneto
poética; de outro, reflete a angústia existencial da época. A letra C é igualmente Carregado de mim ando no mundo,
verdadeira: nos dois textos, a consciência da passagem do tempo leva o eu-lírico a E o grande peso embarga-me as passadas,
convidar sua amada para que aproveitem a vida juntos, ou seja, para que usufruam Que como ando por vias desusadas,
o tempo que lhes resta. Finalmente, no que diz respeito à letra E, tanto o Barroco Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.
quanto o Arcadismo são marcados pela temática do carpe diem (aproveite o dia,
aproveite a vida), que de fato se faz presente nos dois poemas acima. Para com- O remédio será seguir o imundo
provar, vejam-se os seguintes versos: “Gozai, gozai da flor da formosura / Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Antes que o frio da madura idade / Tronco deixe despido o que é verdura” Que as bestas andam juntas mais ousadas,
(texto 1) e “Sem que o possam deter, o tempo corre” (texto 2). Do que anda só o engenho mais profundo.
O prudente varão há de ser mudo, Leia o texto da questão 2 do grupo 1 para responder também a
Que é melhor neste mundo, mar de enganos, esta questão
Ser louco c’os demais, que só, sisudo. 3) (UFRJ / 2009) O Barroco faz um uso particular de metáforas para concretizar
(MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos. São Paulo: Cultrix, 1989. p. 253) abstrações. No texto acima, encontram-se vocábulos cujos significados constroem
imagens vinculadas à travessia do eu-lírico no mundo. Retire do texto quatro vocá-
2) (UFRJ / 2009) O soneto de Gregório de Matos apresenta, em sua construção, bulos desse campo semântico, sendo dois verbos e dois substantivos.
um conflito entre o eu-lírico e o mundo.
a) Em que consiste esse conflito?
4) (UFF/2011) Todas as afirmativas sobre a construção estética ou a produção No santo nome do teu martírio
textual do poema de Gregório de Matos estão adequadas, EXCETO uma. Assinale- Do teu martírio que nunca cessa
-a. Meu Deus, eu quero, quero depressa
(A) Existem antíteses, características de textos no período barroco. A minha amada mulher que passa!
(B) Há uma personificação, pois a Bahia, ser inanimado, é tratada como
ser vivo. Que fica e passa, que pacifica
(C) A ausência de métrica aproxima o poema do Modernismo. Que é tanto pura como devassa
(D) O eu lírico usa o vocativo, transformando a Bahia em sua interlocutora. Que bóia leve como a cortiça
(E) Há diferença de tratamento para os habitantes locais e os estrangeiros. E tem raízes como a fumaça.
Vinicius de Moraes. Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, pp.88-89
1) (ENEM / 2008) Considerando o soneto de Cláudio Manoel da Costa e os 3) Os vocábulos que constroem imagens vinculadas ao campo semântico de
elementos constitutivos do Arcadismo brasileiro, assinale a opção correta acerca da travessia são os seguintes: ando, vou (-me), seguir, andam, anda, erra (verbos);
relação entre o poema e o momento histórico de sua produção. passadas, vias, caminho, pisadas, atalho (substantivos).
(a) Os “montes” e “outeiros”, mencionados na primeira estrofe, são imagens re- 4) C 5) A
lacionadas à Metrópole, ou seja, ao lugar onde o poeta se vestiu com traje “rico e fino”.
(b) A oposição entre a Colônia e a Metrópole, como núcleo do poema, revela Grupo 3
uma contradição vivenciada pelo poeta, dividido entre a civilidade do mundo urba-
1) No espaço físico da sala de cinema, o eu-lírico mostra-se dividido entre a
no da Metrópole e a rusticidade da terra da Colônia.
beleza suave de um drama de amor, que repercute em sua alma, e a miséria de
(c) O bucolismo presente nas imagens do poema é elemento estético do
uma comédia de carne, que apela para seus desejos carnais: minha alma recolhe
Arcadismo que evidencia a preocupação do poeta árcade em realizar uma repre-
a carícia de um / e a minha carne a brutalidade do outro. Desse modo, o poema
sentação literária realista da vida nacional.
(d) A relação de vantagem da “choupana” sobre a “Cidade”, na terceira apresenta um conflito tipicamente barroco: carne/corpo versus espírito/alma,
estrofe, é formulação literária que reproduz a condição histórica paradoxalmente construído em diversas passagens do texto.
vantajosa da Colônia sobre a Metrópole. 2) Texto I
(e) A realidade de atraso social, político e econômico do Brasil Colônia está Largo em sentir, em respirar sucinto,
representada esteticamente no poema pela referência, na última estrofe, à trans- Peno, e calo, tão fino e tão atento,
formação do pranto em alegria. Que fazendo disfarce do tormento,
Mostro que o não padeço, e sei que o sinto.
2) (PUC/PR/PAES-2006) É só a partir do Arcadismo, que começa a surgir no país Pois não chegam a vir à boca os tiros
uma relação sistemática entre autor, obra e público, que caracterizam um sistema Dos combates que vão dentro do peito.
literário. Aponte a alternativa que melhor descreve esse período. Texto II
(a) Busca da simplicidade, racionalismo, imitação da natureza, caráter pasto- Cansado de correr na direção contrária
ril, imitação dos clássicos, ausência de subjetividade.
Sem pódio de chegada ou beijo de namorada
(b) Individualismo e subjetivismo, culto à Natureza, evasão, liberdade artísti-
Mas se você achar que eu tô derrotado
ca, culto à mulher amada, sentimentalismo, indianismo, nacionalismo.
Saiba que ainda estou rolando os dados
(c) Subjetivismo, efeito de sugestão, musicalidade, irracionalismo, mistério.
(d) Liberdade, de expressão, incorporação do cotidiano, linguagem coloquial, Eu vejo o futuro repetir o passado
inovação técnica, ambigüidade, paródia. Eu vejo um museu de grandes novidades
(e) Racionalismo, incorporação do cotidiano, culto à mulher amada, imitação Às vezes os meus dias são de par em par
dos clássicos, efeito de sugestão Procurando agulha num palheiro
3) Texto I
Largo em sentir, em respirar sucinto,
Gabarito Peno, e calo, tão fino e tão atento,
Que fazendo disfarce do tormento,
Grupo 1 Mostro que o não padeço, e sei que o sinto.
1) O primeiro verso da terceira estrofe, que traduz o carpe diem, constitui O mal que fora encubro, ou que desminto,
uma consequência da perspectiva da fugacidade, da efemeridade da vida, aspecto Dentro no coração é que o sustento:
importante na visão de mundo barroca.
Pois não chegam a vir à boca os tiros
2) a) O eu-lírico encontra-se em crise por se sentir completamente deslocado
Dos combates que vão dentro do peito.
(inadequado, desajustado) em relação à coletividade, ao mundo.
Texto II
b) A solução proposta é render-se ao mundo: o eu-lírico mostra que é melhor
A tua piscina tá cheia de ratos
seguir mudo o caminho da coletividade do que ficar só.
Tuas ideias não correspondem aos fatos
Grupo 2 Eu vejo o futuro repetir o passado
1) O poema é construído a partir de oposições como guerra X paz; cidade X Eu vejo um museu de grandes novidades
retiro, palhoça; convívio X solidão. Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
2) Os dois campos semânticos presentes na construção do poema contras- Transformam um país inteiro num puteiro
tam aspectos positivos e negativos: juventude versus maturidade; beleza versus Transformam um país inteiro num puteiro
decrepitude; nascimento versus morte; luminosidade versus sombra. Os vocábulos Pois assim se ganha mais dinheiro
representativos desses campos semânticos são aurora, sol, dia, flor, beleza versus
terra, cinza, pó, sombra, nada. Grupo 4
(Obs.: O candidato deverá apontar apenas uma oposição.) 1) B 2) A
2
Literatura Brasileira (II):
Romantismo
20 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
1. Informações iniciais É também o viés subjetivista que poderá explicar outro traço da literatura
romântica: a exacerbação sentimental. Seja quando está cantando as saudades
A literatura romântica abrange obras em versos (poemas) e em prosa (roman- de sua terra, quando está confessando sua dor e desejo de morrer ou quando está
ces e contos). No Brasil, seu início é vinculado à publicação de Suspiros poéticos e criticando os maus-tratos infringidos aos escravos, o escritor romântico é sobretu-
saudades (1836), do poeta Gonçalves de Magalhães. do um sentimental. Ainda que não esteja tratando diretamente de seus próprios
A poesia romântica brasileira se divide em três fases, ou três gerações. Quan- sentimentos (sua angústia, seu sofrimento, sua melancolia, etc.), o escritor estará
to aos romances, geralmente se assume a existência de quatro grandes frentes: capturando a realidade ao redor pelo filtro da emoção. O resultado são textos forte-
romances urbanos, romances regionalistas, romances indianistas e romances histó- mente carregados nas tintas emocionais, cujas marcas linguísticas mais frequentes
ricos. Começaremos este capítulo com uma visão global da estética romântica. Em são as interjeições, os pontos de exclamação e a adjetivação abundante.
seguida, falaremos, nessa ordem, da produção poética e dos romances. Até agora, porém, nada falamos sobre as características formais da poesia
romântica. O mais importante aqui é chamar a atenção para uma novidade trazida
por essa escola: a liberdade formal. No Romantismo, pela primeira vez, o poeta
2. Romantismo: visão geral passa a ter liberdade para, se preferir, dispensar rimas e esquemas métricos rígi-
dos. Fica aberto o caminho, portanto, para o emprego de versos livres e brancos.
Romantismo é o nome dado ao movimento artístico e filosófico que floresce Para entender essa opção, lembre-se de que, no Romantismo, a poesia é enten-
na Europa em fins do século XVIII, como resultado das profundas transformações dida como a expressão da interioridade do poeta. Nesse cenário, as convenções
político-econômicas por que o Velho Mundo havia passado. Especificamente, a poéticas formais são vistas como uma maneira de “tolher” ou “enquadrar” a livre
Europa estava assistindo à consolidação do modo de produção capitalista e à manifestação da subjetividade.
ascensão da burguesia como classe dominante. Paralelamente, molda-se uma
nova ideologia, marcada pela valorização do esforço e do mérito individual – Conceitos importantes
um valor eminentemente burguês. Versos livres: versos sem regularidade métrica.
O realce dado ao indivíduo, em detrimento do coletivo, é talvez o Versos brancos: versos sem rima.
componente central da visão de mundo romântica. Como tal, ele se reflete
diretamente na produção artística do período. O escritor romântico não irá va- Os conceitos mais relevantes para uma compreensão global da literatura ro-
lorizar, por exemplo, uma descrição neutra e objetiva da natureza, capaz de mântica estão organizados no diagrama abaixo:
apresentar a realidade como ela de fato é. Em vez disso, o que importa para
o artista é exprimir a sua visão pessoal (ou subjetiva) dessa realidade, bem Subjetivismo
como seus sentimentos em relação a ela. Essa tendência tem sido rotulada de
subjetivismo. Outra maneira de apresentá-la é dizer que, para um romântico,
a arte deve ser entendida como a manifestação da interioridade do sujeito –
o que explica por que os textos dessa escola são escritos frequentemente na
Idealização Sentimentalismo Liberdade formal
primeira pessoa do singular.
exacerbado
A valorização da perspectiva individual está associada, ainda, a uma das prin-
cipais marcas da literatura romântica: a idealização. Há pelo menos dois sentidos
– ainda que fortemente relacionados – para a palavra idealização. No uso mais
3. A poesia romântica brasileira
corriqueiro, idealizar é enxergar apenas as qualidades de algo ou alguém. Nesse
sentido, podemos dizer que nossos escritores românticos idealizam a natureza
Como dito acima, a produção poética do Romantismo brasileiro se divide em
brasileira (retratada como majestosa e exuberante), o índio (a quem se atribui-
três fases, ou três gerações, com características bem marcadas. Abaixo, fazemos
rão qualidades como coragem, heroísmo e retidão moral) e os protagonistas dos
uma breve exposição de cada uma dessas gerações. Ao final, apresentamos um
romances de um modo geral.
quadro-resumo com as principais características e os autores mais representativos
Por outro lado, o conceito de idealização pode estar ligado à noção de dis-
de cada momento.
tância, afastamento: assim, o ideal é algo que não existe na prática, que não se
materializa, existindo apenas como desejo. Nesse sentido, podemos dizer que a
1. A primeira geração
literatura romântica é marcada pela idealização amorosa – o que significa afirmar
A primeira geração romântica, cujo nome mais proeminente é o do poeta
que as relações amorosas tendem a se manter no plano de desejo, sem que haja
Gonçalves Dias, tem como marca principal os poemas voltados para a exaltação da
a consumação do amor. (Mas é verdade que esse segundo sentido pode – e deve
pátria, que revelam uma concepção idealizada da natureza brasileira e do índio. É
– abarcar o primeiro: também a natureza, o índio e os protagonistas idealizados
por isso que se costuma dizer que as características centrais dessa geração são o
não se materializam no “mundo real”.)
nacionalismo e o indianismo.
Capítulo 2 :: 21
É preciso compreender a preferência pela temática nacionalista tanto no E à fé que vos digo: parece-me encanto
contexto histórico do processo político brasileiro quanto no contexto filosófico do Que quem chorou tanto,
movimento romântico. Tivesse a coragem que tinha o Tupi!”
Por um lado, a independência do país, alcançada no início do século XIX,
provoca a necessidade de construir uma identidade para a nação que começava a Assim o Timbira, coberto de glória,
surgir. Que elementos são característicos do Brasil? Quais são suas peculiaridades? Guardava a memória
O que define o Brasil em relação ao resto do mundo? Na tentativa de encontrar Do moço guerreiro, do velho Tupi.
respostas para essas perguntas, a natureza brasileira será apresentada como um E à noite nas tabas, se alguém duvidava
mítico paraíso terrestre, dada a sua grandiosidade e exuberância, ao mesmo tempo Do que ele contava,
em que o índio será retratado como um como um homem valente, honrado, de Tornava prudente: “Meninos, eu vi!”
moral inabalável. Dessa forma, devidamente dignificados, ambos são alçados à DIAS, Gonçalves. Antologia Poética. 5ª edição. Rio de Janeiro: Agir, 1969
condição de símbolos da nacionalidade.
Por outro lado, está presente no homem romântico um sentimento de nostal- As estrofes acima compõem o décimo e último canto do poema I-Juca Pirama,
gia em relação a uma suposta inocência perdida pelo homem ao longo da história. de Gonçalves Dias.
Para o filósofo alemão Friedrich Schiller, o homem primitivo seria, ele próprio, Considerado a obra-prima da nossa poesia indianista, I-Juca Pirama acom-
parte integrante da natureza. No decorrer do processo civilizatório, porém, nós panha a história de um índio tupi que é capturado por uma tribo inimiga, os
teríamos nos afastado irremediavelmente desse estado de natureza para adentrar timbiras. Diante da morte iminente, o prisioneiro pede clemência – não por medo
o mundo artificial da cultura. ou covardia, mas movido por um sentimento nobre: ajudar o pai velho e doente.
A oposição entre natureza e cultura reaparece no conhecido “mito do bom Surpreendentemente, o guerreiro é libertado e vai ao encontro do pai. Este, no
selvagem”, do filósofo francês Jean Jacques Rousseau. Para ele, o ser humano entanto, acaba por descobrir que o filho pedira clemência – e, julgando-o covarde,
nasce naturalmente bom, mas pode acabar sendo corrompido pela vida nas sua reação é rejeitá-lo. Finalmente, esse índio se põe a lutar sozinho contra a
sociedades civilizadas. Tanto em Schiller quanto em Rousseau, o que se vê é a tribo dos timbiras – e, nesse momento, sua bravura é finalmente reconhecida
valorização de um certo “estado natural” ou “primitivo” do ser humano. Essa por todos.
valorização oferece motivação extra para a eleição do índio, nativo das terras Dessa pequena narrativa, a imagem que emerge do índio é a melhor possível.
brasileiras, como elemento fundamental na construção da identidade do país: Solidário e apegado à família, o tupi é, ao mesmo tempo, valente e honrado. No
ocorre que esse índio será retratado, pelos nossos escritores românticos, como a canto X, um “velho Timbira” relembra a história, pontuando a narrativa com a
própria encarnação do “bom selvagem” de Rousseau. expressão “Meninos, eu vi!”, que reforça seu espanto diante da história extraor-
Os dois poemas abaixo nos darão uma boa visão geral da poesia nacionalis- dinária do guerreiro tupi. A adjetivação não deixa dúvidas quanto à representação
ta/indianista da primeira geração. idealizada do índio – “valente”, “brioso”, “bravo”.
Se esse canto mostra a representação literária do índio na primeira geração
romântica, observe agora como o mesmo poeta retratou sua terra neste que é,
I-Juca Pirama – X talvez, o poema mais conhecido da literatura brasileira:
Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a memória Canção do exílio - Gonçalves Dias
Do moço guerreiro, do velho Tupi! Minha terra tem palmeiras,
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava Onde canta o Sabiá;
Do que ele contava, As aves, que aqui gorjeiam,
Dizia prudente: - “Meninos, eu vi! Não gorjeiam como lá.
Minha terra tem primores, O poeta ultrarromântico sente-se profundamente deslocado em relação aos
Que tais não encontro eu cá; valores da sociedade burguesa em que está inserido. Contribui para esse senti-
Em cismar — sozinho, à noite — mento a concepção romântica de que os artistas seriam criaturas especiais, como
Mais prazer encontro eu lá; que escolhidos pelo destino para carregar um dom – uma espécie de sensibilidade
Minha terra tem palmeiras, acima da média que lhes permite captar aquilo que os outros mortais não perce-
Onde canta o Sabiá. bem. Tudo isso colabora para produzir, no poeta da segunda geração, um forte
sentimento de inadaptação.
Não permita Deus que eu morra, Na produção poética, tal sentimento se revela, antes de tudo, pela expressão
Sem que eu volte para lá; de pessimismo e angústia existencial: viver é um fardo, e o poeta é um sofredor.
Sem que desfrute os primores Vem daí a postura conhecida como escapismo romântico: o eu-lírico se mostra per-
Que não encontro por cá; manentemente insatisfeito com o mundo real, razão pela qual ele deseja evadir-se
Sem qu’inda aviste as palmeiras, para outras realidades. Esse desejo pode ser alcançado, provisoriamente, por meio
Onde canta o Sabiá. do sonho, da embriaguez, do delírio febril – e, permanentemente, pela morte. Por
GONÇALVES, Magaly Trindade; AQUINO, Zélia Thomaz de; Silva, Zina Bellodi. esse motivo, todos aqueles elementos povoam o universo temático do ultrarroman-
Antologia de antologias. São Paulo: Musa, 1995 tismo, com destaque para a atração pela morte.
Merece destaque ainda o tratamento ultrarromântico do amor. Se o poeta
O poema opõe dois espaços – o exílio, de onde fala o eu-lírico, e a terra dessa geração é profundamente atormentado pela dor de existir, uma das maiores
distante, para onde ele deseja voltar. O primeiro, representado pelos advérbios fontes de sofrimento é a impossibilidade de concretização amorosa. Ao mesmo
“aqui” e “cá”, corresponde a Portugal; o segundo, referido como “lá”, corres- tempo em que sente desejo – com efeito, muitos poemas desse período carregam
ponde ao Brasil. Observe como a terra distante (o “exílio” de que fala o título) as tintas na tensão erótica –, o ultrarromântico entende que a consumação da
é retratada como um lugar único, inigualável, cuja natureza em muito supera a relação amorosa equivale a macular a mulher amada, tornando-a impura. Por isso,
paisagem europeia. o amor só pode ser consumado em situações irreais – por exemplo, no sonho.
Até aqui, expusemos as linhas gerais da poesia nacionalista/indianista da Flagramos aqui, portanto, a marca da idealização amorosa. É sintomático, nesse
primeira geração romântica. Para concluir, devemos deixar claro que nem todo sentido, que essa mulher seja representada frequentemente como “virgem” ou
poema enquadrado nessa fase revela preocupações nacionalistas. Gonçalves Dias como “anjo”. Mais interessante ainda é observar a recorrência de adjetivos como
– como já dissemos, o nome mais importante desse primeiro momento – conta “pálida”, “branca”, “doentia” ou “lânguida”, que aproximam a mulher amada da
com uma extensa produção lírica, voltada para temas como a desilusão amorosa representação da morte.
ou as belezas da mulher amada. Já comentamos que um dos elementos centrais da estética romântica é o sub-
Por fim, o esquema abaixo sintetiza os principais traços da primeira geração jetivismo, que nada mais é do que a tendência a retratar a realidade de um ponto
romântica: de vista marcadamente pessoal (caso não se lembre, sugerimos que volte à seção
“Romantismo: visão geral”). Isso explica por que os poemas ultrarromânticos cos-
Construção da identidade nacional tumam fazer referência a uma natureza violenta ou soturna. Nesses cenários, há
tempestades, mares revoltos, noites fechadas, rajadas de vento. Antítese perfeita
do locus amoenus do Arcadismo, esse locus horrendus (lugar horrendo) nada mais
é do que a projeção do estado de alma atordoado do eu-lírico.
Nacionalismo ufanista (acrítico)
Em resumo, a segunda geração romântica pratica uma poesia confessional,
marcada pelo pessimismo e pela dor de existir. O mundo real causa sofrimento, de
maneira que o poeta está sempre em busca de realidades alternativas. Nesse cená-
Representação idealizada da natureza e do índio rio, a morte aparece como uma opção extrema, e atraente, para permitir a evasão
do “aqui e agora”. O amor é idealizado – ou seja, não se realiza fisicamente – e
a natureza, vista sob o prisma dos sentimentos negativos do eu-lírico, é retratada
2. A segunda geração (Ultrarromantismo) como locus horrendus. Essa caracterização panorâmica pode ser confirmada nos
Se a nota predominante da primeira geração romântica é o nacionalismo três poemas abaixo, todos bastante conhecidos.
ufanista, os poetas da segunda geração (chamados de ultrarromânticos) ficarão
conhecidos pelo mergulho em seu próprio interior. O resultado será uma poesia Soneto - Álvares de Azevedo
de caráter confessional, na qual o que está em jogo não é mais a construção de Pálida à luz da lâmpada sombria,
uma identidade nacional, mas a própria expressão dos sentimentos do eu-lírico. Sobre o leito de flores reclinada,
Os principais nomes desse segundo momento são Álvares de Azevedo, Junqueira Como a lua por noite embalsamada,
Freire, Fagundes Varela e Casimiro de Abreu. Entre as nuvens do amor ela dormia!
Capítulo 2 :: 23
Era a virgem do mar, na escuma fria Assim como o poema anterior, também este soneto tematiza um amor não-
Pela maré das águas embalada... realizado. Aqui, porém, o tom geral é de pessimismo. A impossibilidade de concre-
Era um anjo entre nuvens d’alvorada, tização do amor provoca sofrimento e pode conduzir à morte: “Morro, morro por
Que em sonhos se banhava e se esquecia! ti! na minha aurora / A dor do coração, a dor mais forte, / A dor de um desengano
me devora...”.
Era mais bela! o seio palpitando... Este é o dilema do ultrarromântico: ele ama profundamente, mas sabe que
Negros olhos as pálpebras abrindo... não pode consumar esse amor – ou estaria, de alguma forma, desonrando seu
Formas nuas no leito resvalando... anjo idealizado. Por isso mesmo, o soneto se abre com um pedido de desculpas:
o eu-lírico pede à amada que perdoe seus pensamentos impuros (“Se eu pensava
Não te rias de mim, meu anjo lindo! num beijo desmaiando / Gozar contigo a estação das flores”).
Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
GONÇALVES, Magaly Trindade; AQUINO, Zélia Thomaz de; Silva, Zina Bellodi. Se eu morresse amanhã - Álvares de Azevedo
Antologia de antologias. São Paulo: Musa, 1995 Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Esse soneto é um produto típico do ultrarromantismo. Embora o amor não se Minha mãe de saudades morreria
concretize, o poema mal consegue conter uma tensão erótica latente. Sublinhado Se eu morresse amanhã!
na terceira estrofe pelo emprego reiterado das reticências, esse erotismo velado
contrasta com o transbordamento sentimental sinalizado pelas sentenças exclama- Quanta glória pressinto em meu futuro!
tivas das demais estrofes. Que aurora de porvir e que manhã!
A mulher, por sua vez, é retratada, segundo os clichês da segunda geração, Eu perdera chorando essas coroas
como “anjo”, “virgem” e “Pálida” (lembre-se da associação da palidez com a Se eu morresse amanhã!
morte, tema tão presente nesse momento da nossa literatura). Essa representação
faz surgir uma figura vaga, etérea, que em nada remete à mulher “de carne e Que sol! que céu azul! que dove n’alva
osso” – trata-se, em suma, da típica figura feminina do ultrarromantismo. Por fim, Acorda a natureza mais louçã!
repare que as referências a “lâmpada sombria”, “lua” e “noite” ajudam a criar a Não me batera tanto amor no peito
atmosfera soturna tão característica da segunda geração. Se eu morresse amanhã!
Perdoa-me, visão de meus amores - Álvares de Azevedo Mas essa dor da vida que devora
Perdoa-me visão dos meus amores, A ânsia de glória, o dolorido afã...
Se a ti ergui meus olhos suspirando!... A dor no peito emudecera ao menos
Se eu pensava num beijo desmaiando Se eu morresse amanhã!
Gozar contigo a estação das flores! GONÇALVES, Magaly Trindade; AQUINO, Zélia Thomaz de; Silva, Zina Bellodi.
Antologia de antologias. São Paulo: Musa, 1995
De minhas faces os mortais palores,
Minha febre noturna delirando, Se o soneto anterior tematizava o amor não-correspondido e o sofrimento
Meus ais, meus tristes ais vão revelando proveniente dessa situação, este poema focaliza especificamente insatisfação
Que peno e morro de amorosas dores... romântica com o presente, que produz sofrimento e incentiva o escapismo.
Na segunda e na terceira estrofe, o eu-lírico ele parece lamentar os bons
Morro, morro por ti! na minha aurora momentos que perderia no futuro no caso de uma morte prematura: “Eu perdera
A dor do coração, a dor mais forte, chorando essas coroas / Se eu morresse amanhã!”; “Não me batera tanto amor
A dor de um desengano me devora... no peito / Se eu morresse amanhã”. A terceira estrofe, contudo, muda o rumo do
poema, o que é prenunciado pela conjunção adversativa “Mas”. Se antes a morte
Sem que última esperança me conforte, era algo negativo – por impedir as alegrias potenciais do futuro –, ela agora ganha
Eu – que outrora vivia! – eu sinto agora um lado positivo: evitar o sofrimento real do presente.
Morte no coração, nos olhos morte! Na segunda e na terceira estrofe, o eu-lírico sonha, devaneia – e, assim, ob-
GONÇALVES, Magaly Trindade; AQUINO, Zélia Thomaz de; Silva, Zina Bellodi. tém algum alívio, ainda que provisório, para a angústia que o consome. Ao sonhar,
Antologia de antologias. São Paulo: Musa, 1995 ele consegue evadir-se, por um instante, do presente doloroso. Nesse momento,
predomina o pretérito-mais-que-perfeito, indicando uma hipótese, uma suposição
24 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
(um valor semântico que expressaríamos hoje por meio do futuro do pretérito). em instrumento de denúncia, praticando uma poesia engajada. O principal nome
A última estrofe, porém, interrompe abruptamente o devaneio: “Mas essa dessa fase é o poeta Castro Alves, muito conhecido pela sua poesia em defesa da
dor da vida que devora / A ânsia de glória, o dolorido afã...”. A mudança para o libertação dos escravos.
presente do indicativo sinaliza que o sonho foi abortado, que a realidade concreta Pode-se observar aqui o início de uma mudança mais profunda, por meio da
e imediata se impôs. Como, porém, essa realidade provoca sofrimento, o eu-lírico qual o subjetivismo romântico vai gradualmente abrindo espaço para um olhar
passa a ansiar por uma forma extrema de evasão: a morte. mais objetivo sobre a realidade externa. Esse processo desembocará na estética
realista, que será estudada no próximo capítulo. No entanto, deve ficar muito
claro que a literatura condoreira ainda é francamente romântica, uma vez que os
A poesia de Casimiro de Abreu problemas sociais são captados pelo filtro de emoção, resultando em uma poesia
É importante chamar a atenção para as peculiaridades da obra de Casi- marcadamente sentimental.
miro de Abreu. Se a poesia ultrarromântica tende a ser noturna – associada Feito para ser declamado e insuflar os ouvintes, o poema condoreiro é vazado
a imagens de noite e escuridão, ambientes sombrios, presença da morte –, em uma linguagem que o aproxima da oratória. São frequentes, por isso mesmo,
Casimiro de Abreu tem como marca uma poesia diurna, ligada a ambientes as sentenças exclamativas. O tom grandiloquente é reforçado ainda pela presença
solares e destituída do caráter trágico. Embora também cante suas tristezas de hipérboles e imagens associadas à amplidão dos espaços. Veja este poema,
e a desilusão dos amores não concretizados, sua obra nem de longe traz a composto por Castro Alves à guisa de dedicatória do seu livro Espumas flutuantes.
carga de pessimismo e morbidez que caracteriza a maior parte da produção
ultrarromântica. Pelo contrário: sua marca registrada são os versos fáceis e Dedicatória
ternos, que cantam a morena vendendo flores e a natureza festiva. A pomba d’aliança o voo espraia
Mas, sobretudo, sua poesia retoma com insistência o tema da sauda- Na superfície azul do mar imenso,
de – um desdobramento da insatisfação romântica com o “aqui e agora”. Rente... rente da espuma já desmaia
Nesse sentido, dois são os alvos preferenciais do seu sentimento nostálgico: Medindo a curva do horizonte extenso...
o país (distante no espaço, quando o poeta se encontra no exílio) e a in- Mas um disco se avista ao longe... A praia
fância (distante no tempo). Vistos de longe, tanto um quanto o outro são Rasga nitente o nevoeiro denso!...
retratados segundo os parâmetros da idealização romântica: o país, como O pouso! ó monte! ó ramo de oliveira!
lugar paradisíaco; a infância, como uma época perfeita, plena de felicidade e Ninho amigo da pomba forasteira!...
irremediavelmente perdida.
Assim, meu pobre livro as asas larga
Neste oceano sem fim, sombrio, eterno...
O diagrama a seguir deve ajudá-lo a sintetizar e organizar os principais traços O mar atira-lhe a saliva amarga,
da poética ultrarromântica: O céu lhe atira o temporal de inverno...
O triste verga à tão pesada carga!
Escapismo Quem abre ao triste um coração paterno?...
Pessimismo,
(fuga da realidade É tão bom ter por árvore -- uns carinhos!
dor existencial
imediata) É tão bom de uns afetos -- fazer ninhos!
a recorrência de frases exclamativas, que realçam o caráter dramático e conferem Um resumo das três gerações da poesia romântica brasileira
ao poema o tom de oratória, mostrando que se trata de uma peça própria para 1ª geração Gonçalves Dias e Nacionalismo e indianismo
ser declamada. Gonçalves de Magalhães (perspectiva idealizada)
Por fim, é preciso dizer que a poesia de Castro Alves não se alimentou 2ª geração Álvares de Azevedo, Pessimismo, atração pela
apenas da temática social. Sua obra apresenta também uma vertente lírica, Casimiro de Abreu, Fagundes morte, escapismo, medo de
cuja marca mais evidente é o abandono da excessiva idealização amorosa do Varela, Junqueira Freire amar, locus horrendus
ultrarromantismo. Na prática, isso significa duas coisas: em primeiro lugar, as 3ª geração Castro Alves, Sousândrade Poesia engajada:
mulheres, agora mais reais e carnais, já não se conformam ao modelo ultrarro- (Joaquim de Sousa libertação dos escravos;
mântico das “virgens pálidas” e “anjos etéreos”; em segundo lugar, os poemas Andrade) tom de oratória
passam a registrar a possibilidade da consumação física do amor. Essa mudança
fica nítida no poema abaixo.
4. A prosa romântica brasileira
Boa-noite (fragmento) Como já dissemos, a prosa romântica brasileira se divide em quatro frentes:
Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora. romances urbanos, romances indianistas, romances regionalistas e romances his-
A lua nas janelas bate em cheio. tóricos. Aqui, apenas as três primeiras serão abordadas. O único escritor a ter se
Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde... dedicado a todas essas modalidades foi o cearense José de Alencar, considerado
Não me apertes assim contra teu seio. nosso maior romancista romântico. Além dele, destacam-se os nomes de Joaquim
Manuel de Macedo, Visconde de Taunay, Manuel Antonio de Almeida, Bernardo
Boa-noite!... E tu dizes — Boa-noite. Guimarães e Franklin Távora.
Mas não digas assim por entre beijos... Vistos em conjunto, esses romances compõem um grande mosaico do Brasil,
Mas não mo digas descobrindo o peito, abarcando o presente e o passado, a cidade e o campo, o interior e a capital. Como
— Mar de amor onde vagam meus desejos. obras tipicamente românticas, são protagonizados por heróis idealizados – sejam
índios nobres e honrados, mulheres lindas e cheias de dignidade ou sertanejos
Julieta do céu! Ouve... a calhandra valentes e apaixonados.
Já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira... 1. Romances urbanos
... Quem cantou foi teu hálito, divina! Os romances urbanos, ou romances de costumes, retratam o dia a dia da
ALVES, Castro. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004 vida na Corte (o Rio de Janeiro) e tendem a focalizar os hábitos e costumes da
burguesia. A exceção aqui fica por conta do romance Memórias de um Sargento de
O esquema abaixo resume e organiza os principais traços da poesia condoreira. Milícias, de Manuel Antonio de Almeida, que retrata as classes populares.
Tendência a uma maior objetividade De um modo geral, esses romances atualizam o tema do indivíduo que luta
contra a sociedade. Tipicamente, vê-se um casal apaixonado que precisa superar
obstáculos sociais para concretizar seu amor. Nesse trajeto, o herói e a heroína do
romance enfrentam aventuras, coincidências, surpresas, revelações – enfim, uma
Poesia social, engajada; Representação menos idealizada
sucessão de eventos que caracterizam o enredo de peripécias. O resultado é o final
libertação dos escravos da mulher e do amor
feliz, quando o casal pode enfim ficar junto e os vilões são punidos.
A importância do enredo de peripécias fica clara quando se sabe que os
romances românticos eram publicados por capítulos nas páginas dos jornais.
Linguagem próxima à da oratória Nesse contexto, os mistérios e revelações ajudavam a manter o interesse
do leitor e o faziam comprar a edição seguinte. Outro recurso para tornar a
narrativa interessante aos olhos do leitor, produzindo nele um sentimento de
Espaços amplos; hipérboles identificação, era a referência a lugares que o público conhecia e frequentava.
Ao fazer isso, nossos escritores adaptam o modelo de narrativa bem-sucedido
na Europa – baseado nas peripécias e no final feliz, elementos devidamente
incorporados – à realidade brasileira, emprestando à narrativa aquilo que ficou
conhecido como cor local.
26 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
2. Romances indianistas Para constatar isso, observe a imagem 1, uma reprodução da obra ro-
Por terem como protagonista o índio, o habitante original das nossas terras, mântica A destruição de um navio de transporte, de William Turner. Note como
os romances indianistas inscrevem-se em um dos grandes projetos do romantismo a pintura é construída por meio de pinceladas grossas e breves, quase como
brasileiro: definir uma identidade para a nação que estava surgindo. borrões ou manchas na tela. Os detalhes do navio ou a fisionomia das pessoas
Para isso, essas obras procuram resgatar o passado nacional, às vezes sob não ficam claros; os contornos não são nítidos. Isso mostra o abandono do
a forma de mitos e lendas. Os três romances indianistas de José de Alencar se ideal neoclássico de clareza e objetividade: a intenção não é retratar com
passam em épocas remotas, ainda que distintas: se em Ubirajara a ação trans- fidelidade a situação do naufrágio, mas evocar os sentimentos de pavor e
corre no período pré-cabralino, O guarani e Iracema já focalizam a interação desespero que ela desperta. Como já dissemos, o artista romântico apreende
entre o branco e o índio. Esta última obra apresenta, explicitamente, a gênese a realidade pelo filtro da emoção. Neste quadro, portanto, o distanciamento e
do povo brasileiro, simbolizado pelo menino Moacir, filho de Iracema (índia a frieza da arte clássica ou neoclássica dão lugar a uma atmosfera dramática
nativa) e Martim (branco europeu). e emocionalmente carregada.
Nas obras indianistas, nem a imagem da natureza nem a figura do índio Para isso, contribuem as cores utilizadas. Os tons escuros ajudam a criar um
escapam à idealização romântica. Exótica e majestosa, a natureza será fonte de clima sombrio, soturno. Lembre-se que esse é o tipo de cenário típico da segunda
belezas inigualáveis. O índio, por sua vez, encarna todos os atributos valorizados geração da poesia romântica. Além disso, note que a natureza é tratada como
pela moral burguesa: é honesto, apaixonado, fiel, honrado, etc. locus horrendus (lugar horrendo), ou seja, como um ambiente violento e ame-
açador, diante do qual o ser humano se percebe frágil. Como você já aprendeu,
3. Romances regionalistas a representação da natureza como locus horrendus é típica da arte romântica.
A ação dos romances regionalistas se passa no Brasil rural, longe da ambien- Não à toa, situações de tempestades e mares revoltos são temas frequentes na
te urbano da Corte. Dessa maneira, esses romances cumprem a missão de divul- pintura do Romantismo.
gar um Brasil desconhecido para os leitores da capital. Do interior do Ceará (em
O sertanejo, de José de Alencar) ao sertão do Mato Grosso (Inocência, de Vis- Imagem 1
conde de Taunay), dos pampas gaúchos (em O gaúcho, também de Alencar)
às fazendas do interior do Rio de Janeiro (A escrava Isaura, de Bernardo Gui-
marães), os romances regionalistas compõem um amplo painel da realidade
brasileira, contribuindo, assim, para o projeto romântico de construção de uma
identidade nacional.
Das páginas desses romances, emerge uma paisagem exótica – que assinala,
na sua singularidade, a própria originalidade do país – e, como era de se esperar,
idealizada. Graças a essas obras, o leitor da capital fica conhecendo também os
costumes, os trajes e um pouco do linguajar típico de um Brasil em muitos sentidos
pitoresco e arcaico.
5. Do texto para a imagem William Turner, A destruição de um navio de transporte, circa 1810.
O Romantismo foi um movimento artístico e filosófico amplo, que repre- A imagem 2, por outro lado, aborda uma questão política. Trata-se de uma
sentou uma profunda mudança de sensibilidade. Como era de se esperar, essa reprodução daquele que é, talvez, o quadro mais conhecido do Romantismo: A Li-
mudança se manifestou não apenas na literatura, mas também nas artes plás- berdade guiando o povo, do pintor francês Eugene Delacroix. Como você já sabe,
ticas e na música. o Romantismo é uma arte burguesa – e a burguesia finalmente chegou ao poder
A pintura romântica é consideravelmente heterogênea, mas é possível identi- no século 18 defendendo ideais de liberdade e igualdade. Aqui, cabe lembrar o
ficar nela a manifestação de alguns dos ideias estéticos, filosóficos e políticos que primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão:
você já observou na produção literária do Romantismo brasileiro. “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos [...]”.
Fundamentalmente, a pintura romântica é arrebatadora, dramática e sen- Nesse quadro, uma mulher seminua, que aparece em destaque, personifica
timental. Assim como ocorre na literatura, trata-se de uma arte fortemente o ideal da liberdade. Nesse sentido, é interessante notar que o povo não está
carregada nas tintas emocionais. Com o advento do Romantismo, a frieza e a sendo guiado por alguma espécie de líder, chefe ou guru. A rigor, se quem guia
estaticidade da pintura neoclássica (ver capítulo 2) ficam definitivamente supera- o povo é a Liberdade, isso significa que os indivíduos comuns são livres para
das. Mais do que representar situações em si mesmas, o pintor romântico busca decidirem sobre seu próprio destino, ou seja, para comandaram suas vidas da
captar as emoções que essas situações provocam. Nesse sentido, trata-se, como forma como desejarem. No fundo, portanto, o povo não está sendo guiado por
era de se esperar, de uma arte marcadamente subjetiva. ninguém; ou melhor, ele guia a si mesmo.
Capítulo 2 :: 27
Ora, esse é precisamente o ponto fundamental da ideologia burguesa e Se rires – rio, se chorares – choro,
republicana que então se consolidava. Com o declínio das monarquias absolutis- E bebo o pranto que banhar-te a tez.
tas, o indivíduo não deve mais obediência a um rei; agora, ele passa a obedecer Vem reclinar-te, como a flor pendida,
tão-somente a um conjunto de leis que nada mais são do que a expressão da Sobre este peito cuja voz calei;
vontade do próprio povo. Com isso, pela primeira vez, o indivíduo se torna pro- Pede-me um beijo... e tu terás, querida,
priamente um cidadão. E o povo, que antes era uma massa anônima com muitos Toda a paixão que para ti guardei.
deveres e quase nenhum direito, finalmente se torna um elemento importante
na dinâmica social. Do morto peito vem turbar a calma,
Nesse sentido, é relevante o fato de que o protagonista do quadro é povo, Virgem, terás o que ninguém te dá;
como um todo, e não algum líder iluminado. Evidentemente, quem aparece em Em delírios d’amor dou-te a minha alma,
destaque é um indivíduo específico – a mulher seminua que carrega a bandeira Na terra, a vida, a eternidade – lá!
da França. Mas, aqui, seguir a Liberdade não significa subordinar-se a um indiví- Casimiro de Abreu. Obras de Casimiro de Abreu.
duo; trata-se, na verdade, de lutar por um ideal: o direito de não se subordinar a
um monarca absolutista. Nesse sentido, o povo retratado da tela não está acom- Questão comentada (UFF / 2006 - LPLB) Justifique, em pelo menos uma
panhando passivamente um líder – está, na verdade, perseguindo ativamente frase completa, por que o texto acima pertence ao Romantismo.
um objetivo. E as pilhas de mortos sobre os quais a multidão avança, bem com
as armas nas mãos dos revoltosos (e da própria Liberdade), não deixam dúvida: Resposta: Trata-se de um poema confessional, em que o eu-lírico confessa
o preço a pagar pela conquista desse ideal foi bastante alto. o seu amor à sua musa; esta é uma das faces do subjetivismo característico do
Romantismo.
Imagem 2 Comentário: Para comprovar a resposta apresentada no gabarito oficial,
reproduzido acima, observe que uma marca gramatical recorrente no poema é a 1ª
pessoa do singular: “o meu sonhar de louco”, “eu te caio aos pés”, “(eu) choro”,
etc. Esse uso reflete a poesia de caráter confessional, ou seja, uma poesia em
que o eu-lírico expressa seus sentimentos, dá vazão à sua interioridade (observe
que o adjetivo confessional vem de confissão). Essa postura poética corresponde
ao famoso subjetivismo romântico, entendido aqui como a prática de uma poesia
confessional – o eu-lírico fala de si mesmo, de seus próprios sentimentos.
Além do subjetivismo, caberá registrar também o sentimentalismo exacerba-
do, quer dizer, o derramamento emocional que se manifesta em passagens como
as seguintes: “eu te caio aos pés”, “E bebo o pranto que banhar-te a tez” ou “Em
delírios d’amor dou-te a minha alma”.
2) (UFRJ / 1999) Associado ao tema da infância, o texto de Casimiro de Abreu Texto para a questão 4
aborda ainda outro tema significativo na literatura romântica: a relação entre o A lagartixa
homem e a natureza . A lagartixa ao sol ardente vive
Ao tratar desse tema, o texto segue o padrão literário romântico? Justifique E fazendo verão o corpo espicha:
a resposta, com suas palavras. O clarão de teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sou a lagartixa.
3) (PUC / 2010) A poética de Álvares de Azevedo filia-se a uma das fases mais Que me resta, meu Deus? morra comigo
representativas da literatura romântica no Brasil, o “mal-do-século” ou ultrarroman- A estrela de meus cândidos amores,
tismo. Destaque duas características dessa fase presentes no poema, exemplifican- Já que não levo no meu peito morto
do a sua resposta com versos retirados do texto. Um punhado sequer de murchas flores!
Capítulo 2 :: 29
5) (UFRJ / 2008) O poema de Álvares de Azevedo trabalha com o par desejo/ Ardendo em generosas fantasias,
realidade. Com base nessa afirmação, demonstre, a partir de elementos textuais, Em rajadas de amor e de vitória:
que “Adeus, meus sonhos!” constitui forte ilustração da poética da segunda gera-
ção romântica, à qual pertence o autor. Campeão e trovador da Idade Média,
Herói no galanteio e na cruzada,
Viver entre um idílio e uma tragédia;
Como os orvalhos que descem 11) (UFRJ / 2002) Qual a geração romântica a que pertence o poema e que
Da noite num beijo frio, traço estilístico-formal é dominante na estrofe acima?
O cauã canta bem triste,
Mais triste é meu coração.
Dir-se-ia que naquele doce instante (D) Olhar descrente sobre as relações amorosas. / Olhar irônico sobre as
Brincavam duas cândidas crianças... relações amorosas.
A brisa, que agitava as folhas verdes, (E) Utilização de citações clássicas. / Utilização de recursos de humor.
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
17) (Uerj/2009 – LPLB - adaptada) Bernardo Guimarães emprega diferentes
E o ramo ora chegava, ora afastava-se... figuras de linguagem. Observe o fragmento:
Mas quando a via despeitada a meio, No sertão, ao cair da noite, todos tratam de dormir, como os passarinhos. As
P’ra não zangá-la... sacudia alegre trevas e o silêncio são sagrados ao sono, que é o silêncio da alma.
Uma chuva de pétalas no seio... Retire desse fragmento uma figura de linguagem, nomeando-a. Explique
também a relação entre o emprego dessa figura e a estética romântica.
Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
“Ó flor! — tu és a virgem das campinas!
“Virgem! tu és a flor da minha vida!...” 18) (Uerj/1999 – 1ª fase) A idealização do índio foi uma das características
CASTRO ALVES. Espumas flutuantes. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986. P. 124-125 do Romantismo no Brasil.
Uma visão crítica em relação a essa idealização está presente em:
Texto II (A) “É certo que a civilização brasileira não está ligada ao elemento indiano
o amor, esse sufoco nem dele recebeu influxo algum.” (Machado de Assis)
agora há pouco era muito, (B) “São todos Timbiras, guerreiros valentes!/ Seu nome lá voa na boca
agora apenas um sopro das gentes, / Condão de prodígios, de glória e terror!” (Gonçalves Dias)
ah, troço de louco (C) “Meus Guainás, bradava, dura guerra / Temos que sustentar contra os
Tamoios, / Pelo feroz Aimbire comandados.” (Gonçalves de Magalhães)
corações trocando rosas, (D) “As leis da cavalheria no tempo em que ela floresceu em Europa não
e socos excediam por certo em pundonor e brios à bizarria dos selvagens brasileiros.”
LEMINSKI, Paulo. Melhores poemas. São Paulo: Global, 1996. p. 119 (José de Alencar)
Resposta: Tom marcadamente subjetivo e emocional (“Beijei na areia os -- Já estou boa. Não vês?
sinais de teus passos”); sentimentalismo exagerado (“Que suprema delícia, meu Realmente as rosas de suas faces viçavam; era cintilante o brilho que desferia
Deus, foi para mim a dor que me causavam os meus pulsos magoados pelas tuas a sua pupila negra. Pelos lábios úmidos lentejava a onda perene de um sorriso, que
mãos!”); exploração de uma temática ligada aos seguintes elementos: sofrimen- orvalhava-lhe o semblante de luz e graça.
to, dor, ira, indignação, perdão e paixão (“Como abençoei este sofrimento!... Era -- Ainda bem! Já me habituaste a só achar bonito aquilo que vejo através do
alguma cousa de ti, um ímpeto de tua alma, a tua cólera e indignação...”). teu mimoso sorriso. Agora é que eu começo a gozar desta linda manhã.
Comentário: O gabarito oficial já é bastante completo: traz três caracte- Trocamos ainda algumas palavras.
rísticas românticas presentes no fragmento – tom subjetivo e emocional; sen- De repente Lúcia atirou-se a mim. Com uma arrebatada veemência esmagou
timentalismo exagerado; e temática ligada aos sentimentos (sofrimento, dor, na minha boca os lábios túrgidos, como se os prurisse fome de beijos que a devo-
ira, indignação, perdão, paixão) –, além de um trecho que exemplifica cada um rava. Mas desprendeu-se logo dos meus braços, e fugiu veloz’ ardendo em rubor,
desses aspectos. sorvendo num soluço o seu último beijo.
Para além disso, é interessante observar algumas marcas gramaticais que Fugiu, e ao passar fechou a porta que comunicava com o interior.
denotam o tom subjetivo e o excesso de sentimentalismo. Nesse sentido, note o Contrariado por este obstáculo, consolei a minha impaciência com o sabor a
uso recorrente de exclamações, que sinaliza o exacerbamento sentimental. Cabe esperança que se insinuara no meu coração. A fúria amorosa dos primeiros tempos,
observar ainda o uso da primeira pessoa (“Beijei”; “meus próprios lábios”; “foi recalcada por uma força misteriosa, despertava. Outra vez a febre voluptuosa nos
para mim a dor que me causavam”) e da interjeição “meu Deus” (lembre que arrebataria para abrir-nos a mansão do prazer e dos mágicos deleites.
ALENCAR, José. Romances ilustrados de José de Alencar.
interjeições exprimem sentimentos e sensações, revelam estados de espírito).
Rio de Janeiro: J. Olympio, Brasília: INL, 1977.
a pequena muralha e resolvido a estabelecer ali o meu observatório. Para um Sem qu’inda aviste as palmeiras,
provinciano recém-chegado à corte, que melhor festa do que ver passar-lhe pelos Onde canta o Sabiá.
olhos, à doce luz da tarde, uma parte da população desta grande cidade, com os DIAS, Gonçalves. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1959, p. 103
seus vários matizes e infinitas gradações?
Todas as raças, desde o caucasiano sem mescla até o africano puro; todas as Questão comentada (UFF / 2002) O “exílio”, tema recorrente na literatura
posições, desde as ilustrações da política, da fortuna ou do talento, até o proletário brasileira, aparece na composição Sabiá de Tom Jobim e Chico Buarque (presentes
humilde e desconhecido; todas as profissões, desde o banqueiro até o mendigo; ao “Festival da Canção” de 1968) e na poesia Canção do Exílio de Gonçalves Dias
finalmente, todos os tipos grotescos da sociedade brasileira, desde a arrogante das quais se destacam os fragmentos acima. Após a leitura dos fragmentos de
nulidade até a vil lisonja, desfilaram em face de mim, roçando a seda e a casimira Sabiá (1968) e da Canção do Exílio (1843) depreende-se que:
pela baeta ou pelo algodão, misturando os perfumes delicados às impuras exala- (a) A imagem do sabiá nos dois fragmentos representa simbolicamente, ape-
ções, o fumo aromático do havana às acres baforadas do cigarro de palha. nas, uma referência à terra natal distante.
ALENCAR, José de. Lucíola. São Paulo: Editora Ática, 1988, p. 12. (b) O poema de Gonçalves Dias e a composição Sabiá se inserem na estética
romântica de valorização da terra nacional como um lugar criticamente construído.
Texto II (c) A composição de Tom Jobim e Chico Buarque aponta uma recuperação do
Quando a manhã chuvosa nasceu, as pessoas que passavam para o trabalho espaço da pátria, como um direito do homem; o poema de Gonçalves Dias revela o
se aproximavam dos corpos para ver se eram conhecidos, seguiam em frente. Lá desejo, num lamento de saudade, da volta do homem para a pátria.
pelas nove horas, Cabeça de Nós Todo, que entrara de serviço às sete e trinta, (d) O eu-lírico, nos dois fragmentos, encontra-se fisicamente longe da pátria,
foi ver o corpo do ladrão. Ao retirar o lençol de cima do cadáver, concluiu: “É apontando a distância como causa da angústia e da saudade.
bandido”. O defunto tinha duas tatuagens, a do braço esquerdo era uma mulher (e) Os dois fragmentos descrevem as belezas da pátria, motivo da saudade e
de pernas abertas e olhos fechados, a do direito, são Jorge guerreiro. E, ainda, da esperança imediata de voltar.
calçava chinelo Charlote, vestia calça boquinha, camiseta de linha colorida confec-
cionada por presidiários. Porém, quando apontou na extremidade direita da praça Resposta: C
da Quadra Quinze, em seu coração de policial, nos passos que lhe apresentavam Comentário: Nos dois textos, observa-se que o eu-lírico está distante de sua
a imagem do corpo de Francisco, um nervosismo brando foi num crescente ininter- terra natal – está, portanto, no exílio. Isso fica claro nos seguintes versos: “Sei
rupto até virar desespero absoluto. O presunto era de um trabalhador. que ainda vou voltar / Para o meu lugar” (texto I) e “Não permita Deus que eu
LINS, Paulo. Cidade de Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 55-56. morra / Sem que eu volte para lá” (texto II). Ora, se o eu-lírico tem a intenção
de voltar para a sua terra, é porque não está nela, o que comprova a leitura de
2) (PUC / 2008) O romance “Lucíola”, publicado em 1862, é considerado uma que está exilado.
das mais importantes obras de José de Alencar. Cite TRÊS aspectos que marcam o Trata-se, no entanto, de exílios diferentes. O segundo texto, como você já
estilo de época a que se filia o autor, tendo como referência o fragmento selecionado. sabe, foi produzido no contexto do Romantismo brasileiro. Assim, revela o senti-
mento de saudade do poeta que, exilado, idealiza as belezas da sua terra natal.
O primeiro texto estabelece um diálogo intertextual com o segundo: preste
atenção, em especial, nos dois últimos versos, quando o eu-lírico afirma que ainda
Grupo 3 – Contraste entre o Romantismo e outras escolas há de ouvir cantar “um sabiá”. Trata-se de uma canção escrita em 1968, portando
durante a ditadura militar brasileira. Note que a data de produção dos textos é
Textos para a questão comentada fundamental nesta questão – não é à toa que elas estão explicitadas no próprio
Texto I enunciado. Sabendo que a canção “Sabiá” (texto I) foi produzida durante o re-
Vou voltar gime militar, é possível inferir que o exílio, neste caso, tem caráter político. Isso
Sei que ainda vou voltar significa que o eu-lírico, aqui, está exilado contra a sua vontade. Por isso mesmo,
Para o meu lugar é possível afirmar que o texto I anuncia a recuperação de um direito perdido, que
Foi lá e é ainda lá é precisamente o direito de habitar a terra natal.
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá
BUARQUE, Chico. Letra e música. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 57 Texto para a questão 1
Jardim da infância
Texto II Qualquer vegetal, pássaro, inseto
Não permita Deus que eu morra, ou tremor de vento e onda
Sem que eu volte para lá; me tocam mais
Sem que desfrute os primores que o mais acrílico artefato
Que não encontro por cá; e platinado aço da sala.
Capítulo 2 :: 35
Há dois minutos um bem-te-vi pousou Utilize os textos da questão 2 do grupo 2 para responder também
nas grades do terraço, beliscou algo amarelo à questão abaixo
e livre se foi marrom para o telhado.
2) (PUC / 2008) Os Textos I e II são narrativas urbanas que têm como cenário
Ah, minhas mesas, móveis, cama. o Rio de Janeiro. Compare os trechos dos dois romances acima transcritos, esta-
Eu não amaria sequer esses livros belecendo diferenças em relação à percepção da cidade e suas personagens e à
se não soubesse da matéria orgânica linguagem utilizada pelos respectivos autores.
condensada em suas páginas.
Não sei como puderam nascer sem mim, em outras terras, Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
as edelweiss, blue bonnets, tulipas e cerejeiras. para poder, com ela, o infinito transpor;
sentir a vida triste, insípida, isolada,
Como pude respirar todo esse tempo buscar um companheiro e encontrar um senhor...
sem a diferença entre hibiscos e gardênias,
confundindo tumbérgias com hipocampos, Ser mulher, calcular todo o infinito curto
dama-da-noite com dama das camélias, para a larga expansão do desejado surto,
eu, no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...
desmemoriado cavaleiro da rosa,
sem brincos de princesa, Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza!
trombetas e espadas de São Jorge, ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
mal sabendo que era na casa de Tia Antonieta MACHADO, Gilka. Poesias completas. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial: FUNARJ, 1991. p.106
que nasciam as violetas africanas.
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Que país é este? e outros poemas. 3) (UFRJ / 2010) Compare a imagem da mulher idealizada e sublime, crista-
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. lizada na tradição literária romântica, com a imagem da mulher construída no
texto acima.
1) (Uerj / 2007-LPLB – adaptada) O tema da infância está muito presente na
trajetória lírica brasileira desde o século XIX. O poeta Casimiro de Abreu a retratou
pela ótica do Romantismo em um texto famoso e representativo:
Meus Oito Anos Gabarito
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida Grupo 1
Da minha infância querida 1) Não segue integralmente, pois, no último parágrafo, atribuem-se à infân-
Que os anos não trazem mais! cia traços negativos, que desmitificam sua imagem de passado idealizado a que
(ABREU, Casimiro. Obras de Casimiro de Abreu. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1955.) se desejaria retornar.
No texto de Affonso Romano de Sant’Anna, porém, apresenta-se uma outra 2) Sim, segue, pois a relação entre o homem e a natureza é apresentada de
imagem da infância. forma idealizada, já que, no texto, a natureza é lugar paradisíaco de experiências
Transcreva os versos do poema de Affonso Romano de Sant’Anna que remon- positivas.
tam à infância e explique a diferença na abordagem do tema pelos dois poetas. 3) Dentre as inúmeras características do “mal-do-século” presentes no poe-
ma, destacam-se as seguintes: o sentimentalismo exagerado (“Adeus, minh’alma,
adeus! eu vou chorando...”, “Mas antes de partir, antes que a vida, / Se afogue
36 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
numa lágrima de dor”); o subjetivismo (“Só contigo eu podia ser ditoso, / Em Vou procurá-la bem longe,
teus olhos sentir os lábios meus!”); o clima onírico (“Na solidão onde eu sonhava Lá pelas bandas da serra.” (versos 26-28)
em ti” , “Sonhei muito! sonhei noites ardentes”); o culto do sofrimento e da 11) Última geração, preocupada com o social; o uso de exclamações para
morte (“Sinto o peito doer na despedida” , “Eu morro de ciúme e de saudade...”). expressar indignação; grandiloquência.
4) O texto não confirma as afirmativas, como bem o comprovam sua seleção 12) A temática social abordada por Castro Alves, explicitada na denúncia dos
vocabular e seu tratamento poético. A caracterização do amante (“lagartixa”) e horrores da escravidão e na luta pela sua abolição, difere por completo dos tópicos
da amada (“clarão”, “sol”, “vinho”, “sono”, “copo”, “leito”, “néctar de amor”, recorrentes na fase do Ultra-Romantismo ou “Mal do Século”, representados por
“travesseiro”, “rosas mais gentis”, “harém”, “minha bela”, “olhos namorados”, poemas que abordam, num universo de pessimismo e angústia, os seguintes as-
“sol de verão”) cria uma atmosfera positiva, solar, amena, bem humorada, ex- pectos: individualismo, solidão, melancolia, frustração e morte.
pressando a harmonia entre os amantes. 13) B 14) D 15) D 16) C
5) No poema de Álvares de Azevedo, o sonho de uma concretização amorosa 17) é o silêncio da alma: metáfora
desfaz-se diante de uma realidade que frustra o desejo do eu-lírico: adeus meus Essa figura de linguagem expressa uma visão particular da natureza e do
sonhos, eu pranteio e morro!. Esse quadro se configura numa atmosfera típica da mundo, de acordo com a ênfase na subjetividade do Romantismo
segunda geração romântica: mórbida e melancólica. 18) A
6) Traço - A visão subjetiva ou intimista da natureza.
Um dos exemplos:
• Amo o vento da noite sussurrante Grupo 2
• E os monótonos sons de uma viola 1) Elemento: foco narrativo na 1ª pessoa.
Traço - A preferência pela noite, pela lua, pelos aspectos nebulosos da natureza. Uma dentre as explicações:
Um dos exemplos: expressa a subjetividade do narrador
• E a estrada que além se desenrola/No véu da escuridão; manifesta o ponto de vista pessoal do narrador
• Onde a lua na praia macilenta/Vem pálida luzir; Elemento: espaço físico ou natural
• E o longo vale de florinhas cheio/E a névoa que desceu, Explicação: ênfase na cor local
7) Nesses versos, o passado é idealizado (tem valor positivo), e o presente 2) O estilo de época a que se filia Alencar é o Romantismo. Alguns aspectos
é desvalorizado (assume valor negativo). Os adjetivos que exemplificam essa re- desse estilo presentes no fragmento de “Lucíola” são os seguintes: visão subjetiva
criação da ambiência romântica são “apagada” e “merencória” para o presente e da realidade, descrição minuciosa dos elementos naturais e humanos, constatação
“áureos” e “épicos” para o passado. dos aspectos que marcam a vida em sociedade naquele momento histórico, esta-
(O candidato poderá escolher entre uma das oposições seguintes: passado belecimento da tensão entre a corte e a província.
positivo x presente negativo ou passado idealizado x presente desvalorizado ou
insatisfatório. Poderá, ainda, apontar apenas um adjetivo para a caracterização de Grupo 3
cada uma das marcações temporais - passado e presente.) 1) mal sabendo que era na casa de Tia Antonieta / que nasciam as violetas
8) Nos tercetos do poema, o sujeito é definido como um ser acentuadamente africanas
idealista, sonhador, passional, arrebatado, sentimental, combativo, aventureiro, Em Meus Oito Anos, a infância é uma fase da vida idealizada como uma
heroico. No primeiro terceto, os substantivos que definem o sujeito de acordo com felicidade irremediavelmente perdida; em Jardim de Infância, trata-se de um tempo
a perspectiva romântica são “campeão”, “trovador” e “herói”. em que temos contato com situações que podemos vir a conhecer melhor, ou de
(O candidato deverá assinalar apenas dois aspectos definidores do sujeito outro modo, mais tarde.
no poema. Bastará, ainda, ao candidato registrar dois substantivos retirados do 2) José de Alencar destaca de maneira idealizada as belezas naturais da
primeiro terceto.) cidade e as diferenças socioeconômicas entre seus habitantes, utilizando-se de
9) Os procedimentos sintáticos utilizados para enfatizar essa diferença são a uma linguagem marcada por um excessivo descritivismo, com predomínio de
inversão da colocação do pronome indefinido e a sua repetição. períodos longos e amplo uso de adjetivação. Paulo Lins, por sua vez, descreve
(O candidato poderá apontar ainda o encadeamento que se cria entre os dois de forma realista a cena urbana e seus conflitos socioculturais, valendo-se de
pronomes indefinidos, decorrente do deslocamento do primeiro pronome. Serão uma linguagem seca e econômica, com períodos mais curtos e pouco uso de
aceitos também como resposta os nomes das figuras correspondentes à repetição adjetivos valorativos.
e ao deslocamento, ocorridos no poema.) 3) No texto, a imagem da mulher, aprisionada pela realidade e pelos precei-
10) “Não quero mais esta vida, tos sociais, nega a imagem da mulher idealizada e sublime, cristalizada na tradição
Não quero mais esta terra. literária romântica.
Vou procurá-la bem longe,” (versos 25-27)
OU
“Não quero mais esta terra.
3
Literatura Brasileira (III):
Realismo e naturalismo
38 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
1. Realismo, Naturalismo e No primeiro caso, toda a descrição está impregnada do ponto de vista pessoal
Parnasianismo: visão geral do narrador. Mais do que um retrato da paisagem ou da natureza fluminense, o
que esse fragmento nos mostra são as percepções e reações do narrador diante
O final do século XIX testemunha o surgimento de três tendências artísticas desse cenário. Trata-se, portanto, de uma descrição marcadamente subjetiva, pró-
que, embora consideravelmente distintas, provêm de uma fonte comum. Estamos pria do estilo romântico.
falando do Realismo, do Naturalismo e do Parnasianismo. Essas três escolas refle- Os outros dois fragmentos, contudo, são bem diferentes. A maneira como
tem, cada qual à sua maneira, uma marca da sociedade da época: a euforia com o personagem Cintinho e o palácio são retratados revela a tentativa de alcançar
o desenvolvimento científico. uma descrição impessoal, da qual a figura do narrador (no romance) ou do eu-
Se, na primeira metade do século XIX, o escritores românticos praticaram lírico (no poema) esteja ausente. Nesse sentido, pode-se dizer que, de um modo
uma literatura calcada na subjetividade e na imaginação, tal panorama irá se geral, a literatura de fins do século XIX tem como marca predominante a busca
alterar radicalmente na segunda metade do século. Fortemente influenciados pelo pela objetividade.
desenvolvimento das ciências, os escritores do período produzirão uma literatura Neste capítulo, falaremos especificamente do Realismo e do Naturalismo. São
em quase tudo oposta à dos românticos: no lugar da imaginação, entra a obser- duas tendências que se afastam decididamente dos modelos consagrados pelos
vação atenta da realidade; no lugar da postura subjetivista, procurarão retratar a romances românticos. Com elas, saem de cena o herói idealizado, o derramamen-
realidade de modo objetivo, representando-a tão fielmente quanto possível. to sentimental e o final feliz tão característicos do Romantismo. Vamos conhecer
Explica-se: o ideal das ciências é, precisamente, descrever, analisar e inter- agora cada um desses estilos.
pretar a realidade, de modo a entender como ela funciona em cada um de seus
aspectos (físicos, biológicos, sociológicos, etc.). Para isso, é preciso observá-la com
distanciamento, de maneira objetiva. 2. Realismo
Para esclarecer esse ponto, oferecemos abaixo três exemplos. O primeiro é
um fragmento do romance romântico Lucíola, de José de Alencar. Procure con- 1. Informações iniciais
trastá-lo com os outros dois exemplos. O segundo trecho foi extraído do romance O início do Realismo no Brasil costuma ser associado à publicação das Me-
A cidade e as serras (do escritor português Eça de Queirós), ao passo que o terceiro mórias Póstumas de Brás Cubas (1881), revolucionário romance de Machado de
é a primeira estrofe do poema Fantástica (do brasileiro Alberto de Oliveira). Assis. O autor, cuja obra conta também com uma fase romântica (certamente
menos valorizada), publicou ainda clássicos como Dom Casmurro e Esaú e Jacó.
Lucíola Ao lado de Machado, encontramos ainda Raul Pompéia. Seu romance
Uma brisa ligeira, ainda impregnada das evaporações das águas, refrescava O Ateneu, porém, é bastante singular, e dificilmente poderia ser enquadrado com
a atmosfera. Os lábios aspiravam com delícias o sabor desses puros bafejos, que tranquilidade em qualquer escola literária.
lavavam os pulmões fatigados de uma respiração árida e miasmática. Os olhos
se recreavam na festa campestre e matutina da natureza fluminense, da qual as
belezas de todos os climas são convivas. 2. Visão geral
ALENCAR, José de. Lucíola. São Paulo: Moderna, 1993 O compromisso da estética realista é com a realidade objetiva – e não com a
imaginação ou com a interioridade do sujeito. Na tentativa de reproduzir fielmente
A cidade e as serras essa realidade, os escritores se apegarão aos detalhes. Isso fica claro nesta passa-
O Cintinho crescera. Era um moço mais esguio e lívido que um círio, de longos gem de Madame Bovary, livro do escritor realista francês Gustave Flaubert:
cabelos corredios, narigudo, silencioso, encafuado em roupas pretas, muito largas
e bambas; de noite, sem dormir, pôr causa da tosse e de sufocações, errava em Os ruídos cidade quase não chegavam até eles; e o quarto parecia peque-
camisa com uma lamparina através do 202; e os criados na copa sempre lhe no, feito de propósito para encerrar ainda mais sua solidão. Emma, vestida com
chamavam a Sombra. um penhoar de fustão, apoiava seu coque no encosto da velha poltrona; o papel
QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras. São Paulo: Ática, 2009 amarelo da parede fazia como um fundo dourado atrás deles: e sua cabeça nua
se repetia no espelho com o repartido branco ao meio, e a ponta de suas orelhas
Fantástica (fragmento) sobressaindo sob seus bandos.
Erguido em negro mármor luzidio, FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. São Paulo: Abril, 1979
relações conjugais deterioradas, bem como a corrupção e a ganância dos padres, 2. Visão geral
tornam-se temas recorrentes. Dissemos acima que o escritor realista incorpora a postura científica ao propor
A título de exemplo, observe o fragmento abaixo, retirado do romance um olhar objetivo sobre realidade. Mas o escritor naturalista vai além na sua ade-
O primo Basílio, do escritor português Eça de Queirós. Nele, a protagonista Luísa, são ao cientificismo: ele se propõe a elaborar o chamado romance experimental
que tem um caso com Basílio, recebe uma carta de seu marido, Jorge: (ou romance de tese). Esse é o nome dado aos romances que pretendiam compro-
var, por meio do destino dos seus personagens, teorias científicas (ou, em alguns
Àquela hora, Luísa recebia uma carta de Jorge. Era de Portel, com muitas casos, pretensamente científicas) em voga na época.
queixas sobre o calor, sobre as más estalagens; histórias sobre o extraordinário Dentre essas teorias, a que mais impactou a produção literária foi, provavel-
parente de Sebastião, – saudades e mil beijos... mente, o Determinismo, paradigma desenvolvido pelo francês Hippolyte Taine.
Não a esperava, e aquela folha de papel cheia de uma letra miudinha, que Segundo a doutrina determinista, o comportamento de um indivíduo poderia ser
lhe fazia reaparecer vivamente Jorge, a sua figura, o seu olhar, a sua ternura, previsto a partir da conjugação de três fatores: sua raça, o meio em que vivia e o
deu-lhe uma sensação quase dolorosa. Toda a vergonha dos seus desfalecimentos momento histórico em que estava inserido. Algumas obras naturalistas procurarão
cobardes, sob os beijos de Basílio, veio abrasar-lhe as faces. Que horror deixar- demonstrar a validade dessa tese. É o caso do principal romance naturalista brasi-
se abraçar, apertar! No sofá o que ele lhe dissera, com que olhos a devorara! leiro – O Cortiço, de Aluísio Azevedo –, repleto de personagens que acabam por
... Recordava tudo, – a sua atitude, o calor das suas mãos, a ternura da sua sucumbir ao ambiente degradado e insalubre em que vivem (o tal cortiço que dá
voz... E maquinalmente, pouco a pouco, ia-se esquecendo naquelas recordações, título à obra).
abandonando-se-lhe, até ficar perdida na deliciosa lassidão que elas lhe davam, Um exemplo típico é o da personagem Pombinha, inicialmente descrita da
com o olhar lânguido, os braços frouxos. seguinte forma:
QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. Porto Alegre: L&PM, 2002
A filha era a flor do cortiço. Chamavam-lhe Pombinha. Bonita, posto que en-
Além de ilustrar o tema do adultério, uma das “doenças sociais” mais fre- fermiça e nervosa ao último ponto; loura, muito pálida, com uns modos de menina
quentemente apontadas nas obras realistas, esse exemplo flagra um procedimento de boa família. A mãe não lhe permitia lavar, nem engomar, mesmo porque o
comum nesse estilo literário: a análise psicológica dos personagens. Pela voz do médico a proibira expressamente.
narrador (“Toda a vergonha dos seus desfalecimentos cobardes”) e também por AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Moderna, 2007
meio do discurso indireto livre (“Que horror deixar-se abraçar, apertar!”), testemu-
nhamos o conflito moral da protagonista, que parece hesitar entre a lealdade ao Ao final da história, porém, somos informados do destino da personagem:
marido e as tentações oferecidas pelo amante. Sob o prisma do realismo literário,
porém, não há dúvidas sobre quem sairá vencedor dessa disputa: a autocrítica de A serpente vencia afinal: Pombinha foi, pelo seu próprio pé, atraída, meter-se-
Luísa dura pouco, e rapidamente ela se perde “na deliciosa lassidão [...], com o lhe na boca. A pobre mãe chorou a filha como morta; mas, visto que os desgostos
olhar lânguido, os braços frouxos.”. O vício derrotou a virtude. não lhe tiraram a vida por uma vez e, como a desgraçada não tinha com que matar
O esquema abaixo permite uma visão geral da literatura realista. a fome, nem forças para trabalhar, aceitou de cabeça baixa o primeiro dinheiro que
Pombinha lhe mandou. E, desde então, aceitou sempre, constituindo-se a rapariga
Objetivismo no seu único amparo da velhice e sustentando-a com os ganhos da prostituição.
Para além do Determinismo, é preciso mencionar ainda os estudos do natura- Por fim, é importante sublinhar uma outra diferença entre Realismo e Natura-
lista inglês Charles Darwin a respeito da evolução e da seleção natural. Graças às lismo: enquanto o primeiro se dedica à análise psicológica de personagens individu-
descobertas de Darwin, o ser humano passa a se enxergar como um animal como ais, o segundo demonstra uma preferência acentuada pelas grandes aglomerações
outro qualquer – movido, portanto, muito mais pelos instintos do que pela razão. humanas, como uma maneira de reforçar a desumanização dos personagens. A
A animalização do homem, característica marcante da literatura naturalista, apare- ênfase, no Naturalismo, recai sobre o coletivo. Um exemplo dessa preferência pode
ce tanto no vocabulário empregado quanto no comportamento e nas reações dos ser visto logo no início do romance O cortiço:
indivíduos, sempre guiados por seus instintos primitivos. Observe os três fragmen-
tos abaixo, todos retirados de O cortiço. Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas
a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
[...]
Agora, encarando as lágrimas do Bruno, ela compreendeu e avaliou a fra- Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se
queza dos homens, a fragilidade desses animais fortes, de músculos valentes, de amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda
patas esmagadoras, mas que se deixavam encabrestar e conduzir humildes pela a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplan-
soberana e delicada mão da fêmea. tando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras,
*** os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora
[...] a Machona, armada com um ferro de engomar, jurava abrir as fuças a traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ain-
quem lhe desse um segundo coice como acabava ela de receber um nas ancas da não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de
[...] vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos,
*** cacarejar de galinhas.
Uma bela noite, porém, o Miranda, que era homem de sangue esperto e [...]
orçava então pelos seus trinta e cinco anos, sentiu-se em insuportável estado de Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração
lubricidade. [...] tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomoda-
A mulher dormia a sono solto. Miranda entrou pé ante pé e aproximou-se mente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão
da cama. “Devia voltar!... pensou. Não lhe ficava bem aquilo!...” Mas o sangue inundava-se.
latejava-lhe, reclamando-a. Ainda hesitou um instante, imóvel, a contemplá-la no
seu desejo.
Estela, como se o olhar do marido lhe apalpasse o corpo, torceu-se sobre o A época realista e a presença do narrador
quadril da esquerda, repuxando com as coxas o lençol para a frente e patenteando Pelo seu compromisso com a objetividade, o escritor naturalista procura
uma nesga de nudez estofada e branca. O Miranda não pôde resistir, atirou-se con- “ocultar” ou “apagar” a figura do narrador. Tudo se passa como se o leitor,
tra ela, que, num pequeno sobressalto, mais de surpresa que de revolta, desviou- em vez de ler uma história contada por alguém, estivesse assistindo ao desen-
se, tornando logo e enfrentando com o marido. rolar da trama sob seus olhos. Afinal, histórias relatadas por terceiros tendem
a incorporar o ponto de vista de quem está contando – o que contraria o
ideal naturalista de objetividade e impessoalidade. Se a proposta é retratar a
Nos dois primeiros trechos, pedimos que você atente para o vocabulário em- realidade como ela é, a interferência do narrador não é bem-vinda. Por isso
pregado, que aproxima o ser humano do animal. No primeiro caso, os homens são mesmo, o foco narrativo é em 3a pessoa.
tratados “animais fortes” com “patas esmagadoras”, ao passo que a mulher é Nesse sentido, é bom observar que a prosa de Machado de Assis recusa
vista como “fêmea”. No segundo caso, o vocabulário referente aos seres humanos explicitamente essa pretensão de objetividade.
inclui termos como “fuças”, “coice” e “ancas”. E isso de duas maneiras. Em primeiro lugar, esse autor produziu obras
No terceiro trecho, é interessante observar o comportamento animalizado do em 1ª pessoa, cuja história é relatada sob o ponto de vista de um narrador-
personagem Miranda. Mesmo tomado por um “estado de lubricidade” (ou seja, personagem – e não podemos ter certeza de que esse ponto de vista corres-
de excitação), ele ainda tenta conter seus impulsos (“Devia voltar!...”). Em uma ponde à realidade.
obra naturalista, no entanto, o lado animal, instintivo, supera o lado racional, e Mas há ainda um segundo aspecto. Em muitas passagens da prosa ma-
Miranda, sem conseguir resistir, atira-se contra a mulher. chadiana, o narrador interfere abertamente na narrativa, dialogando com o
A concepção do homem como animal pode explicar, talvez, uma outra ca- leitor, anunciando a supressão de capítulos ou fazendo comentários paralelos
racterística marcante das obras naturalistas: a preferência por retratar as classes ao desenrolar da trama, por exemplo. Veja na prática como isso acontece.
populares. Vistos como pouco civilizados, os indivíduos mais pobres estariam mais O fragmento abaixo, retirado do romance Esaú e Jacó, relata o momento
próximos do estado “primitivo” de animalidade que tanto interessa aos naturalis- em que o casal Natividade e Santos discute a possibilidade de uma consulta
tas. Nesse sentido, Naturalismo e Realismo se opõem, já que este último focaliza espírita para conhecer o futuro dos seus filhos recém-nascidos:
preferencialmente a classe média.
Capítulo 3 :: 41
ou eventos históricos. Diz-se que, quando pediram a Gustave Courbet que pintas-
Que importava saber o sexo do filho? Conhecer o destino dos dois era se anjos, ele teria respondido: “Nunca vi anjos. Se me mostrarem um, eu pinto”.
mais imperioso e útil. Velhas ideias que lhe incutiram em criança vinham Com essa resposta, o pintor sustenta que, na arte, não há espaço para a imagi-
agora emergindo do cérebro e descendo ao coração. Imaginava ir com os pe- nação: o ponto de partida e de chegada do artista deve ser a realidade concreta.
quenos ao morro do Castelo, a título de passeio... Para quê? Para confirmá-la É a partir dessa concepção que serão definidos os temas recorrentes da pintura
na esperança de que seriam grandes homens. Não lhe passara pela cabeça realista: objetos corriqueiros, cenas do cotidiano e, principalmente, trabalhadores
a predição contrária. Talvez a leitora, no mesmo caso, ficasse aguardando o anônimos e representantes das classes mais baixas.
destino; mas a leitora, além de não crer (nem todos creem) pode ser que A opção por retratar esse grupo social está diretamente vinculada ao con-
não conte mais de vinte a vinte e dois anos de idade, e terá a paciência de texto econômico da época. A Revolução Industrial, ao mesmo tempo em que
esperar. Natividade, de si para si, confessava os trinta e um, e temia não ver produziu progresso e desenvolvimento econômico, também gerou pobreza e
a grandeza dos filhos. Podia ser que a visse, pois também se morre velha, e exclusão – em uma palavra, desigualdade. A mecanização no campo empurrou
alguma vez de velhice, mas acaso teria o mesmo gosto? camponeses para as cidades. Trabalhando nas fábricas em jornadas de até 12
(ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. São Paulo: Ática, 1998) horas e em condições normalmente precárias, eles passaram a engrossar os con-
tingentes de miseráveis.
Vejamos agora, na prática, algumas das características apontadas até aqui.
O quadro abaixo sintetiza os principais traços da estética naturalista No primeiro caso (uma reprodução da tela Busto de uma camponesa, de George
Cientificismo Clausen), chama a atenção a preocupação com os detalhes e o realismo da
imagem. Observe a fisionomia da camponesa, o olhar cansado, as linhas de
expressão e os sulcos na pele (lembre-se do que dissemos acima sobre a repre-
Objetividade (3a pes- sentação de texturas). É o tipo de quadro que desperta comentários como “é
Darwinismo Determinismo soa, apagamento do impressionante, parece fotografia”. Esse grau de fidelidade ao real é típico, claro,
narrador) da estética realista.
A imagem 2, por sua vez, serve como um testemunho da profunda desi-
gualdade social que se acentuou com o capitalismo industrial nascente. A tela
Preferência pelas A pequena pedinte, de William Bouguereau, retrata uma criança, com expressão
classes baixas profundamente triste, que pede esmolas na rua. Problemas sociais como men-
Animalização do homem
Gosto pelas dicância e prostituição são subprodutos da desigualdade social produzida pela
aglomerações humanas industrialização.
Imagem 1
4. Do texto para a imagem
Imagem 2 vida de hospedaria que me seria impossível morar só. Casar não era menos
impossível. Não é que me faltassem noivas. Desde os fins de 1891 mais de
uma dama, – e não das menos belas, – olhou para mim com olhos brandos
e amigos. Uma das filhas do comendador tratava-me com particular atenção.
A nenhuma dei corda; o celibato era a minha alma, a minha vocação, o meu
costume, a minha única ventura. Amaria de empreitada e por desfastio. Uma
ou duas aventuras por ano bastavam a um coração meio inclinado ao ocaso
e à noite.
Talvez por isso dei alguma atenção à senhora que vi em casa do comendador,
na véspera. Era uma criatura morena, robusta, vinte e oito a trinta anos, vestida de
escuro; entrou às dez horas, acompanhada de uma tia velha. A recepção que lhe
fizeram foi mais cerimoniosa que as outras; era a primeira vez que ali ia. Eu era a
terceira. Perguntei se era viúva.
– Não; é casada.
– Com quem?
– Com um estancieiro do Rio Grande.
– Chama-se?
– Ele? Fonseca, ela Maria Cora.
– O marido não veio com ela?
– Está no Rio Grande.
Não soube mais nada; mas a figura da dama interessou-me pelas graças
físicas, que eram o oposto do que poderiam sonhar poetas românticos e artistas
seráficos. Conversei com ela alguns minutos, sobre cousas indiferentes, – mas
suficientes para escutarlhe a voz, que era musical, e saber que tinha opiniões
republicanas. Vexou-me confessar que não as professava de espécie alguma;
declarei-me vagamente pelo futuro do país. Quando ela falava, tinha um modo de
umedecer os beiços, não sei se casual, mas gracioso e picante. Creio que, vistas
assim ao pé, as feições não eram tão corretas como pareciam a distância, mas
William Bouguereau, A pequena pedinte.
eram mais suas, mais originais.
Machado de Assis. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1990.
Vocabulário:
Exercícios
1- desfastio – apetite, desejo
2 - seráficos – místicos
Grupo 1 – Realismo e Naturalismo: a questão da objetividade
3- vexou – envergonhou
Considerando os termos destacados, identifique o recurso narrativo que afasta 2) (UFRJ / 2001) Algumas tendências literárias da segunda metade do século
o fragmento acima da estética realista-naturalista. Explique também por que esse XIX mostravam, entre outras coisas:
recurso não condiz com tal corrente. - narrativas que ‘apagavam’ o narrador atrás de uma objetividade;
- narrativas que abordavam os fatos sociais reduzindo-os a fatores biológicos,
Resposta: Presença do narrador em primeira pessoa, relativizando as pró- tomando como modelo os padrões definidos pelas ciências naturais.
prias afirmações. Esse recurso destoa da objetividade preconizada pelo Realismo- Como os romances e contos de Machado de Assis se apresentam em relação
-Naturalismo. a esses dois aspectos?
Comentário: Segundo o ideal de objetividade do Realismo e do Naturalis-
mo, tudo deve se passar como se o leitor estivesse assistindo a uma história que
transcorre em frente aos seus olhos – e não como se estivesse lendo ou ouvindo
uma história relatada por alguém. É nesse sentido que se fala no apagamento do Texto para a questão 3
narrador. É como se não houvesse ninguém por trás daquela história; o leitor não Óbito do autor
deve perceber a existência de um narrador – em outras palavras, o narrador deve Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim,
se fazer invisível. isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o
No fragmento desta questão, contudo, o narrador está bastante visível. Antes uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar
de mais nada, trata-se de uma narração em primeira pessoa (“(eu) não dei cor- diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas
da”, “uma senhora que (eu) encontrei”), o que necessariamente confere algum um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito
grau de subjetividade à narrativa (afinal, o narrador em primeira pessoa conta a ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte,
não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
história a partir do seu próprio ponto de vista). Como se não bastasse, o narrador
Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas.
se faz ainda mais visível na medida em que ele explicita suas reflexões e relativiza
suas próprias afirmações.
3) (UFF/2009– 1ª fase) Assinale a afirmativa que não corresponde ao texto
Acompanhe. Logo no início do texto, o narrador relata um fato (sempre em
de Machado de Assis.
primeira pessoa): “esqueci de dar corda ao relógio”. Em uma narração mais obje-
(A) Este narrador em primeira pessoa é uma alternativa ao narrador in-
tiva, poderíamos ter uma passagem como esta:
timista tradicional, que tem seu ponto de vista absolutamente limitado pelas
Esqueci de dar corda ao relógio porque estava com sono.
circunstâncias e pelo que o narrador-personagem pode conhecer a partir delas.
Ou ainda:
(B) Este narrador em primeira pessoa é uma alternativa ao narrador onis-
Esqueci de dar corda ao relógio porque havia encontrado uma senhora na
ciente, tradicional do Realismo.
casa do comendador T.
(C) Memórias póstumas de Brás Cubas foi publicado depois que Machado de
No entanto, no fragmento em questão, o narrador não se limita a apresentar
Assis morreu, razão pela qual Machado declara que não é propriamente um autor
essa sequência de acontecimentos – um encadeamento de uma causa seguida
defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço.
de uma consequência – de modo tão direto. Ele discute qual das duas causas (D) A hesitação expressa pelo narrador (pôr em primeiro lugar seu nasci-
é a correta, ou seja, qual foi o evento que de fato o levou a esquecer o relógio: mento ou sua morte) não faz parte do repertório tradicional de autores realistas
o sono ou a visão da senhora na casa do comendador? Claramente, o narrador ou naturalistas.
não tem certeza, e por isso mesmo usa expressões que indicam que ele não está (E) O narrador declara que é um defunto autor, para quem o túmulo foi um
seguro do que diz: “Pode ser”, “devia ser”, “Ponhamos” (ou seja, “suponhamos, outro berço porque somente depois de morto ele resolveu produzir a narrativa
vamos considerar que...”). Ao levantar esse tipo de dúvida, o narrador se revela, que o vai transformar em autor.
transparece no texto e fica visível para o leitor. Ao mesmo tempo, joga por terra o
ideal de objetividade, já que fica evidente que a história relatada corresponde ao
ponto de vista de alguém – um narrador que, algumas vezes, não tem certeza Texto para a questão 4
sobre como se passou a história que ele está contando. MANIFESTO DA POESIA PAU-BRASIL (fragmento)
Lançado por Oswald de Andrade, no Correio da Manhã, em
1) (UFF / 2008) Machado de Assis, ironicamente, observa sobre o livro O primo 18 de março de 1924.
Basílio de Eça de Queirós: Houve um fenômeno de democratização estética nas cinco partes sábias do
“Porque a nova poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em que disser mundo. Instituíra-se o naturalismo. Copiar. Quadro de carneiros que não fosse lã
o número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão mesmo não prestava. A interpretação do dicionário oral das Escolas de Belas-Artes
de cozinha.” queria dizer reproduzir igualzinho... Veio a pirogravura. As meninas de todos os
A que estilo de época ele se refere e por que ele utiliza o argumento sublinha- lares ficaram artistas. Apareceu a máquina fotográfica. E com todas as prerroga-
do para referir-se a este estilo? tivas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa genialidade de olho virado – o
artista fotógrafo.
44 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas 1) (Uerj / 2005-LPLB – adaptada) No texto acima, o crescimento de um subúrbio
as meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de patas. A é representado como uma força que se impõe aos habitantes.
Playela. E a ironia eslava compôs para a Playela. Stravinski. Explique a afinidade que há entre esse modo de representar o ambiente e um
A estatuária andou atrás. As procissões saíram novinhas das fábricas. movimento literário surgido no Brasil no final do século XIX.
Só não se inventou uma máquina de fazer versos – já havia o poeta par-
nasiano.
(...)
Nossa época anuncia a volta ao sentido puro. Texto para a questão 2
Um quadro são linhas e cores. A estatuária são volumes sob a luz. Sem dúvida o meu aspecto era desagradável, inspirava repugnância. E a gen-
A poesia Pau-Brasil é uma sala de jantar domingueira, com passarinhos can- te da casa se impacientava. Minha mãe tinha a franqueza de manifestar-me viva
tando na mata resumida das gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa para antipatia. Dava-me dois apelidos: bezerro-encourado e cabra-cega.
flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o presente. Bezerro-encourado é um intruso. Quando uma cria morre, tiram-lhe o couro,
Apud TELES, Gilberto M. Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1977. vestem com ele um órfão, que, neste disfarce, é amamentado. A vaca sente o
cheiro do filho, engana-se e adota o animal. Devo o apodo ao meu desarranjo, à
4) (Uerj/1999 – 1ª fase) O texto de Oswald de Andrade critica a estética feiúra, ao desengonço. Não havia roupa que me assentasse no corpo: a camisa
naturalista porque: tufava na barriga, as mangas se encurtavam ou alongavam, o paletó se alargava
(A) as pessoas que desejassem sair nas procissões poderiam fazer poesia e nas costas, enchiase, como um balão. Na verdade o traje fora composto pela
ingressar nas escolas de Belas-Artes costureira módica, atarefada, pouco atenta às medidas. Todos os meninos, porém,
(B) os novos meios técnicos tornaram acessível a todos a possibilidade de usavam na vila fatiotas iguais, e conseguiam modificá-las, ajeitá-las. Eu aparentava
representação a realidade pendurar nos ombros um casaco alheio. Bezerro-encourado. Mas não me fazia
(C) o fenômeno de democratização estética acarretou prerrogativas como a tolerar. Essa injúria revelou muito cedo a minha condição na família: comparado
da misteriosa genialidade de olho virado ao bicho infeliz, considerei-me um pupilo enfadonho, aceito a custo. Zanguei-me,
(D) as meninas de todos os lares tiveram acesso às idéias naturalistas de permanecendo exteriormente calmo, depois serenei. Ninguém tinha culpa do meu
representação da realidade e viraram escritoras desalinho, daqueles modos horríveis de cambembe. Censurando-me a inferiorida-
de, talvez quisessem corrigir-me.
RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 144
Grupo 2 – Naturalismo: temas recorrentes
2) (UFRJ / 2005) A descrição do narrador remete a uma representação do ho-
Texto para a questão 1 mem marcante na obra de Graciliano Ramos, que é semelhante à apresentada no
A cidade sitiada (1949) Movimento Naturalista.
O subúrbio de S. Geraldo, no ano de 192..., já misturava ao cheiro de estreba- a) Aponte que representação é essa.
ria algum progresso. Quanto mais fábricas se abriam nos arredores, mais o subúrbio
se erguia em vida própria sem que os habitantes pudessem dizer que transformação
os atingia. Os movimentos já se haviam congestionado e não se poderia atravessar b) Retire, do texto acima, dois vocábulos que explicitem essa representação.
uma rua sem desviar-se de uma carroça que os cavalos vagarosos puxavam, enquan-
to um automóvel impaciente buzinava atrás lançando fumaça. Mesmo os crepúscu-
los eram agora enfumaçados e sanguinolentos. De manhã, entre os caminhões que Texto para a questão 3
pediam passagem para a nova usina, transportando madeira e ferro, as cestas de Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgico dos desterrados, iam to-
peixe se espalhavam pela calçada, vindas através da noite de centros maiores. Dos dos, até mesmo os brasileiros, se concentrando e caindo em tristeza; mas, de
sobrados desciam mulheres despenteadas com panelas, os peixes eram pesados repente, o cavaquinho de Porfiro, acompanhado pelo violão do Firmo, romperam
quase na mão, enquanto vendedores em manga de camisa gritavam os preços. E vibrantemente com um chorado baiano. Nada mais que os primeiros acordes da
quando sobre o alegre movimento da manhã soprava o vento fresco e perturbador, música crioula para que o sangue de toda aquela gente despertasse logo, como
dir-se-ia que a população inteira se preparava para um embarque. se alguém lhe fustigasse o corpo com urtigas bravas. E seguiram-se outra notas, e
Ao pôr-do-sol galos invisíveis ainda cocoricavam. E misturando-se ainda à poei- outras, cada vez mais ardentes e mais delirantes. Já não eram dois instrumentos
ra metálica das fábricas o cheiro das vacas nutria o entardecer. Mas de noite, com que soavam, eram lúbricos gemidos e suspiros soltos em torrente, a correrem ser-
as ruas subitamente desertas, já se respirava o silêncio com desassossego, como penteando, como cobras numa floresta incendiada; eram ais convulsos, chorados
numa cidade; e nos andares piscando de luz todos pareciam estar sentados. As em frenesi de amor: música feita de beijos e soluços gostosos; carícia de fera,
noites cheiravam a estrume e eram frescas. Às vezes chovia. carícia de doer, fazendo estalar de gozo.
LISPECTOR, Clarice. A Cidade sitiada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. AZEVEDO, A. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1983 (fragmento).
Capítulo 3 :: 45
3) (Enem/2011) No romance O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, as persona- b) Transcreva a passagem em que o leitor deduz a ironia dos acontecimen-
gens são observadas como elementos coletivos caracterizados por condicionantes tos, provocada pelo contraditório comportamento de João Romão
de origem social, sexo e etnia. Na passagem transcrita, o confronto entre brasilei-
ros e portugueses revela prevalência do elemento brasileiro, pois
(A) destaca o nome de personagens brasileiras e omite o de personagens Grupo 3 – Comparação entre Romantismo e Realismo/Naturalismo
portuguesas.
(B) exalta a força do cenário natural brasileiro e considera o do portu- Texto para a questão comentada
guês inexpressivo. No trecho abaixo, o narrador, ao descrever a personagem, critica sutilmente
(C) mostra o poder envolvente da música brasileira, que cala o fado um outro estilo de época: o romantismo.
português. “Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais
(D) destaca o sentimentalismo brasileiro, contrário à tristeza dos por- atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já
tugueses. lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é
(E) atribui aos brasileiros uma habilidade maior com instrumentos musicais. romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas;
mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era
Texto para a questão 4 bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que
Bertoleza, que havia já feito subir o jantar dos caixeiros, estava de cócoras o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação.”
no chão, escamando peixe, para a ceia do seu homem, quando viu parar defronte ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Jackson,1957.
dela aquele grupo sinistro.
Reconheceu logo o filho mais velho do seu primitivo senhor, e um calefrio Questão comentada (Enem / 2001) A frase do texto em que se percebe a
percorreu-lhe o corpo. Num relance de grande perigo compreendeu a situação: crítica do narrador ao romantismo está transcrita na alternativa:
adivinhou tudo com a lucidez de quem se vê perdido para sempre. Adivinhou que (a) ... o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas...
tinha sido enganada; que a sua carta de alforria era uma mentira, e que o seu (b) ...era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça ...
amante, não tendo coragem para matá-la, restituía-a ao cativeiro. (c) Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço,
Seu primeiro impulso foi de fugir. Mal, porém, circunvagou os olhos em torno precário e eterno...
de si, procurando escapula, o senhor adiantou-se dela e segurou-lhe o ombro. (d) Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos...
– É esta! Disse aos soldados que, com um gesto, intimaram a desgraçada a (e) ...o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação.
segui-los. -- Prendam-na! É escrava minha !
A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos Resposta: A
espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada Comentário: Na alternativa A, o narrador critica uma das características cen-
para eles, sem pestanejar. trais do Romantismo: a idealização da realidade. Ao dizer que “o autor sobredoura
Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. a realidade”, está-se dizendo que ele faz a realidade parecer mais dourada (ou
Bertoleza então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto, seja, mais agradável, interessante, bela) do que ela realmente é. Por isso mesmo,
e antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo esse autor (que é, inegavelmente, o escritor romântico) “fecha os olhos às sardas
rasgara o ventre de lado a lado. e às espinhas” – em outras palavras, ignora as imperfeições. É exatamente essa
E depois emborcou para a frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa postura, típica do Romantismo, que costumamos chamar de idealização.
lameira de sangue. João Romão fugira até o canto mais escuro do armazém,
tapando o rosto com as mãos. Nesse momento parava à porta da rua uma carru-
agem. Era uma comissão de abolicionistas que vinha, de casaca, trazer-lhe respei- Leia o texto referente à questão comentada do grupo 1 para es-
tosamente o diploma de sócio benemérito. ponder também à questão a seguir
Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas. 1) (Uerj / 2008 - LPLB) O narrador atribui a Maria Cora traços que a opõem à
típica heroína do Romantismo.
4) (Puc-Rio/2001) O texto corresponde à cena em que a escrava fugida Berto- Aponte dois desses traços – um físico e um intelectual – e justifique por que
leza comete suicídio, quando se depara com os policiais que vêm capturá-la, após eles não são característicos do perfil feminino romântico.
denúncia de seu paradeiro feita por João Romão, o amante. Leia-o atentamente
e responda às questões propostas em “a” e “b”.
a) Explique uma característica do realismo-naturalismo expressa no trecho
compreendido entre “Os policiais” e “de sangue”.
46 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
Textos para a questão 2 Desde a saída de Maria do colégio das Irmãs de Caridade tinha se operado
Texto I uma mudança admirável nos hábitos de João da Mata. Ela já era para ele como
Godofredo Walsh era um desses velhos sublimes, em cujas cabeças as cãs uma filha; estava quase moça, incomparavelmente mais bonita e fornida de car-
semelham o diadema prateado do gênio. Velho já, casara em segundas núpcias nes. Já não era, que esperança! aquela Maria do Carmo daImaculada Conceição,
com uma beleza de vinte anos. era pintor: diziam uns que este casamento fora toda santidade, magrinha, com uma cor esbranquiçada e mórbida de cera velha, o
um amor artístico por aquela beleza Romana, como que feita ao molde das olhar macilento, a falar sempre no Padre Reitor e na Superiora e na Irmã Filomena
belezas antigas — outros criam-no compaixão pela pobre moca que vivia de e noutras pieguices. Uma tontinha a Maria naquele tempo. Quando ia passar o
servir de modelo. O fato e que ele a queria como filha — como Laura, a filha domingo em casa, uma vez no mês, metia-se para os fundos do quintal ou pelas
única de seu primeiro casamento — Laura, corada como uma rosa, e loira camarinhas, muito calada, muito sonsa, a ler a Imitação; não chegava à janela,
como um anjo. não aparecia às visitas, doida por voltar ao colégio. Aquilo punha o padrinho de
Eu era nesse tempo moço era aprendiz de pintura em case de Godofredo. mau humor. Uma coisa assim fazia até vergonha a ele que detestava tudo que
Eu era lindo então! que trinta anos lá vão! que ainda os cabelos e as faces me cheirasse a sacristia. Porque João da Mata dizia-se pensador livre; não acreditava
não haviam desbotado como nesses longos quarenta e dois anos de vida! Eu era em santos, e maldizia os padres. Jesus, na sua opinião, era uma espécie de mito,
aquele tipo de mancebo ainda puro do ressumbrar infantil, pensativo e melancólico uma como legenda mística sem utilidade prática.
como o Rafael se retratou no quadro da galeria Barberini. Eu tinha quase a idade CAMINHA, Adolfo. A normalista. São Paulo: Editora Três, 1973.
da mulher do mestre. — Nauza tinha vinte — e eu tinha dezoito anos. *A Imitação de Cristo
Amei-a, mas meu amor era puro como meus sonhos de dezoito anos. Nau-
za também me amava: era um sentir tão puro! era uma emoção solitária e 2) (Uerj / 2003-LPLB)
perfumosa como as primaveras cheias de flores e de brisas que nos embalavam “À noite, quando eu ia deitar-me, ao passar pelo corredor escuro com minha
aos céus da Itália... lâmpada, uma sombra me apagava a luz e um beijo me pousava nas faces, nas
Como eu o disse — o mestre tinha uma filha chamada Laura. Era uma moca trevas.
pálida, de cabelos castanhos e olhos azulados; sua tez era branca, e só as vezes, Muitas noites foi assim.” (Texto 1)
quando o pejo a incendia, duas rosas lhe avermelhavam a face e se destacavam “Nem mais uma beijoca na boquinha rubra e pequenina, nem mais um abraço
no fundo de mármore. Laura parecia querer-me como a um irmão.. Seus risos, ao voltar da escola, cansadinha, o rosto afogueado pelo calor; nem mais uns ca-
seus beijos de criança de quinze anos eram só para mim. A noite, quando eu ia funés, nem um sorriso daqueles que ela sempre tinha para o padrinho...” (Texto 2)
deitar-me, ao passar pelo corredor escuro com minha lâmpada, uma sombra me Os textos acima são representativos de duas correntes estético-literárias.
apagava a luz e um beijo me pousava nas faces, nas trevas. Identifique essas correntes e explique como em cada texto o autor caracteriza
Muitas noites foi assim. a intimidade entre os personagens.
AZEVEDO, Álvares de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000.
1 - cabelos brancos
2 - desabrochar
3 - vergonha Gabarito
4- ruborizava
Grupo 1
Texto II 1) Machado de Assis refere-se à poética do Realismo/Naturalismo, que pre-
João da Mata (...) estava fora de si, tinha a cabeça a arder como uma tendia, entre outras coisas, “retratar” fielmente a realidade. Por isso, a ironia de
brasa. Seu temperamento excessivamente irritável expandia-se com desespero ao Machado: a “perfeição” do retrato, segundo esta poética, seria dizer “o número
mesmo tempo que seu coração de homem gasto sentia pela primeira vez um quer exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de co-
que era, uma agonia, uma sufocação ante a possibilidade de um namoro entre o zinha”.
estudante e a afilhada. Não era precisamente receio de que o Zuza pudesse iludir a 2) 1o. Ao contrário das tendências literárias da segunda metade do século
rapariga desonrando e atirando-a p’ra aí ao desprezo; era como revolta do instinto, XIX, o narrador machadiano é bastante ‘visível’: interfere na narrativa e provoca
uma espécie de egoísmo animal que o torturava, acendendo-lhe todas as cóleras, explicitamente o leitor.
dominando-o, como se Maria fosse propriedade sua, exclusivamente sua por direito 2o. A narrativa machadiana não se enquadra no modelo naturalista, uma vez
inalienável. Via-a caída pelo acadêmico, toda voltada para ele, amando-o talvez, que há sempre uma tensão entre a psicologia do indivíduo e sua realidade social.
preferindo-o a todos os outros homens, entregando-se-lhe. E o que seria dele, João, 3) C
depois? Nem mais uma beijoca na boquinha rubra e pequenina, nem mais um 4) B
abraço ao voltar da escola, cansadinha, o rosto afogueado pelo calor; nem mais
uns cafunés, nem um sorriso daqueles que ela sempre tinha para o padrinho... Isto
é que o desesperava!
Capítulo 3 :: 47
Mas como essa concepção se traduz na poesia? Antes de tudo, ela se traduz Os tercetos, por sua vez, revelam a busca pela perfeição formal. Isso fica claro
na opção pela rigidez formal, com o apego a formas poéticas fixas (sobretudo o no emprego de expressões como “hemistíquio d’ouro”, “harmonia crebra”, “estrofe
soneto), presença de rimas e esquema métrico regular. Além disso, são valorizados limpa e viva”. Vale atentar também para a própria composição do poema. Antes de
alguns recursos mais específicos, como as rimas ricas, as rimas raras e o cavalga- qualquer coisa, trata-se de um soneto – portanto, um molde formal rígido, ao qual o
mento, dentre outros. poeta deve se adaptar. O esquema métrico é fixo: todos os versos são alexandrinos,
ou seja, contêm doze sílabas poéticas. Há ainda as rimas ricas (como semblante/
Conceitos importantes diante, quero/Homero) e pelo menos um rima rara (quebra/crebra), sem falar no
Soneto: esquema poético composto por duas estrofes de quatro versos emprego do cavalgamento (“sincero / Luto”; “diante / De um morto”).
(quartetos) seguidas por duas estrofes de três versos (tercetos). O racionalismo parnasiano, bem como a busca pela forma perfeita e harmo-
Rima rica: rima entre palavras de classe gramatical diferente. niosa, aproximam essa estética de um ideal artístico próprio da cultura clássica
Rima rara: rima formada por terminações incomuns na língua. (greco-romana). Cientes disso, os poetas parnasianos retomarão com frequência
Cavalgamento: recurso formal em que a frase é abruptamente inter- elementos associados àquele universo. O próprio nome da escola inspira-se no
rompida em um verso e completada no verso seguinte. nome de uma montanha grega – o Parnaso – onde moraria o deus Apolo. A esse
respeito, sugerimos que você volte ao fragmento de “A um poeta”: lá, aparece a
Por fim, insurgindo-se contra o transbordamento sentimental dos românticos, referência a um “templo grego”. As referências clássicas também podem ser vistas
o projeto parnasiano defenderá a contenção dos sentimentos, propondo uma po- no poema abaixo, a que recorremos para sintetizar alguns dos principais traços do
esia impassível (ou seja, que não demonstre emoções). A impassibilidade está Parnasianismo.
ligada à concepção da arte como representação da realidade sensível – e não
como manifestação sentimental subjetiva. Vaso grego
Vamos começar a apreciar essas duas últimas características – a impassibili- Esta, de áureos relevos, trabalhada
dade e a perfeição formal – a partir do poema abaixo: De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Musa impassível I - Francisca Júlia Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Musa! Um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante! Era o poeta de Teos que a suspendia
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante Então e, ora repleta ora, esvazada,
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero. A taça amiga aos dedos seus tinia
Toda de roxas pétalas colmada.
Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante. Depois... Mas o lavor da taça admira,
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante, Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero. Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Dá-me o hemistíquio d’ouro, a imagem atrativa; Ignota voz, qual se da antiga lira
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra, Fosse a encantada música das cordas,
Cante aos ouvidos d’alma; a estrofe limpa e viva; Qual se essa a voz de Anacreonte fosse.
OLIVEIRA, Alberto de. In: REIS, Marco Aurélio Mello.
Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos, Poesias completas – edição crítica. Rio de Janeiro: Núcleo Editorial, 2000)
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra
Ora o surdo rumor de mármores partidos. Sobre “Vaso grego”, fazemos, a título de síntese, as observações que seguem.
GONÇALVES, Magaly Trindade; AQUINO, Zélia Thomaz de; Silva, Zina Bellodi. • A perfeição formal se revela no fato de se tratar de um soneto, no esquema
Antologia de antologias. São Paulo: Musa, 1995 métrico rígido, na presença de rimas (de um modo geral) e na presença
O soneto acima pode ser lido como uma verdadeira declaração de princí- de recursos mais específicos como a rima rica (por exemplo: dia/servia;
pios parnasiana. Os quartetos são um elogio à impassibilidade: sugere-se que a doce/fosse) e o cavalgamento (“bordas / Finas”).
demonstração dos sentimentos (simbolizada pelo gesto “de dor ou de sincero / • Não se constata no poema uma voz pessoal nem qualquer tipo de manifes-
Luto”) é capaz de enfear o “cândido semblante”. Por essa razão, deve-se buscar a tação sentimental. Em vez disso, o que se percebe é a descrição objetiva de
contenção das emoções (“Em teus olhos não quero a lágrima”) mesmo em situa- um vaso grego. Notam-se aqui, portanto, as seguintes marcas da estética
ção extremas (“e diante / De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero”). parnasiana: objetivismo, descritivismo e impassibilidade.
A esse princípio, alguns autores denominam racionalismo. • Há referências à cultura clássica: “Olimpo”, “Teos”, “Anacreonte”.
52 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
Objetivismo
Parnasianismo e impassibilidade
Você já sabe que o projeto parnasiano defende a contenção sentimen-
tal – uma postura que tem sido chamada de impassibilidade. Essa é, de
Descritivismo Impassibilidade Influência clássica
fato, a proposta do Parnasianismo francês, no qual se inspiraram os poetas
brasileiros. Em alguns dos nossos poemas, como Musa impassível ou Vaso
grego, esse ideal é realmente colocado em prática. No entanto, muitas vezes
nossos parnasianos abriram mão da postura impassível, deixando entrever Aproximação entre Perfeição formal
a presença de uma nota pessoal e sentimental que os aproxima, em alguns a poesia e as artes (rigidez formal, rimas
momentos, da estética romântica. Veja o que diz Olavo Bilac, o mais famoso plásticas ricas e raras, cavalga-
dos parnasianos brasileiros: mento, etc.)
fazendo referência a sons, odores, imagens visuais, etc. Por isso mesmo, a figura é algo bom, e não muito mais do que isso. Como esta, diversas outras expressões
de linguagem mais comumente associada ao Simbolismo é a sinestesia. Em segun- são propositalmente vagas, imprecisas – elas sugerem muito, mas quase nada
do lugar, o vocabulário do poema simbolista é propositalmente vago, impreciso. informam claramente. Veja: “mistérios inefáveis”, “música infinita”, “luz sonora
Ao final da leitura, ficamos com a sensação de que temos uma ideia do que está / das estrelas do Azul”, “fatais poeiras”, “frívolas cegueiras”. É como foi dito aci-
sendo dito, mas não é possível entender de maneira exata e inequívoca aquilo que ma: temos uma ideia do que está sendo dito, mas tudo parece muito vago, muito
o eu-lírico está tentando comunicar. fluido, muito pouco palpável. É exatamente essa a proposta do Simbolismo.
Tanto as expressões sensoriais quanto o vocabulário impreciso são de- Talvez uma boa palavra para definir tudo isso seja o adjetivo que aparece no
corrências naturais do fato de que a poesia está tentando expressar o Abso- segundo verso do poema: “inefável”. Segundo o dicionário eletrônico Houaiss,
luto, quer dizer, o tal plano das essências. E, afinal de contas, esse plano inefável é tudo aquilo “que não se pode nomear ou descrever em razão de sua na-
não se deixa apreender racionalmente nem se deixa traduzir nos termos da tureza, força, beleza; indizível, indescritível”. A poesia simbolista tenta aproximar-
nossa linguagem ordinária. Por isso mesmo, o melhor que podemos fazer se do inefável. Para isso, o melhor que pode fazer é sugeri-lo, uma vez que, por
é sugeri-lo, espalhando aqui e ali algumas pistas que permitam ao leitor sua própria natureza, o inefável “não se pode nomear ou descrever”.
reconstruir essa experiência do Absoluto – mas nunca poderemos descrevê- Vale também chamar a atenção, nesse soneto, para a recorrência de ex-
lo objetivamente, como quem descrevesse um quadro ou um retrato. Para pressões sensoriais. A lista remete à visão (“placidez da Luz”), ao tato (“Sente
sugeri-lo, o poeta simbolista recorre precisamente às expressões sensoriais florir”) e à audição (“música infinita”). Isso sem falar no cruzamento entre
– frequentemente cruzadas sob a forma de sinestesia – e ao vocabulário visão e audição, criando, no segundo verso do segundo quarteto, uma sineste-
vago. À opção simbolista por sugerir, em vez de nomear diretamente, al- sia: “luz sonora”.
guns autores chamam de sugestivismo. Ao fim e ao cabo, isso talvez não Outro aspecto frequentemente lembrado da poesia simbolista é sua
seja nem uma opção, mas, como dissemos, uma decorrência obrigatória da musicalidade. O gosto pela música está diretamente ligado à tentativa de exprimir
tentativa de exprimir o Absoluto. o Absoluto. Se a linguagem verbal – lógica, organizada e racional – é insuficiente
Para que as explicações acima pareçam mais concretas, acompanhe o poema para exprimi-lo, precisamos apelar para os sentidos, para a intuição. E é aqui que
abaixo. entra a música. Trata-se de uma arte que não expressa conteúdos objetivos; no
entanto, tem um forte poder de sugerir sensações e induzir estados de alma. A
Um ser música cumpre precisamente o ideal da arte simbolista: não nomeia, não diz ex-
Um ser na placidez da Luz habita, plicitamente (como faz nossa “precária” linguagem verbal), mas cria um “clima”,
Entre os mistérios inefáveis mora. sugere atmosferas. A apreciação da música não é racional, mas emocional.
Sente florir nas lágrimas que chora Na prática, porém, como se traduz a musicalidade na literatura simbolista?
A alma serena, celestial, bendita. Com os recursos tipicamente utilizados para conferir musicalidade à poesia, como
as repetições, a aliteração e a assonância. No poema abaixo, além da aliteração
Um ser pertence à música infinita provocada pela repetição insistente do /v/, observe que o próprio poema trata da
Das Esferas, pertence à luz sonora atmosfera criada pela música dos violões:
Das estrelas do Azul e hora por hora
Na Natureza virginal palpita. Violões que choram (fragmento)
Vozes veladas, veludosas vozes,
Um ser desdenha das fatais poeiras, Volúpias dos violões, vozes veladas,
Dos miseráveis ouropéis mundano Vagam nos velhos vórtices velozes
E de todas as frívolas cegueiras... Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Tudo nas cordas dos violões ecoa
Ele passa, atravessa entre os humanos, E vibra e se contorce no ar, convulso...
Como a vida das vidas forasteira, Tudo na noite, tudo clama e voa
Fecundada nos próprios desenganos. Sob a febril agitação de um pulso.
CRUZ E SOUSA, João da. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999 CRUZ E SOUSA, João da. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999
De quem o eu-lírico está falando? Muito pouco é explicitado. O título, vago Por fim, ainda não comentamos sobre a temática da poesia simbolista. Você
ao extremo, informa tratar-se apenas de “Um ser”. O soneto não esclarece muito já sabe que a realidade, nessa escola, é concebida de modo dicotômico: o sim-
mais. Entendemos que esse ser tem algo de especial, está acima dos demais. Mas bolista supõe a existência de dois mundos, um ligado às aparências e o outro,
não conseguimos ir muito além disso. às essências. Sabe também que o plano das aparências corresponde à realidade
O mesmo ocorre com outras expressões. Esse ser especial mora na placidez sensível, ao passo que o plano das essências corresponde a uma dimensão bem
da luz – mas, afinal, o que seria, exatamente, a placidez da luz? Percebemos que mais abstrata, intangível, que não se pode captar racionalmente.
54 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
Pois bem: essa dicotomia confere à arte simbolista um forte componente O diagrama abaixo deve ajudá-lo a organizar uma visão global do Simbolismo:
de espiritualidade e misticismo (lembre-se de que falamos, lá no início, que o
simbolista recusa o cientificismo então vigente). Na poesia dessa escola, o corpo e
a matéria são sempre marcados negativamente, ao passo que o espírito será mar- Desejo de
Realidade Expressões
cado positivamente. Nota-se claramente um desejo de transcendência: é preciso transcendência
dicotômica sensoriais
superar o mundo material para encontrar a felicidade no plano imaterial. O corpo, (corpo como
(dividida em (incluindo
nesse cenário, é rejeitado: o simbolista o enxerga como um obstáculo à elevação obstáculo para
dois planos) sinestesia)
da alma. Veja isso na prática: a alma)
Longe de tudo
Vocabulário
É livres, livres desta vã matéria, Sugestivismo
vago
longe, nos claros astros peregrinos
que havemos de encontrar os dons divinos
e a grande paz, a grande paz sidérea. Musicalidade
(aliterações e
Cá nesta humana e trágica miséria, assonâncias)
nestes surdos abismos assassinos
teremos de colher de atros destinos
a flor apodrecida e deletéria.
4. Do texto para a imagem
O baixo mundo que troveja e brama
só nos mostra a caveira e só a lama, Se, na literatura, é o Simbolismo que representa uma reação à estética
ah! só a lama e movimentos lassos... real-naturalista, na pintura esse papel cabe a duas escolas: a impressionista e a
simbolista. Nesta seção, trataremos de cada uma delas separadamente.
Mas as almas irmãs, almas perfeitas,
hão de trocar, nas Regiões eleitas, 1. Impressionismo
largos, profundos, imortais abraços. O rótulo “impressionismo” (usado inicialmente de forma pejorativa) advém
CRUZ E SOUSA, João da. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999 do nome da tela Impressão, sol nascente, de Claude Monet, o principal represen-
tante dessa corrente. O objetivo central dos pintores impressionistas é retratar
Qualificado como “vã matéria”, “baixo mundo” e “humana e trágica misé- não a realidade em si mesma, mas a maneira como ela é percebida por um sujei-
ria”, o plano material é marcado negativamente. Por sua vez, o plano das essên- to em um dado instante. É nesse sentido que ela se afasta dos preceitos realistas.
cias corresponde aos “dons divinos” e à “grande paz”. Estabelecida essa oposição, A ideia, em suma, é a seguinte: em uma cena qualquer, a cada momento, as
a última estrofe se constitui como a expressão de um desejo: o eu-lírico sonha com cores, os formatos e o movimento produzem uma determinada sensação visual
a libertação do seu corpo e com a transcendência para um plano superior. Nesse para o observador. E, mais do que a situação em si, o que pintor impressionista
momento, ele acredita, as “almas irmãs, almas perfeitas / hão de trocar, nas procura retratar é precisamente essa sensação ou impressão momentânea, que
Regiões eleitos, / largos, profundos, imortais abraços”. varia em função de diversos fatores. Para o pintor impressionista, o fator funda-
mental é a incidência da luz sobre a cena: mudanças nas condições de luminosi-
Do Romantismo para o Simbolismo dade alteram decisivamente a maneira como a cor é percebida pelo olho humano.
Note que o Romantismo e o Simbolismo têm pontos em comum: no- Para concretizar o ideal estético de retratar impressões visuais momentâneas,
tadamente, o subjetivismo e o pessimismo. De fato, a estética simbolista os pintores recorrem a pinceladas rápidas, formando manchas sem contornos níti-
retoma algo da postura subjetivista dos românticos – mas vai muito além dos, e não se preocupam em representar detalhes. Além disso, não misturavam as
dela, aprofundando-a em direção a um misticismo de fundo cristão. tintas na paleta: preferiam utilizar cores puras e dissociadas. Isso agilizava o proces-
Repare que, em ambas as escolas, a temática da morte é recorrente so e ajudava a concretizar o ideal de fixar, na tela, um momento efêmero, fugidio.
(sugerimos que você releia o poema “Se eu morresse amanhã”, no capítulo Por fim, valorizavam a luz natural, razão pela qual preferiam trabalhar ao ar livre.
5 deste módulo). Seu significado, porém, é distinto em cada caso. Para os Na prática, quando se observa um quadro impressionista muito de perto, não é
românticos, morte é escapismo, fuga de um mundo que só traz dor e sofri- possível reconhecer qualquer imagem – o que se vê são apenas “manchas” ou “bor-
mento. Para os simbolistas, o significado é mais profundo: a morte equivale à rões”. Mas, quando se olha de longe, a impressão geral da cena se torna perceptível.
libertação da alma, que se encaminha assim para um plano superior. Todas essas características ficam bastante visíveis na imagem 1, uma reprodu-
ção da tela O Bulevar dos capuchinhos, de Claude Monet. Note, em primeiro lugar,
Capítulo 4 :: 55
a ausência de detalhes: é impossível reconhecer os traços fisionômicos de qualquer Resumidamente, é possível afirmar que o mergulho simbolista no subjetivis-
um dos passantes, bem como os contornos exatos das árvores ou dos prédios. Por mo é muito mais profundo do que aquele praticado pelos pintores impressionis-
outro lado, captando a imagem como um todo, de longe, pode-se ter uma boa ideia tas. Se estes procuraram captar a impressão visual provocada por uma determina-
do cenário global: uma rua coberta de neve com bastante movimento de pedestres e da cena, aqueles se deparam com a mesma dificuldade que desafia os escritores
coches. Note há ausência de contornos nítidos: a tela parece formada por manchas, simbolistas: o desejo de exprimir, com a sua arte, um plano mais elevado, que
sem a preocupação de delimitar com linhas precisas os indivíduos, os coches, as estaria além da realidade visível e superficial. Assim como na poesia, o objetivo
janelas dos prédios, etc. De um modo geral, os tons brancos e cinzas transmitem a da pintura simbolista é ambicioso: trata-se de superar o plano das aparências
impressão de um dia frio, e o estilo do traço passa a ideia de movimento e agitação. sensíveis para tocar uma realidade mais profunda, mais essencial.
No conjunto de obras impressionistas, é bastante famosa a sequência de No entanto, assim como não é possível descrever essa realidade em palavras,
imagens que Claude Monet pintou da Catedral de Rouen, na França. Ao todo, também é impossível retratá-la com precisão por meio de imagens. Essa dificulda-
são mais de 30 quadros que retratam a catedral em diferentes momentos do dia de dá origem a uma diferença crucial entre a pintura impressionista e a simbolista.
e estações do ano. Com esse exercício, Monet registra as diferentes impressões Se aquela representa um objeto externo e real (como o Bulevar dos Capuchinhos
causadas por um mesmo objeto – a Catedral – quando observado sob condições ou a Catedral de Rouen, por exemplo), esta se volta para símbolos religiosos, ele-
de luminosidade diversas. A intenção é mostrar de que maneira mudanças na ilu- mentos mitológicos e fantasias oníricas. O objetivo é criar uma atmosfera mágica
minação afetam a percepção da cor e da imagem como um todo. Tudo isso, claro, de sonho, fantasia, mistério e espirtualidade, a fim de aproximar a arte, tanto
é coerente com o ideal de retratar na tela não a imagem em si, mas a impressão quanto possível, do trascedental, ou seja, do Absoluto. Assim como na poesia,
visual que ela produz no observador. essa atmosfera onírica frequentemente é produzida por meio do apelo a estímulos
sensoriais – o que, no caso da pintura, significa um arranjo de linhas e cores.
Imagem 1 Nesse sentido, observe a imagem 1, uma reprodução da tela Virgem, de Gus-
tav Klimt. Ela sugere uma atmosfera mágica e onírica, bastante distanciada da
realidade concreta. A obra de Klimt representa uma mulher em diferentes fases
da sua vida. Nela, a alternância de cores e a profusão de elementos geométricos
(diversos tipos de formas circulares combinadas) ajudam a criar a sensação de
afastamento da realidade, produzindo o clima mágico ou transcendental típico do
Simbolismo. Para isso, ademais, contribui a própria cena retratada, com diversas
figuras humanas amontoadas e parecendo levitar de olhos fechados.
Interessantemente, a imagem 2 – uma reprodução da tela A pescadora, de
Odilon Redon –, embora bastante diferente da primeira no que diz respeito à
composição e ao estilo do traço, também evoca uma atmosfera de sonho ou de
fantasia típica de um movimento que pretende transcender a realidade imediata.
Imagem 1
2. Simbolismo
Assim como o impressionismo, também a pintura simbolista abandona o in-
teresse por representar objetivamente a realidade e privilegia uma arte capaz de
sugerir sensações. Nesse sentido, como já dissemos, ambos os movimentos se con-
figuram como uma reação à estética realista. Mas as semelhanças param por aí. Gustav Klimt, Virgem, 1913.
56 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
Cá nesta humana e trágica miséria, Mas o que eu amo no teu ser obscuro
nestes surdos abismos assassinos é o evangélico mistério puro
teremos de colher de atros destinos do sacrifício que te torna heroína.
a flor apodrecida e deletéria.
São certos raios da tu’alma ansiosa
O baixo mundo que troveja e brama é certa luz misericordiosa,
só nos mostra a caveira e só a lama, é certa auréola que te faz divina!
ah! só a lama e movimentos lassos... SOUSA, Cruz e. Poesias completas. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1981. p. 89
Mas as almas irmãs, almas perfeitas, 2) (UFRJ / 1997) De acordo com a concepção simbolista, o corpo representa um
hão de trocar, nas Regiões eleitas, obstáculo ao verdadeiro desenvolvimento do homem.
largos, profundos, imortais abraços. a) Transcreva do texto acima o verso que melhor condensa tal marca de estilo.
SOUSA, Cruz e. Poesias completas. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1981. p. 158
Capítulo 4 :: 57
b) Explique a relação entre esse verso e a quarta estrofe do poema em termos Tu és Poeta, o grande Assinalado
semânticos. que povoas o mundo despovoado,
de belezas eternas, pouco a pouco.
Na Natureza prodigiosa e rica
Texto para a questão 3 toda a audácia dos nervos justifica
Ser mulher... os teus espasmos imortais de louco!
Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada SOUSA, Cruz e. Poesia completa. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1981. p. 135
para os gozos da vida; a liberdade e o amor;
tentar da glória a etérea e altívola escalada, 4) (UFRJ / 2009) O título do texto – o assinalado – remete a uma concepção
na eterna aspiração de um sonho superior... de poeta que se associa, a um só tempo, às correntes estéticas do Simbolismo e
do Romantismo. Apresente essa concepção.
Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor;
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor... Grupo 2 – Simbolismo: linguagem
Ser mulher, calcular todo o infinito curto Leia o texto referente à questão 3 do grupo 1 para responder
para a larga expansão do desejado surto, também à questão a seguir
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais... 1) (UFRJ / 2010) A arte simbolista foi fortemente marcada pela crença de que a
linguagem era limitada para traduzir a complexidade humana.
Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza! Apresente a relação entre a estruturação sintática do poema de Gilka Macha-
do e a limitação da linguagem de que trata a afirmativa acima. Para fundamentar
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
sua resposta, apresente uma característica sintática do texto.
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
MACHADO, Gilka. Poesias completas. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial: FUNARJ, 1991. p.106
2) (Enem / 2009) Os elementos formais e temáticos relacionados ao contexto cul- (c) Um caeté de olhos azuis, que fala português ruim, sabe escrituração
tural do Simbolismo encontrados no poema Cárcere das almas, de Cruz e Sousa, são: mercantil, lê jornais, ouve missas. É isto, um caeté.
(a) a opção pela abordagem, em linguagem simples e direta, de temas fi- (d) Diferenças também, é claro. Outras raças, outros costumes, quatrocentos
losóficos. anos. Mas no íntimo, um caeté. Um caeté descrente.
(b) a prevalência do lirismo amoroso e intimista em relação à temática na- (e) (...) admiração exagerada às coisas brilhantes, ao período sonoro, às
cionalista. missangas literárias, o que me induz a pendurar no que escrevo adjetivos, que
(c) o refinamento estético da forma poética e o tratamento metafísico de depois risco...
temas universais.
(d) a evidente preocupação do eu lírico com a realidade social expressa em 2) (Unifesp -2007) O Parnasianismo é contemporâneo ao Naturalismo e ao Rea-
imagens poéticas inovadoras. lismo. No entanto, há grandes diferenças entre esses movimentos.
(e) a liberdade formal da estrutura poética que dispensa a rima e a métrica Assinale a única alternativa incorreta.
tradicionais em favor de temas do cotidiano. (a) Olavo Bilac é o autor de Profissão de fé, poema que exemplifica as pro-
postas parnasianas.
(b) Raimundo Correia, Olavo Bilac e Alberto de Oliveira formam a tríade dos
Grupo 3 – Parnasianismo: características gerais mais significativos poetas parnasianos.
(c) A arte pela arte é uma das características mais importantes do Parnasia-
Questão comentada (PUC-RS) Raimundo Correia, Olavo Bilac e Alberto de nismo.
Oliveira associam-se ao Parnasianismo. Todas as afirmativas que seguem estão (d) O Parnasianismo, assim como o Realismo, apresentava proposta de crítica
relacionadas a essa tendência literária, EXCETO:
à sociedade.
(a) A objetividade e a impessoalidade do poeta.
(e) O Parnasianismo é um movimento fundamentalmente poético, enquanto o
(b) O culto à forma em detrimento do conteúdo.
Naturalismo e o Realismo são movimentos que ocorreram, principalmente, na prosa.
(c) A busca do belo através da palavra.
(d) A recorrência aos mitos greco-latinos.
(e) A mitificação do país natal.
Texto para a questão 3
Resposta: E
Comentário: A mitificação do país natal é uma característica da literatura
romântica (lembre-se, por exemplo, da “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias).
Todas as outras alternativas apontam, de fato, para traços associados ao Parna-
sianismo. Como você já aprendeu, a literatura parnasiana é fundamentalmente antir-
romântica. Assim, se o romântico retrata o mundo a partir da sua própria perspectiva
e frequentemente toma como objeto poético sua própria vida interior (subjetivismo),
o parnasiano revela uma preferência por descrições objetivas da realidade externa,
não contaminadas pelo olhar do eu-lírico (objetividade e impessoalidade).
Da mesma forma, se o romântico muitas vezes recusa as formas poéticas
fixas (sob a alegação de que isso limitaria a livre expressão dos sentimentos),
o parnasiano busca a rigidez formal (formas fixas, métrica regular, rimas ricas e
raras, etc.), vista como o caminho que leva à perfeição formal e à beleza estética
(culto à forma, busca do belo através da palavra).
Por fim, a recorrência de mitos greco-latinos na poesia parnasiana reflete o
fato de que essa escola busca inspiração na Antiguidade Clássica.
1) (UFF / 2003) Os fragmentos abaixo podem ser lidos como uma referência
crítica de revisão de diversos momentos da constituição da literatura, através de
observações do narrador sobre a identidade brasileira. Assinale a opção que carac-
teriza uma referência do narrador ao parnasianismo:
(a) a timidez que me obriga a ficar cinco minutos diante de uma senhora,
torcendo as mãos com angústia...
(b) Não ser selvagem! Que sou eu senão um selvagem, ligeiramente polido,
com uma tênue camada de verniz por fora?
Capítulo 4 :: 59
3) (UFF/2004 – 2ª etapa – adaptada) Algumas temáticas e estéticas de es- (D) A graça nobre e grave do quarteto
colas literárias (a presença da natureza, o “eu lírico”, a idealização, o humor, a Recebe a original intolerância,
desconstrução lingüística, o cultivo da forma) podem ser retomadas sob um novo Toda a sutil, secreta extravagância
modo de dizer – de forma crítica, irônica, caricatural... Justifique, exemplificando Que transborda terceto por terceto.
com material dos textos, um possível entendimento de uma releitura do Roman-
tismo e/ou do Parnasianismo em Hagar, o Horrível. Grupo 4 – Artes plásticas: o impressionismo
1) (Enem/2010)
Gabarito Grupo 3
1) E 2) D
Grupo 1 3) O texto Hagar, O Horrível permite uma leitura irônica do Romantismo e
1) Simbolismo do Parnasianismo pela presença da natureza, pela expressão enfática de emo-
2) a) “das espirais da tua vã matéria.” ções (o emprego das exclamações) e pela preocupação formal (“é só colocar
b) relação de oposição (matéria X espírito) rima nisso aí”) como característica da expressão poética
3) Ser mulher, no poema, relaciona-se à ideia de tantálica tristeza, tendo em 4) B
vista que, assim como Tântalo, a mulher tem seu desejo frustrado, seus ideais não
alcançados. No texto, verifica-se essa frustração dos desejos, em passagens como Grupo 4
as seguintes: “buscar um companheiro e encontrar um senhor...”; “calcular todo o 1) D
infinito curto / para a larga expansão do desejado surto”; “ficar na vida qual uma
águia inerte, presa / nos pesados grilhões dos preceitos sociais!”.
4) A concepção de poeta comum às correntes estéticas do Simbolismo e do
Romantismo é a de um ser iluminado, inspirado, divino, dotado da capacidade de
indicar à humanidade, por intermédio da poesia, o que comumente não se percebe.
Grupo 2
1) O poema de Gilka Machado apresenta, em termos sintáticos, estruturas
incompletas / desconexas / “soltas” / lacunosas, as quais refletem a referida
limitação da linguagem para traduzir a complexidade humana, no caso a com-
plexidade de “ser mulher”. Dentre as características sintáticas do poema que ilus-
tram essa estruturação, pode-se citar qualquer das seguintes: pouca presença de
conectivos, predominância de orações coordenadas assindéticas, justaposição de
estruturas, construções com frases nominais infinitivas, elipses (como a dos verbos
das orações principais).
2) C
5
Literatura Brasileira (V):
Pré-Modernismo e Modernismo
62 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
1. As vanguardas europeias de suas fumaças; as pontes semelhantes a ginastas gigantes que transpõem as
fumaças, cintilantes ao sol com um fulgor de facas; os navios a vapor aventurosos
Na Europa, as primeiras décadas do século 20 testemunharam uma profusão que farejam o horizonte, as locomotivas de amplo peito que se empertigam sobre
de movimentos artísticos cujo ponto em comum foi a contestação da herança os trilhos como enormes cavalos de aço refreados por tubos e o vôo deslizante dos
cultural do século 19. Em conjunto, eles promoveram uma verdadeira revolu- aeroplanos, cujas hélices se agitam ao vento como bandeiras e parecem aplaudir
ção nas artes, promovendo inovações estéticas radicais e levando ao extremo como uma multidão entusiasta.
MARINETTI, F. T. O Futurismo. In: TELLES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo
a experimentação artística na literatura, na música e nas artes plásticas. Esses
brasileiro. 9 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1986.
movimentos costumam ser referidos como as “vanguardas europeias” do início
do século XX.
Nesta seção, estudaremos cinco movimentos de vanguarda: o futurismo, É fácil identificar nesse texto os princípios básicos do Futurismo. Está lá, por
o cubismo, o expressionismo, o dadaísmo e o surrealismo. De um modo geral, exemplo, a rejeição do passado e da tradição artística: “um automóvel rugidor
[...] é mais belo que a Vitória de Samotrácia”; “Queremos destruir os museus, as
suas propostas e inovações estéticas tiveram reflexos na literatura modernista
bibliotecas, as academias de todo tipo.”.
brasileira, que estudaremos a seguir.
O manifesto evidencia também a glorificação da vida moderna, marcada pela
velocidade e pelo desenvolvimento tecnológico: “Até hoje, a literatura tem exaltado
1. Futurismo
a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Queremos exaltar o movimento agressi-
O marco inicial do movimento é a publicação, em 1909, do Manifesto do
vo, a insônia febril, a velocidade [...]”; “Afirmamos que a magnificência do mundo
Futurismo. Veiculado no tradicional jornal francês Le Figaro e assinado pelo es-
se enriquecer de uma beleza nova: a beleza da velocidade.”; “Um carro de corrida
critor franco-italiano Fellipo Tommaso Marinetti, o texto já contém os princípios
adornado de grossos tubos”; “um automóvel rugidor”; “estaleiros incendiados por
fundamentais do Futurismo.
violentas luas elétricas”; “as fábricas suspensas das nuvens”; “os navios a vapor”;
Três pontos são fundamentais para compreendê-lo. Em primeiro lugar, a
“as locomotivas de amplo peito”; “o voo deslizante dos aeroplanos”.
recusa explícita de tudo o que se identifique com o passado e a tradição. Em
Por fim, observe a glorificação explícita da guerra no item 9 e a valorização
segundo lugar, a exaltação da vida moderna. Como a Europa passava por um ace-
da violência e da agressividade em diversos pontos: “Queremos exaltar o movi-
lerado processo de urbanização e industrialização, a modernidade é identificada
mento agressivo”; “a bofetada e o soco”; “Já não há beleza sem luta. Nenhuma
com o ambiente urbano, o dinamismo, a velocidade e as máquinas – todos estes
obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima.”; “Queremos
elementos fundamentais do imaginário futurista. Em terceiro lugar, a postura
destruir os museus”.
agressiva e violenta, acompanhada do fascínio pela guerra e pela destruição.
Em maio de 1912, o Manifesto Técnico da Literatura Futurista mostra de que
A parte central do Manifesto do Futurismo é uma lista de 11 declarações de
maneira os ideais do movimento devem se refletir na forma literária. Entre outros
princípios. Para alguns críticos, o fato de serem 11 pontos, e não 10, já é, em si
pontos, Marinetti defende a destruição da sintaxe, o emprego do verbo no infini-
mesmo, uma subversão da tradição bíblica. Veja alguns deles abaixo.
tivo, a abolição do adjetivo e do advérbio, a abolição da pontuação e a abolição
do “eu”. Nesse mesmo manifesto, o escritor cunha dois aforismos que se tornarão
Manifesto do Futurismo famosos: “imaginação sem fios” e “palavras em liberdade”. Ambos estão dire-
1. Queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade. tamente ligados à ideia de destruição da sintaxe. Para Marinetti, o escritor deve
2. Até hoje, a literatura tem exaltado a imobilidade pensativa, o êxtase e o abandonar a linearidade sintática tradicional, a organização do texto em orações
sono. Queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, a velocidade, o em períodos, dando preferências a palavras soltas: nos seus próprios termos,
salto mortal, a bofetada e o soco. “palavras desligadas e sem fios condutores sintáticos”. No conjunto, essas pro-
3. Afirmamos que a magnificência do mundo se enriquecer de uma beleza postas buscam: (1) abolir o subjetivismo romântico, cujo lirismo sentimental não
nova: a beleza da velocidade. [...] é capaz de traduzir a sensibilidade de um mundo cada vez mais industrializado e
7. Já não há beleza sem luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter veloz; e sobretudo (2) captar a velocidade, a agitação e o dinamismo da moder-
agressivo pode ser uma obra-prima. Um carro de corrida adornado de grossos nidade industrial, na qual não há tempo a perder com longos períodos recheados
tubos semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que de elementos “supérfluos”, como adjetivos e advérbios. A esse respeito, assim se
parece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Samotrácia. pronuncia o próprio Marinetti:
[...]
9. Queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo –, o militarismo, “Ora, suponha que um amigo seu, dotado dessa faculdade lírica, encontre-se
o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas ideias pelas quais se num lugar de vida intensa, com revoluções, guerras, naufrágios, terremotos, e
morre e o desprezo da mulher. venha, imediatamente depois, narrar essa impressionante aventura. Que narrativa
10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo tipo [...] esse seu amigo lírico e comovido faria instintivamente? Ele começaria a destruir
11. [...] cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros brutalmente a sintaxe ao falar. Não perderia tempo em construir os períodos
incendiados por violentas luas elétricas: as estações insaciáveis, devoradoras de […]”.
serpentes fumegantes: as fábricas suspensas das nuvens pelos contorcidos fios MARINETTI, F. T. Spagna Veloce e Toro Futurista. Milão: Giuseppe Morreale, 1931.
Capítulo 5 :: 63
Na literatura brasileira, embora não se possa afirmar que houve algum artis- 2. Cubismo
ta plenamente ou exclusivamente futurista, é certo que determinadas inovações O cubismo é uma vanguarda artística que aparecerá, primeiramente,
propostas por Marinetti influenciaram alguns dos nossos escritores. Na seção 2.1 no domínio da pintura. Seu princípio fundamental é a fragmentação e mul-
do item “Modernismo”, veja o poema Infância, de Oswald de Andrade, e observe tiplicação dos pontos de vista. O pintor cubista pretende registrar, de uma
a linguagem telegráfica, com ausência quase completa de verbos e conectivos. só vez, diferentes perspectivas sobre uma mesma cena. Para isso, ele capta
Outro exemplo clássico de influência futurista é o poema Ode ao burguês, de diversas visões ou pontos de vista de um objeto e os reúne em um mesmo
Mario de Andrade. Além da postura agressiva (note o trocadilho sonoro do título: plano. Falando sobre a obra do espanhol Pablo Picasso, certamente o mais
ode ao burguês / ódio ao burguês), o poema recorre aos substantivos duplos de conhecido dos pintores cubistas, o historiador da arte John Golding diz o
que fala Marinetti. Veja a primeira estrofe: seguinte: “Agora, é como se Picasso tivesse andado 180 graus em redor do
seu modelo e tivesse sintetizado suas sucessivas impressões numa única
Ode ao burguês (fragmento) imagem”.
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel, Ao lado dessa característica, é preciso considerar uma outra: a represen-
o burguês-burguês! tação das formas naturais por meio de motivos geométricos, com predomínio
A digestão bem-feita de São Paulo! das linhas retas.
O homem-curva! O homem-nádegas! Essas duas características podem ser observadas nas imagens abaixo.
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, A primeira é uma reprodução do quadro Mulher chorando, de Pablo Picas-
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco! so. Pela posição da boca, a mulher parece estar de perfil; por outro lado,
ANDRADE, Mario. Poesias completas. In: MANFIO, D. Z. (Org.). Belo Horizonte, São Paulo: podemos ver seus dois olhos, o que sugere que a observamos de frente.
Itatiaia, EdUSP, 1987 Algo semelhante ocorre na imagem 2, uma reprodução da tela O lanche
(mulher com colher de chá), de Jean Metzinger. Além da geometrização
O Futurismo, porém, não fica restrito à literatura: marca presença também do corpo da mulher, observe que a xícara de chá é cindida em duas partes,
na música, nas artes cênicas e nas artes plásticas. Em 1910, o Manifesto Técnico representando duas perspectivas que podem ser captadas simultaneamente
dos Pintores Futuristas insiste na mesma repulsa ao passado e na mesma glo- pelo observador do quadro.
rificação da modernidade, com o elogio da técnica e do ritmo acelerado: “Deve
ser feita uma limpeza radical em todos os temas gastos e mofados a fim de se Imagem 1
expressar o vórtice da vida moderna – uma vida de aço, febre, orgulho e veloci-
dade vertiginosa”.
A marca mais evidente dessa arte é a preocupação em representar o movi-
mento, o dinamismo e a aceleração da vida moderna. Para isso, usam cores for-
tes e contrastantes e recorrem à sobreposição ou ao encadeamento de diversos
planos. Na imagem abaixo, uma reprodução da tela Dinamismo de um automó-
vel, de Luigi Russolo, as formas triangulares organizadas radialmente transmitem
a sensação de movimento e de velocidade.
3. Expressionismo
No capítulo anterior, você estudou o impressionismo, movimento artís-
tico cujo nome deriva da palavra “impressão”. Como o prefixo im- sugere,
impressão é algo que vem de fora para dentro – no caso das obras impres-
sionistas, trata-se da imagem que, vinda do exterior, é captada pelo olho Edvard Munch, O grito, 1893.
humano e registrada pelo artista da maneira como foi percebida. Agora,
pense na palavra “expressão”. Como o prefixo ex- sugere, ela denota algo
que vai, inversamente, de dentro para fora. Trata-se, portanto, de projetar
Capítulo 5 :: 65
“Eu redijo um manifesto e não quero nada, eu digo portanto certas coisas
Imagem 1
e sou por princípio conta os manifestos como sou também contra os manifestos
[...]. Eu redijo esse manifesto para mostrar que é possível fazer as ações opostos
simultaneamente, numa única fresca respiração; sou contra a ação; pela contínua
contradição, pela afirmação também, eu não sou nem para nem contra e não
explico por que odeio o bom senso.
[...]
Abolição da lógica, dança dos impotentes da criação: DADÁ; cada objeto,
todos os objetos, os sentimentos e as obscuridades, as aparições e o choque pre-
ciso das linhas paralelas são meios para o combate: DADÁ; abolição da memória:
DADÁ; abolição da arqueologia: DADÁ; abolição dos profetas: DADÁ; abolição do
futuro: DADÁ.”
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1983.
5. Surrealismo
Surgido oficialmente em 1924, o Surrealismo é a mais tardia das vanguar-
das europeias. Seu princípio fundamental é a negação do conhecimento racional
da realidade – e, em contrapartida, a valorização do sonho, do inconsciente, dos
estados alucinatórios, da fantasia e da loucura.
Nesse sentido, o Surrealismo se propõe a ser mais do que um movimento ar-
tístico. A intenção é propor uma nova forma de compreensão da realidade – uma
forma que, livre das amarras da mente cartesiana e racional, está profundamente
influenciada pelas ideias de Sigmund Freud sobre o inconsciente.
Duchamp , L. H. O. O. Q., 1919. Na pintura, a expressão do inconsciente se dá de duas maneiras. Uma
possibilidade é retratar imagens fantásticas, situações fantasiosas e irreais,
A literatura dadaísta também investe na desconstrução da arte tradicional, com o acúmulo de elementos simbólicos – em suma, um cenário típico dos so-
além de apostar na aleatoriedade e no ilogismo. Se nada faz sentido mesmo, nhos. É isso que se vê na imagem 1, uma reprodução da tela Sonho provocado
se qualquer princípio estético é vão e se, em última instância, a obra de arte é pelo voo de uma abelha em torno de uma romã um segundo antes de acordar,
irrelevante, não há razão para que alguém faça qualquer esforço para compor de Salvador Dalí. Observe que o próprio título revela que a imagem expressa
um texto literário. Basta enumerar palavras ao acaso, e tem-se uma obra da- um sonho. Na parte inferior, vemos, sem qualquer destaque e com dimensões
daísta. Este é o princípio da aleatoriedade dadaísta, como Tristan Tzara ensinou reduzidas, a abelha e a romã reais. E, no restante da tela, uma situação abso-
neste poema: lutamente fantástica, que presumivelmente corresponde ao sonho da mulher
que levita sobre uma pedra: um peixe que sai de uma romã e que, por sua vez,
Pegue um jornal. cospe um tigre voador, entre outros elementos absurdos.
Pegue a tesoura. A outra possibilidade de expressão do inconsciente é produzir uma espécie
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema. de pintura automática: sem racionalizar, sem planejamento prévio, o artista per-
Recorte o artigo. mite que o pincel se movimente livremente sobre a tela. O resultado são imagens
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo abstratas, com formas curvas e muitas cores, que expressariam o inconsciente
e meta-as num saco. do sujeito. É o que se observa na imagem 2, uma reprodução da tela A poetisa,
Agite suavemente. de Joan Miró.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa,
ainda que incompreendido do público.
Capítulo 5 :: 67
Pré-história
Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abiu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos.
MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
Modernismo
1. Informações iniciais
De maneira consensual, assume-se que o Modernismo brasileiro inclui pelo
menos duas fases: a primeira fase ou fase heroica (1922-1930) e a segunda
fase ou fase de estabilização ou ainda fase ideológica (1930-1945). Para além
Salvador Dalí, Sonho provocado pelo voo de uma abelha em torno de uma romã um segundo disso, alguns críticos enxergam uma terceira fase, cuja delimitação tende a variar
antes de acordar, 1944. bastante de um autor para outro. Aqui, vamos contemplar as duas fases consen-
sualmente reconhecidas.
Imagem 2 A literatura modernista abrange uma vasta produção em prosa e em verso.
Na primeira fase, destacam-se os nomes de Mário de Andrade, Oswald de Andrade
e Manuel Bandeira. Os dois primeiros dedicaram-se tanto à poesia quanto à prosa,
além de teorizarem sobre a arte moderna. Manuel Bandeira, por sua vez, é consi-
derado um dos grandes nomes da poesia brasileira de todos os tempos.
A segunda fase modernista irá produzir alguns dos autores mais lidos e es-
tudados até hoje. Na prosa, destacam-se os nomes de Graciliano Ramos (Vidas
Secas, São Bernardo), Raquel de Queiroz (O quinze, Memorial de Maria Moura),
José Lins do Rego (Menino de Engenho, Fogo morto), Jorge Amado (Gabriela,
Tieta, Dona Flor e seus dois marido) e Érico Verissimo (O tempo e o vento, Olhai
os lírios do campo). Na poesia, o nome de Carlos Drummond de Andrade ganha
destaque ao lado de outros como Murilo Mendes, Jorge de Lima, Cecília Meireles
e Vinícius de Moraes.
mo/Naturalismo e o Parnasianismo. O Modernismo nascia, assim, sob o signo do Esse poema ilustra o gosto pela concisão que caracteriza boa parte da produ-
confronto – contra a arte anterior e contra o público que consumia essa arte. Mas, ção de Oswald de Andrade. Poemas extremamente breves e sucintos – às vezes
afinal, quais eram as propostas desse movimento? chamados de poemas-minuto – são uma das marcas mais visíveis do seu estilo.
Como dissemos, os modernistas heroicos assumem radicalmente uma postura Em alguns casos, como no texto acima, o ideal da síntese vem acompanhado de
de rejeição à arte anterior, que será chamada, pejorativamente, de passadismo. um estilo telegráfico, em que o sentido global é construído por meio de flashes,
A postura antipassadista é, portanto, o ponto de partida para a compreensão desse traduzidos sob a forma de frases nominais e baixa frequência de conectores.
momento. Esses artistas buscaram afirmar a arte moderna em um ambiente in- Nesse sentido, a poesia de Mario de Andrade é bastante distinta, uma vez que
telectual em grande medida obtuso e apegado aos valores artísticos tradicionais. este autor não cultiva o estilo telegráfico ou o gosto oswaldiano pela concisão. Ain-
É essa disposição para o confronto e para o desbravamento de novas fronteiras da assim, é possível verificar, em alguns de seus poemas, a ruptura da linearidade
artísticas que dá à primeira fase do nosso Modernismo o apelido de fase heroica. sintática que marca o primeiro momento modernista. Veja:
Ao lado da luta antipassadista, a outra diretriz marcante da primeira fase
modernista é o nacionalismo. Como veremos, trata-se, quase sempre, de um na- O trovador
cionalismo diferente daquele praticado pelos escritores românticos. Mesmo porque Sentimentos em mim do asperamente
o momento histórico é outro: se, no século XIX, era importante construir uma dos homens das primeiras eras...
imagem idealizada do país, agora o objetivo é refletir criticamente sobre as nossas As primaveras do sarcasmo
origens e a nossa identidade. intermitentemente no meu coração arlequinal..
Intermitentemente...
da obra da arte. Mas não é o único. Também no plano do conteúdo esse tor. Mas, apesar delas, é inegável que ambos se beneficiam de umas das maiores
objetivo é alcançado. Isso porque a primeira fase do nosso modernismo irá conquistas do modernismo: a incorporação do trivial, do corriqueiro, do banal.
eliminar as fronteiras entre assuntos poéticos e apoéticos, abrindo espaço para
a incorporação de elementos do cotidiano. A literatura modernista irá tratar,
frequentemente, de acontecimentos banais, como o trabalho dos camelôs ou 2.2 Nacionalismo: em busca da identidade brasileira
uma viagem qualquer de trem. A partir da fase heroica, todos os assuntos, Uma das marcas mais visíveis da literatura da fase heroica é a retomada da
mesmo os mais corriqueiros, serão considerados dignos da literatura, em es- tradição nacionalista. Se a produção realista/naturalista privilegiava os temas uni-
pecial da poesia. versais, nossos modernistas procurarão produzir uma literatura que ajude a pensar
Em outras palavras: com a geração de 22, a poesia deixa de ser o espaço as particularidades do Brasil: seus problemas, seus conflitos, suas origens, seus
apenas dos grandes temas nobres e solenes – como o amor, a morte, a natureza contrastes (atraso e progresso, campo e cidade, o selvagem e o civilizado, etc).
ou a pátria – e passa a admitir também os assuntos tradicionalmente vistos como Nesse sentido, nota-se aqui a retomada do debate intelectual que tanto animou os
apoéticos. Essa conquista, é bom que se diga, não desaparece após a fase heroica. escritores da primeira geração romântica: o problema da identidade nacional.
Em vez disso, perdura na segunda fase modernista e vai muito além dela, mar- Embora não seja simples resumir o nacionalismo modernista, que é certamen-
cando presença em diversas tendências e autores pós-1945 (ainda que não em te multifacetado, um ponto é crucial: de um modo geral, a produção desse período
todos). Veja os poemas abaixo: joga por terra o ufanismo romântico. Não há mais espaço para o Brasil idealizado
do Romantismo, um verdadeiro paraíso terrestre habitado por índios honrados e
Camelôs bondosos. Por isso, é comum falarmos aqui em nacionalismo crítico.
Abençoado seja o camelô dos brinquedos de tostão: Em resumo, podemos dizer que a primeira fase modernista é animada por
O que vende balõezinhos de cor uma retomada crítica da questão da identidade nacional. Muitas vezes, isso se faz
O macaquinho que trepa no coqueiro sob a forma de paródia de textos do Quinhentismo e do Romantismo. O motivo: es-
O cachorrinho que bate com o rabo ses são os dois outros momentos da nossa literatura que tematizam explicitamente
Os homenzinhos que jogam box o Brasil, procurando de alguma forma caracterizá-lo e identificar seus traços defini-
A perereca verde que de repente dá um pulo que engraçado dores. A esse respeito, compare abaixo o início de Iracema, do escritor romântico
E as canetinhas-tinteiro que jamais escreverão coisa alguma José de Alencar, e o de Macunaíma, do modernista Mario de Andrade.
Alegria das calçadas.
Iracema
Uns falam pelos cotovelos: Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu
— “O cavalheiro chega em casa e diz: Meu filho, vai buscar um pedaço Iracema.
de banana para eu acender o charuto. Naturalmente o menino pensará: Papai Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a
está malu...” asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no
Outros, coitados, têm a língua atada. bosque como seu hálito perfumado.
Todos porém sabem mexer nos cordéis com o tino ingênuo de demiurgos de Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as
inutilidades. matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O
E ensinam no tumulto das ruas os mitos heroicos da meninice... pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com
E dão aos homens que passam preocupados ou tristes uma lição de infância. as primeiras águas.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. São Paulo: Nova Fronteira, 2000 ALENCAR, José de. Iracema. Porto Alegre: L&PM, 2002
O Capoeira Macunaíma
– Qué apanhá sordado? No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto
– O quê?- Qué apanhá? retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão
Pernas e cabeças na calçada. grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapamunhas pariu uma
ANDRADE, Oswald de. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974 criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma. Já na meninice fez
coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o
Esses dois poemas são profundamente distintos. O primeiro, com versos incitavam a falar exclamava:
longos e sintaticamente encadeados, recria com lirismo uma situação prosaica: – Ai! Que preguiça!...
camelôs que encantam as crianças com a venda de “inutilidades”. O segundo, ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos. São Paulo, Secretaria da
fortemente visual e composto no estilo telegráfico de Oswald de Andrade, retrata Cultura Ciência e Tecnologia, 1978: p.7
uma briga de rua. Essas diferenças refletem as peculiaridades do estilo de cada au-
Capítulo 5 :: 71
O início de Iracema revela com clareza o princípio romântico da idealização. Por fim, pedimos que você releia o fragmento de Macunaíma, agora pres-
Selvagem que vive em perfeita comunhão com a natureza, Iracema supera, com tando atenção à linguagem empregada. Observe a presença do registro coloquial,
seus atributos irretocáveis, a própria natureza: nada nem ninguém será páreo para em palavras como “meninice”, bem como a tentativa de aproximar da língua
a doçura do seu sorriso, o perfume do seu hálito, a destreza e a velocidade dos literária do português falado, com a grafia original “si” para a conjunção condi-
seus pés graciosos. cional “se”.
O início de Macunaíma parodia o de Iracema. A estrutura é a mesma:
localiza-se o cenário (ainda que de forma imprecisa) e informa-se o nascimen- ***
to do herói, o protagonista do romance. Segue-se então uma caracterização
desse protagonista – e aí descobrimos que se trata, a rigor, de um anti-herói. Em resumo, o modernismo brasileiro nasce se apoiando sobre duas diretri-
Muito diferente de Iracema, Macunaíma é uma criança feia, preguiçosa e zes básicas: o antipassadismo, postura irá propiciar uma verdadeira revolução na
“filho do medo da noite”. Ao ler Iracema, um brasileiro poderia se sentir maneira de produzir literatura, e a reflexão sobre a identidade nacional, em uma
orgulhoso por descender de indivíduos tão nobres quanto os índios retrata- retomada crítica do problema que tanto preocupara nossos intelectuais durante o
dos no romance. Macunaíma, porém, é apresentado, muitas vezes, de modo Romantismo.
depreciativo. O quadro a seguir procura sintetizar os principais traços do modernismo he-
O mesmo se pode dizer do espaço físico. Iracema, que nasceu em uma “serra roico:
que ainda azula no horizonte”, corria sobre uma “verde pelúcia que vestia a terra
com as primeiras águas”. São descrições que, certamente, dignificam os espaços
Concisão, poema-
retratados. Macunaíma, por sua vez, nasceu no “mato-virgem”. Fosse esta uma
minuto; ausência de
obra romântica, talvez pudéssemos esperar o emprego do substantivo “mata”,
conectores; frases
capaz de evocar florestas grandiosas e exuberantes. É precisamente o que se
nominais; quebra da
vê em Iracema: “a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu”. A palavra
linearidade sintática
“mato”, porém, traz uma carga semântica claramente pejorativa. Tanto é assim
que a primeira acepção para esse substantivo, no Dicionário Eletrônico Houaiss, é Versos livres e
A n t i p a s s a d i s m o
mor e a irreverência encontram nesse momento sua expressão máxima. Tudo isso Esse ponto é desenvolvido na segunda estrofe. Aqui, fica claro que o esca-
tem um objetivo claro: combater o “passadismo”, a arte acadêmica e convencional pismo não tem vez: o eu-lírico recusa o suicídio e se nega a fugir para as ilhas.
que ainda agradava ao leitor médio. Observe como essa estrofe evoca elementos caros ao imaginário romântico – os
Com o tempo, porém, o “passadismo” vai sendo deixado de lado, e a arte “suspiros ao anoitecer”, a morte, a fuga. Pela negação desse imaginário, o eu-
moderna ganha espaço. Sem o inimigo por perto, já não há tanta necessidade lírico recusa duas das posturas mais fortemente associadas à arte romântica: o es-
de chocar. Por essa razão, as experiências estéticas mais radicais da fase heroica capismo e a idealização. Em vez de evadir-se, o eu-lírico exorta seus companheiros
dão lugar a uma literatura um pouco mais convencional. Isso não significa que as a resistirem: “O presente é tão grande, não nos afastemos. / Não nos afastemos
inovações da primeira fase tenham sido abandonadas; elas apenas deixam de ser muito, vamos de mãos dadas.”
exibidas de modo tão ostensivo, passando a ser assimiladas mais naturalmente. Assim como a poesia, também os romances da segunda fase revelam uma
Assim, o coloquialismo, os brasileirismos, os temas cotidianos e os versos preocupação com o problema da existência humana diante da realidade presente.
brancos e livres passam a coexistir, por exemplo, com formas fixas (incluindo o Nesse conjunto, encontramos tanto os romances urbanos de Erico Verissimo e Mar-
soneto), esquemas métricos regulares e mesmo com uma dicção mais solene ou ques Rebelo quanto a ficção mais introspectiva de Lúcio Cardoso. Não há dúvidas,
grandiloquente em alguns momentos (sobretudo na poesia de Cecília Meireles e porém, de que vertente mais celebrada e conhecida da ficção de 30 são os roman-
na produção inicial de Vinícius de Moraes). Por outro lado, o humor, a paródia e a ces regionalistas que documentam o subdesenvolvimento brasileiro e, em especial,
irreverência perdem parte do espaço privilegiado que haviam ocupado no momento as mazelas sociais do Nordeste. Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, José Lins
anterior. Também na prosa, a narrativa cinematográfica e fragmentária do primeiro de Rego e Jorge Amado são os principais nomes dessa literatura nordestina, cuja
Oswald de Andrade dá lugar a uma narrativa mais convencional e linear, cuja marca mais evidente é a preocupação com a realidade social imediata.
linguagem acessível permite que a leitura se faça sem sobressaltos. Tomada em conjunto, a prosa de 30 retoma, de certa forma, o projeto da
Do ponto de vista do conteúdo, a produção do período volta-se para o ficção regionalista do período romântico, pelo menos na medida em que se trata
problema da existência humana diante da realidade presente. Essa preocupação de uma produção vasta que retrata a realidade de diferentes regiões do país.
se manifesta tanto na poesia quanto na prosa. A obra do poeta Carlos Drummond Quanto ao aspecto formal, nota-se aqui um abandono das experiências estéticas
de Andrade é uma das que testemunham essa preocupação. Seus livros publicados mais radicais da primeira fase: tanto a linguagem quanto a estrutura narrativa são
entre 1940 e 1945 – Sentimento do Mundo, José e Rosa do Povo – revelam uma mais convencionais e “comportadas”. Tanto as novidades formais quanto o novo
forte preocupação social, ao mesmo tempo em que demonstram solidariedade e direcionamento temático podem ser verificados no fragmento abaixo. Trata-se do
indagam o sentido da existência diante de uma realidade opressiva. Veja: início de Vidas Secas, romance que retrata a luta pela sobrevivência de uma família
assolada pela seca:
Mãos Dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco. Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os
Também não cantarei o mundo futuro. infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordina-
Estou preso à vida e olho meus companheiros riamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma
Entre eles, considere a enorme realidade. sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da
O presente é tão grande, não nos afastemos. catinga rala.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Arrastaram-se para lá, devagar, Sinha Vitoria com o filho mais novo escancha-
do no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aio a tira-
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história. colo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela. no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida. RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 1996
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente. Exercícios
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983
Grupo 1 – Identificar características do Modernismo
Este poema, bastante conhecido, é claro e direto. Seu compromisso é com
uma poesia voltada para a dura realidade presente. Não à toa, o vocábulo “presen- Texto para a questão comentada
te”, nos dois últimos versos, adjetiva tudo: o tempo, os homens, a vida. Em con- Rio de Janeiro
traste, a declaração de princípios negativa dos dois primeiros versos recusa tanto o Fios nervos riscos faíscas.
passado – “mundo caduco” – quanto o futuro. Para o eu-lírico, não há opção que As cores nascem e morrem
não seja encarar os fatos: “Estou preso à vida e olho meus companheiros”. Com impudor violento
Capítulo 5 :: 73
Onde meu vermelho ? Virou cinza. variada ainda com psicologia, a nossa música popular é variadíssima. Tão variada
Passou a boa ! Peço a palavra ! que às vezes desconcerta quem a estuda.”[...]
Meus amigos todos estão satisfeitos ANDRADE. Mário de; Pequena história da música. 8ª ed.
Com a vida dos outros. São Paulo: Martins, Belo Horizonte: Itatiaia, 1980.
Fútil nas sorveterias.
Pedante nas livrarias... 1) (UFRJ / 2004) O escritor modernista Oswald de Andrade, no Manifesto An-
Nas praias nu nu nu nu nu nu . tropófago (1928), afirma a propósito das relações entre a cultura brasileira e a
Tu tu tu tu tu no meu coração. de nossos colonizadores: Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de
Mas tantos assassinatos, meu Deus. uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes [...]
E tantos adultérios também. Explicite essa ideia, considerando o projeto modernista.
E tantos tantíssimos contos-do-vigário ...
(Este povo quer me passar a perna .)
Meu coração vai molemente dentro do táxi.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988, p.11. Texto para a questão 2
Erro de Português
Questão comentada (UFF / 2000) A que estilo de época pertence o texto Quando o português chegou
acima. Justifique sua resposta. Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Resposta: Modernismo, porque trata de um tema ligado à vida cotidiana, usan-
Fosse uma manhã de Sol
do uma linguagem informal em estrofes assimétricas, sem preocupação com uma
O índio tinha despido
metrificação rígida.
O português.
Comentário: Vamos observar com mais detalhes alguns traços modernistas do
Andrade, Oswald de. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
poema.
1 – Tema ligado ao cotidiano: de dentro de um táxi, o eu-lírico observa o mo-
2) (Enem / 2006) O primitivismo observável no poema acima, de Oswald de
vimento nas ruas (sorveteria, livraria, praia) e faz comentários sobre a atualidade
Andrade, caracteriza de forma marcante:
(assassinatos, contos-do-vigário).
(a) o regionalismo do Nordeste.
2 – Linguagem informal: “(Esse povo quer me passar a perna)”. A expressão
(b) o concretismo paulista.
“passar a perna” tem caráter coloquial. “Enganar” ou “ludibriar” seriam opções
(c) a poesia Pau-Brasil.
mais formais.
(d) o simbolismo pré-modernista.
3 – Liberdade formal: versos livres (ou seja, versos com “tamanhos” diferen-
(e) o tropicalismo baiano.
tes, quer dizer, com número diferente de sílabas poéticas de um para o outro) e
versos brancos (ausência de rima).
4 – Pontuação relativa: supressão de sinais de pontuação, acelerando a leitu- Texto para a questão 3
ra e imprimindo ao poema o ritmo frenético da vida moderna: “fios nervos riscos Amor
faíscas”. humor
5 – Experimentalismo linguístico, inclusive com o uso de onomatopeias: “Nas ANDRADE, Oswald de. Poesias reunidas (org. Haroldo de Campos).5a edição.
praias nu nu nu nu nu nu / tu tu tu tu tu no meu coração”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.
(c) a criativa simetria de versos para reproduzir o ritmo do tema abordado. Pendiam cada um das estrelas por longos fios invisíveis
(d) a escolha do tema do amor romântico, caracterizador do estilo literário E havia súbitas e lindas aparições como aquela das longas tranças
dessa época. E todas imitavam tão bem a vida
(e) o recurso ao diálogo, gênero discursivo típico do Realismo. Que por um momento se chegava a esquecer a sua cruel inocência de bonecas
E eu dizia depois coisas tão lindas
E tristes
Texto para a questão 8 Que não sabia como tinham ido parar na minha boca
Máquina-de-escrever E o mais triste não era que aquilo fosse apenas um jogo cambiante de reflexos
B D G Z, Reminton. Porque afinal um belo pião dançante
Pra todas as cartas da gente. Ou zunindo imóvel
Eco mecânico Vive uma vida mais intensa do que a mão ignorada que o arremessou
De sentimentos rápidos batidos. E eu danço tu danças nós dançamos
Pressa, muita pressa. Sempre dentro de um círculo implacável de luz
.......Duma feita surrupiaram a máquina-de-escrever de meu mano. Sem saber quem nos olha atenta ou distraidamente do escuro...
.......Isso também entra na poesia QUINTANA, Mário. Antologia poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1966.
.......Porque ele não tinha dinheiro pra comprar outra.
9) (Uerj / 2004-LPLB) Dentre os traços formais presentes neste poema, aquele
Igualdade maquinal, que não caracteriza a estética do Modernismo brasileiro é:
Amor ódio tristeza… (a) emprego de adjetivação dupla
E os sorrisos da ironia (b) ausência de sinais de pontuação
Pra todas as cartas da gente… (c) uso de versos desprovidos de rima
Os malévolos e os presidentes da República (d) aproveitamento da sintaxe coloquial
Escrevendo com a mesma letra…
.................Igualdade
..............Liberdade Texto para a questão 10
...........Fraternité, point. Família
Unificação de todas as mãos… Três meninos e duas meninas,
(...) sendo uma ainda de colo.
ANDRADE, Mário de. Poesias completas. Belo Horizonte: Villa Rica, 1993. A cozinheira preta, a copeira mulata,
o papagaio, o gato, o cachorro,
8) (Uerj / 2006-LPLB) as galinhas gordas no palmo de horta
Duma feita surripiaram a máquina-de-escrever de meu mano. / Isso também e a mulher que trata de tudo.
entra na poesia / Porque ele não tinha dinheiro pra comprar outra. (v. 6 - 8) A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
Esse fragmento do texto acima revela uma mudança de tom na linguagem o cigarro, o trabalho, a reza,
do poema. a goiabada na sobremesa de domingo,
a) Indique em que consiste essa mudança e explique como ela se relaciona o palito nos dentes contentes,
à estética modernista. o gramofone rouco toda noite
e a mulher que trata de tudo.
O agiota, o leiteiro, o turco,
b) Identifique o gênero literário empregado nesse fragmento e cite uma ca- o médico uma vez por mês,
racterística desse gênero. o bilhete todas as semanas
branco! mas a esperança sempre verde.
A mulher que trata de tudo
Texto para a questão 9 e a felicidade.
Função ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do mundo. Rio de Janeiro: Record, 1999, p.58.
Me deixaram sozinho no meio do circo
Ou era apenas um pátio uma janela uma rua uma esquina
Pequenino mundo sem rumo
Até que descobri que todos os meus gestos
76 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
10) (PUC-RIO / 2007) O poema de Carlos Drummond de Andrade, publicado em Texto para a questão 12
seu livro de estréia, em 1930, apresenta aspectos que ainda mantêm uma relação Arte de amar
direta com a primeira fase do Modernismo. Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
Cite duas características do texto que reafirmam valores e procedimentos do A alma é que estraga o amor.
projeto modernista brasileiro. Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Texto para a questão 11 Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Infância Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira: poesias reunidas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia. 12) (Uerj / 2001-LPLB) O texto acima é representativo de um movimento
Eu sozinho menino entre mangueiras estético-literário que rompe com a tradição lírica dominante no Brasil até as duas
lia a história de Robinson Crusoé, primeiras décadas do século XX.
comprida história que não acaba mais. Identifique esse movimento estético-literário e aponte um aspecto temático do
texto que caracteriza a referida ruptura.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha 13) (Enem / 2000) “Poética”, de Manuel Bandeira, é quase um manifesto do
café gostoso movimento modernista brasileiro de 1922. No poema, o autor elabora críticas e
café bom. propostas que representam o pensamento estético predominante na época.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo
Lá longe meu pai campeava
de um vocábulo
no mato sem fim da fazenda.
Abaixo os puristas
E eu não sabia que minha história
Quero antes o lirismo dos loucos
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
O lirismo dos bêbedos
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
11) (Uerj / 2009-LPLB)
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu — Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu BANDEIRA, Manuel. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro. Aguilar, 1974
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha Com base na leitura do poema, podemos afirmar corretamente que o poeta:
café gostoso (a) critica o lirismo louco do movimento modernista.
café bom. (b) critica todo e qualquer lirismo na literatura.
Identifique, na estrofe acima, dois traços característicos da estética moder- (c) propõe o retorno ao lirismo do movimento clássico.
nista, um relacionado à linguagem e outro à forma do poema. Cite também um (d) propõe o retorno ao lirismo do movimento romântico.
exemplo para cada um desses traços. (e) propõe a criação de um novo lirismo.
Capítulo 5 :: 77
Texto para a questão 14 15) (PUC-RIO / 2003) A abordagem crítico-humorística, presente no texto acima,
Camelôs - Manuel Bandeira possui características tipicamente modernistas. Indique a estrofe onde ela se ma-
Abençoado seja o camelô dos brinquedos de tostão: nifesta mais claramente, exemplificando com elementos do texto as formas pelas
O que vende balõezinhos de cor quais essa crítica se constrói.
O macaquinho que trepa no coqueiro
O cachorrinho que bate com o rabo
Os homenzinhos que jogam boxe
A perereca verde que de repente dá um pulo que engraçado Textos para a questão 16
E as canetinhas-tinteiro que jamais escreverão coisa alguma Texto I
Alegria das calçadas. Bh, junho de 1925.
Uns falam pelos cotovelos: Mário dear,
- “O cavalheiro chega em casa e diz: ‘Meu filho, vai buscar um pedaço Conversei ontem à tardinha com o nosso querido Carlos. Me disse que dias
de banana para eu acender o charuto.’ Naturalmente o menino pensará: atrás tinha recebido mais uma carta sua. Percebi no olhar por detrás dos óculos
‘Papai está malu...’” que ele ainda não conseguia esconder as emoções mais secretas. Você bem sabe
Outros, coitados, têm a língua atada. como o nosso amigo cultiva as graças do segredo, que, aliás, só são instigantes se
Todos, porém, sabem mexer nos cordéis com o tino ingênuo de demiurgos o interlocutor nos sugere (escancaradamente) que está escondendo algo (intima-
de inutilidades. mente). Carlos me jogou na cara o conteúdo da carta que tinha recebido de São
E ensinam no tumulto das ruas os mitos heroicos da meninice... Paulo e logo em seguida o abafou com tampa de caçarola.
E dão aos homens que passam preocupados ou tristes uma lição de infância. (...)
Libertinagem. In: Moraes, Emanuel de. (org). Seleta em prosa e verso. Carlos tem uma visão da linguagem dada pelo lado de fora do corpo. Se
Rio de Janeiro: José Olympio, 1971, p.131 você lhe dissesse: “Conhece-te a ti mesmo”, ele te responderia: “Não é mais
útil conhecer a minha vizinha de mesa? Se puxasse conversa com ela, iria me
14) (UFRJ / 2001) No poema de Manuel Bandeira, aparecem traços caracte- cutucar de volta com um beijo e dizer que eu penso, logo existo.” Carlos é um
rísticos de sua poética. Desenvolva essa afirmativa, explicitando esses traços, nos parnasiano enrustido. Para ele a palavra é semelhante a um objeto querido, mais
níveis da forma e do conteúdo. a gente acaricia a palavra, mais ela se torna nossa, mais é posse de quem a ama.
Carlos se cola à pele da palavra pelo sentimento nobre que a reveste, sentimento
que ele detecta vis-à-vis de algo que não faz intimamente parte dele. Sem dúvida
esse amor pela pele e a carne da palavra – pele e carne da linguagem fonética
Texto para a questão 15 – é o que salva Carlos neste momento em que ele acredita que pode sair por aí
Pensão familiar “construindo” com a poesia um mundo novo, como se palavra fosse tijolo, folha
Jardim da pensãozinha burguesa. de papel em branco, argamassa, e poeta, pedro-pedreiro.
Gatos espapaçados ao sol. Antes de tudo, seria importante que você, Mário, o mandasse jogar as pala-
A tiririca sitia os canteiros chatos. vras pra dentro dele como se joga sujeira na lata de lixo. Não pode imaginar a
O sol acaba de crestar as boninas que murcharam. revolução que você estaria armando! Aí ele veria que as palavras, à semelhança
Os girassóis dos nossos sentimentos e emoções, são sujas, tão pegajosas, visguentas e até
amarelo! mesmo nauseabundas, quanto lesmas. A palavra é semelhante em tudo por tudo a
resistem. um órgão vivo que pulsa governado ou desgovernado pelos mandos ou desmandos
E as dálias, rechonchudas, plebéias, dominicais. do sangue, a filtrar saúde ou doença, indiscriminadamente.
Nem de longe Carlos suspeita que as palavras, como qualquer corpo, apre-
Um gatinho faz pipi. sentam boa ou má saúde. Como bom estudante de farmácia, no momento que o
Com gestos de garçom de restaurant-Palace souber, aprenderá a se automedicar com sabença e prazer. Ou seja: saberá como
Encobre cuidadosamente a mijadinha. aniquilar os próprios sentimentos e emoções com a ajuda das palavras.
Sai vibrando com elegância a patinha direita: SANTIAGO, Silviano. “Conversei ontem à tardinha com o nosso querido Carlos”
É a única criatura fina na pensãozinha burguesa. In Histórias mal contadas. Rio de Janeiro: Rocco, 2005, p. 162-163.
17) (Enem / 2009) Carlos Drummond de Andrade é um dos expoentes do movi- 18) (Uerj / 2000–2ª fase)
mento modernista brasileiro. Com seus poemas, penetrou fundo na alma do Brasil a) Estabeleça a relação literária entre os textos I e II, justificando sua resposta.
e trabalhou poeticamente as inquietudes e os dilemas humanos. Sua poesia é feita
de uma relação tensa entre o universal e o particular, como se percebe claramente
na construção do poema Confidência do Itabirano. Tendo em vista os procedi- b) Cite quatro recursos modernistas empregados tanto no poema de Drum-
mond quanto no de Gondim da Fonseca.
mentos de construção do texto literário e as concepções artísticas modernistas,
conclui-se que o poema acima:
(a) representa a fase heroica do modernismo, devido ao tom contestatório e
Texto para a questão 19
à utilização de expressões e usos linguísticos típicos da oralidade.
Lépida e leve
(b) apresenta uma característica importante do gênero lírico, que é a apresen-
Língua do meu Amor velosa e doce,
tação objetiva de fatos e dados históricos.
que me convences de que sou frase,
(c) evidencia uma tensão histórica entre o “eu” e a sua comunidade, por que me contornas, que me vestes quase,
intermédio de imagens que representam a forma como a sociedade e o mundo como se o corpo meu de ti vindo me fosse.
colaboram para a constituição do indivíduo. Língua que me cativas, que me enleias
(d) critica, por meio de um discurso irônico, a posição de inutilidade do poeta os surtos de ave estranha,
e da poesia em comparação com as prendas resgatadas de Itabira. em linhas longas de invisíveis teias,
(e) apresenta influências românticas, uma vez que trata da individualidade, de que és, há tanto, habilidosa aranha
da saudade da infância e do amor pela terra natal, por meio de recursos retóricos
pomposos. […]
teu sangue, teus pés, a) Estabeleça a relação literária entre o texto II e o fragmento acima, justi-
teu modo de amar, ficando sua resposta.
teus santos, teus ódios,
teu fogo,
teu suor, b) Cite quatro recursos modernistas empregados tanto no poema de Drum-
tua espuma, mond quanto no de Gondim da Fonseca
tua saliva, teus abraços, teus suspiros, tuas comidas,
tua língua?
Te vendo, medito: foi negro, foi índio ou foi cristão?
Jorge de Lima, Obra poética.
Capítulo 5 :: 81
(b) “Seria injusto, entretanto, considerar os índios como depravados; eles Textos para a questão 4
não têm nenhuma ideia moral dos direitos e dos deveres.” (Rugendas) Texto I
(c) “A piedade, a minguarem outros argumentos de maior valia, devera ao Já era tarde. Augusto amava deveras, e pela primeira vez em sua vida; e o
menos inclinar a imaginação dos poetas para os povos que primeiro beberam amor, mais forte que seu espírito, exercia nele um poder absoluto e invencível.
os ares destas regiões, consorciando na literatura os que a fatalidade da história Ora, não há ideias mais livres que as do preso; e, pois, o nosso encarcerado estu-
divorciou.” (Machado de Assis) dante soltou as velas da barquinha de sua alma, que voou, atrevida, por esse mar
(d) “Nunca fomos catequizados. Fizemos foi carnaval. O índio vestido de imenso da imaginação; então começou a criar mil sublimes quadros e em todos
senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de eles lá aparecia a encantadora Moreninha, toda cheia de encantos e graças. Viu-a,
bons sentimentos portugueses.” (Oswald de Andrade) com seu vestido branco, esperando-o em cima do rochedo, viu-a chorar, por ver que
(e) “O protagonista, o mulato Raimundo, ignora a própria cor e a condição de ele não chegava, e suas lágrimas queimavam-lhe o coração.
filho de escrava: não consegue entender as reservas que lhe faz a alta sociedade Macedo, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: Ática, 1997, p. 125.
de São Luís, a ele que voltara doutor da Europa.” (Alfredo Bosi)
Texto II - Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
Textos para a questão 3 que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
Texto I - Amor! Delírio – Engano que não amava ninguém.
Amor! Delírio – Engano... Sobre a terra João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Amor também fruí; a vida inteira Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Concentrei num só ponto – amá-la, e sempre. Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
Amei! – dedicação, ternura, extremos que não tinha entrado na história.
Cismou meu coração, cismou minha alma, Andrade, Carlos Drummond de. Reunião. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973, p. 19.
– Minha alma que na taça da ventura
Vida breve d’amor sorveu gostosa. 4) (PUC-RIO / 2001) Em ambos os textos, percebe-se a utilização de uma mes-
Eu e ela, ambos nós, na terra ingrata ma temática mas com tratamentos distintos. Explique, com suas próprias palavras,
Oásis, paraíso, éden ou templo a concepção de amor presente nos textos de Joaquim Manuel de Macedo e de
Habitamos uma hora; e logo o tempo Carlos Drummond de Andrade.
Com a foice roaz quebrou-lhe o encanto,
Doce encanto que o amor nos fabricara.
Dias, Gonçalves. Poesia e prosa completas
Textos para a questão 5
Texto II - Receita para não engordar sem necessidade de in- Texto I
gerir arroz integral e chá de jasmin Abriram-se os braços do guerreiro adormecido e seus lábios; o nome da vir-
Pratique o amor integral gem ressoou docemente. A juruti, que divaga pela floresta, ouve o terno arrulho
uma vez por dia do companheiro; bate as asas, e voa ao aconchegar-se ao tépido ninho. Assim a
desde a aurora matinal virgem do sertão aninhou-se nos braços do guerreiro. Quando veio a manhã, ainda
até a hora em que o mocho espia. achou Iracema ali debruçada, qual borboleta que dormiu no seio do formoso cacto.
Em seu lindo semblante acendia o pejo vivos rubores; e como entre os arrebóis da
Não perca um minuto só manhã cintila o primeiro raio do sol, em suas faces incendiadas rutilava o primeiro
neste regime sensacional. sorriso da esposa, aurora de fruído amor.
Pois a vida é um sonho e, se tudo é pó, ALENCAR, José de. Iracema, 1865
que seja pó de amor integral.
Andrade, Carlos Drummond de. Poesia errante. Texto II
A primeira vez que vi Teresa
3) (UFF / 2005) O poema de Gonçalves Dias é romântico e o de Drummond Achei que ela tinha pernas estúpidas
é modernista. No que se refere ao tratamento do tema amoroso, aponte uma Achei também que a cara parecia uma perna
diferença entre os poemas, que também seja diferença entre os estilos romântico Quando vi Teresa de novo
e modernista. Achei que os olhos eram muito mais velhos que o
resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando
Capítulo 5 :: 85
que o resto do corpo nascesse) 7) (UFF / 2003) Um dos procedimentos artísticos característicos da poesia brasi-
Da terceira vez não vi mais nada leira a partir do Modernismo é a valorização crítica da ficção romântica.
Os céus se misturaram com a terra Assinale a opção que apresenta o exemplo desse procedimento.
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face (a) Sou assim, por vício inato.
das águas. Ainda hoje gosto de Diva,
BANDEIRA, Manuel. Libertinagem, 1960 Nem não posso renegar
Peri, tão pouco índio, é fato,
5) (UFRJ / 2003) A que estilos literários pertencem os Textos I e II e como se Mas tão brasileiro ... Viva,
caracteriza a relação amorosa em cada um deles? Viva José de Alencar !
(Manuel Bandeira)
(b) ra terra ter
rat erra ter
Textos para a questão 6 rate rra ter
Texto I rater ra ter
Beijei na areia os sinais de teus passos, beijei os meus braços que tu havias raterr a ter
apertado, beijei a mão que te ultrajara num momento de loucura, e os meus raterra terr
próprios lábios que roçaram tua face num beijo de perdão. araterra ter
Que suprema delícia, meu Deus, foi para mim a dor que me causavam os raraterra te
meus pulsos magoados pelas tuas mãos! Como abençoei este sofrimento!... Era rraraterra t
alguma cousa de ti, um ímpeto de tua alma, a tua cólera e indignação, que tinham erraraterr a
ficado em minha pessoa e entravam em mim para tomar posse do que te perten- terraraterra
cia. Pedi a Deus que tornasse indelével esse vestígio de tua ira, que me santificara Décio Pignatari
como uma cousa tua! (c) Não quero aparelhos
................................................................................................................ para navegar.
Quero guardar-me toda só para ti. Vem, Augusto: eu te espero. A minha vida Ando naufragado,
terminou; começo agora a viver em ti. Ando sem destino.
José de Alencar. Diva. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. p. 121 Pelo vôo dos pássaros
Quero me guiar.
Texto II Quero Tua mão
Há poesia Para me apoiar.
Na dor Jorge de Lima
Na flor (d) Aprendi com meu filho de dez anos
No beija-flor Que a poesia é a descoberta
No elevador Das coisas que eu nunca vi.
Andrade, Oswald de. Poesias reunidas. São Paulo: Círculo do Livro, 1976, p. 184 Oswald de Andrade
(e) Madrugada camponesa.
6) (PUC-RIO / 2002) Existe um elemento, no fragmento do poema transcrito Faz escuro (já nem tanto),
acima, que não mantém ligação alguma com o imaginário romântico que habita o vale a pena trabalhar.
texto de Alencar. Determine esse elemento e explique, com suas próprias palavras, Faz escuro mas eu canto
a importância de sua presença como símbolo de um novo momento estético na Porque amanhã já vai chegar.
literatura brasileira. Thiago de Melo
86 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
Textos para a questão 8 Justifique, exemplificando com material dos textos, um possível entendimen-
Texto I to de uma releitura do Romantismo e/ou do Parnasianismo em Hagar, o Horrível
(texto I) e de uma releitura do Modernismo em Radical Chic (texto II).
b) No texto I, Silviano Santiago emprega alguns recursos típicos da lingua- Textos para a questão 13
gem informal. Transcreva dois exemplos de recursos diferentes, explicando por que Texto I - O canto do guerreiro - Gonçalves Dias
considera informais esses usos. Aqui na floresta
Dos ventos batida,
Façanhas de bravos
Texto para a questão 11 Não geram escravos,
“É que sou poeta Que estimem a vida
E na banalidade larga dos meus cantos Sem guerra e lidar.
Fundir-se-ão de mãos dadas alegrias e tristuras, bens e males, — Ouvi-me, Guerreiros,
Todas as coisas finitas — Ouvi meu cantar.
Em rondas aladas sobrenaturais.” Valente na guerra,
Quem há, como eu sou?
11) (Uerj 1999 – Língua Portuguesa /Literatura Brasileira) O fragmento do po- Quem vibra o tacape
ema de Mário de Andrade expressa um tipo de proposta que difere do projeto Com mais valentia?
parnasiano de trabalhar com temas sérios, clássicos ou grandiosos. Quem golpes daria
a) Redigindo sua resposta em, no máximo, duas frases completas, aponte a Fatais, como eu dou?
diferença entre o projeto parnasiano e o que está expresso no fragmento acima. — Guerreiros, ouvi-me;
— Quem há, como eu sou?
b) Explique, em uma frase completa, a atitude do autor quanto à metrificação Texto II - Macunaíma (Epílogo) - Mário de Andrade
e relacione-a ao estilo de época a que pertence este texto. Acabou-se a história e morreu a vitória.
Não havia mais ninguém lá. Dera tangolomângolo na tribo Tapanhumas e
os filhos dela se acabaram de um em um. Não havia mais ninguém lá. Aqueles
Texto para a questão 12 lugares, aqueles campos, furos puxadouros arrastadouros meios-barrancos, aque-
O dia abriu seu pára-sol bordado les matos misteriosos, tudo era solidão do deserto... Um silêncio imenso dormia
O dia abriu seu pára-sol bordado à beira do rio Uraricoera. Nenhum conhecido sobre a terra não sabia nem falar da
De nuvens e de verde ramaria. tribo nem contar aqueles casos tão pançudos. Quem podia saber do Herói?
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado. 13) (Enem / 2007) A leitura comparativa dos dois textos acima indica que:
(a) ambos têm como tema a figura do indígena brasileiro apresentada de
Depois surgiu, no céu azul arqueado, forma realista e heroica, como símbolo máximo do nacionalismo romântico.
A Lua – a Lua! – em pleno meio-dia. (b) a abordagem da temática adotada no texto escrito em versos é discrimi-
Na rua, um menininho que seguia natória em relação aos povos indígenas do Brasil.
Parou, ficou a olhá-la admirado... (c) as perguntas “— Quem há, como eu sou?” (texto I) e “Quem podia
saber do Herói?” (texto II) expressam diferentes visões da realidade indígena
Pus meus sapatos na janela alta, brasileira.
Sobre o rebordo... Céu é que lhes falta (d) o texto romântico, assim como o modernista, aborda o extermínio dos
Pra suportarem a existência rude! povos indígenas como resultado do processo de colonização no Brasil.
(e) os versos em primeira pessoa revelam que os indígenas podiam expressar-
E eles sonham, imóveis, deslumbrados, -se poeticamente, mas foram silenciados pela colonização, como demonstra a pre-
Que são dois velhos barcos, encalhados sença do narrador, no segundo texto.
Sobre a margem tranquila de um açude..
QUINTANA, Mario. Prosa e verso. Porto Alegre: Globo, 1978.
Textos para a questão 14
12) (Uerj / 2009-LPLB) O autor utilizou nesse poema recursos formais da poesia Texto I
tradicional e a eles incorporou traços característicos da linguagem modernista. No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto
Considerando a estrutura do poema, identifique dois aspectos formais da retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão
poesia tradicional e aponte uma característica da linguagem modernista e seu grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapamunhas pariu uma
respectivo exemplo. criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
88 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
Já na meninnice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis Texto para a questão 16
anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava: Modinha do exílio
- Ai! Que preguiça!... Os moinhos têm palmeiras
ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos. Onde canta o sabiá.
São Paulo, Secretaria da Cultura Ciência e Tecnologia, 1978: p.7 Não são artes feiticeiras!
Por toda parte onde eu vá,
Texto II Mar e terras estrangeiras,
Sobre a alvura diáfana do algodão, a sua pele, cor de cobre, brilhava com Posso ver mesmo as palmeiras
reflexos dourados, os cabelos pretos cortados rentes, a tez lisa, os olhos grandes Em que ele cantando está.
com os cantos exteriores erguidos para a fronte; a pupila negra, móbil, cintilante;
a boca forte mas bem modelada e guarnecida de dentes alvos, davam ao rosto Meu sabiá das palmeiras
pouco oval a beleza inculta da graça, da força e da inteligência. Canta aqui melhor que lá.
ALENCAR, José de. O Guarani. In: —. Obra completa. 7 ed. vol 1, Mas, em terras estrangeiras,
Rio de Janeiro, José Olympio, Brasília, INL, 1977: p.16. E por tristezas de cá,
Só à noite e às sextas-feiras.
14) (UFRJ / 2002) De que modo a frequência e o tipo de adjetivação contribuem Nada mais simples não há!
para a caracterização dos heróis, nos Textos I e II, respectivamente? Canta modas brasileiras.
Canta – e que pena me dá!
Ribeiro Couto
Textos para a questão 15 16) (UFF/2011) Pode-se afirmar sobre o poema de Ribeiro Couto que
Texto I (A) canta modas brasileiras só à noite e às sextas-feiras, porque as artes
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto feiticeiras são praticadas pelo eu lírico em seu exílio.
retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão (B) tem como objetivo expressar a depressão do eu lírico em terra estrangei-
grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapamunhas pariu uma ra, mas também capta os sentimentos do poeta durante o seu exílio.
criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma. Já na meninnice fez (C) tem como referência original o tema e a métrica da “Canção do exílio”,
coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o mas reelabora as referências românticas com a linguagem modernista.
incitavam a falar exclamava: (D) tem a finalidade de descrever detalhadamente os moinhos com palmei-
– Ai! Que preguiça!... ras onde canta o sabiá, conforme pregava o Realismo.
ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos. (E) expressa a simplicidade da linguagem do eu lírico, que prefere cantar
São Paulo, Secretaria da Cultura Ciência e Tecnologia, 1978: p.7 modinhas brasileiras no exílio a retornar ao Brasil.
Texto II
Sobre a alvura diáfana do algodão, a sua pele, cor de cobre, brilhava com Grupo 3 – A geração de 30
reflexos dourados, os cabelos pretos cortados rentes, a tez lisa, os olhos grandes
com os cantos exteriores erguidos para a fronte; a pupila negra, móbil, cintilante; Texto para a questão comentada
a boca forte mas bem modelada e guarnecida de dentes alvos, davam ao rosto Mulher ao espelho
pouco oval a beleza inculta da graça, da força e da inteligência. Hoje, que seja esta ou aquela,
ALENCAR, José de. O Guarani. In: —. Obra completa. 7 ed. vol 1, Rio de Janeiro, José Olympio, pouco me importa.
Brasília, INL, 1977: p.16. Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
15) (UFRJ / 2002) Nos Textos I e II, representam-se heróis nacionais.
a) Quais as visões de herói que estão subjacentes a essas representações? Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
b) Em que movimentos literários se inscrevem, respectivamente? Só não pude ser como quis.
se tudo é tinta: o mundo, a vida, tende a recorrer a um registro linguístico mais informal (afastando-se do português
o contentamento, o desgosto? usado em Portugal e aproximando-se do dialeto brasileiro), bem como a um léxico
(vocabulário) mais usual.
Por fora, serei como queira No poema “Mulher ao espelho”, escrito por uma autora da geração de 30,
a moda, que me vai matando. nenhum desses traços está presente. Em vez de liberdade, verifica-se a rigidez
Que me levem pele e caveira formal, com regularidade no esquema métrico e na rima (o esquema de rima é
ao nada, não me importa quando. sempre ABAB, ou seja, o primeiro verso rima com o terceiro, e o segundo rima com
o quarto). É possível notar ainda a absoluta ausência de expressões coloquiais e
Mas quem viu, tão dilacerados, a presença de um vocabulário erudito, como “rubro artelho”, “dilacerados” ou
olhos, braços e sonhos seus, mesmo o verbo “expirar” no lugar do mais usual “morrer”.
e morreu pelos seus pecados, Todas essas características mostram aquilo que você já aprendeu sobre a
falará com Deus. segunda fase: nesse momento, procedimentos mais tradicionais que haviam sido
abandonados na fase heroica voltam a ganhar espaço (sem que as conquistas dos
Falará, coberta de luzes, modernistas heroicos sejam abandonadas em definitivo).
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho. Texto para a questão 1
MEIRELES, Cecília. Poesias Completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973. Romance ii ou do ouro incansável
Mil bateias vão rodando
Questão comentada (Uerj / 2002-LPLB) O poema de Cecília Meireles revela sobre córregos escuros;
uma mudança de perspectiva em relação à primeira geração modernista. a terra vai sendo aberta
a) Explique, em uma frase completa, por que a temática deste poema difere por intermináveis sulcos;
da temática dominante na primeira fase do Modernismo. infinitas galerias
penetram morros profundos.
b) Cite duas características formais do poema que acompanham esta mudan-
ça de atitude. De seu calmo esconderijo,
o ouro vem, dócil e ingênuo;
Resposta: torna-se pó, folha, barra,
a) A temática existencial, com preocupação religiosa, deste poema não era prestígio, poder, engenho...
comum na poesia da primeira geração modernista. É tão claro! – e turva tudo:
b) Duas dentre as características formais: honra, amor e pensamento.
• versos rimados e metrificados
• vocabulário elaborado Borda flores nos vestidos,
• predomínio do uso da língua culta no seu registro formal sobe a opulentos altares,
traça palácios e pontes,
Comentário: eleva os homens audazes,
a) Observe que o poema aborda uma temática existencial, de fundo filosófico e e acende paixões que alastram
religioso. Fundamentalmente, o tema tratado é a oposição entre essência e aparên- sinistras rivalidades.
cia. Em tom profundamente melancólico, o eu-lírico conclui que, assim como ele, o Pelos córregos, definham
mundo todo é feito de fingimentos, com a valorização excessiva da aparência exte- negros, a rodar bateias.
rior (e consequentemente desvalorização da essência). Para comprovar isso, veja a Morre-se de febre e fome
terceira estrofe: Que mal faz, esta cor fingida / do meu cabelo, e do meu rosto, / se sobre a riqueza da terra:
tudo é tinta: o mundo, a vida, / o contentamento, o desgosto?”. O fundo religioso uns querem metais luzentes,
fica evidente na quinta estrofe, sobretudo nos dói último versos. Temas filosóficos, outros, as redradas pedras.
existenciais ou religiosos não são comuns na primeira fase do modernismo. Nesse
momento, duas abordagens são mais comuns: retratar situações cotidianas ou a Ladrões e contrabandistas
resgatar, sob uma luz crítica e frequentemente irônica, o passado brasileiro. estão cercando os caminhos;
b) Como você já sabe, a primeira fase modernista prega a liberdade formal cada família disputa
(por exemplo, versos brancos e livres, ou seja, sem métrica regular e sem rima) e privilégios mais antigos;
90 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
Texto II - Infância (b) José de Alencar, representante, sobretudo, do romance urbano, retrata a
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. temática da urbanização das cidades brasileiras e das relações conflituosas entre
Minha mãe ficava sentada cosendo. as raças.
Meu irmão pequeno dormia. (c) o romance do Nordeste caracteriza-se pelo acentuado realismo no uso do
Eu sozinho menino entre mangueiras vocabulário, pelo temário local, expressando a vida do homem em face da natu-
lia a história de Robinson Crusoé, reza agreste, e assume frequentemente o ponto de vista dos menos favorecidos.
comprida história que não acaba mais. (d) a literatura urbana brasileira, da qual um dos expoentes é Machado de
Assis, põe em relevo a formação do homem brasileiro, o sincretismo religioso, as
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu raízes africanas e indígenas que caracterizam o nosso povo.
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu (e) Érico Veríssimo, Rachel de Queiroz, Simões Lopes Neto e Jorge Amado
chamava para o café. são romancistas das décadas de 30 e 40 do século XX, cuja obra retrata a proble-
Café preto que nem a preta velha mática do homem urbano em confronto com a modernização do país promovida
café gostoso pelo Estado Novo.
café bom.
Textos para as questões 5 e 6
Minha mãe ficava sentada cosendo Texto I
olhando para mim: Agora Fabiano conseguia arranjar as ideias. O que o segurava era a família.
– Psiu... Não acorde o menino. Vivia preso como um novilho amarrado ao mourão, suportando ferro quente. Se
Para o berço onde pousou um mosquito. não fosse isso, um soldado amarelo não lhe pisava o pé não.
E dava um suspiro... que fundo! (...) Tinha aqueles cambões pendurados ao pescoço. Deveria continuar a
arrastá-los? Sinha Vitória dormia mal na cama de varas. Os meninos eram uns bru-
Lá longe meu pai campeava tos, como o pai. Quando crescessem, guardariam as reses de um patrão invisível,
no mato sem fim da fazenda. seriam pisados, maltratados, machucados por um soldado amarelo.
Ramos, Graciliano. Vidas Secas. São Paulo: Martins, 23.ª ed., 1969, p. 75.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé. Texto II
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. Para Graciliano, o roceiro pobre é um outro, enigmático, impermeável. Não há
solução fácil para uma tentativa de incorporação dessa figura no campo da ficção.
3) (PUC-RIO / 2004) Comparando Infância, de Carlos Drummond de Andrade, e o É lidando com o impasse, ao invés de fáceis soluções, que Graciliano vai criar Vidas
fragmento de Infância, de Graciliano Ramos, é possível perceber marcas de lingua- Secas, elaborando uma linguagem, uma estrutura romanesca, uma constituição de
gem comuns a que momento literário? Indique duas que lhe pareçam relevantes. narrador em que narrador e criaturas se tocam, mas não se identificam. Em gran-
de medida, o debate acontece porque, para a intelectualidade brasileira naquele
momento, o pobre, a despeito de aparecer idealizado em certos aspectos, ainda é
visto como um ser humano de segunda categoria, simples demais, incapaz de ter
4) (Enem / 2009) pensamentos demasiadamente complexos. O que Vidas Secas faz é, com pretenso
No decênio de 1870, Franklin Távora defendeu a tese de que no Brasil não envolvimento da voz que controla a narrativa, dar conta de uma riqueza
havia duas literaturas independentes dentro da mesma língua: uma do Norte humana de que essas pessoas seriam plenamente capazes.
e outra do Sul, regiões segundo ele muito diferentes por formação histórica, Luís Bueno. Guimarães, Clarice e antes. In: Teresa. São Paulo: USP, n.° 2, 2001, p. 254.
composição étnica, costumes, modismos linguísticos etc. Por isso, deu aos
romances regionais que publicou o título geral de Literatura do Norte. Em 5) (Enem / 2007) A partir do trecho de Vidas Secas (texto I) e das informações
nossos dias, um escritor gaúcho, Viana Moog, procurou mostrar com bastante do texto II, relativas às concepções artísticas do romance social de 1930, avalie
engenho que no Brasil há, em verdade, literaturas setoriais diversas, refletin- as seguintes afirmativas.
do as características locais. I – O pobre, antes tratado de forma exótica e folclórica pelo regionalismo
CANDIDO, A. A nova narrativa. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 2003. pitoresco, transforma-se em protagonista privilegiado do romance social de 30.
Com relação à valorização, no romance regionalista brasileiro, do homem e II – A incorporação do pobre e de outros marginalizados indica a tendência
da paisagem de determinadas regiões nacionais, sabe-se que da ficção brasileira da década de 30 de tentar superar a grande distância entre o
(a) o romance do Sul do Brasil se caracteriza pela temática essencialmente intelectual e as camadas populares.
urbana, colocando em relevo a formação do homem por meio da mescla de carac- III – Graciliano Ramos e os demais autores da década de 30 conseguiram,
terísticas locais e dos aspectos culturais trazidos de fora pela imigração europeia. com suas obras, modificar a posição social do sertanejo na realidade nacional.
92 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
chamado de Campos Gerais – os gerais. Começam acima das cidades de Corinto Grupo 5 – As vanguardas artísticas européias
e Curvelo e se alargam pelo noroeste até se molhar nas águas escuras do rio Cari-
nhanha, até esbarrar nas serras de Goiás, até se debruçar sobre as terras da Bahia. 1) (Enem/2011)
Revista Terra, 09/05, p. 34.
Os pobres na praia
(d)
Adaptado de WATTERSON, Bill. Os dez anos de Calvin e Haroldo. V.2, São Paulo: Best News, 1996.
Os amantes Gabarito
(b) Grupo 1
1) O trecho sublinhado aponta para procedimentos significativos do projeto
modernista:
- a reflexão crítica sobre o passado,
- a afirmação da cultura nacional,
- a síntese das influências externas e internas, resultante da avaliação crítica
da cultura nacional (conforme Movimento Antropófago).
2) C
3) O texto constitui forte expressão da estética modernista em termos for-
Retrato de Françoise mais, tendo em vista que representa a expressão máxima da síntese, ao fazer
uso de um par mínimo, duas formas que se diferenciam por um único elemento
sonoro. Além disso, o título é parte essencial na construção e na significação do
texto. No que se refere ao conteúdo, há a aproximação inusitada de dois campos
96 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
semânticos não tradicionalmente relacionados; não há foco na relação amorosa 14) Quanto à forma, Bandeira utilizou-se do verso livre, do vocabulário sim-
nem nos sujeitos envolvidos na relação. ples e da intertextualidade com a fala coloquial, popular. Quanto ao conteúdo, o
4) Os modernistas defendiam um projeto de renovação estética e de brasili- poema trata de um universo cotidiano, no qual a vida humilde e prosaica — aqui
dade e propunham o uso de uma norma própria do português do Brasil. retratada através da realidade de tipos urbanos, como os camelôs — é em si
5) E mesma poéticae remete ao universo mágico da infância.
6) O uso de pronomes não corresponde à norma culta, porque o poema 15) 2a estrofe. O poema critica indiretamente os moradores da pensãozinha
em questão pertence ao Movimento Modernista, que se propôs a romper com os – os burgueses – através da figura do gatinho, eleito a única criatura fina pelos
padrões tradicionais. seus gestos elegantes, mesmo quando executa ações prosaicas – fazer pipi e
7) A encobrir a mijadinha.
8) a) Consiste na referência a um dado prosaico e circunstancial. 16) A concepção de criação poética que aparece no texto de Drummond está
Uma dentre as explicações: sintetizada no título – “O lutador” – e no uso metafórico de termos como “luta”,
- livre mistura de linguagens/estilos. “desafio”, “combate”, “duelo”. Percebe-se, no plano geral do poema, a insistên-
- não distinção entre assuntos poéticos e não poéticos cia na ideia de que o poeta luta com todo o seu desejo e vontade para seduzir as
b) Gênero narrativo (ou épico). palavras, encantá-las, possuí-las plenamente. Apesar do esforço, ele constata que
Uma dentre as características: “o inútil duelo / jamais se resolve”.
relato de episódio 17) C
presença de narrador 18) a) O texto de Gondim da Fonseca é uma paródia do texto de Drummond,
uso de verbo de ação pois usa o texto de Drummond como referência, imitando-o de maneira cômica.
criação de personagem ou
9) B O texto de Gondim da Fonseca usa o texto de Drummond como referência e
10) Algumas características do poema de Drummond que reafirmam valores imita-o de maneira cômica, pois a polêmica criada em torno do poema proporcio-
e procedimentos típicos da primeira fase do Modernismo são: o uso da linguagem nou uma série de manifestações nos meios críticos e literários.
coloquial; a opção pelo tom prosaico na poesia; a liberdade formal, utilizando b) A tematização de um acontecimento do cotidiano.
versos livres e brancos; a ironia e a crítica aos valores tradicionais burgueses. A despreocupação com formalidades métricas (liberdade formal / versos
11) Dois dos traços relacionados à linguagem e respectivo exemplo: livres).
• ausência de pontuação: O uso de um registro de linguagem coloquial (ou informal, despreocupada).
Café preto que nem a preta velha O emprego da reiteração sistemática.
café gostoso 19) E
café bom. 20) a) “Te vendo, medito: foi negro, foi índio ou foi cristão?”
• frases nominais: São aceitas também as formas abreviadas:
Café preto que nem a preta velha “Negro, índio ou cristão?” [verso 12] e “Foi negro, foi índio ou foi cristão?”
café gostoso [verso 17])
café bom. O eu-lírico questiona no refrão quem ou o quê seria responsável pelo ser que
• linguagem coloquial: se formou e desenvolveu entre 1500 e o presente do narrador.
que nem Percebe-se também uma referência ao retorno às raízes culturais e à mis-
Um dos traços relacionados à forma do poema e respectivo exemplo: cigenação.
• versos livres / versos sem métrica regular: b) Trata-se de um ser que tem existência desde a “era cristã de 1500” até
Café preto que nem a preta velha o presente da elocução do eu-lírico (“estes tempos severos de hoje”), o que
café gostoso exclui a possibilidade de ser uma pessoa individual. Serão aceitas respostas que
café bom. contemplem entes genéricos, como: o Brasil, o povo brasileiro etc, com a devida
• aproximação entre a poesia e a prosa: justificativa.
No meio dia branco de luz uma voz que aprendeu c) “Da era cristã de 1500 / Até estes tempos severos de hoje, “
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu 21) a) O texto de Gondim da Fonseca é uma paródia do texto de Drum-
chamava para o café. mond, pois usa o texto de Drummond como referência, imitando-o de maneira
12) Modernismo de 1922. cômica.
Um dentre os aspectos temáticos: - ou
• renúncia à idealização do amor O texto de Gondim da Fonseca usa o texto de Drummond como referência e
• rejeição do sentimentalismo imita-o de maneira cômica, pois a polêmica criada em torno do poema proporcio-
13) E nou uma série de manifestações nos meios críticos e literários.
Capítulo 5 :: 97
b) A tematização de um acontecimento do cotidiano. b) “Me disse”: Pronome átono em início de frase. A forma “disse-me”, reco-
A despreocupação com formalidades métricas (liberdade formal / versos mendada pela norma padrão, seria mais formal.
livres). “Se você lhe dissesse: (...), ele te responderia”: Mistura entre as formas de
O uso de um registro de linguagem coloquial (ou informal, despreocupada). tratamento “tu” e “você”, quando na linguagem formal se deveria usar “você” /
O emprego da reiteração sistemática. “lhe”, ou “tu” / “te”.
22) a) Enquanto o projeto parnasiano se propunha como algo muito pre- “jogou na cara”, “cutucar”, “sair por aí construindo”: Palavras e expressões
ocupado com os “grandes temas”, o fragmento acima expressa a possibilidade típicas de vocabulário informal. Em linguagem formal, as escolhas seriam outras
modernista de tematizar a “banalidade”. nesses casos, como “mostrar de modo contundente” e “provocar”, nos dois pri-
b) O autor do texto não demonstra preocupação com a métrica, o que está meiros, ou simplesmente “construir”, no último.
de acordo com a liberdade formal proposta pelo Modernismo. “jogar as palavras pra dentro dele”: Forma reduzida de “para”, que seria a
23) A forma usada em um texto escrito formal.
Com o uso de “pra”, o texto se aproxima da língua falada e, assim, adquire
Grupo 2 um tom mais informal.
1) B 2) D 11) a) Enquanto o projeto parnasiano se propunha como algo muito pre-
3) A apresentação grandiloqüente do tema amoroso, a pompa verbal, ocupado com os “grandes temas”, o fragmento acima expressa a possibilidade
a solenidade melódica do verso decassílabo aparecem como destaque no modernista de tematizar a “banalidade”.
primeiro fragmento, e correspondem ao estilo romântico. A apresentação
b) O autor do texto não demonstra preocupação com a métrica, o que está de
trivializada, simples, o verso livre, o vocabulário pedestre, correspondem ao
acordo com a liberdade formal proposta pelo Modernismo.
estilo modernista.
12) Dois dos aspectos:
4) A concepção de amor no texto I indica idealização do sentimento amoro-
• emprego da rima
so e da mulher amada; valorização da fantasia e da imaginação; caracterização
• emprego do soneto
do poder absoluto do amor sobre as personagens. O tema é tratado no texto II
• emprego de versos metrificados
a partir de um tom crítico e irônico, apontando o desencanto e o desencontro
Uma das características e respectivo exemplo:
entre as personagens. Lili, a “que não amava ninguém”, é a única do grupo que
• Uso da linguagem coloquial
ironicamente encontrou um par. Diferente dos outros que cumpriram um destino
– pára-sol, fumo, pra
solitário ou trágico, ela se casou com J. Pinto Fernandes, uma personagem fora
• Uso na linguagem escrita da linguagem oral
da quadrilha.
– Mi-nu-ci-o-sa-men-te
5) O Texto I pertence ao Romantismo, e o II, ao Modernismo. A relação
13) C
amorosa, no Texto I, se caracteriza pelo lirismo e pela idealização romântica. No
14) No texto de Mário de Andrade, há poucos adjetivos e do tipo descritivo,
Texto II, a relação se caracteriza pela irreverência.
6) O elemento presente no poema de Oswald de Andrade que não mantém objetivo; no texto de José de Alencar, há abundância de adjetivos e do tipo ava-
ligação alguma com o imaginário romântico é “elevador”. O poeta, de acordo com liativo, subjetivo.
os postulados defendidos pelo Modernismo de 22, sustenta a ideia de que a poesia 15) a) No texto I, uma visão crítica, negativa, depreciativa e, no texto II,
está presente em todas as palavras, coisas e lugares, inclusive, “No elevador”. uma visão idealizada.
7) A b) Modernismo e Romantismo.
8) O texto Hagar, O Horrível permite uma leitura irônica do Romantismo e do 16) C
Parnasianismo pela presença da natureza, pela expressão enfática de emoções (o
emprego das exclamações) e pela preocupação formal (“é só colocar rima nisso Grupo 3
aí”) como característica da expressão poética. 1) a) Duas dentre as características:
O texto Radical Chic, em uma combinação de linguagem verbal e não-verbal, tema tratado com dignidade, sem irreverência
trabalha ironicamente com uma sequência de ideias que se desconstroem no úl- vocabulário identificado com o uso da língua em situações de formalidade
timo quadro, buscando a expressão do humor - uma das características presentes abordagem de fatos históricos, encarados sob a perspectiva da coletividade
no Modernismo. b) A poetisa aborda criticamente os problemas do Brasil, enfocando as origens
9) C da desigualdade social – tema frequente no romance regionalista a partir dos
10) a) A afirmação “Carlos é um parnasiano enrustido” deve ser entendida, anos 30.
no contexto histórico da carta, como uma crítica à noção de palavra como objeto 2) Texto I
externo, idealizado, matéria prima a ser moldada pelo poeta. Nesse sentido, há Valorização de aspectos da vida comum
uma negação, pelo modernismo, da poética parnasiana, caracterizada pela frieza, Irreverência como atitude
impassibilidade, objetividade, obediência às formas clássicas de versificação e va- Verso livre
lorização da “arte pela arte”. Humor crítico
98 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
Utilização de palavras do cotidiano 2) Enquanto o primeiro texto emprega um vocabulário e uma estilização de
Uso de termos “universais” – “stop” linguagem que o aproximam da literatura regionalista e das liberdades linguísticas
Estilo telegráfico modernistas, o segundo mantém-se dentro da norma culta escrita padrão, centrado
Texto II na informação.
Valorização de termos do cotidiano: presentes na descrição do trabalho do Exemplos:
carpinteiro Texto I: O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada
Valorização de aspectos comuns da vida que se tornam assunto de texto um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães é questão de opiniães... O
literário sertão está em toda parte.
Libertação do idioma literário: “basta olhar a cara de um lenheiro...” Texto II: O sertão de Minas é chamado de Campos Gerais – os gerais. Co-
3) Modernismo é o movimento literário em pauta. meçam acima das cidades de Corinto e Curvelo e se alargam pelo noroeste até se
Como marcas de linguagem comuns aos textos, citem-se: molhar nas águas escuras do rio Carinhanha, até esbarrar nas serras de Goiás, até
- o uso literário do registro coloquial; se debruçar sobre as terras da Bahia.
- a economia da composição resultante: dos períodos diretos e breves, das Observação: outras passagens dos textos I e II também identificam a diferen-
reiterações raras mas significativas, tanto quanto da escola precisa do vocabulário. ça de linguagem (por exemplo, em relação à pontuação; ao emprego de conotação
4) C 5) D 6) A 7) D 8) D e denotação; sintaxe de colocação etc).
3) “Te vendo, medito: foi negro, foi índio ou foi cristão” ou “Negro, índio
Grupo 4 ou cristão?” [verso 12] ou “Foi negro, foi índio ou foi cristão?” [verso 17]).
1) Texto I: O eu-lírico questiona no refrão quem ou o quê seria responsável pelo ser que se
Resposta: formou e desenvolveu entre 1500 e o presente do narrador. Percebe-se também
Realismo uma referência ao retorno às raízes culturais e à miscigenação.
Texto II:
Resposta: Grupo 5
Modernismo 1) A 2) B 3) E
6
Variação linguística
100 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
b) No trecho que não está entre aspas ocorre um desvio em relação à norma
culta. Reescreva o trecho, fazendo a correção necessária. 9) (Enem / 2005) Leia com atenção o texto:
[Em Portugal], você poderá ter alguns probleminhas se entrar numa loja de
roupas desconhecendo certas sutilezas da língua. Por exemplo, não adianta pedir
6) (UFPel / 2004) Observe atentamente a publicidade veiculada na revista Veja para ver os ternos – peça para ver os fatos. Paletó é casaco. Meias são peúgas.
(09/04/2003). Suéter é camisola – mas não se assuste porque calcinhas femininas são cuecas.
Quando os ecologistas descobrirem a quantidade de galhos (Não é uma delícia?)
que os nossos gerentes quebram todo dia, estamos fritos. O texto destaca a diferença entre o português do Brasil e o de Portugal quanto:
Nessa propaganda, através da qual uma instituição bancária mostra as van- (A) ao vocabulário
tagens dos serviços oferecidos, aliadas à competência de seus funcionários, são (B) à derivação
empregadas expressões da linguagem coloquial. (C) à pronúncia
De posse dessas informações e com base em seus conhecimentos, (D) ao gênero
a) cite as expressões pertencentes à linguagem coloquial presentes na pro- (E) à sintaxe
paganda.
102 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
VERÍSSIMO, L.F. As cobras em: Se Deus existe que eu seja atingido por um raio.
Porto Alegre: L&PM, 1997.
12) (Enem/2011) O humor da tira decorre da reação de uma das cobras com
relação ao uso de pronome pessoal reto, em vez de pronome oblíquo. De acordo
com a norma-padrão da língua, esse uso é inadequado, pois
(A) contraria o uso previsto para o registro oral da língua.
(B) contraria a marcação das funções sintáticas de sujeito e objeto.
(C) gera inadequação na concordância com o verbo.
http://pattindica.files.wordpress.com/2009/06/
(D) gera ambiguidade na leitura do texto.
bessinha458904-jpg-image_1245119001858.jpeg (adaptado)
(E) apresenta dupla marcação de sujeito.
10) (Enem / 2010) As diferentes esferas sociais de uso da língua obrigam o falan-
te a adaptá-la às variadas situações de comunicação. Uma das marcas linguísticas
Grupo 2 – Identificar e/ou empregar variante padrão
que configuram a linguagem oral informal usada entre avô e neto neste texto é:
(A) a opção pelo emprego da forma verbal “era” em lugar de “foi”.
Questão comentada (FUVEST / 2000)
(B) a ausência de artigo antes da palavra “árvore”.
Você pode dar um rolê de bike, lapidar o estilo a bordo de um
(C) o emprego da redução “tá” em lugar da forma verbal “está”.
skate, curtir o sol tropical, levar sua gata para surfar.
(D) o uso da contração “desse” em lugar da expressão “de esse”.
Considerando-se a variedade linguística que se pretendeu reproduzir nesta
(E) a utilização do pronome “que” em início de frase exclamativa.
frase, é correto afirmar que a expressão proveniente de variedade diversa é
(A) “dar um rolê de bike”. (B) “lapidar o estilo”.
11) (Cederj/2011 - adaptado) São exemplos do uso coloquial, informal, da
(C) “a bordo de um skate”. (D) “curtir o sol tropical”.
língua portuguesa as seguintes passagens destacadas:
(E) “levar sua gata para surfar”.
“Desde o começo, sempre foi um assunto em que a gente estava de acordo.”
“– Não ficava, não – respondeu ele. – Só parecia que ficava. Mas saco
plástico é uma das coisas mais perigosas para ficar na água, assim, boiando. Resposta: B
Principalmente para golfinhos e baleias, que comem de uma bocada só. Aí eles Comentário: A variante reproduzida é o registro coloquial, informal, que
engolem aquele plástico que pode asfixiar os coitados de uma hora para outra. Eu é coerente com o tipo de atividade descrito na frase (passear de bicicleta, andar
sempre recolho, e imagino que posso estar salvando um animal...” de skate, aproveitar a praia, surfar) e, talvez, com a faixa etária mais frequente-
Assinale a alternativa que descreve corretamente o uso de traços de oralida- mente associada a tais atividades (adolescentes e adultos jovens). Assim, se o
de nas frases destacadas. enunciado pede a variedade DIVERSA, o que se quer é um exemplo de uso formal.
(A) Emprego da expressão a gente em lugar do pronome nós; emprego do Na alternativa A, aparece a expressão coloquial “dar um rolê”. Em C, empre-
conector aí em sequência narrativa. ga-se a expressão “a bordo” fora de seu sentido literal (já que o skate não é uma
(B) Emprego da expressão a gente com valor de 1ª pessoa do plural; empre- embarcação), caracterizando um uso informal, na medida em que o sentido da
go do pronome aí como conector de diálogos. expressão se afasta daquele reconhecido nos dicionários. Em D, aparece o verbo
(C) Emprego inadequado da vírgula depois da expressão temporal desde o “curtir” usado como gíria, no sentido de “aproveitar”. Por fim, na letra E, aparece
começo; uso do verbo engolir em sentido figurado. o substantivo “gata” também empregado como gíria, fora do seu sentido literal.
(D) Emprego do pretérito imperfeito (estava) em lugar do futuro do pretéri- Por isso, apenas a alternativa B exemplifica o registro formal.
to (estaria); emprego do conector aí para ligar sequências descritivas.
1) (Enem / 2008)
Texto - A Ema
O surgimento da figura da Ema no céu, ao leste, no anoitecer, na segunda
quinzena de junho, indica o início do inverno para os índios do sul do Brasil e o
começo da estação seca para os do norte. É limitada pelas constelações de Escor-
pião e do Cruzeiro do Sul, ou Cut’uxu. Segundo o mito guarani, o Cut’uxu segura
Capítulo 6 :: 103
a cabeça da ave para garantir a vida na Terra, porque, se ela se soltar, beberá toda (C) É claro que o time ficou bem melhor com a substituição do técnico,
a água do nosso planeta. Os tupis-guaranis utilizam o Cut’uxu para se orientar e embora a mudança tenha sido inútil se os jogadores, que ganham uma grana
determinar a duração das noites e as estações do ano. preta, não tiver mais disciplina em campo.
Assinale a opção correta a respeito da linguagem empregada no texto (D) Embora o técnico da equipe tenha sido trocado, os jogadores só melho-
A Ema. rarão se ganharem mais, pois está faltando disciplina em campo, sem dúvida.
(A) A palavra Cut’uxu é um regionalismo utilizado pelas populações próxi- (E) Trocaram o técnico do time, não há dúvida, apesar que eles, que ganham
mas às aldeias indígenas. uma fortuna, só vão melhorar se pararem de descer o sarrafo em cada Jogo.
(B) O autor se expressa em linguagem formal em todos os períodos do texto. (F) É evidente que o time melhorou, trocando aquele técnico, portanto
(C) A ausência da palavra Ema no início do período “É limitada (...)” carac- os jogadores, que ganham muito dinheiro, devem ser muito mais disciplinados
teriza registro oral. em campo.
(D) A palavra Cut’uxu está destacada em itálico porque integra o vocabulário
da linguagem informal. 4) (fuvest / 2005) O texto abaixo reproduz a fala de um professor univer-
(E) No texto, predomina a linguagem coloquial porque ele consta de um sitário em uma aula sobre administração de empresas. Mantendo todas as in-
almanaque. formações dadas, transforme essa fala em um texto adequado à MODALIDADE
ESCRITA, em registro FORMAL.
2) (Enem / 2006) No romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, o vaqueiro “Tem uma distinção hoje... bastante grande... entre a figura do proprietário
Fabiano encontra-se com o patrão para receber o salário. Eis parte da cena: e a figura... hã... do administrador...não significa que o proprietário não possa ad-
ministrar sua empresa... né...mas ele deve administrar ela de acordo com técnicas
Não se conformou: devia haver engano. (....) Com certeza havia um erro no
gerenciais...”
papel em branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a
vida inteira assim no toco, entregando o que dera dele de mão beijada! Estava
direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria?
O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que o vaqueiro fosse
5) (FUVEST / 2001) “Se eu não tivesse atento e olhado o rótulo, o paciente te-
procurar serviço em outra fazenda.
ria morrido”, declarou o médico. Reescreva essa frase, corrigindo a impropriedade
Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem, bem. Não era preciso
gramatical que nela ocorre.
barulho não.
No fragmento transcrito, o padrão formal da linguagem convive com marcas
de regionalismo e de coloquialismo no vocabulário. Pertence à variedade do pa-
drão formal da linguagem o seguinte trecho:
Texto para a questão 6
(A) “Não se conformou: devia haver engano”
Venho solicitar a clarividente atenção de Vossa Excelência para que seja
(B) “e Fabiano perdeu os estribos”
conjurada uma calamidade que está prestes a desabar em cima da juventude
(C) “Passar a vida inteira assim no toco” feminina do Brasil. Refiro-me, senhor presidente, ao movimento entusiasta que
(D) “entregando o que era dele de mão beijada” está empolgando centenas de moças, atraindo-as para se transformarem em jo-
(E) “Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou”. gadoras de futebol, sem se levar em conta que a mulher não poderá praticar este
esporte violento sem afetar, seriamente, o equilíbrio fisiológico das suas funções
3) (UFPR / 2006) Leia o texto seguinte: “Olha, é claro que o time tá bem orgânicas, devido à natureza que dispõe a ser mãe. Ao que dizem os jornais, no
melhor agora, que trocaro o técnico. Apesar que se não tiver mais disciplina em Rio de Janeiro, já estão formados nada menos de dez quadros femininos. Em São
campo (pô, os cara ganha uma fortuna!) não vai adiantá nada”. Paulo e Belo Horizonte também já estão se constituindo outros. E, neste crescendo,
Como você pode observar, trata-se de um exemplo da linguagem cotidiana dentro de um ano, é provável que em todo o Brasil estejam organizados uns 200
em sua modalidade oral, numa variedade popular que difere gramaticalmente, clubes femininos de futebol: ou seja: 200 núcleos destroçados da saúde de 2,2
em muitos pontos, das regras da norma culta. Que alternativa(s) “traduz(em)” mil futuras mães, que, além do mais, ficarão presas a uma mentalidade depressi-
o trecho acima para a modalidade escrita, conservando as mesmas informações va e propensa aos exibicionismos rudes e extravagantes.
básicas e obedecendo à gramática da norma culta? Coluna Pênalti. Carta Capital. 28 abr. 2010.
(A) Não há dúvida de que o time ficou bem melhor com a troca do técnico,
mas se os jogadores (que,aliás, ganham muito dinheiro) não forem mais discipli- 6) (Enem / 2010) O trecho é parte de uma carta de um cidadão brasileiro,
nados em campo, a mudança terá sido inútil. José Fuzeira, encaminhada, em abril de 1940, ao então presidente da República
(B) Indubitavelmente a equipe melhorou com a substituição do técnico, em- Getúlio Vargas. As opções linguísticas de Fuzeira mostram que seu texto foi ela-
bora essa mudança só vá surtir efeito se os jogadores, que ganham muito bem, borado em linguagem
forem mais disciplinados em campo. (A) regional, adequada à troca de informações na situação apresentada.
104 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
(B) jurídica, exigida pelo tema relacionado ao domínio do futebol. Resposta: Sim. A variedade culta caracteriza o narrador, enquanto a varie-
(C) coloquial, considerando-se que ele era um cidadão brasileiro comum. dade popular caraceriza seu interlocutor.
(D) culta, adequando-se ao seu interlocutor e à situação de comunicação. Comentário: São marcas da variante popular usada pelo personagem que
(E) informal, pressupondo o grau de escolaridade de seu interlocutor. não é o narrador: a pronúncia “nhonhô”; o emprego de “ele” como objeto direto
(“deixei ele na quintada”, no lugar de “deixei-o na quitanda”, que é a forma
pertencente à norma padrão); e a regência do verbo “ir” (“ir na venda”, no lugar
Texto para a questão 7 de “ir à venda”, que é a forma prescrita pelas gramáticas normativas).
Quando eu falo com vocês, procuro usar o código de vocês. A figura do ín-
dio no Brasil de hoje não pode ser aquela de 500 anos atrás, do passado, que
representa aquele primeiro contato. Da mesma forma que o Brasil de hoje não 1) (UFRJ / 2000)
é o Brasil de ontem, tem 160 milhões de pessoas com diferentes sobrenomes. – Que frio! gorjeou Henriqueta, muito coquete em seu redingote de golas de
Vieram para cá asiáticos, europeus, africanos, e todo mundo quer ser brasileiro. pelego, que graciosamente envergara por cima da camisola cor-de-rosa, – Fecha,
A importante pergunta que nós fazemos é: qual é o pedaço de índio que vocês fecha, Boduzinho, que este frio me mata! Que estavas a fazer lá fora com este
têm? O seu cabelo? São seus olhos? Ou é o nome da sua rua? O nome da sua frio, queres constipar-te e matar-me de cuidados?
praça? Enfim, vocês devem ter um pedaço de índio dentro de vocês. Para nós, o – Já falas como uma portuguesa, é admirável como tens talento para essas
importante é que vocês olhem para a gente como seres humanos, como pessoas coisas! – disse Bonifácio Odulfo, encantado. E estás linda como uma princesa!
que nem precisam de paternalismos, nem precisam ser tratadas com privilégios. Minha princesinha portuguesa!
Nós não queremos tomar o Brasil de vocês, nós queremos compartilhar esse Brasil – Mas nunca falei lá muito à brasileira.
– Isto é verdade, sempre tiveste uma maneira de falar muito distinta, foi
com vocês.
uma das primeiras coisas que primeiro me atraiu em ti. E teu pai, o velho barão,
TERENA, M. Debate. MORIN, E. Saberes globais e saberes locais.
fala exatamente como um português.
Rio de Janeiro: Garamond, 2000 (adaptado).
– Disto ele sempre fez questão. Costuma dizer que, pela voz, sempre saberão
que ele nunca andou no meio dos pretos e que se formou em Coimbra.
7) (Enem / 2009) Na situação de comunicação da qual o texto foi retirado, a
(RIBEIRO, João Ubaldo. Viva o povo brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1984. p.469)
norma padrão da língua portuguesa é empregada com a finalidade de
Toda língua apresenta variação regional e social, não se podendo afirmar
(A) demonstrar a clareza e a complexidade da nossa língua materna.
que uma variante seja superior a outra. Transcreva a passagem do diálogo em
(B) situar os dois lados da interlocução em posições simétricas.
que melhor se observa um julgamento de valor que contraria essa afirmação e
(C) comprovar a importância da correção gramatical nos diálogos cotidianos.
revela preconceitos sociais e culturais.
(D) mostrar como as línguas indígenas foram incorporadas à língua portuguesa.
(E) ressaltar a importância do código linguístico que adotamos como língua
nacional.
Texto para a questão 2
Bye, Bye, Brasil
Grupo 3 – Identificar diferenças entre duas variedades Composição: Roberto Menescal e Chico Buarque
Mas o bom negro e o bom branco Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
da Nação Brasileira e vai desmatando
Dizem todos os dias o amazonas de minha ignorância.
Deixa disso camarada Figuras de gramática, esquipáticas,
Me dá um cigarro Atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
ANDRADE, Oswald de. Seleção de textos. São Paulo: Nova Cultural, 1988 Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
Texto II em que levava e dava pontapé,
“Iniciar a frase com pronome átono só é lícito na conversação familiar, des- a língua, breve língua entrecortada
preocupada, ou na língua escrita quando se deseja reproduzir a fala dos perso- do namoro com a priminha.
nagens (...).” O português são dois; o outro, mistério.
CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa.
São Paulo: Nacional, 1980 1) (Enem / 2006) O poeta expressa o contraste entre marcas de variação
de usos da linguagem em:
Questão comentada (Enem / 2000) Comparando a explicação dada pelos (A) situações formais e informais
autores sobre essa regra, pode-se afirmar que ambos: (B) diferentes regiões do país
(a) condenam essa regra gramatical. (C) escolas literárias distintas
(b) acreditam que apenas os esclarecidos sabem essa regra. (D) textos técnicos e poéticos
(c) criticam a presença de regras na gramática. (E) diferentes épocas
(d) afirmam que não há regras para uso de pronomes.
(e) relativizam essa regra gramatical. 2) (Enem / 2006) No poema, a referência à variedade padrão da língua está
expressa no seguinte trecho:
Resposta: E (A) “A linguagem / na ponta da língua”
Comentário: Após a leitura dos dois textos, fica a mesma mensagem: (B) “A linguagem / na superfície estrelada de letras”
existem determinados contextos (aqueles mais formais) nos quais se deve seguir (C) “[a língua] em que pedia para ir lá fora”
a regra gramatical; nas situações informais, porém, ela não precisa ser seguida (D) “[a língua] em que levava e dava pontapé”
estritamente. É nisso que consiste a ideia de relativizar a regra gramatical: trata- (E) “[a língua] do namoro com a priminha”
-se de defender que ela não tem valor absoluto, mas que, ao contrário, deve ser
seguida em alguns casos e não em outros. 3) (Enem / 2005) As dimensões continentais do Brasil são objeto de reflexões
No final do poema, fica clara a tese de que, no dia a dia, as prescrições expressas em diferentes linguagens. Esse tema aparece no seguinte poema:
gramaticais podem ficar de lado: “Deixa disso camarada / Me dá um cigarro” (a “(....)
forma “Me dá”, no lugar de “Dá-me”, é um desvio em relação à norma culta). No Que importa que uns falem mole descansado
segundo texto, a mesma posição fica clara quando se afirma que violar a norma Que os cariocas arranhem os erres na garganta
culta (afinal, “Iniciar a frase com pronome átono” é uma violação da norma Que os capixabas e paroaras escancarem as vogais?
culta) “é lícito na conversa familiar”. Que tem se o quinhentos réis meridional
Nos dois casos, reitere-se, a mesma opinião: a regra não é absoluta, e sim Vira cinco tostões do Rio pro Norte?
relativa, na medida em que ela não vale em todos os contextos, mas apenas em Junto formamos este assombro de misérias e grandezas,
alguns (aqueles mais formais). Brasil, nome de vegetal! (....)”
Mário de Andrade. Poesias completas. 6. ed. São Paulo: Martins Editora, 1980.
O texto poético ora reproduzido trata das diferenças brasileiras no âmbito
Texto para as questões 1 e 2 (A) étnico e religioso. (B) lingüístico e econômico.
Aula de português – Carlos D. de Andrade (C) racial e folclórico. (D) histórico e geográfico.
A linguagem (E) literário e popular.
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender. Texto para a questão 4
A linguagem Depois de um bom jantar: feijão com carne-seca, orelha de porco e couve com
Na superfície estrelada de letras, angu, arroz-mole engordurado, carne de vento assada no espeto, torresmo enxuto
Sabe lá o que quer dizer? de toicinho da barriga, viradinho de milho verde e um prato de caldo de couve,
Capítulo 6 :: 107
jantar encerrado por um prato fundo de canjica com torrões de açúcar, Nhô Tomé (C) dominar as diferentes variedades do registro oral da língua portuguesa
saboreou o café forte e se estendeu na rede. A mão direita sob a cabeça, à guisa para escrever com adequação, eficiência e correção.
de travesseiro, o indefectível cigarro de palha entre as pontas do indicador e do (D) empregar vocabulário adequado e usar regras da norma padrão da lín-
polegar, envernizados pela fumaça, de unhas encanoadas e longas, ficou-se de gua em se tratando da modalidade escrita.
pança para o ar, modorrento, a olhar para as ripas do telhado. (E) utilizar recursos mais expressivos e menos desgastados da variedade
Quem come e não deita, a comida não aproveita, pensava Nhô Tomé... E padrão da língua para se expressar com alguma segurança e sucesso.
pôs-se a cochilar. A sua modorra durou pouco; Tia Policena, ao passar pela sala,
bradou assombrada:
— Êêh! Sinhô! Vai drumi agora? Não! Num presta... Dá pisadêra e póde Textos para a questão 6
morrê de ataque de cabeça! Despois do armoço num far-má... mais despois Resta saber o que ficou as línguas indígenas, no português do Brasil. Se-
da janta?!” rafim da Silva Neto afirma: “No português do Brasil não há, positivamente,
Cornélio Pires. Conversas ao pé do fogo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1987. influência das línguas africanas ou ameríndias”. Todavia, é difícil de aceitar
que um longo período de bilinguismo de dois séculos não deixasse marcas no
4) (Enem / 2006) Nesse trecho, extraído de texto publicado originalmente em português do Brasil.
1921, o narrador ELIA, S. Fundamentos Histórico-Linguísticos do Português do Brasil.
(A) apresenta, sem explicitar juízos de valor, costumes da época, descre- Rio de Janeiro: Lucerna, 2003 (adaptado).
vendo os pratos servidos no jantar e a atitude de Nhô Tomé e de Tia Policena.
(B) desvaloriza a norma culta da língua porque incorpora à narrativa usos No final do século XVIII, no norte do Egito, foi descoberta a Pedra de Roseta,
próprios da linguagem regional das personagens. que continha um texto escrito em egípcio antigo, uma versão desse texto chamada
(C) condena os hábitos descritos, dando voz a Tia Policena, que tenta impe- “demótico”, e o mesmo texto escrito em grego. Até então, a antiga escrita egípcia
dir Nhô Tomé de deitar-se após as refeições. não estava decifrada. O inglês Thomas Young estudou o objeto e fez algumas
(D) utiliza a diversidade sociocultural e lingüística para demonstrar seu des- descobertas como, por exemplo, a direção em que a leitura deveria ser feita. Mais
respeito às populações das zonas rurais do início do século XX. tarde, o francês Jean- François Champollion voltou a estudá-la e conseguiu decifrar
(E) manifesta preconceito em relação a Tia Policena ao transcrever a fala a antiga escrita egípcia a partir do grego, provando que, na verdade, o grego era
dela com os erros próprios da região. a língua original do texto e que o egípcio era uma tradução.
6) (Enem / 2010) Com base na leitura dos textos conclui-se, sobre as línguas, que
Texto para a questão 5 (A) cada língua é única e intraduzível.
(B) elementos de uma língua são preservados, ainda que não haja mais
falantes dessa língua.
(C) a língua escrita de determinado grupo desaparece quando a sociedade
que a produzia é extinta.
(D) o egípcio antigo e o grego apresentam a mesma estrutura gramatical,
assim como as línguas indígenas brasileiras e o português do Brasil.
(E) o egípcio e o grego apresentavam letras e palavras similares, o que
possibilitou a comparação linguística, o mesmo que aconteceu com as línguas
indígenas brasileiras e o português do Brasil.
tória da Língua Portuguesa, reconhece que na diversidade socioletal essa pretensa (adaptado).
(E) o novo estilo cultural brasileiro se caracteriza por uma união bastante 11) (UFSC / 2005) Leia os três textos a seguir:
significativa entre as diversas matrizes culturais advindas das várias regiões do Texto 1 – Mas, afinal, o que é língua padrão?
país, como se pode comprovar na obra de Paulo Coelho. (Carlos Alberto Faraco)
Já sabemos que as línguas são um conjunto bastante variado de formas
linguísticas, cada uma delas com a sua gramática, a sua organização estrutural.
Texto para a questão 10 Do ponto de vista científico, não há como dizer que uma forma linguística é melhor
Compare os textos I e II a seguir, que tratam de aspectos ligados a varieda- que outra, a não ser que a gente se esqueça da ciência e adote o preconceito ou
des da língua portuguesa no mundo e no Brasil. o gosto pessoal como critério.
Entretanto, é fato que há uma diferenciação valorativa, que nasce não da
Texto I diferença desta ou daquela forma em si, mas do significado social que certas for-
Acompanhando os navegadores, colonizadores e comerciantes portugueses em mas linguísticas adquirem nas sociedades. Mesmo que nunca tenhamos pensado
todas as suas incríveis viagens, a partir do século XV, o português se transformou na objetivamente a respeito, nós sabemos (ou procuramos saber o tempo todo) o
língua de um império. Nesse processo, entrou em contato — forçado, o mais das que é e o que não é permitido... Nós costumamos “medir nossas palavras”, entre
vezes; amigável, em alguns casos — com as mais diversas línguas, passando por outras razões, porque nosso ouvinte vai julgar não somente o que se diz, mas
processos de variação e de mudança linguística. Assim, contar a história do português também quem diz. E a linguiagem é altamente reveladora: ela não transmite só
do Brasil é mergulhar na sua história colonial e de país independente, já que as lín- informações neutras; revela também nossa classe social, a região de onde viemos,
guas não são mecanismos desgarrados dos povos que as utilizam. Nesse cenário, são o nosso ponto de vista, a nossa escolaridade, a nossa intenção... Nesse sentido, a
muitos os aspectos da estrutura linguística que não só expressam a diferença entre
linguagem também é um índice de poder.
Portugal e Brasil como também definem, no Brasil, diferenças regionais e sociais.
Assim, na rede das linguagens de uma dada sociedade, a língua padrão
PAGOTTO, E. P. Línguas do Brasil. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br (Acesso em: 5 jul.
ocupa um espaço privilegiado: ela é o conjunto de formas consideradas como o
2009) (adaptado).
modo correto, socialmente aceitável, de falar ou escrever.
Texto II
Texto 2 – Cuitelinho (Paulo Vanzolin)
Barbarismo é vício que se comete na escritura de cada uma das partes da
Cheguei na bera do porto
construção ou na pronunciação. E em nenhuma parte da Terra se comete mais
onde as onda se espaia.
essa figura da pronunciação que nestes reinos, por causa das muitas nações que
As garça dá meia volta,
trouxemos ao jugo do nosso serviço. Porque bem como os Gregos e Romanos
senta na bera da praia.
haviam por bárbaras todas as outras nações estranhas a eles, por não poderem
E o cuitelinho não gosta
formar sua linguagem, assim nós podemos dizer que as nações de África, Guiné,
que o botão de rosa caia.
Ásia, Brasil barbarizam quando querem imitar a nossa.
BARROS, J. Gramática da língua portuguesa. Porto: Porto Editora, 1957 (adaptado).
Quando eu vim de minha terra,
despedi da parentaia.
10) (Enem / 2009) Os textos abordam o contato da língua portuguesa com Eu entrei no Mato Grosso,
outras línguas e processos de variação e de mudança decorridos desse contato. dei em terras paraguaia.
Da comparação entre os textos, conclui-se que a posição de João de Barros (Texto Lá tinha revolução,
II), em relação aos usos sociais da linguagem, revela enfrentei fortes bataia.
(A) atitude crítica do autor quanto à gramática que as nações a serviço de A tua saudade corta
Portugal possuíam e, ao mesmo tempo, de benevolência quanto ao conhecimen- como aço de navaia.
to que os povos tinham de suas línguas. O coração fica aflito,
(B) atitude preconceituosa relativa a vícios culturais das nações sob domínio bate uma, a outra faia.
português, dado o interesse dos falantes dessas línguas em copiar a língua do E os oio se enche d’água
império, o que implicou a falência do idioma falado em Portugal. Que até a vista se atrapaia.
(C) o desejo de conservar, em Portugal, as estruturas da variante padrão da
língua grega — em oposição às consideradas bárbaras —, em vista da necessi- Texto 3 – (Sírio Possenti)
dade de preservação do padrão de correção dessa língua à época. Domingo à tarde, o político vê um programa de televisão. Um assessor passa
(D) adesão à concepção de língua como entidade homogênea e invariável, e por ele e pergunta:
negação da ideia de que a língua portuguesa pertence a outros povos. - Firme?
(E) atitude crítica, que se estende à própria língua portuguesa, por se tratar O político responde:
de sistema que não disporia de elementos necessários para a plena inserção - Não. Sírvio Santos.
sociocultural de falantes não nativos do português.
110 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
Assinale as proposições corretas a respeito dos textos 1, 2 e 3: representado pelas regras da gramática normativa. Usos como ter por haver em
1. O texto 2 registra uma variedade regional do interior de algumas cidades construções existentes (tem muitos livros na estante), o do pronome objeto na
brasileiras, conhecida como dialeto caipira. Essa variedade, ilustrada em espaia, posição de sujeito (para mim fazer o trabalho), a não-concordância das passivas
parentaia, bataia e atrapaia, é normalmente estigmatizada pela sociedade, ser- com se (aluga-se asas) são indícios da existência, não de uma norma única, mas
vindo, muitas vezes, de piada. de uma pluralidade de normas, entendida, mais uma vez, norma como conjunto
2. O falante, tendo envolvimento múltiplo nas relações sociais, normalmente de hábitos linguísticos, sem implicar juízo de valor.
domina mais de uma variedade de língua. Costuma medir suas palavras conforme CALLOU, D. Gramática, variação e normas. In VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. (orgs). Ensino de
a situação. Nesse sentido ele é um camaleão linguístico: adapta a sua fala à gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007 (fragmento).
situação em que se encontra.
3. Quando, no texto 1, os autores dizem que há uma diferenciação valorati- 13) (Enem/2011) Considerando a reflexão trazida no texto a respeito da multi-
va, estão se referindo apenas a variedades regionais. plicidade do discurso, verifica-se que:
4. Quem domina apenas um dialeto caipira, a exemplo das variedades usa- (A) estudantes que não conhecem as diferenças entre língua escrita e língua
das nos textos 2 e 3, não terá dificuldade para ler um texto escrito em língua falada empregam, indistintamente, usos aceitos na conversa com amigos quando
padrão, ou para produzir textos com ela. vão elaborar um texto escrito.
5. O efeito da piada (texto 3) está relacionado com os dois sentidos que a (B) falantes que dominam a variedade padrão do português do Brasil de-
palavra firme manifesta: um, como cumprimento informal – “Tudo bem?” – e monstram usos que confirmam a diferença entre a norma idealizada e a efetiva-
outro, como variante popular de filme. mente praticada, mesmo por falantes mais escolarizados.
(C) moradores de diversas regiões do país enfrentam dificuldades ao se
12) (UFRJ / 2002) expressar na escrita revelam a constante modificação das regras de empregos de
Texto 1 - (J. Ubaldo Ribeiro) pronomes e os casos especiais de concordância.
“...nunca cessou de espantar-me manifestação de preconceito e hostilidade (D) pessoas que se julgam no direito de contrariar a gramática ensinada na
sociocultural. Em vez de alegrar-se com a diversidade extraordinariamente rica e escola gostam de apresentar usos não aceitos socialmente para esconderem seu
fecunda de um país que, nessa diversidade, é o mesmo de uma ponta a outra, em desconhecimento da norma padrão.
vez de aprender com ela e com ela engrandecer-se, há gente que perde tempo e (E) usuários que desvendam os mistérios e sutilezas da língua portuguesa
adrenalina num besteirol arrogante e irracional, entre generalizações estúpidas e empregam forma do verbo ter quando, na verdade, deveriam usar formas do
demonstrações de estreiteza de visão. O sotaque alheio irrita, a maneira de ser verbo haver, contrariando as regras gramaticais.
exaspera... nada disso faz ninguém necessariamente melhor ou pior, mas apenas
diferente dos outros.
Texto 2 - (Euclides da Cunha) Texto para a questão 14
“O gaúcho do Sul, ao encontrá-lo nesse instante, sobreolhá-lo-ia comiserado. Mandioca – mais um presente da Amazônia
O vaqueiro do Norte é a sua antítese. Na postura, no gesto, na palavra, na índole Aipim, castelinha, macaxeira, maniva, maniveira. As designações da Manihot
e nos hábitos não há equipará-los. O primeiro, filho dos plainos sem fim, afeito às utilissima podem variar de região, no Brasil, mas uma delas deve ser levada em
correrias fáceis nos pampas e adaptado a uma natureza carinhosa que o encanta, conta em todo o território nacional: pão-de-pobre – e por motivos óbvios.
tem, certo, feição mais cavalheiresca e atraente. A luta pela vida não lhe assume Rica em fécula, a mandioca – uma planta rústica e nativa da Amazônia
o caráter selvagem da dos sertões do Norte. Não conhece os homens da seca e os disseminada no mundo inteiro, especialmente pelos colonizadores portugueses
combates cruentos com a terra árida e exsicada.” – é a base de sustento de muitos brasileiros e o único alimento disponível para
Os textos 1 e 2 apresentam reflexões sobre diversidade em tipos distintos de mais de 600 milhões de pessoas em vários pontos do planeta, e em particular em
texto. Estabeleça, através da seleção vocabular, um contraste entre a linguagem algumas regiões da África.
jornalística contemporânea e a literária, do início do século passado, retirando O melhor do Globo Rural. Fev. 2005 (fragmento).
dois exemplos de cada texto.
14) (Enem/2011) De acordo com o texto, há no Brasil uma variedade de nomes
para a Manihot utilissima, nome científico da mandioca. Esse fenômeno revela que
(A) existem variedades regionais para nomear uma mesma espécie de planta.
Texto para a questão 13 (B) mandioca é nome específico para a espécie existente na região ama-
Há certos usos consagrados na fala, e até mesmo na escrita, que, a depender zônica.
do estrato social e do nível de escolaridade do falante, são, sem dúvida, previsí- (C) “pão-de-pobre” é designação específica para a planta da região ama-
veis. Ocorrem até mesmo em falantes que dominam a variedade padrão, pois, na zônica.
verdade, revelam tendências existentes na língua em seu processo de mudança (D) os nomes designam espécies diferentes da planta, conforme a região.
que não podem ser bloqueadas em nome de um “ideal linguístico” que estaria (E) a planta é nomeada conforme as particularidades que apresenta
Capítulo 6 :: 111
Grupo 2
1) B
2) A
3) A/B
4) Há uma clara distinção hoje entre a figura do proprietário e a do admi-
nistrador, sem que isso signifique que o proprietário não possa ocupar o cargo de
administração, desde que administre a empresa com técnicas gerenciais.
5) Se eu não estivesse atento e não tivesse olhado o rótulo, o paciente
teria morrido.
6) D
7) B
Grupo 3
1) “Costuma dizer que, pela voz, sempre saberão que ele nunca andou no
meio dos pretos e que se formou em Coimbra” (duas últimas linhas).
2) Dentre as possíveis respostas:
Registro familiar Registro padrão
Não dá para falar muito Não posso falar muito
7
Gêneros textuais
114 :: Língua Portuguesa :: Módulo 2
1. O que são gêneros textuais • Trata-se de uma enumeração (como uma lista de supermercado) ou de um
texto corrido (como uma notícia)?
Pense numa receita culinária (por exemplo, uma receita de bolo ou de • Divide-se em parágrafos (como uma redação escolar) ou sua estruturação
macarronada). Agora, imagine um manual de instruções. E também uma bula não é feita por meio de parágrafos (como um cardápio de restaurante)?
de remédio. E ainda uma notícia de jornal. Certamente, você irá concordar que • Tem título (como um “post” de blog), ou é escrito sem título (como um
se trata de formatos muito diferentes de textos. Tecnicamente, dizemos que “scrap”)?
cada um desses formatos corresponde a um gênero textual distinto. Se olhar • Quantas partes estruturais é possível identificar – por exemplo: seriam
em volta, você perceberá que nós estamos cercados por textos pertencentes três, como em uma redação escolar (introdução, desenvolvimento e conclusão)
aos mais variados gêneros textuais: receita culinária, receita médica, manual ou duas, como em uma receita (ingredientes e modo de fazer)?
de instruções, bula de remédio, notícia de jornal, horóscopo, charge, anúncio O termo “linguagem”, por sua vez, se refere às palavras e construções
de classificados, poema, redação escolar (como aquela que você aprende na empregadas no texto. Esse termo engloba aspectos como os seguintes:
• Qual é a variante linguística utilizada – por exemplo: seria uma variante
aula de Redação), bilhete, carta pessoal, email, sermão, outdoor, cardápio de
formal (como em um edital de concurso) ou informal (como em um bilhete ou
restaurante, “scrap” (no Orkut), depoimento (também no Orkut), “post” (em
um “scrap”)?
blogs de maneira geral), lista de compras, “torpedo” de celular, romance, edital
• Quais são as estruturas sintáticas estruturas sintáticas mais comuns – por
de concurso... A lista é virtualmente infinita.
exemplo, seriam frases nominais (sem verbos), como em uma lista de compras,
Para começarmos a conversa, vamos comparar dois desses gêneros: o “scrap”
ou orações (estruturas com verbos), como em uma notícia de jornal?
e a bula de remédio. De imediato, é fácil notar que são formatos de texto bastante
• Há algum tempo, modo ou forma verbal característica – como no caso das
distintos. Por exemplo, podemos dizer que os “scraps” apresentam as seguintes
receitas, cujos verbos vêm no imperativo (“bata”, “misture”, “acrescente”) ou no
características: (i) são usados como um meio de contato entre amigos e conhecidos;
infinitivo (”bater”, “misturar”, “acrescentar”)?
(ii) tendem a ser curtos; (iii) empregam normalmente uma linguagem informal; e
Em resumo, quando falamos na forma de um determinado gênero textual,
(iv) costumam se dirigir a um interlocutor específico e previamente conhecido. As
estamos nos referindo tanto à estrutura do texto (seu esquema geral de
bulas de remédio, por outro lado, têm características diferentes: (i) são usadas para
organização, de estruturação) quanto à linguagem empregada (tipos de palavras
informar e advertir o cliente; (ii) trazem textos mais longos que o “scrap”; (iii)
e construções escolhidas).
empregam uma linguagem formal e técnica; e (iv) dirigem-se a um interlocutor
genérico e abstrato: qualquer potencial comprador ou usuário do remédio. Com
2. Gêneros textuais: a função
isso, fica claro que temos aqui dois gêneros textuais diferentes: “scrap” e “bula de
Você já entendeu o que queremos dizer quando fazemos referência à forma
remédio”. A tabela abaixo resume as diferenças entre esses dois gêneros:
de um gênero textual. E o que dizer de sua função?
Quando perguntamos, por exemplo, qual é a função de um apagador,
“SCRAP” BULA DE REMÉDIO estamos perguntando para que o apagador serve, ou seja, para que fins (ou com
Usado para manter o contato entre Usado para informar e advertir o que objetivos) ele é utilizado. O mesmo pode ser dito em relação aos gêneros
pessoas conhecidas cliente textuais. Para que serve uma receita médica? E uma receita culinária? E um
Textos curtos Textos mais longos (em comparação poema? E um “scrap”, uma lista de compras, uma bula de remédio?
com o “scrap”) Certamente, cada um desses gêneros serve a um propósito diferente.
Linguagem informal Linguagem formal e técnica Quem escreve uma receita culinária tem o objetivo de transmitir um tipo
Dirigem-se a interlocutor específico e Dirigem-se a um interlocutor genérico específico de conhecimento (de que maneira se deve proceder para preparar um
conhecido e abstrato determinado prato). Trata-se, portanto, de ensinar alguma coisa ao leitor. Já a
receita médica é usada como uma forma (socialmente aceita e reconhecida) de
Mas, afinal, o que são gêneros textuais? Simplificando um pouco, podemos autorizar o receptor final (o funcionário da farmácia) a vender um determinado
dizer que cada gênero textual corresponde a um esquema textual próprio, que medicamento. A notícia de jornal é diferente: ela não tem a função nem de
apresenta determinadas características de forma, volta-se para uma determinada ensinar nem de autorizar. Seu papel é, simplesmente, informar.
função e se insere em uma determinada situação de produção. A partir de agora, Moral da história: os gêneros textuais não se diferenciam apenas quanto
vamos explicar melhor o que queremos dizer com os termos “forma”, “função” à forma (estrutura, linguagem), mas também quanto à função (objetivos,
e “situação de produção”. propósitos, finalidade).
brincadeira; na pior, uma fraude (mas, de todo modo, não é de fato uma receita).
Caso seja escrito e assinado por um médico, mas em um guardanapo, o documento 2. Relacionando gêneros
também não terá valor como receita, ou seja, não poderá cumprir sua função (que e tipos textuais
é autorizar a venda de algum remédio).
O parágrafo acima nos dá uma ideia da situação de produção de um texto Agora que você já sabe a diferença entre gêneros textuais e tipos textuais,
pertencente ao gênero receita médica: esse texto deve ser escrito por um médico podemos observar a relação existente entre esses dois conceitos.
– no suporte apropriado e socialmente reconhecido (a folha do receituário) – e Com efeito, a análise atenta de alguns gêneros textuais revelará a existência
se dirige aos funcionários das farmácias, que são seu destinatário final. de modos de organização predominantes. Pense, por exemplo, em um manual de
Por outro lado, qual seria a situação de produção de um “scrap”? Note que instruções. Qual seria o modo de organização predominante em um texto desse
há uma série de particularidades. Por exemplo, o “scrap” tem que ser escrito por gênero? Sem dúvida, trata-se do modo injuntivo. Isso não significa é, claro, que
meio de um computador conectado à Internet. Se você redigir o mesmo conteúdo todas as passagens de um manual de instruções devam ser injuntivas; afinal,
à mão num pedaço de papel e pregá-lo na porta da geladeira, o resultado será textos reais costumam incorporar uma variedade de tipos textuais (ver capítulo
um bilhete – e não um “scrap”. Além disso, dentro do Orkut, o “scrap” tem 1 do módulo 1). Assim, é comum que textos do gênero manual de instruções
contenham sequências descritivas, apesar da predominância do modo injuntivo.
que ser escrito no espaço apropriado – caso contrário, não será um “scrap”.
Isso pode ser percebido facilmente no texto a seguir, que reproduz uma página
Ademais, diferente da receita médica, os “scraps” são normalmente escritos
do manual de instruções de um tocador de DVD. Observe que a primeira parte
para interlocutores específicos e previamente conhecidos. Ou seja: se a receita
(“Como instalar o aparelho”) é marcadamente injuntiva, ao passo que a segunda
médica se destina, potencialmente, a qualquer pessoa que trabalhe numa farmácia
parte (“Conexões do painel traseiro”), na qual se misturam imagem visual e
vendendo medicamente, o “scrap” normalmente se dirige a algum indivíduo em
texto verbal, tem caráter descritivo.
particular.
Em resumo, o que se vê é que há uma grande diferença entre as situações de
Texto 1
produção da bula de remédio e do scrap. Resumindo essa diferença: enquanto a
Como instalar o aparelho
primeira deve ser escrita por um médico numa folha de receituário e se dirige a um
Para aproveitar todos os recursos do seu aparelho, siga as instruções de
leitor desconhecido (qualquer um que venda medicamentos em uma farmácia), o instalação indicadas abaixo antes de ligá-lo:
segundo é produzido dentro de um site da Internet, no espaço apropriado, e visa • As conexões devem ser feitas sempre com os parelhos ligados
normalmente a um destinatário já conhecido do autor. • Instale o aparelho numa superfície plana e estável
O que essa comparação revela? Simples: ela revela que os gêneros textuais • Nunca coloque este aparelho sobre uma área encarpetada
não se diferenciam apenas quanto à forma e à função, mas também quanto à • Certifique-se de que haja suficiente espaço para a fácil abertura do
sua situação de produção. compartimento dos discos.
Conexões do painel traseiro
Resumindo Estas são as saídas traseiras de áudio e vídeo do aparelho.
Você aprendeu o que são gêneros textuais. Viu que, para caracterizar
S-VIDEO
um gênero, usamos três parâmetros: sua forma, sua função e sua situação de
produção. Para sintetizar e esclarecer definitivamente esses conceitos, criamos a
tabela abaixo, que compara os gêneros “scrap” e bula de remédio.
Mas é preciso deixar claro: essa tabela não tem nenhuma intenção de R L
AUDIO OUT
esgotar as características desses dois gêneros. O objetivo é apenas ilustrativo, de
modo a facilitar a fixação dos conceitos estudados.
1 2
Redação do Argumentativo Portanto, o celular não pode ser considerado vilão, mas é vilã sua utilização imprópria. Deve esse aparelho nos servir nos momentos
Enem convenientes. É necessário que tenhamos maturidade para usá-lo e isso implica dizer que, para presentear nossos filhos com um
aparelho, devemos saber se estes já podem utilizá-lo com consciência. Assim, cabe aos pais e à escola regulamentar o uso e aplicar
medidas que visem corrigir vícios decorrentes do uso indiscriminado do celular.
Disponível em: http://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes/redacao/ult4657u631.jhtm (Acesso em: 25 de setembro de 2010)
Editorial Argumentativo Além de inconstitucional, ao criar no Brasil cidadãos de segunda classe perante a lei, a cota racial agride as raízes da formação
miscigenada da sociedade brasileira e virou um anacronismo mesmo na realidade americana, fonte inspiradora do racialismo.
Jornal O Globo. 17 de agosto de 2008
Manual de Injuntivo - Instale o aparelho numa superfície plana e estável.
instruções - Nunca coloque este aparelho em áreas externas onde ele possa ficar exposto à chuva ou umidade.
Manual de instruções de aparelho de DVD Gradiente. Disponível em: http://ryan.com.br/manuais/dvdplayer/Gradiente%20-%20
D680_06_6941_001_010FINALWEB.pdf (Acesso em: 25 de setembro de 2010)
Receita Injuntivo Abra e verifique o cozimento e os temperos. Se tiver muito caldo, deixe em fogo baixo para secar um pouco.
culinária Disponível em: http://tudogostoso.uol.com.br/receita/100806-costela-com-linguica-na-pressao.html (Acesso em: 25 de setembro de 2010).
A tabela acima apresentou alguns gêneros textuais que estão sempre Observe que o primeiro poema é predominantemente narrativo – em
ligados a um determinado modo de organização predominante. No entanto, que pese o fato de o primeiro verso constituir uma sequência descritiva. Esse
deve ficar claro que nem todo gênero textual está nessa situação. Pense, por caráter narrativo fica claro quando se observa que o poema apresenta, em
exemplo, no gênero poema. Não há qualquer obrigatoriedade de que um poema ordem cronológica, uma sequência de eventos ocorridos com um personagem,
seja (predominantemente) narrativo, descritivo, expositivo, argumentativo identificado como João Gostoso: chegar ao bar, beber, cantar, danças, atirar-
ou injuntivo. Em tese, poemas podem se fundamentar em todos esses tipos se na lagoa, morrer. Seu título, portanto, não é gratuito. Como você pode
textuais. Como exemplos, vejam os dois textos abaixo: respectivamente, um imaginar, a notícia de jornal é um gênero predominantemente narrativo – e esse
poema narrativo e um poema descritivo. poema, tendo sido “tirado de uma notícia de jornal”, acaba por incorporar essa
característica.
Texto 2 O texto 3, por seu turno, é um poema marcadamente descritivo. Trata-se de
Poema tirado de uma notícia de jornal descrever uma cena e, a partir dela, caracterizar um lugar – uma cidade pequena,
Manuel Bandeira marcada por uma rotina tranquila e, presumivelmente, previsível. Observe que
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia não há passagem temporal. O poema consiste, a rigor, em uma espécie de retrato
num barracão sem número de um cenário.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Em resumo, a lição que deve ficar aqui é a seguinte: alguns gêneros textuais
Bebeu se caracterizam por estarem necessariamente associados a um determinado
Cantou modo de organização predominante. É o que acontece, por exemplo, com a
Dançou notícia de jornal (modo narrativo), o anúncio de classificados (modo descritivo),
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. o verbete de enciclopédia (modo expositivo), o editorial (modo argumentativo)
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007 e a receita culinária (modo injuntivo). Outros, porém, como o poema, podem ser
construídos com base em mais de um tipo textual.
Texto 3
Cidadezinha cheia de graça
Cidadezinha cheia de graça... Exercícios
Tão pequenina que até causa dó!
Com seus burricos a pastar na praça... Grupo 1 – Analisar a forma e função de textos pertencentes a
Sua igrejinha de uma torre só! diferentes gêneros
Gabarito: E
Comentário: É preciso observar, antes de tudo, que o texto acima
Textos para a questão 2
corresponde a um gênero textual específico: o horóscopo. Como você já sabe,
Texto I
gêneros textuais são caracterizados pela sua forma e pela sua função (em outras
...nunca cessou de espantar-me manifestação de preconceito e hostilidade
palavras: seu objetivo ou propósito). O Enem costuma abordar com frequência
sociocultural. Em vez de alegrar-se com a diversidade extraordinariamente rica e
o tema dos gêneros textuais. E, de tudo o que pode ser explorado nos exercícios
fecunda de um país que, nessa diversidade, é o mesmo de uma ponta a outra, em
sobre gêneros, uma das perguntas mais comuns diz respeito, exatamente, à
vez de aprender com ela e com ela engrandecer- se, há gente que perde tempo
função (ou objetivo, ou propósito), de um determinado gênero.
e adrenalina num besteirol arrogante e irracional, entre generalizações estúpidas
Neste caso, pergunta-se sobre a função do gênero textual horóscopo.
e demonstrações de estreiteza de visão. O sotaque alheio irrita, a maneira de
Provavelmente, você seria capaz de responder a essa pergunta a partir da sua
ser exaspera [...] nada disso faz ninguém necessariamente melhor ou pior, mas
própria experiência como leitor, mesmo que não houvesse o texto “Câncer –
apenas diferente dos outros.
21/06 a 21/07” como apoio. De modo geral, textos de horóscopo cumprem
RIBEIRO, J. Ubaldo. O Globo, 23/05/1995.
dois objetivos: prever o futuro e dar conselhos de comportamento. Dentre as
alternativas da questão, vemos apenas a segunda opção, na letra E.
No texto, os conselhos aparecem em trechos como os seguintes: “Lembre- Texto II
se: palavra preciosa é palavra dita na hora certa.”; “Melhor conter as expectativas O gaúcho do Sul, ao encontrá-lo nesse instante, sobreolhá-lo-ia comiserado.
e ter calma, avaliando as próprias carências de modo maduro”. O vaqueiro do Norte é a sua antítese. Na postura, no gesto, na palavra, na
índole e nos hábitos não há equipará-los. O primeiro, filho dos plainos sem fim,
afeito às correrias fáceis nos pampas e adaptado a uma natureza carinhosa que o
Texto para a questão 1 encanta, tem, certo, feição mais cavalheiresca e atraente. A luta pela vida não lhe
São Paulo vai se recensear. O governo quer saber quantas pessoas governa. assume o caráter selvagem da dos sertões do Norte. Não conhece os horrores da
A indagação atingirá a fauna e a flora domesticadas. Bois, mulheres e algodoeiros seca e os combates cruentos com a terra árida e exsicada.
serão reduzidos a números e invertidos em estatísticas. O homem do censo entrará CUNHA. Euclides da. 1902. Os sertões. In: AGUIAR, F. (org.). 1999. Com palmos medida. Terra,
pelos bangalôs, pelas pensões, pelas casas de barro e de cimento armado, pelo trabalho e conflito na literatura brasileira. São Paulo, Fundação Perseu Abramo: p. 143.
sobradinho e pelo apartamento, pelo cortiço e pelo hotel, perguntando:
— Quantos são aqui? 2) (UFRJ / 2002) Os Textos I e II apresentam reflexões sobre diversidade em
Pergunta triste, de resto. Um homem dirá: tipos distintos de texto. Estabeleça, através da seleção vocabular, um contraste
— Aqui havia mulheres e criancinhas. Agora, felizmente, só há pulgas e ratos. entre a linguagem jornalística contemporânea e a literária, do início do século
E outro: passado, retirando dois exemplos de cada texto.
— Amigo, tenho aqui esta mulher, este papagaio, esta sogra e algumas
baratas. Tome nota dos seus nomes, se quiser. Querendo levar todos, é favor... (...)
Capítulo 7 :: 119
Texto para a questão 3 Embora tenha um impacto temporário na atividade econômica da região, a
Anúncios classificados medida visa preservá-la ao longo prazo, evitando o risco de extinção dos animais.
Vendedoras. Ótima aparência, excelente salário. Rua tal, no tal. Recusada. Cerca de 15 toneladas de peixes foram apreendidas e doadas para instituições
Boutique cidade precisa moça boa aparência entre 25 e 30 anos. Marcar entrevista de caridade.
tel. no tal. Recusada. Época. 23 mar. 2009 (adaptado).
Moças bonitas e educadas para trabalhar como recepcionistas. Garantimos
ganhos acima de um milhão. 5) (Enem / 2010) A notícia, do ponto de vista de seus elementos constitutivos,
Procurar D. Fulana das 12,00 às 20,00 horas, na rua tal, no tal. Recusada. (A) apresenta argumentos contrários à pesca ilegal
Senhor solitário com pequeno defeito físico procura moça de 30 anos para lhe (B) tem um título que resume o conteúdo do texto.
fazer companhia. Não precisa ser bonita. Endereço tal. (C) informa sobre uma ação, a finalidade que a motivou e o resultado
Desta vez ela não disfarçou a corcunda nem pôs óculos escuros para esconder dessa ação.
o estrabismo. Contratada. (D) dirige-se aos órgãos governamentais dos estados envolvidos na referida
CUNHA, Helena Parente. Cem mentiras de verdade, 1985. operação do Ibama.
(E) introduz um fato com a finalidade de incentivar movimentos sociais em
defesa do meio ambiente.
3) (UFRJ / 2003) Aponte 2 (duas) características que comprovem não ser o
texto acima, de fato, um anúncio classificado.
Texto para a questão 6
Machado de Assis
Joaquim Maria Machado de Assis, cronista, contista, dramaturgo,
Texto para a questão 4 jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta, nasceu na cidade do
S.O.S Português Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839. Filho de um operário mestiço de negro
Por que pronunciamos muitas palavras de um jeito diferente da escrita? e português, Francisco José de Assis, e de D. Maria Leopoldina Machado de Assis,
Pode-se refletir sobre esse aspecto da língua com base em duas perspectivas. aquele que viria a tornar-se o maior escritor do país e um mestre da língua, perde
Na primeira delas, fala e escrita são dicotômicas, o que restringe o ensino da a mãe muito cedo e é criado pela madrasta, Maria Inês, também mulata, que
língua ao código. Daí vem o entendimento de que a escrita é mais complexa se dedica ao menino e o matricula na escola pública, única que frequentou o
que a fala, e seu ensino restringe-se ao conhecimento das regras gramaticais, autodidata Machado de Assis.
sem a preocupação com situações de uso. Outra abordagem permite encarar as Disponível em: http://www.passeiweb.com. Acesso em: 1 maio 2009.
diferenças como um produto distinto de duas modalidades da língua: a oral e a
escrita. A questão é que nem sempre nos damos conta disso. 6) (Enem/2010) Considerando os seus conhecimentos sobre os gêneros
S.O.S Português. Nova Escola. São Paulo: Abril, Ano XXV, nº 231, abr. 2010 textuais, o texto citado constitui-se de
(fragmento adaptado). (A) fatos ficcionais, relacionados a outros de caráter realista, relativos à vida
de um renomado escritor.
4) (Enem / 2010) O assunto tratado no fragmento é relativo à língua (B) representações generalizadas acerca da vida de membros da sociedade
portuguesa e foi publicado em uma revista destinada a professores. Entre as por seus trabalhos e vida cotidiana.
características próprias desse tipo de texto, identificam-se as marcas linguísticas (C) explicações da vida de um renomado escritor, com estrutura
próprias do uso: argumentativa, destacando como tema seus principais feitos.
(A) regional, pela presença de léxico de determinada região do Brasil. (D) questões controversas e fatos diversos da vida de personalidade
(B) literário, pela conformidade com as normas da gramática. histórica, ressaltando sua intimidade familiar em detrimento de seus feitos
(C) técnico, por meio de expressões próprias de textos científicos. públicos.
(D) coloquial, por meio do registro de informalidade. (E) apresentação da vida de uma personalidade, organizada sobretudo pela
(E) oral, por meio do uso de expressões típicas da oralidade. ordem tipológica da narração, com um estilo marcado por linguagem objetiva.
se desmancharam – foguetes, satélites desativados e até ferramentas perdidas Texto para a questão 9
por astronautas. Com um tráfego celeste tão intenso, era questão de tempo No capricho
para que acontecesse um acidente de grandes proporções, como o da semana O Adãozinho, meu cumpade, enquanto esperava pelo delegado, olhava para
passada. Na terça-feira, dois satélites em órbita desde os anos 90 colidiram em um quadro, a pintura de uma senhora. Ao entrar a autoridade e percebendo que o
um ponto 790 quilômetros acima da Sibéria. A trombada dos satélites chama cabôco admirava tal figura, perguntou: “Que tal? Gosta desse quadro?”
a atenção para os riscos que oferece a montanha de lixo espacial em órbita. E o Adãozinho, com toda a sinceridade que Deus dá ao cabôco da roça:
Como os objetos viajam a grande velocidade, mesmo um pequeno fragmento “Mas pelo amor de Deus, hein, dotô! Que muié feia! Parece fiote de cruis-credo,
de 10 centímetros poderia causar estragos consideráveis no telescópio Hubble parente do deus-me-livre, mais horríver que briga de cego no escuro.”
ou na estação espacial Internacional — nesse caso pondo em risco a vida dos Ao que o delegado não teve como deixar de confessar, um pouco secamen-
astronautas que lá trabalham. te: “É a minha mãe.” E o cabôco, em cima da bucha, não perde a linha: “Mais
Revista Veja. 18 set. 2009 (adaptado). dotô, inté que é uma feiura caprichada.”
BOLDRIN, R. Almanaque Brasil de Cultura Popular. São Paulo: Andreato Comunicação e Cultura, no.
7) (Enem / 2010) Levando-se em consideração os elementos constitutivos de 62, 2004 (adaptado).
um texto jornalístico, infere-se que o autor teve como objetivo
(A) exaltar o emprego da linguagem figurada. 9) (Enem/2011) Por suas características formais, por sua função e uso, o texto
(B) criar suspense e despertar temor no leitor. pertence ao gênero
(C) influenciar a opinião dos leitores sobre o tema, com as marcas (A) anedota, pelo enredo e humor característicos.
argumentativas de seu posicionamento. (B) crônica, pela abordagem literária de fatos do cotidiano.
(D) induzir o leitor a pensar que os satélites artificiais representam um (C) depoimento, pela apresentação de experiências pessoais.
grande perigo para toda a humanidade. (D) relato, pela descrição minuciosa de fatos verídicos.
(E) exercitar a ironia ao empregar “avenida congestionada”; “tráfego (E) reportagem, pelo registro impessoal de situações reais.
celeste tão intenso”; “montanha de lixo”.
Gabarito
Texto para a questão 8
MOSTRE QUE SUA MEMÓRIA É MELHOR Grupo 1
DO QUE A DE COMPUTADOR E GUARDE 1) E
ESTA CONDIÇÃO: 12X SEM JUROS. 2) Os vocábulos adrenalina e besteirol, no texto jornalístico, e sobreolhá-lo-
Campanha publicitária de loja de eletrodomésticos. ia, plainos, afeito, exsicada, no texto literário.
Revista Época. N° 424, 03 jul. 2006. 3) Ausência de referente (rua, número, telefone). Presença de personagens
(anunciados nos dois últimos parágrafos).
8) (Enem/2010) Ao circularem socialmente, os textos realizam-se como práticas 4) C
de linguagem, assumindo configurações específicas, formais e de conteúdo. 5) C
Considerando o contexto em que circula o texto publicitário, seu objetivo básico é 6) E
(A) influenciar o comportamento do leitor, por meio de apelos que visam à 7) C
adesão ao consumo. 8) A
(B) definir regras do comportamento social pautadas no combate ao 9) A
consumismo exagerado.
(C) defender a importância do conhecimento de informática pela população
de baixo poder aquisitivo.
(D) facilitar o uso de equipamentos de informática pelas classes sociais
economicamente desfavorecidas.
(E) questionar o fato de o homem ser mais inteligente que a máquina,
mesmo a mais moderna.