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VOLUME 1

FIRJAN - Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro


Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira
Presidente

Diretoria Corporativa Operacional


Augusto César Franco de Alencar
Diretor

SESI - Rio de Janeiro


Fernando Sampaio Alves Guimarães
Diretor Superintendente

Diretoria de Educação
Andréa Marinho de Souza Franco
Diretora

Gerência de Educação Básica


Hozana Cavalcante Meirelles
Gerente

Gerência de Educação a Distância


Maria Antonieta Pires dos Santos
Gerente
VOLUME 1
Série SESIeduca
2010
SESI • Rio de Janeiro

FICHA TÉCNICA

Divisão de Desenvolvimento Lorelei Guanabara Baliosian


Coordenação Carmem Lúcia de Freitas Siqueira
Redação Técnica Patrícia Oliveira Barreto
Leila Pereira
Leitor Crítico Adélia Maria Simões de Oliveira
Tratamento Pedagógico Kátia Lúcia de Oliveira Barreto
Revisão Ortográfica / Editorial Jane de Araújo Wagner / Formas Consultoria
Supervisão de Produção Gráfica Lienice Silva de Souza
Projeto Gráfico Ana Monteleone • Engenho & Arte
Editoração Sylvio Nogueira • Engenho & Arte
Normalização Bibliográfica Biblioteca do Sistema Firjan

FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema FIRJAN
Divisão de Documentação - Biblioteca

S491el
SESI - RJ
Volume 1
Ensino Médio para Jovens e Adultos:
Língua portuguesa/literatura
Rio de Janeiro : GEB/GED, 2004.
236 p.
edição atualizada, 2010.
1.  Educação de Jovens
2.  Educação de Adultos
I -  Português / Fase 1
CDD 373.011

Propriedade do SESI - Rio de Janeiro.


Reprodução total ou parcial, sob expressa autorização.

SESI • Rio de Janeiro


Diretoria de Educação
Avenida Graça Aranha, 1 - Centro
20.030-002 - Rio de Janeiro - RJ
SUMÁRIO

Apresentação 7

Capítulo 1 9
O homem e a linguagem
Linguagem verbal e não verbal
Linguagem e cultura

Capítulo 2 23
A comunicação e seus elementos
Funções da linguagem

Capítulo 3 43
Variações lingUísticas
Como surgiu a língua portuguesa?

Capítulo 4 67
O que é literatura?
Literatura e comunicação
Texto em verso – texto em prosa

Capítulo 5 89
Recursos sonoros e semânticos
explorados no texto literário
Noção de fonema

Capítulo 6 109
O texto literário e seu conteúdo
Os gêneros literários
Acentuação gráfica

Capítulo 7 129
Estilo individual e estilo de época
A Época Medieval
Acentuação Gráfica

Capítulo 8 151
A Época Medieval e sua Influência
na literatura de hoje
Trovadorismo: as cantigas
As novelas de cavalaria
Capítulo 9 171
Humanismo e Classicismo em Portugal
O teatro popular: Gil Vicente
Camões: lírico e épico

Capítulo 10 185
O que é narrar?

Capítulo 11 201
A literatura informativa sobre o Brasil
Literatura dos descobridores, colonizadores e viajantes
A carta de Pero Vaz de Caminha
A literatura de catequese e o Padre Anchieta

Capítulo 12 221
Formas narrativas em prosa:
O conto
A crônica
A novela
O romance
A P R E S E N T A ÇÃ O
“Vai e avisa a todo mundo que encontrar
que existe ainda um sonho pra sonhar.”
Roupa Nova

Prezado(a) aluno(a),

Com o objetivo de tornar a aprendizagem da Língua Portuguesa e da


Literatura dinâmica e prática para você, buscamos, neste material, investir
não só em sua capacidade de conhecimento, valorizando o desenvolvimento
do seu raciocínio, de sua capacidade de solucionar problemas, de sua
habilidade em acessar, julgar e avaliar informações, como também em sua
criatividade, oferecendo-lhe possibilidade de aprender a aprender, de forma
que você possa participar tanto do mundo social quanto do mundo do
trabalho, e, além disso, possa, com segurança e confiança em si mesmo,
dar continuidade ao seu estudo de forma sistemática e autônoma.
Neste material, que está dividido em 2 volumes, há atividades
que lhe possibilitam pesquisar, selecionar informações, analisar,
sintetizar e argumentar, pois acreditamos estarem essas com-
petências diretamente ligadas ao trabalho sistematizado com a
linguagem.
Sentimos, assim, necessidade de um material de trabalho
que lhe proporcionasse o entendimento de que língua, literatura
e produção de texto formam um todo.
A língua, compreendida na sua dimensão gramatical, deve ser instru-
mento útil na tarefa de entendimento do mundo em que você vive, não
se perdendo de vista a ideia de que tal mundo não se limita ao momento
presente, mas constitui-se de uma soma de passados próximo e remoto,
mostrados, talvez, de forma mais sensibilizada pela Arte, incluindo-se nela
a arte literária. Desse modo, procuramos trazer a Literatura para este
material, acreditando que, se o presente é possibilitado pelo passado,
cumpre compreender esse passado, sobretudo o homem que nele viveu,
com suas certezas, angústias e dúvidas. Nossa pretensão é levá-lo a com-
preender a importância do fazer literário e do papel da Língua Portuguesa
na construção do ser humano brasileiro e universal, consciente da sua
dimensão histórica.
Nossa expectativa é a de que este material possa contribuir para a
formação de um cidadão que aprenda para viver dignamente no mundo e
pelo prazer de conhecer; que saiba aplicar seu conhecimento na sua prática
de vida; um cidadão, enfim, capaz de desenvolver um espírito crítico, capaz
de formular juízo de valor, capaz de ser.
Em relação aos textos literários mais antigos, apresentados neste
material, optamos, para facilitar sua compreensão, por atualizar o
emprego dos sinais de pontuação.
No que diz respeito à totalidade dos textos aqui utilizados, de um modo
geral, indicamos, no final, a obra de onde foi retirado. Em alguns, você en-
contrará a palavra latina apud. Isso significa que o texto foi retirado da obra
que segue essa palavra.
Você poderá encontrar, ainda, as palavras idem ibidem (abre-
viadas id. ib.). Essas palavras significam que o autor e a obra citados
são os mesmos das referidas anteriormente.
Por fim, encontrando dentro do texto uma expressão entre colchetes -
[ ] -, estamos dizendo a você que ela foi acrescentada por nós, ou seja, não
estava no texto original.
No mais, esperamos que este material possa ajudá-lo em seu processo
de aprendizagem. Agora é só começar a estudar o volume 1. Desejamos
sucesso em sua nova caminhada.
CAPítULO 1

O HOMEM E A LINGUAGEM

• LINGUAGEM VERBAL E NÃO VERBAL


• LINGUAGEM E CULTURA
CAPítULO 1

O HOMEM E A LINGUAGEM

PLANEJANDO A ROTA
A N O T A Ç Õ E S -
N esta página apresentamos duas
figuras em que um europeu e um ín-
dio se encontram (figura 1), pode-se
perceber o espanto do português e
do índio ao se encontrarem um com
o outro.
por que se espantaram?
Provavelmente esse espanto pode figura 1
ter sido motivado pela diferença de
costumes entre os dois povos: os índios andavam habitualmente nus,
enquanto os europeus usavam muitas vestimentas.
A figura 2 reproduz um trecho da famosa carta que Pero Vaz de
Caminha escreveu ao rei de Portugal, relatando os primeiros contatos
com a nova terra, posteriormente chamada de Brasil. Nesta figura,
percebe-se que o índio tenta comunicar-se com o português através
de gestos.
Por que será que o índio se expressou dessa forma?
Será que o europeu teria entendido as intenções do índio?
Bem, de acordo com o relato de Caminha, o escrivão da frota
de Cabral, os portugueses entenderam que o índio queria dizer que
naquela terra havia ouro.
O índio usou os gestos para se comunicar, porque provavelmente
já tinha percebido que aquela gente falava uma língua não entendida
por eles.
Ao que tudo indica, dessa forma iniciou-se a comunicação entre
colonizadores e colonizados.
Vamos tomar esse episódio
como ponto de partida para
refletirmos a respeito do ato de
figura 2
comunicação;
12
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - INVESTIGANDO CAMINHOS

O que será fundamental para que duas pessoas se comuniquem?


Neste capítulo, vamos falar sobre isso. E mais: sobre o que é lin-
guagem e cultura.

Linguagem: verbal e não verbal


No nosso dia a dia, estamos a todo momento nos comunicando por
meio de diferentes formas de linguagem.
Por exemplo:
• o gesto que fazemos para o motorista, quando queremos subir
em um ônibus, ou o toque da campainha para avisá-lo de que
vamos descer;
• um abraço apertado para indicar o nosso afeto por alguém;
• um bilhete que escrevemos para nosso colega de trabalho;
• uma conversa com alguém ao telefone.

Assim, podemos perceber que a linguagem não se constitui apenas


de palavras.
Como poderíamos, então, definir o que é linguagem?

Linguagem é todo sistema de sinais utilizados na comunicação.


Há dois tipos básicos de linguagem:
a não verbal e a verbal.
A linguagem não verbal é aquela que
não utiliza a palavra como meio de comu-
nicação, ou seja, utiliza as cores, os sons, os
desenhos, os gestos, etc.
Lembra-se da cena, que aparece no iní-
cio deste capítulo, na qual o índio procura
comunicar-se com o homem branco? Nela,
o nativo da terra procura comunicar-se pela
figura 3
linguagem dos gestos.
No nosso dia a dia estamos cercados desse tipo de linguagem, como
podemos observar pela figura 3.
A linguagem verbal é aquela em que utilizamos a palavra falada ou
escrita para nos comunicarmos.
13
O HOMEM E A LINGUAGEM

Pode-se concluir, então, que, para haver comunicação entre pessoas


usando este tipo de linguagem, basta que elas compreendam o significado
A N O T A Ç Õ E S -
de cada palavra? Vamos testar?
Leia as palavras que aparecem no quadro a seguir, referentes a um
trecho da Carta de Caminha:

Mostro dela aos entretanto quando português papagaio


quase a galinha indios mostrar o um pegaram tiveram uma
medo eles ao o eles

Mantendo a ordem em que tais palavras aparecem, não é possível


estabelecer sentido entre elas.
Procure organizar essas palavras de modo que elas formem um texto e
possam dar-nos alguma informação. Que tal trabalhar um pouco?
Lembre-se de que você deve usar todas as palavras do quadro e alguns
sinais de pontuação.

Vamos conferir o resultado?


Quando o português mostrou aos índios um papagaio, eles
o pegaram; entretanto, ao mostrar a eles uma galinha,
quase tiveram medo dela.
Dessa maneira fica evidente que, na linguagem verbal, é preciso orga-
nizar as palavras de tal forma, que a mensagem possa ser compreendida
pelo receptor.
Vamos sintetizar agora as informações mais importantes vistas até aqui:
• linguagem - qualquer sistema organizado de sinais usado na
comunicação;
• linguagem verbal - sistema de palavras usado no processo de
comunicação;
• linguagem não verbal - qualquer sistema de sinais usado no
processo de comunicação em que a palavra - falada ou escrita
- não é utilizada.
14
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Linguagem e cultura
Nesta ilustração, o personagem emprega cultura como sinônimo de
informação; entretanto, essa palavra pode ser empregada com vários
sentidos.

Veja alguns desses significados, de acordo com o Novo Aurélio: século


XXI, de 1999.

Cultura
• ato, efeito ou modo de cultivar; cultivo;
• atividade econômica dedicada à criação, desenvolvimento e pro-
criação de plantas e animais ou à produção de certos derivados
seus;
• parte ou aspecto da vida coletiva relacionados com a produção
e transmissão de conhecimentos, à criação intelectual e artística
etc.
• processo ou estado de desenvolvimento social de um grupo, um
povo, uma nação que resulta do aprimoramento dos seus valores,
instituições, criações etc.; civilização, progresso;
• atividade e desenvolvimento intelectuais de um indivíduo; saber,
ilustração, instrução.

Assim, a palavra cultura pode significar cultivo, ou um tipo de atividade


econômica, ou produção e transmissão de conhecimento ou o processo de
desenvolvimento social de um povo. Na ilustração, o índio não entendeu a
serventia (utilidade) do castiçal, pois tal objeto não fazia parte da cultura
do seu povo.
Com certeza, se o português tivesse sido presenteado com um tipiti*,
também não entenderia a utilidade de tal objeto, tão comum na cultura
do povo indígena.
E você saberia? Se for preciso, “dê um pulinho” na seção Glossário
deste capítulo e ficará sabendo.
15
O HOMEM E A LINGUAGEM

Relação entre cultura e linguagem A N O T A Ç Õ E S -


Tomando a palavra cultura no seu sentido mais amplo, ou seja, como
“conjunto da produção humana em qualquer área”, e entendendo lingua-
gem como uma atividade essencialmente humana, pode-se concluir que
a linguagem é um elemento da cultura, assim como a música, a dança, as
ciências, a religião, etc.
Entretanto a linguagem assume um papel de destaque, pois, ao mesmo
tempo que é um elemento cultural, também é um instrumento de trans-
missão dessa mesma cultura.
Entendeu? Não? Vamos tentar outra vez:
• Toda criação humana é um elemento cultural.
• A linguagem é uma criação humana.

Logo:
• A linguagem é uma criação cultural.

E, daí? Você pode estar se perguntando. Daí é que a linguagem é um


elemento da cultura humana, mas, ao mesmo tempo, é também um veículo
de expressão das demais atividades culturais do homem.

DESAFIOS DO PERCURSO

Este espaço é reservado para você aplicar os conhecimentos adquiridos


aqui. Caso sinta dificuldade em resolver alguma questão, releia o capítulo.

a) b) c)

João, antes de sair


para almoçar, passe
na minha sala.
Mário

1. Identifique o tipo de linguagem (verbal ou não verbal) usado nas


situações de comunicação apresentadas abaixo:
2. Dentre as situações descritas a seguir, identifique aquelas que rep-
resentam um ato de comunicação.
a) Um cozinheiro preparando um peixe no espeto.
b) Duas pessoas conversando à porta de um cinema.
c) Uma pessoa assistindo a um jogo de futebol pela TV.
d) Uma pessoa, à janela, apreciando o mar.
R.
16
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 3. Relacione elementos que fazem parte da cultura de um país es-


trangeiro (que tal o Marrocos, ou o Afeganistão?).
Para realizar essa tarefa, você pode consultar pessoas de outra nacio-
nalidade, revistas, enciclopédias e sites na Internet.
4. Ordene as palavras que aparecem na faixa a seguir, de tal maneira
que elas formem um texto com sentido lógico (use os sinais de pontuação
que julgar necessários).

aqui Os quando porque acreditam índios morrem que céu o


uma fazem o que é vai melhor espírito o para para estrela

5. Na tirinha seguinte, o emissor, fazendo uma exposição oral sobre a


importância de não haver falhas no processo de comunicação, usou uma
linguagem bastante confusa. Um dos seus ouvintes, porém, expressando-
lhe a sua insatisfação, valeu-se de um outro tipo de linguagem, no caso
bastante clara.
a) Qual o tipo de linguagem usada pelo emissor? Explique sua

SE A COMUNICAÇÃO FALHA,
TUDO FALHA! ... E NÃO VERBAL ... VOU DAR UM
A COMUNICAÇÃO É TUDO! EXEMPLO ...
QUANDO HÁ PROBLEMAS, AO A COMUNICAÇÃO PODE SER
PROBLEMA É A COMUNICAÇÃO! VERBAL ...

Jornal do Brasil. Caderno B, 12/04/1998

resposta.
R.

b) Qual o tipo de linguagem empregada pelo irritado ouvinte?


Explique sua resposta.
R.

6. Cláudio Duarte expressa, no cartum apresentado a seguir, uma


mensagem valendo-se de uma linguagem não verbal. Interprete essa
mensagem valendo-se da linguagem verbal.
17
O HOMEM E A LINGUAGEM

AMPLIANDO O HORIZONTE
A N O T A Ç Õ E S -
R.

No Cinema e na TV
Hans Staden - filme brasileiro, direção de Luiz Alberto Pereira.
Conta a história de um alemão que trabalhava para os portugueses
em 1550 e foi ameaçado de ser devorado por índios brasileiros,
quando saiu à procura de um escravo fugido.
Apresenta as diferenças culturais entre dois povos.
Nell - filme americano, dirigido por Michael Apted, conta a história
de uma moça que até os 30 anos viveu afastada de qualquer con-
tato com as pessoas, criando, assim, uma linguagem própria para
comunicar-se.
Mostra os diferentes tipos de linguagem.

Nas Livrarias
Meninos sem pátria - romance de Luiz Puntel, publicado pela
editora Brasiliense. Conta a história de uma família de classe média
brasileira que, por questões políticas, vê-se obrigada a deixar o país
e a adaptar-se a outra cultura.

Nas Bancas
Luluzinha - revista em quadrinhos, com personagens infantis,
retratando o modo de vida americano.
Charges e quadrinhos - a linguagem verbal e não verbal em
jornais e revistas.

Nos CDs
Em qualquer música instrumental, você perceberá a força da lin-
guagem dos sons.

GLOSSÁRIO

Acervo – acúmulo; conjunto de obras (de um museu, biblioteca, etc.)


Habilitam-no – do verbo habilitar; possibilitam a ele, permitem-lhe.
Lato – amplo.
Picada – caminho estreito aberto a facão através do mato.
Representam – do verbo representar; simbolizam.
Tipiti – utensílio de palha, de forma alongada, com abertura na
18
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - parte superior, usado pelos povos indígenas brasileiros para


retirar o suco da mandioca.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂMARA JR. Mattoso. Princípios de lingüística geral. 4.ed. rev.


aum. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1964.
CAMINHA, Pero Vaz de. A carta de Pero Vaz de Caminha. Ed.
comentada por Douglas Trefano. São Paulo: Moderna, 1999.
CASTRO, Conceição Faria. Língua e literatura. São Paulo: Saraiva,
1993. V.1.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI:
o dicionário da língua portuguesa. 3.ed. rev. ampl. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
HAYAKAWA, S.I. A linguagem no pensamento e na ação. 2.ed.
São Paulo: Pioneira, 1963.

MEMÓRIAS DA VIAGEM

JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. 4.ed. rev. São


Paulo: Cultrix, 1973.

Leia com bastante atenção o texto apresentado a seguir.

Cotização do conhecimento

O homem desenvolveu não apenas a linguagem, mas também os


meios de fazer, em tabuinhas de argila, em pedaços de madeira ou
pedra, em peles de animais e no papel, sinais e rabiscos mais ou menos
permanentes, que representam* a linguagem. Tais sinais e rabiscos
habilitam*-no a comunicar-se com pessoas que, tanto no tempo como
no espaço, se encontram além do alcance de sua voz. Há um longo
caminho de evolução a partir das árvores marcadas que indicavam a
picada* aos índios, até o jornal diário metropolitano. Ambos, porém,
possuem um traço em comum: transmitem o conhecimento de um
indivíduo a outros indivíduos, visando à conveniência destes e, num
sentido mais lato*, à sua instrução.
Os índios desapareceram, mas nos dias que correm, ainda se pode
seguir muitas de suas trilhas. Arquimedes está morto, mas ainda hoje
possuímos o que escreveu acerca de suas experiências no domínio da
19
O HOMEM E A LINGUAGEM

Física. Keats já morreu e, todavia, ainda nos relata o que sentiu ao


A N O T A Ç Õ E S -
ler pela primeira vez o “Homero” de Chapman. Por meio de jornais,
rádio e televisão, somos informados, com grande rapidez, de inúmeros
fatos referentes ao mundo em que vivemos.
Livros e revistas nos informam sobre o pensamento e o sentimento
de centenas de pessoas que nunca chegaremos a conhecer, e todo esse
acervo* de informações nos será útil, vez por outra, na solução de
nossos problemas.
Assim é que o ser humano nunca depende apenas de si mesmo para
obter informações. Até na cultura mais primitiva, ele podia utilizar-se
da experiência dos vizinhos, amigos e parentes, e que lhe era transmi-
tida por meio da linguagem. Em conseqüência, em vez de permanecer
desajudado por causa das limitações de sua própria experiência e con-
hecimento, em vez de precisar redescobrir por si mesmo aquilo que
os outros já haviam descoberto, em vez de explorar as falsas trilhas
já exploradas e repetir os mesmos erros, o ser humano pode continuar
avançando a partir do ponto aonde esses outros chegaram. O mesmo
que dizer que é a linguagem que torna possível o progresso.
S.I. Hayakawa, p. 8-9

Em primeiro lugar, assinale o item que melhor indica o sentido de algu-


mas palavras do texto (questões 1, 2, 3 e 4). Em caso de dúvida, consulte
o Glossário deste capítulo.
1. “(...) que representam a linguagem” (linha 5:).
a) interpretam;
b) reforçam;
c) valorizam;
d) simbolizam.

2. “rabiscos habilitam-no” (linha 6):


a) ajudam-no;
b) tornam-no capaz;
c) impedem-no;
d) forçam-no.

3. “indicam a picada aos índios” (linha 9):


a) caminho estreito aberto no meio do mato;
20
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - b) ferida provocada por um objeto pontiagudo;


c) mordida de inseto ou de cobra;
d) facada, navalhada.

4. “num sentido mais lato” (linha 13):


a) interessante;
b) engraçado;
c) restrito (menor);
d) amplo (maior).

5. De acordo com o que se lê no texto, o homem passou a representar


a linguagem por meio de sinais e rabiscos, que lhe permitiram:
a) mostrar as suas habilidades de artista;
b) mandar, desde os tempos mais remotos, cartas para os amigos
distantes;
c) comunicar-se com pessoas de outra época e de outros lugares;
d) proteger-se dos perigos das florestas.

6. O processo de comunicação por meio da representação evoluiu


através dos tempos. Segundo o texto, que expressões indicam o início e
a fase atual desse processo?
a) “árvores marcadas” e “jornal diário metropolitano”;
b) “árvores marcadas” e “Internet”;
c) “picadas dos índios” e “peles de animais”;
d) “tabuinhas de argila” e “jornal diário metropolitano”.

7. Sobre os índios, Arquimedes e Keats, o texto nos diz que:


a) eles morreram porque tentaram se comunicar com pessoas de
outras épocas;
b) eles morreram, mas até hoje é possível estabelecer-se uma co-
municação entre nós, pelas coisas que eles deixaram registradas;
c) apesar de já estarem mortos, “falam” conosco por meio dos
jornais e do rádio;
d) morreram, e seus conhecimentos se perderam para sempre.

8. Marque a afirmativa que contraria o que está escrito no texto:


a) Em algumas ocasiões, o ser humano só depende de si mesmo
para obter informações.
b) A experiência de vizinhos, amigos e parentes já era transmitida,
por meio da linguagem, entre os indivíduos nas culturas primi-
tivas.
c) O ser humano, devido à linguagem, pode evitar erros que já
foram cometidos por outros antes dele.
21
O HOMEM E A LINGUAGEM

d) Se não existisse a linguagem, o progresso não seria possível,


pois o homem de uma época precisaria descobrir de novo, por
A N O T A Ç Õ E S -
si mesmo, o que o homem de outra época já teria descoberto.

Agora vamos relacionar o que você estudou neste capítulo com o texto
Cotização do conhecimento.

9. Marque a opção que apresenta o conceito de cultura conforme o


empregado no texto.
a) Ato, efeito ou modo de cultivar.
b) Atividade econômica dedicada à criação, desenvolvimento e
procriação de plantas ou animais.
c) Atividade e desenvolvimento intelectuais de um indivíduo.
d) Processo ou estado de desenvolvimento social de um grupo, um
povo, uma nação, que resulta do aprimoramento de seus valores,
instituições, criações etc.

10. O homem, ao representar, em tabuinhas de argila, desenhos que


o habilitavam a comunicar-se a distância, fez uso da linguagem:
a) gestual;
b) não verbal;
c) verbal;
d) verbal e não verbal.

11. Marque a opção em que se explica um dos motivos da possibilidade


de se compreender o texto estudado:
a) O fato de ser escrito em um código que conhecemos.
b) O fato de tratar de um assunto conhecido de todos.
c) O fato de ter mostrado o código usado pelos índios para trans-
mitir sua cultura.
d) O fato de antes não ter sido usado um código de sinais.

12. O autor do texto, Hayakawa, para transmitir ao leitor informações,


valeu-se da:
a) linguagem não verbal;
b) linguagem verbal;
c) de um código só conhecido por ele;
CAPítULO 2

A COMUNICAÇÃO E SEUS ELEMENTOS

• FUNÇÕES DA LINGUAGEM
CAPítULO 2

A COMUNICAÇÃO E SEUS ELEMENTOS

PLANEJANDO A ROTA
A N O T A Ç Õ E S -
S abemos que você é uma pessoa com muitas informações, senti-
mentos, esperanças e necessidades.
Para dividir tudo isso com outras pessoas, você faz uso da palavra,
de gestos, de sinais e tantas outras formas de comunicação.
A comunicação é fundamental para se
viver, compreender, interpretar, criticar;
assim, ela é uma necessidade básica do
ser humano.
Enfim, é muito bom conversar: en-
tender o outro e mostrar para ele aquilo
que pensamos.
Vale ressaltar que, dependendo da
intenção de quem fala, a linguagem terá
uma determinada função.
Neste capítulo, estudaremos os elementos da comunicação e as
funções da linguagem.

INVESTIGANDO CAMINHOS

A comunicação humana é uma necessidade.


Estamos cercados por um grande universo de comunicação e não
se vive um instante fora dele: cada palavra, cada gesto é um ato de
comunicação, assim como o som, as cores etc.
Que outras linguagens podemos usar para nossa comunicação
com o outro?
26
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Observe que até o nosso corpo tem uma linguagem. Repare bem o
jeito de andar de determinada pessoa. Muitas vezes, ele nos comunica
se ela está apressada ou calma, cansada ou descansada.
Dessa forma, podemos afirmar que comunicamos com a mesma
naturalidade com que andamos ou respiramos.
No mundo moderno têm-se criado muitas facilidades para o ser
humano comunicar-se cada vez mais; em contrapartida, se o homem
não ficar atento, corre o risco de isolar-se: é capaz de trabalhar, fazer
compras, viajar, participar de encontros sem sair de casa. É a era da
Informática.
Palavras que antes tinham um significado hoje adquirem, na Internet,
um outro. Um bom exemplo é a palavra navegar, que para alguns está
ligada à liberdade de viajar de barco; para outros - os navegadores da
Internet - significa ficar horas diante da tela do computador.
Em recente entrevista, um escritor famoso dizia-se admirado, pois, sem
sair de sua sala, entregou, através da Internet, o seu último livro à editora,
em menos de cinco minutos. É o milagre da tecnologia, a facilidade da
comunicação.
Para perceber como ocorre a comunicação, analise a situação a seguir.
Um indivíduo entra em uma loja para comprar uma televisão. O vend-
edor, bastante atencioso, vem atendê-lo. Mas acontece que o indivíduo é
japonês e não entende uma só palavra de português...
E agora?
• Será que ficou difícil a comunicação entre eles? Por quê?
• Como será que fizeram para se entenderem?
• E o japonês, será que comprou a televisão?

O vendedor brasileiro e o comprador japonês, com certeza, encontraram


muitas dificuldades para se entenderem, pois falavam línguas diferentes,
usavam, portanto, códigos diferentes. Mas, naturalmente devem ter pro-
curado um código que os dois entendessem, para poderem comunicar-se.
Em todo ato de comunicação estão envolvidos vários elementos:
• Emissor ou remetente - aquele que envia a mensagem.
• Receptor ou destinatário - aquele para quem se envia a men-
sagem.
• Mensagem - a informação que se pretende transmitir.
• Canal ou veículo - o meio pelo qual a mensagem é transmi-
tida do emissor para o receptor; por exemplo: voz, livro, revista,
computador etc.
• Contexto ou referente - a situação, isto é, os dados da realidade
a que a mensagem se refere.
27
A COMUNICAÇÃO E SEUS ELEMENTOS

• Código - conjunto de sinais utilizados para se enviar uma mensa-


gem. A língua portuguesa, por exemplo, é um código; o sistema
A N O T A Ç Õ E S -
de sinais utilizado pelos surdos-mudos para se comunicarem é
outro código. Para que o processo de comunicação se realize, o
emissor e o receptor devem conhecer o código usado; do con-
trário, a comunicação ficará comprometida.

A cena apresentada a seguir poderá ajudá-lo a entender melhor os


elementos fundamentais do ato de comunicação.

Nesta cena encontramos:


• referente – navegação;
• emissor – quem escreve a frase;
• receptor – quem lê a frase;
• código – a língua portuguesa;
• mensagem – Navegar é preciso;
• canal – o casco do barco.

Importante
Só há comunicação se houver entendimento do que está sendo dito.
Mensagem compreendida = comunicação

Funções da linguagem
Em todo ato de comunicação existe uma intenção por parte do emissor
da mensagem. Dependendo do objetivo que o emissor deseja atingir com
sua mensagem, nela vai predominar uma determinada função da lingua-
gem. A função, portanto, está intimamente relacionada com o objetivo do
emissor da mensagem, seja ela transmitida através da linguagem verbal
ou não verbal.
28
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - É importante saber que nenhuma mensagem apresenta uma única


função da linguagem: em um texto, uma função será predominante, não
exclusiva.
As funções da linguagem são as seguintes:
• referencial ou denotativa;
• emotiva ou expressiva;
• fática;
• apelativa ou conativa;
• metalinguística;
• poética.

Função referencial
Ocorre toda vez que a mensagem faz referência a acontecimentos,
fatos, pessoas, animais ou coisas, com o objetivo principal de transmitir
informações.
É a linguagem da 3ª pessoa (ele). Predomina nos textos jornalísticos,
científicos, nos avisos, nos filmes documentários, nas mensagens objetivas,
como na informação a seguir:

Uma triste realidade nacional


• Mais de 27 milhões de brasileiros – 17,3% da população – tinham de
10 a 17 anos de idade em 1998. É nessa faixa que ocorrem os casos de
gravidez precoce.
• A cada ano, 1 milhão de adolescentes engravidam sem o desejar.
• Cerca de 700 000 brasileiras com idade entre 10 e 19 anos deram à luz
em 1998.
• Em 1996, cerca de 20% das adolescentes da zona rural tinham pelo
menos um filho. Nas áreas urbanas, o índice era de 13%.
• Naquele mesmo ano, a proporção de mães entre as jovens sem escolari-
dade era catorze vezes maior do que entre as meninas com nove a onze
anos de estudo.

Observe como na reportagem expõe-se uma informação de modo


objetivo: o emissor (o autor do texto) não faz comentários, não avalia se
o fato é bom ou ruim, certo ou errado, útil ou inútil etc.
A notícia não permite mais de uma interpretação: todos os leitores que
tenham o mesmo nível de conhecimento da língua portuguesa entenderão
o texto, basicamente, da mesma maneira.
29
A COMUNICAÇÃO E SEUS ELEMENTOS

Função emotiva ou expressiva A N O T A Ç Õ E S -


Está centrada no emissor, na 1ª pessoa (eu).
Expressa os sentimentos de quem fala em relação àquilo de que está
falando. Desabafos, diários pessoais, entrevistas, confidências, declarações
de amor etc. podem servir como exemplos da função emotiva.
O texto a seguir é outro exemplo dessa função:

Não dá mais pra segurar

Chega de tentar dissimular E que essa vida entre assim

E disfarçar e esconder Como se fosse o sol

O que não dá mais pra ocultar Desvirginando a madrugada

E eu não quero mais calar Quero sentir a dor dessa


manhã
Já que o brilho desse olhar
Nascendo, rompendo, tomando
Foi traidor e entregou
Rasgando meu corpo e então
O que você tentou conter
Eu chorando, sorrindo
O que você não quis desabafar
Sofrendo, adorando, gritando
Chega de temer, chorar
Feito louca, alucinada e criança
Sofrer, sorrir, se dar
Eu quero o meu amor se
E se perder e se achar derramando
E tudo aquilo que é viver Não dá mais pra segurar
Eu quero mais é me abrir Explode coração.
Gonzaga Jr.

Observe como o emissor (o autor do texto) está centrado nele mesmo: fala
das suas emoções, sensações, manifestando a visão dele em relação ao sen-
timento amoroso.

Função metalinguística
É o emprego de um determinado código para explicar ou definir esse
mesmo código, ou, então, usá-lo como assunto.
Um filme que tem por assunto o próprio filme ou uma peça de teatro
que tenha como tema o teatro são exemplos dessa função, assim como
os verbetes de um dicionário, pois nesses verbetes “traduz-se” um termo
empregando-se o próprio código a que pertence esse termo.
30
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Cidadão. S.m. 1. Indivíduo no gozo dos direitos civis e


políticos de um estado, ou no desempenho de seus deveres
para com este. 2. Habitante da cidade. 3. Pop. Indivíduo,
homem, sujeito.
Veja como a palavra cidadão está sendo explicada pelo mesmo código
a que pertence: a língua portuguesa.

Função poética
A função poética realça a elaboração da mensagem e caracteriza-se
pela criatividade da linguagem. Percebe-se um cuidado especial na orga-
nização dessa mensagem, pode-se explorar a sonoridade das palavras, os
seus vários significados, o ritmo da frase etc.
Essa função predomina nos textos artísticos, embora não seja exclu-
sividade deles. O texto a seguir é um exemplo dessa função:

O auto-retrato
No retrato que me faço E, desta lida, em que busco
– traço a traço – – pouco a pouco –
Às vezes me pinto nuvem, minha eterna semelhança,
Às vezes me pinto árvore...
No final, que restará?
Às vezes me pinto coisas Um desenho de criança...
De quem nem há mais
lembranças...
Ou coisas que não existem Corrigido por um louco!
Mas que um dia existirão...
Mário Quintana

Observe que o poeta não se preocupou apenas com o significado da mensagem,


mas também com a construção da mesma. Essa preocupação com a elaboração
da mensagem é fundamental para a impressão que o emissor quer provocar
no leitor. O autor emprega várias imagens para construir seu próprio retrato:
às vezes nuvem, às vezes árvore, às vezes coisa...

Pode-se imaginar a figura do autor?

Função apelativa ou conativa


Está centrada no receptor, com o objetivo de influenciá-lo a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa. As “broncas”, os xingamentos, os pedidos
costumam centrar a informação no receptor, por isso podem servir como
exemplos dessa função.
31
A COMUNICAÇÃO E SEUS ELEMENTOS

A função apelativa ou conativa é muito utilizada na propaganda, como


no texto a seguir:
A N O T A Ç Õ E S -
Nessa mensagem, o objetivo do emissor (o vendedor) é influenciar o compor-
tamento do receptor, levando-o a comprar uma caixa de laranjas.

Função fática
Ocorre quando se deseja verificar se o canal usado na comunicação
está funcionando de forma adequada. Ainda está presente quando se inicia,
deseja-se prolongar ou interromper um contato.
Por exemplo, quando, ao começarmos uma conversa, fazemos pergun-
tas do tipo: “Olá, como vai? Tudo bem com você?” só com a intenção de
mantermos o contato.
Ou, ainda, quando insistimos na mesma pergunta ao telefone: “Alô,
está me ouvindo bem?”.
A função fática ocorre, ainda, quando se tenta estabelecer a comuni-
cação, como no texto a seguir:

Sinal fechado
Olá, como vai?

Eu vou indo e você, tudo bem? Me perdoe a pressa

Tudo bem, eu vou indo, É a alma dos nossos negócios


correndo
Qual, não tem de quê
Pegar meu lugar no futuro,
Eu também só ando a cem
e você?

Tudo bem, eu vou indo em Quando é que você telefona?


busca Precisamos nos ver por aí
De um sono tranquilo, quem
Pra semana, prometo, talvez
sabe?
Nos vejamos, quem sabe?
Quanto tempo...

Pois é... Quanto tempo... Quanto tempo...


32
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Pois é, quanto tempo... O sinal...

Tanta coisa que eu tinha a Eu procuro você


dizer
Vai abrir!!! Vai abrir!!!
Mas eu sumi na poeira das
ruas Eu prometo, não esqueço, não
esqueço
Eu também tenho algo a dizer
Por favor, não esqueça, não
Mas me foge a lembrança
esqueça
Por favor, telefone, eu preciso
Adeus...
Beber alguma coisa
rapidamente Adeus...

Pra semana... Paulinho da Viola

Observe que se trata de uma fala cheia de rodeios, muitas vezes repetitiva. Na
verdade, o emissor transmite pouca informação, tentando somente estabelecer
uma comunicação.

Finalizando este estudo, é importante relembrar que, em um texto,


várias funções da linguagem podem estar presentes, embora se use o
critério da função predominante para classificá-lo. Assim temos:

A ênfase no fator determina a função


Referente -------------------------------------- Referencial
Emissor -------------------------------------- Emotiva
Mensagem -------------------------------------- Poética
Canal -------------------------------------- Fática
Código -------------------------------------- Metalinguística

Este espaço é reservado para você aplicar os conhecimentos adquiridos


aqui. Caso sinta dificuldade em resolver alguma questão, releia o capítulo.

DESAFIOS DO PERCURSO

1. Observe as quatro situações que se seguem e diga como ocorreu o


processo de comunicação em cada uma delas. Atenção! Sempre justifique
a sua resposta.
33
A COMUNICAÇÃO E SEUS ELEMENTOS

Situação 1 A N O T A Ç Õ E S -
Tentativa de conversa entre um alemão e um francês em que um
não fala a língua do outro.
R.:

Situação 2
Conversa entre um norte-americano e um estudante brasileiro que
estuda inglês há pouco tempo.
R.:

Situação 3
Palestra de um professor universitário a alunos de segundo grau.
R.:

Situação 4
Palestra de um professor universitário a outros professores univer-
sitários.
R.:
34
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 2. “A comunicação é uma necessidade básica da pessoa humana, do


homem social” (Juan Bordenave). Você concorda com essa afirmativa?
Justifique sua resposta.

R.:

3. Identifique a função da linguagem predominante no texto a seguir.


Justifique a sua resposta.
R.:
35
A COMUNICAÇÃO E SEUS ELEMENTOS

4. Observe o diálogo abaixo: A N O T A Ç Õ E S -


– Meu bem, o que é amor?
– Amor é um substantivo, simples, masculino, abstrato...
– Puxa! Você é tão romântico.

a) Qual a função da linguagem, utilizada para responder a per-


gunta?
R.:
b) Pode-se afirmar que houve ironia na última fala do diálogo?
Justifique sua resposta.
R.:

c) Crie uma outra resposta para a pergunta em questão e identifique


a função da linguagem que você utilizou em seu texto.
R.:

5. Partindo da linha abaixo, crie um produto qualquer que você pre-


tenda que seja aceito no mercado. Para isso, você precisa produzir uma
mensagem publicitária, com o objetivo de valorizá-lo e vendê-lo muito
bem. Identifique as funções da linguagem utilizadas, por você, nesse
anúncio.

AMPLIANDO O HORIZONTE

No Cinema e na TV
Amazônia - paraíso em perigo - filme brasileiro, direção de Paulo
Alceu. Tema: a Amazônia sob o impacto da morte de Chico Mendes
(função referencial). Costumes comerciais extrativistas, lendas, o
trabalhador branco e as dificuldades enfrentadas pelos índios.
Denise está chamando - escrito e dirigido por Hal Salwen. Comé-
dia romântica sobre o amor, a vida e um telefone ocupado. Mostra
alguns problemas causados por dificuldades na comunicação.

Nas Livrarias
80 anos de poesia - poemas de Mário Quintana, livro organizado
pela professora Tânia Franco Carvalhal e publicado pela editora
Globo, Rio de Janeiro (função poética).
Capitães da Areia: romance de Jorge Amado. Tema: a vida dos
meninos de beira de cais da Bahia (função poética).
36
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Nas Bancas
Busque em jornais e revistas - textos variados utilizando as di-
versas funções de linguagens (referencial, nas notícias; apelativa,
nas propagandas; poética, nas crônicas literárias etc.)

Nos CDs
Procure ouvir e identificar, em algumas músicas, as funções poética
e emotiva da linguagem.

GLOSSÁRIO

Esguia – comprida e delgada.


Lacônica – breve, resumida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BODERNAVE, Juan E. Diaz. O que é comunicação. 5.ed. São Paulo:


Brasiliense, 1984.
GONZAGA JÚNIOR, Luiz. Gonzaguinha ao vivo/Cavaleiro soli-
tário. CD Som livre, 1993.
JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. 4.ed. rev. São
Paulo: Cultrix, 1973.
MELO NETO, João Cabral de. A escola das focas. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1980.
NOVA ESCOLA. Caderno de atividades. n.132. São Paulo: Abril,
2000.
QUINTANA, Mário. Diário poético. São Paulo: Globo, 1989.
VIOLA, Paulinho da. Sinal fechado. In: Chico Buarque e Maria
Bethânia ao vivo. CD Philips, 1993.
37
A COMUNICAÇÃO E SEUS ELEMENTOS

MEMÓRIAS DA VIAGEM
A N O T A Ç Õ E S -
Leia com atenção o texto apresentado a seguir, tendo o cuidado
de procurar em um dicionário da língua portuguesa alguma palavra cujo
significado você desconheça.
Caso não tenha compreendido bem alguma passagem, volte a ler o
texto quantas vezes julgar necessárias.

Comunicação
É importante saber o nome das coisas. Ou, pelo menos, saber co-
municar o que você quer. Imagine-se entrando numa loja para comprar
um... um... como é mesmo o nome?
“Posso ajudá-lo, cavalheiro?”
“Pode. Eu quero um daqueles, daqueles...
“Pois não?”
“Um... como é mesmo o nome?”
“Sim?”
“Pomba! Um... um... que cabeça a minha. A palavra me escapou
por completo.
É uma coisa simples, conhecidíssima”.
“Sim, senhor”.
“O senhor vai dar risada quando souber”.
“Sim, senhor”.
“Olha, é pontuda, certo?”
“O quê cavalheiro?”
“Isso que eu quero. Tem uma ponta assim, entende? Depois vem
assim, assim, faz uma volta, aí vem reto de novo, e na outra ponta
tem uma espécie de encaixe, entende? Na ponta tem outra volta, só
que esta é mais fechada. E tem um, um... uma espécie de, como é que
se diz? De sulco. Um sulco onde encaixa a outra ponta, a pontuda,
de sorte que o, a, o negócio, entende, fica fechado. É isso. Uma coisa
pontuda que fecha. Entende?”
“Infelizmente, cavalheiro...”
“Ora, você sabe do que estou falando”.
“Estou me esforçando, mas...”
“Escuta. Acho que não podia ser mais claro. Pontudo numa ponta,
certo?”
“Se o senhor diz, cavalheiro?”
38
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - “Como, se eu digo? Isso já é má vontade. Eu sei que é pontudo


numa ponta. Posso não saber o nome da coisa, isso é um detalhe. Mas
sei exatamente o que eu quero”.
“Sim senhor. Pontudo numa ponta”.
“Isso. Eu sabia que você compreenderia. Tem”.
“Bom, eu preciso saber mais sobre o, a, essa coisa. Tente descrevê-
la outra vez. Quem sabe o senhor desenha para nós?”
“Não. Eu não sei desenhar nem casinha com fumaça saindo da
chaminé. Sou uma negação em desenho”.
“Sinto muito”.
“Não precisa sentir. Sou técnico em contabilidade, estou muito bem
de vida. Não sou um débil mental. Não sei desenhar, só isso. E hoje,
por acaso, me esqueci do nome desse raio. Mas fora isso, tudo bem.
O desenho não me faz falta. Lido com números. Tenho algum prob-
lema com os números mais complicados, claro. O oito, por exemplo.
Tenho que fazer um rascunho antes. Mas não sou um débil mental,
como você está pensando”.
“Eu não estou pensando nada, cavalheiro”.
“Chame o gerente”.
“Não será preciso, cavalheiro. Tenho certeza de que chegaremos a
um acordo. Essa coisa que o senhor quer, é feita do quê?”
“É de, sei lá. De metal”.
“Muito bem. De metal. Ela se move?”
“Bem... é mais ou menos assim. Presta atenção nas minhas mãos.
É assim, assim, dobra aqui e encaixa na ponta, assim”.
“Tem mais de uma peça? Já vem montado?”
“É interiço. Tenho quase certeza de que é interiço”.
“Francamente...”
“Mas é simples! Uma coisa simples. Olha: assim, assim, uma volta
aqui, vem vindo, vem vindo, outra volta e clique, encaixa”.
“Ah, tem clique. É elétrico”.
“Não! Clique, que eu digo, é o barulho de encaixar”.
“Já sei!”
“Ótimo!”
“O senhor quer uma antena externa de televisão”.
“Não! Escuta aqui. Vamos tentar de novo...”
“Tentemos por outro lado. Para o que serve?”
39
A COMUNICAÇÃO E SEUS ELEMENTOS

“Serve assim para prender. Entende? Uma coisinha pontuda que A N O T A Ç Õ E S -


prende. Você enfia a ponta pontuda por aqui, encaixa a ponta no sulco
e prende as duas de uma coisa”.
“Certo. Esse instrumento que o senhor procura funciona mais ou
menos como um gigantesco alfinete de segurança e...”
“Mas é isso! É isso! Um alfinete de segurança!”
“Mas do jeito que o senhor descrevia parecia uma coisa enorme,
cavalheiro!”
“É que eu sou meio expansivo. Me vê aí um... um... como é mesmo
o nome?”
Luís Fernando Veríssimo

Com base no texto lido, responda as questões de 1 a 9.


Em cada uma delas, são apresentadas quatro opções de resposta. Apenas
uma é a correta. Assinale-a.
1. Pelo que se compreende da leitura total do texto, o cliente teve
muita dificuldade em fazer-se entender porque:
a) não dominava o código empregado na comunicação;
b) não soube usar adequadamente a função metalinguística da
linguagem.
c) não empregou a linguagem verbal;
d) o vendedor não soube empregar a função apelativa da lingua-
gem.

2. O trecho no qual fica caracterizado que o cliente fez uso da lingua-


gem não verbal é:
a) ”Presta atenção nas minhas mãos. É assim, assim, uma volta
aqui, vem vindo, vem vindo, outra volta e clique, encaixa.”
b) “É inteiriço. Tenho quase certeza de que é inteiriço.”
c) “Mas é isso! É isso! Um alfinete de segurança!”
d) “Não. Eu não sei desenhar nem casinha com fumaça saindo da
chaminé.Sou uma negação em desenho.”

3. Na verdade, o homem queria comprar:


a) uma antena externa de televisão;
b) um acendedor elétrico;
c) uma caixinha de metal;
d) um alfinete de segurança.
40
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 4. Qual a profissão do comprador?


a) desenhista;
b) técnico em contabilidade;
c) publicitário;
d) técnico em eletricidade.

5. Afinal, quem descobriu qual era o objeto a ser comprado foi o:


a) comprador;
b) gerente da loja;
c) vendedor;
d) cliente.

6. Em qual dos trechos apresentados a seguir está presente a função


referencial da linguagem?
a) “Chame o gerente.”
b) “O quê, cavaleiro?”
c) “Como se eu digo?.”
d) “É importante saber o nome das coisas.”

7. Tendo em vista o texto, que elemento da comunicação, presente


nele, está identificado de maneira errada?
a) Emissor: comprador ou cliente.
b) Receptor: vendedor.
c) Código: língua portuguesa.
d) Mensagem: o cliente não tinha nenhuma cultura.

8. O trecho em que predomina a função emotiva da linguagem é:


a) “Sou técnico em contabilidade. Estou muito bem de vida.Não
sou um débil mental.”
b) “Essa coisa que o senhor quer, é feita do quê?”
c) “O senhor quer uma antena de televisão”.
d) “O senhor vai dar risada quando souber.”

9. No texto, a função que se destaca é a:


a) poética;
b) fática;
c) apelativa;
d) referencial.
41
A COMUNICAÇÃO E SEUS ELEMENTOS

10. Leia os textos que seguem: todos contêm uma definição. A N O T A Ç Õ E S -


I. A primavera é uma menininha pulando na corda, curtindo frescor
da chuva que desce do céu,
o cheiro da terra que sobe do chão,
o tapa do vento na cara molhada!
Mário Quintana

II. Primavera é a estação do ano onde a distribuição de luz e calor


é equilibrada nos hemisférios Norte e Sul.
III. Esse punhal do Pajeú,
faca-de-ponta só ponta
nada possui da peixeira:

ela é esguia* e lacônica*.


João Cabral de Melo Neto

IV. Punhal - pequena arma branca de lâmina curta e penetrante.


Aurélio Buarque de Holanda

Em quantos deles predomina a função poética da linguagem?


a) Em todos eles.
b) Somente em dois: I e III.
c) Apenas em um: II.
d) Em três deles: I, II e III.
CAPítULO 3

VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

• COMO SURGIU A LÍNGUA PORTUGUESA?


CAPítULO 3

VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

PLANEJANDO A ROTA
A N O T A Ç Õ E S -
V ocê alguma vez já ficou sem saber
como agir ou falar diante de alguém que
“falava difícil”? Ou, então, costuma
dizer (ou pensar) que não sabe nada
de “português”? Que o português
é muito difícil?
Muitas pessoas, pelo menos, sim.
Por isso vamos a alguns esclarecimentos.
Você sabia que...
• falar difícil não signifi ca, obrigatoriamente, falar bem?
• uma linguagem “enrolada” pode ser usada de propósito para
confundir o outro?
• se não compreendemos bem uma determinada mensagem ou
informação, a comunicação foi inefi ciente?
• sabemos comunicar-nos, em geral, muito bem na nossa língua
nativa (no caso, a língua portuguesa)?
• em questões de falar ou escrever uma determinada língua,
não há, na realidade, acerto ou erro, mas registro diferente
ao fazer-se uso dela?

Essa última questão é o principal assunto focalizado neste capítulo,


isto é, estudaremos aqui as variações regionais e sociais da língua
portuguesa.
46
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - INVESTIGANDO CAMINHOS

Como surgiu a língua portuguesa?

De que forma uma determinada língua serve como instrumento


de dominação de um povo sobre o outro?
Na história da humanidade, povos sempre dominaram, pela força,
outros povos, aos quais, com frequência, impunham o seu falar como
língua oficial. Essa língua, em contato com o falar local, foi, ao longo dos
séculos, diferenciando-se da língua original, transformando-se, muitas
vezes, em um idioma diverso.
Foi dessa maneira que surgiu a língua portuguesa, hoje falada em
Portugal, no Brasil e em outras regiões do mundo.
Os antigos habitantes de Roma, atualmente capital da Itália, dominaram
diversos povos, entre os quais os que habitavam o território em que mais
tarde se formaria a nação portuguesa. O latim, falado pelos romanos, foi
levado para essa região, estabelecendo-se ali como língua oficial. Ao en-
trar em contato com o falar dos habitantes do lugar, e associado a outros
fatores, foi-se transformando, dando origem à língua portuguesa.
Séculos mais tarde, a história se repete. São agora os portugueses que,
por meio de conquista de diversas regiões do mundo, levaram para elas a
sua língua: África, Ásia, Oceania, América e, neste continente, o Brasil. O
português, assim, é imposto como língua oficial às colônias de Portugal,
que consolidava, dessa maneira, sua dominação.
Como em um mesmo país, com um mesmo povo, a língua pode ser
usada como instrumento de dominação?
Na primeira ilustração da abertura deste capítulo, mostramos um oficial
romano invadindo um determinado território e dizendo: “Vim, vi e venci”.
Tentamos com essa ilustração demonstrar uma forma de dominação.
Na segunda ilustração, o objetivo foi mostrar uma outra maneira de
domínio, agora por meio da língua.
Algumas pessoas, como o personagem do desenho, valem-se de um
“falar empolado” (difícil) para afirmar sua importância ou impor sua su-
perioridade. Por outro lado, o segundo personagem, apesar de espantado
diante daquela fala e, mesmo não compreendendo o que se dizia, acaba
por aplaudir o orador, revelando, assim, uma posição de inferioridade
diante do outro.
É possível que você mesmo já tenha vivido essa experiência ou pres-
enciado alguém agir de tal maneira. Algumas pessoas, por exemplo, são
47
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

capazes de deixar de votar em determinado candidato porque ele “fala


mal”, privilegiando um outro, até menos capaz, porque ele “fala bonito”.
A N O T A Ç Õ E S -
Muitas vezes, por não compreendermos a fala do outro, especialmente
a de uma autoridade, sentimo-nos menos capazes que ele e nos colocamos
em posição subalterna*: é a língua usada contra nós, como instrumento
de dominação.
Quer ver um exemplo prático?
Observe só a linguagem de certos economistas quando tratam de as-
sunto de interesse de todos, como recessão econômica, dívida externa,
salário mínimo etc. Ela é, para nós, quase sempre incompreensível, não é?
Se não entendemos o argumento usado, como podemos combatê-los?

Ah, sim! Se você tem curiosidade para saber o que disse o


nosso “empolado orador”, é só fazer uma rápida consulta a
um dicionário que o mistério desaparecerá.

Vai uma dica: a metafórica bengala não é, de fato, uma bengala.


Diante de algumas questões levantadas anteriormente, você poderá
estar pensando: “Se não existe fala certa ou fala errada e se eu sei falar o
português, por que, então, temos que estudar a língua portuguesa na escola?
Vejamos por quê.
Se, por exemplo, vamos assistir a um casamento, a nossa roupa, quase
sempre, é mais formal. Ou seja, procuramos vestir-nos de forma adequada
a cada situação. Também nem sempre uma pessoa do interior do Nordeste
se veste como uma pessoa do interior do Rio Grande do Sul, embora, com
a popularização da TV, essas diferenças fiquem cada vez menores.
Pois bem! Com a língua acontece situação semelhante. Existem formas
variadas de falar, dependendo da região em que vivemos ou da situação
em que estamos: são as suas variantes regionais e sociais.

Variações linguísticas são os diferentes registros apresenta-


dos por uma mesma língua, dependentes
das condições sociais, culturais e regionais em que
elas são utilizadas.

Assim, não podemos dizer, propriamente, que uma determinada fala


é certa e que outra é errada, apesar de muitas pessoas, de forma equivo-
cada, ainda dizerem coisas como: “Fulano fala errado”, “Beltrano não
sabe português”.
Na realidade, toda a variedade linguística é eficiente na comunidade
em que é usada: se eu entendo o que dizem as pessoas e por elas sou en-
tendido, a comunicação é eficaz.
48
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Em todas as sociedades (pelo menos em quase todas), porém, existe


uma variedade lingüística de maior prestígio social: o chamado registro
culto ou norma padrão (aquela que é estudada, normalmente, nas escolas).
É esse tipo de variedade linguística que, de um modo geral, aparece
nos textos científicos e didáticos (textos em que estudamos), na maioria
dos jornais e revistas, ou, ainda, em documentos.

Esse é um importante motivo para que você conheça o


padrão culto da língua, fazendo uso dele quando necessitar
ou quiser.

Além disso, se não houvesse uma língua padrão, poderia haver o risco,
especialmente em um país extenso e culturalmente variado como o Bra-
sil, de acabarmos por não entender a fala de uma pessoa de uma região
diferente da nossa.

A língua padrão tem, como um de seus papéis, a função de


manter a unidade linguística nacional.

Aprendendo “de ouvido”...


Desde cedo, vamos entrando em contato com a nossa língua materna
e, pouco a pouco, conhecendo os sons que dela fazem parte, as palavras
do seu vocabulário (léxico), as diversas combinações possíveis entre elas
para formação de frases etc. Dessa forma, é “de ouvido” que aprendemos
a falar: ouvimos nossos pais e familiares, nossos colegas e amigos, pes-
soas de nossa comunidade. E, à medida que o nosso universo se amplia,
ampliam-se também os contatos com os falantes de nossa língua. A fala
é, pois, o resultado das diversas influências que recebemos: da família e
do grupo social a que pertencemos, da cidade ou região em que vivemos,
podendo depender, ainda, da idade que temos.
Em resumo:
Uma mesma língua sofre alteração em dois níveis principais: regional
e social.
O registro social apresenta as seguintes variantes:
• língua familiar ou informal;
• língua culta ou formal.

A língua familiar ou informal é a que usamos no nosso dia a dia, sem


muita preocupação com as normas gramaticais rígidas. Dela nos valemos
para falar com parentes, amigos, pessoas mais próximas. Essa variante
apresenta graduações que vão até a língua popular (caracterizada por
frequentes desrespeitos às normas) e à gíria.
49
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

Gíria é a linguagem de um determinado grupo social que


acaba por estender-se, pela sua expressividade, à lingua-
A N O T A Ç Õ E S -
gem familiar de todas as comunidades sociais.

Um tipo específico de gíria é o jargão, linguagem empregada por


determinado grupo de profissionais: o jargão médico, o jargão dos econo-
mistas etc.
Quando o interlocutor (a pessoa a quem nos dirigimos) é instruído,
ou uma pessoa superior a nós no trabalho, ou é de cerimônia, tendemos a
“caprichar” mais na nossa fala, usando (ou tentando usar) o registro culto
da língua, preocupando-nos com a escolha de palavras e com as regras
gramaticais: é a língua “de terno e gravata”. Também quando se fazem
conferências, discursos ou mesmo quando se dá uma aula, é esse registro
que normalmente é usado.
Por fim, é importante notar que a língua apresenta diferenças entre as
modalidades escrita e falada, tanto no registro culto quanto no familiar.
Observe o esquema abaixo.

Vamos agora ver alguns exemplos dos diferentes registros da língua


portuguesa:

Informal (coloquial)

Juro por Deus! Se eu fosse fotógrafo de Caras, nem férias iria


querer tirar! Acha que sou bobo de pagar por um pacote turístico em
Porto Seguro, podendo todo ano passar um mês no castelo da França,
ou numa ilha de Angra, mais do que de graça, ganhando para isso?
De vez em quando ainda rola uma viagem com a Vera Fischer para
Miami ou para a Grécia com a Cristiana Oliveira!
Querido Papai Noel;
Quebra o galho, vai...!
Tutty Vasques, apud. Abaurre, p. 7-8
50
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Formal

A Filosofia não é ciência: é uma reflexão crítica sobre os procedi-


mentos e conceitos científicos. Não é religião: é uma reflexão crítica
sobre as origens e formas das crenças religiosas. Não é arte: é uma
interpretação crítica dos conteúdos, das formas, das significações das
obras de arte e do trabalho artístico. Não é sociologia nem psicologia,
mas a interpretação e avaliação crítica dos conceitos e métodos da
sociologia e da psicologia. Não é política, mas interpretação, com-
preensão e reflexão sobre a origem, a natureza e as formas do poder.
Não é história, mas interpretação do sentido dos acontecimentos
enquanto inseridos* no tempo e compreensão do que seja o próprio
tempo. Conhecimento do conhecimento e da ação humanos, conhe-
cimento da transformação temporal dos princípios do saber e do agir,
conhecimento da mudança das formas do real ou dos seres, a Filosofia
sabe que está na História e que possui uma história.
Marilena Chauí, apud Abaurre, p. 8

Gíria (funk)

Cerol na mão

Vou mostrar que eu sou tigrão...


Quer dançar, quer dançar
O tigrão vai te ensinar

Eu vou passar cerol na mão, assim, assim


Vou cortar você na mão, vou sim, vou sim
Vou aparar pela rabiola, assim, assim
E vou trazer você pra mim, vou sim, vou sim

Tigrão, BMG

Para facilitar a sua leitura, como você pode não dominar esse tipo
de gíria, apresentamos, de forma eufêmica (atenuada, não agressiva), o
significado de algumas expressões:
• tigrão: espécie de don Juan (o que “ganha” todas as meninas);
• eu vou passar cerol na mão: vou ficar poderoso;
• vou cortar você na mão: vou conquistar você;
• aparar pela rabiola: vou cercar (ou: depois que ele desestruturar
a mulher, vai conquistá-la).
51
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

Regional A N O T A Ç Õ E S -
A gota serena é assim, não é fixe*. Deixar, se transforma-se em
gancho e se degenera em outras mazelas*, de sorte que é se precatar*
contra mulheres de viagem. Primeiro preceito*. De Paulo Afonso
até lá, um esticão, ainda mais de noite nessas condições. Estrada
de carroça, peste. Temos Canindé de São Francisco e Monte Alegre
de Sergipe e Nossa Senhora da Glória e Nossa Senhora das Dores e
Siriri e Capela e outros mundãos, sei quantos. Propriá e Maruim, já
viu, poeiras e caminhãos algodoados, a secura fria. E sertão do brabo:
favelas e cansançãos*, tudo ardiloso*, que quipás* por baixo, um
inferno. Plantas e mulheres reimosas*, possibilitando chagas, bichos
de muita aleiva*, potós*, lacraias, piolhos de cobra, veja. Matei uns
três infelizes assim, pelo cima de uns quipás, sendo que um chegou
devagar no chão, receando os espinhos sem dúvida. Assunte* se quem
vai morrer se incomoda com o conforto.(...)
João Ubaldo Ribeiro, p. 9

DESAFIOS DO PERCURSO

Este espaço é reservado para você aplicar os conhecimentos adquiridos


aqui.
Caso sinta dificuldade em resolver alguma questão, releia o capítulo.
Leia com cuidado o texto seguinte, prestando especial atenção à lin-
guagem nele empregada.
Trata-se de um trecho do romance Vidas Secas, do alagoano Graciliano
Ramos, um dos mais importantes escritores da literatura brasileira.
Para que você o compreenda melhor, falaremos brevemente sobre o
tema do romance e sobre os acontecimentos que antecedem o episódio
aqui apresentado.

Fabiano é o chefe de uma família de retirantes que foge da seca


em busca da sobrevivência. Depois de quase morrerem de fome pelos
caminhos do sertão, ele e seu pessoal conseguem estabelecer-se e a
vida começa a melhorar.
Certo dia, indo Fabiano à feira fazer compras, passou também
na venda de seu Inácio para comprar querosene e chita, aproveitando
para beber uma pinga. É convidado para jogar cartas por um “soldado
amarelo”, um policial, que, para o sertanejo representava o governo
52
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - e, portanto, era símbolo de autoridade.


Nesse ponto um soldado amarelo aproximou-se e bateu familiar-
mente no ombro de Fabiano:
– Como é, camarada? Vamos jogar um trinta-e-um lá dentro?
Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou, procurando as
palavras de seu Tomás da bolandeira:
– Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É
conforme.
Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era autoridade e
mandava. Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e substância,
mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia.
Atravessaram a bodega*, o corredor, desembocaram numa sala
onde vários tipos jogavam cartas em cima de uma esteira.
– Desafasta, ordenou o polícia. Aqui tem gente.
Os jogadores apertaram-se, os dois homens sentaram-se, o soldado
amarelo pegou o baralho. Mas com tanta infelicidade que em pouco
tempo se enrascou. Fabiano encalacrou-se também. Sinha Vitória ia
danar-se, e com razão.
– Bem feito.
Ergueu-se furioso, saiu da sala, trombudo.
– Espera aí, paisano, gritou o amarelo.
Fabiano, as orelhas ardendo, não se virou. Foi pedir a seu Inácio
os troços que ele havia guardado, vestiu o gibão*, passou as correias
dos alforjes* no ombro, ganhou a rua.
Debaixo do jatobá* tagarelou com Sinha Rita louceira, sem se at-
rever a voltar para casa. Que desculpa iria apresentar a Sinha Vitória?
Forjava uma explicação difícil. Perdera o embrulho da fazenda, pagara
na botica* uma garrafada para Sinha Rita louceira. Atrapalhava-se:
tinha imaginação fraca e não sabia mentir. Nas invenções com que
pretendia justificar-se a figura de Sinha Rita aparecia sempre, e isto o
desgostava. Arrumaria uma história sem ela, diria que haviam furtado
o cobre da chita. Pois não era? Os parceiros o tinham pelado no trinta-
e-um. Mas não devia mencionar o jogo. Contaria simplesmente que
o lenço das notas ficara no bolso do gibão e levara sumiço. Falaria
assim: — “Comprei os mantimentos. Botei o gibão e os alforjes na
bodega de Seu Inácio. Encontrei um soldado amarelo”. Não, não
encontrara ninguém. Atrapalhava-se de novo. Sentia desejo de referir-
se ao soldado, um conhecido velho, amigo de infância. A mulher se
incharia com a notícia. Talvez não se inchasse. Era atilada*, notaria
53
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

a pabulagem*. Pois estava acabado. O dinheiro fugira do bolso do A N O T A Ç Õ E S -


gibão, na venda de Seu Inácio. Natural.
Repetia que era natural quando alguém lhe deu um empurrão,
atirou-o contra o jatobá*. A feira se desmanchava; escurecia; o homem
da iluminação, trepando numa escada, acendia os lampiões. A estrela
papa-ceia* branqueou por cima da torre da igreja; o Doutor Juiz de
Direito foi brilhar na porta da farmácia; o cobrador da prefeitura pas-
sou coxeando, com talões de recibos debaixo do braço; a carroça de
lixo rolou na praça recolhendo cascas de frutas; seu Vigário saiu de
casa e abriu o guarda-chuva por causa do sereno; Sinha Rita louceira
retirou-se.
Fabiano estremeceu. Chegaria à fazenda noite fechada. Entretido
com o diabo do jogo, tonto de aguardente, deixara o tempo correr. E
não levava o querosene, ia-se alumiar durante a semana com pedaços
de facheiro*. Aprumou-se, disposto a viajar. Outro empurrão desequili-
brou-o. Voltou-se e viu ali perto o soldado amarelo, que o desafiava, a
cara enferrujada, uma ruga na testa. Mexeu-se para sacudir o chapéu
de couro nas ventas do agressor. Com uma pancada certa do chapéu
de couro, aquele tico de gente ia ao barro. Olhou as coisas e as pessoas
em volta e melhorou a indignação. Na catinga* ele às vezes cantava
de galo, mas na rua encolhia-se.
Graciliano Ramos. Vidas secas, p. 63-65

Resolva as questões propostas a seguir.


1. Transcreva a passagem em que Fabiano tenta imitar a fala de seu
Tomás da bolandeira. Ela faz sentido? Por quê?
R.:

2. Retire do texto expressões que caracterizem uma variação regional


da língua portuguesa.
R.:

3. Há, no 11º parágrafo, do texto uma expressão típica do jargão


militar. Qual?
R.:
54
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 4. “os parceiros o tinham pelado no trinta-e-um.”


“Entretido com o diabo do jogo, tonto de aguardente,
deixara o tempo correr.”

Nessas duas frases do texto, que registro da língua está sendo usado:
o formal, o informal ou os dois? Justifique sua resposta e apresente ex-
pressões que a comprovem.
R.:

5. Na tirinha abaixo, “Hagar, o horrível”, o autor aborda os costumes


dos vikings, povo que habitava uma região da Europa em tempos mais
antigos. Nela o feito humorístico ocorre por duas formas diferentes:

O Globo, dez. 2001

a) Pela mistura de elementos de culturas de épocas distintas.


Quais são eles?
R.:

b) Pela mensagem do texto. Por quê?


R.:

6. Faça uma pesquisa, em alguma enciclopédia (ou pela Internet), a


respeito dos vikings e indique a época e a região da Europa em que esse
povo viveu.
R.:

7. Retire, do primeiro quadro da historieta apresentada a seguir, um ex-


emplo de registro culto da linguagem e de um registro informal (coloquial).
R.:
55
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

A N O T A Ç Õ E S -
8. Observe os quadrinhos a seguir, também com o personagem Calvin.
(Apud Abaurre, p. 10)

Agora resolva as seguintes questões:


a) Com que finalidade, segundo o ponto de vista do personagem
principal, é utilizada a língua ao se escrever uma redação?
R.:

b) Dando à palavra academia o sentido de instituição de caráter


literário, comente a ironia do autor na fala final de Calvin.
R.:

9. Domingo, 6 de janeiro de 2002, Luís Fernando Veríssimo publicou,


em O Globo (p. 7), pequenas histórias reunidas sob o título Pelo Ariovaldo!
Transcrevemos a primeira delas:
56
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Dois homens tramando um assalto.


– Valeu mermão? Tu traz o berro que nóis vamo rendê o caixa
bonitinho. Engrossou, enche o cara de chumbo. Pra arejá.
– Podes crê. Servicinho maneiro. É só entrá e pegá.
– Tá com a máquina aí?
– Tá na mão.
Aparece um guarda.
– Hi, sujou. Disfarça, disfarça...
O guarda passa por eles.
– Discordo terminantemente. O imperativo categórico de Hegel
chega a Marx diluído pela fenomenologia de Feurbach.
– Pelo amor de Deus! Isso é o mesmo que dizer que Kierkegaard
não passa de um Kant com algumas sílabas a mais. Ou que os ilumi-
nistas do século dezoito ...
O guarda se afasta.
– O berro tá recheado?
– Tá
– Então vamlá!
Luis Fernando Veríssimo

a) Identifique as variantes linguísticas usadas pelos personagens.


R.:

b) Qual a estratégia utilizada pelos personagens para impedir que


o guarda descobrisse a intenção deles?
R.:

Sugestão:
Para que você possa fixar melhor os conteúdos deste capítulo, que tal
aproveitar estas ideias?
• Procure ouvir com atenção um português (que não esteja em
nosso país há muito tempo) e observe as diferenças entre a fala
dele e a nossa.
• Faça o mesmo com pessoas de regiões brasileiras diferentes da
sua.
57
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

• Observe a fala de determinados grupos sociais (por exemplo:


surfistas, motoqueiros, fanqueiros) e registre os termos ou tipos
A N O T A Ç Õ E S -
de frases usados por eles.
• Tente assistir, até o fim, ao discurso na TV de um economista.
Anote as expressões que você não entendeu e procure saber por
meio de um dicionário o significado delas.

Se tiver possibilidade, grave a sua própria fala e a de um colega seu.


Veja se há muitas diferenças entre elas. Tenha cuidado para que a gravação
seja bastante natural.

AMPLIANDO O HORIZONTE

No Cinema e na TV
Terra estrangeira – filme luso-brasileiro, dirigido por Walter Salles
e Daniela Thomas.
Brasil, 1990. O plano econômico do governo Collor leva o país ao
caos econômico. Paco, um estudante paulista, com a morte da mãe,
assiste à falência de seus sonhos e decide deixar o país. Aceita, as-
sim, contrabandear um objeto para Lisboa (Portugal) e lá conhece
Alex, o amor e o perigo da morte.
Nesse filme você pode observar as diferenças da língua portuguesa
falada no Brasil e em Portugal.
Central do Brasil – filme brasileiro dirigido por Walter Salles. Dora
escreve cartas para analfabetos na estação da Central do Brasil (RJ),
entre os quais Ana, que está acompanhada por Josué, seu filho
de nove anos. Ao sair da estação, Ana morre atropelada e Josué
fica abandonado. Dora acaba por acolhê-lo e vai com ele para o
Nordeste em busca do pai do menino.
Nesse filme, você pode constatar as variedades regionais da língua
portuguesa.

Nas Livrarias
Sagarana – livro de contos regionalistas, escrito pelo mineiro
Guimarães Rosa e editado atualmente pela Nova Fronteira. Leia
qualquer um dos contos, ou todos, e, além de se deliciar com as
histórias, observe o registro regional da língua portuguesa. Verifique,
também, outras marcas do texto que indiquem o ambiente em que
a história acontece.
Um excelente conto, por exemplo, A hora e a vez de Augusto
Matraga: homem de maus bofes, Augusto sofre uma tentativa de
assassinato, mas, quase por milagre, escapa com vida. Regenera-
se, tornando-se um novo homem até que...
58
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Nas Bancas
Procure ler uma mesma notícia em jornais de estilos diferentes, como
O Globo, Jornal do Brasil, A Folha de S. Paulo, O Dia e Extra
(ou outro). Compare o tipo de linguagem usada, observando que,
de acordo com o leitor a quem basicamente se destina, emprega-se
um registro mais formal ou mais informal.
Se houver possibilidade, leia as colunas sociais (geralmente a lin-
guagem é mais coloquial) de jornais do seu estado e de jornais de
outros estados e compare o vocabulário usado neles.

GLOSSÁRIO

Aió – bolsa de caça feita de fibras de uma planta chamada caroá.


Aleiva (forma sem registro nos dicionários)– aleive: traição.
Alforje(s) – espécie de saco fechado que se usa pendurado no
ombro ou no lombo de animais.
Ardiloso – astucioso, enganador, cheio de artimanha.
Assunte – do verbo assuntar: preste atenção, observe, medite.
Atilada – esperta.
Bacurau – tipo de aves de hábitos noturnos; pessoa que costuma
sair apenas à noite.
Barrica – vasilha em forma de pipa (barril).
Bodega – pequeno armazém de secos e molhados.
Bolandeira – grande roda dentada de engenho de açúcar; máquina
de descaroçar algodão.
Cansanção(s) – tipo de plantas que se caracterizam por pelos que
agridem a pele humana ao primeiro contato, como, por exem-
plo, a urtiga.
Capoeira – terreno que foi roçado e/ou queimado para cultivo da
terra ou outro fim; mato nascido da derrubada de mata virgem.
Catinga – o mesmo que caatinga: tipo de vegetação característica
do Nordeste brasileiro, formada por pequenas árvores, geral-
mente espinhosas.
Chumbeiro – estojo de couro para chumbo de caça; grão de
chumbo.
Copiar – varanda unida à casa; parte aberta de barraca; casa
simples ou do campo; alpendre.
Facheiro – pessoa que leva o facho (matéria inflamável, cuja luz
serve de guia) ou faz sinal com eles; suporte do facho.
Fixe – alteração de fixo (linguagem popular); diz-se da pessoa
simpática, confiável.
59
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

Gibão – antiga veste masculina que cobre do pescoço até um pouco


abaixo da cintura, ainda usada no Nordeste do Brasil; tipo de
A N O T A Ç Õ E S -
macaco.
Inserido(s) – enxertado, introduzido.
Jatobá – árvore de grande porte, de pequenas flores cor de fer-
rugem, cuja madeira é própria para construção civil e naval.
Jirau – qualquer armação de madeira em forma de estrado ou
palanque.
Lazarina – arma de fabricação belga, de pequeno calibre; espin-
garda de passarinho, de cano fino e longo.
Mazela(s) – ferida, doença; aborrecimento, desgosto.
Mulungu – árvore ornamental de flores vermelhas, também con-
hecida pelos nomes de corticeira e flor-de-coral.
Pabulagem – orgulho inútil, engano, mentira astuciosa.
Papa-ceia – estrela d’alva.
Polvarinho – mesmo que polvorinho: utensílio onde se leva pólvora
à caça.
Potó(s) – tipo de inseto da família das formigas.
Precatar – pôr de sobreaviso, prevenir, acautelar.
Preceito – regra de procedimento, ordem, ensinamento.
Quipá(s) – tipo de vegetação nordestina espinhenta.
Reimosa(s) – que prejudica o sangue; de maus bofes, brigona.
Sedenho – assento, nádegas, traseiro, cauda das reses e o respec-
tivo cabelo.
Subalterno – aquela pessoa que está sob as ordens de outro, in-
ferior, subordinado.
Suçuarana – mamífero carnívoro, felino de coloração amarelo-
avermelhada.
Vereda – caminho estreito, atalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABAURRE, Maria Luiza et al. Português: língua e literatura. São


Paulo: Moderna, 2000.
AZEVEDO FILHO, Leodegário et al. Português no segundo ciclo.
São Paulo: Nacional, 1971.
CEREJA, Roberto William; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramáti-
ca: texto, reflexão e uso. São Paulo: Atual, 1998.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI:
o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. rev. ampl. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
60
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - RAMOS, Graciliano. Alexandre e outros heróis. 11.ed. São Paulo:


Record, Martins, 1976.
______. Vidas Secas. 31.ed. São Paulo: Martins, 1973.
RIBEIRO, João Ubaldo. Sargento Getúlio. 8.ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1982.
ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas. 21.ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1986.

MEMÓRIAS DA VIAGEM

Alexandre é um contador de histórias em que as situações narradas são


sempre fantásticas. Uma plateia fiel o ouve com credulidade, com exceção
do cego Firmino, que, para contrariedade do narrador, quer explicações
mais racionais para determinados episódios.
Estamos falando do livro Alexandre e outros heróis, de Graciliano
Ramos, do qual destacamos a história a seguir.
Leia com atenção.

Moqueca

– Vou contar uma história da cachorra e do porco brabo, anunciou


Alexandre aos amigos uma noite escanchando na rede. Já falei nisto
uma vez, se não me engano, quando me referi ao veado e às duas
araras. Lembram-se? Os senhores conheceram nesse dia o alcance da
lazarina* que meu irmão tenente me forneceu. Ora muito bem. Essa
cachorra de que vou tratar hoje era uma pobre coitada de Cristo, feia,
magra, e apareceu aí no pátio, sem ninguém saber donde tinha vindo,
esfomeada e cheia de peladuras. Latia que era um deus nos acuda,
coçava-se nas estacas das cercas, esfregava-se nas pernas da gente e
fazia nojo. Eu por mim não queria aquela infeliz em casa, mas Cesária,
que tem um coração de ouro, tomou conta dela, deu-lhe comida e
curou-lhe os achaques.
– Foi porque vi logo que a cachorra era diferente das outras, ex-
plicou Cesária, lá da esteira. Preta como carvão, tinha a ponta do rabo
branca e uma estrela na testa. Estes sinais não falham.
– Estão ouvindo? exclamou Alexandre encantado com a sabedoria
da mulher. Esta Cesária nasceu de encomenda. Que tino! Pois eu não
percebi nada: a cadelinha preta, de rabo branco e estrela na testa,
parecia-me igual às outras. E nem prestei atenção às primeiras habi-
lidades dela. Depois é que assuntei: aquilo não era procedimento de
cachorro ordinário.
61
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

Diga-me uma coisa, Mestre Gaudêncio, com franqueza: o senhor


A N O T A Ç Õ E S -
acredita em artes do diabo?
– Sem dúvida, Seu Alexandre, respondeu o curandeiro. Quem não
acredita? Tenho tirado com reza muito espírito mau do couro de cristão.
Pois, Mestre Gaudêncio, continuou o dono da casa, foi no capeta
que eu pensei quando a cachorra botou para fora tudo que sabia. Mas
Cesária fez uma oração forte em cima dela, o estouro que eu esperava
não veio e, com os poderes de Deus, ficou provado que a bichinha era
bem procedida. Entendia perfeitamente a linguagem das pessoas. Eu às
vezes dizia, para experimentá-la: “Moqueca, você hoje vai dormir no
chiqueiro das cabras.” Ela balançava a cabeça, metia-se no chiqueiro
e não saía de lá nem por decreto. – “Moqueca, vá comprar um quilo
de bacalhau na cidade.” Moqueca segurava o dinheiro com os dentes,
galopava para a rua, entrava numa bodega*, ia direto à barrica* de
bacalhau, fazia a compra, pagava, tudo sem erro, pois ninguém se en-
ganava com as intenções dela. Acabado o negócio, voltava correndo,
carregando o embrulho. Contava como um cobrador de imposto, e
quando um caixeiro lhe deu no troco uma nota falsa, Moqueca latiu,
protestou, chamou a atenção do povo e da autoridade. Estas miude-
zas não têm relação com o porco brabo: servem apenas para mostrar
que a cachorra sabia onde tinha as ventas. A especialidade dela era a
caça. Caçava sozinha bichos pequenos: enchi a casa de coelhos, preás,
mocós, tatus, cutias e aves de pena. E, se achava roteiro de animal de
graúdo, chegava aqui ladrando, corria de um lado para outro, fazia
barulho. Só se acomodava na capoeira*. Foi num desses dias que se
deu a desgraça, de que talvez vossemecês tenham tido notícia, porque
o caso se espalhou. Moqueca estava pejada, com a barriga pela boca,
e a gente esperava que a qualquer momento desse cria. Uma tarde
apareceu aí no pátio, latindo, subiu ao copiar e roçou-se nas minhas
pernas, dizendo lá na língua dela que havia no mato um bicho grosso,
bom para matar. Tentei sossegá-la e falei assim: “Moqueca, você
com esse bucho não agüenta rojão. Vá deitar-se, vá coçar as pulgas
e descansar.” Ela não aceitou o conselho e continuou a puxar-me a
perna da calça com os dentes. Como não havia meio de aquietá-la, fui
buscar a espingarda no jirau*, pus a tiracolo o aió* onde guardava o
chumbeiro*, o polvarinho* e as espoletas. Entramos na catinga, e aí a
pobrezinha começou a mexer-se com dificuldade, arfando, num trote
curto, o focinho para cima, farejando mal. Parece que havia sinais
cruzados de animais diferentes, porque a cachorra ia e vinha, latindo
esmorecida, sem atinar com um rastro. Aborrecido daqueles manejos,
sentei-me, acendi um cigarro e peguei a falar só, recordando coisas
antigas, do tempo em que eu e Cesária vivíamos de grande. Os latidos
enfraqueceram, enfraqueceram, afinal se sumiram. Pensei no bode,
62
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - na onça, no papagaio que não mostrou para quanto prestava porque


morreu de fome, no olho coberto de formigas, este olho que nunca
pude encaixar direito no buraco do rosto e assim mesmo enxerga mel-
hor que o outro. Ora muito bem. Onde andaria o diabo da Moqueca,
pesada, com aquela barriga que estava por acolá, perdida entre cipós e
espinhos, correndo atrás de um vivente ligeiro? Levantei-me, decidido
a voltar para casa, ajeitei no ombro a correia do aió e a espingarda. A
cadelinha que fosse para o inferno: ia recolher-me, não havia de ficar
ali, esperando os caprichos dela. Ainda levei a mão à orelha, estive um
minuto procurando a voz de Moqueca no barulho da catinga.
Afastei-me desanimado, entrei numa vereda*, com o pensamento
longe da caça. Ia anoitecendo. Ouvi pancadas de asas: os olhos de
um bacurau* desceram e subiram, como duas tochas. Depois foram
miados de gato, roncos de suçuaruna*, urros de bois assustados.
Tudo se calou. Quando pisei no copiar*, estirei a vista pelo mato e
percebi sem querer, muito para lá da ribanceira do rio, a umas duas
léguas daqui pouco mais ou menos, a cachorra fincando os dentes
no sedenho* de um bicho acuado junto a um mulungu*. Em redor
havia umas coisinhas que não distingui bem. Encostei a espingarda à
cara, dormi na ponteira, a carga bateu na pá do bicho. Botei-me para
ele. Andei, cortei caminho, cheguei a um mulungu, onde um porco
brabo espumava, sangrava e estrebuchava, com vontade de morder. A
cachorra já tinha morrido e tava num estrago medonho: o espinhaço
quebrado no meio, as tripas de fora, completamente espatifada. Pelos
buracos da barriga tinham saído vários cachorrinhos que, ali perto,
criaturas de boa raça, latiam danadamente, os dentinhos agarrados
no couro do porco. Latiam direito, em conformidade com o costume.
Mas um diferia dos outros: fazia “Hom! Hom! Hom”, muito rouco e
muito fanhoso. Pobre Moqueca. Um fim tão triste! Fui examinar os
cachorrinhos, saber por que um gorgolejava daquele jeito. Sabem o
que havia acontecido? No momento de estripar a mãe o porco tinha
cortado o pescoço dele. E o infeliz, sem cabeça, queria proceder
como os irmãos. Coitado. Finou-se ali, com poucos minutos de vida,
roncando em cima da obrigação. Quem é bom já nasce feito, não é
verdade? O sangue tem muita força. Escaparam três cachorrinhos.
– Me arranje um, Seu Alexandre, pediu o cego. Estou precisando
de guia, e um animal desses vinha a propósito.
– Não é possível, Seu Firmino, respondeu o dono da casa. Andaram
por aí uns tempos, mas se desapareceram, acabaram-se. O que tem
valia não dura, Seu Firmino.
(p.87-92)
63
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

Sobre esse texto, propomos algumas questões para as quais apre-


sentamos quatro opções de respostas, embora apenas uma esteja correta:
A N O T A Ç Õ E S -
assinale-a.
1. “(...) com os poderes de Deus, ficou provado que a bichinha era
bem procedida.” Ou seja, “a bichinha”:
a) não era uma criatura do diabo;
b) era muito esperta;
c) era muito obediente;
d) tinha poderes de rei.

2. Irritado com os “manejos” de Moqueca, Alexandre volta sua aten-


ção para recordações antigas, quando ele e sua mulher Cesária “viviam
de grande”.
Alexandre refere-se a um tempo em que o casal:
a) vivia sem fazer nada;
b) tinha mania de grandeza;
c) vivia da lembrança da riqueza da terra;
d) tinha uma vida folgada, sem preocupações financeiras.

3. A história é entremeada de episódios fantásticos, absurdos, alguns


dos quais são apresentados a seguir, excluindo-se apenas:
a) “e quando um caixeiro lhe deu no troco uma nota falsa, Moqueca
latiu, protestou, chamou a atenção do povo e da autoridade.”
b) “Pois, Mestre Gaudêncio, continuou o dono da casa, foi no ca-
peta que eu pensei quando a cachorra botou para fora tudo que
sabia.”
c) “A especialidade dela era a caça. Caçava sozinha bichos peque-
nos: enchi a casa de coelhos, preás, mocós, tatus, cutias e aves
de pena.”
d) “E o infeliz, sem cabeça, queria proceder como os irmãos. Co-
itado. Finou-se ali, com poucos minutos de vida, roncando em
cima da obrigação.”

4. Sabendo-se de antemão que o personagem Firmino era desconfiado,


sua atitude, ao pedir a Alexandre um dos filhotes de Moqueca, provavel-
mente indica:
a) que, desta vez, ele acreditou fielmente na história contada;
b) uma forma de ele poder comprovar a veracidade da história
contada;
c) que ele precisava muito de um guia;
d) que ele gostava muito de cachorro.
64
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 5. No texto, existem várias expressões que denotam uma variedade


regional da língua. Em qual das opções apresentadas a seguir isso não
pode ser constatado?
a) “Depois é que assuntei (...).”
b) “Moqueca estava pejada (...).”
c) “Finou-se ali, com poucos minutos de vida, roncando em cima
da obrigação.”
d) “Quem é bom já nasce feito, não é verdade? O sangue tem
muita força.”

6. Outra característica deste texto é a presença da linguagem coloquial,


informal. Em qual das passagens a seguir tal registro não é usado?
a) “Latia que era um deus nos acuda, coçava-se nas estacas das
cercas, esfregava-se nas pernas da gente e fazia nojo.”
b) “Afastei-me desanimado, entrei numa vereda com o pensamento
longe da caça. Ia anoitecendo.”
c) “Ora muito bem. Essa cachorra de que vou tratar hoje era uma
pobre coitada de Cristo, feia, magra, e apareceu aí no pátio (...).”
d) “Onde andaria o diabo da Moqueca, pesada, com aquela barriga
que estava por acolá, perdida entre cipós e espinhos, correndo
atrás de um vivente ligeiro?”

7. Em qual das opções encontramos uma construção típica do registro


culto da língua portuguesa?
a) “Encostei a espingarda à cara.”
b) “Os latidos enfraqueceram, enfraqueceram, afinal se sumiram.”
c) “– Me arranje um, Seu Alexandre, pediu o cego.”
d) “Andaram por aí uns tempos, mas desapareceram...”
As questões 8 e 9 são baseadas em outra obra de Graciliano Ramos,
o romance Vidas Secas.

8. Em qual das passagens da obra, apresentadas aqui, não se percebe,


necessariamente, a ideia do uso da língua como instrumento de dominação
ou prestígio social?
a) “Fabiano também não sabia falar. Às vezes largava nomes ar-
revesados, por embromação. Via perfeitamente que tudo era
besteira. Não podia arrumar o que tinha no interior. Se pudesse...
Ah! Se pudesse atacaria os soldados amarelos que espancavam
as criaturas inofensivas.”
b) “Com uma pancada certa do chapéu de couro, aquele tico de
gente ia ao barro. Olhou as coisas e as pessoas em volta e mel-
horou a indignação. Na catinga ele às vezes cantava de galo,
mas na rua encolhia-se.”
65
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

c) “Seu Tomás da bolandeira falava bem, estragava os olhos em


cima de jornais e livros, mas não sabia mandar: pedia. Esquisitice
A N O T A Ç Õ E S -
um homem remediado ser cortês. Até o povo censurava aquelas
maneiras. Mas todos obedeciam a ele. Ah! Quem disse que não
obedeciam?”
d) “Em horas de maluqueira Fabiano desejava imitá-lo: dizia pala-
vras difíceis, truncando tudo, e convencia-se de que melhorava.
Tolice. Via-se perfeitamente que um sujeito como ele não tinha
nascido para falar certo.”

9. “Via-se perfeitamente que um sujeito como ele não tinha nascido


para falar certo.”
Fabiano tentava imitar, sem sucesso, o falar de Seu Tomás da bolan-
deira, daí essa reflexão do personagem.
Associando a passagem do texto (transcrita nesta questão) ao conteúdo
estudado neste capítulo, pode-se dizer que:
a) de fato, há pessoas que, por nunca terem frequentado escola, e
nem vislumbrarem tal possibilidade, jamais poderão expressar-se
corretamente;
b) o mundo se acha dividido em dois grupos: a dos dominadores,
que falam correto; a dos dominados, que falam errado;
c) o personagem expressa uma opinião muito comum, embora
equivocada, de que só fala certo quem usa o registro culto da
língua;
d) a reflexão do personagem reproduz uma opinião mais ou menos
generalizada, que, no entanto, revela um exagero: qualquer pes-
soa que tiver acesso à cultura poderá, sim, falar corretamente.

10. As passagens a seguir fazem parte de um grupo de historietas de


Luís Fernando Veríssimo, publicadas em O Globo (6/10/02) sob o título
Pelo Ariovaldo!. Em uma delas, identificou-se erradamente o registro da
língua utilizado. Em qual?
a) “– Está bem, está bem. Me dá uma nota” (culto)
b) “– Peraí. Que foi que você disse?” (coloquial)
c) “ Podes crê. Servicinho manero. É só entra e pegá.” (gíria)
d) “– Boa noite. O senhor estaria interessado em...” (formal)
CAPítULO 4

O QUE É LITERATURA?

• LITERATURA E COMUNICAÇÃO
• TEXTO EM VERSO – TEXTO EM PROSA
CAPítULO 4

O QUE É LITERATURA?

PLANEJANDO A ROTA
A N O T A Ç Õ E S -
“A unidade da arte reside no fato de que, não importa se
com palavras, sons melódicos, cores ou massas, o artista cria
imagens que exprimem seu sentimento profundo do mundo.”
Pedro Manuel

A poesia, o conto, o romance, a pintura, o teatro, a dança, a música,


a escultura são algumas dentre as várias manifestações da arte.
Cada tipo de arte faz uso de certos materiais. A pintura, por ex-
emplo, trabalha com tinta, cores e formas; a música utiliza os sons;
a dança, os movimentos; a escultura faz uso de formas e volumes; a
poesia, o conto e o romance trabalham com a palavra: são textos que
possuem uma preocupação estética, provocando prazer e conhecimento
por sua forma, conteúdo e organização.
Observe a história a seguir:
A um mendigo cego – conta Roger Caillos na sua Arte poética,
ao qual os passantes não davam quase nada, um desconhecido
fez rapidamente ganhar muitas esmolas, substituindo o cartaz
que carregava com os dizeres “cego de nascença” por outro:
“a primavera vai chegar, eu não a verei”. Eis aí – comenta o
autor – o início da literatura.

INVESTIGANDO CAMINHOS

A literatura se vale fundamentalmente da palavra escrita, mas nem tudo


que é escrito é sempre literatura. De uma forma simplificada, pode-se dizer
que literatura é a arte da palavra.
70
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Por isso, existe uma enorme diferença entre uma notícia de jornal e
uma página de romance.
A literatura exige, da parte do escritor, sensibilidade, criatividade,
paciência, conhecimento e técnica.
É bom lembrarmos que a função poética da linguagem ocorre quando
a intenção do emissor está voltada para a própria mensagem, quer na
seleção e combinação das palavras, quer na estrutura da mensagem, com
as palavras carregadas de significação. (Consultar funções da linguagem,
no capítulo 2, deste volume)
Sobre isso, leia o comentário de Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta)
na crônica Notícia de Jornal:

Num matutino* de ontem, num desses matutinos que se empen-


ham na publicidade do crime, havia a seguinte notícia: João José
Gualberto, vulgo Sorriso, foi preso na madrugada de ontem, no Beco
da Felicidade, por ter assaltado a Casa Garson, de onde roubara um
lote de discos.
Pobre redator*, o autor da nota. Perdido no meio de telegramas,
barulho de máquinas, campainha de telefones, nem sequer notou a
poesia que passou pela sua desarrumada mesa de trabalho, e que estava
contida no simples noticiário de polícia.
(...) Distraído na rotina de um trabalho ingrato, esse repórter de
polícia soube que um homem que atende pelo vulgo de “Sorriso”
roubara discos numa loja e fora preso naquele beco sujo que fica entre
a Presidente Vargas e a Praça da República e que se chama Beco da
Felicidade.
Fosse o repórter menos vulgar* e teria escrito:
“O sorriso roubou a música e acabou preso no Beco da Felicidade”.
Stanislaw Ponte Preta

Você percebeu como o redator da notícia deixou de aproveitar as


múltiplas possibilidades de arranjo que as palavras permitem?
Qualquer assunto pode inspirar uma obra de arte. O que torna a mensa-
gem especial é a intenção por trás das palavras utilizadas pelo autor, que
são combinadas de maneira pessoal, subjetiva. Essa combinação revela a
maneira individual de cada escritor interpretar a realidade.

Literatura e Comunicação
Como a literatura é a arte da palavra, e esta é a unidade básica da
língua, pode-se dizer que a literatura, assim como a língua que utiliza
essa literatura, é um instrumento de comunicação e, por isso, cumpre
também o papel social de transmitir os conhecimentos e a cultura de
uma comunidade.
71
O QUE É LITERATURA?

é:
Dessa forma podemos dizer que, no tocante a suas funções, a literatura A N O T A Ç Õ E S -
• instrumento de conhecimento do mundo (do passado, do pre-
sente, da mentalidade de uma época, de outras civilizações);
• instrumento de conhecimento do homem (do autor, quando
se trata da biografia dele autobiografia*; de nós mesmos, se
considerada como um reflexo de nossas atitudes; e do outro, se
vista como um reflexo da humanidade);
• instrumento de formação e desenvolvimento intelectual, moral,
ideológico e estético.

Ao lermos um conto, um poema ou um romance, observamos que,


muitas vezes, os fatos, as coisas e os espaços assemelham-se aos fatos, às
coisas, ao tempo e ao espaço que somos capazes de reconhecer no mundo
que nos cerca.
O escritor, com toda a sua sensibilidade, capta o mundo. Pode ou não
ter vivido uma determinada experiência – amor, ódio, fome, guerra, morte
– mas dela se apodera e a transforma em arte.
Como a palavra faz parte da comunicação diária e nem sempre tem
finalidade artística, podemos perguntar: que diferença há entre a pala-
vra empregada na comunicação comum e a utilizada em um texto
literário?

Os níveis de significação da palavra: denotação e conotação


Observando o desenho, pode-se perceber, na fala do chefe, a intenção
de dizer que o empregado está atrapalhando o trabalho, com algumas
atitudes, não aprovadas pela equipe; mas o empregado interpretou literal-
mente a palavra “atropelando”, ou seja, ficou imaginando-se atropelando
as pessoas no escritório.
Assim, há nessa história dois níveis de significação da palavra:
• o sentido denotativo - aquele em que as palavras são em-
pregadas em seu sentido comum, do dicionário. A denotação é
objetiva, válida para todos os falantes.
• o sentido conotativo - aquele que vem da experiência pessoal,
subjetivo, carregado de emoção, resultado de associação de ide-
ias que representa algo mais que o sentido usado no dicionário.
A conotação varia segundo os falantes.
72
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Na fala do chefe, pode-se observar a palavra atropelando no sentido


conotativo, enquanto na interpretação dada pelo empregado ela está sendo
usada no nível denotativo.
A palavra literária é conotativa, ganha novos significados, sentidos
figurados, cria imagens, emoções.
As diferenças fundamentais entre denotação e conotação podem ser
assim resumidas:

Denotação Conotação
Significação mais limitada da palavra. Significação mais ampla da palavra
Palavra usada no sentido comum Palavra utilizada no sentido
do dicionário, de modo objetivo. figurado, de modo subjetivo.

Para que você perceba melhor a diferença entre um texto literário e


um não literário, leia os textos a seguir:

Texto 1

A vida regida pelas águas


Água de mais, água de menos. Em Guairá, no Paraná, a estiagem
do verão fez baixar em 5 metros o nível do Lago de Itaipu, o mesmo
que em 1982 submergiu* os majestosos saltos de Sete Quedas. A seca
não trouxe à tona a bela paisagem, mas apenas uma corredeira* que
reacendeu o desejo da população local de ter de volta o que obra hu-
mana e a água roubaram. Para reaver todo o esplendor, seria necessário
baixar o nível do lago em 100 metros, o que afetaria o funcionamento
da hidrelétrica e pararia o Brasil. Enquanto isso, no Saara, o povo nô-
made* vive vagando pelas areias em busca de água. Uns com tanto e
outros com tão pouco... Apesar da aparente ironia, essas são histórias
que ilustram bem como é diversificada a experiência da vida neste
nosso planeta azul (coberto por dois terços de água).
Jorge Tarquini • diretor de redação
73
O QUE É LITERATURA?

Texto 2 A N O T A Ç Õ E S -
É preciso fechar a torneira
Com a água cada vez mais escassa e cara, está na hora de começar
a economizar.
Aquele banho gostoso e demorado, de lavar a alma, pode ter seus
dias contados. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU),
se os altos padrões atuais de consumo de água não diminuírem, em
2025 dois terços da humanidade dificilmente terão acesso a uma água
100% saudável. À medida que a população do planeta cresce, o con-
sumo doméstico e industrial também aumenta. Mas a água é finita:
tem se tornado um recurso raro e, em breve, caro. Na contramão de
suas próprias necessidades, o homem vem poluindo rios e destruindo
nascentes por meio do desmatamentos e das queimadas.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), dos 3%
da água potável do mundo, o homem só tem acesso a 0,007%. Pior
é que nem isso pode ser totalmente usado: deve-se deixar intocada
uma quantidade suficiente para sustentar os ecossistemas* e suas bio-
diversidades*, gerar energia e manter espaços livres para navegação.
Preocupado, o governo federal está criando a Agência Nacional
de Águas (ANA), que terá a missão de estimular o uso racional do
líquido – conscientizando as pessoas para o seu valor –, defender as
bacias hidrográficas e cobrar as empresas pelo uso da água de rios.
A ordem é economizar. E será lembrada por manifestantes de todo o
mundo nas comemorações do Dia Mundial da Água, em 22 de março.
Alessandro Meiguins

Texto 3

PLANETA ÁGUA

Água que nasce na fonte Águas que banham aldeias


serena do mundo e matam a sede da população.
e que abre um profundo Águas que caem das pedras,
grotão.
no véu das cascatas, ronco de
Água que faz inocente riacho trovão

e deságua na corrente do e depois dormem tranqüilas, no


ribeirão. leito dos lagos.

Águas escuras dos rios que Água dos igarapés* onde Iara,
levam a fertilidade ao sertão. mãe d’água
74
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - é misteriosa canção. tão tristes são lágrimas,


inundação.
Água, que o Sol evapora,
Águas que movem moinhos
pro céu vai embora,
são as mesmas águas que
virar nuvens de algodão. encharcam o chão
Gotas de água da chuva, e sempre voltam humildes pro
fundo da Terra
alegre arco-íris sobre a
plantação. Terra, planeta água.
Gotas de água da chuva, Guilherme Arantes

Observe que os três textos falam da importância da água para a vida


no nosso planeta.
Quando se cria um texto literário, recria-se a realidade; todas as pa-
lavras podem tornar-se literárias: o que as transforma é a possibilidade
de uma nova relação entre elas. Só há literatura quando as palavras estão
carregadas de significação, de intenção. É o que acontece no texto 3, que
possui muitas palavras usadas no sentido conotativo (“véu das cascatas”,
“nuvens de algodão” etc.).
Enquanto os textos literários servem para expressar sentimentos, os
não literários servem para informar, reproduzir conhecimentos, como
os textos 1 e 2, ambos jornalísticos, que abordam o assunto de maneira
objetiva, usando palavras no seu sentido denotativo.
Todo texto literário apresenta dois planos essenciais: o plano da forma
e o do conteúdo.
No plano da forma temos os aspectos que envolvem a construção do
texto, ou seja, o vocabulário, a organização das palavras na frase (sintaxe),
a sonoridade, as imagens, a disposição das palavras no papel.
No plano do conteúdo temos as ideias, ou seja, o significado do texto
e suas relações com o mundo.
De acordo com a forma que os textos podem assumir, eles costumam
ser organizados em dois grandes grupos: os textos em verso e os textos
em prosa.
75
O QUE É LITERATURA?

Texto em verso
A N O T A Ç Õ E S -
Leia em voz alta o poema anterior e procure ficar atento aos sons e ao
ritmo do texto.

Soneto da Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure


Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):


Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinícius de Moraes

• Qual a ideia central desse poema?


• O poeta explorou mais o sentido conotativo ou denotativo
das palavras?

Nesse poema, pode-se observar que o poeta, para transmitir o que


pensa e sente sobre a fidelidade, utilizou-se do verso e de seus recursos
musicais, assim como explorou o sentido conotativo das palavras e as
funções poética e emotiva da linguagem.
Exemplo de palavra utilizada no sentido conotativo:
“Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama”

Exemplo de um recurso musical: a rima nos versos seguintes:


“Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.”
76
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Poema é um texto em verso organizado em uma ou mais estrofes.


Verso é cada uma das linhas que formam um poema.
Estrofe é um agrupamento de versos.
O poema em análise tem 14 versos, distribuídos em duas estrofes de
quatro versos (quartetos) e duas estrofes de três versos (tercetos). Por isso
é um soneto.
A melodia que caracteriza o verso é resultado de alguns recursos
poéticos encontrados na poesia de todos os tempos. Os mais importantes
são: a métrica, o ritmo, a rima, a aliteração, a assonância e o eco. (Esses
recursos serão estudados no capítulo 5 deste volume.)

Texto em prosa

SÚPLICA POR UMA ÁRVORE


Um dia um professor comovido falava-me de árvores. Seu avô
conhecera Andersen*, esse pequeno deus que encantou para sempre
a infância, todas as infâncias, com suas maravilhosas histórias. Mas,
além de conhecer Andersen, o avô desse comovido professor legara
a seus descendentes uma recordação extremamente terna*: ao sentir
que se aproximava o fim de sua vida, pediu que o transportassem aos
lugares amados, onde brincara em menino, para abraçar e beijar as
árvores daquele mundo antigo – mundo de sonho, pureza, poesia –
povoado de crianças, ramos, flores, pássaros... O professor comovido
transportava-se a esse tempo de ternura, pensava nesse avô tão sensível,
e continuava a participar, com ele, dessa cordialidade geral, desse
agradecido amor à Natureza que, em silêncio, nos rodeia com a sua
proteção, mesmo obscura e enigmática*.
Lembrei-me de tudo isso ao contemplar uma árvore que não con-
heço, e cujo tronco há quinze dias se encontra ferido, lascado pelo
choque de um táxi desgovernado. Segundo os técnicos, se não for
socorrida, essa árvore deverá morrer dentro em breve: pois a pancada
que a atingiu afetou a profundidade da sua vida.
Cecília Meireles

• O que a autora procura transmitir para nós nesse texto?


• Ela explorou mais o sentido conotativo ou denotativo das
palavras?
Nesse texto, observamos que a autora, para transmitir seu amor pela
natureza, utilizou-se de um vocabulário carregado de significação especial,
explorando o sentido conotativo das palavras, arrumando-as no papel na
forma de prosa, ou seja, temos um texto com uma estrutura que segue
uma linha reta, sem desvios e dividido em parágrafos.
77
O QUE É LITERATURA?

Texto em prosa A N O T A Ç Õ E S -
É composto por frases, que formam parágrafos.

Texto em verso
Não há parágrafos e sim versos, que formam estrofes.

DESAFIOS DO PERCURSO

Este espaço é reservado para você aplicar os conhecimentos adquiridos


aqui.
Caso sinta dificuldade em resolver alguma questão, releia o capítulo.

Texto 1

No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento


na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drummond de Andrade

1. Quais os possíveis significados que podemos atribuir às palavras


pedra e caminho, no poema de Carlos Drummond de Andrade?
a) pedra
R.:

b) caminho
R.:
78
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 2. No poema, essas palavras encontram-se no sentido conotativo ou


denotativo? Justifique sua resposta.
R.:

Texto 2

não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino.

Paulo Leminski

3. A ideia expressa no verso “o que pintar” tem duplo sentido. Explique


esse duplo sentido, baseando-se no estudo sobre a conotação das palavras.
R.:

Texto 3

Poética
Que é a Poesia? com o suor do seu rosto.
uma ilha Um homem
cercada que tem fome
de palavras como qualquer outro
por todos homem.
os lados. Cassiano Ricardo
Que é o Poeta?
um homem
que trabalha o poema

4. Compare o poema com o que você estudou neste módulo sobre


literatura e responda:
a) Qual a essência da literatura?
R.:
79
O QUE É LITERATURA?

b) Qualquer texto escrito é literatura? Justifique sua resposta.


R.:
A N O T A Ç Õ E S -
5. Preencha o quadro a seguir com os tipos de textos relacionados
abaixo.
• Notícia de jornal
• Poema
• Discurso político
• Bula de remédio
• Conto
• Romance
• Receita de bolo
• Ata de uma reunião
• Relatório médico
• Letra de música

Texto Literário Texto Não-literário


_______________________ ______________________
_______________________ ______________________
_______________________ ______________________
_______________________ ______________________
_______________________ ______________________
_______________________ ______________________
_______________________ ______________________
_______________________ ______________________

6. Baseado no que você respondeu na questão 5 e naquilo que estudou,


estabeleça a diferença entre o texto literário e o não literário.
R.:

7. Classifique os textos a seguir, de acordo com a forma de cada um:

Texto 1
POESIA DO TEMPO
O equívoco entre poesia e povo já é demasiadamente sabido para
que valha a pena insistir nele. Denunciemos antes o equívoco entre poe-
sia e poetas. A poesia não se “dá”, é hermética ou inumana, queixam-se
por aí. Ora, eu creio que os poetas poderiam demonstrar o contrário
ao público. De que maneira? Abandonando a idéia de que poesia é
evasão. E aceitando alegremente a idéia de que poesia é participação.
Carlos Drummond de Andrade

a) Texto em__________________________
80
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Texto 2

NOVA POÉTICA
Vou lançar a teoria do poeta sórdido.

Poeta sórdido:

Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.

Vai um sujeito,

Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito


bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão,
salpica-lhe o paletó de uma nódoa de lama:

É a vida.

O poema deve ser como a nódoa no brim:

Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.

Sei que a poesia é também orvalho.

Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens


cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade.

Manuel Bandeira

b) Texto em__________________________

8. Vimos neste módulo que, algumas vezes, a palavra usada em seu


sentido conotativo pode gerar mensagens confusas.
Crie uma situação em que o emprego de palavras ou expressões no
sentido conotativo possa provocar essas confusões.
R.:
81
O QUE É LITERATURA?

AMPLIANDO O HORIZONTE
A N O T A Ç Õ E S -
No Cinema ou na TV
Inocência – produção nacional com Fernanda Torres e Edson Celu-
lari. Direção de Walter Lima Junior. O filme é quase uma transcrição,
para a linguagem do cinema, do romance do mesmo nome, escrito
por Visconde de Taunay, no século XIX. Conta a história do amor
proibido entre Inocência e Cirilo, pois a moça já fora prometida
pelo pai a outro rapaz.

Nas Livrarias
Olhinhos de Gato – Cecília Meireles – uma autobiografia escrita
com uma musicalidade e poesia surpreendentes. A vida da autora
retratada como um diário de adolescente.

Nos CDs
Procure ouvir com atenção as músicas de alguns compositores,
tais como: Chico Buarque de Hollanda, Djavan, Dudu Nobre,
Caetano, Gilberto Gil, e observe como as letras, muitas vezes,
são verdadeiros poemas.

Nas Bancas
Busque, em jornais e revistas, notícias que exploram a linguagem
não literária, e crônicas utilizando a linguagem literária. Procure ler
esses textos com atenção, identificando as marcas de um e de outro.

GLOSSÁRIO

Adules – do verbo adular; agrades com exagero.


Andersen – Hans Cristian Andersen (1805-1875), dinamarquês,
autor de contos de fadas.
Autobiografia – vida de um indivíduo escrita por ele mesmo.
Biodiversidade(s) – termo usado para expressar a existência, numa
dada região, de uma grande variedade de plantas ou de animais.
Consume – do verbo consumar; termine, complete, acabe.
Corredeira – trecho de rio onde as águas correm rapidamente.
Ecossistema(s) – sistema formado por interação de todos os or-
ganismos vivos e desses organismos com o meio em que vivem.
Enigmática – obscura, misteriosa.
Igarapé(s) – canal natural, estreito, entre duas ilhas ou entre uma
ilha e a terra firme.
82
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Intata – não tocada, pura, ilesa.


Limbo – lugar para onde se atiram as coisas inúteis.
Matutino – da manhã.
Nômade – errante, sem habitação fixa.
Obscuros – difíceis de entender, confusos.
Redator – aquele que escreve.
Submergiu – do verbo submergir; cobriu de água, inundou.
Terna – meiga, afetuosa.
Vulgar – comum, trivial, usual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRIL CULTURAL. Arte no Brasil. São Paulo, 1979. 2v.


ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa e prosa. Rio
de Janeiro: José Aguilar, 1973.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 4. ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1973.
CEREJA, William Roberto, MAGALHÃES, Thereza Anália Cocha.
Literatura brasileira. São Paulo: Atual, 1998.
O DIA. Rio de Janeiro. 24/12/2000, p. 11.
MAIA, João Domingues. Português - Série Novo Ensino Médio.
São Paulo: Ática, 2000.
MEIGUINS, Alessandro. É preciso fechar a torneira. Os caminhos
da Terra. São Paulo: Abril, v.9, n.3, p. 18, mar. 2000.
MEIRELES, Cecília. O que se diz e o que se entende. Rio de Ja-
neiro: Nova Fronteira, 1980.
MORAES, Vinícius de. Obra poética. Rio de Janeiro: Aguilar, 1968.
PONTE PRETA, Stanislaw. Tia Zulmira e eu. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1980.
TARQUINI, Jorge. A vida regida pelas águas. Os caminhos da
Terra. São Paulo: Abril, v.9, n.3, p. 7, mar. 2000.
VENTURA, Zuenir. Crônicas de um fim de século. Rio de Janeiro:
Objetiva, 1999.
83
O QUE É LITERATURA?

MEMÓRIAS DA VIAGEM
A N O T A Ç Õ E S -

Leia o texto abaixo com muita atenção. Se desconhecer o significado


de alguma palavra, utilize um dicionário. Procure responder com calma
as perguntas sobre o texto e, caso encontre alguma dificuldade, releia o
assunto neste capítulo.

Das dores e do alívio de um parto

Depois de uma complicada gravidez de dois anos, estou dando à luz


um livro – dessa vez um rebento chamado Mal secreto, sobre a inveja.
Pode não ser muito apropriado comparar a gestação de um livro ao
trabalho de parto, principalmente quando o autor é homem e, portanto,
tem apenas uma pálida idéia do que seria a dor de parir um filho.
Mas a comparação é tão usada que os dois processos devem ter
mesmo alguma coisa a ver. Um dia, com certeza, uma escritora usou
por experiência própria a metáfora e ela acabou virando lugar-comum
também para o homem.
Parto, como as mulheres sabem, mobiliza muito – antes, durante e
depois. Há a ansiedade da espera, o enjôo, o mal-estar, a dor da hora,
o alívio, a alegria, e depois que passa tudo ainda há a depressão pós-
parto. Com o livro parece que é assim também. A gente vive todas
essas fases, com a vantagem de ter a ajuda de amigos, conhecidos e
até desconhecidos. Não se pare um livro sozinho.
Digamos que neste momento eu estou na fase do alívio, esperando
não ser atingido pela depressão. O meu livro está sendo levado hoje
para as livrarias. É um trabalho sobre a inveja que faz parte de um pro-
jeto mais amplo, que inclui os outros seis pecados capitais tratados por
mais seis escritores, entre os quais o nosso Veríssimo, que fala da gula.
Mais do que um comercial, como à primeira vista pode parecer,
a coluna de hoje é uma satisfação. Estou com a vaga sensação de ter
traído vocês ao omitir ou esconder ou não revelar o que se passou
comigo nestes últimos dois anos: o que aprontei e o que me aprontaram.
Afinal, todas as semanas a gente conversa aqui com alguma in-
timidade, às vezes até meio confessionalmente, dada a cumplicidade
existente entre os que escrevem e os que lêem. Portanto, quero pedir
licença para falar um pouco, o que o espaço me permite, desse livro
que me ocupou tanto tempo.
Por que escolhi a inveja? Me perguntaram muito esta semana. Uma
das respostas é que ela talvez seja o mais universal e sorrateiro dos
84
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - pecados – e o mais brasileiro. Numa pesquisa feita especialmente para


o livro, o Ibope ouviu duas mil pessoas em todo o Brasil e chegou à
conclusão de que, dos sete, ela é o pecado mais conhecido. O mais
conhecido e o menos cometido. Quem sente inveja em geral é o outro,
não eu, já que ela é inconfessável, não gosta de dizer o nome.
“Que pecado, afinal, será esse, que ninguém admite ter, mas todos
juram conhecer?”, está escrito na contracapa do livro. “Insidiosa,
dissimulada e insaciável, a inveja é o mais antigo e o mais atual dos
pecados.” Ao investigá-la, diz ainda o texto, o autor “esbarra em
histórias fascinantes – de amor, medo e morte”.
De fato, para tentar surpreendê-la, o autor freqüentou alguns es-
paços sociais onde se presume que ela se confesse, como terreiros de
umbanda e candomblé, sem falar nos divãs dos analistas. O resultado
não é um trabalho teórico, conceitual, nem ensaístico, mas uma re-
portagem, tanto que o livro começa dizendo que não é sobre inveja,
mas sobre alguém escrevendo sobre inveja.
Isso significa que a pesquisa e a apuração, ou seja, todo o processo
de feitura, foram incorporados ao relato, resultando numa série de
surpresas, acasos, peripécias e pesadelos em que ficção e realidade
se misturam de tal maneira, que, até eu, às vezes, não sei mais o que
é uma coisa ou outra.
Todo parto, costuma-se dizer, é sofrido. Mas quem ler, se alguém
se dispuser a tanto, vai ver que esse, pelo menos para mim, foi um
pouco mais turbulento – por causa não só de um, mas de dois males
secretos: o do título e um outro nada invejável que me atacou enquanto
eu atacava a inveja.
Zuenir Ventura

Para cada uma das questões, só haverá uma resposta correta, que você
deverá assinalar. Depois, confronte suas respostas com as do gabarito.
1. O tema central do texto é:
a) A história de um parto, esperado com tanta ansiedade que a
criança recebeu o nome de Mal Secreto.
b) A dificuldade dos homens em falarem de parto, já que este é um
assunto de que só as mulheres entendem.
c) A inveja do escritor por não poder parir um filho, como as mul-
heres, apesar do mal-estar que a situação provoca.
d) A comparação entre o processo de escrever e publicar um livro
e o parto de uma criança.
85
O QUE É LITERATURA?

2. O livro escrito por Zuenir Ventura tem como tema: A N O T A Ç Õ E S -


a) o parto;
b) a inveja;
c) a gula;
d) os sete pecados capitais.

3. O texto pode ser classificado como:


a) não literário, porque não está escrito em verso;
b) não literário, porque o autor fala de suas emoções;
c) literário, porque nele o autor usa a forma de prosa;
d) literário, porque o autor se vale com frequência da linguagem
conotativa.

4. No 3º parágrafo, a palavra parto está com o sentido:


a) denotativo, isto é, no seu sentido comum, geral em qualquer
que fosse o contexto;
b) conotativo, ou seja, com um sentido especial, só revelado no
contexto;
c) do verbo partir, afastar-se de um determinado lugar;
d) subjetivo, figurado, não encontrado nos dicionários da língua.

5. No texto, além de nos dar uma informação, o autor apresenta uma


preocupação com:
a) o canal, que ele testa para ver se a comunicação está sendo
veiculada;
b) a mensagem, pois ele trabalha o texto, usando uma linguagem
metafórica;
c) o código, porque, com frequência, ele usa as palavras de língua
portuguesa para explicar outras palavras;
d) o emissor, uma vez que ele expressa toda uma preocupação em
mostrar que a inveja é um sentimento que ele não tem.

6. No 4º parágrafo, o autor diz que, no momento, está na “fase


do alívio”.
Isto é, na fase:
a) da publicação do seu livro;
b) da criação do seu livro;
c) da falta de preocupação com seu livro;
d) de contentamento pela publicação do seu livro.
86
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 7. Qual dos textos a seguir apresenta um tema diferenciado do texto


de Zuenir Ventura?
a) “Eu faço verso como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.”
Manuel Bandeira. Desencanto

b) “Gastei uma hora pensando um verso


que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.”
Carlos Drummond de Andrade. Poesia

c) “Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continu-


arei a escrever. Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar
rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados.”
Clarice Lispector

d) “Que é a poesia?
uma ilha
cercada
de palavras
por todos
os lados.”
Cassiano Ricardo

8. Compare os dois textos seguintes e marque a opção que contém a


afirmativa correta.

I. Poema do Jornal

O fato ainda não acabou de acontecer


e já a mão nervosa do repórter
o transforma em notícia.
O marido está matando a mulher.
87
O QUE É LITERATURA?

A mulher ensangüentada grita. A N O T A Ç Õ E S -


Ladrões arrombam o cofre.
A polícia dissolve o meeting
A pena escreve.
Vem da sala de linotipos a doce música mecânica.
Carlos Drummond de Andrade

II. Jovem que matou a mãe e esfaqueou o pai dentro de casa diz que está
arrependido e chora na prisão

Depois da primeira noite na carceragem da 37ª DP (Ilha do Gov-


ernador), a imagem de um irônico assassino confesso deu lugar à de
um viciado arrependido. Ao saber que sua prisão temporária havia
sido decretada pala Justiça, Cristiano Ricardo Schmidt da Silva, 22
anos, que, na noite de segunda-feira, matou a mãe, Marina Schmidt,
48, com um tiro na nuca, e feriu com duas facadas o pai, o subtenente
da reserva da Marinha João Carlos Cruz da Silva, 53, chorou.
O Dia

a) Os dois textos tratam do mesmo tema –, crimes, mas o primeiro


é literário e o segundo, não literário.
b) O primeiro texto só pode ser considerado como literário porque
está escrito em verso, enquanto o segundo está na forma de
prosa.
c) Os dois textos não são literários e a principal diferença entre eles
é que o primeiro está escrito em verso.
d) Os dois textos são literários porque tratam do mesmo tema –
crimes – e só se diferenciam quanto à forma: poema (I) e prosa
(II).

O texto abaixo, de Carlos Drummond de Andrade, é um trecho do


poema Procura da Poesia, cujo tema é a construção de poemas. Leia-o
e depois assinale a resposta correta para cada uma das questões a seguir.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata*
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros*. Calma, se te provocam.
88
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Espero que cada um se realize e consume*


com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo*.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules* o poema. Aceita-o
como ele aceita sua forma definitiva e concentrada no espaço.

9. Uma outra função da linguagem importante no texto, além da


poética, é:
a) emotiva;
b) fática;
c) metalinguística;
d) informativa.

10. Pelo que se entende do texto, para o poeta:


a) literatura se faz com palavras;
b) poema se faz com palavras “em estado de dicionário”;
c) poemas devem sair do limbo, mesmo que seja preciso esforço;
d) o poema está calmamente no limbo à espera do poeta.
CAPítULO 5

RECURSOS SONOROS E SEMÂNTICOS EX-


PLORADOS NO TEXTO LITERÁRIO

• NOÇÃO DE FONEMA
CAPítULO 5

RECURSOS SONOROS E SEMÂNTICOS EX-


PLORADOS NO TEXTO LITERÁRIO

PLANEJANDO A ROTA
A N O T A Ç Õ E S -
V ocê naturalmente já observou que a língua reflete um tempo, e,
a cada tempo, somos diferentes. Assim, toda língua é dinâmica: no-
vas palavras sempre estão sendo criadas, enquanto outras adquirem
novos significados e outras vão sendo abandonadas. A memória de
uma língua se faz pelo registro escrito, que tem como função mantê-
la viva, devidamente documentada, e, por extensão, as ideias que se
expressam nessa língua.
Ainda que a língua necessite desse registro escrito, os textos são
sonoros. Mesmo quando lidos em silêncio, o som das palavras ecoa
nos nossos ouvidos. E as letras, sinais gráficos, representam esses
sons/fonemas.
Para entender melhor essa diferença entre letra e fonema, leia a
história a seguir:

emílIA No PAís dA grAmátICA


Os meninos fizeram todas as combinações necessárias, e no dia
marcado partiram muito cedo, a cavalo no rinoceronte, o qual trotava
um trote mais duro que sua casca. Trotou, trotou e, depois de muito
trotar, deu com eles numa região onde o ar chiava de modo estranho.
– Que zumbido será esse? – indagou a menina – Parece que andam
voando por aqui milhões de vespas invisíveis.
– É que já entramos em terras do País da Gramática – explicou o
rinoceronte – Estes zumbidos são os sons orais, que voam soltos no
espaço.
– Não comece a falar difícil que nós ficamos na mesma – observou
Emília – Sons orais, que pedantismo é esse?
– Som oral quer dizer som produzido pela boca, A, E, I, O, U são
sons orais, como dizem os senhores gramáticos.
92
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - – Pois diga logo que são letras! – gritou Emília.


– Mas não são letras! – protestou o rinoceronte – Quando você diz
A ou O, você está produzindo um som, não está escrevendo uma letra.
Letras são sinaizinhos que os homens usam para representar esses
sons. Primeiro há os sons orais; depois é que aparecem as letras, para
marcar esses sons orais. Entendeu?
Monteiro Lobato

INVESTIGANDO CAMINHOS
E você, entendeu?
Pois bem, continue a leitura para fixar melhor essa diferença entre
letra e fonema.

Noção de Fonema
Observe o anúncio:
PEGUE, PAGUE E LEVE
Nas duas primeiras palavras, pegue e pague, temos um exemplo de
que a simples troca de um fonema: a troca do som /e/ pelo som /a/ gera
uma nova palavra: pegue transforma-se em pague.
Vamos ler o poema seguinte, em voz alta:

Serenata sintética

Rua
torta.

Lua
morta.

Tua
porta.

Cassiano Ricardo

Observe que a musicalidade do texto é obtida pela aproximação de


palavras muito semelhantes. Nos conjuntos rua, lua, tua e torta, morta,
porta temos apenas a troca dos sons iniciais(fonemas) representados
pelas letras r, l, t, no primeiro conjunto, e t, m, p, no segundo; essa troca,
no entanto, estabelece diferenças de significado: rua - lua - tua / torta -
morta - porta.
93
RECURSOS SONOROS E SEMÂNTICOS EXPLORADOS NO TEXTO LITERÁRIO

Como podemos perceber, os fonemas apresentam um papel distintivo,


ou seja, a simples troca de um fonema traz como consequência uma nova
A N O T A Ç Õ E S -
palavra.
Veja outros exemplos:
gado / gato
cala / mala
foca / toca
Procure lembrar-se de outras palavras em que a simples troca de
um fonema gera uma nova palavra.
Os fonemas da Língua Portuguesa são classificados em vogais, conso-
antes e semivogais. Esses três tipos de fonemas são produzidos por uma
corrente de ar que pode fazer vibrar ou não as cordas vocais.

Vogais
São sons que, formados pela vibração das cordas vocais, passam pela
cavidade bucal e/ou cavidade nasal e chegam ao meio exterior sem sofrer
nenhum tipo de interrupção em sua trajetória.
São vogais:   a  é  ê  i  ó  ô  u
Exemplos: fez, gra - ú - do, lu - mi - no - sas
Observação: Toda sílaba sempre tem uma única vogal.

Semivogais (semi = metade)


São os fonemas  i e u  quando, em uma sílaba, aparecem ligados
a uma vogal.
Exemplos: pei - xe   te sou ro
Repare, portanto, que os fonemas representados pelas letras i e u têm
classificação variável: eles podem ser vogais ou semivogais, dependendo
da sílaba em que aparecem.
semivogal vogal

Compare: fei - ti - ço u - ti - li zou


vogal semivogal

Observações:
1. A semivogal é sempre pronunciada um pouco mais fracamente
que a vogal.
2. Em determinadas palavras, também as letras e e o podem rep-
resentar semivogais.

Exemplos:
semivogal

• mãe (pronuncia-se,em algumas regiões, mãi)


• ir - mão (pronuncia-se, em algumas regiões, irmãu)
semivogal
3. O a é sempre vogal.
94
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Consoantes
São os sons que se produzem quando a corrente de ar, vinda dos pul-
mões, é momentaneamente interrompida pela língua, dentes ou lábios. As
consoantes são: b, c, d, f, g, etc.
Exemplo: lu - mi - no - sa po - é - ti - co
Todos esses sons – vogais, semivogais, consoantes – podem ser usados
como recurso para o trabalho de exploração expressiva da linguagem em
uma poesia, já que esta valoriza o que as palavras são e não apenas o que
elas significam.
Observe a sonoridade do texto a seguir:

Sino de Belém, pelos que ainda vêm!

Sino de Belém, bate bem - bem - bem.

Sino de Paixão, pelos que lá vão!

Sino de Paixão, bate bão - bão - bão.

Sino de Bonfim, por quem chora assim?

Manuel Bandeira - Os Sinos (fragmento)

Repare na repetição de palavras com a consoante b, dando ao texto o


exato som do badalar de um sino.
Podemos, ainda, clarear ou escurecer um texto trabalhando, por exem-
plo, as vogais representadas pelas letras a ou u, respectivamente.
Leia em voz alta a seguinte estrofe do poema Pichação, de Ana Flora:

No claro
Pablo pintava parede.
No escuro
Pablo pichava muro.

Temos uma estrofe de quatro versos, que dividiremos em duas partes:


No claro No escuro
Pablo pintava parede Pablo pichava muro.

Podemos afirmar que a primeira parte é o espaço do claro, do permitido,


95
RECURSOS SONOROS E SEMÂNTICOS EXPLORADOS NO TEXTO LITERÁRIO

do legal, e que a segunda é o espaço do escuro, do proibido, do ilegal. A N O T A Ç Õ E S -


Essas sensações nos são passadas pelo ritmo obtido, principalmente,
pela exploração da vogal a na primeira parte da estrofe e da vogal u na
segunda parte. Observe que o som da vogal a é claro, aberto (abrimos
muito a boca para pronunciá-lo) e que o som da vogal u é escuro, fechado
(afunilamos a boca para pronunciá-lo).
A repetição do fonema /p/ é outro elemento responsável pelo ritmo
dinâmico da estrofe. (Estudo adaptado do livro Língua, Literatura e
Redação – v.1 – José de Nicola)
Vamos, agora, estudar outros recursos sonoros.

Aliteração
Esse recurso consiste na repetição de sons consonantais idênticos ou
aproximados, para sugerir o som produzido por algum ser ou objeto.
Observe os versos que seguem:

e vamos embora ladeira abaixo

acho
que a chu -
va aju -
da a gente a se ver.

Caetano Veloso

A sequência dos fonemas /x/e /j/, representados pelas letras x, ch, j e


g, cria um efeito sonoro que lembra o ruído da chuva.

Rima
A rima é um recurso musical baseado na semelhança sonora das pa-
lavras no final dos versos, e, às vezes, no interior deles (rima interna).
Considera-se a rima a partir da vogal tônica da palavra.
Observe como Ferreira Gullar explora a rima no final dos versos:

Quem fala em flor não diz tudo.


Quem me fala em dor diz demais.
O poeta se torna mudo
sem as palavras reais.
96
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Eco
Esse recurso consiste na repetição, em sequência, de um determinado
som no final de palavras próximas.
Um bom exemplo desse recurso é o verso do poeta português Eugênio
de Castro:
Na messe, que enlourece, estremece a quermesse.

Assonância
É o nome que se dá à repetição da mesma vogal ao longo de um verso
ou poema.
Observe como Mário Quintana consegue fazer o som do pingo da
chuva, no poema abaixo, com a repetição das vogais:

Canção da garoa
Em cima do meu telhado O retrato na parede
Pirulim lulin lulin Fica olhando para mim.
Um anjo, todo molhado, E chove sem saber por
que...
Soluça no seu flautim.
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
O relógio vai bater:
Pirulin lulin lulin...
As molas rangem sem fim.

A compreensão dos recursos fonológicos (de sons), utilizados em um


texto literário, com certeza, ajuda-nos a ler melhor esse texto.
Além dos recursos sonoros, há os que trabalham no nível de significado
das palavras, ou seja, os recursos semânticos, que também facilitam nosso
entendimento na leitura de textos literários.
Observe a história:
• Qual a palavra que gerou tamanha confusão, no escritório?

Por quê?
97
RECURSOS SONOROS E SEMÂNTICOS EXPLORADOS NO TEXTO LITERÁRIO

• O que sugere para você essa palavra? A N O T A Ç Õ E S -


• Procure lembrar-se de outras situações em que essa palavra é
empregada.

Já vimos que as palavras podem ser exploradas em seus diferentes


significados.
No caso da história acima, a palavra fogo foi empregada em seu sentido
conotativo, gerando uma metáfora (= pessoa difícil, complicada). Mas a
confusão se criou porque as pessoas a entenderam no sentido denotativo
(= incêndio).
A metáfora ocorre quando uma palavra passa a indicar alguma coisa
com a qual mantém uma relação subjetiva, pessoal. Na base de toda me-
táfora está um processo comparativo.
Observe:

“As mãos que dizem adeus são pássaros


Que vão morrendo lentamente”.

Mário Quintana

Quando fazemos com as mãos o gesto que indica despedida, repetimos,


um gesto parecido com o voo dos pássaros caindo. Daí a relação feita
pelo poeta: é uma relação bastante subjetiva, metafórica. Há, portanto,
uma comparação implícita nesse texto: mãos que dizem adeus são como
pássaros que morrem.

Comparação
A comparação é um recurso bastante parecido com a metáfora: só que
se utiliza da relação estabelecida entre a palavra e aquilo que se pretende
designar, comparando de forma clara.
Observe:
Aquela criança tem a pele macia como seda.
Compara-se a pele à seda, para indicar uma pele macia, agradável ao
tato.

Metonímia
Ocorre quando uma palavra é usada para designar alguma coisa com
a qual mantém uma relação de proximidade.
98
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Leia a seguinte frase:


Meus olhos estão tristes porque você partiu.
Olhos indica uma parte do ser humano, mas nessa frase, está sendo
usada para indicar o ser humano completo: estou triste, porque você partiu.
Olhos, na frase acima é uma metonímia.
Veja:
Se continuar acontecendo o desmatamento de nossas florestas, logo
logo não restará uma sombra de pé.
A palavra sombra, nesse caso, significa árvore, porque entre o sig-
nificado de ambas as palavras (sombra/árvore) existe uma relação de
proximidade. Sombra é um efeito produzido pela árvore. Essa mudança
de significado é uma metonímia.

Personificação
Esse recurso também é chamado de prosopopeia e consiste em atribuir
características de seres animados a seres inanimados, ou seja, característi-
cas humanas a seres não humanos.

Cidadezinha qualquer

Casas entre bananeiras Devagar... as janelas olham.


mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Eta vida besta, meu Deus.

Um homem vai devagar.


Um cachorro vai devagar. Carlos Drummond de An-
drade
Um burro vai devagar.

Observe que, no penúltimo verso, o poeta atribui à janela uma carac-


terística humana: olhar.
Veja também como Mário Quintana usa a personificação referindo-se
a um poema:
Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está
lendo a gente... e não a gente a ele!

Afinal, quem lê: o leitor ou o poema?

Mais uma vez, queremos lembrar a importância tanto do nível


sonoro, quanto do nível do significado para o bom entendimento de
um texto. Explore esses níveis sempre que puder, nas suas leituras.
99
RECURSOS SONOROS E SEMÂNTICOS EXPLORADOS NO TEXTO LITERÁRIO

DESAFIOS DO PERCURSO
A N O T A Ç Õ E S -
Este espaço é reservado para você aplicar os conhecimentos adquiridos
aqui.
Caso sinta dificuldade em resolver alguma questão, releia o capítulo.

Texto 1
Segredo
Andorinha no fio
escutou um segredo.
Foi à torre da igreja,
cochichou com o sino.

E o sino bem alto:


delém dem
delém dem
delém dem
delém – dem!
Toda a cidade
ficou sabendo.
Henriqueta Lisboa

a) Com a repetição do verso:”delém-dem”, qual o recurso sonoro


utilizado pela autora do texto?
R.:
b) Qual o efeito provocado por esse recurso?
R.:

Texto 2

Canto livre
Quando a gente solta uma Pois a palavra é
palavra
É como um cometa
Ela cria asa e voa
Que passa riscando o céu
Quando a gente solta uma
Do coração
canção
Só uma diferença existe
Ela cria asa e voa.
Quando a gente os fita.
E voa além dos sentidos
É que o cometa
E voa além das vontades
Passa ligeiro
E voa levando verdades
Mas a palavra fica.
De todos nós.
Fernando Filizola
100
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - a) Nesse poema há um trabalho especial com as palavras, recor-


rendo à metáfora e à comparação. Retire do texto um exemplo
para cada um desses recursos.
R.:

b) Explique o efeito de sentido que esses recursos provocam no


texto.
R.:

c) Retire do texto um exemplo de rima, no final do verso.


R.:

d) “Mas a palavra fica.” Relacione esse verso do poema com a se-


guinte afirmativa: A memória de uma língua se faz pelo registro
escrito, que tem como função mantê-la viva.
R.:

Texto 3

A onda
a onda anda

aonde anda

a onda?

a onda ainda

ainda onda

ainda anda

aonde?

aonde?

a onda a onda
Manuel Bandeira

O poema de Manuel Bandeira tem como ideia central o movimento da


onda, e todo ele, como forma, busca reforçar o conteúdo pelo emprego de
recursos visuais e musicais.
a) Quais as palavras-chave (mais importantes) do poema?
101
RECURSOS SONOROS E SEMÂNTICOS EXPLORADOS NO TEXTO LITERÁRIO

R.: A N O T A Ç Õ E S -
b) Destaque do poema exemplos de assonância.
R.:
c) Além dos sons, o poeta arrumou visualmente as palavras. Qual
o “desenho” que o poema sugere?
R.:
d) Na sua opinião, o que o texto transmite ao leitor?
R.:

Texto 4
E, no pátio, um turbilhão de asas e bicos remexiam-se e se em-
baralhavam, rodeando uma mulher, que jogava os últimos punhados
de milho.

a) A que se refere a expressão um turbilhão de asas e bicos?


R.:

b) Como se chama o recurso que se utiliza desse tipo de substituição?


R.:

Texto 5

Cartaz
E pregada no dia branco a paisagem colonial

grita violentamente

como um cartaz moderno num muro de cal.

Guilherme de Almeida

a) No texto o autor utiliza uma comparação e uma personificação.


Identifique-as.
R.:

b) O que pode estar sugerindo a expressão “grita violentamente”?.


R.:
102
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Texto 6 Pignatari
Décio

Texto 7
solo sombra
um
movi sol sombra
mento só sombra
compondo sombra só
além
da sombra sol
nuvem sombra solo
um
Décio Pignatari
campo
de
combate
mira
gem
ira
de
um
horizonte
puro
num
mo
mento
vivo

a) Aponte as palavras que constituem o ponto principal da leitura


de cada poema.
R.:

b) No poema Movimento, há uma letra do alfabeto que centraliza


a maioria das palavras empregadas. Qual é esta letra e como
ela pode ser relacionada à ideia principal trabalhada no texto?
R.:

c) Levando-se em consideração o aspecto visual do segundo po-


ema, o que expressa o contraste formado pelas palavras sol e
sombra?
R.:

d) É a sua vez de escrever. Componha um pequeno poema. Escolha


as palavras e as ideias com as quais deseja trabalhar. Explore os
recursos sonoros, semânticos e visuais.
103
RECURSOS SONOROS E SEMÂNTICOS EXPLORADOS NO TEXTO LITERÁRIO

AMPLIANDO O HORIZONTE
A N O T A Ç Õ E S -
R.:

No Cinema e na TV
O carteiro e o poeta – direção de Michael Radford. Produção
italiana.
Um filme que fala do amor e da aceitação. Conta da amizade que
surge entre um carteiro e o poeta Pablo Neruda.
Nesse filme pode-se apreciar e entender o uso da metáfora, assim
como outros recursos utilizados na criação de um texto literário.

Nas Livrarias
Ou isto ou aquilo – um livro em que Cecília Meireles se utiliza
muito dos recursos sonoros para compor seus poemas.

Nos CDs
Caetano Veloso – tem um repertório bastante interessante, utili-
zando alguns recursos sonoros nas letras de suas músicas.
Tomemos como exemplo:
Chuva, suor e cerveja.
O Haiti não é aqui.

GLOSSÁRIO

Alamedas – ruas margeadas por árvores.


Longínquas – distantes, afastadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Guilherme de. Messidor. São Paulo: Círculo do livro [s.d.].


ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa e prosa. Rio
de Janeiro: Aguilar, 1973.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 8.ed. São Paulo:
Brasiliense, 1977.
CUNHA, Celso. Nova gramática do português contemporâneo.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1985.
GULLAR,Ferreira. Toda poesia. São Paulo: Círculo do livro, 1983.
FIORIN, Luiz José e SAVIOLI, Platão Francisco. Para entender o
texto. São Paulo: Ática, 1990.
104
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - FILIZOLA, Fernando. Notícias do Brasil. São Paulo: RGE, 1982.


FLORA, Anna. Em volta do quarteirão. Rio de Janeiro: Salaman-
dra, 1986,
LISBOA, Henriqueta. Poemas para a juventude: antologia es-
colar. Rio de Janeiro: Ediouro [s.d.].
LOBATO, Monteiro. Emília no país da gramática. 8. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1977.
MEIRELES, Cecília. Cecília Meireles – obra poética. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1985.
NICOLA, José. Língua, literatura e redação. Ed. rev. ampl. São
Paulo: Scipione, 1998.
QUINTANA, Mario. A vaca e o hipogrifo. Porto Alegre: Goratuja.
1977.
______. Esconderijos do tempo. Porto Alegre: L e PM, 1980.
PIGNATARI, Décio. Poesia pois é poesia. São Paulo: Duas cidades,
1977.
RICARDO, Cassiano. Martin Cererê. São Paulo:Saraiva, 1962.
RICHE, Cuba Rosa e SOUZA, Denise. Oficina de textos. São Paulo:
Saraiva. 1995. V.4.

MEMÓRIAS DA VIAGEM

Texto 1

Rio na sombra tão bom,


Som tão frio
frio. o claro som
do rio
Rio sombrio!
sombrio.
Cecília Meireles

O longo som
do rio
frio.

O frio
bom
do longo rio.
Tão longe,
105
RECURSOS SONOROS E SEMÂNTICOS EXPLORADOS NO TEXTO LITERÁRIO

1. O poema explorou a sonoridade das vogais: A N O T A Ç Õ E S -


a) /i/ /u/ /õ/
b) /i/ /o/ /õ/
c) /a/ /i/ /õ/
d) /ê/ /i/ /u/

2. Essas vogais nos passam sensações:


a) sonoras e táteis;
b) táteis e olfativas;
c) sonoras e olfativas;
d) táteis e visuais.

3. Um recurso sonoro usado pelo poeta no texto é a repetição da pa-


lavra rio, que também é, ainda, lembrada ao leitor por meio de fonemas
presentes nas palavras:
a) longo, rio;
b) longe, frio;
c) frio, sombrio;
d) claro, sombrio.

Texto 2

E tropeçou no chão como se fosse um bêbado.


E flutuou no ar como se fosse um pássaro.
E se acabou no chão feito um pacote flácido.
Agonizou no meio do passeio público.

4. Nesse trecho da música Construção, de Chico Buarque de Hol-


landa, há um predomínio de:
a) metonímia
d) personificação
c) metáfora
d) comparação
106
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Texto 3

De tudo, ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Vinícius de Moraes

5. As palavras em negrito formam, nesse poema, uma:


a) repetição de vogais
b) rima
c) repetição de consoantes
d) metáfora

Texto 4

Meu coração é um almirante louco


Que abandonou a profissão do mar.

Fernando Pessoa

6. Nesse trecho ocorre uma:


a) metáfora;
b) personificação;
c) metonímia;
d) rima

Texto 5

Quando cheguei a Santiago


o outono fugia pelas alamedas*
feito um ladrão.

Ferreira Gullar

7. Nesse trecho ocorrem:


a) personificação – aliteração
b) metáfora – assonância
c) personificação – comparação
d) metonímia – comparação
107
RECURSOS SONOROS E SEMÂNTICOS EXPLORADOS NO TEXTO LITERÁRIO

Texto 6 A N O T A Ç Õ E S -
Um poema luminoso como o mar,
Aberto em sorrisos, onde as velas
Fogem como garças longínquas* no ar.

Manuel Bandeira

8. Nesse trecho ocorrem:


a) comparação - personificação - metonímia
b) metonímia - aliteração - comparação
c) comparação - metonímia - aliteração
d) personificação - comparação - aliteração

Texto 7

A gente almoça e se coça e se roça


e só se vicia.

Chico Buarque

9. Nesse trecho há uma repetição de um som consonantal, no caso


o som /s/ representado pelas letras ç, s, c. Essa repetição é chamada de:
a) assonância
b) rima
c) aliteração
d) eco

10. Marque a opção em que há metáfora:


a) “Minha vida é uma colcha de retalhos, todos da mesma cor.”
(Mário Quintana).
b) Trata-se de uma pessoa que falta sempre com a verdade.
c) Cada qual procura cuidar de si mesmo.
d) Caminhar para a morte, pensando em vencer na vida.
CAPítULO 6

O TEXTO LITERÁRIO E SEU CONTEÚDO

• OS GÊNEROS LITERÁRIOS
• ACENTUAÇÃO GRÁFICA
CAPítULO 6

O TEXTO LITERÁRIO E SEU CONTEÚDO

PLANEJANDO A ROTA
A N O T A Ç Õ E S -
J á vimos que o texto literário apresenta dois planos essenciais: o
plano da forma e o plano do conteúdo.
No plano da forma, temos os aspectos que envolvem a construção
do texto, que pode apresentar-se sob a forma de versos ou em prosa.
No plano do conteúdo temos as ideias, ou seja, o significado do
texto e suas relações com o mundo.
É neste plano que identificamos a poesia, presente com mais
frequência nos textos em verso, mas podendo aparecer também em
textos em prosa.

mas o que é poesia?


Veja o que diz Aurélio Buarque de Holanda, em seu dicionário:
Poesia - 1 - Arte de escrever em verso. 2 - Composição poética de
pequena extensão. 3 - Entusiasmo criador; inspiração. 4 - Aquilo que
desperta sentimento do belo. 5 - O que há de elevado e comovente
nas pessoas ou nas coisas. 6 - Encanto, graça, atrativo.
Agora, leia o que o poeta Vinícius de Moraes escreve sobre o que
é poesia.
“... a poesia é a amante espiritual dos homens, aquela com
quem eles traem a rotina do cotidiano. A poesia dá-lhes de
volta o que a vida prática lhes tira: a capacidade de sonhar.”

e para você, o que é poesia?


112
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - INVESTIGANDO CAMINHOS

Na verdade, fica difícil chegar-se a um único conceito de poesia, pois


cada indivíduo tem uma ideia de realidade estética, mas o importante é
percebermos que a poesia está ligada ao belo, ao encanto, à transformação
do real em imaginário.
Afinal, poesia é ritmo, é graça, é atrativo, vem da inspiração: é criadora.
O criador é o poeta.
Na poesia, as palavras se combinam de tal forma que evidenciam terem
sido selecionadas não só pelo seu significado, mas também por aquilo
que podem sugerir: formas, sons, cores, odores, etc. É o que observamos
quando lemos, vemos, ou ouvimos poesia. Além disso, das palavras
emana* uma espécie de melodia, um ritmo.
Leia o poema a seguir, de Cecília Meireles, e procure perceber o ritmo,
as cores, os sons, que nele estão contidos.

CANÇÃO
Pus o meu sonho no navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas


do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,


a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,


para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:


praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
Cecília Meireles

O título – Canção – nos remete à musicalidade presente em todo o


poema.
113
O TEXTO LITERÁRIO E SEU CONTEÚDO

Cecília nos mostra, metaforicamente, que foi sua a decisão de esquecer-


se do sonho. Ela é a responsável pelo afastamento do sonho, usando como
A N O T A Ç Õ E S -
instrumento as próprias mãos: “Pus“ e “abri“ são verbos que sugerem
ação decidida.
Na 4ª estrofe, ela nos diz que as suas lágrimas (“Chorarei quanto for
preciso”) hão de “fazer com que o mar cresça” para o sonho afundar mais
rapidamente, isto é, acabar.
Até essa estrofe, predominam imagens dinâmicas, de movimento: “abri
o mar”, “a cor que escorre”, “o mar cresça”. Em “O vento vem vindo de
longe”, a repetição da consoante sonora /v/ (aliteração) nos dá a sensação
do movimento e do barulho do vento.
Na última estrofe cessa o movimento: as imagens são estáticas, para-
das. E tudo termina com o mar acalmado (“águas ordenadas”) e o eu
lírico com “os olhos secos como pedras” (insensível) e as “duas mãos
quebradas” (inúteis).
Bem, isso é poesia.
Mas será que esse lirismo, esse trabalho com as palavras, só é pos-
sível nos poemas?
Não. Como a poesia tem a ver com o conteúdo, o significado e não
com a forma, encontraremos poesia também na prosa que, nesse caso,
será chamada de prosa-poética, como no texto abaixo:

Pedro, meu filho...


Como eu nunca lutei para deixar-te nada além do amanhã
indispensável: um quintal de terra verde onde corra, quem sabe, um
córrego pensativo; e nessa terra, um teto simples onde possa ocultar
a terrível herança que te deixou teu pai - a insensatez* de um coração
constantemente apaixonado.
E porque te fiz com meu sêmen homem entre os homens, e
te quisera sempre escravo do dever de zelar por esse alqueire*, não
porque seja meu, mas porque foi plantado com os frutos da minha
mais dolorosa poesia.
Da mesma forma que eu, muitas noites, me debrucei sobre teu
berço e verti* sobre teu pequenino corpo adormecido as minhas mais
indefesas lágrimas de amor, e pedi a todas as divindades que cravas-
sem na minha carne as farpas feitas para a tua.
E porque vivemos tanto tempo juntos e tanto tempo separados,
e o que o convívio criou nunca a ausência pode destruir.
Assim como creio em ti porque nasceste do amor e cresceste
no âmago* de mim como uma árvore dentro de outra, e te alimentaste
de minhas vísceras*, e ao te fazeres homem rompeste meu alburno*
e estiraste os braços para um futuro em que acreditei acima de tudo.
114
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - E sendo que reconheço nos teus pés os pés do menino que eu


fui um dia, em frente ao mar; e na aspereza de tuas plantas as grandes
pedras que grimpei* e os altos troncos que subi; em tuas plantas as
queimaduras do Infinito que procurei como um louco tocar.
Porque tua barba vem da minha barba, e o teu sexo do meu sexo,
e há em ti a semente da morte criada por minha vida.
E minha vida, mais que ser um templo, é uma caverna inter-
minável, em cujo recesso esconde-se um tesouro que me foi legado por
meu pai, mas cujo esconderijo eu nunca encontrei, e cuja descoberta
ora te peço.
Como as amplas estradas da mocidade se transformaram nessas
estreitas veredas da natureza, e o Sol que se põe atrás de mim alonga
a minha sombra como uma seta em direção ao tenebroso Norte.
E a Morte me espera em algum lugar oculta, e eu não quero ter
medo de ir ao seu inesperado encontro.
Por isso é que eu chorei tantas lágrimas para que não precisasse,
sem saber que criava um mar de prantos em cujos vórtices* te haverias
também de perder.
E amordacei minha boca para que não gritasses e ceguei meus
olhos para que não visses; e quanto mais amordaçado, mais gritavas;
e quanto mais cego, mais vias.
Porque a poesia foi para mim uma mulher cruel em cujos bra-
ços me abandonei sem remissão* sem querer pedir perdão a todas as
mulheres que por ela abandonei.
E assim como sei que toda a minha vida foi uma luta para que
ninguém tivesse mais que lutar.
Assim é o canto que te quero cantar, Pedro, meu filho...
Vinícius de Moraes

Nessa crônica, o poeta usa recursos especiais que nos despertam para
a sensibilidade do tema: uma declaração de amor do poeta ao filho Pedro.
Portanto, nesse texto, a poesia está contida na prosa.

Os gêneros literários
Entende-se por gênero literário o conjunto de características que per-
mitem classificar uma obra literária em determinada categoria.
Conforme as características predominantes no seu conteúdo, o texto
pode ser classificado em: lírico, narrativo e dramático.
Neste capítulo, vamos conhecer um pouco de cada um deles.
115
O TEXTO LITERÁRIO E SEU CONTEÚDO

Gênero lírico A N O T A Ç Õ E S -
A palavra lírico deriva de lira, instrumento musical de cordas, usado
pelos antigos gregos, alguns séculos antes de Cristo. Naquela época, dava-
se o nome de lírica à canção entoada ao som da lira.
Essa união entre os versos e a música fez com que o ritmo fosse a
característica marcante da obra lírica. Ao longo do tempo, outros instru-
mentos foram sendo usados no acompanhamento das canções líricas, tais
como a flauta e o alaúde*.
Por volta do século XV, o texto lírico começou a ser feito também para
ser apenas lido, dispensando o acompanhamento musical. A musicali-
dade dos versos passou a ser elaborada no interior da própria linguagem,
explorando-se cada vez mais o ritmo e a sonoridade das palavras.
No texto lírico, além dos recursos sonoros, predomina a expressão do
eu, dos sentimentos pessoais. Daí os temas líricos mais frequentes serem
o amor, a saudade, a solidão e a morte.
O gênero lírico é próprio da poesia, que, conforme vimos no início
deste capítulo, é ritmo, é sonoridade, é graça e atrativo.
Embora esse gênero se manifeste quase sempre na forma de versos
- o poema - há também, lirismo em textos em prosa: é a chamada prosa-
poética.
Para melhor compreensão do gênero lírico, faça uma releitura dos
textos: Canção e Pedro, meu filho, no início deste capítulo.
Compare-os e procure perceber o lirismo em cada um deles.
Discuta com seus colegas sobre os textos deste capítulo e, mais que
isso, sobre o lirismo encontrado em algumas letras da música popular
brasileira. Procure registrar essa conversa.

Gênero dramático
O que sugere a você a palavra drama?
Quando ouvimos a palavra drama, imediatamente nos remetemos a uma
situação problemática. Por exemplo, na frase – Celso está vivendo uma
situação dramática, com a perda do emprego –, entendemos que Celso
está passando por grandes dificuldades.
Em Literatura, porém, a palavra drama tem o sentido de choque ou
conflito entre os personagens.
Drama vem do grego drama, que significa ação.
É justamente a ação que caracteriza o gênero dramático - o fato de se
apresentar a encenação de um texto.
Nesse gênero, não há narrador conduzindo a história; são os atores que
116
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - tomam a palavra e se apresentam para uma plateia, imitando as ações das


personagens e fazendo evoluir a história.
O gênero dramático realiza-se pelo espetáculo teatral, ou seja, o texto
da peça ainda não é teatro; esse só se realiza quando ocorre a representação
dos atores diante do público.
Há várias formas de expressão dramática, como a tragédia, a comé-
dia, a farsa, entre outras. Vamos, rapidamente, mostrar as características
principais de cada uma delas.
Tragédia - Apresenta ações que despertam temor e piedade, para
impressionar os espectadores e alertá-los sobre as paixões e os vícios dos
homens: leva ao limite máximo o conflito entre o caráter do herói, ou
protagonista, e o seu destino.
Comédia - As ações têm quase sempre o objetivo de criticar a socie-
dade e o comportamento humano, levando-os ao ridículo. O autor busca
provocar reflexões pelo riso.
Tanto a comédia quanto a tragédia têm a intenção de influenciar os
espectadores.
Outro ponto importante a ser mostrado é que ambas têm a sua origem
na Grécia antiga.
Farsa - É um tipo de peça teatral que surgiu no século XIV. Em geral,
é breve, tem poucos personagens e pretende provocar o riso explorando
situações engraçadas e ridículas do cotidiano, apelando para caricaturas
e exageros. Baseia-se no lema latino Ridendo castigat more. Rindo
castigam-se os costumes.
Auto - Peça breve, de conteúdo religioso ou profano, geralmente escrita
em versos. Tem origem na Idade Média (nos capítulos 4 e 5, da fase I de
História, você tem a oportunidade de estudar a cultura da Idade Média.)
A característica marcante do auto é o conteúdo simbólico; os atores
representam entidades de caráter religioso ou moral (o pecado, a hipocrisia,
a bondade, a virtude etc.)

Gênero narrativo
Neste gênero, alguém conta uma história na qual há personagens ex-
ecutando ações, num determinado espaço físico, durante um certo tempo,
isto é, narra acontecimentos, cujos fatos, encadeados, formam-lhe o enredo
da narrativa.
O texto narrativo pode ser escrito em verso ou em prosa. Em verso,
chama-se epopeia, que será estudada no capítulo 9, deste volume. Em
prosa: o conto, a crônica, o romance e a novela, que serão estudados no
capítulo 12.
117
O TEXTO LITERÁRIO E SEU CONTEÚDO

Considerando-se apenas o texto, uma obra do gênero dramático tem


pontos em comum com a narrativa, como por exemplo, o fato de que
A N O T A Ç Õ E S -
ambas apresentam personagens e enredo. Mas no teatro as características
dos personagens são percebidas diretamente pelas ações que elas praticam
no palco.
As características apresentadas mostram apenas o fundamental de cada
gênero. No entanto é comum encontrar textos em que os gêneros se mis-
turam: um texto narrativo, por exemplo, pode apresentar trechos líricos;
um poema lírico pode apresentar passagens narrativas.
Vistos os gêneros literários, vamos trabalhar, agora, no plano fonético
e gráfico das palavras.
É bom lembrar que já estudamos os recursos sonoros utilizados em
um texto literário. E, que, para que esse estudo fosse mais aprofundado,
vimos o significado de fonema.
Caso tenha dúvidas, é bom reler o capítulo 5 deste volume.
Continuando o nosso estudo, pronuncie em voz alta as palavras: gênero
e narrativo. Qual a sílaba pronunciada com maior intensidade em
cada uma delas?
A distinção das sílabas acentuadas (tônicas) das não acentuadas (átonas)
vem da dosagem maior ou menor da intensidade com que são pronunciadas.
Logo percebemos que a sílaba tônica na palavra gênero é gê; enquanto
na palavra narrativo é a sílaba ti.
Sendo, assim, temos uma palavra paroxítona: narrativa e uma prop-
aroxítona: gênero.
Essa distinção é feita de acordo com a posição da sílaba tônica no
vocábulo, ou seja:
Proparoxítona - tem a antepenúltima sílaba tônica, como no caso de
gênero, lírico, épico etc.
Paroxítona - é a palavra que tem a penúltima sílaba tônica, como no
caso de narrativa, conteúdo, musicalidade etc.
Oxítona - é a palavra que tem a última sílaba tônica, como no caso de
canção, também, ações etc.
É importante observar as palavras listadas nos exemplos: todas elas
têm duas ou mais sílabas; portanto, é correto afirmar que essa distinção
só vale para esse tipo de palavras.
As palavras de uma só sílaba - as monossílabas - são classificadas em
átonas e tônicas:
Átonas - são aquelas pronunciadas com menor intensidade, ou seja,
fracamente, como, por exemplo: A poesia vem da inspiração do poeta.
118
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Tônicas - são aquelas pronunciadas com maior intensidade, ou seja,


fortemente, como, por exemplo:
a. O criador é o poeta.
b. A poesia vem do poeta.

É importante notar que o acento da sílaba tônica nem sempre é marcado


graficamente. Daí, temos o acento prosódico e o acento gráfico.
Acento prosódico - aparece em quase todas as palavras. É o acento
da fala.
Acento gráfico - sinal que marca a sílaba tônica de algumas palavras.
É o acento da escrita. Não aparece em todas as palavras.

Acentuação gráfica
A utilização do acento gráfico (agudo ou circunflexo) obedece a algu-
mas regras que veremos a seguir.

1. Monossílabos tônicos
Acentuam-se os monossílabos tônicos terminados em: a(s), e(s), o(s).
Por exemplo: já, vás; é, pés; só, pôs.

2. Oxítonos
Acentuam-se as palavras oxítonas terminadas em a(s), e(s), o(s),
em, ens.
Por exemplo: cajá, atrás; você(s); avô, após; ninguém, parabéns; achá-
lo, escondê-la, repô-los, detém-na.

3. Paroxítonas
Acentuam-se as palavras paroxítonas terminadas em:
l : fácil, desagradável
i (s) : júri, táxi, lápis
n : pólen
us, um, uns : Vênus, fórum fóruns
r : açúcar, éter
x : tórax
ã (s) : órfã, órfãs
ão (s) : órgão, órgãos
ps : bíceps, fórceps
on (s) : próton, prótons
ditongo oral, seguido ou não de s : comércio, histórias
119
O TEXTO LITERÁRIO E SEU CONTEÚDO

4. Proparoxítonas A N O T A Ç Õ E S -
Todas as palavras proparoxítonas são acentuadas.
Por exemplo: gênero, lírico, translúcido, incômodo, antipático.

DESAFIOS DO PERCURSO

Este espaço é reservado para você aplicar os conhecimentos adquiridos


aqui.
Caso sinta dificuldade em resolver alguma questão, releia o capítulo.
1. Identifique o gênero literário predominante nos seguintes textos,
justificando sua resposta.

Texto 1
MOTIVO

Eu canto porque o instante existe


e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias*


não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono* ou se edifico*.
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.


Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

Cecília Meireles

R.:
120
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Texto 2
Chiquinha, involuntariamente: Será possível?!
Faustino: Mais que possível, possibilíssimo!
Chiquinha: Oh! Está me enganando... E o seu amor por Maricota?
Faustino, declamando: Maricota trouxe o inferno para minha alma,
se é que não levou a minha alma para o inferno! O meu amor por ela
foi-se, voou, extingüiu-se como um foguete de lágrimas!
Chiquinha: Seria crueldade se zombasse de mim! De mim que
ocultava a todos o meu segredo.
Faustino: Zombar de ti! Seria mais fácil zombar do meu ministro!
Martins Pena, trecho de Judas em sábado de aleluia

R.:

Texto 3
Publicada em 1572, a obra Os Lusíadas retrata a visão do mundo
e dos homens própria do Classicismo. É, também, uma reportagem de
um dos momentos mais significativos da história de Portugal.
O poema tem como núcleo narrativo a viagem de Vasco da Gama
às Índias; entretanto, o herói não é um indivíduo em particular, mas
o povo português.

Os Lusíadas
As armas* e os barões* assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passarem ainda além da Taprobana*,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino*, que tanto sublimaram*;

E também as memórias gloriosas


Daqueles Reis que foram dilatando
A fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte*.
Luis Vaz de Camões (Canto I - Proposição - fragmento)
121
O TEXTO LITERÁRIO E SEU CONTEÚDO

R.: A N O T A Ç Õ E S -
2 Em que gênero literário você classificaria o cinema e as novelas de
televisão? Por quê?
R.:

3. Qual a diferença mais significativa entre a poesia lírica e a épica: o


tipo de verso empregado ou o conteúdo? Justifique sua resposta.
R.:

4. Em que diferem essencialmente o teatro e o romance quanto à


forma de composição, uma vez que o mesmo assunto pode ser utilizado
por ambos?
R.:

5. Observe que todos os versos das duas estrofes da letra de Con-


strução de Chico Buarque de Hollanda, transcritas a seguir, terminam
com palavras proparoxítonas. Explique o efeito dessa acentuação tônica
nesses versos.

Amou daquela vez como se fosse a última


Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina


Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima

R.:

6. Foram tirados do texto seguinte alguns sinais gráficos indicadores


de sílabas tônicas. Coloque-os, justificando cada caso.

Dom Quixote
A intenção de Cervantes, ao escrever o Dom Quixote, era satirizar*
a novela de cavalaria, que tinha sido muito popular na Europa e em
sua epoca enfrentava a decadencia. Mas acabou retratando o perfil do
homem dividido entre a fantasia e a realidade. Dom Quixote, fidalgo
ingenuo e atraído pela historia dos grandes cavaleiros medievais, sai
pelo mundo como um deles, numa epoca em que isso ja não existia
mais. Nos seus delirios, luta contra moinhos de vento achando que são
gigantes cruéis. Beija a mão de uma guardadora de porcos pensando
que é a sua amada Dulcinéia. Sancho Pança, seu fiel escudeiro* admira
122
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - o amo sem entende-lo. Tem os pes na terra e uma visão pratica das coi-
sas, mas e fascinado pela sua loucura. Duas figuras cheias de bondade
e pureza, num mundo onde não ha lugar para a bondade e a pureza.
José Angeli

R.

7. Releia os versos a seguir, de Os Lusíadas.

As armas e os barões assinalados


Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados.

Naquela época, os portugueses saíram por mares desconhecidos e


chegaram a terras também nunca vistas por eles.
Ainda hoje, os homens buscam conquistar outros mares “nunca dantes
navegados”. Leia o que diz o velejador Amyr Klinck, a esse respeito:
Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de
histórias, imagens, livros ou tevê. Precisa viajar por si, com
olhos e pés, para entender o que é seu. (…) Sentir a distância
e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem
precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar
essa arrogância que nos faz o mundo como o imaginamos, e
não simplesmente como é ou pode ser.

E você, o que acha dessas conquistas? Dê sua opinião, escrevendo um


pequeno texto. Você pode escolher: prosa ou verso.
R.:

AMPLIANDO O HORIZONTE

No Cinema e na TV
Eles não usam black-tie - dirigido por Lean Hirszman, produção
brasileira. Adaptação da peça de mesmo nome, de Gian Francesco
Guarnieri.
Dirigente sindical entra em conflito com o filho que se recusa a
participar de uma greve. (1966)
Morte e Vida Severina / Quincas Berro D’Água - direção de
Walter Avancini. Numa só fita, dois especiais produzidos pela Rede
Globo. O primeiro é uma adaptação do Auto de Natal pernambu-
cano, do poeta João Cabral de Melo Neto; o segundo, da novela de
Jorge Amado, A morte e a morte de Quincas Berro D’Água. (1982)
123
O TEXTO LITERÁRIO E SEU CONTEÚDO

O Auto da compadecida - filme brasileiro, é uma adaptação do


texto de Ariano Suassuna.
A N O T A Ç Õ E S -
O gênero dramático está presente nas telenovelas: procure identifi-
car as características desse gênero, nos capítulos a que puder assistir.

Nas Livrarias
Ópera do malandro - texto da peça escrita por Chico Buarque de
Hollanda, publicado pelo Círculo do Livro. A história acontece no
Rio de Janeiro, envolvendo alguns malandros e um dono de cabaré,
cuja filha se apaixona e se casa com um malandro.
Cidade Partida - é um relato de Zuenir Ventura sobre o que acon-
tece no Rio de Janeiro, na favela de Vigário Geral, ao mesmo tempo
em que ele acompanha ativamente a mobilização da sociedade
contra a violência. Publicado pela Companhia das Letras, em 1994.
Dez anos no mar - diário de uma aventura, escrito pela família
Schurman, editado pela Record. As aventuras emocionantes de uma
família, pelos mares do mundo.

Nas Bancas
Procure, em textos de jornais e revistas, palavras que recebem
acento gráfico e tente justificar o uso desses acentos.

Nos CDs
O gênero lírico está presente em muitas composições da música
popular brasileira, seguem algumas sugestões:
O melhor de Milton Nascimento - seleção de músicas do autor,
em CD da PolyGram.
Chico Buarque - 20 músicas do século XX - excelente CD, em
que podemos ouvir algumas das melhores músicas do autor.

GLOSSÁRIO

Alaúde – antigo instrumento de corda, de origem oriental.


Alburno – parte mais nova da madeira do tronco das árvores.
Alqueire – antiga medida de capacidade para secos e líquidos;
medida agrária em algumas regiões.
Âmago – parte mais íntima de um ser; a essência.
Armas – soldados.
Barões – homens ilustres, nobres.
Desmorono – do verbo desmoronar; derrubo.
Edifico – do verbo edificar; levanto, construo.
124
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Emana – origina, procede.


Engenho e arte – talento, faculdade de perceber (engenho) e
eloquência (arte).
Escudeiro – na Idade Média, pajem (empregado) que servia a um
cavaleiro.
Fugidias – ariscas, esquivas, acostumadas a fugir.
Grimpei – do verbo grimpar; subi, trepei.
Insensatez – falta de senso, loucura.
Novo reino – posses portuguesas na África.
Remissão – compensação, paga,misericórdia.
Satirizar – ironizar, fazer ironias.
Sublimaram – engrandeceram.
Taprobana – ilha, hoje denominada Sri Lanka, localizada na Índia.
Verti – do verbo verter; entornei, derramei.
Vísceras – entranhas.
Vórtices – redemoinhos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AFONSO, Carlos Alberto. ABC de Vinícius de Moraes. Rio de
Janeiro: Novo Quadro, 1991.
ANGELI, José. Dom Quixote. In. DE NICOLA, José. Língua, litera-
tura e redação. São Paulo: Scipione, 1998. V.1.
CAMÕES, Luiz Vaz de. Os Lusíadas. In. MAIA, João Domingues.
Português. São Paulo: Ática, 2000. (Novo Ensino Médio)
CINTRA, Lindley , CUNHA, Celso Ferreira da. Nova gramática
do português contemporâneo. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI:
o dicionário da língua portuguesa. 3.ed. rev. ampl. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
HOLLANDA, Chico Buarque de. Construção. In. Chico Buarque -
20 músicas do século XX. CD Poly Gram. f. 17. in. Chico em Cy.
CD. Digital áudio. f. 6.
MEIRELES, Cecília. Poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1974.
MORAES, Vinícius de. Pedro meu filho Poesia e prosa.
apud:CEREJA, Roberto William, MAGALHÃES, Thereza Cochar.
Português: linguagens. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Atual,
1994.
TUFANO, Douglas. Estudos de literatura brasileira. 5. ed. rev.
ampl. São Paulo: Moderna, 1955.
KLINK, Amyr. Mar sem fim. Rio de Janeiro: Companhia das Letras,
2000.
125
O TEXTO LITERÁRIO E SEU CONTEÚDO

A N O T A Ç Õ E S -
MEMÓRIAS DA VIAGEM

Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,


tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,


tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Cecília Meireles

Leia o texto e responda as questões de 1 a 5.


1. O texto lido pertence ao gênero:
a) lírico;
b) dramático;
c) épico;
d) narrativo.

2. A função da linguagem que se destaca no poema é a:


a) referencial;
b) metalinguística;
c) poética;
d) fática.

3. Qual o tema do poema?


a) A beleza da juventude, que se perde ao longo do tempo.
b) As mudanças físicas que se dão ao longo do tempo.
c) A grande rapidez com que a vida passa.
d) A imensa dor que é viver.
126
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 4. Marque a opção que contém a afirmativa correta sobre o poema.


a) A poetisa fala de forma geral da vida e de todos.
b) Temos, nesse poema, um autorretrato, porque ela está se olhando
no espelho.
c) A autora refere-se às mãos, porque ela pode vê-las sem precisar
do espelho.
d) Cecília Meireles descreve a si própria, ou seja, faz um autor-
retrato.

5. Marque (V) para as afirmativas verdadeiras e (F) para as falsas.


a) (  ) A prosa presta-se para a confissão amorosa pessoal; e a
poesia, para a criação de personagens e a estruturação de longas
narrativas.
b) (  ) A estrofe é a unidade de composição básica da prosa.
c) (  ) A prosa poética é construída com lirismo.
d) (  ) O teatro faz parte do gênero dramático, assim como a farsa
e o auto.

6. Leia os textos a seguir:


a) “Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.”
Manuel Bandeira

b) “Recebi os trocados a que tinha direito e fiquei procurando um


novo emprego, noutro ramo.”
Bento Silvério

c) “Um primeiro sobressalto de pânico apertou-lhe a garganta...


- Padre Estevão! - falou, alto, pensando que talvez houvesse
alguém ali, em alguma parte.”
Antônio Callado

Marque as alternativas corretas a respeito dos textos.


I Os versos do fragmento a apresentam características líricas.
II O fragmento b está escrito em prosa, mas apresenta caracter-
ísticas líricas.
III O fragmento c está impregnado de características dramáticas.
127
O TEXTO LITERÁRIO E SEU CONTEÚDO

Agora, marque a opção correta:


a) Somente as afirmativas I e III estão corretas.
A N O T A Ç Õ E S -
b) Todas as afirmativas estão corretas.
c) São corretas as afirmativas II e III.
d) A afirmativa I está totalmente correta, enquanto as II e III apre-
sentam alguns erros.

7. Tinha que ter mais alguém para completar o time.


A regra que manda acentuar alguém é a mesma que explica o acento em:
a) gênero;
b) lírico;
c) parabéns;
d) épico.

8. Acentua-se a palavra hermética, porque:


a) É uma paroxítona terminada em a.
b) Todas as palavras proparoxítonas devem ser acentuadas.
c) As palavras oxítonas terminadas em a devem ser acentuadas.
d) É uma palavra polissílaba.

9. Leia uma estrofe da letra da música “Deus lhe pague”, de Chico


Buarque de Hollanda:

“Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague...”

Nessa estrofe o ritmo de ação que marca a luta pela sobrevivência, está
sendo dado pelo uso, no meio e no final dos versos, de palavras:
a) paroxítonas;
b) monossílabas;
c) oxítonas;
d) proparoxítonas.

10. Assinale a opção em que uma das palavras necessita de acento


gráfico:
a) campainha, fogo;
b) reporter, vezes;
c) respirar, existir;
d) pague, sorrir.
128
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S -
CAPítULO 7

ESTILO INDIVIDUAL E ESTILO DE ÉPOCA

• A ÉPOCA MEDIEVAL
• ACENTUAÇÃO GRÁFICA
CAPítULO 7

ESTILO INDIVIDUAL E ESTILO DE ÉPOCA

PLANEJANDO A ROTA
A N O T A Ç Õ E S -
L uísa, em uma manhã, resolveu distrair-se olhando um antigo álbum
de fotografias da família.
– Mamãe, essa é você?! Que roupa engraçada!
– E o papai? Olha só o ca-
belo dele! Como vocês
tinham coragem de se
vestir assim?
– Deixa eu ver, falou Jai-
me, seu irmão, curioso
com os comentários de
Luísa.
– Cruz credo! Cada cara!
– O tio Antônio, então... Que roupa mais esquisita!
Provavelmente, daqui a alguns anos, os filhos e netos dos persona-
gens desse diálogo terão reações semelhantes ao verem as fotografias
dos pais ou avós.
Luísa e Antônio não se deram conta de que aquilo que, hoje, parece-
nos estranho, poderia ter sido considerado como muito bonito ou
interessante em uma outra época, ou seja, o gosto varia de época para
época: assim, é preciso, que entendamos isso para melhor podermos
apreciar a herança dos nossos antepassados. Essa variação de gosto,
inclusive, ocorre dentro de uma mesma geração, como você facilmente
pode constatar, pela simples observação das pessoas ao seu redor.
Neste capítulo, vamos estudar este assunto: o estilo individual e
o estilo de época. Vamos, também, começar o estudo sobre a Época
Medieval, situando o seu contexto histórico e apresentando as suas
principais manifestações no campo da Arte. E, concluindo, encerrare-
mos o estudo sobre acentuação gráfica, iniciado no capítulo anterior.
132
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - INVESTIGANDO CAMINHOS

Cada ser humano é único: tem características genéticas que só ele


apresenta como pode ser verificado pelos testes de DNA ou, por exem-
plo, pela observação de suas impressões digitais. Embora os cientistas já
venham conseguindo produzir cópias fiéis de animais - os clones - e já se
tenha criado nos Estados Unidos o clone de um embrião humano, nossas
emoções, nossa maneira de perceber o mundo que nos cerca e de estar
nele, ainda assim, nos tornariam diferentes uns dos outros.
Procure informar-se mais a respeito do processo de clonagem.
A individualidade do ser humano reflete-se nos seus mais diferentes
aspectos, fazendo dele um ser único, dotado de um estilo próprio. Ao
lado, porém, dessa maneira exclusiva de ser, existe, em cada época, um
conjunto de marcas comuns às pessoas que nela vivem, marcas expres-
sas nas mais diferentes manifestações culturais: na Arte, nos costumes,
no modo de vestir etc.
Estilo individual é a maneira própria, pessoal de expressão e
que, na Literatura, se manifesta pela seleção vocabular, pela
maneira de se construir o texto, ou pelos recursos sonoros
utilizados.

Estilo de época é o conjunto de características semelhantes


encontradas nas manifestações culturais de vários grupos de
pessoas de um determinado período. Entre essas manifesta-
ções, inclui-se a Arte.
Os versos a seguir são de dois poetas brasileiros do século XIX e
abordam o mesmo tema: a terra natal. Leia-os e observe as características
comuns e as específicas de um e outro autor.

Texto 1
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas* têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Gonçalves Dias. Canção do Exílio, p. 105
133
ESTILO INDIVIDUAL E ESTILO DE ÉPOCA

Texto 2 A N O T A Ç Õ E S -
Hei de dar-lhe a realeza
Todos cantam sua terra,
Nesse trono de beleza
Também vou cantar a
minha, Em que a mão da natureza
Nas débeis* cordas da lira Esmerou-se* em quanto
tinha.
Hei de fazê-la rainha.
Casimiro de Abreu. Minha
Terra, p. 31

Estilos de época

O primeiro ‘trabalho de alfaia-


taria’ pode ser visto no talhe
formal dessas roupas de corte
espanhola (c. 1550). O homem
usa um chapéu alto, um gibão
bordado de jóias e acolchoado,
calções armados (todos bordados
ou cortados em gomos), meias muito
justas e botas bordadas. A mulher usa
uma touca enfeitada de jóias, rufos
no pescoço e nos punhos, um corpete
achatado terminando em ponta na cin-
tura baixa. A saia engomada e trian-
gular é usada sobre umas anquinhas, Het Spectrum BV - Mitchell Beazley Ltd.
crinolinas primitivas.

No vestuário normando (séc. XII),


a túnica do homem, de decote quadra-
do e cinto sobre os quadris, é usada
com um manto forrado de pele. Os
sapatos macios e de biqueira fina
são cortados nos tornozelos, para
cobrirem a ponta das polainas de
lã (embanhadas e às vezes sem
pés). A túnica da mulher é ligei-
ramente mais comprida atrás,
cortada justa na parte de cima do
corpo, depois solta e cintada nos
quadris. As mangas pendem largas
sobre os punhos e um manto é usado
por cima de tudo. Het
Spectrum BV - Mitchell Beazley Ltd.
134
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Como você pôde observar, tanto Gonçalves Dias quanto Casimiro de


Abreu falam de sua terra (o Brasil) de maneira idealizada. Ou seja, os
dois elogiam a supremacia da sua natureza, que, na visão deles, é incom-
parável. Esses poetas estão retratando a terra natal conforme a época em
que viveram, refletindo, assim, o contexto histórico do período: os dois se
enquadram em um estilo de época a que se chamou Romantismo. Observe,
porém, que existem diferenças entre os dois. Apesar dos traços comuns,
cada pessoa, cada autor possui um estilo próprio: um estilo individual.
Através dos séculos, o mundo ocidental apresentou, nas Artes, diversos
estilos de época.
Observe a “linha do tempo” que estamos apresentando a seguir, para
que você, mais facilmente, possa ter uma visão de conjunto desses estilos.

Estilos de Época no Mundo Artístico Ocidental

Período Estilo
IX a.C – V Antiguidade Clássica (Grécia e Roma)
V – XV Medievalismo
XVI Classicismo (Renascimento)
XVII Barroco
XVIII Arcadismo
XIX Romantismo, Realismo, Parnasianismo, Simbolismo
XX Modernismo
XXI Pós-Modernismo

Época Medieval
Você já deve ter estudado, em História, a herança cultural que os anti-
gos gregos e romanos deixaram para a humanidade. Também já deve ter
estudado a Idade Média. Como, para compreendermos melhor um estilo
de época, é importante que conheçamos em que meio e condições ele foi
produzido, seus estudos de História serão muito úteis para o estudo de
Literatura.

Contexto histórico
Vamos lá! Recordemos alguns aspectos da Época Medieval. No final,
compare esse período com os tempos atuais e observe as diferenças entre
os dois. Observe também as semelhanças. Será que há alguma? Pode ser...

Organização social
A estrutura da sociedade europeia nos séculos XI e XII (Alta Idade
Média) caracterizava-se por sua organização em três camadas sociais
135
ESTILO INDIVIDUAL E ESTILO DE ÉPOCA

distintas (o clero, os guerreiros, os servos), de difícil mobilidade entre


elas, isto é, dificilmente um indivíduo de uma determinada classe social
A N O T A Ç Õ E S -
passaria a fazer parte de uma outra.
O clero (os sacerdotes) era a mais importante delas, uma vez que
representava o poder de Deus na terra, em uma época em que a visão de
mundo era profundamente teocêntrica (Deus é o centro do Universo).
Os guerreiros constituíam uma classe composta de aristocratas, nobres
proprietários de terra, que lutavam nas Cruzadas. Entre eles, estabelecia-se
uma relação de vassalagem: o suserano (senhor feudal) doava terras ao
vassalo e este, em compensação, ficava obrigado a prestar-lhe fidelidade.
Os servos eram trabalhadores das
terras de um senhor feudal (nobre ou
sacerdote), por quem eram explora-
dos, mas de quem esperavam, em
contrapartida, proteção em tempos
difíceis.

Atividade econômica
Na Alta Idade Média, a atividade
econômica era fundamentalmente a
agricultura de subsistência. Com a
descoberta de novas técnicas agríco-
las (durante a Baixa Idade Média),
acabou ocorrendo um excesso de produção, que, por sua vez, possibilitou
o comércio, fortalecido, mais tarde, pelas Cruzadas.

Religião
O cristianismo era a religião predominante na Europa e cabia à Igreja o
papel de divulgá-lo no mundo, por meio da conversão dos povos bárbaros.
Também competia a ela a tarefa de manter a cultura, pois, em princípio,
só aos religiosos era possível o acesso à leitura
e à escrita. A Igreja, assim, era responsável tanto
pela vida religiosa quanto cultural das pessoas.

Manifestações artísticas
De um modo geral, toda Arte da época vai
caracterizar-se pela visão teocêntrica do mundo.
Portanto, a sua principal marca é a religiosidade
cristã, com exceção de parte da produção literária, conforme você poderá
observar no próximo capítulo.
136
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - No que diz respeito à Arquitetura, ocorre a construção de grandes


igrejas (catedrais) em estilo gótico (referente aos godos, povo que invadiu
a Península Ibérica, onde mais tarde surgiu Portugal). Entre outros aspec-
tos, esse estilo caracteriza-se por arcos formados por duas linhas que se
unem no alto e por torres que terminam em agulhas, também apontando
para o alto, isto é, para o céu.
A Escultura, quase sempre utilizada como instrumento de ornamen-
tação dos prédios, tinha a função de ilustrar os ensinamentos da Igreja.
A Pintura, além de representar a vida religiosa, podia retratar pessoas
da sociedade da época, em uma atitude de contemplação.
As figuras, religiosas ou não, de um modo geral, se apresenta-
vam magras (a carnalidade
era símbolo do pecado),
longilíneas, com pés e mãos
ossudos e compridos.
O Teatro, representando
cenas bíblicas ou comemo-
rações religiosas, era real-
izado no interior das igrejas.
A Literatura, em prosa
ou verso, tinha como tema
a vida dos santos (hagio-
Catedral de St. Stephan, Viena, Áustria São Pedro, pintura do séc. XIII
grafia), as aventuras dos
cavaleiros medievais (novelas
de cavalaria) ou a documentação de relação de parentesco (livros de lin-
hagem). Entretanto a mais importante manifestação literária da época foi
o Trovadorismo, que será estudado posteriormente.
A partir, de agora, vamos concluir nossos estudos de acentuação
gráfica, focalizando os chamados casos especiais.

Acentuação gráfica
Usa-se acento agudo nos ditongos éi-, ói-, éu-, abertos e tônicos,
seguidos ou não de s.

Exemplos:
• fiéis de animais
• Nosso céu
• O vassalo apóia o senhor feudal

Não custa relembrar...


137
ESTILO INDIVIDUAL E ESTILO DE ÉPOCA

Ditongo A N O T A Ç Õ E S -
É o encontro, dentro da sílaba, de uma vogal e de uma semivogal.
Exemplos:
• feudal (feu-dal)
• barão (ba-rão)
• aguado (a-gua-do)
• anéis (a-néis)

Emprega-se também o acento agudo nas vogais i e u do hiato, quando


forem tônicas e estiverem sozinhas na sílaba ou acompanhadas de s.

Exemplos:
• Os guerreiros constituíam uma classe formada por indivíduos...
(u-í)
• Luís XV foi um senhor feudal? (u-ís)
• A realeza saúda o rei. (a-ú)
• O rei Saul não viveu na época medieval. (a-ul)
• O senhor feudal era juiz dentro de seus domínios. (u-iz)

Se, apesar de sozinhos na sílaba, o i e u vierem seguidos do nh, também


não receberão acento gráfico.
Exemplo:
• A rainha percorreu o feudo em companhia de suas aias.
(ra-i-nha).

Hiato
É o encontro, dentro da palavra, de duas vogais, ficando cada uma em
uma sílaba. Exemplos
• juiz (ju-iz)
• cooperar (co-o-pe-rar)
• juízes (ju-í-zes)
• constituíam (cons-ti-tu-í-am)

Os encontros vocálicos fechados não se acentuam graficamente, com


exceção do hiato ôo, quando o primeiro o for tônico.

Exemplos:
• Eu o corôo em nome de Deus. (co-rô-o)
• O vôo do corvo era um aviso de acontecimentos ruins. (vô-o)

Em relação a determinadas formas verbais de 3ª pessoa, é preciso


saber:
138
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA Verbos monossílabos tônicos, cuja terminação é em no singular,
rcebem acento circunflexo no plural.

A N O T A Ç Õ E S - Exemplos:
• O servo tem muitas obrigações. (singular)
• Os servos têm muitas obrigações. (plural)

Verbos oxítonos, cuja terminação é em, recebem acento agudo na


forma de singular e acento circunflexo na forma de plural.
Exemplos:
• O bosque contém muitas flores. (singular)
• Os bosques contêm muitas flores. (plural)

Verbos terminados em ê, no singular, acrescentam em a essa termina-


ção no plural (ê + em). Cria-se, então, o hiato ee (êem), cuja primeira
vogal é tônica.
Exemplos:
• O povo crê em Deus.
• Nem todos crêem na justiça do rei.

Existem apenas quatro verbos (além de seus derivados) em que isso


ocorre:
• crer - crê / crêem (descrê / descrêem)
• dar - dê / dêem
• ler - lê / lêem ( relê / relêem)
• ver - vê / vêem (prevê / prevêem)

Os acentos gráficos, agudo e circunflexo, além de serem usados para


indicar a vogal tônica da palavra, podem ter a função de estabelecer a
diferença entre duas palavras que apresentem a mesma forma, isto é,
sejam homônimas.
Esses acentos são chamados de acentos diferenciais.
Acento diferencial de timbre - marca a vogal fechada. Só acontece
na forma verbal pôde.
Exemplo:
• O vassalo não pôde cumprir sua obrigação com o suserano.
(pret. perf. do indicativo)
• O vassalo pediu para avisar ao senhor feudal que ele não pode
auxiliá-lo. (pres. do indicativo)

Acento diferencial de intensidade - marca a diferença entre uma


palavra átona e uma paroxítona ou um monossílabo tônico.
Veja o quadro a seguir:
E você sabe quando se usa o trema?
139
ESTILO INDIVIDUAL E ESTILO DE ÉPOCA

O trema é usado no u dos grupos gue, gui, que, qui, quando ele é
pronunciado e átono (o u é semivogal).
A N O T A Ç Õ E S -
Exemplos: agüentei, argüição, seqüela, tranqüilo.
Atenção – Nos grupos gue, gui, que, qui:
• se o u for pronunciado e tônico, ele receberá acento agudo
(o u é vogal).

Monossílabo tônico Monossílabo átono


pôr (verbo) por (preposição)
Ex. Ao passar por aquele feudo resolveu pôr à prova o dever de hospitalidade do barão.

Paroxítona Palavra átona


pára (verbo) para (preposição)
Ex. O cavaleiro sempre pára naquele castelo para ver a mulher amada.
pêlo(s) (substantivo) pelo(s) (contração: por+o)
Ex. O pêlo longo do animal mostrava a marca da longa viagem que o cavaleiro fez pelo reino.
péla(s) verbo / substantivo) pela(s) (contração: por+a)
Ex. Joga péla com as demais crianças pela campina do castelo, enquanto o pai péla as ovelhas.
pôlo(s) substantivo: filhote de ave de rapina polo(s) (contração arcaica: por+o) pólo (sub-
stantivo): extremidade; jogo
Ex. Polo que nos disseram, Majestade, há vários ninhos com pôlos nas árvores desse bosque.
Certamente na Idade Média não se jogava pólo no Pólo Norte.
pêra (substantivo: fruta / barba) pera (contração arcaica: per+a)
Ex. Ao comer a pêra, o barão lambuzou a sua pêra rala e foi alertado pera serva.

Exemplos: averigúem, argúis, obliqúes.


• se o u não for pronunciado, ele formará com o g ou o q um
único fonema (som), gerando os dígrafos gu e qu.

Exemplos: guerra, guitarra, jóquei, esquilo.


Observação: se após o gu ou o qu vier um a ou um o não haverá
dígrafo: o u será pronunciado (vogal ou semivogal) mas não receberá
acento agudo nem trema.
Exemplo: régua, arguo, quase, aquoso.
Para você fixar bem o que acabamos de explicar, observe as formas do
verbo argüir (perguntar) no presente do indicativo:
• eu arguo
• tu argúis
140
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - • ele argúi
• nós argüimos
• vós argüis
• eles argúem

Observação: O fonema em destaque é a vogal tônica.

DESAFIOS DO PERCURSO

Este espaço é reservado para você aplicar os conhecimentos adquiridos


aqui.
Caso sinta dificuldade em resolver alguma questão, releia o capítulo.
1. Os dois textos apresentados a seguir, são estrofes de poemas que
abordam o mesmo tema: a terra natal.

Texto 1
Tem tantas belezas tantas
A minha terra natal,
Que nem as sonha um poeta,
E nem as canta um mortal!
– É uma terra encantada,
– Mimoso jardim de fada –
Do mundo todo invejada,
Que o mundo não tem igual (...)

Casimiro de Abreu. p.25

Texto 2
Minha terra tem macieiras da Califórnia
Onde cantam gaturamos* de Veneza,
Os poetas da minha terra
São poetas que vivem em torre de ametista,
Os sargentos do exército são monistas, cubistas*,
Os filósofos são polacos vendendo a prestações.

Murilo Mendes. p. 31

Comparando um a outro, você diria que poderiam pertencer a um


mesmo estilo de época? Por quê?
R.:
141
ESTILO INDIVIDUAL E ESTILO DE ÉPOCA

2. Por que, ao se estudar um texto literário, é importante situá-lo no


contexto histórico em que foi produzido?
A N O T A Ç Õ E S -
R.:

3. A arte medieval reflete uma concepção da visão teocêntrica do


mundo. De que forma se percebe isso na Arquitetura e na Pintura da época?
R.:

4. Observe os dois gráficos seguintes:


Comparando-os, a que conclusão, relativa ao contexto medieval,
pode-se chegar?
R.

5. Imagine que você se depare com o seguinte trecho de frase:


“... mantém o poder a qualquer custo.”

O verbo apresenta-se no singular ou no plural? Como se pode ter


certeza?
R.

6. Dado o texto seguinte, use, quando necessário e seguindo as normas


da Língua Portuguesa, o acento gráfico nas palavras.

Mundo Servos e Vassalos

Senhor
Teos
Feudal

Teocentrismo Feudalismo

Nosso incrivel heroi, diante do fogareu que ameaçava destruir o


bosque, saiu à procura de auxilio. Por onde ia passando, pedia que
as pessoas se organizassem em grupo, a fim de combater o incendio.
Poucos pareciam dispostos a atende-lo. Mas, mesmo assim, ele não
desanimou e, apesar do precario reforço conseguido, retornou e fez
tudo que pode para suavizar os estragos das implacaveis chamas.
142
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - No Cinema e na TV
O nome da rosa - filme dirigido por Jean Jacques Annaud. Com
Sean Connery, Christian Slater, F. Murray Abraham, ambientado na
Idade Média, dentro de um convento.
Excalibur - filme dirigido por John Boorman. Com Nigel Terry, Helen
Mirren, Nicol Williamson. Bem-sucedida adaptação da narrativa
medieval britânica sobre o rei Artur, Lancelote e os cavaleiros da
Távola Redonda.

Nas Livrarias
Ivanhoé - romance de Walter Scott, recontado por Estella Leonar-
dos, publicado pelas Edições de Ouro. Ambientado na Idade Média,
a ação ocorre no século XIII, relata uma história em que realidade
e fantasia se misturam: o cavaleiro Ivanhoé sente por Lady Rowena
uma grande paixão proibida, sendo correspondido pela donzela.
Cavalaria, mitos e lendas - texto de Claude Calherina Rogache,
traduzido por Ana Maria Machado e editado pela Ática. É uma co-
letânea de histórias, envolvendo personagens reais e imaginários
que teriam vivido na Época Medieval, entre os quais o rei Arthur, o
imperador Carlos Magno e o mago Merlin.

AMPLIANDO O HORIZONTE

GLOSSÁRIO

Ajaezado(s) – diz-se do(s) cavalo(s) com todos os arreios e enfeites.


Bordejavam – do verbo bordejar; iam de um lado para o outro,
andavam ao redor, estavam ao redor ou à margem de.
Circunscrevendo – do verbo circunscrever; limitando, restringindo,
contendo.
Corcel – cavalo muito corredor, cavalo de operações militares.
Cota – armadura de couro retorcido ou de malhas de ferro, que
cobria o corpo dos guerreiros (muito usada na Idade Média).
Cubista(s) – seguidor do cubismo, estilo que se expressa basica-
mente na Pintura do início do século XX.
Débeis – plural de débil: sem vigor físico, frágeis, fracos.
Ermitão – pessoa que, por penitência, vive na solidão.
Escarlates(s) – de cor vermelha muito viva.
Esguia(s) – alta e delgada, fina.
Esmerou-se – do verbo esmerar; aperfeiçoou-se, fez com perfeição.
Estética(s) – relativa ao sentimento do belo, harmoniosa.
Faceira – que gosta de enfeitar-se.
Franjar – enfeitar; enfeitar com franjas, cercar.
143
ESTILO INDIVIDUAL E ESTILO DE ÉPOCA

Gaturamo(s) – espécie de pássaro pequeno, de dorso azulado ou


esverdeado e de barriga amarela, muito apreciado pela beleza
A N O T A Ç Õ E S -
de suas cores e do seu canto.
Guante(s) – luva de ferro, na armadura antiga.
Hierarquizam – do verbo hierarquizar; organizam ou distribuem
de acordo com uma ordem de graduação.
Laivo(s) – mancha, risco.
Maculasse – do verbo macular; manchasse.
Mancebo – rapaz
Monástica – relativo à vida solitária (de monge).
Nívea – da cor da neve, relativa à neve, alva.
Peculiarmente – especialmente.
Precário – insuficiente; difícil.
Preceito – regra de procedimento, ordem, determinação.
Pueril – infantil.
Rorejando – do verbo rorejar; deitando gota a gota, regando,
molhando com pequenas gotas.
Segmento – parte ou porção de um todo.
Sobredoura – do verbo sobredourar; enfeita, disfarça.
Tarlatana(s)– tipo de tecido.
Várzea(s) – planície fértil e cultivada, em um vale.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Casemiro. Poesias completas. Rio de Janeiro: Edições de


Ouro, [s.d.]. (Clássicos Brasileiros)
ALENCAR, José de. A pata da gazela. 7. ed. São Paulo: Melho-
ramentos, [s.d.].
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, Brasília: INL, 1975.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed.
rev. ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
CADERARZORI, Lícia. Períodos literários. São Paulo: Ática, 1987.
CASTRO, Maria da Conceição. Língua e literatura. São Paulo,
1993. V.1.
CEREJA, Roberto William; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português:
linguagens. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Atual, 1994. V.1.
DIAS, Antônio Gonçalves. Poesia e prosa completas. Rio de Ja-
neiro: Aguilar, 1998.
144
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S -
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI:
o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. rev. ampl. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
MENDES, Murilo. O menino experimental. São Paulo: Summus,
1979.
TAUNAY, Visconde de. Inocência. 19. ed. São Paulo: Ática, 1991.

MEMÓRIAS DA VIAGEM
As questões de 1 a 5 referem-se ao texto apresentado logo a seguir. Para
cada uma delas, foram propostas quatro opções de resposta, mas apenas
uma é correta: marque-a.

Todo momento histórico apresenta um conjunto de normas que


orienta e caracteriza suas manifestações culturais, constituindo o que
se chama de estilo de época. Ou seja, o estilo de época que caracteriza
a produção cultural de um determinado momento histórico se orienta
por normas que agem como princípio regulador, estabelecendo regras
para a criação, prescrevendo os traços que devem apresentar e circun-
screvendo* sua abrangência. No caso da produção artística, as regras
que a disciplinam são chamadas de normas estéticas* e reúnem-se
segundo o preceito* do gosto.
Não se pode pensar em estilo e normas sem pensar em gosto,
e tampouco se pode pensar em gosto sem pensar na época que vai
determiná-lo. O gosto, porém, não é o mesmo e o único em uma mesma
época. Basta observar a diversidade de normas estéticas a reger os
gostos nas diferentes classes sociais. Uma dada obra, apreciada numa
determinada camada social, não desperta, necessariamente, idêntico
interesse em outra e, além disso, dentro de uma mesma classe, as
diferenças de idade, sexo, profissão determinam variados interesses
e juízos sobre uma mesma obra.
As normas hierarquizam*-se. Cada grupo social, dividido vertical
(classes sociais) e horizontalmente (idade, sexo, profissão), tem seu
cânone estético, ou seja, código de preceitos de arte, como um de seus
traços mais característicos.
Comprova esta afirmação o fato de que, quando um indivíduo
passa de uma classe para outra, no esforço de integração, procura
apresentar, ao menos, os traços externos do gosto da classe em que
quer estar incluído: busca vestir-se de modo a imitar o grupo a que
quer pertencer, ouvir as músicas que este grupo aplaude e, se for o
145
ESTILO INDIVIDUAL E ESTILO DE ÉPOCA

caso, comprar os mesmos livros e citar os mesmos autores que a classe


A N O T A Ç Õ E S -
a que ambiciona pertencer consagra.
Por ser um fato que existe diferentemente no tempo e peculiar-
mente* em cada segmento* social, o estilo é um fato histórico e,
também, um fenômeno relativo à divisão da sociedade em classes
sociais. Sendo assim, num mesmo momento histórico convivem
diferentes estilos sujeitos a distintas normas, porque diferentes são
as classes e distintas as gerações e profissões a que os produtos cult-
urais se destinam. Convém ter-se presente, porém, que as normas de
um determinado grupo irão preponderar, invariavelmente, sobre as
de outros de uma mesma época, e essa preponderância fará com que
o conjunto de normas que consiga se impor passe à história como o
estilo daquele momento.
apud Castro, Lígia Cademartori, p.157-158

1. O tema do texto é:
a) A discussão histórica de uma determinada sociedade.
b) A preocupação de certas pessoas em imitar a maneira de ser do
grupo a que pertencem.
c) A comparação entre os grupos sociais (verticais e horizontais) e
as características de uma época.
d) A discussão sobre o que seja um estilo de época.

2. De acordo com o último parágrafo do texto, deve se entender que:


a) em uma mesma época, poderão ocorrer estilos diferentes, devido
à existência de diferentes classes sociais e gerações;
b) em cada época, vai predominar o estilo do grupo que representar
a classe social que assumir o governo de um povo;
c) é conveniente que as normas de um determinado grupo prepon-
derem sobre as de outro menos privilegiado;
d) o mesmo momento histórico pode ser diferente para cada grupo
social, porque são distintas as classes e a cultura de cada uma
delas.
146
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 3. A passagem do texto em que o estilo aparece associado ao gosto e


a uma época é:
a) “No caso da produção artística, as regras que a disciplinam são
chamadas de normas estéticas e reúnem-se segundo o preceito*
do gosto.”
b) “Não se pode pensar em estilo e normas sem pensar em gosto,
e tampouco se pode pensar em gosto sem pensar na época que
vai determiná-lo.”
c) “Por ser um fato que existe diferentemente no tempo e peculiar-
mente* em cada segmento social, o estilo é um fato histórico...”
d) “Sendo assim, num mesmo momento histórico convivem dife-
rentes estilos sujeitos a distintas normas, porque diferentes são
as classes e distintas as gerações e profissões a que os produtos
culturais se destinam.”

4. Leia a seguinte passagem do texto: “No caso da produção artística,


as regras que a disciplinam são chamadas de normas estéticas* e reúnem-
se segundo o preceito do gosto.”
Em qual outra passagem, a acentuação gráfica da palavra em destaque
se deve à mesma razão de “reúnem”?
a) “quando um indivíduo passa de uma classe para outra”;
b) “determinou variados interesses e juízos sobre uma mesma
obra”;
c) “e, também, um fenômeno relativo à divisão”;
d) “ouvir as músicas que este grupo aplaude”.

5. “Convém ter-se presente, porém, que as normas de um determi-


nado grupo irão preponderar, invariavelmente, sobre as de outros de uma
mesma época...”
Comparando-se o acento gráfico das palavras em destaque, é correto
afirmar-se que:
a) em ambas, ele se deve, exatamente, à mesma regra de acen-
tuação;
b) na primeira delas, ele se deve ao fato de tratar-se de um verbo,
na segunda, por ser oxítona;
c) a norma exige acento agudo nas palavras cuja terminação é em;
d) o seu emprego não segue regras idênticas nas duas palavras,
pois, no plural, o acento da primeira delas seria circunflexo
(convêm).
147
ESTILO INDIVIDUAL E ESTILO DE ÉPOCA

6. Todos os textos desta questão foram retirados do romance Ivanhóe,


ambientado na Época Medieval. Em qual deles não se pode constatar isso,
A N O T A Ç Õ E S -
devido à ausência (ou falta de clareza) de marcas características desse
período histórico?
a) “A ação transcorre entre os anos 1193 e 1194, quando, durante
a ausência do Rei Ricardo I, que se encontra no Oriente a ser-
viço das Cruzadas, o país é administrado por um conselho de
regência.” (p. 11)
b) “Antevendo a possibilidade de uma guerra civil, os nobres
preparavam-se francamente para enfrentá-la, fortificando
seus castelos, aumentando o número de seus dependentes e
reduzindo à vassalagem quase todas as propriedades livres que
bordejavam* seus domínios.” (p.12)
c) “Usava uma longa vestimenta monástica* escarlate, que era
ornada no ombro direito com uma cruz branca de forma especial
que recobria uma cota* de malha e guantes* de ferro. (...) Caval-
gava uma mula, a fim de poupar seu bom cavalo de batalha,
que um escudeiro puxava pelas rédeas. Ajaezado* como para
um combate, o corcel* trazia na sela um machado marchetado,
um capacete com pluma e uma espada de duplo fio.” (p. 17)
d) “O ermitão* lançou sobre o hóspede um olhar penetrante e
pareceu hesitar, como que receoso de confiar nele. Desarmado,
porém, diante da expressão franca e leal do cavaleiro, abriu uma
arca, cuidadosamente disfarçada, dela retirando um imenso
pastelão que colocou diante do hóspede.” (p. 78-79)

7. Em relação à Época Medieval, está incorreta a afirmativa:


a) A Arte de um modo geral, como toda a cultura, estava sujeita à
concepção teocêntrica do mundo.
b) Os servos, explorados pelo senhor feudal, submetiam-se ao seu
poder apenas porque eram subjugados pela força.
c) As figuras humanas, representadas nas pinturas e esculturas
eram esguias*, desprovidas de carne, pois esta era símbolo do
pecado humano.
d) A igreja tinha a função de preservar a cultura e moralidade dos
costumes.
148
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 8. Tendo em vista a sociedade medieval, afirma-se que:


I os guerreiros eram proprietários de terras recebidas de doação
do suserano, a quem prestavam vassalagem;
II o clero, constituído pelos sacerdotes, era desligado dos bens
materiais, pois representava o poder de Deus na Terra;
III os vassalos eram os servos de um senhor feudal que lutavam
nas Cruzadas.

a) Todas as afirmativas são verdadeiras.


b) Apenas a afirmativa II é verdadeira.
c) Só a afirmativa I é verdadeira.
d) Todas as afirmativas são falsas.

Nos textos a seguir apresentam-se descrições de perfis femininos.


Compare-os e depois assinale a resposta certa para cada uma das questões
a respeito deles.

Texto 1
Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era
talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais
voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre
as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor
sobredoura* a realidade e fecha os olhos às sardas e às espinhas, mas
também não digo que lhe maculasse* o rosto nenhuma sarda ou es-
pinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele
feitiço, precário* e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo para
os fins secretos da criação. Era isto Virgília, e era clara, muito clara,
faceira*, ignorante, pueril*, cheia de uns ímpetos misteriosos, muita
preguiça e alguma devoção - devoção, ou talvez medo, creio que medo.
Machado de Assis, p. 151-152

Texto 2
O talhe esbelto da moça desenhava-se através da nívea* transparên-
cia de um lindo vestido de tarlatana* com laivos* escarlates*. Coroava-
lhe a fronte o diadema de suas belas tranças, donde resvalavam dois
cachos soberbos, que brincavam sobre o colo. (...)
Não foi, porém, o nobre perfil da moça, nem os contornos macios
de suas formas gentis, o que arrebatou o espírito do mancebo*. Ele só
viu a luz, o brilho d’alma rorejando* do sorriso. Contemplou a rosa,
embebia-se nela, sem contar-lhe as pétalas.
José de Alencar, p.30-31
149
ESTILO INDIVIDUAL E ESTILO DE ÉPOCA

Texto 3 A N O T A Ç Õ E S -
Caía, então, luz de chapa sobre ela, iluminando-lhe o rosto, parte
do colo e da cabeça, coberta por um lenço vermelho atado por trás da
nuca. Apesar de bastante descorada e um tanto magra, era Inocência
de beleza deslumbrante. Do seu rosto irradiava singela expressão de
encantadora ingenuidade, realçada pela meiguice do olhar sereno que,
o custo, parecia coar por entre os cílios sedosos a franjar*-lhe as pálpe-
bras, e compridos a ponto de projetarem sombras nas mimosas faces.
Visconde de Taunay, p.34

9. No texto I, o narrador diz que não cabe a Virgília a primazia da


beleza entre as moças do tempo dela, mas que também não afirma que
seu rosto estivesse manchado por sardas ou espinhas. Assim, Virgília:
a) nem era superior em beleza às moças do seu tempo, mas também
não apresentava o rosto manchado;
b) não era feia nem bonita, embora fosse sardenta e apresentasse
algumas marcas de espinhas no rosto;
c) não apresentava a beleza da prima, nem das moças do seu
tempo, embora não tivesse sardas nem espinhas no rosto;
d) apesar de bonita e faceira, tinha no rosto sardas e manchas de
espinhas.

10. Comparando os três textos, é possível concluir-se que:


a) todos estão dentro do mesmo estilo de época, pelas palavras
difíceis empregadas pelos autores, que, entretanto, conservam
o seu estilo individual;
b) em todos, o narrador apresenta a mulher como um ser idealizado,
perfeito ou quase perfeito, caracterizando, assim, a marca de
uma época;
c) o II e o III devem pertencer ao mesmo estilo de época pela visão
idealizada da figura feminina, enquanto o texto I deve se en-
quadrar em outro estilo, pois descreve a mulher de forma mais
real;
d) cada um, provavelmente, pertence a um estilo de época dife-
rente, porque seus autores são diferentes, embora seus textos
apresentem algumas características semelhantes.
CAPítULO 8

A ÉPOCA MEDIEVAL E SUA INFLUÊNCIA NA


LITERATURA DE HOJE

• TROVADORISMO: AS CANTIGAS

• AS NOVELAS DE CAVALARIA
CAPítULO 8

A ÉPOCA MEDIEVAL E SUA INFLUÊNCIA NA


LITERATURA DE HOJE

PLANEJANDO A ROTA
A N O T A Ç Õ E S -
1º trovador:
– Lourenço jogral, ás mui gram sabor
de citolares ar queres contar
dês i ar fi lhas-te Log’a trobar,
e té est’ora já por trobador.
E por tod’ esto u a rem ti direi:
Deus me cofonda se aj’eu i sei
destes mesteres qual fazes melhor.

2º trovador:
– Joam Garcia, soo sabedor
de meus mesteres sempre deantar,
e vós andades por mi os desloar,
pero nom sodes tam desloador
que com verdade possades dizer
que meus mesteres nom sei bem fazer.
Mais vós nom sodes i conhecedor.
154
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 1º Repentista (Francalino):
Eu não quero lhe trair,
Vou fazer explicação:
Tu, como és cego de todo,
Já vem com malcriação,
Quem faz do cachorro gente
Fica com rabo na mão.

2º repentista (Ader-
aldo):
Senhor José, eu sou destes
Que canta sem ofender,
Se acaso sou atacado
Sei também me defender.
Burro só é quem não sabe
Ou não quer compreender.

INVESTIGANDO CAMINHOS

As ilustrações iniciais representam cantadores em duplas. Na segunda


delas, fica fácil perceber tratar-se de um desafio musical: um provoca e o
outro replica. Entretanto, quanto à primeira ilustração, mesmo que pos-
samos, pelo contexto, ou por um outro aspecto, perceber que também um
cantador se dirige ao outro, não entendemos bem o que eles dizem. Por
que será?
Você poderia pensar, com base nos seus conhecimentos dos elementos
da comunicação, que isso ocorre por desconhecermos o código empregado.
E qual seria ele?
Não se espante: é a Língua Portuguesa, só que falada na Época Medieval.
Como você pode ver, uma língua, além de variar de acordo com a
região e o aspecto social, apresenta mudanças também através dos tempos,
pois está sempre em constante evolução. Embora possamos compreender
várias palavras usadas em épocas mais distantes, o grau de variação no
vocabulário, na fonética e na sintaxe constitui-se em empecilhos ao nosso
entendimento.
155
A ÉPOCA MEDIEVAL E SUA INFLUÊNCIA NA LITERATURA DE HOJE

Os cantadores medievais se expressavam nesse português ainda em


formação, a que se chamou galego-português.
A N O T A Ç Õ E S -
Assim, para decodificarmos a fala da dupla medieval precisamos ter
algum conhecimento daquele falar.
Vejamos o que eles dizem:
João Garcia Lourenço

– Jogral* Lourenço, tens muito – João Garcia, sou sabedor


gosto
de meus misteres sempre
em tocar cítara*; queres, de adiante,
outra vez, cantar;
e vós andais, sempre, a mim
além disso, aceitas logo trovar, os
censurar,
e até já te consideras trovador.
mas não sois tão [bom] crítico
E por tudo isso uma coisa te
direi: a ponto de, com verdade,
poderes dizer
Deus me confunda se hoje eu
lá sei que os meus misteres não sei
bem fazer.
destes ofícios qual fazes
melhor. Mas não sois disso conhece-
dor.
João Garcia, usando de ironia, diz que Lourenço se acha muito compe-
tente em várias artes ou ofícios (“misteres”) e que não pode perceber em
qual deles o adversário é bom. Lourenço responde-lhe que ele sempre o
censura, mas que não vê no adversário competência para julgá-lo.

Você sabia?
Até hoje existe, no Brasil, um tipo de literatura de forte influência me-
dieval. É a chamada literatura de cordel, muito popular especialmente no
Nordeste. Veja, como exemplo, a cantoria dos repentistas que se encontra
na página 160.

Trovadorismo: As Cantigas
Você poderia pensar:
Se o nosso curso é de Literatura Brasileira, por que estamos estudando
a Literatura de Portugal?
Uma das razões é que a formação da Literatura brasileira se encontra na
Literatura Portuguesa da Época Medieval. Por isso, antes de estudarmos a
nossa Literatura, é importante conhecermos as suas raízes.
O texto literário mais antigo de que se tem documento, em Língua Por-
tuguesa, é a Cantiga da Ribeirinha ou da Guarvaia, em galego-português,
escrito em 1189 ou 1198, por Paio Soares de Taveirós para Maria Paes
Ribeiro, a Ribeirinha, amante do Rei de Portugal, Sancho I.
156
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Galego-português é o nome que se dá à fase arcaica* da língua


portuguesa, entre os séculos XII e XV.
Para que você possa comparar o galego-português com a língua atual,
apresentamos a Cantiga da Ribeirinha nas duas versões:

Galego – português compare a mim,


No mundo non me sei parel- enquanto as coisas para mim
ha, forem assim,
mentre me for como me vai, porque já morro por vós – e
ca* já moiro por vós – e ai! ai!

mia senhor branca e ver- minha senhora branca* e


melha, vermelha*,

queredes que vos retraia quereis que vos retrate

quando vos eu vi en saia! quando vos vi em saia!

Mao dia me levantei, Em mau dia me levantei,

que vos enton non vi fea! pois, na ocasião, não vos vi


feia!

E, mia senhor, des aquel di’,


ai! E, minha senhora, desde
aquele
me foi a mi mui mal, dia, ai!
e vós, filha de don Paai tudo me correu muito mal,
Moniz, e ben vos semelha e, vós, filha de Dom Paio
d’aver eu por vós guarvaia, Moniz, parece-vos bem
pois eu, mia senhor, d’alfaia de eu receber, por vosso
nunca de vós ouve nen ei intermédio, uma guar-
vaia*
valia d’ua correa.
pois eu, minha senhora, de
apud Faraco e Moura, p.192 alfaia*
nunca de vós tive, nem terei
Português atual
valia de uma correia*.
No mundo não sei de quem se

Essa cantiga enquadra-se no estilo denominado Trovadorismo, ex-


pressão que vem de trovador, do verbo trouver, em francês, que significa
encontrar, achar. O trovador era o que compunha trovas e, além disso,
era o autor da música que as acompanhava. Daí o nome cantiga, dado à
produção poética da época, feita para ser cantada com acompanhamento
de instrumentos musicais, como a lira, a cítara, o alaúde, a viola.
As cantigas trovadorescas podem ser agrupadas em dois gêneros: o
lírico e o satírico.
Observe o esquema:
Vamos ver como se caracteriza cada uma delas.
157
A ÉPOCA MEDIEVAL E SUA INFLUÊNCIA NA LITERATURA DE HOJE

A N O T A Ç Õ E S -

Cantiga de amigo
• Eu lírico feminino: a fala é de uma mulher, embora o compositor
seja um homem (é a única modalidade em que isso ocorre).
• Tema: variado, mas tratava, principalmente, do lamento de uma
jovem, cujo amigo (namorado, amante) partira.
• Ambientação: ambientes populares (no campo ou na cidade).
• Personagens: pessoas do povo.
• Estrutura simples: muitas repetições, presença de paralelismo
(versos que apresentam elementos iguais ou semelhantes); forte
musicalidade.

Cantiga de amor
• Eu lírico masculino
• Tema: o amor cortês (amor impossível); a vassalagem* amorosa
(o homem mostra-se submisso à mulher); a coita* de amor (so-
frimento de amor).
• Ambientação: a corte (os palácios da nobreza).
• Personagens: pessoas da nobreza, geralmente.
• Estrutura elaborada: poucas repetições, ausência de paralelismo.
158
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - A Cantiga da Ribeirinha é um exemplo de cantiga de amor. A que


apresentamos a seguir, em versão atualizada, é uma cantiga de amigo, de
autoria de D. Dinis, o rei-trovador:

Não chegou, mãe, o meu Ai, mãe, morro de amor!


amigo
E hoje o prazo acabou!
e hoje o prazo terminou
Por que mentiu o perjurado?
Ai, mãe, morro de amor!
Ai, mãe, morro de amor!
Por que mentiu o desmentido,
Não chegou, mãe, o meu
pesa-me, pois por si é falido*
amado
Ai, mãe, morro de amor!
e hoje o prazo acabou
Ai, mãe, morro de amor!
Por que mentiu o perjurado,
pesa-me, pois mentiu por seu
E hoje o prazo terminou!
grado
Por que mentiu o desmen-
Ai, mãe, morro de amor!
tido?
Poesia Medieval

Observe que a fala é de uma mulher à sua mãe, reclamando da falsidade


do namorado ou amante, que lhe jurara voltar dentro de um prazo e não
o fez. A linguagem é bastante simples, cheia de versos repetidos (paralel-
ismo), além do uso do refrão (“Ai, mãe, morro de amor!”).

Cantiga de escárnio
• Eu lírico masculino.
• Crítica indireta: o cantador, geralmente, não revela o nome da
pessoa a quem a sátira é endereçada.
• Linguagem trabalhada: cheia de ambiguidades (duplo sentido).
• Presença de ironia.

Cantiga de maldizer
• Eu lírico masculino
• Crítica direta: geralmente se identifica a pessoa que é alvo da
crítica.
• Linguagem agressiva, direta e, frequentemente, obscena.
• Presença de zombaria.

Vamos confrontar um exemplo de cada uma dessas cantigas, mas


escritas em português atual:
159
A ÉPOCA MEDIEVAL E SUA INFLUÊNCIA NA LITERATURA DE HOJE

Cantiga de escárnio que nunca diria de mal bem.


Nunes Camanês (1), Cantigas
A N O T A Ç Õ E S -
Um fidalgo me tinha convi- de escárnio e maldizer. p. 115
dado Cantiga de maldizer
para que seu jantar fosse
louvado Foi um dia o jogral Lopo

por mim, mas não conhecia o à casa de um fidalgo cantar,


guisado*, e mandou-lhe como presente
lhe dar
e vos direi o que me convém:
três golpes na garganta,
porque já no ano passado
havia jurado e foi ameno, ao meu cuidar,

que nunca diria de mal bem. pela forma como ele canta.

Ameno foi o fidalgo


Disse ele: Pois o jantar foi
dado, em seus golpes então
louvai este jantar honrado. porque não deu a Lopo,

Disse eu: Faria isso de bom mais de três golpes na


grado, garganta,

mas jurei no ano passado em e mais merece o mau jogral


Jaen, pela forma como canta.
na hoste*, quando fui cruzado, Martim Soares, op. cit. p. 118

Nas duas cantigas, o tom crítico está presente. Na primeira delas, porém,
o trovador não diz diretamente que o jantar oferecido por determinado
fidalgo (não identificado) é ruim: ele afirma apenas que, no ano anterior,
fizera uma promessa de nunca mais mentir. Assim sendo, ele não poderia
fazer elogios ao jantar que o nobre oferecera e para o qual fora convidado.
Já na segunda cantiga, Martim Soares, o trovador, afirma diretamente
que Lopo, o jogral (cantor e tocador ambulante, geralmente de origem
plebeia), não sabe cantar e o castigo que recebeu do fidalgo por isso (“três
golpes na garganta”) até que foi suave.
As cantigas satíricas, pelo uso intencional de jogos de palavras e am-
biguidades, contribuíram para o aprimoramento da linguagem literária.
Além disso, são consideradas excelentes fontes de pesquisa sobre os
costumes da sociedade da época.

As Novelas de Cavalaria
Entre os séculos XII e XV, surgiram, em Portugal, as novelas de
cavalaria. Eram narrativas em que se relatavam os costumes e os feitos
dos cavaleiros medievais. De um modo geral, falavam sobre as fantásticas
aventuras de personagens reais ou inventados (fictícios). Um desses per-
sonagens é o rei Arthur com os cavaleiros da Távola Redonda. Um outro
é o imperador francês Carlos Magno com seus doze pares.
160
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Essas novelas podiam, ainda, falar sobre figuras e acontecimentos da


Antiguidade Clássica.
Dessas novelas, destaca-se A Demanda do Santo Graal, cujo tema
é a procura do cálice sagrado (Graal), em que o sangue de Cristo fora
recolhido na hora do seu sacrifício final. Nessa busca, envolvem-se os
cavaleiros da Távola Redonda.

Literatura de cordel
No Brasil, em especial no Nordeste, existe um tipo de literatura popular,
feita por pessoas simples e dirigida a pessoas também simples, conhecida
como literatura de cordel, estruturada em versos e publicada em folhetos,
que ficam expostos nas praças, pendurados em uma corda fina (cordel).
Esses versos (cantados em feiras ou festas) têm assunto variado, indo
de fatos bastante recentes a fatos bastante antigos, como os relatos sobre
Carlos Magno e os doze pares da França, ou outras histórias do início de
várias literaturas europeias.
A origem da literatura de cordel está nos cantadores medievais: da
mesma forma que estes iam, de castelo em castelo, levar a sua arte, os
cantadores nordestinos vão de feira em feira, seguindo os ciclos das festas
religiosas. Ora cantam sós, ora em duplas. Neste último caso, um can-
tador (repentista), por meio de versos improvisados (repentes) sobre um
determinado tema (mote), desafia um outro cantador. Segue-se um duelo
entre eles, no qual cada um quer mostrar a sua superioridade sobre o outro.
É muito comum, também, encontrarmos esses cantadores nas praias,
praças e bares do Nordeste, fazendo versos de improviso sobre as pes-
soas que lá se encontram. No final de cada apresentação, eles “passam
um chapéu” para arrecadar dinheiro.
Esses versos, muito criativos, são acompanhados por um bom som
de viola.
No Rio de Janeiro, é possível encontrá-los, aos domingos, na Feira de
São Cristóvão – um pedaço do Nordeste em pleno Sudeste.
Vários compositores da MPB escreveram (e ainda escrevem) à maneira
das cantigas de amigo, com o eu lírico feminino. Por exemplo:
• Paulo Vanzolini - em Ronda.
• Chico Buarque de Hollanda - em Com açúcar e com afeto;
Atrás da porta; Tatuagem; Olhos nos olhos.

As cantigas de amor refletem-se em algumas composições de Caetano


Veloso e Roberto Carlos. As satíricas, em algumas de Juca Chaves, que
chama a si mesmo de menestrel maldito.
161
A ÉPOCA MEDIEVAL E SUA INFLUÊNCIA NA LITERATURA DE HOJE

E você sabe o que quer dizer menestrel*? Uma consulta ao glossário


deste capítulo resolverá a questão.
A N O T A Ç Õ E S -
Este espaço é reservado para você aplicar os conhecimentos adquiridos
aqui.
Caso sinta dificuldade em resolver alguma questão, releia o capítulo.

DESAFIOS DO PERCURSO

1. Leia os trechos abaixo, de cantigas trovadorescas, escritos em


português atual.

Texto 1 Texto 2
Ai flores, ai flores do verde A dona que eu sirvo e que
pinho, se por acaso sabeis muito adoro mostrai-ma*, ai
novidades do meu amigo? Deus! pois que vos imploro,
Ai... Ai, Deus, onde está ele? senão, dai-me a morte.

Ai flores, ai flores do verde Essa que é a luz destes ol-


ramo, se por acaso sabeis hos meus por quem sempre
novidades do meu amado? choram, mostrai-ma, ai Deus!
Ai... Ai, Deus, onde está ele? senão, dai-me a morte.

Se sabeis novidades do Essa que entre todas fizeste


meu amigo, aquele que formosa, mostrai-ma, ai Deus!
mentiu no que prometeu para onde vê-la eu possa,
mim? senão, dai-me a morte.
Ai, Deus, onde está ele?
A que me fizestes mais que
Se sabeis novidades do meu tudo amar,
amado, aquele que mentiu no mostrai-ma onde eu possa
que me jurou? com ela falar,
Ai... Ai, Deus, onde está ele? senão, dai-me a morte.
D. Dinis Bernardo de Bonaval
op. cit. p. 193

Agora resolva as questões propostas sobre eles.


a) A que gênero literário pertencem?
R

b) Qual o tipo de uma e de outra? A partir de elementos encontrados


no texto, justifique a sua resposta.
R.
162
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - c) Retire de uma delas um verso em que se comprove a vassalagem


amorosa.
R.

d) Transcreva do texto 1 dois exemplos de paralelismo.


R.

e) Compare as duas cantigas e aponte a principal semelhança e


diferença em relação ao assunto abordado.
R.

2. Aponte três semelhanças entre a literatura de cordel e a literatura


medieval
R.

3. Certa vez, o cego Aderaldo, famoso repentista cearense, resolveu


ir ao Piauí para conhecer os cantadores de lá. Na cidade de Varzinha,
hospedou-se na casa de um morador local. Este lhe perguntou se ele não
temia ser desafiado por Zé Pretinho, célebre cantador da região. Aderaldo
respondeu-lhe que não temia ninguém.
Zé Pretinho veio para o desafio e, inicialmente, considerando-se muito
superior, começou a zombar do cego. Entretanto, pouco a pouco, foi ob-
rigado a reconhecer a competência do adversário.
O texto a seguir, de autoria de um famoso cantador paraibano, conta
o trecho final desse desafio entre Zé Pretinho (P) e o cego Aderaldo (C),
além de relatar a declaração da vitória do cego.
Leia-o com atenção:
P - Cego, agora puxa uma P - Cego, estou apertado
das tuas belas toadas que só um pinto no ovo
para ver se essas moças estais cantando aprumado
dão algumas gargalhadas e satisfazendo ao povo
quase todo povo rir este seu tema de paca
só as moças estão caladas. por favor, diga de novo.
C - Amigo José Pretinho
eu não sei o que será C - Digo uma e digo dez
de você no fim da luta no cantar não tenho pompa
porque vencido já está presentemente não acho
– Quem a paca cara com- quem o meu mapa rompa
pra
paca cara pagará
a paca cara pagará.
quem a paca cara compra.
163
A ÉPOCA MEDIEVAL E SUA INFLUÊNCIA NA LITERATURA DE HOJE

P - Cego, teu peito é de aço tema assim é um borrego*


A N O T A Ç Õ E S -
foi bom ferreiro que fez no bico de um caracará*
pensei que o cego não tinha quem a cara cara compra
no verso tal rapidez. caca caca cacará.
Cego, se não for massada
repita a paca outra vez. Houve um trovão de risadas
C - Arre com tanta pergunta pelo verso do Pretinho
deste negro capivara o capitão Duda disse:
não há quem cuspa pra cima arrede pra lá, negrinho
que não lhe caia na cara vai descansar teu juízo
– Quem a paca cara compra o cego canta sozinho.
pagará a paca cara.
P - Agora cego, me ouça Firmino de Teixeira Amaral
cantarei a paca já

Agora responda:
a) Qual foi o mote proposto pelo cego Aderaldo?
R.:

b) Por que o cantador cearense foi declarado vencedor da disputa?


R.:

4. Leia atentamente o texto seguinte:

Atrás da porta

Quando olhaste bem nos No tapete atrás da porta


olhos meus
Reclamei baixinho
E o teu olhar era de adeus
Dei pra maldizer o nosso lar
Juro que não acreditei
Pra sujar teu nome, te humil-
Eu te estranhei, me debrucei har
Sobre o teu corpo e duvidei E me vingar a qualquer preço
E me arrastei e te arranhei
Te adorando pelo avesso
E me agarrei nos teus cabelos
Pra mostrar que ainda sou tua
Nos teus pêlos, teu pijama
Só pra mostrar que ainda sou
Nos teus pés, ao pé da cama tua
Sem carinho, sem coberta
Francis Hime e Chico Buarque
Qual a principal semelhança entre essa composição e a cantiga medi-
eval de amigo? Ao responder, não se esqueça de dar um exemplo retirado
do texto.
R.:
164
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - AMPLIANDO O HORIZONTE

No Cinema e na TV
Em nome de Deus - filme inglês dirigido por Clive Donner. Paris. Ép-
oca Medieval. Uma das grandes histórias de amor da humanidade,
vivida por dois jovens: Abelard e Heloise. Abelard ensina Filosofia
nas escolas que pertencem a uma catedral (igreja). Seus alunos,
por quem é adorado, vêm de todas as partes da Europa. Abelard,
indo a Paris, hospeda-se, a conselho do bispo, em casa de Fulbert,
protetor e tio de Heloise, bela jovem, dotada de cultura invulgar
para uma mulher da época. Os dois acabam se apaixonando, mas
é um amor impossível.
Lancelot - filme americano, dirigido por Jerry Zucker. A história
se passa em Camelot, reino do Rei Arthur, que está prestes a ser
invadido. Lancelot, um dos cavaleiros da Távola Redonda, ajuda a
salvá-lo. É uma história de aventura, traição e amor.

Nas Bancas
Procure ler, em jornais, quadrinhos sobre Hagar, o horrível, de
Chico Browe, ambientado na Idade Média. Hagar é um viking,
casado com Helga, que sempre está a lhe pedir “umas coisinhas”
de Paris, cidade que o marido insiste em saquear.

Nos CDs
Se for possível, ouça em vinil Elomar Figueira, compositor, arquiteto
e criador de bodes em Rio Gavião, Vitória da Conquista, cidade do
interior da Bahia. Ele é autor de belíssimas canções que apresentam
características das cantigas medievais. Entre elas está O auto do
catingueira (gravadora e editora Rio Gavião - Caixa Postal 165):
trata-se da história de Dassanta, bela cabocla sertaneja, que des-
perta a paixão de dois homens. Narrada por meio de cantorias, na
tradição do cordel, inclui desafios, à maneira medieval.
Chico Buarque de Hollanda, Roberto Carlos, Gonzaguinha,
Juca Chaves. Procure ouvi-los e identificar em suas músicas a
influência das cantigas medievais.

GLOSSÁRIO

Alfaia – enfeite, roupa.


Arcaica – muito antiga.
Borrego – carneiro que não tem mais de 1 ano; burro fraco ou
ordinário.
Branca – de pele branca, alva.
165
A ÉPOCA MEDIEVAL E SUA INFLUÊNCIA NA LITERATURA DE HOJE

Ca – porque. A N O T A Ç Õ E S -
Caracará – ave da família dos falconídeos; carcará.
Cítara – instrumento de cordas semelhante a uma lira.
Coita – sofrimento de amor.
Correia – coisa de pouco valor.
É falido – cometeu falsidade.
Guarvaia – vestimenta rica, de cor vermelha, talvez enfeitada com
arminho (espécie de pele).
Guisado – preparado, o que foi servido.
Hoste – exército.
Jogral – aquele que interpreta poemas ou canções.
Menestrel – músico e compositor da época medieval, que, geral-
mente, vivia na casa de um fidalgo.
Mostrai-ma – do verbo mostrar, acompanhado dos pronomes “me”
e “a”: mostrai “ela” a mim.
Vassalagem – submissão.
Vermelha – de faces rosadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 11. ed. Rio de Janeiro:


José Olympio, 1968.
CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de lingüística e
gramática. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1977.
CASTRO, Maria da Conceição. Língua e Literatura. São Paulo:
Saraiva, 1993. V.1.
CEREJA, Roberto William, MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português:
linguagens. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Atual, 1994. V.1.
FARACO, MOURA. Língua e Literatura. 15. ed. reformada. São
Paulo: Ática. V.1.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI:
o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. rev. ampl. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
FIRMINO, Teixeira do Amaral. In: BATISTA, Sebastião Nunes. Anto-
logia da literatura de cordel. Natal: Fundação José Augusto,
1977.
FONSECA, Fernando V. Peixoto (org.). Cantigas de escárnio e
maldizer dos trovadores galego-portugueses. 2. ed. aum.
corr. Lisboa [s. ed.] [s.d.]. (Clássicos Portugueses)
166
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - FRANCIS HIME, CHICO BUARQUE. In: Carvalho, Gilberto de. Chico


Buarque: análise poético-musical. Rio de Janeiro: Codecri,
1982.
LUYTEN, Joseph M. Literatura de cordel, tradição e atualidade.
In: Lona, Fernando. O Romance desastroso de Josiana e Mariana
ou A gesta do boi menino. São Paulo: McGrow - Hill do Brasil,
1997. XI-XVII.
POESIA MEDIEVAL, I. Cantigas de amigo. Ordenação, prefácio e
rotas de Hernani Cidade. Porto: Leitura, 1977.
SARAIVA, Antônio José. 7. ed. Lisboa: Publicações Europa -
América. 1963.

MEMÓRIAS DA VIAGEM
Para cada uma das questões propostas, só há uma resposta, que você
deve assinalar.

CANTAR DE AMOR
Mha senhor, com’oje dia son, Mha senhor, ai meu lum’e
Atan cuitad’e sen cor assi! meu bem,
E par Deus non sei que farei i, Meu coraçon non sei o que
tem.
Ca non dormho á mui gran
sazon. Des oimais o viver m’é prison:
Mha senhor, ai meu lum’e Grave di’aquel en que naci!
meu Mha senhor, ai rezade por mi,
ben, Ca perc’o sen e perc’a razon.
Meu coraçon non sei o que Quer’eu en maneyra de
tem. proençal
Noit’e dia no meu coraçon Fazer agora hum cantar
Nulha ren se non a morte vi, d’amor...
E pois tal coita non mereci, D. Dinis
Moir’eu logo, se Deus mi
perdon.
Antes de resolver as questões sobre o texto, consulte o glossário para
saber o significado de algumas expressões.
1. A afirmação correta sobre o texto é:
a) Trata-se de uma cantiga de amor, porque foi escrito por um
homem e usa o dialeto galego-português.
b) É um poema feito à semelhança das cantigas de amor medieval,
o que pode ser comprovado pelo tema: o sofrimento amoroso
do homem.
c) É uma cantiga medieval de amigo porque pertence ao gênero
lírico e fala da vassalagem amorosa.
d) É uma cantiga de amigo, pois nela o trovador interpreta os sen-
timentos femininos de sofrimento pela ausência do amado.
167
A ÉPOCA MEDIEVAL E SUA INFLUÊNCIA NA LITERATURA DE HOJE

2. Um dos recursos estilísticos empregados pelo poeta, que ajuda na


memorização dos versos é:
A N O T A Ç Õ E S -
a) o paralelismo;
b) o refrão;
c) a metáfora;
d) o eco.
3. No segundo verso da terceira estrofe, o poeta lamenta o dia em que
nasceu: “Grave di’aquel en que naci!” Isso porque ele:
a) não sabia rezar e a amada o fazia em seu lugar;
b) gostaria de poder dormir um pouco, pois sofria de grave insônia;
c) andava sofrendo muito por não ter a mulher amada;
d) achava que Deus não lhe perdoaria por não aceitar conformado
os sofrimentos de amor.
Os dois textos seguintes são da Época Medieval. Leia-os com atenção
e responda às questões feitas sobre eles.

Texto 1
Uma dona, não vou dizer E agora?
qual, O padre já está pronto
teve um forte agouro, e irá maldizer-me
pelas oitavas de Natal: se não me vir na igreja,
saía de casa para ir à missa E disse o corvo: Quá a cá
mas ouviu um corvo carniceiro e ela não quis mais sair de
e não quis mais sair de casa. casa.

A dona, de um coração muito Nunca vi tais agouros,


bom, desde o dia em que nasci,
ia à missa como ocorreu neste ano por
para ouvir seu sermão, aqui:
mas veja o que a impediu ela quis tentar partir,
ouviu um corvo sobre si mas ouviu um corvo sobre si
e não quis mais sair de casa. e não quis mais sair de casa.

João de Santiago.
A dona disse: apud Cereja, p. 76
168
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Texto 2

Quem sua filha quiser dar trabalhos manuais,


uma profissão com que possa enquanto esta mestra aqui
prosperar, estiver,
há de ir a Maria Dominga, ela lhe ensinará a profissão
que lhe saberá muito bem certa
mostrar, para que seja uma mulher
e vos direi o que lhe fará: rica,

antes de um mês lhe ensinará a não ser que lhe faltem


homens.
como rebolar com as ancas.

Deve-se saber disso,


E já a vejo a ensinar a susten-
tar uma filha sua; para aprender essas artes,

e quem observar bem suas além disso, pode-se aprimorar


artes pode afirmar isto: cada vez mais na profissão,
que de Paris até aqui, e depois que aprender tudo
não há mulher que rebole muito bem,
melhor. irá sustentar-se como puder,
sustentar-se com seu próprio
E quem deseja enriquecer trabalho.

não ponha sua filha a fazer Pero da Ponte, idem, p. 77

4. No texto 1, o trovador fala sobre uma mulher que resolveu não ir


à missa por causa de um “corvo carniceiro”. Esse corvo, de acordo com
o contexto:
a) detestava padres;
b) era bastante violento;
c) implicava sempre com ela;
d) anunciava desgraças.
169
A ÉPOCA MEDIEVAL E SUA INFLUÊNCIA NA LITERATURA DE HOJE

5. No texto 1, o trovador insinua que a mulher tinha deixado de ir à


missa por um motivo diferente daquele que ela alegava: ter ouvido o canto
A N O T A Ç Õ E S -
de mau agouro de um corvo. Para ele, porém, o verdadeiro motivo teria
sido o chamado que ela ouviu de um homem.
Qual das passagens da cantiga não permite tal interpretação?
a) Na que relata a situação de o padre já ter-se preparado para
rezar a missa de Natal.
b) Na que o trovador apresenta a voz do corvo (“Qua a cá”), cujos
sons se assemelham ao da frase “Venha cá”.
c) Na que o trovador ironicamente afirma nunca ter ouvido aquele
tipo de agouro de que a mulher falava.
d) Na que se especifica o fato do corvo ser carniceiro, isto é,
“alimentar-se de carne”.

6. Em relação ao texto 2, entende-se que:


a) Maria Dominga tinha muita preocupação com as donzelas da
época.
b) As mães deveriam entregar suas filhas a Maria Dominga para
que elas pudessem ter chance de enriquecer.
c) Maria Dominga ensinava às moças da época a arte da dança,
por meio da qual elas facilmente poderiam enriquecer.
d) Maria Dominga ensinava às moças a arte da sedução e as mães
que desejassem enriquecer deveriam confiar as filhas aos seus
cuidados.

7. Comparando-se o texto 1 ao texto 2, conclui-se que:


a) no 1, o autor faz uma crítica de forma indireta, no 2, de forma
direta;
b) em ambos, o autor evita fazer acusações diretas;
c) só o texto 1 se enquadra no gênero satírico;
d) em ambos, o autor faz uma crítica direta.

8. Os textos 1 e 2 se classificam assim:


a) O 1 é uma cantiga de maldizer; o 2, uma cantiga de escárnio.
b) O 1 é uma cantiga de maldizer; o 2, uma cantiga de amor.
c) O 1 é uma cantiga de escárnio; o 2, uma cantiga de maldizer.
d) O 1 e o 2 são cantigas de maldizer.
170
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Releia os versos que aparecem na abertura deste módulo.

Eu não quero lhe trair


Vou fazer explicação
Tu como és cego de todo
Já vem com malcriação,
Quem faz do cachorro gente
Fica com rabo na mão.
Senhor José eu sou destes
Que canta sem ofender,
Se acaso sou atacado
Sei também me defender.
Burro só é quem não sabe
Ou não quer compreender.

Desafio do cego Aderaldo com Francalino. In: Luyten, Joseph H.


Literatura de cordel, tradição e atualidade

9. José Francalino desafia, na cantoria, o cego Aderaldo, dizendo-lhe


palavras ofensivas. Classifica o adversário de:
a) ignorante, pois é “cego de todo”;
b) traidor, porque se finge de cego;
c) malcriado, porque o acusou de cachorro;
d) mau cantador, porque era completamente cego.

10. O “desafio” dos cantadores nordestinos se assemelha às cantigas


medievais:
a) de maldizer, pelas ofensas diretas e identificação da pessoa
criticada;
b) de maldizer porque o tom é satírico, há presença de ironia e o
eu lírico é feminino;
c) de escárnio, pela agressividade que contém e por dirigir-se di-
retamente ao oponente;
d) de escárnio, porque José Francalino, apesar de agressivo, usa
palavras de sentido ambíguo.
CAPítULO 9

HUMANISMO E CLASSICISMO EM PORTUGAL

• O TEATRO POPULAR: GIL VICENTE


• CAMÕES: LÍRICO E ÉPICO
CAPítULO 9

HUMANISMO E CLASSICISMO EM PORTUGAL

PLANEJANDO A ROTA
A N O T A Ç Õ E S -
N o início do século XVI, Portugal já conquistara colônias na
Ásia, América e África, e em ilhas espalhadas pelo Atlântico, Índico
e Pacífico: é essa grandiosidade de conquistas que inspira Camões a
afirmar que o sol estava sempre brilhando no império português, como
no trecho de os lusíadas que lemos abaixo.

Vós, poderoso Rei, cujo império


O Sol, logo em nascendo, vê primeiro,
Vê-o também no meio do Hemisfério,
E quando desce, o deixa derradeiro.
Neste capítulo, vamos estudar algumas características dessa época.
174
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - INVESTIGANDO CAMINHOS

O Humanismo português corresponde a uma época de transição de


um Portugal caracterizado por valores puramente medievais para uma nova
realidade mercantil, em que se percebe a ascensão dos ideais burgueses.
A economia de sustento feudal é substituída pelas atividades comerci-
ais; inicia-se uma retomada da cultura clássica esquecida durante a maior
parte da Idade Média; o pensamento teocêntrico - Deus como centro do
Universo - é deixado de lado em favor do antropocentrismo - o homem
como centro do Universo.
No Humanismo ocorre um grande desenvolvimento do texto em prosa,
graças ao trabalho dos cronistas, destacando-se Fernão Lopes, consid-
erado o iniciador da arte de escrever crônicas da história portuguesa.
Outra manifestação literária muito importante que se desenvolve nesse
período é o teatro popular, com a produção de Gil Vicente, já no início
do século XVI.
Tanto as crônicas históricas como o teatro de Gil Vicente estão direta-
mente ligados a todas as transformações políticas, sociais e econômicas
acontecidas em Portugal nessa época.

O teatro popular - Gil Vicente


Considerado o criador do teatro português pela apresentação, em 1502,
de seu Monólogo do vaqueiro, Gil Vicente utiliza muito, em seus textos,
a sátira: critica o comportamento dos nobres, do clero e do povo.
Mesmo sendo um homem de profunda religiosidade, o tipo mais co-
mumente satirizado por ele é o frade que se entrega a amores proibidos,
à ganância, ao misticismo exagerado, enfim, à depravação dos costumes.
Em seus textos, critica desde o frade da aldeia até o alto clero, não pou-
pando nem mesmo o papa.
A variedade de tipos humanos é muito rica no teatro vicentino: o velho
apaixonado que se deixa roubar; a alcoviteira; o sapateiro que rouba o
povo; o médico incompetente etc.
Quanto à utilização de cenário e montagens, o teatro de Gil Vicente
é extremamente simples. Seu texto apresenta uma estrutura poética,
incluindo-se no corpo de suas peças várias cantigas.
Já sabemos que Auto designa textos poéticos criados para represen-
tações teatrais, em fins da Idade Média. (Caso tenha dúvidas, releia o
capítulo 6 deste volume.)
A maioria deles apresenta um caráter predominantemente religioso,
embora a obra de Gil Vicente nos ofereça outros tipos de temática.
175
HUMANISMO E CLASSICISMO EM PORTUGAL

Auto da Barca do Inferno


A N O T A Ç Õ E S -
O Auto da Barca do Inferno é a mais famosa peça teatral da Tri-
logia das barcas, formada ainda pelo Auto da Barca do Purgatório
e pelo Auto da Barca da Glória.
No Auto da Barca do Inferno, encontramos duas barcas ancoradas
num braço de rio. Uma delas é comandada pelo Diabo; a outra, por um
Anjo. Vários tipos característicos da sociedade portuguesa, ao mor-
rerem, desfilam diante das barcas e são interrogados pelo Diabo e pelo
Anjo, após o que embarcam ou em direção ao Inferno ou ao Paraíso.
De todos eles, apenas cinco (que representam dois tipos humanos)
– um parvo e quatro cavaleiros que morreram lutando em nome de
Deus – embarcam em companhia do Anjo. O parvo é aceito pelo Anjo
porque não cometeu erros por malícia, ou seja, se pecou, o fez sem
consciência, sem maldade; já os quatro cavaleiros são recebidos com
a seguinte fala do Anjo:
Ó cavaleiros de Deus, Sois livres de todo mal,
a vós estou esperando, Santos, por certo, sem falha:
que morrestes pelejando que, quem morre em tal bat-
por Cristo, Senhor dos Céus! alha,
merece paz eternal.
Os demais – um fidalgo, um sapateiro, uma alcoviteira, um padre
e sua amante, um judeu, um enforcado, um agiota, um corregedor,
um procurador – vão todos para a barca do Diabo, superlotando-a.

Você já teve a oportunidade de assistir a um Auto?


No Brasil, especialmente no Nordeste, encontramos em pleno século
XXI, textos que revelam essa influência medieval: são textos escritos
em versos curtos, apresentando vários diálogos entre personagens, o que
resulta num texto próprio à encenação.
Como exemplos, podemos citar: O Auto da Compadecida, de Ariano
Suassuna, O Auto de Natal pernambucano (mais conhecido como Morte
e vida severina) e o Auto do frade, ambos de João Cabral de Melo Neto.

O Classicismo português
O período do Classicismo em Portugal inicia-se no ano de 1527.
O século XVI é considerado um período áureo da arte portuguesa,
particularmente da literatura, pois temos aí a produção máxima de Luís de
Camões. É nesse século, ainda, que a língua portuguesa assume contornos
definidos, iniciando, assim, o período do português moderno.
A principal característica da arte classicista é a imitação dos modelos da
176
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Antiguidade Clássica (grego-romana). A literatura dessa época caracteriza-


se pela retomada da mitologia pagã e pela perfeição estética, marcada
pela pureza da forma.
Os homens do século XVI acreditavam que os antigos gregos e roma-
nos eram os padrões dos ideais de Beleza. Dessa forma, Homero, Platão,
Virgílio, assim como outros, servem de modelo, pois seus valores eram
considerados como eternos e absolutos.
Novas formas poéticas de inspiração clássica passam a ser utilizadas
pelos artistas da época, e, entre elas, está a epopeia, narrativa de fundo
histórico em que se registram poeticamente as tradições e os ideais de um
povo, sob a forma de aventuras de um ou alguns heróis.

CAMÕES: LÍRICO E ÉPICO


A poesia lírica de Camões apresenta-se marcada por uma dualidade:
ora são textos de nítida herança da tradicional poesia portuguesa, ora são
poesias enquadradas no estilo novo, ou seja, os sonetos.
Entre os temas que mais aparecem na poesia camoniana, merecem
destaque: o amor e o desconcerto do mundo.
O amor, em Camões, ora é visto de forma idealizada: sua amada é um
ser angelical, perfeito; ora como manifestação da carnalidade: um amor
terreno, carnal, erótico. A impossibilidade de obter uma síntese desses dois
amores se revela muitas vezes pelo uso de antíteses (figura pela qual se
destaca a oposição entre palavras e ideias). Camões escreveu poemas que
se tornaram eternos em nossa língua, como esta tentativa de definir o amor:

Amor é um fogo que arde sem se ver


Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;


é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;


é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor


nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
177
HUMANISMO E CLASSICISMO EM PORTUGAL

Observe as oposições contidas no poema: “fogo que arde sem se


ver”; “ferida que dói e não se sente”; “contentamento descontente”, entre
A N O T A Ç Õ E S -
outras, revelando o amor como um sentimento contraditório.
O desconcerto do mundo aparece em poemas sobre as injustiças, a
recompensa aos maus e o castigo aos bons; sobre a ambição; sobre os
sofrimentos, sobre os conflitos entre o ser e o dever ser.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,


diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,


que já coberto foi de neve fria,
e, enfim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,


outra mudança de mor* espanto:
que não se muda já como soía*.

Neste poema Camões retrata seu espanto diante das mudanças: tudo
muda e, na visão pessimista do poeta, essas mudanças vão sempre contra
a esperança: “Continuamente vemos novidades,/diferentes em tudo da
esperança”...

Camões épico – Os Lusíadas


Publicada em 1572, a epopeia Os Lusíadas é considerada o maior
poema épico da língua portuguesa, pelo seu valor poético e histórico.
Para compreender melhor o poema, trazemos a seguir alguns de seus
pontos fundamentais:

Herói
O poema apresenta um herói coletivo, o povo português, individu-
alizado na figura de Vasco da Gama, que é, assim, o herói individual.

Tema
Já nas duas primeiras estrofes, o poeta deixa expresso o tema da
epopeia: a glória do povo navegador português: “entre gente remota
edificaram / Novo Reino que tanto sublimaram”.
178
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Estruturado em 10 cantos, todos eles em oitavas, com 1102 estrofes de


versos de 10 sílabas (decassílabos), Os Lusíadas apresentam a seguinte
divisão:
1) Proposição (estrofes 1, 2 e 3 do Canto I): o poeta apresenta o
assunto do poema.
2) Invocação (estrofes 4 e 5 do Canto I): o poeta invoca as musas
do rio Tejo (Tágides) para que elas o ajudem a compor o poema.
3) Dedicatória (estrofes 6 a 18 do Canto I): o poeta oferece seu
poema ao rei D. Sebastião.
4) Narração (estrofes 19 do Canto I a 144 do Canto X): a narra-
tiva tem início já com as naus em pleno oceano Índico. A ação é
retrospectiva. Em Melinde, Vasco da Gama descreve a Europa e
relata a história de Portugal desde Luso, que fundou a Lusitânia.
5) Epílogo (estrofes 145 a 156 do Canto X): Camões faz as consid-
erações finais do poema, queixa-se da decadência de sua pátria
e da indiferença que seus patrícios têm pelas letras, e exorta o
rei D. Sebastião à prática de ações benignas.

Resumo de Os Lusíadas
Canto I
O poeta indica o assunto do poema: os feitos dos portugueses. Invoca
as Musas, dedica o poema a D. Sebastião e inicia a narração. A frota de
Vasco da Gama já está no oceano Índico, quando se realiza o Concílio
dos Deuses. Baco é contrário aos portugueses, que são defendidos por
Vênus. Os portugueses aportam em Moçambique e seguem, depois, para
Mombaça.
Canto II
O rei de Mombaça tenta destruir a armada portuguesa, salva por Vênus.
Júpiter manda Mercúrio à Terra para orientar os portugueses. A armada
chega a Melinde, onde é bem recebida. Vasco da Gama conta a história
de Portugal.
Canto III
Vasco da Gama invoca a musa Calíope e conta a história de Portugal
até a primeira dinastia (D. Fernando).
Canto IV
Vasco da Gama continua a contar a história de Portugal até sua partida
do Restelo. Episódio do Velho que, no momento da partida das naus,
aparece no Restelo e critica a ambição de conquistas dos portugueses.
Canto V
Vasco da Gama termina a narrativa da história de Portugal, referindo-
se aos acontecimentos da sua viagem, entre eles o episódio do Gigante
Adamastor, simbolizando o cabo das Tormentas. Ali, um gigante ameaça
os navegantes lusos.
179
HUMANISMO E CLASSICISMO EM PORTUGAL

Canto VI A N O T A Ç Õ E S -
Vasco da Gama continua a viagem para as Índias, que avista, depois
de vencer, com a ajuda de Vênus, uma tempestade provocada por Baco.
Canto VII
A armada chega a Calicute, onde os portugueses são bem recebidos.
Canto VIII
Vasco da Gama chega às Índias. Baco tenta armar ciladas contra os
portugueses.
Canto IX
Vasco da Gama livra-se dos problemas e inicia a viagem de regresso.
Camões descreve a ilha dos Amores, onde os portugueses são recepciona-
dos por Vênus e Cupido, para o descanso e recompensa pelos seus esforços
e sofrimentos. Os marinheiros se divertem com as Ninfas.
Canto X
A deusa Tétis oferece um banquete aos portugueses. Depois, ela conduz
Vasco da Gama para o alto de um monte onde descreve o mundo, princi-
palmente as regiões onde os portugueses se destacaram. Camões, depois
de narrar a partida dos portugueses e a chegada a Portugal, queixa-se da
decadência de sua pátria.

DESAFIOS DO PERCURSO

Este espaço é reservado para você aplicar os conhecimentos adquiridos


aqui. Caso sinta alguma dificuldade em resolver alguma questão, releia
o capítulo.
Leia o texto a seguir, com muita atenção e, caso desconheça o signifi-
cado de alguma palavra, consulte um dicionário.

Os Lusíadas
Porém já cinco Sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca de outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando uma noite, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.
180
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Tão temerosa vinha e carregada,


Que pôs nos corações um grande medo.
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo.
– “Ó Potestade (disse) sublimada:
Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?”

Não acabava, quando uma figura


Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida,
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

Tão grande era de membros, que bem posso


Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
C’um tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.

(Canto V, estrofes de 37 a 40)

Agora, responda:
1. As estrofes do texto apresentado pertencem a um famoso episódio
de Os Lusíadas. Qual é o episódio? Que significado tem no contexto do
poema?
R.:

2. “Porém já cinco Sóis eram passados”. Qual o significado desse


verso?
R.:
181
HUMANISMO E CLASSICISMO EM PORTUGAL

3. Potestade significa “poder”, “autoridade” e era uma palavra em-


pregada pela Igreja. No texto, a quem se refere o vocativo “Ó Potestade”?
A N O T A Ç Õ E S -
R.:

4. Indique a estrofe onde O Gigante Adamastor está sendo descrito.


R.:

AMPLIANDO O HORIZONTE

No Cinema e na TV
1942 – A conquista do paraíso: direção de Ridley Scott. Produzido
em homenagem aos 500 anos do descobrimento da América, o filme
conta a história do navegador Cristóvão Colombo.

Nas Livrarias
Os Lusíadas, de Camões: Edição crítica e comentada, de Francisco
da Silveira Bueno. Edições de Ouro.

Na Internet
http://cad-um.geira.pt/alfarrabio/vercial
http://web.rccn.net/camoes/camoes/link.htm
http://lusíadas.gertrudes.com/

GLOSSÁRIO

Mor – maior.
Soía – acontecia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Comentados por Francisco da


Silveira Bueno. São Paulo: Edições de Ouro. [s. d.].
______. Versos e alguma prosa de Luís de Camões. Prefácio e
seleção de textos de Eugênio Andrade. São Paulo: Moraes, 1977.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI:
o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. rev. ampl. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
NICOLA, José de. Literatura brasileira: das origens aos nossos
dias. São Paulo: Scipione, 1997.
RIEDEL, Dirce Côrtes. Literatura Portuguesa em curso. Rio de
Janeiro: Reper, 1970.
182
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - MEMÓRIAS DA VIAGEM

Texto 1

No mar tanta tormenta, tanto dano,


Tantas vezes a morte apercebida;
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?

Luís de Camões

1. Nesta estrofe Camões:


a) exalta a coragem dos homens que enfrentaram os perigos do
mar e da terra;
b) considera quanto o homem deve confiar na providência divina
que o ampara nos riscos e adversidades;
c) lamenta a condição humana ante os perigos, sofrimentos e in-
certezas da vida;
d) propõe uma explicação a respeito do destino do homem.

2. Em Os Lusíadas Camões:
a) narra a viagem de Vasco da Gama às Índias;
b) tem por objetivo criticar a ambição dos navegantes portugueses
que abandonam a pátria à mercê dos inimigos para buscar ouro
e glória em terras distantes;
c) afasta-se dos modelos clássicos, criando a epopeia lusitana, um
gênero inteiramente original na época;
d) lamenta que, apesar de ter dominado os mares e descoberto
novas terras, Portugal acabe subjugado pela Espanha.

Texto 2
O mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
183
HUMANISMO E CLASSICISMO EM PORTUGAL

3. Este poema, de Fernando Pessoa, retoma, no século XX, a temática


da expansão ultramarina também utilizada por:
A N O T A Ç Õ E S -
a) Gil Vicente em seus autos;
b) D. Dinis em seus poemas de amor;
c) D. Dinis em seus poemas de amigos;
d) Camões em sua épica.

4. É uma característica marcante no teatro de Gil Vicente:


a) a revolta contra o cristianismo;
b) a obra escrita em prosa;
c) a elaboração dos cenários;
d) a crítica ao comportamento do clero, dos nobres e do povo.

5. Aponte a alternativa correta em relação a Gil Vicente:


a) é um compositor da MPB;
b) introduziu o lirismo em Portugal;
c) é considerado o criador do teatro português;
d) é o autor de Os Lusíadas.

6. Sobre o Humanismo é correto afirmar:


a) É um período em que tanto as crônicas históricas como o teatro
foram manifestações literárias importantes.
b) A manifestação literária mais marcante desse período foi a poesia
palaciana, pois era feita pelos nobres.
c) O pensamento teocêntrico - Deus como centro do Universo -
destaca-se nesse período.
d) A historiografia portuguesa foi de menor importância durante
todo o período do humanismo.
C A P í t U L O 10

O QUE É NARRAR?
C A P í t U L O 10

O QUE É NARRAR?

PLANEJANDO A ROTA
A N O T A Ç Õ E S -
P rocure olhar todos os detalhes dos quadrinhos.

Como você deve ter observado, as cenas acima estão em uma


sequência, formando uma história.
Que título você daria a ela? De quem será esse cão? Qual a intenção
dele ao pegar o livro?
Ao responder essas perguntas, você está contando a sua versão
dessa história. Você pode ter feito várias leituras para esses quadrin-
hos.Todas são válidas, desde que estabeleçam uma sequência entre
as ideias transmitidas por eles. O texto que você produziu foi uma
narração, que é o assunto deste capítulo.

INVESTIGANDO CAMINHOS

Olhando ao nosso redor, percebemos que o mundo não para e,


todos os dias, todas as horas, fatos acontecem. Esses acontecimentos
da vida real podem ser relatados, assim como podemos, também, criar
várias histórias.
188
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Escrever para contar o que acontece, inventar, reinventar, criar, imagi-


nar situações e contar é narrar.
O texto que faz um relato, que conta uma história é um texto narrativo
e, em geral, possui os seguintes elementos:
• Quem conta: o narrador.
• O que conta: o fato, a ação. O enredo é o conjunto de fatos ou
circunstâncias que constroem o texto.
• Quem age: os personagens.
• Como: o modo como se desenrolou o fato ou a ação.
• Quando: a época, o momento em que ocorreu o fato.
• Onde: o lugar, o espaço.
• O porquê: o motivo.

Às vezes, nem todos esses elementos aparecem em um mesmo texto.


Mas os personagens, os fatos e o narrador sempre estão presentes, pois,
sem eles, não há narrativa. Por exemplo, no início deste módulo, você foi
o narrador da história, a moça e o cachorro, os personagens, e um dos
fatos foi o cochilo da moça.
Numa narrativa pode haver personagens protagonistas, que ocupam
o primeiro lugar nos acontecimentos, são os personagens principais; per-
sonagens antagonistas, que são os adversários deles; e os secundários,
que dão suporte para a história.
Nessa história só aparece a protagonista (a moça) e o antagonista (o
cachorro). Não há personagens secundários.
Você relatou fatos acontecidos com outras pessoas. Naturalmente,
deve ter usado verbos e pronomes na 3ª pessoa do singular (ele/ela)
ou do plural (elas/eles).
Nesse caso, temos uma narrativa em 3ª pessoa, ou seja, o narrador
não é personagem, só conta a história.
Quando narramos, desenvolvemos o pensamento, a linguagem e a
comunicação. O domínio desse processo aumenta a nossa capacidade de
raciocinar e de compreender o mundo e o nosso papel dentro dele.
Faça uma leitura atenta do texto a seguir, retirado de um anúncio pu-
blicado pela revista Veja, em abril de 2000.

Foi uma surpresa. Como eu não sou mãe, aliás, acho que
sou um pouco sim, porque a gente acaba sendo mãe de irmão,
de marido, de cachorro e até da própria mãe. De qualquer
forma, foi uma surpresa e pensei: “ué, ele se lembrou de mim
no dia das mães?”Então, eu abri a caixinha e vi que era uma
jóia. Foi muito legal. E ele me disse que ganhou na promoção
“Seja nosso convidado”, junto com um crédito de R$ 100,00
189
O QUE É NARRAR?

na fatura. Eu falei para ele: “Mas como foi que você ganhou? A N O T A Ç Õ E S -
Você se inscreveu? Ligou?” E ele respondeu que não, que ele,
por possuir um cartão e ter usado, acabou ganhando. Assim,
do nada. Eu fiquei supercontente quando ele me deu a jóia.
Porque eu acho que presente, pode ser uma rosa, mas, se você
não está esperando, é maravilhoso.

Observe que o narrador desse texto é, também, personagem da história:


a pessoa que ganhou a joia.
Veja que os verbos e pronomes estão em sua maioria, na 1ª pessoa do
singular: “eu não sou mãe”; “eu abri a caixinha”.
A personagem relatou uma história da qual ela participou.
Nesse caso, temos uma narrativa em 1ª pessoa, ou seja, o narrador
é personagem da história.
Resumindo:
• Narrador em 1ª pessoa: é aquele que participa da ação, ou
seja, trata-se do narrador-personagem.
Exemplo:
Estava quieta em meu canto, ouvindo uma música bem romântica,
quando, de repente, minha mãe entrou, tão aflita e distraída que
tropeçou no tapete da sala, obrigando-me a levantar para acudi-la.
• Narrador em 3ª pessoa: é aquele que não participa da ação,
ou seja, trata-se do narrador-observador.
Exemplo:
Ela estava sentada quieta em um canto da sala ouvindo uma música
bem romântica, quando, de repente, a mãe dela entrou tão aflita e
distraída que tropeçou no tapete da sala, obrigando-a a levantar-se
e acudi-la.
Quando o narrador não participa dos fatos, ele pode ser um simples
observador, ou um narrador-onisciente (aquele que tem ciência de tudo),
capaz de contar não só o que os personagens fazem, mas também o que
pensam e sentem.
Exemplo:
Aurélia concentra-se de todo dentro de si; ninguém, ao
ver essa gentil menina, na aparência tão calma e tranqüila,
acreditaria que nesse momento ela agita e resolve o problema
de sua existência e prepara-se para sacrificar irremediavel-
mente todo o seu futuro.
Alguém que entrava no gabinete veio arrancar a formosa
pensativa à sua longa meditação.
José de Alencar - Senhora

Repare como o narrador lê os sentimentos, os desejos mais íntimos da


personagem e sabe, até, qual será a repercussão* disso no futuro.
190
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - A opção por um narrador ou outro caracterizará o foco narrativo do


texto:
• Narrador-personagem: foco narrativo em 1ª pessoa.
• Narrador-observador e narrador-onisciente: foco narrativo
em 3ª pessoa.

Falando de época (tempo) e de ambiente


Muitas vezes, olhamos uma fotografia e, pelos elementos que a
compõem, identificamos rapidamente a época e o ambiente retratados.
Assim, também, acontece com os textos, só que a época e o ambiente
são construídos por palavras e ideias, usadas pelo autor para determiná-los.
O tempo, em sentido restrito, está ligado diretamente ao momento em
que o fato acontece; enquanto no sentido mais abrangente, está determi-
nando uma época.
Leia o texto a seguir, para entender melhor o que foi dito:

“Senhora Zuenir Ventura!”, disse em voz alta a enfermeira e,


quando me apresentei, toda a sala de espera riu. Eu sabia que ia acon-
tecer isso, que a bruaca ia trocar o meu sexo. Para evitar o vexame,
tinha corrido para junto dela, assim que apareceu com aqueles papéis
na mão. Era para avisar com minha presença que quem estava ali era
um homem. Não adiantou. Além de não me dar atenção, ainda repetiu:
“Senhora...”. “A Senhora sou eu, pô”, reagi com essa frase ridícula,
provocando mais risos ainda. Isso azedou o meu humor. “Parece surda,
pô, tô avisando e você não ouve!”, resmunguei. Ela não se abalou.
“Como é que ia saber, senhor”, e me virou as costas. Além de tudo,
tinha essa mania de filme de tevê traduzido, cada vez mais difundida*
entre secretárias, telefonistas e enfermeiras cults* – um americanismo
detestável: “É a sua vez, senhor”, “O que deseja, senhor?”, “Obrigada,
senhor”. No meu tempo, ninguém falava assim, a não ser para se dirigir
ao Senhor supremo*.
Tendo que fazer muitos exames médicos ultimamente, o engano
se tornara comum nas salas de espera dos laboratórios. Era infalível*.
As atendentes liam o nome, achavam que se tratava de uma mulher e
disparavam: “Senhora Zuenir...”. As pessoas sentadas junto às paredes
e eu no meio me sentindo num teatro de arena*. Estava traumatizado.
Zuenir Ventura

Percebemos que os fatos narrados nesse texto acontecem em uma sala


de espera de um laboratório de exames clínicos, pelo uso das expressões:
“disse em voz alta a enfermeira”, “toda a sala de espera riu”, e, finalmente,
191
O QUE É NARRAR?

o autor, determina o espaço em: “salas de espera dos laboratórios”. A N O T A Ç Õ E S -


Portanto, fica evidente o ambiente onde se desenvolve a ação.
O tempo, neste texto, aparece de forma mais abrangente, retratando
a época atual nas expressões: “A Senhora sou eu, pô”; “tinha essa mania
de filme de tevê traduzido”; “secretárias e enfermeiras cults”; “No meu
tempo, ninguém falava assim”.
Aproveite a expressão americana cult utilizada pelo autor na crônica
acima e procure fazer um levantamento de palavras americanas que
são utilizadas em nossa Língua, como se fizesse parte dela.

O tempo em sentido restrito, em uma narrativa, pode ser de duas formas:


cronológico e psicológico.
• Tempo cronológico: É marcado pelas horas e datas, como no
exemplo a seguir:

Era domingo, dia 18 de junho do ano 2000, exatamente oito horas,


quando saí para passear com minha grande amiga.
• Tempo psicológico: É marcado, apenas, pelo que se passa no
interior dos personagens. É um tempo diferente daquele marcado
pelo relógio. Observe:

Há muito espero por você, para senti-lo em meus braços novamente.


Parece que o tempo parou, e você não vem nunca mais.
Sabemos que o tempo não para, mas muitas vezes temos essa sensação.
Por exemplo, quando estamos ansiosos à espera de alguém ou de alguma
data importante; em outras vezes, quando a situação é muito prazerosa,
gostaríamos que o tempo parasse, mas ele parece voar.

DESAFIOS DO PERCURSO
Este espaço é reservado para você aplicar os conhecimentos adquiridos
aqui.
Caso sinta dificuldade em resolver alguma questão releia o capítulo.
1. Leia o texto a seguir, com muita atenção.
192
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - HISTÓRIAS
Depois tem a história do Branco. O Branco contou na roda que
estivera preso por questões políticas, mas que não fora torturado.
Em vez disto, colocaram o Branco numa cela com o Tocão, que
tinha mais de peito do que o Branco tem de altura, com a recomendação
de lhe contar histórias. O Tocão gostava de ouvir histórias. O Branco
só devia parar de contar histórias quando o Tocão dissesse “chega”.
Senão, ó... E o delegado juntou as duas mãos lentamente, como quem
amassa alguma coisa, dando a entender que entre as mãos do Tocão
estaria a cabeça do Branco.
Quando entrou na cela, o Branco deu bom-dia, mas o Tocão não
respondeu. Só grunhiu. Sem perder tempo, o Branco começou:
­ – Era uma vez...
Olhou para o Tocão para ver se era esse tipo de história que ele
gostava. O Tocão estava impassível*. Branco continuou:
–... uma princesa que morava num castelo. Um dia um passarinho
chegou na janela da princesa e...
Durante muitas horas o Branco contou sua história. O Tocão não
fazia um som. Seus olhos não se desprendiam* da boca do Branco.
Entrou de tudo na história do Branco. Príncipe. Madrasta. Lobo. Sapo.
Dragão. Anão. Vovozinha. Bruxa. Caçadores.
Várias vezes o Branco sugeriu que a história tinha terminado.
– E viveram felizes para sempre...
Mas Tocão não dizia nada. E o Branco, apavorado, emendava
outra história.
– Enquanto isto, em outro castelo, longe dali...
O Branco contou todas as histórias de fada que conhecia e inven-
tou mais algumas. Quando não sabia mais o que inventar, começou
a contar filmes, romances, tudo que pudesse lembrar. O dia raiou e o
Tocão continuava olhando para a boca do Branco. O Branco espremia
a própria cabeça, metaforicamente, para se lembrar de mais histórias.
Já esgotara todos os enredos possíveis. Recorrera à Bíblia, às Mil e
uma Noites, a Dom Quixote, a Homero, a Janete Clair. Começou a
recontar histórias, variando alguns detalhes para o Tocão não descon-
fiar. Na nova versão, a vovozinha comia o lobo. Misturou histórias.
Scheerazade e o Negrinho do Pastoreio contra Darth Vader. Pinóquio,
Rei Artur e Capitão Nemo encontram os Três Mosqueteiros nas este-
pes e preparam uma emboscada para o mensageiro do Tzar. Os dias
passavam e o Tocão não desgrudava os olhos da boca do Branco. O
Branco não tinha mais voz. Decidiu contar histórias de pouca ação,
mas com muito conteúdo psicológico, para ver se o Tocão se chateava
193
O QUE É NARRAR?

e dizia “Chega”. E o Tocão nem piscava. Finalmente o Branco se A N O T A Ç Õ E S -


atirou contra as grades e gritou – ou sussurrou, pois não tinha mais
voz – que não agüentava mais, que o tirassem dali, que confessaria
tudo. O delegado veio, abriu a porta da cela para o Branco sair e fez
o sinal de “positivo” para o Tocão, que era surdo e mudo e nunca na
vida matara uma mosca.
Teve gente na roda que pensou seriamente em esmagar a cabeça
do Branco.
Luis Fernando Veríssimo

Agora, responda de acordo com o texto.


a) Quais os fatos narrados no texto?
R.:

b) Quais são os personagens envolvidos na história?


R.:

c) Qual é o personagem principal da história? E o antagonista?


R.:

d) Qual o foco narrativo do texto? Justifique sua resposta com ex-


emplos retirados do texto.
R.:

e) Em que ambiente se passa a história?


R.:

f) Há uma expressão, no penúltimo parágrafo, que indica a pas-


sagem do tempo. Copie-a.
R.:

g) No primeiro parágrafo, Branco afirma não ter sido torturado.


Você concorda com isso? Justifique sua resposta.
R.:
194
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 2. Redação-Unicamp/96 – No dia 13 de janeiro de 1996, uma jovem


estudante, ao entrar em um ônibus urbano, percebe que alguém havia es-
quecido um livro sobre o banco. Era um livro de poesias. Curiosa, começa
a folheá-lo e percebe que um dos poemas estava marcado:

DESPEDINDO-SE DE UM AMIGO

Montes azuis ao norte das muralhas,


Rio branco serpenteando em torno deles;
É aqui que devemos separar-nos
E prosseguir por milhares e milhares de léguas
De capim morto.
A mente é ampla nuvem flutuante,
O crepúsculo é a despedida de velhas amizades
Curvadas sobre mãos dadas na distância
Nossos cavalos rincham, um ao outro,
enquanto nos separamos.

Rihako

Impressionada com o poema, começa a se interessar pelo dono do livro.


Ao virar as páginas, encontra este bilhete:

São Paulo, 13 de janeiro de 1996


Meu amigo
Também estou preocupado há tempo com suas reações.
É bem verdade que seus problemas são muitos, e graves,
mas sua morte certamente não é a melhor solução. Entendo
que você esteja cansado mas ainda há vínculos que o pren-
dem à vida: pense nas mulheres que o amaram e aquela
que ainda o ama. Pense nos seus amigos e na falta que você
fará a eles – e principalmente a mim.
Pelo amor de Deus, não se precipite*. Venha conversar
comigo hoje, às quatro horas, em minha casa.
Fausto

Tendo lido o poema e o bilhete, a jovem estudante começa a imaginar:


Quem teria esquecido o livro? Quem seria o autor do bilhete? Quais seriam
os problemas a que o bilhete se refere? Teriam relação com passagens do
poema? Teria o bilhete chegado às mãos do destinatário? Teria surtido
algum efeito? Há alguma coisa que eu possa fazer?
195
O QUE É NARRAR?
Redija uma narrativa contando o que a estudante faz a partir desse
momento.
Instruções:
A N O T A Ç Õ E S -
• Sua narrativa deverá ser em 1ª pessoa. O narrador deverá ser
obrigatoriamente a jovem estudante.
• É preciso construir duas personagens – os dois amigos – utilizando
elementos do bilhete e do poema.
• Se achar necessário, você pode construir outras personagens.

3. Observe com atenção a ilustração a seguir e, a partir dela, faça uma


narrativa imaginando os fatos que essa imagem sugere. Lembre-se de
explorar os elementos de uma narrativa. Primeiro, escolha se o narrador
será em 1ª ou 3ª pessoa, depois atribua ações às personagens, que devem
movimentar-se num determinado lugar e tempo. Crie um título.

AMPLIANDO O HORIZONTE

No Cinema e na TV
Tanto nos filmes como nas telenovelas fica fácil identificar os elemen-
tos narrativos: fato, personagens, época etc. A seguir, indicamos
dois filmes:
Coração valente – produção americana, dirigido e estrelado por
Mel Gibson. Conta fatos acontecidos na saga da independência da
Escócia, no século XIII. É um filme cheio de aventuras e surpresas.
Dona Flor e seus dois maridos – produção brasileira. Baseado
no romance de Jorge Amado, conta a história de amor entre uma
mulher e seus dois maridos.
196
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Nas Livrarias
O menino no espelho – romance, de Fernando Sabino, publicado
pela editora Record, 1996. Uma história da infância do autor, cheia
de aventuras mirabolantes: um mundo cheio de mágicas e surpresas,
que vale a pena ser explorado.
Alice e Ulisses – romance, de Ana Maria Machado, publicado pela
editora Nova Fronteira, em 1990. Conta a paixão devastadora entre
Alice e Ulisses. Fala do amor e do eterno conflito do homem entre
a razão e a paixão.
Paratii, entre dois polos – omance, de Amyr Klink, publicado
pela editora Companhia das Letras, em 1998. Relata uma viagem
inesquecível, tendo como comandante uma pessoa capaz de navegar
com rara competência: Amyr Klink.

NAS BANCAS
Procure identificar nas notícias e crônicas publicadas em jornais
e revistas, os elementos narrativos.

Nos CDs
Chico ao vivo: BMG, em especial as músicas Cotidiano, João e
Maria e Construção.
O melhor de Elis Regina: Philips, em especial as músicas. Ro-
maria, O Rancho da Goiabada e Mucuripe.

GLOSSÁRIO
Cafundós – lugar ermo e afastado.
Cult(s) – palavra da língua inglesa, culta.
Desprendiam – do verbo desprender; desligava, despregava,
soltava.
Difundida – espalhada, irradiada, divulgada.
Impassível – indiferente à dor, às alegrias ou aos desgostos; imune
às paixões.
Infalível – aquele ou aquilo que não falha.
Jabiraca – roupa velha e/ou mal feita; bruxa.
Precipite – do verbo precipitar; antecipe, aja sem pensar.
Repercussão – ato ou efeito de ecoar, de fazer sentir indiretamente
a ação ou sua influência.
Senhor supremo – Deus.
Teatro de Arena – um teatro onde a plateia senta-se ao redor do
palco, como nas arenas de gladiadores, de rodeios, de touradas
e de futebol.
197
O QUE É NARRAR?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A N O T A Ç Õ E S -
ALENCAR, José de. Senhora. Rio de Janeiro: Ática, 3. ed. 1973.
AZEVEDO, Ricardo. A casa do espelho. Revista Escola Nova, São
Paulo, Abril, n. 122, abr./maio, 1999.
FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo Aurélio século XXI: o di-
cionário da língua portuguesa. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1999.
Veja. São Paulo: Abril, 24 de maio de 2000.
SANTOS, Ailton. Redação sem medo nem segredos. São Paulo:
Navegar, 1999.
VENTURA, Zuenir. Mal Secreto. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias da vida privada. 12. ed.
Porto Alegre: L&PM,1994.

MEMÓRIAS DA VIAGEM

O texto a seguir é uma narrativa de origem chinesa, de autor descon-


hecido, cuja versão foi feita por Ricardo Azevedo.
Leia-o com bastante atenção.

O CASO DO ESPELHO
Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa
casinha de sapé esquecida nos cafundós* da mata.
Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma loja e viu
um espelho pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca. Apertou
os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos:
– Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui?
– Isso é um espelho – explicou o dono da loja.
– Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do
meu pai.
Os olhos do homem ficaram molhados.
– O senhor... conheceu meu pai? – perguntou ele ao comerciante.
O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho
comum, desses de vidro e moldura de madeira.
– É não! – respondeu o outro. – Isso é o retrato do meu pai. É ele
sim! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele
sorriso meio sem jeito?
198
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e


vendeu o espelho, baratinho.
Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa
todo contente. Guardou, cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta
da penteadeira.
A mulher ficou só olhando.
No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu para
o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira, desembrulhou o espelho,
olhou e deu um passo atrás. Fez o sinal da cruz tapando a boca com
as mãos. Em seguida, guardou o espelho na gaveta e saiu chorando.
– Ah, meu Deus! – gritava ela desnorteada. – É o retrato de outra
mulher! Meu marido não gosta mais de mim! A outra é linda demais!
Que olhos bonitos! Que cabeleira solta! Que pele macia! A diaba é
mil vezes mais bonita e mais moça do que eu!
– Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda de-
sarrumada. A mulher, chorando sentada no chão, não tinha feito nem
a comida.
– Que foi isso, mulher?
– Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato?
– Que retrato? – perguntou o marido, surpreso.
– Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira!
O homem não estava entendendo nada.
– Mas aquilo é o retrato do meu pai!
Indignada, a mulher colocou as mãos no peito:
– Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a dife-
rença entre um velho lazarento e uma jabiraca* safada e horrorosa?
A discussão fervia feito água na chaleira.
– Velho lazarento coisa nenhuma! – gritou o homem, ofendido.
A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que
estava acontecendo. Encontrou a filha chorando feito criança que se
perdeu e não consegue mais voltar pra casa.
– Que é isso, menina?
– Aquele cafajeste arranjou outra!
– Ela ficou maluca – berrou o homem, de cara amarrada.
– Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá do quarto,
mãe! Hoje, depois que ele saiu, fui ver o que era. Tá lá! É o retrato
de outra mulher!
199
O QUE É NARRAR?

A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato. A N O T A Ç Õ E S -


Entrando no quarto, abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou.
Arregalou os olhos. Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada.
– Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais
enrugada, feia, velha, cacarenta, murcha, arruinada, desengonçada,
capenga, careca, caduca, torta e desdentada que eu já vi até hoje!
E completou, feliz, abraçando a filha:
– Fica tranqüila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova!

Responda as perguntas a seguir, com base na leitura do texto.


1. Os personagens envolvidos na história são:
a) A sogra, a esposa e o homem que comprou o espelho.
b) O homem que comprou o espelho, a esposa e a sogra dele e o
dono da loja.
c) O dono da loja, o homem que comprou o espelho, o pai, a es-
posa e a sogra dele.
d) O pai do homem que comprou o espelho, a amante e a esposa
dele.

2. A expressão que melhor demonstra a ingenuidade do homem que


comprou o espelho é:
a) viu um espelho pendurado;
b) quis saber o preço do espelho;
c) morava muito longe;
d) não sabia quase nada.

3. O homem confundiu a imagem dele no espelho com a do:


a) vizinho;
b) comerciante;
c) pai;
d) filho.

4. Em qual espaço acontece a maior parte da narrativa?


a) Na loja de espelhos.
b) Em uma casa de sapé.
c) No meio da rua.
d) Em um ônibus.
200
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 5. Nesse texto, temos uma narrativa em:


a) 3ª pessoa;
b) 1ª pessoa;
c) ora em 1ª, ora em 3ª pessoa;
d) 2ª pessoa.

6. “A discussão fervia feito água na chaleira.” Essa frase indica que:


a) Havia uma chaleira com água fervendo no fogão.
b) A discussão ora esquentava, ora esfriava.
c) A discussão estava muito forte mesmo.
d) Era uma pequena discussão.

7. Toda a confusão, narrada pelo autor do texto, aconteceu porque:


a) O espelho era mágico e mudava a aparência das pessoas.
b) O homem que vendeu o espelho era um feiticeiro.
c) O espelho falava e as pessoas se assustavam.
d) As pessoas não sabiam o que era um espelho.

8. Há um conto de fadas, bastante conhecido, cujo espelho mágico


sempre mostra a verdadeira imagem das pessoas, gerando um conflito
entre os personagens.
A que conto de fadas estamos nos referindo?
a) A Gata Borralheira.
b) Branca de Neve e os sete anões.
c) O patinho feio.
d) Chapeuzinho Vermelho.

9. A esposa do homem que comprou o espelho era uma:


a) jovem que não gostava de arrumar a casa;
b) mulher enrugada e muito feia;
c) jovem bonita e ciumenta;
d) mulher feia e meio cega.

10. Qual a frase que confirma que a sogra não morava com o casal?
a) A mãe da moça escutou a gritaria.
b) Ontem eu vi ele escondendo o pacote.
c) A mãe encontrou a filha chorando.
d) A mãe da moça morava perto.
C A P í t U L O 11

A LITERATURA INFORMATIVA
SOBRE O BRASIL

• LITERATURA DOS DESCOBRIDORES,COLONIZADORES E


VIAJANTES

• A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA


• A LITERATURA DE CATEQUESE E O PADRE ANCHIETA
C A P í t U L O 11

A LITERATURA INFORMATIVA
SOBRE O BRASIL

PLANEJANDO A ROTA
A N O T A Ç Õ E S -
E começa a longa história
do navio que ia e vinha
pela estrada azul do Atlântico:

Ia, levando pau-brasil


e homens cor da manhã, fi lhos do mato,
cheios de sol e de inocência;
vinha trazendo degredados...

Cassiano Ricardo

E o navio ia... e vinha... Ia... e vinha... Ia... carregando as riquezas


da terra recém-descoberta. Vinha... trazendo e impondo aos seus ha-
bitantes a cultura portuguesa: sua língua, sua culinária, suas vestes,
sua religião, sua arte, seus costumes...
Começa, assim, a vida na nova colônia de Portugal e as suas primei-
ras manifestações literárias, ligadas à Literatura portuguesa do século
XVI, cujas obras têm, como assunto, os descobrimentos marítimos e
as suas consequências.
A literatura produzida no ou sobre o Brasil, nos três primeiros sécu-
los do período colonial, prende-se, em sua maior parte, aos motivos
do ciclo dos descobrimentos, que está, em boa parte, ligado a questões
econômicas: caça aos escravos, conquistas de novas terras, de novos
204
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - mercados, de novas fontes de riquezas, ou à expansão comercial. Sendo


a literatura do Brasil-Colônia, durante os anos 500, basicamente, um pro-
longamento da literatura portuguesa, expressou os valores e tradições de
Portugal, negando os valores nacionais: as manifestações que contrarias-
sem a mentalidade do colonizador eram, aqui, proibidas.
As primeiras manifestações literárias na Colônia constituíram-se de
obras produzidas por religiosos (especialmente os jesuítas), de relatos
dos descobridores, dos colonizadores e de viajantes estrangeiros que aqui
estiveram, além de obras de caráter científico.
Todas essas obras, porém, a rigor, não podem ser, de fato, classifica-
das como literárias: não apresentam como preocupação principal o fazer
poético, embora, em algumas, entrevejam-se passagens criativas.

INVESTIGANDO CAMINHOS

Literatura DOS DeScObriDOreS, cOLOniZaDOreS e viaJanteS


Além dos descobridores e colonizadores portugueses, muitos es-
trangeiros instruídos estiveram em nosso país durante o século XVI,
acompanhando expedições invasoras ou por outros meios. Alguns deles
fizeram relatos sobre a terra, descrevendo-lhe a paisagem, a fauna, a flora,
os habitantes e seus costumes. Outros relataram, ainda, experiências pes-
soais, como o alemão Hans Staden, que, durante nove meses, foi prisioneiro
dos índios Tupinambá (inimigos dos portugueses).
Leia um trecho do relato da experiência de Staden entre aqueles índios:

No dia de meu aprisionamen-


to, navegamos ainda umas 7 mil-
has, afastando-nos de Bertioga.
Depois – de acordo com a posição
do sol deviam ser quase 4 horas
da tarde – os selvagens se dirigi-
ram a uma ilha, onde pretendiam
passar a noite. Puxaram os bar-
cos para a terra e me retiraram à
força daquele em que eu estava.
Meu rosto estava tão machucado
que eu não conseguia ver quase nada. Andar também era impossível,
por causa do ferimento na perna, portanto fiquei deitado na areia.
Os selvagens puseram-se à minha volta, demonstrando com gestos
ameaçadores que desejavam devorar-me.
Hans Staden 1999, p.60
205
A LITERATURA INFORMATIVA SOBRE O BRASIL

Nos autores portugueses, além da preocupação de informar aos reinóis


(habitantes de um reino) sobre a colônia americana, é possível observar-se
A N O T A Ç Õ E S -
um entusiasmo apresentado num certo tom poético, em relação a ela, ou
à crença num eldorado, isto é, num paraíso terrestre.

De ponta a ponta é todo praia. – ...


muita chã* e muito fremosa.* (...)
E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar,
dar-se-á nela tudo por bem das águas que têm ...

Pero Vaz de Caminha

Outras obras, entretanto, tinham caráter especificamente científico:


eram descrições geográficas, roteiros náuticos etc.
Junto com os colonizadores, vieram, para nossa terra, religiosos,
principalmente padres jesuítas, que foram responsáveis por boa parte da
literatura aqui produzida na época, tendo como finalidade, principalmente,
a catequese.
Responsáveis não só pela catequização e defesa dos índios, como pela
orientação moral e espiritual da Colônia, os padres jesuítas, que aqui chega-
ram com o primeiro governador geral (Tomé de Sousa), realizaram uma
ampla atividade cultural. Além de dominarem todo o sistema de ensino,
esses religiosos promoveram o desenvolvimento social e produziram im-
portantes obras de informação sobre a terra, o indígena, as condições gerais
da catequese ou sobre aspectos da vida moral e espiritual dos colonos.
Embora se pudessem encontrar algumas características literárias, essa
não é a preocupação primordial dos escritos dos jesuítas: “ganhar almas”
é o alvo principal. Suas criações eram veículos do sentimento religioso e,
para isso, valeram-se de suas normas, padrões e mitos, traduzidos de forma
a ficar ao alcance do entendimento e gosto do indígena: os velhos valores
da religiosidade medieval (teocentrismo)
eram apresentados numa linguagem
simples e, às vezes, na própria
língua falada pelo índio.
Os seus ritos, cerimô-
nias e trejeitos eram
também utilizados,
desde que não se
chocassem muito
com as normas da
Igreja. Procuravam
dirigir-se à emoção e à imaginação do primitivo habitante da terra,
recorrendo a tudo o que era costumeiro na vida deles. Nos espetáculos
206
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - apresentados nas igrejas, usavam o bilinguismo (duas línguas) e até as


acomodações do local atendiam ao gosto do nativo.
As produções jesuíticas constituíram-se de obras líricas (poesias) e
dramáticas (textos para teatro), além de cartas e textos informativos
sobre as condições da Colônia e dos seus habitantes.

O que é Literatura Informativa


Levando-se em consideração os ideais do século XVI, expressos no
espírito de aventura e de expansionismo geográfico, na sedução pelo
exótico (diferente) e na propagação da fé cristã, pode-se definir a litera-
tura da época como:

(...) literatura narrativa e informativa, muitas vezes com mani-


festações criadoras, em que se dá conta de aventuras pessoais,
de acontecimentos de significado histórico, do conhecimento
da paisagem física e do habitante primitivo do Brasil, das
condições da terra recém-descoberta.
Cândido, Castello, 1975, p.32

Além dos aspectos informativos, pode-se acrescentar um caráter moral


e didático à obra dos autores jesuítas.
Dentre esses autores, destacam-se:
Manuel da Nóbrega - Autor, entre outras, de uma importante obra, que
apresenta, de forma equilibrada, os aspectos favoráveis e desfavoráveis em
relação à abertura do indígena para conversão ao cristianismo. Intitula-se
Diálogos sobre a conversão dos gentios.
Fernão Cardim - Entre as obras que escreveu, destaca-se Tratados
da terra e da gente do Brasil, na qual o caráter informativo se mistura
com aspectos literários.
José de Anchieta - Pelos aspectos particulares e pela importância
literária de sua obra, será estudado à parte.
Pero Vaz de Caminha - Escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, es-
creveu a famosa “carta de achamento”, uma verdadeira certidão de batismo
da terra brasileira. Nela, relatou ao rei D. Manuel as primeiras informações
sobre a terra e as impressões do europeu diante daquela terra de natureza
exuberante, habitada por um povo pacífico, de estranhos costumes.

A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA


Dotado de senso observador, o escrivão dá, na carta, notícias detalhadas
sobre a futura colônia, refletindo, em seu relato, os ideais mercantilistas
da época, temperado com uma preocupação de levar aos povos da terra
descoberta os valores cristãos ainda medievais.
207
A LITERATURA INFORMATIVA SOBRE O BRASIL

Nos trechos seguintes, a mesma passagem da Carta é apresentada em


duas versões (em português arcaico e atual), para que você possa com-
A N O T A Ç Õ E S -
parar dois estágios distintos da Língua Portuguesa, separados por cinco
séculos de evolução.

Agoas sam, mujtas jnfinidades. E em tal maneira he


graciosa que querendoa aproveitar darsea neela
tudo per bem das agoas que tem, pero omjlhor
fruito que neela se pode fazer me parece
que sera salvar esta jemte e esta deve
seer aprincipal semente que Vosa
Alteza em ela deve lamçar.
E que hy nõ ouvesse mais ea
teer aquy esta pousada pera esta
nauvegaçom de Calecute, abastaria. Quanto mais, desposição pera se
neela comprir e fazer o que Vosa Alteza tamto deseja, a saber, acres-
centamento danosa santa fé!
A carta de Pero Vaz de Caminha

Em português atual:

As águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que,


querendo-se aproveitá-la, dar-se-á nela tudo, por
causa das águas que tem; porém o melhor fruto
que dela se pode tirar me parece que será salvar
esta gente. E esta deve ser a principal semente que
Vossa Alteza nela deve lançar.
E que não houvesse mais que ter aqui esta pousada
para a navegação até Calicute, isso bastaria. Quanto
mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que
Vossa Alteza tanto deseja, a saber, o acrescentamento*
da nossa santa fé!
A carta de Pero Vaz de Caminha

Outros autores:

Pero de Magalhães Gandavo - Na sua obra História da província de


Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil, presta informações
(como os demais cronistas da época) sobre a terra, de modo a melhor
favorecer ou orientar as intenções dos colonizadores e exploradores. Tece
elogios ao clima e ao solo brasileiro, fala sobre sua geografia, visando à
possibilidade dos reinóis virem a desfrutá-la; fala também de suas plantas
e de seus frutos:
208
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Uma planta se dá também nesta província, que foi da ilha


de São Tomé, com a fruita da qual se ajudam muitas pessoas
a se sustentar na terra. Esta planta é mui tenra e não mui alta,
não tem ramos senão umas folhas que serão seis ou sete pal-
mos de comprido. A fruita dela se chama banana. Parecem-se
na feição com pepinos e criam-se em cachos. (...) Essa fruta
é mui sabrosa*, e das boas, que há na terra: tem uma pele
como de figo (ainda que mais dura) a qual lhe lançam fora
quando a querem comer: mas faz dano à saúde e causa fevre
a quem se desmanda nela.
apud Bosi, p.19

Gabriel Soares de Sousa - A obra deste cronista é considerada como


a mais completa fonte de informações sobre o Brasil-Colônia do século
XVI. No seu relato a Portugal sobre as possibilidades econômicas da nova
terra, incluindo minas de ouro, prata e esmeralda, apresenta descrições
cuidadosas sobre a fauna e flora da Bahia, nas quais se reflete todo o
encantamento dele. Além disso, dá informações sobre a cultura material
e religiosa dos indígenas.
Na apresentação que faz da sua obra Tratado descritivo do Brasil,
Gabriel Soares deixa evidente suas intenções ao escrevê-la:

(...) Em reparo e acrescentamento estará bem empregado todo


o cuidado que Sua Majestade mandar ter deste novo reino, pois
está capaz para se edificar nele um grande império, o qual com
poucas despesas destes reinos se fará tão soberano, que seja
um dos estados do mundo, porque terá de costa mais de uma
légua, como se verá por este tratado no tocante à cosmografia*
dele, cuja terra é quase toda muito fértil, mui sadia, fresca e
lavada de bons ares, e regada de frescas e frias águas.
apud Cândido, Castello, p. 38

A LITERATURA DE CATEQUESE E O PADRE Anchieta


Diferente do que acontece com os demais escritores da época, excluin-
do-se os seus primeiros escritos (cartas, informes, fragmentos históricos),
na obra do padre José de Anchieta evidenciam-se intenções literárias: seja
naquelas destinadas à catequese, seja em outras, desinteressadas, sem
finalidade pedagógica.
Poeta e autor de peças de teatro, o jesuíta escreveu diversos autos
visando à edificação do índio e do branco, e poemas com estrutura literária
(versos ritmados, linguagem poética).
209
A LITERATURA INFORMATIVA SOBRE O BRASIL

Nos autos, Anchieta materializa o Mal (os vícios) na figura de demônios;


o Bem (as virtudes) na figura de anjos. E, como a cultura indígena, na
A N O T A Ç Õ E S -
visão religiosa teocêntrica do jesuíta, é fruto da influência que o Diabo
exerce sobre os não cristãos, é preciso convertê-los. Ou seja: é preciso
substituir os valores pagãos pelos valores do cristianismo. Mas, colono
ou índio, a salvação das almas é o grande objetivo e, para isso, Anchieta
vale-se dos mais diferentes recursos de persuasão (convencimento). Entre
ele, citam-se:
• uso de uma linguagem simples, próxima do público a que se
destina, inclusive utilizando o tupi;
• emprego da “medida velha” (verso de sete sílabas), pois versos
curtos são mais fáceis de memorizar;
• mistura nos autos de elementos sagrados e profanos (não sagra-
dos), do natural e do sobrenatural, do presente e do passado;
de elementos realistas e simbólicos, conciliando os valores e
tradições indígenas com os valores morais e espirituais da Igreja;
• emprego, ainda nos autos, de diálogos, de recitativos, de ora-
ções, de canto e de música.

Entre os autos de Anchieta, destaca-se Na festa de São Lourenço,


representado, pela primeira vez, no terreiro da capela de São Lourenço,
em Niterói (RJ).
Entre os principais personagens da peça, figuram São Lourenço, um
anjo, o rei dos diabos (Guaixará), quatro companheiros deste e dois criados,
todos também com nomes indígenas (provavelmente de heróis e guerreiros
cuja memória era cultuada).
No trecho seguinte (do segundo ato), os demônios, a mando do Anjo
da Guarda, são presos pelos santos Lourenço e Sebastião. Observe a lin-
guagem popular e até mesmo cômica empregada pelo jesuíta.

São Sebastião (a Aimberê)


Grita! Lamenta! Te arrasta! Sapo cururu minguá
Te prendi! ou filhote de gambá,
ou bruxa pedindo arrego?
Aimberê
Maldito seja!
Sai daí seu fedorento,
abelha de asa de vento,
Anjo zorrilho, maritacaca*
És tu que estás escondido seu lesma, tamarutaca*.
serás acaso um morcego?
Anchieta, p.16
210
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Dotado de vasta cultura, Anchieta, quando não estava preocupado com


a catequese, expressava-se também em latim, língua usada pelos eruditos
(sábios) da época. Foi nessa língua, por exemplo, que escreveu um poema
dedicado à Virgem Maria, quando ficou refém dos índios Tamoio, em
Iperoig, no Espírito Santo.

Importância da Literatura Informativa


Mesmo que a Literatura Informativa não possa ser considerada como
marco inicial da nossa arte literária, pois lhe faltam as marcas típicas do
fazer poético, sua importância reside em ser indispensável fonte de con-
hecimento do nosso país, especialmente do século XVI, além de inspirar
manifestações literárias posteriores, como o Romantismo e o Modernismo.

DESAFIOS DO PERCURSO

Este espaço é reservado para você aplicar os conhecimentos adquiridos


aqui.
Caso sinta alguma dificuldade em resolver alguma questão, releia o
capítulo.
1. Releia o trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha, em versão original
e atualizada, que está na p.207 deste capítulo e responda:
a) Ao ler as duas versões, observa-se diferença na grafia e na
pronúncia das palavras. Dê três exemplos.
R.:

b) A partir da resposta dada no item “a”, podemos afirmar que a


Língua Portuguesa se modificou através dos tempos? Dê outros
exemplos do texto que justifiquem sua resposta.
R.:

c) Compare, agora, a versão original da Carta com qualquer texto


das cantigas medievais escritas em galego-português (ver capí-
tulo 8).

Em qual você sentiu maior dificuldade de entendimento: na carta ou


na cantiga? Por quê?
R.:
211
A LITERATURA INFORMATIVA SOBRE O BRASIL

2. O texto seguinte é parte do 2º ato do Auto da Festa de São Lou-


renço, do padre José Anchieta, numa adaptação de Walmir Ayala.
A N O T A Ç Õ E S -

Segundo Ato
(Entram três diabos que querem destruir a aldeia com pecados.
São Lourenço, São Sebastião e o Anjo da Guarda reagem, livrando-
a e prendendo os tentadores, cujos nomes são: Guaixará, que é o
rei; Aimbirê e Saravaia, seus criados.)

GUAIXARÁ trago bem conceituada.


Esta virtude estrangeira Valente é que se embriaga
me irrita sobremaneira. e todo o cauim entorna,
Quem o teria trazido, e à luta então se consagra.
Com seus hábitos polidos
estragando a terra inteira? Que bom costume é bailar!
Adornar-se, andar pintado,
Só eu tingir pernas, empenado
permaneço nesta aldeia fumar e curandeirar,
como chefe guardião. andar de negro pintado.
Minha lei é a inspiração
que lhe dou, daqui vou longe Andar matando de fúria.
visitar outro torrão*. amancebar-se*, comer
Quem é forte como eu? um ao outro, e ainda ser
Como eu, conceituado? espião, prender Tapuia,
Sou diabo bem assado, desonesto a honra perder.
a fama me precedeu: Para isso
Guaixará sou chamado. com os índios convivi.
Vêm os tais padres agora
Meu sistema é o bem viver. com regras fora de hora
Que não seja constrangido pra que duvidem de mim.
o prazer, nem abolido. Lei de Deus que não vigora.
Quero as tabas acender
com meu fogo preferido. Pois aqui
Boa medida, é beber tem meu ajudante-mor,
cauim* até vomitar. diabo bem requeimado,
Isto é jeito de gozar meu bom colaborador:
a vida, e se recomenda grande Aimberê, perversor*
a quem queira aproveitar.
dos homens, regimentado.

A moçada beberrona Anchieta, 1973, p.


212
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - Os jesuítas, na sua obra de conversão do indígena brasileiro, tentaram


destruir os valores tradicionais da cultura desse povo.
Segundo o texto, responda:
a) Que valores são esses?
R.:

b) Qual o artifício que os padres empregam para convencimento


dos índios?
R.:

c) Que papel o diabo-chefe atribui aos padres?


R.:

AMPLIANDO O HORIZONTE

No Cinema e na TV
Como era gostoso o meu francês - filme brasileiro de Nélson
Pereira dos Santos. É a história de um francês que, caindo prisio-
neiro na mão dos índios, é tratado com todas as regalias, inclusive
recebendo carícias de belas nativas. Como a tribo era praticante
de antropofagia (prática de comer carne humana), o título do filme
fica ambíguo, uma vez que o adjetivo gostoso pode ser entendido
tanto no sentido conotativo quanto no sentido denotativo.
Hans Staden - filme brasileiro, baseado na história real do alemão
Hans Staden, que, feito prisioneiro pelos índios Tupinambá, aguar-
dava a hora de ser sacrificado. Consegue, no entanto, ser libertado.
Posteriormente, o viajante escreve um livro em que registra sua
experiência e descreve os hábitos daqueles indígenas.

Nas Livrarias
A verdadeira história dos selvagens e ferozes devoradores de
homens – narrativa de Hans Staden (traduzido por Pedro Süssekind),
publicada pela editora Dantes.
O alemão Hans Staden, desejoso de ir para as Índias, vai para a
Holanda, onde embarca para Portugal e de lá para o Brasil. Aqui,
trava combates com franceses e índios, ao lado dos portugueses.
De volta a Portugal, depois de algum tempo, resolve regressar para
o Novo Mundo e acaba prisioneiro dos índios Tupinambá, que,
julgando-o português (povo de quem eram ferozes inimigos), têm
intenção de devorá-lo. Hans Staden consegue convencê-los de que
213
A LITERATURA INFORMATIVA SOBRE O BRASIL

é francês (povo de quem esses índios eram amigos). Depois de nove


meses de muito medo de morrer, tem sua liberdade comprada pelos
A N O T A Ç Õ E S -
tripulantes de um navio francês.
A carta de Pero Vaz de Caminha - em versão atualizada, com
comentários e notas de Douglas Tufano, ilustrada por Mozart Couto
(publicada pela Editora Moderna).

GLOSSÁRIO

Acrescentamento – expansão.
Amancebar-se – amasiar-se, amigar-se, viver em concubinato.
Andirá-guaçu – morcego grande.
Atégora – até agora.
Boicininga – cascavel.
Brandindo – do verbo brandir; erguendo.
Cauim – espécie de bebida preparada com a mandioca cozida e
fermentada.
Chã – plana, terreno plano, planície.
Cosmografia – astronomia descritiva, isto é, parte da astronomia
que trata da descrição do universo.
Espádua(s) – a omoplata e as partes moles que a revestem.
Fremosa – formosa.
Jaguar – onça-pintada, considerada a fera mais terrível das
Américas.
Jaguarê – do tupi, nome formado de jaguar (a onça), mais elemento
de reforço (ê): verdadeiramente onça, digno desse nome por sua
coragem, força e ferocidade.
Maratacaca – o mesmo que maritaca ou maitaca: jandaia, ave
semelhante ao papagaio, mas de dimensões menores.
Oitava – espaço de oito dias consagrado a uma festa religiosa.
Perversor – aquele que corrompe, que desmoraliza.
Sabrosa – saborosa.
Saradinha(s) – cerradinha, fechadinha.
Tamarutaca – vocábulo tupi: tipo de crustáceo semelhante à la-
gosta, que vive no fundo do mar.
Torrão – território, terra.
Valerosa(s) – valorosa.
Vergonhas – órgãos sexuais do corpo humano.
214
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A CARTA de Pero Vaz de Caminha. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977


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[s.d.].
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renço. (Livre adaptação de Walmir Ayaila). Rio de Janeiro: Serviço
Nacional de Teatro, 1973.
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Estado de Cultura, 1990.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2. ed.
São Paulo: Cultrix, 1978.
CAMINHA, Pero Vaz de. A carta de Pero Vaz de Caminha. Ed.
comentada por Douglas Tufano. São Paulo: Moderna, 1999.
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Paulo Ramos. Porto: Porto, [s.d.].
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tura brasileira I: das origens ao romantismo. 7. ed. rev. São
Paulo: Cultrix; Universidade de São Paulo, 1975.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 7. ed.
Rio de Janeiro: Distribuidora de livros escolares, 1972.
DANTAS, José Maria de Souza. Novo manual de literatura. São
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FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo Aurélio século XXI: o di-
cionário da língua portuguesa. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro:
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RICARDO, Cassiano. Martim Cererê. 13. ed. Rio de Janeiro: José
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RODRIGUES, A. Medeiros et al. Antologia da literatura brasileira:
o Modernismo. São Paulo: Marco, 1979. V. 2.
SODRÉ, Nélson Werneck. História da literatura brasileira. 6. ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
STADEN, Hans. A verdadeira história dos selvagens, nus e fero-
zes devoradores de homens. (Tradução de Pedro Süssekind).
2. ed. Rio de Janeiro: Dantes, 1999.
TERRA, Ernani; NICOLA, José de. Curso prático de língua, litera-
tura e redação. São Paulo: Scipione, 1994. V.1.
215
A LITERATURA INFORMATIVA SOBRE O BRASIL

MEMÓRIAS DA VIAGEM
A N O T A Ç Õ E S -
Luís Vaz de Camões, na primeira estrofe de Os Lusíadas, poema épico
publicado em 1572, canta os homens corajosos que, enfrentando perigos
sobre-humanos, edificam um “Novo Reino” entre “gente remota” (gente
que habitava terras distantes). E continua na segunda estrofe:

E também as memórias gloriosas


Daqueles Reis que foram dilatando
a Fé, o Império, e as terras viciosas
de África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas*
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
(p. 53)

1. Embora, nesta epopeia, o poeta lusitano não faça referência às terras


americanas, os portugueses nelas também “edificaram um Novo Reino”
e dilataram a “Fé e o Império”.
Em qual dos textos seguintes, todos representativos da Literatura In-
formativa, essa afirmação melhor pode ser comprovada?
a) “As águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que,
querendo-se aproveitá-la, dar-se-á nela tudo, por causa das
águas que tem.
Porém o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será
salvar esta gente e esta deve ser a principal semente que Vossa
Alteza nela deve lançar.”

Caminha, apud Bosi, p.17

b) “A causa principal que me obrigou a lançar mão da presente


história, e sair com ela à luz, foi por não haver atégora* pessoa
que a empreendesse, havendo já setenta e tantos anos que esta
Província é descoberta.”

Gandavo, idem. p. 18

c) “Esta é mui branda [a língua tupi] e a qualquer nação fácil de


tomar. Alguns vocábulos há nela de que não usam senão as
fêmeas, e outros que não servem senão para os machos: carece
de três letras, convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem
R, cousa digna de espanto porque assim não têm, Fé nem Lei,
nem Rei (...)”

ib. p. 20
216
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - d) “Como todas as coisas têm fim, convém que tenham princípio, e


como o de minha pretensão é manifestar a grandeza, fertilidade
e outras grandes partes que têm a Bahia de Todos os Santos e
aos demais Estados do Brasil, do que se os reis passados tanto
se descuidaram (...)”

Gabriel Soares de Souza, apud Cândido; Castello, p. 11-12

2. Camões não se referiu às terras americanas entre as conquistas


ultramarinas de Portugal. Qual entre as opções a seguir apresenta melhor
explicação para essa atitude?
a) O Brasil ainda não passava de uma colônia quando o poema foi
escrito e, portanto, não era digno de ser mencionado.
b) O poema, embora apresente como tema central as glórias do
povo português, tem por assunto a viagem de Vasco da Gama
às Índias, fato que ocorreu antes da descoberta de Cabral.
c) O Brasil era habitado por um povo selvagem, comedor de carne
humana, e sua “descoberta”, assim, não era motivo de glória.
d) Camões, provavelmente, não tinha informações de que essas
terras tivessem sido descobertas pelos portugueses, já que, até
hoje, há controvérsias a esse respeito.

3. No seu poema, Camões propõe-se a cantar também “aqueles que


por obras valerosas se vão libertando da lei da Morte”.
O poeta português refere-se àqueles:
a) heróis que, por nunca terem cometido um pecado, estavam
certamente no céu;
b) homens que morreram em batalhas para defender a fé cristã
e os reis sem memória;
c) somente aos navegadores que se aventuraram por “terras vicio-
sas”, para lutar para que os reis daquela terra recobrassem a
memória;
d) a todos aqueles cujas obras ficaram na memória do povo e,
portanto, não foram esquecidos, isto é, libertaram-se da “lei da
morte” (o esquecimento).

José de Alencar, importante ficcionista brasileiro do século XIX, es-


creveu, entre outros, romances cujo tema é o indígena brasileiro.
O texto, a seguir, é um trecho de uma dessas obras: Ubirajara.

Mais uma vez o grande guerreiro investiu com o bote


armado; e a lança escrava de Jaguarê* cravou o peito do
inimigo.
Ele caiu, o guerreiro chefe, o grande varão Tocantins, o
217
A LITERATURA INFORMATIVA SOBRE O BRASIL

valente dos valentes, Pojucã, o feroz matador de gente. A N O T A Ç Õ E S -


E Jaguarê, brandindo a arma da vitória, bradou: – Eu
sou Ubirajara, o senhor da lança, que venceu o primeiro
guerreiro dos guerreiros de Tupã.
Eu sou Ubirajara, o senhor da lança, o guerreiro terrível
que tem por arma uma serpente.”
José de Alencar, p. 24

4. Pelo que se depreende da leitura do texto, pode-se afirmar que:


a) Pojucã, cuja fama era de grande ferocidade, demonstrou ser um
guerreiro valente, mas menos hábil que Jaguarê.
b) Jaguarê, vencendo Pojucã à traição, como uma serpente, não
tinha motivos para orgulhar-se.
c) Jaguarê era um escravo de Pojucã, traiçoeiro como uma serpente.
d) Jaguarê lutava com uma lança que, na verdade, era uma ser-
pente.

5. “E Jaguarê, brandindo* a arma da vitória, bradou”. Isto é:


a) o índio estava segurando a lança enquanto se autoelogiava;
b) o índio, erguendo a lança, gritou;
c) Jaguarê, largando a lança, afirmou;
d) Jaguarê, sacudindo a serpente, disse.

6. O alemão Hans Staden, que foi prisioneiro dos índios Tupinambá


em uma das viagens ao Brasil, fez dois relatos sobre sua experiência,
retratando, entre outros aspectos, a cultura desses índios.
Qual dos trechos apresentados a seguir não pode ser diretamente rela-
cionado com o texto de José de Alencar?
a) “O que vale como uma honra entre eles é ter aprisionado e
matado muitos inimigos, pois esse é o seu costume.” (p. 156)
b) “Seus nomes são escolhidos a partir dos animais selvagens.
Dão-se muitos nomes, mas com determinadas distinções: no
nascimento, um menino recebe um nome que conservará até
crescer e mostrar-se um guerreiro valoroso, capaz de matar
inimigos.” (p. 151)
c) “Também observei como um dos chefes vai passando por todas as
cabanas durante a manhã e arranha as pernas das crianças com
um dente de peixe. Isso é para fazê-las ficar com medo.” (p. 155)
218
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - d) “Encontrei-me completamente sozinho, sem ninguém prestando


a menor atenção em mim, de modo que bem poderia ter fugido.
(...) Mas desisti por causa dos cristãos aprisionados, dos quais
quatro ainda estavam vivos. Se eu tivesse fugido, os selvagens,
em sua cólera, teriam matado todos eles imediatamente.” (p.
104)

7. Seguem-se quatro afirmativas a respeito da Literatura Informativa


sobre o Brasil:
I Tem importância fundamental, pois revelou os primeiros grandes
escritores das nossas artes literárias.
II As primeiras informações para a Europa a respeito da terra
brasileira e sua gente estão registradas nos escritos tanto dos
jesuítas, quanto dos cronistas e viajantes estrangeiros.
III É considerada bastante valiosa, pois constitui-se em fonte de
inspiração para autores de outras época.
IV Não se pode observar nela qualquer traço artístico, invalidando,
assim, sua inclusão na categoria de Literatura.

Entre essas afirmativas, umas são falsas e outras verdadeiras. Faça a


diferença entre elas e depois assinale a opção que contém a resposta certa.
a) São falsas apenas as afirmativas III e IV.
b) A única afirmativa falsa é a I.
c) São falsas somente as afirmativas I e IV.
d) É falsa apenas a afirmativa IV.

Todos os textos a seguir são do Padre José de Anchieta. Sobre eles


serão propostas as questões 8 e 9.

Texto 1
Não há cousa segura. do doce amor de Deus toda
ferida.
Tudo quanto se vê
O mundo deixa em calma,
se vai passando.
buscando a outra vida,
A vida não tem dura.
na qual deseja ser
O bem se vai gastando.
absolvido.
Toda criatura
Em Deus, meu criador,
Passa voando.
apud Bosi p. 23
Contente assim, minh’alma,
219
A LITERATURA INFORMATIVA SOBRE O BRASIL

Texto 2 A N O T A Ç Õ E S -
Ó que pão, ó que comida Qu’este manjar tudo as
ó que divino manjar gaste

se nos dá no santo altar porque é fogo gastador


cada dia! que com seu divino amor
tudo abrasa.

Este dá vida imortal,


este mata toda fome, Do santíssimo sacramen-
to, apud Bosi, p. 24
porque nele Deus e homem
se contêm.

Texto 3

Aimberê (um diabo) Teremos que amedrontá-los.


Há um sujeito no caminho As flechas evitaremos,
que me ameaça de assalto. fingiremos de atingidos.
Será Lourenço, o queimado? Aimberê
Olha, eles vêm decididos
Saraguaia (outro diabo)
açoitar-nos. Que faremos?
Ele mesmo, é Sebastião.
Pensa que estamos perdidos
Aimbirê
(São Lourenço fala a Guaixirá)
E o outro, dos três que são?
São Lourenço
Saraguaia
Quem és tu?
Talvez seja o Anjo mandado,
desta aldeia o guardião. Guaixirá
Sou Guaixirá embriagado,
Aimbirê
Sou boicininga*, jaguar*
Ai! Eles me esmagarão!
antropólogo, agressor,
Não posso sequer olhá-los.
andirá-guaçu* alado
Guaixirá (rei dos diabos) sou demônio matador
Não te entregues assim não, Auto representado na festa São
ao ataque, meu irmão! Lourenço, 1973, p. 9-10

8. Em qual desses textos, reflete-se a visão teocêntrica medieval?


a) em nenhum deles;
b) em todos eles;
c) apenas no 1 e 2;
d) só no 3.
220
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 9. Pelo texto 3, trecho do Auto da festa de São Lourenço, pode -se


perceber alguns dos artifícios empregados pelos jesuítas na catequese do
indígena.
I Dar nome indígena aos diabos, insinuando que os costumes do
povo eram influenciados pelas forças do Mal.
II Referência ao costume dos índios de devorar os seus inimigos
como uma prática contrária às leis de Deus.
III Apresentar os santos católicos, São Lourenço e São Sebastião,
como representantes do Bem, já que são acompanhados por um
Anjo.
a) Estão todas corretas.
b) Só está correta a afirmativa III.
c) Só está correta a afirmativa II.

10. Qual dos poemas de Oswald de Andrade, escritor brasileiro do


século XX, não se pode relacionar com a Literatura Informativa do século
XVI?
a) Seguimos nosso caminho por este mar longo
Até a oitava* da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista da terra. (p. 69)
b) As fontes que há na terra sam infinitas cujas águas fazem crescer
a muytas
e muy grandes rios
Que por esta costa
Assi na banda do Norte como do Oriente
Entram no mar oceano. (p. 72)
c) Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas*
E suas vergonhas* tão altas e tão saradinhas*
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha. (p. 70)
d) “Lá fora o luar continua
E o trem divide o Brasil
Como um meridiano.” (p. 91)
C A P í t U L O 12

FORMAS NARRATIVAS EM PROSA

• O CONTO
• A CRÔNICA
• A NOVELA
• O ROMANCE
C A P í t U L O 12

FORMAS NARRATIVAS EM PROSA

PLANEJANDO A ROTA
A N O T A Ç Õ E S -
H á pessoas que adoram ler um bom romance, enquanto outras
preferem um livro de contos: “são mais rápidos para serem lidos”,
dizem; alguns escolhem a novela: “distraem tanto”, é o comentário
mais comum; há, ainda, os que preferem uma boa crônica.
E você, qual a sua leitura preferida?

INVESTIGANDO CAMINHOS

Quando falamos em crônica, romance, conto ou novela, estamos nos


referindo às espécies de narrativa em prosa.
Já vimos que os elementos fundamentais em uma narrativa são: nar-
rador, fatos e personagens, e que o enredo é o conjunto de fatos que
constroem o texto.
Qualquer texto narrativo caracteriza-se por uma progressão marcada
por aventuras, romances, suspense, incidentes, fatos reais ou imaginários.
Geralmente podemos marcar três momentos que ocorrem ao longo do
enredo: a complicação, o clímax e o desenlace.
• Complicação ou ação perturbadora: fato que desorganiza a
ordem estabelecida, instaurando o confl ito (pode haver mais de
uma complicação);
• Clímax: momento de maior tensão da história;
• Desenlace: solução do confl ito ou retorno à ordem aparente.
224
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA
O Conto

A N O T A Ç Õ E S - Narrativa curta que procura registrar um conflito do qual um número


reduzido de personagens participa. Com a introdução muito próxima do
desfecho, o conto apresenta uma só unidade de ação, num espaço limitado.
Esta ação costuma ter uma intensa carga dramática, desenrolando-se em
um único local. É característica do contista evitar divagações, indo dire-
tamente ao assunto, sem deter-se em aspectos secundários.
Leia o conto a seguir, com muita atenção.

Cego e amigo Gedeão à beira da estrada


– Este que passou agora foi um Volkswagen 1962, não é, amigo
Gedeão?
– Não, Cego. Foi um Simca Tufão.
– Um Simca Tufão?... Ah, sim, é verdade. Um Simca potente. E
muito econômico. Conheço o Simca Tufão de longe. Conheço qualquer
carro pelo barulho da máquina.
Este que passou agora não foi um Ford?
– Não, Cego. Foi um caminhão Mercedinho.
– Um caminhão Mercedinho! Quem diria! Faz tempo que não passa
por aqui um caminhão Mercedinho. Grande caminhão. Forte. Estável
nas curvas. Conheço um Mercedinho de longe... Conheço qualquer
carro. Sabe há quanto tempo sento à beira desta estrada ouvindo os
motores, amigo Gedeão? Doze anos, amigo Gedeão. Doze anos.
É um bocado de tempo, não é, amigo Gedeão? Deu para aprender
muita coisa. A respeito de carros, digo. Este que passou não foi um
Gordini Teimoso?
– Não, Cego. Foi uma lambreta.
– Uma lambreta... Enganam a gente, estas lambretas. Principal-
mente quando eles deixam a descarga aberta.
Mas como eu ia dizendo, se há coisa que eu sei fazer é reconhecer
automóvel pelo barulho do motor. Também, não é para menos: anos
e anos ouvindo!
Esta habilidade de muito me valeu, em certa ocasião... Este que
passou não foi um Mercedinho?
– Não, Cego. Foi o ônibus.
– Eu sabia: nunca passam dois Mercedinhos seguidos. Disse só
para chatear. Mas onde é que eu estava? Ah, sim.
Minha habilidade já me foi útil. Quer que eu conte, amigo Gedeão?
Pois então conto. Ajuda a matar o tempo, não é? Assim o dia termina
mais ligeiro. Gosto mais da noite: é fresquinha, nesta época. Mas
225
FORMAS NARRATIVAS EM PROSA

como eu ia dizendo: há uns anos atrás mataram um homem a uns dois A N O T A Ç Õ E S -


quilômetros daqui. Um fazendeiro muito rico. Mataram com quinze
balaços. Este que passou não foi um Galaxie?
– Não. Foi um Volkswagen 1964.
– Ah, um Volkswagen... Bom carro. Muito econômico. E a caixa
de mudanças muito boa. Mas, então, mataram o fazendeiro. Não ouviu
falar? Foi um caso muito rumoroso*. Quinze balaços! E levaram todo
o dinheiro do fazendeiro. Eu, que naquela época já costumava ficar
sentado aqui à beira da estrada, ouvi falar no crime, que tinha sido
cometido num domingo. Na sexta-feira, o rádio dizia que a polícia
nem sabia por onde começar. Este que passou não foi um Candango?
– Não, Cego, não foi um Candango.
– Eu estava certo que era um Candango... Como eu ia contando:
na sexta, nem sabiam por onde começar.
Eu ficava sentado aqui, nesta mesma cadeira, pensando, pensando...
A gente pensa muito. De modos que fui formando um raciocínio. E
achei que devia ajudar a polícia. Pedi ao meu vizinho para avisar ao
delegado que eu tinha uma comunicação a fazer. Mas este agora foi
um Candango!
– Não, Cego. Foi um Gordini Teimoso.
– Eu seria capaz de jurar que era um Candango. O delegado de-
morou a falar comigo. De certo pensou: “Um cego? O que pode ter
visto um cego?” Estas bobagens, sabe como é, amigo Gedeão. Mesmo
assim, apareceu, porque estavam tão atrapalhados que iriam até falar
com uma pedra. Veio o Delegado e sentou bem aí onde estás, amigo
Gedeão.
Este agora foi o ônibus?
– Não, Cego. Foi uma camioneta Chevrolet Pavão.
– Boa, esta camioneta, antiga, mas boa. Onde é que eu estava? Ah,
sim. Veio o delegado. Perguntei:
“Senhor delegado, a que horas foi cometido o crime?”
– “Mais ou menos às três da tarde, Cego” – respondeu ele. “Então”
– disse eu. – “O senhor terá de procurar um Oldsmobile 1927. Este
carro tem a surdina furada.
Uma vela de ignição funciona mal. Na frente, viajava um homem
gordo. Atrás, não tenho certeza, mas iam talvez duas ou três pessoas.”
O delegado estava assombrado. “Como sabe de tudo isto, amigo?” –
era só o que ele perguntava. Este que passou não foi um DKW?
– Não, Cego. Foi um Volkswagen.
– Sim. O delegado estava assombrado. “Como sabe de tudo isto?”
226
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - – “Ora, delegado” – respondi. – “Há anos que sento aqui à beira da es-
trada ouvindo automóveis passar. Conheço qualquer carro. Sem mais:
quando o motor está mal, quando há muito peso na frente, quando há
gente no banco de trás. Este carro passou para lá às quinze para as três;
e voltou para a cidade às três e quinze.” – “Como é que tu sabias das
horas?” – perguntou o delegado. – “Ora, delegado” – respondi. – “Se
há coisa que eu sei – além de reconhecer os carros pelo barulho do
motor – é calcular as horas pela altura do sol.” Mesmo duvidando, o
delegado foi... Passou um Aero Willys?
– Não, Cego. Foi um Chevrolet.
– O delegado acabou achando o Oldsmobile 1927 com toda a turma
dentro. Ficaram tão assombrados que se entregaram sem resistir. O
delegado recuperou todo o dinheiro do fazendeiro, e a família me
deu uma boa bolada de gratificação. Este que passou foi um Toyota?
– Não, Cego. Foi um Ford 1956.
Moacyr Scliar

Identifique no conto: os personagens, os fatos, o ambiente onde se


passa a ação e a época em que acontece. Determine o fato que instaurou
o conflito, o momento de maior tensão na história e a solução dada.
Será que o cego falava a verdade? Justifique sua resposta. Peça que
outras pessoas leiam o conto e discuta com elas a sua opinião.
O conto tem como personagens o Cego e seu amigo Gedeão. Eles
conversam à beira de uma estrada por um período curto de tempo, durante
o dia.
O Cego conta a Gedeão uma história incrível, cuja veracidade se con-
testa pelo próprio desenrolar da narrativa (o Cego não consegue identificar
nenhum carro).
A complicação começa quando o cego conta que se propôs a ajudar a
polícia na elucidação de um crime, mas o delegado custou a ir falar com ele.
O auge, o ponto de maior tensão, está na frase “Mesmo duvidando, o
delegado foi”... E, finalmente o conflito se resolve: o cego acertou!

A Crônica
A palavra crônica vem do grego Khrónos e significa tempo. O termo
é usado para definir uma modalidade narrativa breve, periódica e comu-
nicativa. As personagens são definidas apenas quanto ao momento da
ação, pouco ou nada sendo dito sobre elas além do que possa interessar
ao que está sendo contado. Ao tratar de fatos que caracterizam uma parte
da sociedade, a crônica pode exprimir o estado emotivo do cronista, apre-
227
FORMAS NARRATIVAS EM PROSA

sentar uma reflexão a partir de um fato, dar uma visão crítica dos fatos ou A N O T A Ç Õ E S -
tratar de aspectos particulares das notícias ou dos fatos (crônica esportiva,
policial, política etc.).
O cronista é um colecionador de instantes. É o olhar sensível que
percorre as esquinas do cotidiano e registra fatos, momentos, um riso, o
medo, cansaços. Combina a mesmice* do dia a dia em novas imagens,
como um mágico.
Para entender um pouco mais desse olhar de um cronista, leia o texto
a seguir:

A banalização do Bem

O jeitinho brasileiro, o pistolão, o privilégio, a bandalha*, tudo isso


nasceu há 500 anos, eu aprendi com os alunos da Escola Dínamis, em
Botafogo, que realizaram uma pesquisa sobre “a cultura da bandalha”,
inspirados em recente campanha de O Globo.
O trabalho envolveu 500 alunos de 7 a 14 anos, da 1ª à 8ª série
do ensino fundamental. Interdisciplinar, recorreu a matérias como
Português, Geografia, História e Química, incluindo leituras de textos
históricos e literários, além de uma pesquisa de opinião sobre infra-
ções de trânsito, estacionamento proibido, lixo, pichação de paredes
e transgressões em geral.
O resultado é muito curioso. Por exemplo: ampliando o conceito
de bandalha, eles constataram, com base em textos selecionados
pelo professor de História Paulo Carvalho, que ela já está inscrita no
primeiro documento sobre o Brasil. Analisando a parte final da carta
de Caminha, eles observaram que o cronista despreza o que encontrou
– “o melhor fruto (...) será salvar essa gente” – mas usa o pistolão do
rei para pedir um privilégio: “Mande vir da ilha de São Tomé Jorge
de Osório, meu genro.”
No seu relatório, um menino da 7ª série atribui a bandalha a uma
herança portuguesa: “Chegando ao final do estudo, posso perceber
que esse “jeitinho brasileiro” é ruim e vem da época da colonização
(...) O Brasil tem que acordar e tentar diminuir isso.”
Na cadeira de Português, o professor Luiz Roberto deu como ex-
emplo poemas do grande satírico do século XVII Gregório de Matos,
que lá pelas tantas, falando da Bahia, resume: “De dous ff se compõe/
esta cidade a meu ver/ um furtar outro foder.”
O professor Luiz Fernando distribuiu um texto que procura as raízes
do fenômeno: “(...) O famoso jeitinho brasileiro brotou das ruínas do
Primeiro Reinado e teve como primeiro e grande fruto o Segundo
Reinado e tudo o que se seguiu, até os dias atuais, com as tentativas
228
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - agora de mudar os aspectos formais do governo para evitar mudanças


substanciais nos conteúdos políticos e econômicos.”
Comentário de um aluno da 7ª série: “Para os governantes, é muito
mais cômodo e fácil deixar a situação econômica e social do jeito que
está do que transformá-la.”
Samuel, o professor de Química, fez um levantamento sobre o
lixo e toda as suas implicações: desde uma tabela do tempo de de-
composição de produtos – uma garrafa plástica leva cem anos – até
receita para reciclar papel.
Com o resultado visual da pesquisa – fotos, desenhos, gráficos
coloridos – o professor Anselmo montou um mural onde se podem ver
os flagrantes tirados pelos próprios alunos: carros sobre as calçadas,
sinais desrespeitados, lixos espalhados pelas ruas, paredes pichadas.
À pergunta “Você tem hábito de fazer pichações?”, 24% respond-
eram sim e 76%, não. A idade dos entrevistados (64%) e entrevistadas
(36%) variava : até 10 anos (2%), de 11 a 14 anos (34%), de 15 a 19
anos (53%) e acima de 20 anos (11%). 94% eram da Zona Sul, 4% da
Zona Norte e 2%, da Zona Oeste.
E o que será que os pais acham das pichações? As respostas: 39%
acham um absurdo; 14% consideram uma bandalha; 25% não sa-
bem; 2% acham errado, mas respeitam; 9% não se interessam; 14%,
“outros.”
“Por que você acha que as pessoas picham?” A maioria (34%)
acha que é por “querer aparecer”; 16%, por “falta do que fazer”;
15%, porque “gostam”; 13% para “desafiar as autoridades”; 7%, por
“influência”.
“O que você acha que pode ser feito para acabar com a pichação?”
Para a maioria (33%), as autoridades deveriam obrigar os pichadores
a limpar a sujeira; 25% propõe limitar a venda de spray; 19% reco-
mendam a prisão; 15%, maior policiamento.
Vendo aquelas crianças sentadas no chão durante quase duas horas,
discutindo de igual para igual com um velho que poderia ser bisavô
delas, chega-se a algumas conclusões:
A primeira é que no Brasil, por trás de uma boa ação, há sempre
um professor “a não ser que ele acabe presidente”. A segunda é que
deve haver algo de errado quando a gangue da Real Grandeza é mais
notícia do que a Escola Dínamis; e seus componentes mais famosos
do que aquelas crianças conscientes de seus deveres e direitos civis.
Mas a sensação mais forte é a mesma que eu já tinha sentido em
experiências semelhantes em outros colégios como Eliézer Steinberg,
229
FORMAS NARRATIVAS EM PROSA

Tereziano, Abel, Gay Lussac, Escola Municipal Francisco Alves... e A N O T A Ç Õ E S -


deve haver muitos mais:nem tudo está perdido. Como disse a profes-
sora Heloísa Padilha, uma das responsáveis pela iniciativa da Dínamis,
o objetivo da escola numa hora em que só se fala em banalização do
mal deve ser difundir as boas ações – “banalizar o bem”.
Zuenir Ventura

Observe como o autor, sensivelmente, apresenta-nos uma reflexão a


partir do registro de fatos do cotidiano.
Que tal aproveitar a ideia e fazer uma pesquisa de ações realizadas
para o bem-estar de comunidades carentes em sua região? Afinal, como
diz o cronista, é hora de “banalizar o bem”.

A Novela
Ao contrário do conto, a novela apresenta um maior número de per-
sonagens principais e secundárias, algumas das quais são mantidas como
fio condutor da narrativa, enquanto outras são logo substituídas ou pas-
sam a um plano inferior. A carga dramática vai crescendo ao longo dos
episódios até o final. A novela é uma narrativa geralmente centrada em
um só acontecimento e a influência que ele exerce em outras situações.
Para você observar bem as características dessa forma narrativa, procure
assistir às novelas exibidas na televisão.

O ROMANCE
O romance constitui uma narrativa longa, de enredo mais complexo
que a novela. Os romances podem ser: de aventuras, de amor, policial, de
ficção científica, fantástico, realista etc. Geralmente, no romance, há um
núcleo mais importante e outros que vão sendo desenvolvidos ao mesmo
tempo, configurando uma teia de conflitos. As personagens são analisadas
mais profundamente no romance do que em outras espécies narrativas.
Como o romance e a novela são narrativas longas, não transcrevemos
exemplos e, sim, indicamos, na seção Ampliando horizontes, desse volume,
alguns títulos para leitura desses tipos de narrativa.
Que tal você mesmo procurar boas indicações de leitura?

DESAFIOS DO PERCURSO
Este espaço é reservado para você aplicar os conhecimentos adquiridos
aqui. Caso sinta dificuldade em resolver alguma questão, releia o capítulo.
Leia o texto a seguir com muita atenção.
230
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - A ÚLTIMA CRÔNICA
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar
um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de
escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de
coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório
no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária
algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a
faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial*, ao episódio.
Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer
nas palavras de uma criança ou num incidente doméstico, torno-me
simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para
contar, curvo a cabeça e tomo o meu café, enquanto o verso do poeta
se repete na lembrança: “Assim eu quereria o meu último poema”.
Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora
de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de negros acaba de sentar-se,
numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos.
A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-
se acentuar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na
cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à
mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes
de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno
à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo,
porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que dis-
cretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás
na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo na redoma. A mãe
limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguar-
dasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do
homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando
para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A
meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do
balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho – um
bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de coca-cola
e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a
comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa
um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante,
retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera.
A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais
os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta capricho-
231
FORMAS NARRATIVAS EM PROSA

samente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a coca-cola, o pai risca A N O T A Ç Õ E S -


o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha
repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas.
Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando
num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: “Parabéns pra você,
parabéns pra você...” Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-
las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos
sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com
ternura – ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo
que cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como
a se convencer intimamente do sucesso da celebração. De súbito, dá
comigo a observá-lo, nossos olhos se encontraram, ele se perturba,
constrangido – vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando
o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria a minha última crônica: que fosse pura como
esse sorriso.
Fernando Sabino

1. Responda, com base na leitura do texto, as perguntas a seguir:


a) Quais os personagens envolvidos na história?
R.:

b) Que referências há no texto quanto ao tempo e ao espaço da


narrativa?
R.:

c) Qual o fato que instaura o conflito?


R.:

d) Qual o clímax da história?


R.:

e) Como foi solucionado o conflito?


R.:

f) Em que foco narrativo os fatos são contados? Justifique sua


resposta.
R.:
232
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 2. Agora é a sua vez. Procure no seu dia a dia um assunto para escrever
uma crônica. Lembre-se de que o enredo é muito importante. Trabalhe
bem a sua trama e crie um título bem sugestivo.

AMPLIANDO O HORIZONTE

No Cinema e na TV
O Quatrilho – produção brasileira, um filme de Bruno Barreto.
Baseado no romance de José Clemente Posenato, conta a história
de dois casais de imigrantes italianos.
A casa dos espíritos – produção americana, direção de Bille Au-
gust. Baseado na novela de Isabel Allende, mostra um mundo de
paixão, amor, magia e vingança.
O homem nu – produção brasileira, direção de Hugo Carvana.
Baseado no conto do mesmo nome, de Fernando Sabino, é uma
deliciosa comédia, em que um homem nu vê-se envolvido em
situações estranhas, na cidade do Rio de Janeiro.
Ed Mort – produção brasileira, dirigido por Alain Fresnot. Baseado
em crônicas de Luis Fernando Veríssimo. Um filme cheio de humor
e aventuras.
Telenovelas – procure observar nas telenovelas, além dos el-
ementos da narrativa, a linguagem utilizada pelos personagens,
comparando-a com a que é utilizada na narrativa escrita.

Nas Livrarias
O gato sou eu – de Fernando Sabino, publicado pela Record. É uma
seleção de crônicas do autor: seus heróis anônimos, os grandes e
pequenos gestos do cotidiano.
Coleção Quem conta um conto – A editora Atual reuniu em cinco
livros contos de vários autores. Cada livro destaca um elemento
da narrativa.
Uma vida em segredo – Autran Dourado. Ediouro. Uma novela,
onde é narrada a incrível história de uma jovem que vivia na roça
– prima Biela – que se vê obrigada a morar com uns tios, em uma
pequena cidade do interior.
Senhora dona do baile – romance de Zélia Gattai, publicado pela
Record. A autora conta com espantosa riqueza de fatos, casos sérios
e engraçados que fizeram parte da vida dela.

Nas Bancas
Procure em jornais e revistas crônicas para sua leitura.
233
FORMAS NARRATIVAS EM PROSA

GLOSSÁRIO A N O T A Ç Õ E S -
Bandalha – pouca vergonha, patifaria, indecência.
Circunstancial – relativo ou resultante de circunstância.
Eloquência – capacidade de falar e exprimir-se com facilidade.
Mesmice – marasmo, pasmaceira.
Rumoroso – que produz rumor, ruidoso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo Aurélio século XXI: di-


cionário da língua portuguesa. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1999.
SABINO, Fernando. A vitória da Infância. São Paulo: Ática, 1994.
SCLIAR, Moacir. Cego e amigo Gedeão à beira da estrada. In.
Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1984. V. 9.
VENTURA, Zuenir. Crônicas de um fim de século. Rio de Janeiro:
Objetiva, 1999.
VERÍSSIMO, Luis Fernando. Comédias da vida privada: 101
crônicas escolhidas. Porto Alegre: L&PM, 1994.

MEMÓRIAS DA VIAGEM

Leia a crônica abaixo com muita atenção. Caso desconheça o sig-


nificado de alguma palavra, procure em um dicionário.

O MARIDO DO Dr. POMPEU


Ninguém estranhou quando, depois de vinte e cinco anos de casa-
mento, filhos criados, a mulher do dr. Pompeu pediu divórcio. As
razões dela eram normais para a época: não queria mais ser apenas
uma dona de casa. Queria viver sua própria vida, estudar psicologia,
ter sua própria carreira. Tudo bem. O escândalo, para mostrar como
ainda existem preconceitos, foi quando souberam que dr. Pompeu, em
vez de outra mulher, arranjara um marido.
– Quem diria, hein? O Pompeu.
A própria mulher foi pedir satisfações.
– Pompeu, você enlouqueceu?
– Por quê?
234
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - – Todos estes anos, eu nunca desconfiei que você fosse... desses.


– Desses o quê?
– Você sabe muito bem. Um...
A mulher se calou porque nesse exato momento chegou em casa o
marido do dr. Pompeu. Um homem apenas um pouco mais velho do
que ele, grisalho, ar respeitável. Um empresário de muito conceito.
– Alô... – disse o marido do dr. Pompeu, um pouco constrangido.
– Oi! – disse dr. Pompeu, alegremente.
– Boa tarde – disse a mulher, seca.
O marido do dr. Pompeu foi tomar seu banho, ouvindo a promessa
do dr. Pompeu que o jantar estaria na mesa num instantinho. Quando
a mulher ia começar a falar, o dr. Pompeu a deteve com um gesto.
– Não é nada do que você esta pensando – disse.
– Que eu estou pensando, não, Pompeu. Que todo mundo está
pensando.
– Nós temos um acordo. Eu cuido da casa para ele, supervisiono o
trabalho das empregadas, faço compras, faço tudo para que ele tenha
uma vida doméstica organizada e feliz. Em troca, ele me sustenta. Não
temos nenhum contato sexual porque nenhum de nós é, como você
disse com tanta eloqüência*, desses.
– Mas Pompeu...
– Eu não tenho do que me queixar. Meu padrão de vida melhorou.
Ele me dá dinheiro para tudo que eu preciso. Inclusive, aliás, para
pagar a sua pensão. E hoje eu posso fazer o que sempre sonhei. Não
trabalho, não me preocupo com as contas, com a segurança da famí-
lia, com todas essas coisas de homem. E o melhor: quando tenho que
descrever minha profissão, posso botar “Do lar”.
Mas Pompeu!
E agora me dá licença que preciso tratar do nosso jantar. Depois
do jantar ele vê o jornal Nacional e eu fico esperando a hora da minha
novela. Passe bem.
Luis Fernando Veríssimo

As perguntas a seguir, referem-se à crônica lida. Para cada uma delas,


só há uma resposta correta. Assinale-a.
1. As personagens envolvidas na história são:
a) O narrador, dr. Pompeu e a mulher dele.
b) Dr. Pompeu, a ex-esposa dele e o atual marido dela.
c) A ex-esposa de dr. Pompeu, dr. Pompeu e o atual marido dele.
d) Dr. Pompeu e suas duas esposas.
235
FORMAS NARRATIVAS EM PROSA

2. O foco narrativo do texto está em: A N O T A Ç Õ E S -


a) 1ª pessoa – o narrador é personagem da história;
b) 3ª pessoa – o narrador não é personagem da história;
c) 1ª pessoa – aparecem as falas dos personagens;
d) 3ª pessoa – os personagens não falam.

3. O conflito do texto está no fato de:


a) Dr. Pompeu ter pedido o divórcio.
b) A mulher do dr. Pompeu ter pedido o divórcio.
c) A mulher do dr. Pompeu ter-se casado novamente.
d) Dr. Pompeu estar morando com outro homem.

4. O clímax da narrativa começa quando:


a) A mulher do dr. Pompeu vai visitá-lo.
b) O atual marido do dr. Pompeu chega a casa.
c) A mulher do dr. Pompeu pede o divórcio.
d) O marido do dr. Pompeu vai tomar banho.

5. O conflito começa a solucionar-se quando:


a) A mulher vai embora.
b) Dr. Pompeu explica a situação.
c) Eles ligam a televisão.
d) Começa o jornal Nacional.

6. Essa crônica, de maneira geral está:


a) apresentando uma reflexão a partir de um fato;
b) dando uma visão irônica de um fato;
c) exprimindo a emoção do autor;
d) tratando de aspectos particulares de um fato.

7. A mulher do dr. Pompeu pediu o divórcio porque:


a) descobriu que ele era um desses;
b) desconfiava que ele tivesse uma amante;
c) queria viver sua própria vida;
d) não gostava mais dos filhos.
236
LINGUA PORTUGUESA • LITERATURA

A N O T A Ç Õ E S - 8. Dr. Pompeu parecia estar feliz. A frase que melhor confirma essa
afirmativa é:
a) “Ele me dá dinheiro para tudo”.
b) ”Meu padrão de vida melhorou”.
c) “Nós temos um acordo”.
d) “E hoje eu posso fazer o que sempre sonhei.”

9. O ambiente em que se desenrola a narrativa é:


a) a casa da ex-mulher de dr. Pompeu;
b) a casa onde moram dr. Pompeu e seu atual marido;
c) um restaurante;
d) um escritório de advocacia.

10. A palavra que substituirá desses, com mais precisão é:


a) irresponsável;
b) cretino;
c) sem-vergonha;
d) homossexual.

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